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  • ISSN 0103-9466

    216

    Interpretaes clssicas do

    imperialismo

    Eduardo Barros Mariutti

    Fevereiro 2013

  • Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013.

    Interpretaes clssicas do imperialismo

    Eduardo Barros Mariutti

    Resumo

    Este artigo um estudo preliminar que que servir de base a uma pesquisa mais ampla referente s

    caractersticas do novo imperialismo. Partindo do modo como se estabelece a relao entre

    imperialismo e capitalismo, o artigo discute as principais caractersticas do debate clssico sobre o

    imperialismo, situando as interpretaes no contexto em que foram produzidas, mas com vistas a

    destacar os pontos de maior interesse para o debate contemporneo.

    Palavras-chave: Imperialismo; Marxismo.

    Review

    This article is a preliminary effort for the development of a larger study regarding the characteristics of

    the new imperialism. To highlight the points of greatest interest to the contemporary debate, this article

    discusses the main features of the classic debate about imperialism.

    1 Introduo

    Na fase de construo e consolidao das prticas e, sobretudo, do discurso que marcou a Guerra

    Fria (1947-53), a palavra imperialismo era empregada pelos dois blocos para acusar o

    expansionismo do oponente. Com o tempo, este termo passou a ser utilizado predominantemente pela

    esquerda radical, em diversas formas e sentidos, mas, em quase todos os casos, como uma crtica da

    poltica externa dos EUA e da ao das corporaes multinacionais, cujo modelo e impulso principal

    veio das empresas estadunidenses. Mas a popularidade do termo foi diminuindo, particularmente depois

    de 1989, a ponto de tornar-se quase uma relquia. A situao mudou de forma abrupta. O ataque dos

    guerrilheiros talibs ao World Trade Center criou as condies para a precipitao das foras

    conservadoras que, at ento, atuavam em segundo plano no Governo George W. Bush, reforando e,

    sobretudo, explicitando a tendncia ao militarismo e ao unilateralismo j em curso na sociedade

    americana. Tal fenmeno reabilitou o termo (novo) imperialismo, que passou a ser usado tanto

    esquerda quanto direita neste caso, geralmente de forma laudatria - do espectro poltico.1

    (1) Cf. Vivek CHIBBER The Return of Imperialism to Social Science The European Journal of Sociology, 45:3,

    (2004) p. 427-9; Andrew BACEVICH American Empire Cambridge & Londres: Harvard U. Press, 2002 cap. 9.

  • Eduardo Barros Mariutti

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 2

    O retorno desta discusso tem algumas caractersticas peculiares. Em primeiro lugar,

    principalmente no que diz respeito reflexo em torno dos EUA, nem sempre se distingue com clareza

    militarismo de imperialismo. Embora a diferena seja sutil e de difcil discernimento, estes dois termos

    no devem ser tomados como sinnimos.2 Um segundo problema diz respeito relao do novo com o

    imperialismo clssico, isto , aquele posto em prtica na passagem do sculo XIX ao XX. O novo,

    por vezes, significa apenas a reedio do velho, em novas circunstncias. Um argumento difcil, j que

    se sustenta na idia de que nada mudou essencialmente entre as duas manifestaes do fenmeno e,

    portanto, neste caso, devemos entender novo simplesmente como sinnimo de contemporneo. Como

    uma alternativa a esta viso possvel estabelecer uma analogia entre a reflexo sobre o Free Trade

    Imperialism da Era Vitoriana e o cenrio que se desenrolou aps o colapso do Bretton Woods: a

    combinao entre Washington e Wall Street teria produzido um novo tipo de imprio informal, cuja

    articulao no se daria apenas pelo comrcio e a Alta Finana como na ordem britnica, mas tambm

    pela trasnacionalizao da produo e uma radicalizao das tentativas de reforar as patentes e os

    direitos de propriedade intelectual.

    (2) No h espao aqui para desenvolver essa tema capcioso. Mas a discusso tem alguns contornos bsicos que podem

    ser rapidamente apresentados. Entre os especialistas em poltica internacional relativamente comum identificar o militarismo

    corrida armamentista (cf. Quincy WRIGHT A Guerra Biblioteca do Exrcito: Rio de Janeiro, 1988 p. 8-9), onde as causas

    principais envolvem a necessidade de redefinir o equilbrio de poder em funo de alguma transformao geopoltica

    significativa.. Na tradio liberal, o militarismo tende a ser associado a um suposto excesso de dispndio em armamentos e de

    influncia do setor militar sobre o civil (o que d lugar a calorosas polmicas sobre a ameaa que o militarismo pode trazer

    democracia (como, por exemplo, a discusso no governo Eisenhower sobre a possibilidade da poltica de conteno ao

    comunismo converter os EUA em um Garrison State), ou em como definir a fronteira entre a dimenso civil e militar nas

    sociedades contemporneas) cf. Kjell SKJELSBAEK Militarism, Its dimensions and corollaries; an attempt at conceptual

    clarification Journal of Peace Research Vol. 16 No. 3 (1979) p. 215-6. No pensamento marxista, contudo, embora se estabelea

    alguma confuso entre os dois termos, domina a idia de que o militarismo um instrumento ou um subproduto do

    imperialismo. No debate clssico tal viso se consubstanciava na recorrente tese de que o militarismo era coordenado e insuflado

    pelos cartis nacionais das grandes potncias, com o intuito de expandir a sua influncia sobre o mercado mundial. Depois da

    segunda Guerra Mundial, a tendncia mudou. O militarismo, visto como um fenmeno predominantemente estadunidense, tinha

    um duplo objetivo: i) conter e tentar derrotar o comunismo internacional; ii) dado o declnio das potncias europeias, cabia aos

    EUA assumir a tarefa de manter aberto o sistema internacional ao comrcio e ao investimento, fato que exigia a manuteno de

    foras militares regulares. Harry MAGDOFF contundente: Com uma tarefa desta magnitude, no deve causar espanto o fato

    de os Estados Unidos hoje possurem a maior mquina de guerra em tempos de paz, capaz de cobrir a maior parte do globo, em

    escala muito maior do que qualquer outra nao em toda a histria passada. Imperialismo necessariamente envolve o

    militarismo. De fato, eles so irmos gmeos que se alimentaram um do outro no passado, assim como hoje. Cf. Harry

    MAGDOFF Militarism and Imperialism The American Economic Review Vol. 60, No.2 (1970) p. 240. O colapso da URSS fez

    ressurgir a discusso sobre o propsito e as dimenses das foras armadas, que rapidamente se concentrou em um tema central:

    alm da preservao da superioridade nuclear, qual o tipo de interveno militar que os EUA precisavam priorizar. Essa

    discusso, alheia ao grande pblico, volta a ocupar uma posio central depois do 11 de Setembro de 2001. Para alguns, este

    evento inaugurou um novo tipo de militarismo (cf. Michael MANN O Imprio da Incoerncia Rio de Janeiro: Record, 2006 cap.

    9), para outros, como o ex-falco Andrew BACEVICH. o atentado simplesmente acelerou um tipo pervertido de militarismo,

    essencialmente bipartidrio, mas que j tinha razes firmes na dcada de 1990: o fetiche em torno da guerra tecnolgica iludiu a

    administrao e o povo americano sobre as reais condies de projeo de poder por parte dos EUA. Cf. The New American

    Militarism. Oxford; Oxford U. Press, 2005 p. 4-7).

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    De qualquer modo, para tentar dar conta do problema necessrio fazer dois movimentos

    simultneos: demarcar quais so os elementos comuns entre os dois fenmenos e, em um segundo

    momento, apontar as peculiaridades do novo imperialismo. O presente texto foi pensado nesta

    perspectiva. Trata-se aqui ainda da primeira etapa da discusso, isto , retomar as principais

    interpretaes sobre o imperialismo clssico nos seus prprios termos para, em um momento posterior,

    contrast-las com o debate sobre o novo imperialismo. Embora a inteno bsica seja retomar a

    discusso clssica do ponto de vista dos problemas contemporneos, para tentar minimizar o inevitvel

    anacronismo, a discusso ser reconstituda tendo como parmetro principal o contexto social e terico

    em que foi realizada originalmente. Como se sabe, a polmica era marcada por uma sobreposio de

    problemas tericos e polticos. O triunfo da Revoluo Russa e o acirramento das lutas sociais que se

    seguiu ao final da Primeira Guerra mundial estabeleceu o eixo central da discusso: a tenso entre o

    socialismo e o capitalismo. Isto conduzia as demais polmicas, tais como, por exemplo, a relao entre

    Capitalismo e Guerra (ou entre imperialismo e militarismo), a disputa sobre a natureza das crises do

    capitalismo, que se mesclava quase integralmente polmica em torno das potencialidades de expanso

    do capitalismo (o capcioso problema da realizao da mais valia), que tendiam a se corporificar

    politicamente na oposio entre a reforma e a revoluo.

    Os sentidos do termo Imperialismo

    Embora os fenmenos associados expresso imperialismo, em suas mais variadas formas e

    modalidades, tenham ocorrido em vrias pocas da histria, este termo relativamente recente. A palavra

    imprialiste que abriu caminho para a criao do substantivo imprialisme - parece ter ganhado

    popularidade na Frana por volta de 1830, com uma acepo particular e, fundamentalmente positiva: era

    usada para designar os partidrios do imprio napolenico. Logo em seguida o termo ganhou uma

    acepo crtica, pois passou a ser utilizado, antes de 1848, como uma denncia s pretenses

    cesarianas de Luis Napoleo.3 Pouco tempo depois esta expresso conservou este mesmo sentido

    bsico, quando passou a ser utilizada por franceses e ingleses contrrios ao expansionismo francs. No

    entanto, no mundo anglo-saxnico, a palavra imperialismo ganhou fora somente na dcada de 1870, em

    plena era vitoriana, como uma crtica poltica de Disraeli,4 que tinha como objetivo converter as

    colnias inglesas caracterizadas pelo prprio como uma pedra atada ao nosso pescoo em membros

    autnomos de um imprio unificado, isto , visava constituio de uma federao imperial5. Em

    (3) Cf. Bernard SEMMEL The Liberal Ideal and the Demons of Empire Baltimore: The Johns Hopkins U. Press, 1993 p.

    5-6. importante notar que os termos imperialismo e militarismo tendiam a ser usados como sinnimos na condenao s

    polticas de Napoleo III, durante o Segundo Imprio. cf. John ERICKSON & Hans MOMMSEN Militatrism in: Claus D.

    KERNIG (org.) Marxism, Communism and Western Society: a comparative encyclopedia Vol. 5 Herder & Herder, 1973 p. 436.

    (4) Cf. Wolfgang J. MOMMSEN Theories of Imperialism Nova York: Random House, 1980 p. 3-4

    (5) cf. Bernard SEMMEL Imperialism and Social Reform Londres: Allen & Unwin, 1960 p. 283 e ss.; J.A.

    SCHUMPETER Imperialismo e Classes Sociais trad. Rio de Janeiro: Zahar, 1961 p. 27-35.

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    contrapartida, alguns polticos, escritores e idelogos britnicos se empenharam na tarefa de tentar

    reabilitar este termo, esvaziando o seu contedo crtico e pejorativo, enfatizando o carter civilizador da

    expanso inglesa e da cristalizao de uma federao imperial britnica. O corolrio deste movimento de

    valorizao do imperialismo foi a criao e difuso da ideologia do fardo do homem branco: os

    britnicos - ou seus sucessores6- tinham a dupla misso de civilizar os povos atrasados e de abrir os seus

    territrios em benefcio do mundo.

    A intensificao desta batalha ideolgica e a vastido do imprio britnico no final do sculo

    XIX fundamentaram a forte identificao do termo imperialismo ao colonialismo britnico. Esta

    associao era bastante ntida na imprensa europia e, tambm, nos crculos acadmicos do continente.7

    No entanto, apesar da disputa polissmica ser um pouco mais antiga, os estudos mais sistemticos sobre

    o imperialismo comearam a ganhar impulso medida que o final do sculo XIX se aproximava. O

    primeiro quartel do sculo XX representou a culminao deste processo: neste perodo que surgiram as

    primeiras teorias do imperialismo, que formaram as matrizes de uma discusso que se prolongou por

    vrias dcadas. A proliferao destes estudos est intimamente ligada ntida intensificao da rivalidade

    entre as naes qualificadas de imperialistas que marcou o perodo 1870-1914.

    neste contexto que o debate sobre a natureza e o significado do imperialismo comea a ganhar

    os seus contornos bsicos. Embora muito abrangente, como j foi adiantado, a discusso que

    pretendemos realizar aqui tem um ponto bsico de clivagem: a relao entre o capitalismo e o

    imperialismo. De um lado situam-se as diversas e heterogneas interpretaes que separam os dois

    fenmenos, alegando que o imperialismo muito mais antigo do que o capitalismo e que, portanto, este

    jamais pode determinar o imperialismo. De outro, situam-se as interpretaes que estabelecem um

    vnculo orgnico entre capitalismo e imperialismo. No primeiro caso, h duas grandes variantes: o

    capitalismo modera as tendncias imperialistas ou, alternativamente, o capitalismo no a causa do

    imperialismo mas, em algumas circunstncias, pode intensificar os seus efeitos. No segundo caso, h

    pelo menos um ponto de convergncia: o esforo da anlise incide na nfase da especificidade do

    imperialismo capitalista ou, em termos mais gerais, nas diversas formas com que a rivalidade econmica

    preside ou, alternativamente, se funde com a rivalidade poltica.

    O livro que inaugura e populariza este debate foi, seguramente, Imperialism: a Study, publicado

    originalmente em 1902, por J. A. Hobson.8 Mas necessrio fazer uma ressalva: a despeito do que sugere

    o ttulo da obra, o estudo do imperialismo como fenmeno geral no constitua o centro das

    (6) A expresso, popularizada por Rudyard Kipling, foi empregada em um notrio poema, publicado em 1899, onde ele

    clamava para que os EUA ajudassem os europeus a carregarem o fardo de disciplinar os selvagens.

    (7) Sobre a origem e as variaes do termo imperialismo na esfera pblica e na academia britnica consultar: Richard

    KOEBNER & Helmut Dan SCHIMIDT Imperialism: the story and signficance of a political word , 1840-1960 Cambridge:

    Cambridge Univ. Press, 1964

    (8) John A. HOBSON. Imperialism: a study Nova York: James Pott & Company, 1902.

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    preocupaes deste autor, que estava realmente interessado em analisar os principais problemas scio-

    econmicos da Gr-Bretanha9 e a questo referente aos custos e benefcios do imprio britnico.

    Entretanto, a sua interpretao sobre as foras que impulsionavam a expanso imperialista foi de

    importncia central para a discusso subsequente. A sua abordagem era bastante abrangente,10

    mas o que

    ficou retido na discusso posterior foi o seguinte argumento: o descompasso entre o investimento

    capitalista excessivo e o baixo poder de consumo dos assalariados fazia com que as taxas de lucro

    declinassem na economia nacional. Este declnio tornava o investimento ultramarino muito mais

    atraente, pois os rendimentos eram mais elevados. Em sntese: a fora motriz do imperialismo

    moderno repousava na progressiva necessidade de algumas economias exportarem capitais de forma

    segura. Mas a soluo apontada por Hobson para solucionar este problema foi muito mais polmica do

    que esta tese: aumentar o poder de consumo dos assalariados, fator que elevaria a rentabilidade dos

    investimentos nacionais e restringiria a necessidade de exportar capitais e de impor um controle poltico

    sobre outras regies. Alm de representar uma proposta para a poltica interna da Gr-Bretanha, esta

    explicao estava relacionada a outro grande conflito ideolgico que marcava a poca: a deteco da

    origem e das causas da pobreza e da desigualdade. No h dvida de que esta interpretao,

    posteriormente, injusta e pejorativamente qualificada como teoria do subconsumo, representava uma

    tentativa de propor uma alternativa s explicaes marxistas sobre as causas da misria e da concentrao

    de renda.11

    Alm do mais, Hobson sugere que o imperialismo no intrnseco ao capitalismo, pois uma

    melhoria no padro de consumo dos trabalhadores assalariados teria hipoteticamente fora suficiente

    para reverter a tendncia ao expansionismo externo.

    O segundo grande marco nesta discusso foi a publicao de Imperialismo: fase superior do

    capitalismo. Este livro foi escrito por Lnin em 1916, publicado em russo pouco antes do final da

    primeira guerra mundial e traduzido para o francs e para o alemo na dcada de 1920.12

    O argumento

    (9) cf. FIELDHOUSE, D.K. Imperialism: an Historiographical Revision The Economic History Review, 2nd Ser.,

    XIV,2 (1961) p. 188-9

    (10) Especialmente na parte II do livro (The Poltics of Imperialism), Hobson mergulha nas diversas determinaes

    extra-econmicas do fenmeno (os fatores morais e sentimentais, a defesa cientfica do imperialismo, etc.. ), alm de

    discutir o seu impacto sobre as raas inferiores, onde chega a preocupar-se com a possibilidade do extermnio de sua cultura,

    pela imposio dos padres europeus.

    (11) Mesmo um autor pouco favorvel ao marxismo reconhece este fato:(...) este livro [Imperialism: a Study] foi

    principalmente um veculo para a divulgao da teoria do subconsumo, que ele [Hobson] acreditava ser o seu principal

    empreendimento intelectual, e que depois ele a expressou mais completamente em The Evolution of the Modern Capitalism e em

    outros trabalhos. Sinteticamente, a alternativa, que era uma alternativa ao conceito marxista de mais-valia como explicao da

    pobreza, via os investimentos excessivos dos capitalistas, com o concomitante subconsumo dos assalariados, a raiz dos

    recorrentes colapsos, da queda das taxas de juro e do permanente subemprego. D. K. FIELDHOUSE Imperialism: an

    historiographical review... cit. p. 188-9 (grifo meu). Do ponto de vista da prtica poltica, a mensagem era bvia, pois apontava

    para uma possvel reforma do capitalismo que garantisse uma forma de crescimento mais harmnica e, nos termos de hoje,

    autossustentada.

    (12) A primeira edio deste livro em ingls que j vi citada at o momento data de 1926 (Nova York: International

    Publishers). H outra edio, citada com certa freqncia, publicada em 1947 (Moscou: Foreign Languages Publishing House).

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    bsico deste livro controverso diametralmente oposto ao de Hobson: para Lnin, o imperialismo no

    somente intrnseco ao capitalismo, como tambm representa o indcio principal da maturidade e do

    escopo mundial deste modo de produo. Apesar desta grande diferena que, de fato, o divisor de

    guas dentre as interpretaes marxistas tradicionais das interpretaes liberais do imperialismo

    existem alguns pontos de convergncia entre Lnin e Hobson. O mais evidente de todos o destaque do

    papel das exportaes de capital no funcionamento da economia internacional como um dos elementos

    diferenciais do imperialismo moderno. H outros pontos de aproximao a menos importantes, que, no

    conjunto, foram suficientes para gerar crticas endereadas simultaneamente s interpretaes do

    imperialismo de Lnin e de Hobson.13

    No entanto, apesar disto, como veremos, as diferenas entre estes

    dois autores so mais importantes do que as suas semelhanas.

    Os critrios de seleo das interpretao e da organizao do texto

    Analisaremos aqui apenas as principais interpretaes elaboradas ou publicadas no primeiro

    quartel do sculo XX que problematizam a relao entre o imperialismo e o capitalismo.14

    O ponto mais

    controverso da classificao aqui proposta no o marco temporal, ou ento, o fato de se situar o critrio

    fundamental para dividir os dois campos na natureza da relao entre capitalismo e imperialismo.

    Seguramente, o ponto mais polmico a designao do bloco de interpretaes que desvinculam os dois

    fenmenos como interpretaes liberais do imperialismo. Esta designao admitidamente pouco

    precisa e, de certo modo, ambgua, principalmente se pensarmos no na Inglaterra, mas na Alemanha,

    antes da Guerra e sobretudo durante a repblica de Weimar. John Hobson e Norman Angell so

    claramente pensadores liberais. Nenhum problema aqui. Mas a Joseph Schumpeter, um pensador

    irrequieto e excntrico, embora aplicvel, essa designao no pode ser realizada sem algumas ressalvas.

    Mas, mesmo com algumas incurses em outros domnios - e uma clara herana conservadora15

    - o seu

    pensamento se move predominantemente dentro da tradio liberal. Alm disto, em 1919, em um artigo

    publicado produzido no calor dos acontecimentos, foi Schumpeter quem estabeleceu com mais

    radicalidade a distino entre imperialismo e capitalismo, ao deslocar as razes do imperialismo para eras

    (13) cf. OCONNOR, James The meaning of economic imperialism in: RHODES,R.I. Imperialism and

    Underdevelopment Monthly Review Press, 1970 p. 111-6.

    (14) A nica grande interpretao que no ser contemplada diretamente a de Karl Kautsky. Esta autor ser

    adequadamente retratado em estudos posteriores, dada a sua influncia sobre as reflexes em torno do novo imperialismo. Mas

    alguns pontos precisam ser apontados aqui, ainda que de forma muito sumria. Na realidade, foi ele quem pautou o debate

    marxista, especialmente aps os seus escritos publicados entre 1914 e 15, onde reforou seus argumentos apresentados em 1912

    de que o imperialismo no era a nica poltica vivel para os grandes financistas e que, mesmo com ecloso da Guerra, ela

    poderia cristalizar uma aliana entre as naes imperialistas ao estilo dos cartis com o objetivo de estabilizar o sistema

    internacional e garantir a dominao da burguesia. Para evitar este cenrio, ele sugeria uma aliana entre o movimento proletrio

    e os setores pacifistas das classes mdias e da burguesia contra a guerra (a exemplo do que ocorrera na Rssia comeo de 1917)

    e, claro, contra qualquer forma de imperialismo. Uma posio bastante sensata, e no necessariamente reformista.

    (15) Desde Tocqueville, a simbiose entre conservadorismo e liberalismo sempre se mostrou bastante frutfera, como se

    pode notar tambm em autores como Max Weber ou Keynes.

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    remotas, e dando a ele uma fundamentao sociolgica e, na realidade, quase psicanaltica. Foi por conta

    destas caractersticas que ele foi aqui arrolado ao lado de Hobson e Angell.

    A classificao proposta envolve apenas as interpretaes clssicas sobre a era do

    imperialismo e que, de um modo ou de outro, tinham de levar em conta a relao entre capitalismo e

    imperialismo (mesmo que para se contrapor a vinculao e o sentido de causalidade estabelecida pelos

    marxistas). Teorias gerais exclusivamente polticas sobre o fenmeno, tais como, por exemplo, a teoria

    da fronteira turbulenta16

    ou as variantes que subordinam o imperialismo ao equilbrio de poder, ficaro de

    fora dessa anlise, por dois motivos bsicos: i) por assumirem uma determinao essencialmente poltica

    e ahistrica, elas no do peso relevante, no que diz respeito causalidade, dimenso econmica ou ao

    capitalismo; ii) foram formuladas muito antes (onde o termo imprio e imperialismo tendiam a se

    confundir) ou sobretudo depois das interpretaes clssicas. Tambm no incluiremos as teorias que, na

    prtica, subordinam o imperialismo ao nacionalismo: no caso, o imperialismo no guarda uma relao

    essencial com o capitalismo, mas apenas um instrumento do nacionalismo (ou, em alguns casos, uma

    forma extremada de nacionalismo).17

    .Logo, embora importantes, estas intepretaes no se enquadram

    aos nossos objetivos, especialmente nesta fase do estudo.18

    2 Intepretaes liberais do Imperialismo

    2.1 J. A. Hobson

    A reflexo de John Hobson sobre o imperialismo moderno ou novo imperialismo

    herdeira direta das tenses entre Cobden e Disraeli sobre o significado ou, melhor dizendo, a utilidade

    do Imprio para a economia britnica. Embora crtico feroz do imprio, Hobson jamais endossou a tese

    diametralmente oposta, isto , de que a constituio do mercado livre geraria por si s uma distribuio

    de renda mais equnime e uma tendncia paz. O seu argumento central era que o Imprio, alm de

    (16) Cf. John K. GALBRAITH The Turbulent Frontier as a factor in British Expansion Comparative Studies in

    Society and History II, 2 Jan (1960) p. 152; Lance E. DAVIS & Robert A. HUTTENBACK Mammon and the pursuit of Empire:

    the economics of British Imperialism Cambridge: Cambridge U. Press, 1988 p. 3-4.

    (17) A este respeito, como ponto de partida, ver o balano feito por Wolfgang MOMMSEN em Theories of Imperialism

    op. cit. p. 70-6.

    (18) O recorte temporal exclui do foco principal - mas no das nossas preocupaes - - as interpretaes que, sobretudo

    a partir do sculo XVIII, de forma pioneira, tentaram articular a economia e a poltica na explicao do imperialismo. Levando

    isto em conta, mas tendo em vista outros objetivos, Bernard Semmel, por exemplo, divide as teorias com base em critrios

    diferentes. Ele identifica quatro grandes tradies: 1) A dos economistas clssicos (cujas matrizes so as interpretaes

    conflitantes de Ricardo e Malthus), onde o imperialismo associado s tenses e dificuldades da sociedade industrial

    nascente; 2) a escola sociolgica (sic.), isto , que se baseia em dicotomias tais como sociedades militaristas x

    empreendedoras (Spencer); ou que atribuem o militarismo aos resqucios feudais (uma discusso da qual Schumpeter o

    principal herdeiro); 3) a escola da economia nacional cujos arqutipos so Hamilton e List onde o alvo a Gr-Bretanha,

    vista como um pas agressivo, que recorre finana, ao seu sistema comercial, a sua indstria e a marinha de guerra para

    impedir a autonomia dos demais pases e, por fim, o marxismo, que a seu ver, sintetiza as trs escolas anteriores, ao mesmo

    tempo em que redireciona completamente a discusso. Cf. The Liberal Ideal... op.cit. pp. 5-15.

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    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 8

    ineficaz para o conjunto da economia britnica (e de qualquer outra sociedade imperialista),

    envenenava a democracia e tirava de foco os principais problemas nacionais. Em certa medida, o

    imperialismo ganhava fora pelo no cumprimento das promessas da democracia liberal: prosperidade

    para todos. Como j foi adiantado, Hobson caracteriza a Gr-Bretanha na passagem do sculo XIX para

    o XX como uma sociedade marcada pela tenso entre o baixo poder de consumo dos trabalhadores e o

    excesso de capitais nas mos dos capitalistas. Este descompasso gerava uma tendncia ao declnio das

    taxas de lucro e ao aumento do subemprego e do desemprego. Formulando nestes termos o problema,

    Hobson encontra duas alternativas possveis: a) elevar o poder de compra dos assalariados, transferindo a

    eles, mediante reformas sociais, uma parcela maior dos lucros, evitando deste modo os problemas

    derivados do excesso de capitais; b) deslocar o excesso de capitais e de produo para fora do pas,

    aproveitando as regies ainda inexploradas ou subexploradas. Este deslocamento de capitais , do ponto

    de vista dos investidores, vantajoso por dois motivos: 1) a rentabilidade das novas regies mais elevada

    (devido sobretudo escassez de capital nas economias receptoras, e a consequente abundncia se

    recursos naturais); 2) a exportao de capitais permite a manuteno de taxas de lucro razoveis na

    economia nacional, que se soma rentabilidade das atividades no exterior. Entre estas duas alternativas,

    os ingleses optaram pela ltima, que no entender de Hobson a menos apta, pois este padro de

    investimento no resolve o que ele julga serem os principais problemas scio-econmicos da Gr-

    Bretanha: este procedimento no favorece os trabalhadores ingleses, no reduz o desemprego, no

    elimina o subemprego, preserva a disparidade na distribuio de renda e ameaa constantemente a

    democracia. Deixaremos momentaneamente de lado as implicaes deste raciocnio, pois, no momento

    importante reter que, para Hobson, no existe um impulso intrinsecamente capitalista expanso

    colonial ou imperialista, pois este impulso deriva principalmente de uma situao social anmala

    presente nas metrpoles.

    O poder do setor financeiro e as conseqncias negativas do imperialismo

    No perodo imediatamente posterior 1870, a tenso entre as potncias coloniais ganhou um

    novo flego, fator que elevou os custos com a defesa das possesses. Ao lado deste custo adicional,

    Hobson alega que, nas ltimas dcadas do sculo XIX, o comrcio da Gr-Bretanha com as suas colnias

    declinou com relao ao seu comrcio com o restante do mundo. Alm disto, ele sugere que as novas

    colnias conquistadas na frica e na sia no estavam atraindo colonizadores em nmero suficiente para

    compensar os custos de ocupao e defesa. Frente a este quadro, a questo inevitvel: se o comrcio

    colonial estava em declnio relativo e as novas possesses no eram to atrativas, como explicar o

    acirramento da rivalidade intra-europia? Hobson, ao responder esta questo, vincula a arena poltica

    econmica: a intensificao da luta poltica entre as potncias europias deriva principalmente do

    excesso de capitais, os quais tinham de ser investidos de forma politicamente segura no ultramar. Logo, o

    elemento indutor do imperialismo moderno , portanto, financeiro.19 Mas Hobson sabia que os

    (19) Cf. J.A. HOBSON Imperialism... op. cit. p. 53-9

  • Interpretaes clssicas do imperialismo

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 9

    principais defensores da expanso imperial eram mercadores, militares, grupos nacionalistas, etc. Como

    encaixar este fato na sua interpretao? Simples: estes no eram os verdadeiros personagens do

    expansionismo, mas apenas marionetes, ferramentas do imperialismo:

    Com vistas ao papal que os fatores no econmicos do patriotismo, aventura, empresa militar,

    ambio poltica e a filantropia exercem na expanso imperial, poderia parecer que a imputao de

    tamanho poder aos financistas envolve adorar uma viso estreitamente econmica da histria. E

    verdade que a fora motriz do Imperialismo no principalmente financeira: a finana na realidade

    a diretora da mquina imperial, capaz de direcionar a energia e determinar o seu papel: ela no

    constitui o combustvel do motor, e nem capaz de gerar diretamente o seu poder. A finana

    manipula as foras patriticas dentre os polticos, soldados, filantropistas e mercadores; o entusiasmo

    expansionista que surge destas fontes, embora forte e genuno, irregular e cego; o interesse

    financeiro tem as qualidades de concentrao e de clculo clarividente que so necessrias para pr

    em marcha o imperialismo. Um ambicioso homem de estado, um soldado de fronteira, um zeloso

    missionrio, um comerciante agressivo [pushing trader], pode sugerir ou at mesmo iniciar um

    estgio da expanso imperial, pode defender perante a opinio pblica patritica a urgente

    necessidade de algum novo avano [da expanso imperialista], mas a determinante final repousa no

    poder financeiro.20

    Esta passagem explicita bem a perspectiva delineada por Hobson. O impulso imperialista no

    tm nenhum vnculo orgnico com o capitalismo, pois ele deriva fundamentalmente de interesses

    econmicos particulares de um setor capitalista razoavelmente bem delimitado - o setor financeiro. Em

    suma: para Hobson, o impulso conquista de novos territrios no ocorreria sem a presso dos

    investidores - isto , a manipulao da opinio pblica - para a realizao de investimentos ultramarinos

    politicamente seguros.

    Aps identificar a fora condutora do imperialismo elite do setor financeiro, Hobson fez uma

    avaliao negativa do significado econmico da dominao imperial para a Gr-Bretanha, que pode ser

    sintetizada nos seguintes pontos principais:

    (1) o deslocamento dos investimentos para o exterior, embora aparentemente lucrativo, tende a

    perpetuar a desigualdade na distribuio de rendimentos na economia britnica, gerando srios

    problemas sociais.

    (20) Ibid p. 66-7. D.K. FIELDHOUSE comenta este trecho: Desta engenhosa maneira Hobson inverteu a aparente

    relao entre os imperialistas bvios e os investidores. Ao invs de o financista ser induzido a investir em novas possesses,

    com maior ou menor entusiasmo, quando o controle poltico foi imposto por outras razes, ele torna-se a influncia essencial na

    direo do processo. O investimento no longer follows the flag: ele decide onde mais lucrativo fix-lo, e adverte ao governo,

    qualquer que seja, a seguir o conselho dos homens de ao ou de idias em cada caso particular. Portanto, o imperialismo no

    pode ser interpretado como uma expresso espontnea do idealismo, do chauvinismo ou da mera energia de uma nao. Em sua

    forma prtica, ele a expresso dos interesses especiais dos financistas que encontram-se nos bastidores, que decidem como os

    seus sonhos se tornaro realidade, e quem ir sozinho aambarcar os benefcios. Imperialism: an Historiographical Revision

    cit. p. 191 (Grifos meus).

  • Eduardo Barros Mariutti

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 10

    (2) o comrcio colonial britnico do final do sculo XIX consistia na parcela menos lucrativa do

    total de transaes mercantis da Gr-Bretanha.

    (3) o controle formal de colnias requer excessivos investimentos militares e gera o

    descontentamento das demais potncias.

    (4) de um ponto de vista que leve em conta a economia britnica como um todo, o custo da

    administrao das colnias muito superior aos rendimentos que elas podem oferecer.

    (5) os grandes financistas, geralmente, utilizam o poder da autoridade imperial para satisfazer os

    seus prprios interesses. Isto prejudicial tanto para as colnias quanto para a economia metropolitana.

    Com base nestes elementos, a avaliao de Hobson torna-se ntida: muito custoso, pouco lucrativo

    para o conjunto da economia e consistindo numa perigosa fonte de conflitos internacionais, o

    imperialismo do final sculo XIX tornou-se um fardo demasiado pesado para se carregar.

    Antes de concluirmos, necessrio destacar uma ambigidade que perpassa o pensamento de

    Hobson. Assim como a esmagadora maioria dos britnicos que escreviam na passagem do sculo XIX

    para o XX, Hobson julgava que o imperialismo era em algum grau benfico para as colnias, pois

    permitia que elas se desenvolvessem economicamente, como supostamente o domnio britnico sobre a

    ndia teria atestado. Mas dai decorriam dois problemas: como afirmamos acima, esta face virtuosa era

    contrabalanada pelos interesses particularistas dos investidores, o nico setor social que realmente

    lucrava com o imperialismo e que, portanto, era capaz de mold-lo de acordo com seus interesses. O

    segundo problema, nem sempre destacado pelos comentadores, que o imperialismo, alm da compulso

    ao trabalho, impunha tambm padres de comportamento muito distintos, capazes de literalmente

    dizimar a cultura dos dominados e, at mesmo, extinguir as populaes menos suscetveis ao contato

    externo. No entanto, a soluo encontrada por Hobson para superar esse impasse bastante significativa:

    de algum modo, um controle internacional21

    sobre as colnias deveria ser estabelecido para que, com um

    pouco de pacincia, as foras econmicas normais pudessem, naturalmente, induzir os nativos a

    descobrirem as virtudes do trabalho livre e a se engajarem espontaneamente nos empreendimentos

    disseminados pelos europeus, sem aniquilar os traos fundamentas da sua cultura. Assim, ao estilo de

    Las Casas, para Hobson, embora o trabalho coercitivo, em suas vrias formas, seja um expediente

    moralmente condenvel e economicamente ineficaz, sem a colonizao, isto , sem serem semeadas e

    cultivadas pelos europeus, as reas subdesenvolvidas jamais poderiam superar esta condio. Portanto,

    (21) Hobson sempre aponta para o internacionalismo como uma possibilidade. Mas, como ainda no se constituiu

    nenhuma Corte Arbitral, a nica sada uma espcie de poltica de gradual emancipao, sempre cautelosa: o auto-governo deve

    ser cedido aos poucos, de forma controlada e ordenada, preferencialmente no sentido do federalismo, e somente aps um certo

    grau de desenvolvimento econmico par parte dos povos a serem libertados. No h como desenvolver esse tema aqui, mas ele

    ocupa um papel fundamental no pensamento do autor. A este respeito ver John HOBSON Socialistic Imperialism International

    Journal of Ethics Vol. 12 No.1 (1901) e Imperialism op.cit. Cap. 7.

  • Interpretaes clssicas do imperialismo

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    mesmo um dos principais crticos liberais do imperialismo no conseguiu se libertar totalmente da

    ideologia do fardo do homem branco.22

    Norman Angell

    Nem sempre Norman Angell lembrado na bibliografia sobre as interpretaes do Imperialismo.

    Quando contemplado, geralmente caracterizado como uma figura sem luz prpria, um mero

    divulgador das idias de Hobson ou um pacifista ingnuo. Apesar do sucesso editorial que marcou a

    publicao de A Grande Iluso, a valorizao da obra de Angell um fenmeno relativamente recente,

    diretamente ligado popularizao das reflexes em torno das Relaes Internacionais. Em diversas

    passagens do referido livro, Angell antecipa a discusso que fervilhou na dcada de 1990 sobre a

    formao de uma espcie de sociedade civil mundial como um freio potencial arbitrariedade do Estado:

    a crescente interao direta entre os indivduos atravs das fronteiras formam diversas comunidades e

    grupos de interesses que, na prtica, operam como uma espcie de defesa suplementar da liberdade civil,

    s que situada na esfera transnacional. Esta dimenso da obra de Norman Angell no ser desenvolvida

    com profundidade aqui, pois isto nos desviaria de nossos propsitos. Faremos meno a ela somente para

    destacar suas implicaes sobre a concepo de imperialismo subjacente ao seu pensamento.

    A Grande Iluso

    Um dos pilares fundamentais da interpretao de Angell a tese de que, nas condies atuais, a

    Guerra no a melhor forma de promover o desenvolvimento econmico. Tal argumento s pode ser

    compreendido se levarmos em conta a concepo de poltica adotada pelo autor: a poltica ,

    essencialmente, a arte de criar o consenso em torno de posies divergentes, atravs do debate na esfera

    pblica.23

    Logo, para Angell, o liberalismo no pode ser confundido apenas com a defesa do mercado

    (22) Curiosamente, o prprio Hobson costumava alegar com veemncia que os apelos ao take-up the White-mans

    burden no passavam de uma pretensiosa justificativa para o Imperialismo. Cf. John C. WOOD J.A. Hobson and British Imperialism American Journal of Economics and Sociology vol. 42, No. 4 (1983) p. 488-9. Este mesmo autor, resume muito bem o argumento geral de Hobson: Em resumo, Hobson acreditava que o imperialismo tinha retardado o progresso de cooperao e de ordem entre as naes. Ele obstruiu a democracia internacional mediante a sua negao em garantir o auto-

    governo s raas subjugadas e envenenou a atmosfera democrtica do pas que detentor deste poder coercitivo sobre a vida e o trabalho dos povos mais fracos. A democracia nacional estava inextricavelmente ligada liberdade pessoal de todos os seus cidados, mas a liberdade limitada dos povos subjugados, causada pelo imperialismo, era inconsistente com essa liberdade

    pessoal. O mais ignominioso era a inconsistncia do imperialismo com a democracia e a reforma social. Ele mantinha um

    despotismo no exterior que era irreconcilivel com o governo popular interno. Para dar conta do gasto militar, ele drenava o

    dinheiro pblico que poderia ser gasto na reforma social e desviava para o exterior o ressentimento pblico derivado das

    questes domsticas. p. 489

    (23) A atuao prtica de Angell sempre foi consistente com suas posies tericas: atuou como reprter e como

    jornalista em diversas ocasies, onde sempre expunha suas idias e respondia sistematicamente s crticas dos leitores,

    esperando com isto reduzir o clima de belicosidade crescente na opinio pblica europia. Entre 1905 e 1912 ele foi editor da

    edio parisiense do Lord Northcliffe's Daily Mail, onde se envolveu em diversas controvrsias. A mais conhecida delas foi a

    respeito do significado econmico da posse da Alscia-Lorena. Um jornalista replicou que os franceses deixaram de ganhar, s

    em impostos, uma renda anual de 8 milhes de libras. Angell publicou uma trplica onde defendeu a tese que a ocupao da

    Alscia-Lorena pelos alemes no garantiu nenhuma vantagem lquida para os cidados da Alemanha e, tambm, no trouxe

    efeitos negativos para o cidado francs. Angell reproduziu este texto em A Grande Iluso. Braslia & So Paulo: IOESP,

    Editora da UNB; IBRI. 2002. p. 33-5.

  • Eduardo Barros Mariutti

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 12

    livre. Uma sociedade s verdadeiramente liberal se possibilitar o livre acesso do cidado s

    informaes, o nico modo de garantir que o indivduo no seja ludibriado pelos sofistas que usam da

    retrica para impor seus interesses particulares como interesses gerais.24

    Portanto, em uma sociedade

    realmente liberal, basta provar com argumentos racionais que a Guerra no serve aos interesses da

    maioria dos indivduos para que os apologistas do militarismo sejam derrotados nas eleies. Em suma: a

    luta pela Paz deve ser travada no plano das idias.25

    Para fundamentar esta concepo, Angell abordou com cautela temas antropolgicos e

    filosficos complexos e, principalmente, polmicos, tais como a questo da Natureza Humana. A base

    filosfica do realismo poltico a crena na imutabilidade da natureza humana que, alm de refratria

    Razo, egosta e marcial. Em um captulo destinado a este tema, bem ao estilo liberal, Angell combate

    esta idia destacando o longo processo de conteno da violncia que marcou a evoluo da

    humanidade.26

    Mas esta discusso no ocupa necessariamente uma posio central no argumento bsico

    de Angell que, com argcia, preferiu uma sada mais pragmtica para o impasse: contornar o problema.

    Para ele, a poltica no envolve a transformao de uma suposta natureza humana, mas sim a alterao

    dos padres de conduta que, por sua vez, derivam de um sistema de crenas produzido socialmente.

    Alterar este sistema transformar a conduta humana e, portanto, a poltica pode modificar a realidade

    social. Em suas prprias palavras:

    No acreditamos que seja impossvel formar ou modificar as idias dos homens crena que nos

    condenaria ao silncio universal, pondo fim a toda produo poltica e religiosa. A opinio pblica

    no um fato exterior aos homens: so os homens que a formam, neles est radicada, e so as leituras

    e o aprendizado do trabalho cotidiano, os seus contatos e as suas conversas que contribuem para

    constru-la.27

    Do modo como Angell formula o problema, compreender as causas da corrida armamentista a

    primeira tarefa para tentar evitar uma Guerra entre a Gr-Bretanha e a Alemanha. Para ele, este clima de

    (24) Neste aspecto, a posio de Hobson e de Angell bastante similar: como vimos, Hobson acredita que a influncia

    exagerada do setor financeiro na vida pblica britnica explica-se principalmente pela habilidade dos financistas em manipular

    as foras patriticas em seu favor. Logo, denunciar publicamente este fato o primeiro passo para abolir o imperialismo.

    (25) A melhor ilustrao desta tese a avaliao de Angell sobre o fracasso de Haia: As conferncias de Haia foram

    uma tentativa no de buscar a reforma das idias, mas de modificar com mtodos simplesmente mecnicos o maquinismo

    poltico da Europa, sem levar em conta as idias que lhe serviam de origem e sustentao. Ibid p. 291 (grifo meu)

    (26) Na verdade, nesta questo em particular, Angell enfatiza o carter emancipatrio do pensamento liberal: a natureza

    humana no pode ser concebida como algo que limita o desenvolvimento da Razo. Ela tambm no imutvel. H uma

    tendncia reduo da inclinao humana violncia porque estamos destinados por uma autntica lei primordial a ganhar o

    po com o suor do seu rosto, [a ma!!] e por isto a natureza humana escolhe e desenvolve as qualidades que melhor se

    ajustam s suas exigncias fundamentais. Ibid p. 183. Logo, a lei primordial pressiona o homem a ser mais produtivo, e isto

    envolve a eliminao da guerra pelo trabalho rotineiro e racional.

    (27) Ibid p. 285. Esta passagem importante em outro sentido: Angell, diferentemente do liberalismo vulgar to em

    voga, no parte de uma separao radical entre indivduo e sociedade. A individualidade construda no cotidiano, em diversas

    interaes (nos mecanismos de sociabilidade, diria o socilogo) que reproduzem a sociedade mas, ao mesmo tempo,

    possibilitam a sua transformao.

  • Interpretaes clssicas do imperialismo

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 13

    conflitividade baseado em uma percepo equivocada uma iluso28 - das caractersticas singulares

    era contempornea, nutrida por idias arcaicas que no so mais compatveis com o estgio atual da

    civilizao. Basicamente, o militarismo se fundamenta na crena universal de que o desenvolvimento

    econmico ocorre em funo do poder poltico.29

    Houve um perodo onde este raciocnio era compatvel

    com a realidade: a era da formao das monarquias absolutistas.30

    Como as unidades polticas estavam se

    formando em um clima de rivalidade intenso, sem nenhuma salvaguarda ao comrcio internacional, o

    objetivo prioritrio dos Estados era a autarquia. Neste cenrio, depender de recursos situados fora de

    suas fronteiras era um claro sinal de fraqueza, que tinha de ser compensado atravs do expansionismo

    territorial. Logo, como no havia nenhuma outra alternativa segura para obter recursos no exterior, a

    guerra e o expansionismo territorial eram a norma da poltica internacional. Mas, lentamente, estas

    condies foram sendo transformadas com a racionalizao das idias e seu desdobramento mais

    visvel: o progressivo desenvolvimento do comrcio mundial, uma forma pacfica e relativamente barata

    de acesso indireto aos recursos situados fora das fronteiras polticas do Estado. O corolrio destas

    transformaes ocorreu no sculo XIX, quando as finanas articularam praticamente todas as naes em

    torno do sistema de crdito, o qual tornou-se a base da prosperidade econmica. Assim, alm dos seus

    custos diretos (morte e destruio de propriedades), as guerras interrompem as linhas de crdito e, deste

    modo, reduzem a riqueza global, fato que compromete a economia de todos os pases, cujos efeitos

    recaem sobre os ombros de seus cidados.

    a crena irracional de que o progresso econmico est ligado ao controle direto de recursos

    que alimenta o militarismo e gera uma parania generalizada: os Estados se preparam continuamente

    para a guerra, sobretudo por temerem que seus vizinhos possuem intenes hostis. Logo, unilateralmente,

    cada estado legitima a expanso do seu prprio poderio militar como uma resposta ao mesmo

    comportamento ou expectativa de comportamento dos seus rivais. Assim, a corrida armamentista

    gera um mecanismo de retroalimentao que a torna hiperblica e, portanto, qualquer agresso pode

    detonar um conflito generalizado. Mas, como vimos, para Angell, esta doutrina totalmente

    (28) Esta idia j havia sido anunciada pelo autor em 1909 em um texto curto, intitulado Europes Optical Ilusion,

    livreto que serviu de base redao de A Grande Iluso. O ttulo original traduz com mais preciso a idia bsica de Angell.

    (29) Poder poltico entendido sobretudo como controle direto sobre recursos estratgicos: populao, territrio e

    recursos naturais.

    (30) Na verdade, Angell no muito preciso sobre os marcos temporais que utiliza. Ele destaca um gradual

    abrandamento da violncia humana, que refreada pela ao das foras que presidem o desenvolvimento mecnico e social (a

    misteriosa lei primordial que a pouco fizemos referncia). O ponto de partida a barbrie. Vimos o homem ascender do

    perodo da luta brutal com os animais, da luta cruel pelos alimentos e pelas fmeas; da fase em que devorava os seus prprios

    filhos, e em que os filhos disputavam com o pai a posse das suas mulheres. Vimos esse caos incoerente de conflitos animalescos

    ser substitudo, pelo menos em parte, pelo trabalho estvel e ordenado; e, de outra parte, subsistindo sob a forma da guerra mais

    organizada e metdica da pilhagem organizada, como entre os vikings e os hunos. Vimos que depois esses mesmos predadores

    abandonaram a sua predao em favor do trabalho mais regular, e pelos combates regulamentados do regime feudal. Vimos mais

    tarde o conflito feudal substitudo pelas disputas das dinastias, religies e territrios, e esses conflitos por fim tambm

    abandonados, substituindo unicamente as lutas entre Estados, com o prprio conceito e carter do Estado passando por uma

    modificao radical e profunda. Ibid p. 168

  • Eduardo Barros Mariutti

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 14

    extempornea e, portanto, falsa: hoje as fronteiras econmicas e polticas de um Estado no so e no

    precisam ser coincidentes. A simples existncia de um mercado mundial tornou obsoleta a orientao

    autrquica, j que o comrcio permite que um Estado use os recursos excedentes dos demais. Um

    produto s pode ser ofertado no mercado internacional porque seu produtor j conseguiu satisfazer

    grande parte da demanda nacional. Logo, de acordo com Angell, a prpria existncia de um significativo

    mercado mundial atesta o anacronismo da doutrina militarista.

    Mas as guerras no ocorreram no passado apenas por causas estritamente econmicas: elas

    ocorreram tambm por diferenas polticas ou morais supostamente irreconciliveis. No entanto, estas

    guerras surgiram no momento em que os Estados estavam se formando: alm do esforo de criar uma

    economia de base nacional, os Estados nascentes tentaram criar fronteiras ideolgicas que coincidissem

    com suas respectivas jurisdies. Hoje este cenrio no existem mais: do mesmo modo que a economia,

    as fronteiras polticas tambm no correspondem mais s divises ideolgicas: logo, a guerra entre os

    Estados no pode substituir o conflito de interesses entre grupos de cidados distintos:

    Hoje, a luta pelos ideais no pode mais assumir a forma de luta entre as naes, porque as linhas

    divisrias de ordem moral se dilatam dentro de cada pas, ultrapassando as suas fronteiras polticas.

    Nenhum Estado moderno completamente catlico ou protestante, liberal ou autocrtico,

    aristocrtico ou democrtico, socialista ou individualista. As lutas morais e espirituais do mundo

    moderno so travejadas entre os cidados de um mesmo Estado, em cooperao com os grupos

    respectivos existentes em outros Estados no entre os poderes pblicos de Estados rivais. 31

    Logo, nas condies atuais, h uma rede de comunicao direta entre os grupos de cidados de

    Estados diferentes que acentua a porosidade das fronteiras polticas e situa as questes de conflito no

    cenrio transnacional. Por fim, o poder militar ftil pois no gera a prosperidade para o indivduo e

    para o povo conquistador como um todo. A riqueza de um indivduo no aumenta necessariamente se

    seu Estado expande o territrio. Se ele puder escolher e estiver bem informado (isto , se ele decidir

    realmente em funo de seus interesses pessoais e no sob influncia dos interesses dos outros), ir

    evitar as posturas imperialistas.32

    As Colnias e a Rentabilidade Econmica

    Como Hobson, Angell conclui que hoje as colnias no so uma atividade econmica eficaz. No

    entanto, nem sempre foi assim:

    (31) ibid p. 55

    (32) exatamente este aspecto do raciocnio de Angell que despertou o interesse contemporneo entre os entusiastas das

    Relaes Internacionais. Quando Angell escreveu no havia uma clara distino entre o que denominamos por relaes

    interestatais e transnacionais. Se usarmos estes conceitos, o argumento bsico de Angell fica mais claro e mais atual.

    Basicamente ele afirma que a expanso das relaes transnacionais particularmente as relaes diretas entre grupos de

    indivduos com interesses convergentes limita a atuao do Estado e, deste modo, impe limites crescentes ao escopo das

    relaes interestatais. Como a guerra, de um ponto de vista racional, no do interesse do indivduo e da maioria da sociedade,

    o adensamento da esfera transacional disciplina a atuao dos Estados e limita a violncia.

  • Interpretaes clssicas do imperialismo

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 15

    Qual era o problema peculiar enfrentado pelo comerciante aventureiro do sculo XVI? Ele se

    encontrava em terras estranhas, recm-descobertas, com abundncia de pedras e metais preciosos,

    frutos e rvores, habitadas por povos selvagens ou semi-selvagens. Se outros comerciantes adquiriam

    as pedras, est claro que isso no se devia sorte. Por isso a sua poltica colonial deveria visar dois

    objetos: em primeiro lugar, a ocupao eficaz do pas, para manter o seu predomnio sobre os

    aborgenes e para explorar sem reservas o territrio; em segundo lugar, a excluso de qualquer outra

    nao cujos cidados pudessem adquirir as pedras, os metais e as madeiras encontrados localmente,

    privando a metrpole do benefcio representado por esses produtos.33

    Logo, nas condies iniciais, no havia outra alternativa dominao poltica baseada na espada.

    No entanto, com a criao de um comunidade estvel com razes no solo, a realidade mudou

    completamente:

    As colnias comearam a ter importncia para a metrpole como mercados e fontes de matrias

    primas e alimentos; e, para que se desenvolvessem plenamente nessa direo, precisavam converter-

    se em entidades mais ou menos autnomas, s suscetveis de explorao pelo pas colonizador nos

    mesmos termos em que este poderia explorar qualquer outra comunidade com que se relacionasse.34

    Assim, por causa do desenvolvimento das colnias, a preservao da dominao poltica perdeu

    qualquer fundamento econmico real e s se explica pela paixo o patriotismo.35

    Para ilustrar este raciocnio, Angell argumenta que o eventual esfacelamento do Imprio

    Britnico no traria nenhuma grande consequncia econmica para os ingleses. Na verdade, tal evento

    seria at vantajoso para a Gr-Bretanha, pois o pas ficaria livre dos custos com a defesa do imprio e,

    portanto, os impostos poderiam ser reduzidos.36

    Apesar de suas crticas ao nacionalismo, nas entrelinhas,

    Angell afirma que os alemes e todos os novos Estados aventureiros deveriam observar a histria do

    colonialismo britnico para concluir que no possvel lucrar com a dominao colonial. O dirigismo

    poltico e a imposio de relaes econmicas assimtricas produz, de forma inevitvel, a ruptura dos

    laos coloniais, pois engendra os movimentos emancipacionistas. Esta a lio que se pode tirar da

    desastrosa administrao colonial portuguesa, espanhola e francesa. Os ingleses seguiam na mesma

    direo, mas aprenderam uma importante lio aps a emancipao dos EUA: a nica forma de manter

    um Imprio colonial atravs do afrouxamento da dominao poltica e da concesso da liberdade

    econmica, fato que, na prtica, no produz um imprio, mas uma espcie de confederao de estados

    (33) ibid p. 82

    (34) id;ibid

    (35) Para Angell, o patriotismo essencialmente irracional e exerce hoje uma funo anloga ao que o fervor religioso

    exercia nos sculos XVI e XVII: uma empecilho racionalizao das idias e, portanto, um dos estmulos belicosidade

    humana cf. ibid p. 286-7.

    (36) cf. ibid p. 83-4. Na verdade, Norman Angell nega a existncia do neocolonialismo: Na verdade, as colnias

    britnicas so naes independentes, aliadas metrpole inglesa, e no constituem de nenhum modo uma fonte de tributos ou

    rendimentos econmicos (exceto na ,medida em que qualquer pas estrangeiro possa s-lo), pois as respectivas relaes

    econmicas esto sujeitas no a critrios impostos por Londres, mas pelas prprias colnias. p. 83.

  • Eduardo Barros Mariutti

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 16

    soberanos. Se nem os experientes ingleses conseguiram lucrar com as colnias, como se poderia esperar

    tal fato de naes menos experientes?37

    Ironicamente, a despeito de toda a condenao ao nacionalismo, Angell termina reafirmando a

    ideologia do fardo do homem branco com um adendo: o paladino da razo, alm de branco, britnico:

    Os ingleses podemos com justia orgulhar-nos com o fato de que a Inglaterra sempre esteve na

    vanguarda das idias polticas, isto , da sua aplicao prtica. O prprio Imprio Britnico, um

    simples conglomerado de Estados independentes, mostra-nos uma imagem antecipada da relao

    mtua dos Estados europeus no futuro [!!]. Se cinco pases renunciaram, como vemos hoje, ao

    emprego da fora nas suas relaes recprocas, logrando manter o equilbrio e a harmonia sem a

    interveno da violncia, por que cinquenta pases do mesmo tipo de civilizao no conseguiriam o

    mesmo?38

    A Inglaterra aprendeu, na prtica, que a fora no a melhor forma de relacionar-se com suas

    colnias. Logo,

    quando o mundo tiver aprendido a lio verdadeira que se pode extrair do desenvolvimento do

    Imprio Britnico, no s este alcanar um grau de segurana maior do que aquele que poderia

    trazer-lhe a sua esquadra como ter desempenhado um papel incomparavelmente mais elevado e mais

    til do que o da supremacia militar, que provoca delrios nos imperialistas de certo tipo e que no

    passaria de uma nova verso, ftil e ineficaz, do projeto napolenico.39

    Portanto, a soluo para os problemas da poltica internacional encontram-se na gloriosa histria

    da Gr-Bretanha. Resta apenas refletir de forma metdica sobre esta experincia e transmiti-la para o

    mundo:40

    Devemos ao pensamento ingls a cincia da economia poltica. O pensamento e a prtica da

    Inglaterra precisaro dar-nos uma outra cincia, a poltica internacional a cincia das relaes

    poltica entre os seres humanos. J conhecemos os princpios gerais desta cincia, mas ela ainda no

    se cristalizou em um sistema assimilvel pelos que esto destinados a dar-lhe seu desenvolvimento

    completo.Desenvolver essa obra, e preparar a sua expresso definitiva, seria tarefa digna da raa

    inglesa, que tanto contribuiu para o progresso da humanidade com o seu gnio e seu esprito

    positivo.41

    (37) cf.p.84-5

    (38) ibid p. 299 (grifo meu).

    (39) Ibid p. 300

    (40) Esta , exatamente, a misso dos ingleses: E como estes princpios de cooperao entre os homens so, neste

    sentido muito especial, criao e produto da Gr-Bretanha, a esta cabe a responsabilidade de colocar-se sua frente. Se essa

    iniciativa no for tomada pelos ingleses, de quem poderamos esper-la, tratando-se de princpios nascidos por assim dizer de

    seu seio? Se a Inglaterra no tiver f nos seus princpios, quem poder ter? ibid (grifo meu)

    (41) ibid p. 300-1

  • Interpretaes clssicas do imperialismo

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 17

    Em suma: Europa deve levar aos brbaros a civilizao e os ingleses, de forma pragmtica e

    desinteressada,42

    devem continuar liderando a Europa. Esta idia no seria to hilria se tivesse surgido

    em pleno auge da era vitoriana, e no na fase inicial da decadncia do imprio britnico. Mas, mesmo

    com estes deslizes, a interpretao de Norman Angell representativa das formas mais progressistas do

    pensamento liberal.

    2.2 Schumpeter

    Existem diversas leituras de Schumpeter. Sua versatilidade, erudio, a amplitude de seus

    interesses e ocupaes e, principalmente, o seu pendor polmica, favorecem isto. Dentre os

    economistas, porm, cada vez mais comum a esterilizao de seu vivo e dinmico pensamento em

    torno de uma suposta teoria da inovao, cuja nfase quase absoluta recai na dimenso tecnolgica

    (embora no se confine neste domnio) e o seu impacto nas transformao da concorrncia entre as

    empresas.43

    Mas as preocupaes fundamentais de Schumpeter transcendiam a dimenso da economia

    (mesmo que concebida de forma heterodoxa, como preferem se auto referirem os economistas mais

    envergonhados com sua disciplina). Isso ntido no s na sua discusso sobre os fundamentos e as

    prticas do imperialismo, como tambm em A Teoria do Desenvolvimento Econmico e Capitalismo,

    Socialismo e Democracia. Nesta ltima obra e na reflexo sobre o imperialismo fica evidente a sua

    tenso com o marxismo, que deixou uma marca indelvel em toda a sua trajetria acadmica. Um

    esclarecimento deve ser feito. Como nossa preocupao central sua interpretao do imperialismo e

    como ela se diferencia das explicaes marxistas no ser necessrio aqui revisitar os importantes

    debates se h ou no uma unidade no pensamento deste autor.

    Para combater a vinculao entre capitalismo e imperialismo, Schumpeter recorre a uma longa

    anlise comparada sobre os diversos fenmenos imperialistas classificados em tipos - que remontam

    (42) Penso que, se a questo fosse apresentada como deve ser, contando com o apoio desse tipo de organizao,

    sensata, prtica e desinteressada, que tanto contribuiu para o xito de propagandas anteriores como na ocasio em que o

    trabalho de dois ou trs ingleses deu o golpe de misericrdia na escravido -, no s esses esforos encontrariam no pblico o

    eco mais profundo, como uma vez mais teramos a satisfao de ver a tradio inglesa frente de um dos movimentos morais e

    intelectuais de maior consonncia com a sua iniciativa em campos tais como o da liberdade humana e o do governo

    parlamentarista. Ibid p. 300-1

    (43) H um intenso debate em torno destas questes. Para algumas correntes, a obra de Schumpeter permite construir

    uma abordagem fundamentalmente distinta da economia neoclssica (principalmente pela sua insistncia de que o capitalismo

    baseia-se em sucessivas mudanas e no pode, portanto, ser apreendido em termos estticos ou em formalismos, tal como a

    teoria da concorrncia neoclssica). Para outros, mais conservadores, Schumpeter visto como um antdoto poderoso s

    polticas opressivas derivadas da abordagem keynesiana. Algumas correntes da dita economia evolucionria tambm tendem a

    reconhecer a importncia de Schumpeter, na medida em que a sua concepo sobre a natureza e os efeitos da inovao em todos

    os nveis da economia essencialmente dinmica, marcada pela irreversibilidade e, portanto, orientada por uma temporalidade

    histrica. Por este mesmo motivo, os adeptos da teoria da complexidade tendem tambm a enxergar em Schumpeter um dos

    percursores. Em muitos casos, a teoria da inovao simplesmente introjetada no arcabouo da economia neoclssica, no

    intuito de tentar dar uma aparncia de movimento. Neste caso, quanto mais esta tendncia avana, cada vez menos necessrio

    ler Schumpeter para seguir a argumentao. Na verdade, at atrapalha.

  • Eduardo Barros Mariutti

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 18

    Antiguidade.44

    Em meio a multiplicidade de particularidades, Schumpeter tenta identificar o elemento

    comum, capaz de dar alguma unidade aos fenmenos:

    Nosso mtodo de investigao simples: propomos-nos a analisar o nascimento e a vida do

    imperialismo por meio de exemplos histricos que considero tpicos. Um trao comum surge em cada

    caso, fazendo com que o problema sociolgico do imperialismo seja um nico, em todas as pocas,

    embora com diferenas substanciais entre os casos individuais. Dai o plural imperialismos no

    ttulo.45

    Isto lhe permite desvincular imperialismo de capitalismo: se os fenmenos imperialistas so to

    remotos, mas possuem um elemento comum, o capitalismo no pode, de forma alguma, ser a causa do

    imperialismo.

    Isto de sada j o dissocia das interpretaes marxistas. Porm, ao sugerir uma noo de

    determinao bastante diferente, ele vai mais longe. A raiz da diferena se situa na explicao do

    impulso ao imperialismo e, em segundo grau, na sua explicao sobre o mecanismo de formao de

    interesses, e o modo como estes se liga (ou no) s motivaes mais fundamentais que determinam a

    manifestao concreta do fenmeno. Porm, a diferena fundamental com o materialismo histrico, e o

    que d singularidade interpretao de Schumpeter, est na explicao sobre as motivaes mais

    profundas de fundo irracional46 do imperialismo. E, aqui, desaparece completamente o Schumpeter

    economista. Mas, antes de mais nada, fundamental atentarmos para o modo como ele define o

    imperialismo:

    E a Histria nos mostra, na verdade, naes e classes e maioria das naes proporciona, numa

    poca ou noutra, um exemplo disso - que procuram expandir-se pelo amor expanso, que buscam a

    guerra pelo amor da luta, a vitria pelo gosto de vencer, o domnio pelo prazer de governar. Essa

    determinao no se pode explicar por nenhum dos pretextos que servem para justific-la, por

    nenhum dos objetivos pelos quais parece estar lutando, no momento. Independente de toda finalidade

    concreta ou ocasio, ela representa um disposio permanente, aproveitando-se de todas as

    oportunidades. Ela se evidencia atravs de todos os argumentos levantados para justificar os

    objetivos momentneos. Valoriza a conquista no tanto pelas vantagens imediatas frequentemente

    duvidosas, ou desperdiadas com a mesma frequncia - como pelo fato de ser conquista, xito, ao.

    44 cf. SCHUMPETER, J.A. Imperialismo e Classes Sociais op. cit. p.44-85. Estamos nos baseando na parte I:

    Sociologia dos Imperialismos (p. 22-124), que corresponde reedio de um artigo publicado originalmente em 1919 (Zur

    Soziologie der Imperialismen Archiv fr Sozialwissenschaft und Sozialpolitik Vol.46 (p.1-39,275-310).

    45 Op. cit. p. 27. Ver tambm a pgina 44-5.

    46 Podemos encontrar esta idia em vrios momentos da obra de Schumpeter. Comentando as justificaes para os seus

    prprios atos dos contemporneos (no caso, a legitimao religiosa para as guerras de extermnio dos Assrios, cristalizada no

    passado remoto e em sintonia com os hbitos de raciocnio e a reao emocional do povo assrio (seu esprito, em suas

    palavras), ele pondera: tambm evidente que motivos conscientes no importa se de carter religioso, como no caso

    concreto raramente so os verdadeiros motivos, no sentido de estarem livres de ideologias falsas, nem so nunca os nicos

    motivos. A motivao humana sempre infinitamente complexa, e nunca temos conscincia de todos os seus elementos ibid p.

    54.

  • Interpretaes clssicas do imperialismo

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 19

    (...) Segue-se que, pela mesma razo, tal como a expanso no pode ser explicada pelo interesse

    concreto, assim tambm ela no jamais satisfeita pelo atendimento de um interesse concreto(...).

    Da, a tendncia dessa expanso de transcender todos os limites tangveis, ultrapassando-os

    completamente at exaurir-se. essa, portanto, a nossa definio: imperialismo a disposio sem

    objetivo, da parte de um Estado, de expandir-se ilimitadamente pela fora.47

    Trata-se de uma definio pouco convencional. A partir daqui, tentarei explicitar os fundamentos

    em que ela repousa.

    De acordo com Schumpeter, a raiz mais fundamental do imperialismo o momento e o modo

    como se configura uma organizao social mais perene voltada para a guerra. H duas situaes. No caso

    mais brando, o ponto de partida uma organizao mais pacfica que, ao ser exposta a uma situao

    extrema, faz brotar em seu interior uma organizao militar, que configura e generaliza a predisposio

    guerra. Entretanto, somente a durao excessiva destas condies seria capaz de cristalizar nestes povos

    uma predisposio ao imperialismo: o desenvolvimento e enraizamento do aparato marcial que, mesmo

    depois do desaparecimento das necessidades que o geraram, fica latente. Por outro lado, h povos onde a

    prprio ponto de partida48 - a sociabilidade fundamental - a guerra, isto , tratam-se de naes

    guerreiras tpicas, muito mais suscetveis ao imperialismo, pois a estrutura social se orienta em torno da

    funo militar (todas as classes politicamente importantes consideram a guerra como a principal

    profisso49

    ), fato que gera um modo de vida com disposies psicolgicas e formas orgnicas

    cristalizadas que so predispostas ao expansionismo ilimitado.50 Portanto, em todos os casos, o

    imperialismo s possvel muito tempo depois que a organizao social cria uma mquina de guerra que,

    uma vez incrustrada na sociedade, passa a tender expanso como um fim em si.51

    (47) Ibid p. 25-6 Grifos meus

    (48) Isto coloca, de sada, um problema terico importante, muito debatido entre historiadores e etnlogos: que critrios

    podemos utilizar para definir qual o ponto em que uma sociedade se forma, isto , nos termos da discusso empreendida pelo

    autor, imprime a sua marca no inconsciente e nos hbitos do seu povo? Schumpeter no oferece nenhum indcio de que critrios

    ele usa. Sequer cita as fontes de seus julgamentos sobre a pr-histria e Histria dos povos que analisa. E esta outra distino

    cujo critrio tambm no claro. Hora a Histria parece comear com a sedentarizao ( o critrio que domina, mas nem

    sempre: ele se refere a Histria de povos nmades), ora o critrio a formao de uma estrutura poltica mais clara, que desloca

    a organizao em tribal ou em cls.

    (49) O ponto crucial que numa nao guerreira a guerra no nunca considerada uma emergncia que interfira na

    vida privada, mas ao contrrio, essa vida e vocao s se realizam plenamente na guerra. Numa nao guerreira, a comunidade

    social uma comunidade guerreira. Os indivduos no so nunca absorvidos pela esfera particular. H sempre excesso de

    energia que encontra a sua complementao natural na guerra. O desejo de guerra e de expanso violenta surge diretamente do

    povo ibid p. 47.

    (50) Cf. ibid p. 48.

    (51) Tendo como foco o imperialismo egpcio no sculo VII (que no era, em seu julgamento, uma nao guerreira

    na origem), Schumpeter comenta: Essa nova organizao poltica e social [a centralizao do imprio com base em soldados

    profissionais, com apoio da cavalaria, que substituram as milcias camponesas anteriores] era essencialmente uma mquina de

    guerra, criada por instintos e interesses blicos. S na guerra encontrava ela a sua realizao e s atravs dela podia manter a sua

    posio interna. (...)Criada pelas guerras que a tornaram necessria, a mquina passou a criar as guerras que lhe eram

    necessrias. O desejo de conquista sem limites tangveis, da captura de posies que eram manifestamente insustentveis tal o

    imperialismo tpico. Ibid p. 46

  • Eduardo Barros Mariutti

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 20

    O trecho abaixo sintetiza o que h de essencial em seu argumento:

    Nossa anlise das evidncias histricas mostrou, em primeiro lugar, o fato indiscutvel de que as

    tendncias sem objetivo da expanso pela fora, sem limites definidos e utilitrios ou seja, a

    inclinao puramente instintiva para a guerra e a conquista desempenham um papel muito grande

    na histria da humanidade. (...)Nossa anlise proporciona, em segundo lugar, uma explicao para

    essa necessidade de agir, esse desejo de guerra teoria de forma alguma esgotada pelas meras

    referncias necessidade ou ao instinto. A explicao est, ao invs disso, nas necessidades vitais

    de situaes que levaram povos e classes a serem guerreiros para evitar a sua extino e no fato

    de que disposies psicolgicas e estruturas sociais formadas, em situaes semelhantes, num

    passado remoto, uma vez estabelecidas firmemente tendem a se manter e a continuar em efeito muito

    tempo depois de terem perdido o seu sentido e sua funo de preservadoras da vida. Em terceiro

    lugar, nossa anlise mostrou a existncia de fatores subsidirios que facilitam a sobrevivncia de tais

    disposies e estruturas fatores que podem ser divididos em dois grupos. A orientao para a guerra

    estimulada principalmente pelos interesses internos das classes dominantes, mas tambm pela

    influncia de todos os que tem a ganhar, individualmente, com uma poltica beligerante, seja

    economicamente, seja socialmente.52

    Portanto, a chave para a interpretao do fenmeno est no enraizamento da predisposio

    expanso violenta ilimitada e, em menor grau, na sua relao com o mecanismo de formao e

    implementao dos interesses. Uma guerra violenta contra uma ameaa concreta (mesmo que o conflito

    seja justificado por outros motivos) no imperialismo.53

    O elemento fundamental , portanto, a

    cristalizao no mago da sociedade no esprito do povo de uma mentalidade imperialista,54 que

    tender a se manifestar sempre que esta predisposio se combine com causas permissivas.

    (52) Ibid P. 85-6.

    (53) Cf. ibid p. 23-4. De forma direta Quando o Estado defende um interesse prprio, mesmo que o faa com

    brutalidade e vigor, ningum d a isso o nome de imperialismo, desde que ele abandone a atitude agressiva to logo tenha

    atingido os seus objetivos (p. 25). A esse respeito, ver a sua hesitao em caracterizar como imperialista as posturas de Roma e

    de Alexandre, o Grande (p. 70-1).

    (54) Refletindo sobre a tendncia escalada dos conflitos militares entre os Persas e seus vizinhos: Encontravam-se

    sempre pretextos para a guerra. No h situao em que tais pretextos faltem inteiramente. O que importa, no caso, que eles

    no se entrosam nos elos que formam a cadeia de explicao dos acontecimentos histricos a menos que se considera a

    Histria como um relato dos caprichos dos grandes Senhores. precisamente este o ponto em discusso porque para certos

    povos qualquer pretexto servia guerra, porque a guerra era para eles a prima, e no a ultima ratio, a atividade mais natural do

    mundo. essa a questo da natureza da mentalidade imperialista, e constitui o nosso problema. Ibid p. 50. A ausncia de uma

    predisposio nata ao imperialismo tambm deriva do modo como o povo se forma: O imperialismo de uma populao

    guerreira, o imperialismo popular, surge na Histria quando o povo adquire uma disposio blica e uma organizao social

    correspondente antes que tenha a oportunidade de ser absorvido pela explorao pacfica da rea em que se instalou

    definitivamente. Os povos que nisso se absorvem, como os antigos egpcios, os chineses ou os eslavos, jamais desenvolveram

    tendncias imperialistas, embora possam ser induzidos a assim agirem por exrcitos mercenrios e geralmente estranhos. Ibid

    p. 49.

  • Interpretaes clssicas do imperialismo

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 21

    As razes do imperialismo Europeu

    Mantendo a coerncia com sua viso mais geral sobre o problema, Schumpeter afirma

    categoricamente que o imperialismo moderno no parte constitutiva do capitalismo, mas sim fruto de

    sobrevivncias pr-capitalistas, que o capitalismo ainda no conseguiu eliminar. Estas sobrevivncias se

    situam nas esferas poltica, cultural, social, psicolgica e econmica e, apesar de contradizerem a lgica

    do capitalismo, elas acabam expressando a sua influncia atravs do poder poltico, consubstanciando-se

    na poltica imperialista. Dentre estas sobrevivncias, Schumpeter acentua o legado das intensas lutas de

    poder que ocorreram na Europa ao longo dos ltimos sculos: as paixes nacionalistas irracionais55 que

    se irradiam pela opinio pblica, assim como o vis belicista e expansionista cristalizado em diversas

    camadas sociais que se formaram ou que se consolidaram no perodo absolutista, isto , as castas

    militares-feudais, os setores da burocracia que derivam seu prestgio, seus privilgios e os seus

    rendimentos do aparelho militar e administrativo construdo durante os conflitos dos sculos XVII,

    XVIII e XIX. So estes resqucios - e no o capitalismo - que so responsveis pelo fomento e pela

    legitimao das prticas imperialistas.56

    Tomando em conjunto a obra de Schumpeter, torna-se particularmente visvel a tese de que o

    capitalismo apresenta uma forte tendncia racionalizao (entendida como clculo racional de custos e

    benefcios, isto , o que o weberiano chamaria de racionalidade instrumental); a qual manifesta-se

    dominantemente no plano econmico, mas que tende tambm a projetar-se sobre todas as demais esferas

    da existncia social. Neste sentido, o capitalismo essencialmente pacfico e, portanto, antagnico s

    prticas imperialistas: ele tende a neutralizar ou canalizar todas as atitudes agressivo-irracionais guerra,

    expanso imperialista, violncia, etc. para a competio econmica no mercado, que, por efetivar-se

    num quadro racional, acabaria redundando na consolidao de prticas e instituies democrticas, 57

    mais inclinadas ao pacifismo.

    (55) Afastado de tudo o mais escreve Schumpeter -, o irracional busca refgio no nacionalismo o irracional, que

    consiste da beligerncia, da necessidade de odiar, de boa quota de idealismo rudimentar, de egosmo do mais ingnuo, e portanto

    mais restrito. precisamente isso o que constitui o impacto do nacionalismo. Ibid p.31-2

    (56) A insistncia de Schumpeter no carter atvico do imperialismo resume bem a sua posio sobre este assunto: O

    imperialismo tem, portanto, um carter atvico. Enquadra-se num grande grupo de caractersticas que sobrevivem de eras

    remotas, e que desempenham um papel importante em toda situao social concreta. Em outras palavras, um elemento que

    provm de condies vivas, no do presente, mas do passado (...). um atavismo da estrutura social, dos hbitos individuais

    psicolgicos, de reao emocional. Como as necessidades vitais que o criaram desapareceram para sempre h muito, tambm ele

    deve desaparecer gradualmente, muito embora qualquer ao blica, por menos imperialista que seja o seu carter, volte a

    reviv-lo. O imperialismo tende a desparecer como elemento estrutural porque a estrutura que o colocou em destaque est em

    declnio, dando lugar, no curso da evoluo social, a outras estruturas onde no h lugar para ele, e que eliminam os fatores do

    poderio que eram o seu fundamento. Tende a desaparecer como elemento de reao emocional habitual, devido racionalizao

    progressiva da vida e do esprito, processo no qual as antigas necessidades funcionais so absorvidas por novas tarefas, no

    decurso das quais as antigas energias militares so modificadas funcionalmente. (...) Nossos exemplos mais recentes de

    imperialismo inegvel e claro so as monarquias absolutistas do sculo XVIII. E so, sem dvidas, mais civilizados do que os

    seus predecessores. Ibid. p. 86-7 (grifo meu). Aqui, claramente, Schumpeter se aproxima da noo de processo civilizacional.

    (57) Fato que abre outra seara extremamente polmica: o(s) significado(s) de democracia presente em sua obra. Ver a

    parte 4 de Capitalism, Socialism & Democracy Londres & Nova York: Routledge, 1994

  • Eduardo Barros Mariutti

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 22

    Deste modo, podemos concluir que, para Schumpeter, a propenso ao imperialismo no pode ser

    explicada por interesses materiais ou econmicos. Alm disto, o imperialismo, isto , a expanso poltica

    pela expanso (que, exatamente por manifestar-se desta forma no possui limites) no interessa

    burguesia, a principal fora criadora da riqueza e da transformao social. Como explicar, nestas

    condies, a manifestao do imperialismo em uma era onde as foras econmicas - por promoverem a

    interdependncia entre as naes supostamente apontam para a paz? Simples: a estrutura social vigente

    ainda no suficientemente capitalista. A pirmide social que caracteriza a nossa era (Schumpeter

    escrevia em 1919) no foi formada exclusivamente pela substncia e pelas leis do capitalismo, mas sim

    pela combinao desta com a substncia e as leis que emanam de outra poca (feudalismo). Portanto,

    devido este fator, a burguesia ainda depende poltica e ideologicamente da aristocracia fundiria e das

    classes militares, que podem usar o seu prestgio para adaptar o poder do capitalismo aos seus

    interesses particulares, profundamente anticapitalistas.

    3 Interpretaes Marxistas do Imperialismo

    3.1 Rosa Luxemburg

    A obra de Rosa Luxemburg alvo de verdadeiras sabotagens tanto no meio acadmico como na

    militncia poltica. Ela acusada tanto pelo seu ecletismo supostamente incapaz de movimentar-se

    no rigor formal dos conceitos, recorre sistematicamente a aportes externos teoria marxiana e,

    sobretudo, a ilustraes histricas (no caso, por ecletismo, devemos entender empirismo) - quanto

    pelo excesso de ortodoxia. tambm acusada de um voluntarismo ingnuo (ou idealismo

    revolucionrio), fundado em uma compaixo romntica pelas massas. Por outro lado, comum

    encontrar crticas ferozes ao seu fatalismo que, supostamente, emana da sua filiao teoria do colapso

    inexorvel do capitalismo, na qual se aduz a sua f na ao espontnea das massas que, mesmo sem uma

    liderana partidria clara, seria capaz de conduzir a revoluo.

    Essa profuso de crticas contraditrias deriva de pelo menos duas caractersticas do pensamento

    de Rosa Luxemburg. Em parte, estes juzos dspares derivam das mudanas de posio da autora, em

    funo dos imperativos tticos ditados pelas circunstncias. Este tipo de oscilao bastante comum nas

    grandes lideranas que combinam os problemas intelectuais com a militncia poltica. Mas a maior fonte

    das crticas provenientes de todas as direes deriva do radicalismo da postura geral assumida por

    Rosa em um momento de tenso social extrema. As mudanas de posio e esse radicalismo explicam,

    de forma mais direta, os ataques dos seus contemporneos. Contudo, as crticas posteriores sua obra

    baseiam-se tambm em uma motivo suplementar, muito mais prosaico. Em A Acumulao do Capital, a

    prpria autora teria aberto o flanco a tais crticas, ao formular a sua interpretao partindo da crtica aos

    esquemas de reproduo de Marx. Sem dvida, olhando retrospectivamente, este um pssimo ponto de

    partida, pois a colocou na linha de fogo de filsofos mais formalistas e a correntes que acreditam que

    possvel reduzir o materialismo histrico a uma cincia econmica marxista. Somente nestes casos

    possvel dar tanta importncia aos esquemas, a ponto de inaugurar o enfadonho problema da

  • Interpretaes clssicas do imperialismo

    Texto para Discusso. IE/UNICAMP, Campinas, n. 216, fev. 2013. 23

    realizao, travado quase que exclusivamente em torno de contraposies exegticas entre o tomo II e o

    III de O Capital e nos Grundrisse58 - e da correta compreenso da dialtica. Porm, como Rosa

    participava simultaneamente do debate na Alemanha e na Rssia, a querela dos esquemas de reproduo

    e da crise do capital era um dos componentes centrais e, portanto, dadas as circunstncias, consistia

    em um ponto de partida que praticamente se impunha anlise.59

    Longe te tentar reviver velhas polmicas, destacarei aqui os pontos onde Rosa Luxemburg faz a

    discusso avanar. Para tanto, ser necessrio explicitar alguns pontos essenciais da interpretao da

    autora que, de modo geral, aparecem diludos em uma ampla massa de assuntos de menor importncia e,

    que desse modo, geram rudos desnecessrios e, em alguns casos, crticas completamente descabidas.

    Infelizmente, exatamente para possibilitar este procedimento, no h como no mencionar o problema

    dos esquemas de reproduo. Mas, mesmo se aceitarmos que, de um ponto de vista formal, isto ,

    centrado no papel que os esquemas de reproduo ocupam (ou deveriam ocupar) na arquitetura geral de

    O Capital, o modo como a autora formulou o problema passvel de crticas, no podemos nos esquecer

    que o propsito geral da autora foi tentar se desvencilhar deste tipo de formulao, e as confuses

    desnecessrias que dela derivam. E, como tentarei demonstrar, tomada no conjunto, a abordagem de

    Rosa Luxemburg abre caminho para esta superao, pois ela se esfora para reconstruir uma concepo

    de modo de produo que capaz de incorporar efetivamente a dimenso da Histria e, por conta disto,

    possibilita transcender a forma usual com que os problemas foram (e infelizmente, em muitos casos,

    ainda so) formulados.

    Os esquemas de Reproduo e a crise do capitalismo

    De sada, ao criticar os esquemas de reproduo, Rosa Luxemburgo rompe com a tese de que,

    essencialmente, as crises do capitalismo derivam apenas das eventuais desproporcionalidades entre os

    ramos da produo, tpicos de uma economia baseada na mirade de decises individuais. Tais

    desproporcionalidades poderiam, a princpio, ser resolvidas automaticamente pelas falncias e

    redistribuio do investimento ou, alternativamente, minoradas pela ao do Estado, atravs do

    planejament