martinengo, marco - os primeiros paises socialistas

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    Para a Histria do Socialismo

    Documentos

    www.hist-socialismo.net

    Traduo do francs (cotejada com a verso castelhana)e edio por CN, 07.02.2012

    (original em http://www.nuovopci.it/eile/sp/ppsvsp.htm)

    _____________________________

    Os Primeiros Pases Socialistas(1)Por ocasio do 50. aniversrio da morte de I.V. Stline

    Marco Martinengo

    No lugar da velha sociedade burguesa com as suas classes e

    antagonismos de classe surge uma associao em que o livredesenvolvimento de cada um a condio para o livre

    desenvolvimento de todos

    Manifesto do Partido Comunista(1848)2

    I

    Devemos aproveitar o 50. aniversrio da morte de Stline (em 5 de Maro de1953) para estudar a experincia dos primeiros pases socialistas e divulg-la.

    Caso se refiram a este aniversrio, a burguesia e todos os que esto sob a suainfluncia discutiro a personalidade de Stline (1879-1953), as suas caractersticase o seu papel na histria. Pela sua natureza, a burguesia tem uma concepomarcadamente individualista da histria, e mesmo que reconhea que no Deusque faz a histria dos homens, mantm a convico de que, para o bem e para omal, so as grandes personalidades que a fazem. Para ela, os primeiros pasessocialistas so uma criao das grandes personalidades que os dirigiram. A maioriados burgueses que se interesse por este aniversrio tirar das suas gavetas discursosmais ou menos elaborados sobre os crimes de Stline e do stalinismo. inevitvel que assim seja. Durante dcadas, Stline representou para a burguesia o

    pesadelo do fim dos seus valores e privilgios, o pesadelo que os primeiros pasessocialistas durante a sua existncia fizeram pairar sobre ela. Aqueles quepretenderem distinguir-se concedero que a pessoa tambm tinha as suasqualidades. Aqueles que quiserem impressionar os frequentadores dos seus salessustentaro que foi um homem com grandes qualidades. Estes discursos no nosinteressam. Todos tm um objectivo poltico comum: denegrir a experincia dosprimeiros pases socialistas ou pelo menos desvalorizar esta experincia, que, pelocontrrio, tem hoje uma grande importncia para o futuro da histria da

    1Marco Martinengo, I Primi Paesi Socialisti,Edizioni Rapporti Sociali, 2003.2 Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels, Obras Escolhidas em trs tomos, ed.

    Avante!, Lisboa, 1982, t. I, p. 125. (N. Ed.)

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    humanidade. Alm do mais uma importante fonte de ensinamentos para astarefas que nos aguardam nesta fase de renascimento do movimento comunista.

    A concepo marxista da histria, que a nossa, reconhece naturalmente queexistem diferenas entre os papis desempenhados pelos diferentes indivduos navida social e na histria. Stline desempenhou seguramente um grande papel na

    experincia dos primeiros pases socialistas. Durante 30 anos esteve frente dopartido comunista do primeiro e mais importante pas socialista, a Unio Sovitica.Personificou as esperanas, as paixes e as iniciativas que este pas suscitou ealimentou nas classes e povos oprimidos, de um extremo ao outro do planeta,durante uma grande parte do sculo passado. Ao longo de dcadas fazer como aRssia foi a luz que iluminou a vida de milhes de homens e mulheres oprimidos efoi a ameaa que atormentou a vida da burguesia, da aristocracia, do clero e dosricos em geral. Mas s possvel caracterizar correctamente os papis dosdiferentes indivduos na base da compreenso das caractersticas do movimentosocial no seio do qual actuaram. Se por hiptese o mesmo indivduo, com as

    mesmas caractersticas pessoais, actuar da mesma maneira em contextos ecircunstncias sociais diferentes, pode desencadear fenmenos totalmentediferentes, inclusivamente opostos. Tomemos o exemplo de um homem vigoroso evalente: no campo de batalha revela-se um soldado valioso, mas ao regressar vidacivil pode no conseguir integrar-se na sociedade. Ou o de um operrio apaixonadopela sua profisso: na sociedade capitalista, o patro tender a aproveitar-se dele eele prprio poder mostrar-se avesso participao na luta de classes; na sociedadesocialista ter uma forte probabilidade de se tornar num elemento de vanguarda.

    No por acaso que a burguesia, desde que entrou na fase imperialista, se recusaa examinar o contexto social concreto e a identificar na relao com este o

    significado da actuao dos indivduos. Isto acontece porque, na actual faseimperialista, se indagarmos qual o papel dos representantes burgueses, mesmo osmais ilustres, na resoluo dos problemas fundamentais da sua poca, descobre-sea sua aco negativa. Mas se, pelo contrrio, construirmos a histria conforme asconcepes burguesas, abre-se campo para todo o tipo de falsificaes e invenes.No final de Janeiro deste ano, inesperadamente, disseram-nos a ns, italianos, quetnhamos tido no nosso seio durante dcadas um gnio e um santo, um advogadodos trabalhadores. Referiam-se a Giovani Agnelli3[falecido em 2003 (N. Ed.)], oexplorador que os operrios tiveram de suportar durante anos. Tambm o criadorda iniciativa Jardim dos Justos, Gabriel Nissim4 teoriza: No importa quealgum seja fascista, comunista ou fundamentalista, o importante que saibareconhecer o mal e escolher o homem. Mas que indivduo ser este que tanto podeter o reconhecimento de um fascista como de um comunista? algo que s

    3 Agnelli, Giovanni (1921-2003), industrial italiano, principal accionista do grupoautomobilstico FIAT, o qual representa 4,4 por cento do PIB de Itlia, emprega 3,1 por centoda mo-de-obra industrial e representa 16,6 por cento do investimento em investigaoindustrial. Foi o homem mais rico da histria moderna da Itlia. (N. Ed.)

    4 Nissim, Gabriel (1950), jornalista italiano, historiador e ensasta. Fundou em 1982 arevista L'Ottavo Giorno, dedicada aos dissidentes dos pases da Europa de Leste, e realizoumltiplos documentrios televisivos sobre a oposio comunista clandestina e sobre as

    condies dos judeus no bloco socialista. Trabalhou ainda em grandes jornais italianos como IlMondo, Il Giornalee Corriere della Ser. Em 2001 funda e dirige a organizao internacionalJardins dos Justos que reclama justia sobre todos os genocdios. (N. Ed.)

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    podemos descobrir se colocarmos aquela afirmao no seu contexto. E quando ofazemos descobrimos que se trata de uma tese racista em que o homem o judeuperseguido e que no h mal em ser-se fascista desde que ajude os judeus, os quaispara Nissim continuam a ser o povo eleito.

    Mas no devemos deixar que discursos sobre as caractersticas pessoais de

    Stline (por muito difamatrios ou enaltecedores que sejam) nos desviem daexperincia histrica dos primeiros pases socialistas. apenas estudando-os nocontexto histrico concreto que poderemos determinar os mritos e os erros dosdirigentes comunistas que, como Stline, encabearam essa enorme e titnicaempresa de que falaremos de seguida. Tanto mais que, no perodo actual, paraquem queira ser comunista, particularmente importante e urgente conhecer,estudar e compreender a experincia histrica dos primeiros pases socialistas. Faceao marasmo econmico, poltico e cultural em que o mundo est mergulhado, aclasse dominante e os indivduos ao seu servio ou submetidos sua influnciaideolgica afirmam que de qualquer forma no possvel um mundo diferente,

    de qualquer forma no possvel um sistema social diferente. Procuram levar aspessoas resignao e ao desespero ou, no melhor dos casos, tentar conter osexcessos e reparar aqui e acol as brechas mais intolerveis da sociedade actual. Osburgueses mais progressistas chegam inclusivamente a pregar e praticar a caridadee a beneficncia: reconhecem que mesmo os proletrios tm direito a comer at saciedade. Os mais audazes chegam at a exortar os representantes da classedominante a criar um fundo internacional para pr fim fome e misria! Osburgueses combinam o esquecimento com o denegrimento dos primeiros pasessocialistas para impedirem que se difunda a conscincia de que um mundodiferente, uma ordem social diferente, no s possvel como j deu os primeiros

    passos, fez os primeiros testes, nos primeiros pases socialistas construdos pelaprimeira vaga da revoluo proletria, na primeira metade do sculo que acaba determinar.

    Porque que a burguesia e os seus seguidores consideram os primeiros pasessocialistas como a ovelha negra da histria da humanidade? Desde h quase 30anos que estamos mergulhados na segunda crise geral do capitalismo. A classedominante, a burguesia imperialista, tem todo o interesse em ocultar ou denegrir aexperincia destes pases, surgidos como resposta primeira crise geral docapitalismo (1910-1945) e que durante dcadas subtraram um tero dahumanidade dominao da burguesia imperialista. O nosso interesse, o interessede todos aqueles que procuram uma sada do marasmo actual da segunda crisegeral do capitalismo, em estudar cuidadosamente esta experincia igualmenteevidente.

    II

    A compreenso de que cedo ou tarde a sociedade burguesa dar lugar sociedade comunista no decorre do surgimento dos primeiros socialistas nem dosxitos que estes alcanaram. Esta conscincia anterior ao surgimento dosprimeiros pases socialistas. Ela precedeu em 70 anos a revoluo de Outubro

    (1917), que marcou o incio da construo da Unio Sovitica, o primeiro passocialista, numa grande parte do territrio que at ento constitua o imprio do

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    tsar da Rssia. A concluso de que, cedo ou tarde, a sociedade comunista substituir-se- inevitavelmente sociedade burguesa, uma descoberta de Marx e Engels naprimeira metade do sculo XIX, h mais de 150 anos, feita com base no estudo daevoluo da sociedade burguesa e do que esta representou para a histria dahumanidade. Esta descoberta foi anunciada e explicada no Manifesto do Partido

    Comunista (1848). Os homens tinham criado as foras produtivas materiais eintelectuais suficientes para no se verem forados a viver precariamente e passaruma grande parte da sua vida a tentar arrancar natureza o indispensvel paraviver. As foras produtivas que permitem esta passagem histrica tm um carctercolectivo. Estes dois factores, criados e desenvolvidos constantemente pelahumanidade sob a direco da burguesia, tornam possvel e necessrio o advento dasociedade comunista. Podemos afirmar isto com a mesma certeza e preciso comque, perante uma mulher grvida, podemos dizer que, cedo ou tarde, nascer umnovo ser humano, sem no entanto arriscarmos uma data, a maneira como nascerou o que lhe ir acontecer durante a sua vida futura. Esta descoberta de Marx e

    Engels foi plenamente confirmada pela evoluo registada na sociedade burguesa ena humanidade no seu conjunto ao longo dos ltimos 150 anos. Hoje somoscapazes de medir os passos dados pela humanidade para este parto, para estatransformao, mesmo que no estejamos ainda em condies de determinar emque momento e sob que formas ela se concretizar. Isto porque se trata de umacriao que ser realizada livremente pelas pessoas, e mais em particular pelosoperrios e pelas massas populares sob a sua direco, ou seja, experimentando erectificando, e experimentando novamente, tal como aconteceu com todas asgrandes transformaes histricas realizadas pela humanidade ao longo dos cincomil anos conhecidos da sua existncia. No existe nenhum Deus nem gnio quesaiba j tudo e que nos guie. Este parto s pode pois produzir-se mediante ainterveno activa das amplas massas, mobilizadas, organizadas e dirigidas porpartidos comunistas visando tal fim: A violncia a parteira da histria.5Maseste um assunto diferente do que queremos tratar agora.

    Do que queremos agora tratar sobretudo 1) as formas que tiveram os primeirospases socialistas; 2) os ensinamentos que trouxeram queles que hoje lutam contraa burguesia imperialista e demais foras conservadoras e reaccionrias.

    Para retirar os ensinamentos contidos na experincia dos primeiros pasessocialistas preciso avaliar os pases socialistas segundo as categorias que lhes soprprias. preciso consider-los como uma formao socioeconmica surgida pelaprimeira vez na histria e descobrir as suas categorias e as suas contradies

    especficas. Se quisermos estudar uma nova espcie animal, no obteremosnenhum resultado vlido se nos limitarmos a compar-la com uma outra que jconhecemos. Em particular, necessrio evitar medir os pases socialistas com abitola dos pases capitalistas. Persistir em faz-lo e procurar assimilar o sistemaeconmico e social dos primeiros pases socialistas ao capitalismo de Estado ou aodespotismo asitico, ou a qualquer outra formao socioeconmica do passado, adoptar uma posio anloga dos representantes do mundo feudal que, durantesculos, ao longo de todo o perodo de afirmao do modo de produo capitalista e

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    Esta conhecida citao de Marx tem a seguinte formulao exacta: A violncia aparteira de toda a velha sociedade que est grvida de uma nova. K. Marx, O Capital, LivroPrimeiro, Tomo III, Ed. Avante!, Lisboa, 1997, p. 849. (N. Ed.)

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    da sociedade burguesa, persistiam em avaliar a nova sociedade que surgia com abitola da velha sociedade. Hoje salta vista que a incapacidade que revelavam naapreciao dos burgueses, das suas actividades, costumes e carcter, equivaliaaproximadamente ao desprezo que os seus autores sentiam por eles e ao repdio donovo mundo do qual acreditavam poder desdenhar.

    Os primeiros pases socialistas constituram a primeira tentativa prtica e emgrande escala, realizada pela classe operria moderna, de levar o conjunto dostrabalhadores, at ento explorados e oprimidos, a abandonarem a sua condioservil e as concepes e costumes a ela ligados, fruto de uma histria milenar dediviso em classes. Procuraram criar relaes sociais e concepes baseadas naassociao dos trabalhadores, instaurando numa medida crescente o domniodestes mesmos trabalhadores associados sobre as suas actividades e sobre elesprprios, caminhando assim para a sociedade comunista. O estudo destaexperincia histrica intil para quem no est convencido de que foi esta a tarefahistrica qual os primeiros pases socialistas se consagraram. Neste caso valer

    mais estudar-se a experincia dos pases capitalistas at se compreender para ondeconduz a dinmica das suas contradies especficas. Quem descortina claramenteo papel histrico dos pases socialistas, para retirar os ensinamentos da suaexperincia, ter de se interrogar: At onde chegaram na realizao das suas tarefasantes de inverterem a direco da sua marcha? Como o conseguiram, atravs deque medidas, instituies e movimentos?

    III

    O primeiro pas socialista, a Unio Sovitica, foi constitudo durante a primeiragrande guerra inter-imperialista (1914-18). Depois, em 1924, nasceu a RepblicaPopular da Monglia. A segunda guerra inter-imperialista (1939-1945) conduziu criao de oito democracias populares na Europa Oriental (Albnia, Bulgria,Checoslovquia, Hungria, Jugoslvia, Polnia, Repblica Democrtica Alem eRomnia) e da Coreia do Norte. Em 1949 foi constituda a Repblica Popular daChina (RPC). Nos 25 anos seguintes formaram-se pases socialistas em Cuba,Vietname, Laos e Cambodja. Na sua mxima extenso, os pases socialistasabarcaram um tero da humanidade. Em meados dos anos 50, na Unio Sovitica enas democracias populares da Europa Oriental, comeou a restaurao gradual epacfica do capitalismo que prosseguiu at sua imploso e derrocada entre 1989 e1991. A Repblica Popular da China, na sequncia do golpe de Estado de 1976contra o Bando dos Quatro, sancionado pela Resoluo sobre a Histria doPartido Comunista Chins, aprovada pelo CC do PCC, em 27 de Junho de 1981,entrou por sua vez na fase de restaurao gradual e pacfica do capitalismo (a qualest ainda em curso, sob uma forma diferente em certos aspectos da seguida naURSS). Foi constitudo um sector da economia no qual vigora a propriedadeprivada dos meios de produo e o mercado da fora de trabalho. De qualquermodo, a viragem poltica efectuada no final dos anos 70 liquidou o papel da RPC edo PCC no movimento comunista internacional, destruiu muitas das conquistasalcanadas pelas massas populares e operrias chinesas, reforou muito a burguesia

    e fez surgir graves contradies nacionais que minam j hoje o regime poltico dopas. No que toca sua economia, a RPC est hoje ligada de modo substancial aos

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    investimentos directos e financeiros dos grupos imperialistas internacionais e sexportaes, particularmente para os EUA (em 2002, a balana comercial com osEUA atingiu um excedente comercial a favor da RPC de cerca de 100 mil milhes dedlares, face a um Produto Interno Bruto da RPC de cerca de dois bilies de dlares(milhes de milhes). Portanto, a China depende mais do sistema imperialista

    mundial que a Unio Sovitica dependia na poca de Brjnev (1964-1982).6Quanto aos demais pases do antigo campo socialista, os partidos comunistas

    que dirigem Cuba, Coreia do Norte, Vietname e Laos continuam a declarar queseguem a linha socialista. As relaes actualmente existentes entre partidos eorganizaes do movimento comunista internacional so escassas e superficiais e asnossas foras actuais so ainda fracas. Por conseguinte no estamos em condiesde conhecer suficientemente a orientao efectiva que seguem. Em nenhum destespases conhecemos qual , de acordo com os respectivos partidos comunistas, a suacomposio de classe e em que ponto e em que fase se encontram na luta de classes.Certamente porm que a influncia revisionista que sofreram no passado produziu

    neles confuso e desorientao ideolgicas, e no nos consta que tenhamultrapassado os limites do velho movimento comunista em que os revisionistasprevaleceram. Depois da derrocada do campo socialista, entre 1989 e 1991, tiveramde fazer face no s luta de classes interna, mas tambm a uma situaointernacional muito desfavorvel. Para afrontar as dificuldades, fizeram e fazemconcesses em muitos domnios burguesia interna e ao capital internacional, asquais, podendo ser recuos momentneos necessrios para ganhar tempo, exercemem simultneo uma influncia desagregadora em certos membros do partido,sobretudo nos elementos no operrios, reforando os partidrios da restauraodo capitalismo e enfraquecendo a resistncia do pas ao imperialismo. Tudo isto fazcom que no desempenhem actualmente, no renascimento do movimentocomunista que est em curso ao nvel mundial, um papel de vanguarda que torneindispensvel ou urgente conhecermos e compreendermos a sua orientao eactividade. No entanto saudamos, e dentro dos limites das nossas foras apoiamos asua resistncia aos esforos realizados pelos grupos imperialistas, em particularpelos grupos imperialistas dos EUA, no sentido de promover no seu seio a contra-revoluo, eliminar as conquistas socialistas, submet-los ao seu domnio e destru-los. Com a sua resistncia contribuem para o renascimento do movimentocomunista.

    Deste breve esboo resulta que o papel dos primeiros pases socialistas,enquanto protagonistas directos de vanguarda do movimento comunista ao nvel

    mundial, est substancialmente esgotado. A derrocada do campo socialistainfluenciou negativamente a luta entre duas vias, duas classes e duas linhas portoda a parte no mundo. Fez recuar o relgio da histria e obriga-nos a percorrer

    6Brjnev, Leonid Ilitch (1906-1982), membro do partido desde 1931, do CC desde 1952, doPolitburo/Presidiumdesde 1957 (candidato desde 1952), secretrio do CC (1952-53), primeiro-secretrio/secretrio-geral a partir de 1964. Licenciou-se no Instituto de Metalurgia deDnieprodzerjnski em 1935, tornando-se funcionrio do partido em 1937. eleito secretrio docomit do partido do oblast de Dniepropetrovsk em 1939. Depois da guerra dirige asorganizaes do partido de Dniepropetrovsk e Zaparjie, tornando-se primeiro secretrio do CC

    do PC(b) da Moldvia (1950), do PC do Cazaquisto (1954). Entre 1964 e 1966 e entre 1977 e1982, foi presidente do Presidiumdo Soviete Supremo, cargo que acumulou com as funesde secretrio-geral do PCUS. (N. Ed.)

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    novamente uma parte do caminho que j havamos percorrido. Percorr-lo-emos,no entanto, em condies diferentes em parte e enriquecidos com a experincia dosprimeiros pases socialistas. Hoje, para ns, trata-se principalmente decompreender os ensinamentos da grande e histrica experincia dos primeirospases socialistas, para os utilizar no renascimento do movimento socialista em

    curso e na segunda vaga da revoluo proletria, que se aproxima medida queprogride a segunda crise geral do capitalismo e a decorrente situao revolucionriaem desenvolvimento.

    IV

    Qual foi o papel dos primeiros pases socialistas na histria? Os primeiros pasessocialistas no criaram a sociedade comunista, nem podiam faz-lo. Maspercorreram uma parte do caminho que nos conduz da sociedade capitalista

    sociedade comunista.Pela sua natureza, a sociedade comunista ser internacional, abarcando o mundo

    inteiro. Os primeiros pases socialistas, pelo contrrio, apenas conseguiram cobrirum tero da humanidade e no chegaram a fundir-se entre eles. Todavia, em muitosdomnios criaram formas novas de colaborao internacional.

    Pela sua natureza, a sociedade comunista dos homens e mulheres j no estardividida em classes. Nos primeiros pases socialistas, pelo contrrio, sobreviveu adiviso em classes e no poderia ter sido de outro modo. O marxismo j tinhaexplicado que a diviso em classes foi uma condio necessria ao desenvolvimentoda civilizao e que impossvel aboli-la de um s golpe. Tem de ser superada e

    extinguir-se medida que os trabalhadores se organizam e, organizados, segovernam sozinhos. Na fase socialista, os comunistas levam os trabalhadores aaprender a fazer isto.

    Pela sua natureza, na sociedade comunista j no existir nem Estado nempoltica, no sentido em que a gesto dos assuntos pblicos est reservada a umaminoria de pessoas e se materializa no Estado, rgo que se distingue do resto dasociedade e que detm o monoplio da violncia, com a qual impe essa gesto emantm a ordem pblica em sua conformidade. Cada um dos primeiros pasessocialistas, pelo contrrio, foi ainda governado pelo Estado, embora, como veremos,de um tipo particular.

    A sociedade comunista s nascer como resultado e concluso de um perodo detransio, no decurso do qual, gradualmente e por saltos, a diviso da populao emclasses, a poltica e o Estado sero superados, as naes fundir-se-o,desaparecero no apenas a propriedade privada das foras produtivas, mastambm as mltiplas divises entre o papel social dos trabalhadores intelectuais edos trabalhadores manuais, entre dirigentes e executantes, entre os sexos, entre acidade e o campo, entre sectores, zonas e povos avanados e sectores, povos e zonasatrasadas, e os indivduos disporo dos bens e servios segundo as suasnecessidades. Isto ocorrer medida que as foras materiais e espirituais doshomens e das mulheres se desenvolverem at atingirem uma situao na qual cadaindivduo contribuir para a produo e para outras funes da vida social, segundoas suas foras e capacidades, e receber da sociedade aquilo de que precisa segundoas suas necessidades. Os primeiros pases socialistas estavam ainda longe desta

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    situao quando comeou o recuo para o capitalismo, a fase de enfraquecimento ecorroso: em 1956, no que respeita URSS e aos pases da Europa Oriental, e em1976 no que respeita Repblica Popular da China. Neste perodo, os pasessocialistas conseguiram aumentar enormemente as suas foras produtivasmateriais e intelectuais. No entanto ficaram muito aqum do nvel alcanado no

    incio do sculo XXI, quando as foras produtivas atingiram um tal ponto em que aquantidade de bens e servios deixou de estar condicionada pela capacidade dasforas produtivas disposio da humanidade e pela escassez de recursos naturais,mas passou a ser limitada principalmente pelas relaes de produo.

    Pelo contrrio, todos os primeiros pases socialistas, na fase do seudesenvolvimento, tiveram de se defrontar principalmente com a tarefa de aumentara produo com as foras produtivas existentes. Os alimentos e outros bens deconsumo eram ainda produzidos em quantidade insuficiente para satisfazer asnecessidades de cada pessoa. Acresce que, com economias atrasadas e expostos aoboicote e agresso dos pases imperialistas, os primeiros pases socialistas tiveram

    de acumular novas foras produtivas de maneira autnoma: as infra-estruturas,conhecimento e experincia necessrios para aumentar a produo. A principaltarefa social dos primeiros pases socialistas, sempre que no foram obrigados adesviar foras e recursos para se defenderem das agresses da burguesiaimperialista, foi a gesto das empresas agrcolas, industriais e de servios existentese a construo de novas empresas produtivas. A luta contra a natureza paraarrancar meios de subsistncia manteve-se em todos os pases socialistas como aprincipal actividade humana. As unidades produtivas de bens essenciais e de meiosde produo mantiveram-se como os principais estabelecimentos pblicos e foi emtorno deles que se organizaram, segundo uma concepo unitria, todos as demaisactividades e instituies: o consumo, a habitao, o ensino, a educao infantil, avida cultural, etc. Durante todo o perodo do seu desenvolvimento (at meados dosanos 50 no que respeita URSS e at ao final dos anos 70 no caso da RPC), estespases viveram sob o constrangimento imposto pelo atraso econmico e cultural deque haviam partido e pela agresso aberta ou tcita e o boicote da burguesiaimperialista, os quais tiveram constantemente de enfrentar. Deste ponto de vista, aexperincia dos primeiros pases socialistas foi fortemente influenciada pelo factode a classe operria no ter conseguido conquistar o poder nos pases imperialistasmais avanados, durante a primeira vaga da revoluo proletria (1910-1945). Ospartidos comunistas dos pases socialistas realizaram o programa mais avanado detransformao social jamais concebido pelo movimento da classe operria ao nvel

    mundial, mas fizeram-no a partir das condies de pases capitalistas aindaatrasados.

    Constatou-se, a seguir Revoluo de Outubro de 1917, que a conquista do poderpelos operrios dirigidos pelo seu partido comunista no era suficiente parainstaurar uma sociedade comunista. Era algo que Marx tinha indicado claramente,pelo menos a partir de 1875 (Crtica do Programa de Gotha7). Os primeiros pasessocialistas apenas demonstraram, pela primeira vez e em grande escala, que possvel passar do capitalismo ao comunismo de forma consciente e intencional, emoposio marcha desordenada, tortuosa e pejada de destruies, prosseguida porgrande parte da humanidade. Mostraram-nos e experimentaram uma via mais

    7Marx e Engels, Obras Escolhidasem trs tomos, ed. cit., t. III, pp. 5-30. (N. Ed.)

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    avanada do que aquela em que continuamos hoje. O declnio e a derrocada dosprimeiros pases socialistas em nada diminuem o valor do que conseguiramdemonstrar. Indicaram-nos o caminho pelo qual a humanidade dever enveredarnos prximos anos para sair da crise actual do capitalismo.

    A ditadura do proletariado uma luta tenaz, sangrenta e no

    sangrenta, violenta e pacfica, militar e econmica, pedaggica e

    administrativa, contra as foras e tradies da velha sociedade. A fora do

    hbito de milhes e dezenas de milhes de homens a fora mais terrvel.

    Sem um partido frreo e temperado na luta, sem um partido que goze da

    confiana de tudo quanto h de melhor e honrado dentro da classe, sem

    um partido que saiba acompanhar o estado de esprito das massas e

    influenci-lo, impossvel travar essa luta com xito.8

    V

    Perante o declnio e a derrocada da URSS e das democracias populares daEuropa Oriental, faz agora 12 anos,9 verificou-se algo de semelhante ao sucedidoaps a derrota da primeira tentativa de instaurao de um pas socialista, ou seja,depois da derrota da Comuna de Paris em 1871, fez agora 132 anos. Osreaccionrios e os conservadores, da burguesia ao clero, deleitaram-se a proclamar

    a morte definitiva do comunismo e, contraditoriamente, a perseguir os comunistas.Em contrapartida, os comunistas (em particular Marx, Engels e Lnine) estudarama experincia da Comuna de Paris para compreenderem o que nos ensinava estefenmeno novo na histria. Compreenderam como a burguesia tinha conseguidoafogar em sangue vrias dezenas de milhares de operrios e revolucionrios deParis ou ali chegados para apoiar a Comuna. Passadas algumas dcadas, o resultadodeste estudo ajudou a instaurar os primeiros pases socialistas que nenhuma forada burguesia logrou asfixiar.10 Isto apesar de o socialismo ter sido instaurado empases econmica e culturalmente atrasados, nos quais a sociedade burguesa e assuas foras produtivas estavam ainda pouco desenvolvidas; apesar de os primeirospases socialistas terem de lidar com a forte presena de elementos da economia

    patriarcal e da pequena produo mercantil, a par de relaes de dependnciaindividual ainda de tipo feudal;11apesar de a burguesia, que se manteve no podernos pases mais desenvolvidos e mais ricos do mundo, ter colocado todos os meios

    8V. I. Lnine, A Doena Infantil do Esquerdismo no Comunismo, Obras Escolhidas emtrs tomos, Edies Avante!, Lisboa, 1982, t. III, p. 296. (N. Ed.)

    9Recorde-se que o presente texto foi publicado em 2003. (N. Ed.)10 V. I. Lnine, O Estado e a Revoluo, Obras Escolhidas em seis tomos, ed. Avante!,

    Lisboa, 1985, t. III, pp. 189-289. (N. Ed.)11

    V. I. Lnine, As tarefas imediatas do Poder Sovitico, Obras Escolhidasem trs tomos,ed. cit., t. II, pp. 559-587; Acerca do Infantilismo de Esquerda e do Esprito Pequeno Burgus,Obras Escolhidasem seis tomos, ed. cit., t. III, pp. 428-453. (N. Ed.)

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    de que dispunha e inventado novos contra os primeiros pases socialistas: daagresso militar colaborao com as foras reaccionrias, do bloqueio econmico introduo de novas armas, tcnicas e estratgias de guerra, da sabotagem aoisolamento. Asfixiar a criana no bero, foi assim que W. Churchill (1874-1965)12 resumiu em 1918 a poltica seguida pela burguesia imperialista do mundo

    inteiro contra os primeiros pases socialistas.Os primeiros pases socialistas no foram derrotados pela agresso da burguesia

    imperialista, qual, pelo contrrio, resistiram vitoriosamente de cada vez queforam atacados. Apenas se desmoronaram na sequncia de um perodorelativamente longo de decadncia causada por factores internos. Quandotombaram, ento os EUA e o Vaticano, que desde sempre conspiraram e lutarampara os abater, reivindicaram cada um para si o mrito de os ter destrudo: osprimeiros com a sua guerra contra o imprio do mal, o outro agradecendo Senhora de Ftima. Mas na realidade os primeiros pases socialistas caram apenaspor causa da inverso, operada no seu interior, do sentido da marcha seguida na

    sua construo e no seu desenvolvimento. Esta inverso teve causas precisas (achegada da corrente de revisionistas modernos ao primeiro plano da direco dospartidos comunistas) e datas precisas (segunda metade do sculo passado, a partirde 1956 com o XX Congresso do PCUS). Mas foram precisas dcadas de desgaste ede corrupo do tecido social at que os pases socialistas se desmoronassem, de tofortes que eram nos seus profundos fundamentos. Foram precisos mais de 30 anosde desgaste interno at a Unio Sovitica ruir em 1991. E apesar de se teremdesmoronado, impossvel compreender o mundo de hoje sem ter em conta opapel desempenhado pelos primeiros pases socialistas. Deixaram no mundo actualuma marca indelvel da sua existncia. Mudaram a constituio material domundo de modo irreversvel, a sua existncia influenciou a correlao de foras declasse em todos os pases. Em todos os cantos do mundo, os operrios e outrostrabalhadores arrancaram burguesia e s outras classes reaccionrias conquistasque at ao nascimento dos pases socialistas no teriam sequer imaginado. Asclasses oprimidas, em particular, a classe operria, alcanaram em todas as partesdo mundo um nvel cultural e organizativo superior.

    No que respeita aos pases onde foi instaurado o socialismo pela primeira vez,ainda hoje esto longe de alcanar as condies dos pases burgueses normais emuitos elementos induzem-nos a pensar que dificilmente viro algum dia aalcan-las. Mesmo as regies da ex-Repblica Democrtica Alem no asalcanaram, apesar de terem sido simplesmente englobadas na Repblica Federal

    Alem, um dos pases imperialistas mais importantes. De qualquer maneira, aindahoje, passados mais de 12 anos da derrocada e 45 anos desde a inverso do seucaminho, os ex-pases socialistas constituem uma categoria de pases parte, comproblemas, conflitos, relaes internas e internacionais, formas de desenvolvimentoe perspectivas especficas. A restaurao do capitalismo no apagou a obra da

    12 Churchill, Winston Leonard Spencer (1874-1965), poltico conservador britnico, foioficial do exrcito britnico, correspondente de guerra, historiador, laureado com o prmioNobel da Literatura em 1953. Aos 26 anos foi eleito para o Parlamento exercendo vrios cargospolticos at 1955: sub-secretrio das Colnias (1905), ministro do Interior (1910-11), primeiro

    lorde do Almirantado (1911-14), ministro do Armamento (1917), secretrio de Estado da Guerra(1919-1920), secretrio de Estado das Colnias (1921-22), chanceler do Tesouro (1924-29),primeiro-ministro (1940-45 e 1951-55). (N. Ed.)

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    primeira vaga da revoluo proletria mais do que a Restaurao de 1815 apagou aobra da Revoluo Francesa.

    OOOO centralismo democrticocentralismo democrticocentralismo democrticocentralismo democrtico

    O centralismo democrtico o princpio dirigente da estrutura

    organizativa do partido comunista. Caracteriza-se por:

    1. Eleio de todos os organismos dirigentes da base ao topo;

    2. Obrigatoriedade de todos os organismos do partido prestarem

    regularmente contas da sua actividade s organizaes que os elegeram e

    aos organismos superiores;

    3. Disciplina rigorosa do partido e subordinao da minoria maioria;

    4. As decises dos organismos superiores so obrigatrias para os

    rgos inferiores.

    VI

    O que tornou to fortes os primeiros pases socialistas? Foi a unidade dialcticada linha de transformao da sociedade aplicada pelos partidos comunistas (comoindicmos sinteticamente no final do ponto II) e do sistema de direco que ospartidos comunistas estabeleceram para a realizar. Vejamos agora em que consistiaesse sistema de direco.

    O sistema de direco de cada um dos primeiros pases socialistas tinha traosespecficos e particulares, relacionados com a sua histria, tradio, caractersticas,grau de desenvolvimento do pas e modo como decorreu a luta pela instaurao dosocialismo. Em cada um destes pases, o sistema de direco sofreu mltiplastransformaes ao longo dos anos. No entanto h traos importantes que socomuns a todos eles e que se mantiveram imutveis ao longo da sua existncia e soespecficos desta formao econmico-poltica. No obstante a sua grandediversidade, em todos os primeiros pases socialistas o sistema de direco assentouno partido comunista e nas organizaes de massas impulsionadas pelo partido, noprincpio do centralismo democrtico e na linha de massas como principal mtodo

    de direco (embora esta designao s tenha sido utilizada mais tarde quando arespectiva teoria foi elaborada por Mao Ts-Tung).13A estrutura de poder formadapelo partido e suas organizaes de massas foi combinada em cada pas de forma

    13 Mao Ts-Tung (1893-1976), militante comunista desde 1920, participa no primeirocongresso do PCC (1921), integrando o CC entre 1923 e 1925 e a partir de 1928, ano em que setorna comissrio poltico do 4. corpo do Exrcito Vermelho Chins. Em 1931 eleito presidentedo Comit Executivo Central e do Conselho de Comissrios do Povo da Repblica Sovitica daChina, implantada nas regies libertadas. Entra para o Politburoem 1933 e eleito presidente doCC em 1943. Aps a fundao da Repblica Popular da China (1949) preside ao governo,

    Assembleia Nacional e ao Conselho Militar Revolucionrio. Entre 1954 e 1959 presidente daRPC e do Comit de Defesa. No IX Congresso (1969) declarado lder vitalcio do PCC. ( N.Ed.)

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    original e evolutiva, com um Estado entendido no sentido tradicional do termo:organismo destacado do resto da sociedade e ainda depositrio do monoplio daviolncia. Para tornar mais simples e mais concreta a exposio, daqui em dianteiremos referir-nos principalmente Unio Sovitica, que foi o primeiro passocialista e aquele onde a transio foi mais profunda e mais longa (de 1917 a 1991).

    A recusa de considerar este sistema particular de direco e de o estudar comoforma histrica nova e especfica de sociedade poltica est na base dasincompreenses que frequentemente se manifestam nas discusses sobre o carcterdemocrtico dos primeiros pases socialistas.

    O Estado socialista pode surgir unicamente como uma rede de

    comunas de produo e consumo, que registem conscienciosamente a sua

    produo e consumo, economizem o trabalho, elevem constantemente a

    sua produtividade e com isso alcancem a possibilidade de reduzir a

    jornada de trabalho at sete, seis horas e mesmo menos.14

    Na realidade, os protagonistas de muitas destas polmicas travam uma discussoacadmica sobre o tema: Pases burgueses ou primeiros pases socialistas, quaisso os mais democrticos?. ( a indefinio deste termo que torna a discussoacadmica.) Em suma, discutem se os primeiros pases socialistas foram ou nomais democrticos no sentido da democracia burguesa, ou seja, mais prximos domodelo ideal da democracia burguesa, do que so os pases burgueses. O livredesenvolvimento individual e a participao das massas da populao, emparticular dos operrios, na gesto dos assuntos pblicos no se processam e no

    podem processar-se nas mesma formas em que se realiza na sociedade burguesa aparticipao na poltica dos membros das classes exploradoras. A democraciaproletria ou a ditadura do proletariado no o alargamento ou a abertura tambmaos operrios do sistema e das instituies polticas da sociedade burguesa. Estaabertura um sonho dos reformistas. O sistema e as instituies da democraciaburguesa reflectem as relaes entre os membros da burguesia e esto adaptados scondies prticas da vida da burguesia. So a transposio para o campo polticodas formas e mtodos das relaes de negcios que os burgueses mantm entre si.Logo no podem ser alargadas aos proletrios. No por acaso, no incio do sculoXIX, os promotores dos primeiros movimentos polticos proletrios eram em parte

    tambm burgueses, pequeno-burgueses ou profissionais liberais (professores,advogados, etc.). S quando o movimento poltico proletrio alcanou um nvel quelhe permitiu manter, formar e seleccionar os seus prprios quadros permanentes,comearam a surgir os partidos comunistas no sentido actual do termo. A exclusodos proletrios das instituies e do sistema poltico da democracia burguesa no algo forado, voluntrio, imposto artificialmente. Pelo contrrio, resulta danatureza dos diferentes papis das classes na sociedade civil, no conjunto dasrelaes que se formam, antes e independentemente da actividade poltica, na vidaeconmica e cultural quotidiana, e inseparvel da estrutura de classe da sociedadeburguesa. Nesta estrutura, os proletrios, e com eles as massas da populao, nopodem participar na gesto dos assuntos pblicos e menos ainda fruir do livre

    14V.I. Lnine, As Tarefas Imediatas do Poder Sovitico, op. cit., p. 571. (N. Ed.)

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    desenvolvimento individual como os burgueses. No so os desvios acidentais dademocracia burguesa, que observamos na realidade de cada pas, no so tambmos constrangimentos na aplicao dos seus princpios e da sua organizao queexcluem os proletrios, mas verdadeiramente a sua prpria natureza, abstraindo-nos de casos particulares ou acidentais que existem em qualquer situao concreta.

    A participao dos proletrios nas organizaes e instituies da sociedadeburguesa incompatvel com a posio que ocupam enquanto classe na sociedade.Quando por volta do incio do sculo XX a sua participao na vida poltica dasociedade burguesa foi consagrada por lei (com a formao de partidossocialistas ao lado dos outros partidos, atravs dos quais os diferentes grupos dasociedade burguesa procuravam defender os seus interesses, e com o alargamentodo direito de voto a toda ou a uma grande parte da populao masculina), osburgueses compreenderam que o surgimento dos partidos de massas dariaorigem ao nascimento da sociedade de massas, e proclamaram: Estalegalidade mata-nos. Com efeito, a participao dos proletrios marcou o fim da

    democracia burguesa tal como at ali era entendida.A participao dos proletrios na poltica subverteu as instituies da velhademocracia burguesa, que se tinham afirmado na luta contra a nobreza, o clero, amonarquia absoluta e contra o seu monoplio da actividade poltica, dando lugar ou sua supresso ou sua transformao em pequeno teatro da poltica (parautilizar a expresso de Berlusconi15). Passou a assistir-se compra e venda de votos, transformao dos debates polticos pblicos em disputas oratrias teatrais, acampanhas publicitrias e manigncias engendradas pelos principais centrosfinanceiros, manipulao sistemtica e deliberada da informao e da opiniopblica com o desenvolvimento de instrumentos especficos, processos, tcnicas ecincias. Os proletrios impuseram a sua presena na poltica como eleitores. Entoos capitalistas colocaram em jogo a sua fora social, calculada em funo do capitalde que cada burgus dispe, para conquistarem o consenso e os votos das massaspopulares a favor da sua etiqueta poltica. J antes, para enriquecer, o capitalistamobilizava um nmero determinado de proletrios, proporcional ao capital de quedispunha. Agora, com o mesmo capital, mobiliza as massas populares em apoio sorientaes favorveis aos seus interesses e contra os seus adversrios. Quanto maisdemocrtico era o Estado, no sentido burgus, ou seja, determinado pelo voto doseleitores e sem o monoplio hereditrio e de casta, maior era a liberdade docapitalista de dispor dele, mobilizando com capital o consenso popular a seu favor.Com efeito, a mxima venalidade do Estado e da poltica foi atingida nos EUA, o

    pas mais democrtico no sentido burgus do termo. O voto e o consenso popularestornaram-se mercadorias que so aambarcadas por quem lana mais dinheiro nomercado eleitoral, para subornar demagogos e para condicionar e manipular aopinio pblica, segundo os seus interesses particulares e as suas escolhas polticas.A burguesia teve de desenvolver e desenvolveu em grande escala meios e manobrascapazes de conduzir as massas ignorantes e instintivas, que procuramunicamente satisfazer paixes e apetites bestiais, a uma colaborao real coma honra e os interesses do Estado (segundo a expresso de W. Churchill). E face

    15Berlusconi, Silvio (1936), empresrio e poltico italiano, um dos homens mais ricos de

    Itlia. Foi presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro), entre 1994 e 1995, de 2001a 2006 e de 2008 a 2011. tambm o actual presidente do Milan, uma das maiores equipas dofutebol italiano. (N. Ed.)

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    fora poltica que os seus efectivos conferiam aos partidos proletrios, a segurananacional devia tornar-se e tornou-se em todos os pases imperialistas, de um ououtro modo, no principal critrio de governao, substituindo a intangibilidade dosdireitos polticos e civis da cada indivduo, que foi a bandeira sob a qual a burguesiacombateu os regimes feudais, a nobreza e o clero. O Estado burgus assumiu a

    tarefa de dar prioridade preveno dos delitos polticos em vez de punirsimplesmente os infractores. A preveno destes delitos e, por conseguinte, ocontrolo dos indivduos e das suas associaes tornaram-se as principais formasde poltica interna e internacional: a contra-revoluo preventiva, na polticainterna, e a guerra preventiva, na poltica internacional, tornaram-se as linhaspolticas da burguesia, que at ento tinha sido democrtica e pacifista.

    Desta forma, os primeiros pases socialistas no adoptaram, nem podiamadoptar, o mesmo sistema de direco que os pases burgueses. O sistema dedireco dos primeiros pases socialistas baseou-se em formas originais, adaptadas natureza da nova classe dominante (a classe operria) e sua tarefa histrica:

    com a propriedade pblica, como condio prvia, pelo menos das principais forasprodutivas, promover a participao ampla e crescente na poltica dos operrios eoutros trabalhadores, das mulheres, dos jovens e em geral das categorias que nasociedade burguesa so oprimidas, exploradas, discriminadas, marginalizadas eexcludas, e fazer desta participao crescente das massas o principal meio datransformao das suas condies materiais e intelectuais de vida. No se tratava deconseguir que uma classe dominante concedesse, de uma ou outra maneira, isto ouaquilo s massas, que eliminasse a misria mais extrema ou lhes desse pelo menosde comer (como pregavam os programas utpicos dos reformistas). Tratava-se decriar as condies mediante as quais as prprias massas resolveriam os seusproblemas sua maneira. Alcanado um certo nvel, a participao crescente dasmassas na poltica, compreendida antes de mais como a direco e administraoda produo e da distribuio dos bens necessrios vida, teria feito desaparecer apoltica e o Estado. A quantidade transformar-se-ia em qualidade.

    O trao original e inovador do sistema de direco dos primeiros pasessocialistas foi pois uma estrutura de poder composta pelo partido comunista, pelasorganizaes de massas (sindicatos, organizaes juvenis, de mulheres, decategorias e grupos sociais), por colectivos laborais com as suas assembleias e osseus rgos executivos, assembleias de condomnio, de aldeias, de bairro, de cidade,etc., com os seus conselhos de delegados revogveis (sovietes) e os respectivosrgos executivos. Desde a sua instaurao em cada pas socialista, este sistema

    teve um carcter de classe ntido e declarado ( sua cabea esteve a classe operria,aliada e dirigente das outras classes de trabalhadores, enquanto as classes anti-sociais foram excludas), foi aplicado em todos os domnios (tomava decises,executava-as e exercia funes judicirias, de polcia e militares), impulsionou aprossecuo da transformao socialista para alm dos constrangimentos jurdicos,funcionou segundo o princpio de organizao do centralismo democrtico eutilizou a linha de massas como mtodo principal de direco.

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    Sobre o partido comunista

    A experincia da criao dos primeiros pases socialistas, se bem que a suaexistncia tenha sido breve, lanou uma nova luz sobre o papel do partidocomunista. Apesar de se constituir na sociedade burguesa, junto dos demais

    partidos, e desenvolver em determinadas circunstncias e numa determinada fasetarefas polticas em certos aspectos anlogas s dos demais partidos, participandona luta poltica tpica da sociedade burguesa, o partido comunista no um partidocomo os outros que lutam para se apropriar do poder na sociedade burguesa. Opartido comunista a vanguarda organizada da classe operria. a organizao dosoperrios mais avanados, mais prestigiados, mais generosos, mais enrgicos, maiscapazes de assimilarem a concepo materialista dialctica do mundo e de aempregarem como meio para dirigir a sua prpria classe, para que ela por sua vezarraste as massas populares, quer para a tomada do poder burguesia imperialista,quer para tomar em suas mos a gesto de todos os aspectos da sua vida.

    Diferentemente dos demais partidos, o partido comunista no quer o poder para siprprio, no pede uma delegao de poder. Mobiliza, organiza e educa a classeoperria para que ela governe, e guia-a para que mobilize as restantes massaspopulares, para que estas se libertem de qualquer tutela e de antigas inibies econcepes. Esta natureza particular do partido comunista surgiu com evidncialogo no perodo da luta pela conquista do poder. A experincia dos primeiros pasessocialistas no apenas confirmou que deve ser esta a natureza do partidocomunista, como permitiu uma melhor compreenso da sua natureza e papel.

    Ao que acabmos de dizer, alguns objectaro que nem todos os partidos que sedeclararam comunistas tiveram as caractersticas que indicmos. inteiramente

    verdade. Para ter estas caractersticas no basta que um partido seja constitudo porindivduos que querem sinceramente ser comunistas e que acreditamhonestamente no comunismo. Mas tambm verdade que os primeiros pasessocialistas foram instaurados graas a partidos comunistas deste tipo e que duranteo perodo do seu desenvolvimento foram dirigidos de facto por partidos deste tipo.Os partidos que durante a primeira vaga da revoluo proletria no adquiriramestas caractersticas foram incapazes de dirigir vitoriosamente a actividaderevolucionria das massas populares e, portanto, no conseguiram instaurar osocialismo nem dirigir nenhum pas socialista. Alm disso, quando os partidos quedirigiram os primeiros pases socialistas deixaram de ter as caractersticas queindicmos, por razes que veremos adiante, num curto lapso de tempo conduziramos pases socialistas runa. Foi o que sucedeu nos primeiros pases socialistasdepois de os revisionistas modernos tomarem a direco dos partidos comunistas.

    Cada um dos partidos que construram e dirigiram os primeiros pasessocialistas encarnava e realizava a vontade e a aspirao sentidas pela classeoperria de passar do capitalismo ao comunismo, de se emancipar da dependnciaem relao ao capitalista, de transformar as relaes sociais capitalistas em relaescomunistas. Incarnavam (com a sua estrutura, as suas organizaes de base, os seusrgos dirigentes, as suas reunies, debates, os seus congressos, a sua vida interna,a sua disciplina) um organismo capaz de elaborar directrizes e decises e de agir.Reuniam uma percentagem ainda pequena de operrios. Estes, mediante a

    participao na vida do partido, aprendiam a ser a classe dirigente, seguindo umprocesso contnuo de formao intelectual, moral e poltica, que os capacitava para

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    levarem as massas trabalhadoras a libertar-se das condies de misria e dedependncia moral e intelectual em relao s classes dominantes, em que viviamdesde h milnios. O partido dava a cada um dos seus membros os meiosnecessrios (em termos de concepo do mundo, linha poltica, palavras de ordem,mtodo de trabalho, relaes sociais e prestgio) para ser o fermento da massa dos

    seus companheiros de trabalho e o animador da actividade social; tornavam-seassim capazes de os orientarem e mobilizarem para a realizao dos objectivospropostos e, ao mesmo tempo, de compreenderem o seu estado de esprito, as suasaspiraes e experincias, fazendo-as chegar s instncias partidrias de modo atornarem-se materiais e componentes para elaborao da poltica do partido,retornando s massas como objectivos a realizar.

    O partido era composto por esta pequena parte dos operrios que no s no sesentiam rebaixados e resignados condio servil da sua classe, como tambm jno concebiam para si prprios uma outra forma de emancipao da misria e doembrutecimento cultural prprio da sua classe que no fosse a emancipao de toda

    a classe. Atravs de um esforo particular e empenho individual, estes operriosorganizados no partido conquistavam uma autonomia subjectiva em relao suacondio especfica e individual e tornavam-se dirigentes dos seus companheiros detrabalho. E embora continuassem a fazer parte da sua classe, j estavam dotados,graas ao partido, de uma compreenso geral das condies nacionais einternacionais da luta de classes e eram capazes de utilizar os mtodos necessriospara organizar e mobilizar os seus companheiros de trabalho. A fora destespartidos no residia principalmente na genialidade dos seus chefes, mas na suaestrutura de base, constituda por operrios que, organizados em clulas no localde trabalho, unidos e consequentes com os seus interesses de classe, continuavam atrabalhar lado a lado com os outros operrios, que conheciam um por um, na suaprtica quotidiana, identificando aqueles que deviam dirigir e ligando-os ao restodo partido, formado principalmente por quadros revolucionrios profissionais(quadros permanentes), os quais, por seu turno, os ligavam ao resto da classeoperria ao nvel nacional e internacional. A combinao desta estrutura de basecom a estrutura dos revolucionrios profissionais na organizao do partido, a linhapoltica de transformao da sociedade em direco ao comunismo e a concepocomunista do mundo tornavam o partido comunista num exrcito invencvel.

    Os laos existentes entre a classe operria e o resto das massas populares (asclasses que participavam na revoluo, que faziam parte do campo da revoluo)permitiam reunir e mobilizar toda a populao laboriosa. Os membros destes

    partidos comunistas nunca foram muito numerosos, mesmo depois da conquista dopoder. Na Unio Sovitica, em Maro de 1917 (no momento da queda do tsar), opartido comunista contava 24 mil membros e candidatos num universo de cerca detrs milhes de operrios industriais e uma populao de mais de 100 milhes dehabitantes. Em 1924, os membros do partido ascendiam a 472 mil; em 1933, a trsmilhes e 555 mil; em 1938, a um milho e 920 mil; em 1948, a seis milhes e 390mil; e, em 1953, a seis milhes e 897 mil. Em 1965, os membros e candidatosatingiram 11 milhes e 758 mil e, em 1975, cerca de 16 milhes, numa populaototal de 260 milhes. Se considerarmos a composio de classe particular da URSSat ao lanamento dos primeiros planos quinquenais (o primeiro plano compreende

    os anos de 1928 a 1932), constatamos que havia uma pequena percentagem deoperrios, entre os quais o nmero de comunistas oscilava de um a seis em cada

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    100 operrios. No final dos anos 20, os trabalhadores assalariados recenseados naURSS atingiam os 11 milhes, numa populao total de 150 milhes, passando para32 milhes no final dos anos 30. preciso recordar de seguida que os quadros(revolucionrios profissionais) variaram nos diferentes perodos entre dois e trspor cento do total dos membros do partido.16 Evidentemente que o nmero

    limitado de comunistas em relao ao total de trabalhadores pode sercompreendido como um indicador do pouco caminho percorrido em direco aocomunismo: a quantidade estava ainda longe de se transformar em qualidade.Destes nmeros podemos concluir que os primeiros pases socialistas, na melhordas hipteses (seis comunistas em cada 1o0 trabalhadores), apenas percorreramcerca de dez por cento do caminho para chegar sociedade comunista: aquantidade estava ainda longe de poder transformar-se em qualidade. Istoadmitindo que a quantidade se transforma em qualidade quando pelo menos 60por cento dos operrios so membros do partido comunista. Evidentemente que setrata de um raciocnio que serve apenas para dar uma ideia do fenmeno que

    analisamos.A relao particular entre o partido comunista e a classe operria traduzia-setambm em instituies especficas do partido comunista.

    Em primeiro lugar, a construo de organizaes de base do partido porcolectivos de trabalho (as clulas de fbrica ou de empresa). Em cada local detrabalho havia uma clula de comunistas (mnimo de trs), que eram eles prpriostrabalhadores, em contacto directo e quotidiano com os demais. Estestrabalhadores comunistas, que j tinham espontaneamente no colectivo um papelde vanguarda, tornavam-se ainda mais competentes e influentes devido sualigao com o resto do partido e orientavam, educavam e mobilizavam o conjuntodo colectivo.

    De seguida, no que respeita vida interna, a pertena ao partido implicava aassimilao por parte de cada membro da concepo materialista dialctica domundo e do mtodo materialista dialctico de pensar e agir, a utilizao sistemticada crtica e da autocrtica em cada instncia do partido, a aplicao do centralismodemocrtico nas relaes internas entre indivduos e instncias do partido, e entreas prprias instncias do partido, como princpio para elaborar as decises e paraas aplicar. Tratava-se de trabalhadores que, por sua livre opo, seguiam comempenho e paixo o processo de formao contnua do partido: reunies,circulares, cursos, assembleias. Deste modo o partido permitia-lhes assimilaremuma concepo do mundo que era de fcil compreenso pelos operrios, porquanto

    se tratava de uma explicao racional da sua natureza e da sua experincia, umaanlise da situao internacional e nacional em todos os domnios importantes,uma linha, mtodos de propaganda, de organizao e de mobilizao. Por outrolado, aprendiam a identificar e formular, em termos de objectivos e de linhapoltica, as aspiraes e as tarefas do respectivo colectivo de modo a que pudessemser assumidas como tarefas do partido e colocadas como tarefas do conjunto dasociedade. Estes operrios comunistas estavam num nvel que os seuscompanheiros de trabalho ainda no haviam atingido, mas que tarde ou cedoatingiriam graas sua actividade.

    16 La Costituzione sovietica del 1977, P. Biscaretti di Ruffi e G. Crespi Reghizzi (ed. A.Giuffr, 1979).

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    Em terceiro lugar, no que respeita s relaes entre o partido e o resto dosoperrios, os novos candidatos ao partido tambm passavam pelo crivo daassembleia do colectivo laboral ao qual pertenciam. As assembleias destescolectivos eram consultadas durante as depuraes peridicas dos membros dopartido, havia um contacto quotidiano dos membros e organismos do partido com

    respectivos colectivos laborais e a linha de massas era aplicada sistematicamente.Em quarto lugar, a admisso no partido regia-se por caractersticas de classe

    precisas. Andrei Jdnov (1896-1948),17 futuro dirigente da resistncia deLeningrado durante o cerco nazi, lembrou, no XVIII Congresso do PCU(b) de 1939,que o XI Congresso de 1922, tinha definido quatro categorias de candidatos(operrios simples, operrios com um papel de chefia, camponeses, intelectuais edirigentes), aos quais correspondiam perodos de candidatura com uma duraocrescente, a exigncia de um maior nmero de recomendaes de militantes commais antiguidade no partido e uma seleco mais severa. Jdnov props abolir asquatro categorias, de acordo com a orientao prevalecente nessa altura de que as

    diferenas entre as trs classes consideradas (operrios, camponeses e intelectuais)estavam a atenuar-se. Com efeito estas categorias foram eliminadas nos Estatutosdo Partido em 1939, mas devido ao poder discricionrio deixado s organizaes dopartido, na prtica no desapareceram.18

    Assim, por um lado, o partido no era uma associao privada que tratava osproblemas da sua vida interna (recrutamento, formao, promoo, expulso)unicamente dentro da sua organizao e com cada um dos seus membros, qualqualquer um pudesse aderir com a condio de partilhar o seu programa poltico.Por outro lado, em cada circunstncia, domnio e lugar, o partido agia como umainstituio pblica: assumia o dever de inquirir, definir uma linha e mobilizar apopulao para resolver qualquer problema, utilizando os meios e recursos de que asociedade dispunha. O partido comunista estava animado de uma vontadeindomvel, que transmitia sociedade, de transformar o mundo e criar uma novasociedade conforme aos interesses e experincia dos trabalhadores, estimulando-os a terem um papel activo na produo e na gesto dos outros assuntos sociais:desde os assuntos mais directos e imediatos aos mais gerais e comuns a toda asociedade. Estes ltimos no podiam ser sentidos espontnea e instintivamentecomo prprios e indispensveis a cada colectivo de base, e era graas aco doscomunistas que cada colectivo os tratava como seus e dava conscientemente a suacontribuio para a sua soluo no quadro da diviso social do trabalho. Em cadacolectivo laboral ou territorial, qualquer pessoa que se confrontasse com um

    problema (desde a mulher agredida pelo seu marido at uma inovao a introduzirno trabalho) sabia que ao dirigir-se ao partido accionaria um mecanismo quetornaria o seu problema num problema colectivo. E nesta actividade de cada

    17 Jdnov, Andri Aleksndrovitch (1896-1948), membro do partido desde 1915, do CCdesde 1930 (candidato desde 1925) e do Politburo desde 1939 (candidato desde 1935).Participante na Revoluo de Outubro e na guerra civil, sucedeu a Krov na direco daorganizao de Leningrado, dirigindo aqui a frente de batalha entre 1941 e 1945, bem comotoda a vida da cidade durante os 900 dias do cerco nazi. A partir de 1944 exerceu funes desecretrio do CC para as Questes Ideolgicas. (N. Ed.)

    18

    Alteraes aos Estatutos do PCU(b), relatrio de A. Jdnov ao XVIII Congresso, 18 deMaro de 1939, Stenografitcheski Otchot, Gossudrtvennoe Izdtelstvo Polittcheskoi Literaturi,Moscovo, 1939, pp. 551-565. (N. Ed.)

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    colectivo produzia-se a transformao das condies materiais, do carcter e dasconcepes de cada indivduo: a formao do homem novo.

    As organizaes de massas

    As organizaes de massas ligavam entre si e ao partido todos os elementos,mesmo os menos activos (que se tornavam em certa medida e temporariamenteactivos), de cada categoria de trabalhadores (com os sindicatos, as assembleias decolectivos laborais e as suas estruturas), os elementos dos sectores que mais tinhamherdado da velha sociedade uma condio e uma mentalidade de oprimidos eexcludos (mulheres, jovens, nacionalidades e minorias oprimidas) e os elementosque se relacionavam entre si na vida quotidiana (moradores em blocoshabitacionais, de bairros, aldeias, cidades e regies). Estas estruturas agrupavamem torno de cada problema as pessoas mais directamente afectadas, de modo a que,

    em conjunto, encontrassem meios e empreendessem a sua resoluo com a ajudaque o resto da sociedade lhes prestava na medida das necessidades e com base nasdisponibilidades existentes. Atravs das organizaes de massas, o partidoencorajava a autonomia local e de cada grupo social, incumbindo-o de resolver,com grande poder discricionrio, mas com fidelidade causa socialista, osproblemas de interesse exclusivamente local, desenvolvia a capacidade das massasde analisarem por si prprias os seus problemas e de encontrarem soluesapropriadas e de as aplicarem sem necessidade da interveno de funcionriosenviados de cima. Onde fazia falta a interveno de elementos ou unidades compreparao profissional superior existente no terreno, as prprias massas

    associadas chamavam-nos e dirigiam-nos.As organizaes de massas no eram organizaes privadas, mas instituiespblicas. Para alm da vida associativa dos seus membros (recrutamento,formao, repartio do trabalho, constituio das estruturas, promoo,destituio, expulso, etc.), cada uma delas geria tambm aspectos importantes ecrescentes em nmero e qualidade da vida social, executava funesadministrativas (relativas por exemplo ao alojamento, destinos de frias e repouso,centros de instruo e sade, empresas locais, distribuio de bens e de servios) ede governo (polcia, administrao da justia, ordem pblica, milcia, instruomilitar, vigilncia, etc.), nas quais, atravs do conjunto de organizaes de massas,participava uma parte muito grande da populao. Num pas socialista, s osindivduos que os organismos locais do partido, das organizaes de massas ou doEstado haviam publicamente privado de direitos polticos e civis, sobretudo osmembros das antigas classes exploradoras (burguesia, nobreza, clero), ficavam margem da actividade administrativa e de governo e eram sujeitos a controlo. Aprimeira Constituio da Rssia Sovitica (1918) enumerava estes ltimos: aspessoas que utilizam o trabalho assalariado para obteno de lucro; as pessoasque vivem de rendimentos no provenientes do seu trabalho (juros de capital,rendimentos de empresas e patrimoniais, etc.); os comerciantes privados, osparasitas e os intermedirios comerciais; os monges, o clero e todos os que estoao servio da Igreja e de cultos religiosos; os funcionrios e agentes da antiga

    polcia, do corpo especial da gendarmeria e dos servios de segurana, bem comoos membros da famlia real da Rssia, as pessoas reconhecidamente invlidas ou

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    doentes mentais, segundo os critrios estabelecidos, bem como as pessoas sobtutela; as pessoas que foram condenadas por delitos para proveito pessoal ou porcrimes infames, durante o perodo fixado por lei ou por sentena judicial.Estaspessoas eram tambm excludas do servio militar e da defesa do pas e apenasexecutavam tarefas auxiliares e sob vigilncia. Em suma, eram tratadas em todos os

    domnios como indivduos desleais, inimigos de classe. Estas discriminaesdesapareceram oficialmente na Constituio de 1936, a qual declarou que asdivergncias entre as trs classes (operrios, camponeses e intelectuais) estavam aatenuar-se. Todavia, apesar de no serem obrigatrias, continuaram a serpraticadas em larga medida. Nos anos 30, os discriminados na Unio Soviticaconstituam uma massa de cinco a dez milhes de adultos, numa populao total de150 a 200 milhes, ou seja, uma percentagem inferior dos pobres emarginalizados nos pases imperialistas mais ricos. Cada indivduo era identificadosegundo a classe social a que pertencia, sendo definidos nesta base os respectivosdireitos polticos (por exemplo, a durao do perodo de candidatura ao partido e as

    modalidades da sua admisso). Ao mesmo tempo, desde 1917, eram reconhecidosplenos direitos polticos a todos os trabalhadores estrangeiros residentes na URSS,s mulheres (em 1917 as mulheres nos pases burgueses no tinham sequer direito avoto) e aos jovens a partir dos 18 anos, ou mesmo antes se as assembleias locais odecidissem (nessa altura, mesmo nos pases burgueses mais avanados, osmancebos com menos de 25 ou 21 anos ainda no tinha direito de voto).

    Era esta estrutura, constituda pelo partido comunista e pelas organizaes demassas nos primeiros pases socialistas, que animava e dirigia o conjunto dasociedade e incentivava cada indivduo a dar o melhor de si prprio, beneficiandodas condies que a sociedade lhe oferecia. A ideia de que nas sociedades socialistasa iniciativa individual e o papel dos indivduos eram asfixiados no passa de umarbula que falseia completamente a realidade e torna inexplicveis os xitos dospases socialistas. Pelo contrrio, milhes de indivduos encontraram finalmenteestmulos, condies e apoio social para exprimirem ao mximo as suaspotencialidades. A iniciativa individual no era motivada pela nsia deenriquecimento pessoal, nem visava a sujeio de outros indivduos para osexplorar.

    Esta era alis a nica iniciativa individual que era reprimida e punida, aquelaque para os burgueses e seus sequazes considerada como a fora motriz doprogresso e elemento constitutivo da natureza humana criada por Deus. Nosprimeiros pases socialistas a iniciativa individual manifestava-se atravs da

    contribuio para a resoluo dos problemas sociais e individuais da vidaquotidiana. O esprito de iniciativa, a vontade pessoal de afirmao e a energia dosindivduos eram canalizados para a realizao das tarefas que a sociedade secolocava: o desenvolvimento da produo, a melhoria das condies de vida, aemancipao das mulheres, a alfabetizao, o progresso cultural, etc. Nada disto erauma novidade absoluta: a prpria sociedade burguesa no estaria de p sem otrabalho diligente e criativo de milhes de homens e de mulheres que se consagramcom paixo sua actividade, por entre constrangimentos de todo o tipo e contra asautoridades burguesas, as quais abafam a sua iniciativa e recusam ou regateiam osmeios necessrios para a desenvolver. A ideia de que a busca de riqueza pessoal

    seria o nico ou o principal estmulo da actividade humana apenas a projecosobre toda a sociedade da natureza dos capitalistas, que efectivamente tm como

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    nica ou principal motivao a avidez de aumentar sem limite o seu dinheiro. Masestas pessoas srdidas so justamente os ltimos herdeiros da mentalidade dostrogloditas que no logravam saciar-se. Elas incarnam o sistema social dos pasescapitalistas, comandam e infectam toda a sociedade com as suas concepes quesobreviveram de uma poca brbara da histria da humanidade.

    Nos pases socialistas, contrariamente ao que ocorre na sociedade burguesa, asforas e recursos da sociedade encorajavam na medida do possvel os esforos e asaspiraes de milhes de homens e mulheres, que realizavam com paixo as suatarefas e procuravam melhorar as suas condies de vida e as dos seus semelhantes.s mes eram proporcionados os meios para cuidarem satisfatoriamente dos filhos,aos investigadores os meios para desenvolverem nas melhores condies as suaspesquisas, nenhum operrio era despedido por estar a mais depois de duranteanos ter dado com paixo a sua contribuio empresa, nenhum antigotrabalhador era tratado como um velho traste, agora intil e tornado um peso paraa sociedade, cada adolescente era colocado perante tarefas que exigiam o seu

    contributo, cada mulher era ajudada por todos os organismos da sociedade a seemancipar da tutela masculina, etc. Aos homens e s mulheres que queriamaprender, a sociedade socialista oferecia escolas e formadores, enquanto asociedade burguesa mais rica exige ainda hoje o pagamento de taxas e propinaspara a frequncia de estabelecimentos de ensino. O progresso da sociedadesocialista era medido pelo melhoramento das condies materiais e espirituais devida do conjunto da sociedade e de cada um dos seus membros. Este melhoramentodirectamente perceptvel por cada indivduo era publicamente apresentado como afinalidade da actividade social e individual e como medida dos resultadosalcanados. Tinha o papel que atribudo nos pases capitalistas ao aumento doProduto Interno Bruto, evoluo dos ndices bolsistas e dos lucros das empresas.O papel e o prestgio social de cada pessoa dependia da contribuio que dava oudera para o melhoramento do bem-estar comum. Atravs de recompensas materiaise do reconhecimento moral, a sociedade exprimia o apreo comum pelascontribuies individuais e de grupo para a vida social. A emulao socialista estavadifundida em todos os domnios. Os elementos mais avanados eram encorajados aensinarem aqueles que estavam mais atrasados e estes a aprenderem com os queestavam mais avanados. Quando a necessidade dos produtos de uma empresa sereduzia, os trabalhadores estudavam o problema e reconvertiam a fbrica paraproduzir outros bens teis. Cada fbrica que desenvolvia uma tcnica, um processoou uma melhoria que aumentava a produtividade do trabalho, economizava

    matrias-primas, diminua a fadiga ou reduzia a poluio, divulgava-os s outrasempresas do sector. No existia propriedade privada no que respeita s descobertase invenes, no havia propriedade intelectual, isto apesar de simples indivduos oucolectivos de inventores serem recompensados material e moralmente. Menosainda existia segredo bancrio, segredo comercial, patentes sobre descobertas,direitos de explorao de ideias e royalties, com os quais os povos e os sectoresmais atrasados so ainda hoje penalizados e em torno dos quais prosperam o crimeorganizado e a especulao. Na Unio Sovitica, nos anos 20, isto permitiu reduzira jornada de trabalho para sete horas (e em certas profisses particularmente duraspara apenas quatro horas), restabelecer este limite, que havia sido revogado

    durante a II Guerra Mundial, no final dos anos 40, e desenvolver, numa escalainexistente noutros pases, a instruo, a sade, as artes, o desporto e a participao

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    dos trabalhadores, e em particular das mulheres, na vida social e na gesto doEstado.

    Foi sobretudo esta estrutura de poder nova e original que permitiu criar em cadapas socialista as condies intelectuais, morais e psicolgicas que tornarampossvel pr a funcionar de maneira eficaz e com excelentes resultados um sistema

    produtivo baseado principalmente na participao, na paixo e na inteligncia dasmassas laboriosas. As unidades produtivas e os colectivos de trabalho quecompunham este sistema no tinham relaes mercantis (de compra e venda) entresi. Como norma geral, cada unidade produtiva recebia das autoridades responsveispela elaborao do plano nacional o encargo de produzir durante um determinadoperodo uma certa quantidade de bens ou de servios, com as matrias-primas,produtos semi-transformados e equipamentos necessrios. Por sua vez, a unidadeenviava quela autoridade as suas propostas de produo e de fornecimentos paraos perodos seguintes. Este sistema baseava-se na premissa de que em cada unidadeos trabalhadores cumpririam as tarefas recebidas com sentido de responsabilidade

    e criatividade, e procurariam fazer o melhor uso dos recursos de que dispunham etrabalhar nas melhores condies. evidente que semelhante organizao daproduo s podia proporcionar bons resultados (e proporcionava-os na realidade)se os trabalhadores estivessem motivados e participassem com paixo e intelignciana realizao dos objectivos do seu prprio colectivo laboral e na elaborao daspropostas que a sua unidade produtiva podia fazer para melhorar as suaspotencialidades. Os colectivos de trabalho e os indivduos mais avanadosensinavam os mais atrasados e incitavam-nos a evoluir. O sistema podia funcionar(e funcionou notavelmente bem) enquanto o indivduo mais avanado teve apossibilidade de dirigir o indivduo mais atrasado e de isolar os trapaceiros, osparasitas, os adeptos de cada um por si, ainda imbudos da mentalidadeprimitiva do burgus e do arteso, os partidrios da direco coerciva dos maisatrasados sem instruo e da sua punio econmica como o nico ou principalmeio para os incitar a evoluir. Enquanto foi possvel isolar os partidrios daatribuio do poder a quem melhor se desembaraava individualmente, daperpetuao ou mesmo do reforo do estatuto social e da remunerao individualdos trabalhadores mais instrudos, mais hbeis, mais capazes, da perpetuao oumesmo do reforo do carcter de classe das antigas divises entre trabalhadoresdirigentes e trabalhadores dirigidos, entre trabalhadores intelectuais etrabalhadores manuais, entre homens e mulheres, entre velhos e jovens, entrenacionalidades, regies e sectores avanados e nacionalidades, regies e sectores

    atrasados. O sistema funcionou notavelmente enquanto o indivduo avanado tevea possibilidade de imprimir a toda a sociedade um movimento evolutivo, tendenteao melhoramento material e intelectual do seu conjunto, elevao da conscinciae da instruo, ao alargamento da participao, ao crescimento da confianadepositada no colectivo e do esprito de iniciativa e de domnio por parte dostrabalhadores associados sobre a sua actividade, as suas condies de vida e sobresi prprios. Os incentivos materiais e morais atribudos aos indivduos e aoscolectivos de vanguarda podiam ajudar, mas no podiam substituir o impulsocriado nos indivduos e nos colectivos pela conscincia comunista, pela linha justado avano em direco sociedade comunista, pela aco de vanguarda do partido

    comunista.

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    Em todos os pases socialistas existia uma srie de indicadores e normas sobre asrelaes entre quantidade de produtos, recursos consumidos e tempo de trabalhoutilizado. No entanto serviam principalmente de referncia, verificao ecomparao, tal como nas nossas escolas h ndices estabelecidos como a relaoalunos/professores, a percentagem de promoes, a relao alunos/superfcie, etc.

    Estes indicadores servem para comparar as diversas escolas e verificar a suaevoluo ao longo do tempo, mas, salvo nos desgnios insanos dos burgueses maisdeformados pela mentalidade de gestores, no servem para definir a remuneraodos professores e dos directores, nem sequer para determinar o bomfuncionamento das escolas, o qual, para qualquer pessoa de bom senso, indicadopelo nvel de formao e de educao alcanado pelos alunos no final do ciclo.

    Os colectivos de trabalho dos pases socialistas estavam ligados entre si no porrelaes comerciais ou sequer pela obteno de prestaes superiores s normas eaos indicadores, mas sim por uma relao moral e intelectual veiculada epersonificada pelo partido comunista e pelas organizaes de massas. Cada um

    devia contribuir segundo as suas possibilidades, embora a distribuio dosprodutos aos indivduos fosse ainda regulada principalmente pelo critrio de acada um segundo a quantidade e qualidade do trabalho que realiza. No entanto, medida que se avanava para o comunismo, este critrio era substitudo cada vezmais pelo critrio de a cada um segundo as suas necessidades.

    Uma parte crescente dos servios e bens de consumo estava disposio dosindivduos gratuitamente ou a preos que serviam no para remunerar oprodutor, mas para manter o consumo no quadro das disponibilidades (como erao caso dos cuidados de sade no Servio Nacional de Sade). Em Cuba, com vista amelhorar a alimentao e a sade das crianas, num dado momento foi introduzidaa distribuio gratuita de leite s famlias. Constatou-se no entanto que um elevadonmero de famlias desperdiava o leite. Ento voltou a ser posto venda por umpreo mdico para promover o uso consciente e racional. Os preos atribudosnominalmente a cada produto, mesmo queles que no eram vendidos, mas simfornecidos s entidades que os encomendavam, serviam para calcular e comparar aprodutividade do trabalho e a eficcia da utilizao dos recursos por parte doscolectivos de trabalho de diferentes sectores.

    Stline, na sua obraProblemas Econmicos do Socialismo, redigida entre 1951 e1952 como contribuio para o debate sobre o Manual de Economia Poltica daURSS, que estava a ser preparado pela Academia das Cincias da URSS, observouque os preos definidos para certos produtos eram completamente incoerentes. Os

    planificadores haviam atribudo a uma tonelada de trigo um preo idntico ao datonelada de po. Isto reflectia-se na definio de indicadores desprovidos dequalquer valor. Por isso, a definio de preos devia ser melhorada com vista aobter indicadores que cumprissem a sua funo. Se levssemos em conta os valoresestabelecidos na base daqueles preos, pareceria que os colectivos que trabalhavamnos moinhos, nos transportes, na panificao e na venda a retalho no prestavamqualquer contribuio sociedade e apenas desperdiavam recursos. Entretanto,este erro dos planificadores no impedia estes colectivos de trabalharem e decontriburem para o bem comum. Porm, poucos anos depois, os revisionistasdecidiram fazer depender a remunerao dos colectivos laborais do cumprimento

    dos indicadores, e assim pressionaram para que fossem encontrados os preosjustos dos produtos unitrios, chegando, numa segunda fase mais avanada, a

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    instaurar trocas comerciais entre unidades produtivas na base dos tais preosjustos.

    O que tinha sido um erro dos planificadores at aos anos 50, foi transformadonuma contradio prtica entre os colectivos laborais, que iria entravar a suaactividade, afectar o seu moral e abrir a via para regateios e subterfgios sem fim

    entre colectivos laborais e entre estes e os responsveis pelo plano. Um caos queperdurou durante anos (as famosas reformas econmicas dos anos 60 e 70, a maisclebre das quais ficou conhecida pelo nome de Kossguine19) fez emergir umachusma de vigaristas, intrigantes, parasitas, criminosos e aventureiros como chefese dirigentes da sociedade sovitica. Foi neste contexto que comeou a formar-se naUnio Sovitica a rede de criminalidade organizada que agora os mediaapelidamde mfia russa, a qual absorveu tambm muitos herdeiros nostlgicos do passado emuitos adeptos do Ocidente capitalista. Durante toda a poca de Brjnev (1964-1982), esta rede de traficantes e de parasitas juntou-se aos dirigentes partidriosdas reformas do tipo de Kossguine e de Andrpov.20Foi assim que se formou a

    raa de bandidos que, no final dos anos 80, guiados por Gorbatchov,21

    rompeutodas as hesitaes, proclamou a privatizao do aparelho produtivo da UnioSovitica e se atribuiu a si prpria essa propriedade.

    19

    Kossguine, Aleksei Nicolievitch (1904-80), membro do partido desde 1927. Comissriodo Povo para a Indstria Txtil (1939-40), ministro das Finanas da URSS (1948), ministro daIndstria Ligeira (1949-53), presidente do Gosplan (1959-60), vice-presidente (1960) epresidente (1964-80) do Conselho de Ministros da URSS, membro do CC do PCUS desde1939 e do Politburo(1948-52 e 1960-80). (N. Ed.)

    20Andrpov, Iri Vladmirovitch (1914-1984), membro do partido desde 1939, do CC desde1961, do Politburodesde 1972 (candidato desde 1967), secretrio do CC (1962-67), secretrio-geral do PCUS entre Novembro de 1982 e Fevereiro de 1984. Foi operrio do Telgrafo,tornando-se funcionrio do Komsomol em 1936, primeiro secretrio do Comit de Oblast deIaroslavski no ano seguinte e do CC do Komsomolda Repblica Sovitica Carelo-Finlandesaem 1940. Transita para o partido em 1947, como segundo secretrio do CC na mesmarepblica, e para o aparelho central do PCUS em 1951. Foi embaixador na Hungria entre 1954

    e 1957 e presidente do KGBentre 1967 e 1982, chegando cabea do partido e do Estado,como presidente do Presidiumdo Soviete Supremo da URSS em 1983. A sua curta passagemde 15 meses pelo topo do poder, parte dos quais j doente, ficou marcada por algumasmedidas disciplinadoras no trabalho e de combate corrupo. (N. Ed.)

    21Gorbatchov, Mikhail Serguievitch (1931), membro do PCUS desde 1952, do CC desde1971, do Politburo desde 1980 (candidato desde 1979), torna-se secretrio-geral do PCUS em1985. Tendo comeado a trabalhar como operador de mquinas agrcolas, licencia-se em Direitona Universidade de Moscovo em 1955, e mais tarde, em 1966, no Instituto de Agronomia deStrvopol. Funcionrio do Komsomol (1955), ocupa sucessivos cargos no partido at se tornarprimeiro-secretrio do Krai de Strvopol (1970). Secretrio do CC do PCUS (1978-1985),acumula com as funes de secretrio-geral os cargos de presidente do Presidium do Soviete

    Supremo da URSS (1988-89), presidente do Soviete Supremo da URSS (1989-90) e presidenteda URSS, desde Maro de 1990 at dissoluo da Unio Sovitica em 25 de Dezembro de1991. (N. Ed.)

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    O aparelho de Estado

    A estrutura formada pelo partido e as organizaes de massas no era, todavia, anica estrutura de poder, a nica autoridade social nos primeiros pases socialistas.Combinados com o partido e as suas organizaes de massas havia tambm nestes

    pases outras instituies pblicas aparentemente semelhantes em diversosaspectos s existentes nos pases capitalistas: um governo, uma administraopblica, uma magistratura com prises e tribunais, foras armadas do Estado,polcias e polcias secretas. Estas instituies formavam uma segunda estrutura depoder paralela primeira. Os seus rgos eram largamente e de vrias maneirascombinados e influenciados pela estrutura atrs indicada, que os penetrava com assuas instncias e os seus comissrios polticos e os controlava oficialmente (naURSS chamou-se a isto Inspeco Operria). No entanto conservavam a naturezade corpos separados do resto da sociedade, constitudos por profissionais apartadosdos colectivos laborais normais, ligados por uma disciplina e hierarquia prprias,

    que agiam no na base de uma mobilizao popular por si suscitada, mas por via dafora e meios de que dispunham directamente e segundo directivas e ordensprovenientes de cima. Eram como rgos de Estado no sentido tradicional dotermo, tal como os conhecemos ainda hoje em todos os pases. Esta segundaestrutura constitua em cada pas socialista um apndice da primeira estrutura um apndice indispensvel, no deixando de ser sempre um apndice.

    A combinao dos dois tipos de estruturas de poder social foi a forma sob a qualexistiu a ditadura do proletariado nos primeiros pases socialistas. Ante cadaproblema, cada indivduo tinha a opo de se dirigir s autoridades estatais (polcia, etc.) ou clula do partido. Esta combinao continha o novo e o antigo

    numa relao de unidade e de luta: o novo que devia desenvolver-se e o antigo quedevia perecer. O antigo era constitudo pelo Estado, que era ainda um Estado nosentido tradicional, mas j no o era inteiramente porque num certo sentidoconstitua o brao secular da estrutura do primeiro tipo, era suplantado por estanuma medida crescente e via-se obrigado a trabalhar segundo as directivasdeterminadas pelo partido. Atrs do aparelho de Estado encontrava-se a estruturaconstituda pelas massas populares associadas e, em primeiro lugar, os operriosassociados. Podemos dizer que estas associaes desempenhavam nos primeirospases socialistas o papel que nos pases burgueses cabe ao mundo dos negcios e smltiplas relaes que ligam os capitalistas e os ricos uns aos outros numa rede (asociedade civil, a Old Boys Network, para utilizar uma expresso anglo-saxnica)que est por trs das instituies oficiais, orientando a sua actividade e assegurandoa sua continuidade.

    Entre as duas estruturas havia uma penetrao recproca: o partido estavaramificado em cada rgo do Estado com as suas clulas, os seus comits e os seuscomissrios polticos e impulsionava o controlo operrio e popular sobre aactividade dos rgos do Estado. O Estado tambm estava presente no partido: 1)de facto, atravs do seu corpo de funcionrios, formado em certa medida porprofissionais; 2) tambm oficialmente atravs dos seus rgos, dado que as suasfunes (justia, polcia, foras armadas, planificao, etc.) se exerciam igualmentesobre os membros e os organismos do partido e das suas organizaes de massas.

    A relao de unidade e de luta entre estas duas estruturas de poder atravessoutoda a experincia dos pases socialistas, encontrou solues prticas e temporrias

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    diversas de pas para pas ao longo de anos, e distingue a Unio Sovitica dasdemocracias populares e as democracias populares umas das outras. Os sovietesreuniam no mesmo organismo a natureza das duas estruturas. Durante toda aexistncia dos primeiros pases socialistas salta vista uma certa timidez daesquerda em indicar claramente que se devia ter prosseguido o predomnio da

    primeira estrutura sobre a segunda, com o objectivo da substituio gradual destaltima pela primeira. No entanto este predomnio foi um dado adquirido durante operodo de ascenso dos primeiros pases socialistas, apesar de s a Constituio daRPC de 1975 ter proclamado abertamente o predomnio da primeira estrutura (oque foi alterado pela Constituio de 1978, na sequncia do golpe de Estado deDeng Xiaoping,22 e ainda mais pela de 1982 que continua em vigor). Em sentidoinverso, a direita nos primeiros pases socialistas e nos respectivos partidoscomunistas caracteriza-se por ser sempre partidria da proeminncia e do reforodas instituies do Estado, apresentadas como instituies de todo o povo,contra o partido que uma instituio de classe, empenhada em promover a luta de

    classes.J nos anos 40, o influente membro do executivo da Internacional Comunista epresidente do poderoso partido comunista dos EUA, Earl Russel Browder (1891-1973),23defendeu abertamente a diminuio do papel do partido face s instituiespblicas do Estado. Um dos pontos da ruptura de Tito (1892-1980) 24 e dos seus

    22 Deng Xiaoping, verdadeiro apelido Xiancheng, (1904-1997), adere juventudecomunista em 1921 e ao partido em 1923. Vivia ento em Frana para onde foi estudar comapenas 15 anos juntamente com outros jovens como Ho Xi Min ou Pol Pot. No regresso em1926 entra na clandestinidade e participa na guerra civil, designadamente na Grande Marcha

    (1934-36). Em 1957 eleito secretrio-geral do partido. Durante a Revoluo Cultural exonerado de todos os cargos. Em 1974 torna-se vice-primeiro-ministro, mas obrigado afazer uma autocrtica em 1975 na qual reconhece os seus erros. No ano seguinte volta a seralvo de suspeitas de actividades contra-revolucionrias, destitudo dos cargos no partido masevita a expulso. Aps a morte de Mao ganha rapidamente peso no partido e no Estado. Em1977 fomenta a crtica Revoluo Cultural atravs de uma campanha simbolicamentedesignada A Primavera de Pequim. Torna-se a figura mais influente do pas como presidentedo Conselho Central Militar do CC do partido. o autor da teoria do social