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MARISTELA MACEDO POLEZA MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA DAS ENCHENTES DE 1983 Dissertação apresentada ao Colegiado do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional na Universidade Regional de Blumenau, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional. Dra. Beate Frank - Orientadora BLUMENAU 2003

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MARISTELA MACEDO POLEZA

MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA DAS ENCHENTES DE 1983

Dissertação apresentada ao Colegiado do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional na Universidade Regional de Blumenau, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional.

Dra. Beate Frank - Orientadora

BLUMENAU

2003

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MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA DAS ENCHENTES DE 1983

Por

MARISTELA MACEDO POLEZA

Dissertação aprovada para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional pela banca examinadora formada por:

Presidente: ________________________________________________

Prof. Dra. Beate Frank – Orientadora, FURB

Membro: _______________________________________________

Prof. Dr. Lino Fernando Peres Bragança, 1o.Examinador, UFSC

Membro: ________________________________________________

Prof. Dr. Ivo Theis, 2o. Examinador , FURB

_________________________________________

Coordenador do PPGAd: Prof.

Blumenau, dezembro, 2002.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de externar meus sinceros agradecimentos:

À AMAVI, por ter me possibilitado todas as condições necessárias para a elaboração

desta pesquisa, idem aos colegas de trabalho, pelo apoio imprescindível;

Ao professor Marcos Antônio Mattedi, estimulador da pesquisa e orientador até sua

saída para estudos fora do país;

A Márcio Lucas por disponibilizar gentilmente sua atenção e material da Defesa

Civil;

Aos amigos Mariel Tambosi, Gilmar Triches e professor Paulo de Souza,

companheiros agradáveis das inúmeras viagens a Blumenau;

À estagiária Carla Ferrari pela ajuda na elaboração dos mapas e Vanda M.

Lucktemberg por garantir a rotina de meu escritório;

Ao meu pai, pela ajuda na pesquisa histórica e a minha mãe pela preocupação com as

viagens;

À Marina, caloura de Arquitetura e Urbanismo, que me serve de luz na busca de

conhecimentos que possam iluminar sua trajetória, e Luiza, que me fez prometer que só

voltaria a estudar daqui a muitos anos, promessa que certamente não conseguirei cumprir;

Ao Sérgio companheiro sempre.

Finalmente, à professora Beate Frank, que me acolheu como orientanda com extrema

competência, num momento tão difícil.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ...................................................................................................... 6

LISTA DE QUADROS .................................................................................................... 7

LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................................................ 7

RESUMO........................................................................................................................... 8

ABSTRACT ..................................................................................................................... 9

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................. 17

2.1 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................. 17

2.2 OCUPAÇÃO URBANA E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO .................... 21

2.2.1 Urbanização no Brasil ............................................................................................. 27

2.3 ENCHENTES E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO .................................... 29

2.3.1 Enchentes Urbanas .................................................................................................. 30

2.3.2 Histórico das enchentes no Vale do Itajaí ............................................................... 31

2.3.3 Agravante do Fenômeno enchente no Alto Vale do Itajaí ...................................... 33

3 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE RIO DO SUL ATÉ 1983 ................ 37

3.1 CONFIGURAÇÃO ESPACIAL ................................................................................ 37

3.1.1 Bacia Hidrográfica ................................................................................................... 37

3.1.2 Situação ................................................................................................................... 39

3.1.3 Aspectos Demográficos ........................................................................................... 40

3.2 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO ................................................................................. 42

3.2.1 A ocupação do Vale do Itajaí no contexto catarinense ............................................ 42

3.2.2 A forma de ocupação ................................................................................................ 44

3.2.3 O modelo de ocupação utilizado ............................................................................. 45

3.3 ORGANIZAÇÃO URBANA ..................................................................................... 46

3.3.1 Braço do Sul ........................................................................................................... 47

3.3.2 Bella Alliança .......................................................................................................... 49

3.3.3 Rio do Sul ................................................................................................................ 54

3.3.4 Síntese ...................................................................................................................... 71

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4 O IMPACTO DE 1983 COMO VARIÁVEL INTERVENIENTE ......................... 72

4.1 HISTÓRICO DAS ENCHENTES EM RIO DO SUL ............................................... 72

4.2 O FENÔMENO E OS DANOS .................................................................................. 74

5 ANÁLISE URBANA APÓS 1983 ...............................................................................

80

5.1 DE 1983 A 1992 ......................................................................................................... 80

5.1.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano .................................................................. 80

5.1.2 Uso do Solo ............................................................................................................. 82

5.1.3 Valor do Solo .......................................................................................................... 85

5.1.4 Mobilidade Urbana .................................................................................................. 88

5.2 DE 1992 A 2000 ......................................................................................................... 90

5.2.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano .................................................................. 90

5.2.2 Uso do Solo ............................................................................................................. 93

5.2.3 Valor do Solo .......................................................................................................... 98

5.2.4 Mobilidade ............................................................................................................... 99

5.3 SÍNTESE .................................................................................................................... 102

6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ................................................................. 103

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 108

ANEXOS .......................................................................................................................... 112

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Modelo de Análise .......................................................................................... 13

Figura 2 - Área explorada a montante de Blumenau entre 1850 e 1990 e freqüência de

enchentes a cada 20 anos...................................................... ..........................

34

Figura 3 - Bacia do Rio Itajaí ........................................................................................... 38

Figura 4 - Mapa de Rio do Sul ......................................................................................... 40

Figura 5 - Desmembramentos de Rio do Sul ................................................................... 42

Figura 6 - Origem do povoamento em SC ....................................................................... 43

Figura 7 - Passagem de tropas .......................................................................................... 48

Figura 8 - Mapa da colônia .............................................................................................. 50

Figura 9 - Banco de Crédito Agrícola 1928 ..................................................................... 51

Figura 10 - Rua Carlos Gomes ........................................................................................... 52

Figura 11 - Uso do Solo em Bella Aliança interpretado .................................................... 53

Figura 12 - Uso do Solo 2 em Bella Alliança interpretado ................................................ 56

Figura 13 - Encontro dos rios ............................................................................................. 58

Figura 14 - Movimento no centro urbano .......................................................................... 59

Figura 15 - Beira 1954 ....................................................................................................... 62

Figura 16 - Praça 1954 ....................................................................................................... 63

Figura 17 - Rua 7 de setembro ........................................................................................... 65

Figura 18 - Caminhões na via principal nos anos 60 ......................................................... 65

Figura 19 - Panorâmica nos anos 60 .................................................................................. 66

Figura 20 - Plano Diretor interpretado ............................................................................... 68

Figura 21 - Calçadão Central ............................................................................................. 70

Figura 22 - Enchente em 1954 ........................................................................................... 73

Figura 23 - Rua Carlos Gomes em dois momentos 12/07/83 e 14/07/83 .......................... 75

Figura 24 - O calçadão em dois momentos distintos ......................................................... 76

Figura 25 - Conflitos de usos ............................................................................................. 83

Figura 26 - Comprometimento do sistema viário .............................................................. 84

Figura 27 - Localização de novos loteamentos .................................................................. 88

Figura 28 - A imagem do destino interrompido na área inundável / livre da enchente no

morro ...............................................................................................................

89

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Figura 29 - Áreas urbanas reduzidas .................................................................................. 91

Figura 30 - Jardim América antes de 1983 e depois de 1983 ............................................ 94

Figura 31 - Bairro Canoas antes e depois de 1983 ............................................................. 96

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Principais enchentes ocorridas no Vale do Itajaí ........................................ 32

Quadro 2 – Evolução demográfica de Rio do Sul .......................................................... 41

LISTA DE ABREVIATURAS

AMAVI – Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí

CEDEC – Coordenação Estadual de Defesa Civil

DNAEE – Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica

DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento

FURB – Fundação Universitária da Região de Blumenau

GAPLAN – Gabinete de Planejamento

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IPA – Instituto de Pesquisas Ambientais

IPTU – Imposto Territorial Urbano

ONU – Organização das Nações Unidas

UNIDAVI – Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí.

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RESUMO

As enchentes fazem parte da história do Vale do Itajaí, desde o início de sua

colonização. Com as grandes enchentes de 1983 no Alto Vale, Rio do Sul a cidade que sofreu

o maior impacto, considerando que os prejuízos estenderam-se por uma extensa área

urbanizada. A necessidade do entendimento da situação urbana pré-impacto, visando

comparação pós-impacto, levou ao estudo da formação e consolidação de Rio do Sul como

pólo regional. A pesquisa interpretou as respostas que a população encontrou para minimizar

os impactos sofridos e reagir à ação do fenômeno das enchentes. Historicamente, a

preocupação com a redução destes prejuízos no Vale do Itajaí tem se voltado ao incremento

de medidas estruturais de controle das cheias, tendo pouca atenção dirigida ao planejamento

do ambiente urbanizado. O intervalo de tempo analisado inicia com a ocupação do território

na década de 20, e vai até o ano de 2000, considerando a enchente de 1983 como a variável

interveniente neste processo de consolidação urbana. As propostas urbanísticas que

contemplaram o crescimento urbano neste intervalo de tempo foram reunidas neste trabalho

como forma de documentá-las.

PALAVRAS CHAVES: Enchentes, Planejamento Urbano, Desenvolvimento Regional,

Urbanização.

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ABSTRACT

Floods make part of the Itajaí River High Valley history since its early establishment.

With the big valley floods in 1983, Rio do Sul suffered the biggest impact, considering that

the damages affected most of the urban areas of the city. The necessity to understand the

situation of the urban pre-impact comparing in to the pos-impact motivated a research to

consolidate Rio do Sul as the most important city of the region. The research sought for an

interpretation to the answers brought by the population to minimize flood impacts and

reactions to the flood phenomena. Historically the preoccupation with the reduction of

prejudices in the Itajai valley has turned to the increment of structural measures to control

floods and having less given attention to the urban zoning laws.

The period of time analyzed in the study starts with the territory settlement in the 1920’s until

the year 2000, considering the 1983 flood as the intervenient variant of urban area

consolidation. The big urban area dispersing on the high areas of the city doors not express

necessarily the real development of it.

The urbanistic proposals that contemplate urban growing during this period of time

were put together in this work to document them.

Key words: floods, urban planning, regional development, urbanization.

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1 INTRODUÇÃO

A ocupação urbana de Rio do Sul, como a maioria das cidades da região do Alto

Vale do Itajaí, de colonização predominantemente alemã, aconteceu junto aos rios. O rio

Itajaí-açú, responsável pela maior bacia hídrica inteiramente catarinense, começa exatamente

no centro desta cidade, no encontro dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste, que com seus leitos

permeiam grande parte do referido perímetro urbano.

Situada estrategicamente entre Blumenau e Lages, Rio do Sul, ocupou na região do

Alto Vale, o principal espaço atrativo comercial, aproveitando o ciclo da madeira para

desenvolver-se como eixo prestador de serviços a partir da década de 40 e atrair, para a

industrialização, populações de áreas próximas.

Usando valores transmitidos culturalmente, Rio do Sul realizou um urbanismo

espontâneo. A instalação de cidades muito próximas aos rios, bem característico no Alto Vale,

refletindo aspectos culturais significativos e próprios da forma de colonizar, também

demonstrou o desconhecimento da base topográfica e hidrográfica local. Em Rio do Sul é

possível observar, pelas edificações, o deslocamento das atividades urbanas em direção a

áreas mais altas, posteriormente à sua instalação inicial.

Na década de 70, a condição de pólo regional de Rio do Sul é reforçada, com a

implantação da BR 470. Neste período, o índice de crescimento da cidade chega a 2,78 (IBGE

1980), e nos anos 80, com o esgotamento do ciclo da madeira, acontece o declínio econômico.

È evidente, na forma de ocupar o espaço a despreocupação com os rios, para os quais seus

habitantes sempre davam as costas. Os rios Itajaí do Oeste, do Sul e Açú várias vezes saíram

de seus leitos, inundando margens e causando alagamentos em residências e nos bairros mais

baixos como Santana, Canoas e Sumaré, onde as mesmas já se adaptavam a dois pisos.

A maior enchente vivida por Rio do Sul e pelo Alto Vale, em 1983, desabrigou

aproximadamente 250.000 pessoas em toda a bacia hidrográfica. Segundo dados da Defesa

Civil de Rio do Sul, o Rio Itajaí-açú atingiu 15,08 metros no dia 12 de julho de 1983, com

aproximadamente três metros a mais do que a maior cota até então conhecida. Esta elevação

das águas foi responsável por incalculáveis perdas. O abalo sofrido foi muito forte e a cidade

permaneceu isolada reagindo da forma que pôde. Deslocou-se para áreas altas, desvalorizou

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áreas baixas, enfrentou novas enchentes no mês e anos seguintes, verticalizou, concentrou,

dispersou, enfim mudou a sua forma de ocupar o espaço.

O estudo da alteração da forma urbana de Rio do Sul vem buscar uma explicação das

relações estabelecidas entre o espaço natural e a cidade que nele se instalou, interpretando

vetores de crescimento territoriais vivenciados, visando a aumentar conhecimentos que

auxiliem no planejamento urbano, já que as enchentes, ameaças em potencial, continuam

sendo tema pouco estudado no Brasil. Em síntese, a pesquisa concentra-se na área urbana de

Rio do Sul e estuda as alterações ocorridas posteriores a grande enchente de 1983.

Torna-se impossível, nos dias de hoje, trabalhar com construção civil em Rio do Sul

desconsiderando a variável enchente. A possibilidade ou não de uma enchente atingir uma

edificação redefine a forma de ocupação volumétrica e seu valor de mercado, passando a ser

um componente tão importante como acessibilidade e insolação. A pesquisa está centrada

nesta nova forma de edificar a cidade, suas interpretações e conseqüências. A consideração

deste processo nos permite a formulação da seguinte questão norteadora da pesquisa:

- Qual o reflexo que a mudança do padrão de uso e ocupação do solo, provocada pela

enchente de 1983, causou sobre o desenvolvimento urbano de Rio do Sul?

Como hipóteses básica e secundária, considera-se que:

As enchentes estimularam a ocupação desordenada do solo urbano, promovendo um

processo de valorização do solo em algumas áreas e desvalorização do mesmo em outras; a

verticalização nas áreas inundáveis e a ampliação da ocupação urbana nas áreas altas da

cidade, acelerada após as enchentes, causaram um processo de deslocamento das atividades

urbanas para além dos limites das enchentes, aumentando visivelmente o crescimento e

passando uma falsa idéia de desenvolvimento.

A realização desta pesquisa visa a atender ao objetivo geral, referente ao estudo do

impacto das enchentes no desenvolvimento da área urbana, que se traduz nos seguintes

objetivos específicos, sempre relacionados à comparação da situação urbana anterior e

posterior às enchentes de 1983:

1) Interpretação da legislação urbana e perímetro urbano;

2) Entendimento da alteração no padrão de uso do solo;

3) Entendimento da alteração no padrão de custo do solo nas áreas urbanas

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promovidas pela valorização e ou desvalorização;

4) Conhecimento da mobilidade urbana.

A pesquisa é desenvolvida na consideração dos conjuntos teóricos, segundo o seguinte

modelo de análise:

- Como variável independente o desenvolvimento e ciclos econômicos

vividos como principalmente o ciclo da madeira;

- Como variável dependente, a estrutura urbana reflexo do ciclo econômico

correspondente. Enquanto economia agrícola Rio do Sul desenvolveu

espaços rurais, concentrando na cidade pequenos pontos de troca

comercial; no ciclo da madeira o espaço urbano cresceu, expondo seus

ganhos com a construção de igrejas, hospitais, bancos, praças, avenidas,

pontes entre outros equipamentos; sendo tratado na fase da

industrialização à reserva de espaços para distritos industriais, expansão

urbana e parcelamentos do solo em geral, visando ao maior oferecimento

para o setor residencial. Esta variável é a que foi realmente afetada pelo

fenômeno das enchentes, sendo o objeto da pesquisa. Será analisada na

sua transformação e reflexos positivos ou negativos que sofreu;

- Como variável interveniente a enchente, afetou a relação entre

desenvolvimento econômico e o espaço ocupado. Seu caráter catastrófico

interrompeu um modelo urbano vulnerável. Analisa-se o fenômeno e sua

forma de interpretação. As cheias promoveram rupturas na forma

conhecida de ocupar o solo, redirecionando vetores de expansão,

redefinindo usos, acelerando a verticalização. A figura 1 representa

esquematicamente, o teor da pesquisa onde o desenvolvimento ocorrido

gera a estrutura urbana correspondente, tendo a enchente de 1983, atuado

neste processo dinâmico, alterando-lhe a forma.

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Figura 1 – Modelo de Análise

ESTRUTURA URBANA LOCAL

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

REGIONAL

Fonte: Desenvolvido pelo autor.

A realização da pesq

complementares: relevância teó

(i) Relevância

do Vale d

particular,

Sul. Os p

histórica

desenvolvi

entendimen

de desenv

incrementa

regional e

(ii) Relevância

possui um

ordenamen

vetores de

que poderã

processos

subsídios a

do solo,

ENCHENTE

uisa justifica-se por duas ordens de considerações que são

rica e relevância prática.

Teórica: Do ponto de vista teórico sobre o desenvolvimento

o Itajaí em geral e sobre a problemática das enchentes em

encontra-se poucas publicações referentes à cidade de Rio do

oucos estudos existentes estão relacionados à formação

e entende-se que considerações relacionadas ao

mento urbano proporcionarão conhecimentos que ajudarão no

to das soluções urbanas adotadas, compatíveis com modelos

olvimento vividos. Trata-se, de um estudo que busca

r o conhecimento sobre as relações entre desenvolvimento

problemas ambientais.

Prática: Do ponto de vista prático, a realização da pesquisa

a importância direta para o processo de planejamento e

to do espaço urbano de Rio do Sul, pois o estudo identifica

crescimento urbano que permitem redefinições urbanísticas,

o melhorar aspectos ligados à legislação urbana, alimentando

de tomada de decisões. Além disso, poderá fornecer novos

estratégias de planejamento do processo de ocupação do uso

como ampliação do sistema viário, áreas de expansão,

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preservação da paisagem e, adensamentos. A pesquisa é importante aos

interesses públicos e privados já que pode provocar maior

conscientização ambiental, apontando novos caminhos para o

desenvolvimento regional.

A pesquisa foi do tipo exploratória e a coleta de dados foi documental, buscando

referências em decretos, leis, jornais, revistas e publicações que demonstravam a situação da

ocupação urbana anterior e posterior às inundações; bibliográfica quando recolheu

informações sobre planejamento urbano e enchentes em pesquisas já publicadas relacionadas

com o tema em estudo; icnográfica, quando cercou-se de dados que caracterizam os sinais, as

marcas, ou cotas de inundações; fotográfica pela análise de fotos que auxiliaram na

compreensão dos fatos estudados; cartográfica pela interpretação de mapas de diferentes

épocas visando à análise do crescimento urbano, e com entrevistas não diretivas, onde pessoas

envolvidas com as temáticas citadas foram ouvidas em conversações sistemáticas baseadas

em roteiro prévio de perguntas.

Durante a execução desta pesquisa, verificou-se grande carência de dados,

principalmente em órgãos públicos. Informações apresentadas referentes à verticalização, por

exemplo, foram colhidas em campo e transformadas nos mapas apresentados. Foram ainda

realizadas buscas em cartórios de registro de imóveis, visando aumentar o entendimento de

questões relacionadas à compra e venda de lotes em áreas inundáveis.

Os passos metodológicos que permitiram cumprir os objetivos específicos da

pesquisa em relação à interpretação da legislação urbana e perímetro urbano foram:

Para a comparação da legislação urbanística;

a) análise da estruturação interna da prefeitura no que se referia ao planejamento

urbano;

b) comportamento das pessoas e dos especuladores imobiliários, frente a ausência de

legislação e sua posterior implantação;

c) dimensões do perímetro urbano antes e depois das cheias;

d) setores urbanos que deixaram de existir ou foram criados.

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Para o entendimento da alteração no padrão de uso do solo foram analisados os

seguintes tópicos:

a) comportamento do sistema viário;

b) uso do solo que sofreu mobilidade;

c) Interferência na paisagem;

d) Localização de novos loteamentos;

e) Ocupação das áreas centrais baixas e altas antes das enchentes;

f) Processo de verticalização na cidade;

g) Surgimento de pontos comerciais, industriais e de conflitos;

h) Localização de áreas residenciais;

i) Áreas de expansão urbana e preservação;

j) Relação visual com os rios antes e depois do fenômeno;

l) Alterações na tipologia arquitetônica.

Para o entendimento da alteração no padrão de Custo do Solo nas áreas urbanas

promovidas pela valorização e ou desvalorização foram levantados:

a) Valor venal dos lotes e desvalorização nas áreas centrais baixas;

b) Localização das áreas nobres, com melhor ocupação e infra-estrutura;

c) Localização das áreas com problemas de infra-estrutura e com ocupação precária.

Para a interpretação da mobilidade urbana o estudo abrangeu:

a) Uso que sofreu maior mobilidade;

b) Número de residentes urbanos e análise de incremento ou êxodo urbano;

c) Migrações internas;

d) Alteração nas relações de vizinhanças.

Após a Introdução, o trabalho é seguido da Fundamentação Teórica, onde os

conceitos de desenvolvimento, enchente e urbanização são estudados. Na seqüência, passa-se

à formação e ao desenvolvimento urbano de Rio do Sul, até 1983. Neste sentido, a utilização

de mapas e fotos contextualiza o comportamento urbano frente aos diferentes tempos e a

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ênfase é de uma análise até 1983. Na seqüência, o foco da pesquisa recai sobre o fenômeno da

enchente em si, sua abrangência e danos, seguido de uma análise da condição urbana após o

evento, tratando da reação gerada e das transformações provocadas pelas enchentes na

estrutura urbana de Rio do Sul. A conclusão da pesquisa é seguida de recomendações

baseadas no estudo feito.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento ocupa lugar de destaque no pensamento moderno. Não é possível

desassociar o termo de palavras como crescimento, evolução, maturação. Indica que estamos

progredindo em direção de uma meta desejável, segundo Sachs (2000). De acordo com Alves

(1988), o crescimento do volume de bens e serviços produzidos em um país, medido pela

evolução do Produto Interno Bruto (PIB) e o valor da totalidade de bens e serviços finais

produzidos num país com elevação da renda é o crescimento econômico. A mesma autora

refere-se a desenvolvimento econômico como uma conseqüência da melhoria no padrão de

vida da população.

A palavra Desenvolvimento é carregada de conotações, está destinada à extinção e a

sua prolongada agonia transforma-se em uma condição crônica. Os Estados Unidos,

considerados pela sua grande capacidade produtiva o centro do mundo, em 20 de janeiro de

1949, logo após a Segunda Guerra Mundial, abriram a era do Desenvolvimento, aproveitando

como momento oportuno, a posse do presidente Truman. Este, ao referir-se ao

Desenvolvimento, deu um novo significado ao termo, criando uma nova concepção do “eu” e

do “outro”, transformando o significado histórico-político do Desenvolvimento. Inserido num

contexto tipicamente americano, como uma arma contra o comunismo, projetou-se para o

resto do século XX, marcando nesta data, dois bilhões de pessoas como “Subdesenvolvidas”.

Daquele momento em diante, este contingente humano deixou de ser o que era na sua

diversidade, transformando-se magicamente numa imagem inversa da realidade alheia, que os

diminuía. Para Sachs (2000), o subdesenvolvimento usurpa e transforma duzentos anos de

construção social do significado histórico e político do tema Desenvolvimento.

No início do século XX, generaliza-se o termo Desenvolvimento Urbano, referindo-

se às áreas periféricas, terraplanagens, produção industrial homogênea e instalações

especializadas, não se conseguindo fixar uma imagem generalizada como hoje é aplicada.

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Também, na mesma época, alguns autores dão uma atenção pragmática aos fatores externos e

internos que pareciam ser as causas mais atuais para o desenvolvimento, ou melhor, para o

não desenvolvimento: temas comerciais, intercâmbio desigual, dependência, protecionismo,

imperfeições do mercado, corrupção, falta de democracia ou de talento empresarial. Com a

evolução das civilizações e da urbanização como conseqüência para obtenção de bens e

serviços, as necessidades se tornaram maiores que os recursos humanos e materiais. A

definição da palavra desenvolvimento pode estar atrelada a fatores como industrialização,

renda per capita, urbanização, qualidade de vida e uma série de demais indicadores sociais,

desde que crescentes.

Urbanização e desenvolvimento econômico aparecem ligados e se constata como

importante à aceleração do crescimento urbano nas regiões subdesenvolvidas com um ritmo

superior a arrancada urbana dos países industrializados, e isto, sem crescimento compatível,

sendo que para Castells (1983), a característica principal de subdesenvolvimento é a

impossibilidade de uma sociedade dirigir o desenvolvimento da coletividade, além da falta de

recursos. Para Betlheim (apud Castells, 1983), em vez de países subdesenvolvidos, temos

países explorados, dependentes e dominados com economia deformada. Tratar do

subdesenvolvimento significa, além de falar de dominação e dependência, de estabelecer o

alcance e a expressividade da dominação.

A hipeurbanização existente hoje nos países subdesenvolvidos é apontada como um

obstáculo ao desenvolvimento na medida que imobiliza recursos sob a forma de investimentos

não produtivos necessários à organização de serviços indispensáveis a grandes concentrações

de populações. Vê como problemática também a concentração num mesmo espaço de uma

população com insatisfatório nível de renda, desenraizada sem função precisa na sociedade.

Uma boa parte das cidades nestas condições não é o resultado de um processo dos meios de

produção e força de trabalho e sim de um desaguadouro do que o sistema desorganiza, sem

poder destruir inteiramente, considerando impactante a industrialização numa sociedade

fracamente urbanizada (Castells, 1983).

Cardoso (apud Castells, 1983), afirma que a mudança na estrutura de emprego na

América Latina foi mais provocada pela integração de parte da população agrícola no setor

terciário do que pelo processo de industrialização. A massa urbana ligada à produção de

serviços possui interesses e condições que não condizem com os interesses da classe

dominante, gerando uma urbanização dependente que não é a expressão de um processo de

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modernização, mas sim das contradições sociais inerentes a seu modo de desenvolvimento,

determinado por uma dependência específica no interior do sistema capitalista mundial. A

guerra e a pobreza contribuíram para que a população aprofundasse o sentimento de

deficiência e fixasse a noção de subdesenvolvimento. Os teóricos dependentistas latino-

americanos e os intelectuais de esquerda se dedicaram a criticar as estratégias

desenvolvimentistas que os americanos esboçavam e para eles o novo termo era só mais uma

palavra para designar atraso ou pobreza, afirmando que o subdesenvolvimento era

conseqüência do Desenvolvimento. O debate sobre origem e causas do Desenvolvimento

define o termo como uma “percepção” e ninguém parece suspeitar que o conceito não se

refere a um fenômeno real. Não se compreende a quantidade de processos interligados que

compõem a realidade mundial, e a subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes

deste desmembramento, como ponto de referência geral. O conceito de Desenvolvimento

empobreceu ainda mais nas mãos de seus primeiros defensores que o reduziram a

“crescimento econômico”. Um simples crescimento de renda per capita, nas áreas

economicamente subdesenvolvidas, era a meta insinuada na Carta da ONU de 1947.

O primeiro relatório da situação social em 1952 despertou o interesse da ONU, que

passou a ver meios de aliviar a pobreza mundial. Estes davam conta do progresso e a

expressão Desenvolvimento Social introduzida gradativamente aparecia de forma vaga e

relacionada a Desenvolvimento Econômico. O econômico e o social eram situações

consideradas distintas. O relatório de 1962 recomendava a união do econômico e do social

afirmando que Desenvolvimento era o crescimento com mudanças qualitativas e quantitativas

nos campos sociais, econômicos e culturais. A palavra chave seria Qualidade de Vida e em

1966 a ONU reconhecia a interdependência dos fatores econômicos e sociais e a necessidade

de equilibrá-los. No final dos anos 60 ficou claro que o crescimento econômico acelerado

vinha acompanhado de desigualdades crescentes e os economistas já consideravam os

aspectos sociais como obstáculos sociais.

Em 1970, Robert McNamara (apud Sachs, 2000), então presidente do Banco

Interamericano de Desenvolvimento, admitiu que um alto índice de crescimento não tinha

conduzido a um progresso satisfatório do desenvolvimento na primeira década e insistiu que

os anos 70 seriam testemunha de algo mais que índices brutos de crescimento econômico.

Enquanto a primeira década foi considerada a dos aspectos sociais, a segunda década dedicou-

se a fundir os dois. Uma resolução da ONU estabeleceu um projeto para identificação de uma

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abordagem unificada ao desenvolvimento e ao planejamento, com o objetivo de: incluir todos

os setores da população nas oportunidades; efetuar mudanças estruturais; buscar igualdade

social incluindo distribuição justa e priorizar o desenvolvimento do potencial humano.

Começou assim a busca de uma abordagem unificada, a análise e o planejamento do

Desenvolvimento, que procurava a integração setorial, espacial e regional, com um tipo de

“Desenvolvimento participativo”. O projeto durou pouco e os resultados foram

decepcionantes, dando uma nova vida ao debate sobre Desenvolvimento nos anos que se

seguiram.

Em 1972, a Conferência de Estocolmo abordou o Ecodesenvolvimento, alertando

para o esgotamento dos recursos não renováveis. Avançando nesta linha de pensamento, a

ONU realizou seminários sobre estilos alternativos de desenvolvimento refletindo no

Relatório Brundtland em 1987, onde a idéia de desenvolvimento sustentável chama a atenção

para a melhor distribuição das riquezas produzidas e adoção de estilos de vida compatíveis

com os recursos naturais disponíveis, também às futuras gerações, idéias estas, conduzidas à

Conferência do Rio de Janeiro. Esta conferência, conhecida como ECO 92, realizada no Rio

de Janeiro em 1992, foi o início de um processo para estabelecer as bases para o

desenvolvimento sustentável pois, para Strong (apud Sachs, 1986), a vida do planeta está

condenada se não houver diminuição no consumo dos recursos naturais. O meio ambiente e o

desenvolvimento foram reconhecidos como lados de uma mesma moeda. Houve, com este

encontro, um considerável avanço na preocupação com a gestão ambiental evoluindo-se para

discussão de temas como: meio ambiente, crescimento demográfico, fome, opressão,

problemas habitacionais e desemprego. Como recomendação da ECO 92 o Brasil criou a

Agenda 21, um conjunto de propostas de desenvolvimento sustentável, estabelecendo áreas

temáticas de ações como: agricultura, cidades, integração regional, gestão dos recursos

naturais, tecnologia e redução das desigualdades sociais, que deverão ser implementados por

estados e municípios e internalizados pela sociedade em geral. O Desenvolvimento não

deveria ser de coisas, mas do ser humano, dando ênfase à necessidade da diversidade e de que

sejam seguidos caminhos diferentes para o Desenvolvimento.

Na década de 90 a ONU passou a divulgar o IDH (medidor que combina o poder real

de compra, educação e saúde), numa nova abordagem sobre desenvolvimento, tratou da

abordagem das necessidades básicas, voltando a atenção para a tarefa de resolver

necessidades como a pobreza absoluta, levando em conta as especificidades da cada país.

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Seguindo-se à risca tal concepção, conduzir-se-ia à dissolução da própria noção de

Desenvolvimento, no momento que ficasse evidente a impossibilidade de impor um modelo

mundial cultural único. A crise dos anos 80 tirou o poder de pessoas que foram criadas na

dependência dos salários, e sem base social que os habilitasse a viver de forma autônoma e

Sachs (2000) pede o debate sobre os acontecimentos pós-econômicos, lançando um desafio à

sociedade, para que formule um tipo de controle político que permita iniciativas econômicas

menos danosas, e sua maior inserção no tecido social, pressupondo que a economia criada

pelo homem comum acabe com os abusos. O mesmo autor afirma ainda que o

Desenvolvimento evaporou-se, e o homem moderno fracassou no seu esforço para ser Deus.

Sugere que é chegada a hora de recobrar a realidade e a serenidade, para que o homem

comum possa andar com seus próprios pés e contar sua própria história e para Diegues

(1995), a possibilidade das sociedades definirem seus padrões de produção, consumo e bem

estar da população deve ser buscada, em troca da adoção de modelos definidos por

sociedades industrializadas.

Hoje, para dois terços dos povos do mundo, o subdesenvolvimento é uma

experiência de vida de subordinação, discriminação e de subjugação e o desenvolvimento

consiste em desdobrar um processo mundial em diferentes níveis como local, regional e

global. A verdadeira escolha não está entre desenvolvimento e meio ambiente, mas entre

formas de desenvolvimento sensíveis ou insensíveis à questão ambiental, mobilizando a

defesa de estilos de vida que se acomodem ao meio não comprometendo sua exploração

excessiva. O desenvolvimento regional deve ser estudado e buscado, para de forma

descentralizada ser equilibrado e eficiente. Deverá também ser papel não só dos governos

mas, de todos os seres humanos, num contexto sinérgico.

Diante do exposto podemos concluir que o termo desenvolvimento é cercado de uma

grande discussão conceitual e sua análise atrela-se a realidade e pontos de vistas distintos. A

palavra desenvolvimento é utilizada com vários entendimentos e foi progressivamente

incorporando nas suas definições, aspectos sociais e ambientais.

2.2 OCUPAÇÃO URBANA E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO

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As sociedades formam estruturas organizacionais urbanas diferentes e usam estes

espaços de acordo com suas necessidades, em relações funcionais muito peculiares. Cada

modelo econômico produz um tipo de cidade que o exprime de maneira imediata, visível e

legível no terreno, tornando sensíveis às relações sociais mais abstratas, jurídicas, políticas,

ideológicas. Na cidade também há um processo cumulativo, relativamente contínuo, de

conhecimentos, técnicas, pessoas, riquezas, dinheiro e depois de capital (LEFEBVRE, 1999).

O aparecimento da cultura urbana crescente tem início a partir da Idade Média. As

Cruzadas trataram do ressurgimento do comércio e tiveram o objetivo de conquistar e ampliar

sua movimentação. Com isto cresceu o êxodo rural, ocasionado principalmente pelas

precárias condições da vida no campo. Com o incremento do comércio e atividades

econômicas as cidades, antes destinadas a sedes administrativas e fortificações, mudaram suas

feições. Para Castells (1983), a cidade política cede lugar à cidade mercantil.

A segunda metade do século XIX marca o começo das migrações maciças dos países

“velhos” para as nações novas onde se instalaram milhares de europeus. A população urbana

representava 1,7% do total nos inícios do século XIX; em 1950 tal percentual era de 21%; em

1960 de 25%; de 37,4% em 1970 e 41,5% em 1980. O fenômeno da urbanização foi

avassalador, principalmente no terceiro mundo, e as cidades constituíram-se nas melhores

representações organizacionais do espaço, sendo sua forma resultado do comportamento da

sociedade que a ocupava. São citados aspectos comportamentais, culturais, históricos, formas

de utilização dos espaços, sistema de produção e conflitos sociais, e Lefebvre (1999), define

a cidade como um conjunto de relações que se estabelecem entre esses elementos.

Numa visão geral, com características determinantes da sociedade, sobressaem três

grandes períodos:

(i) civilização agrícola

(ii) civilização industrial

(iii) civilização da informação.

Lefebvre (1999), as descreve como: “Três camadas. Três épocas. Três campos não

apenas de ‘fenômenos sociais’, mas de sensações e de percepções, de espaços e de tempos, de

imagens e de conceitos, de linguagem e de racionalidade, de teorias e de práticas sociais: o

rural, o industrial e o urbano”.

(i) Civilização Agrícola é a caracterizada pela ligação direta do homem com a

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natureza em atividades onde grande parte da população vive dispersa pelas terras.

O poder está na posse da terra e sua estrutura urbana abriga uma pequena parcela

da população, já que a maior parte desta vive no campo. O espaço urbano é o

centro de relações de troca (SEYFERTH, 1990; RENAUX, 1987; PELLIZZETTI,

1985). As preocupações na conformação das cidades estão ligadas à defesa,

proteção dos moradores, do território e das riquezas CARSTENS (1990). A

destruição da agricultura tradicional e o êxodo rural para a cidade, barateando o

custo da força de trabalho, iniciou o primeiro ciclo de exploração da cidade sobre

o campo (CORREA, 1989).

(ii) A Civilização Industrial, também conhecida como moderna, é caracterizada pelo

domínio do homem sobre a natureza. Toda sociedade funciona como uma linha de

montagem de uma grande fábrica. As atividades são especializadas, repetitivas e

padronizadas. Há uma população que fornece mão-de-obra e o poder está

associado aos mecanismos de produção. No capitalismo a produção agrícola se

destina à cidade que se transforma em um ponto de comercialização da produção

rural (CORREA, 1989). A civilização industrial abriga em seu espaço urbano a

maior parte da população e um grande número de atividades.

Trabalhar, recrear, habitar e circular seriam as funções básicas da Carta de Atenas

e os urbanistas desta fase, acreditavam ter descoberto uma fórmula que

comandaria o planejamento das cidades. Através do Zoneamento1 tudo seria

disciplinado. Cidades modelos, independentes de diferenças culturais e políticas,

poderiam ser implantadas em qualquer parte do mundo, como realmente foram.

Através da Revolução Industrial chegam novos conceitos de produção, fontes de

energia e de processos tecnológicos. O ser humano industrial pensa e vive

diferente do ser humano agrícola. A centralidade é forte e determinante e a cidade,

vista pelo prisma industrial, necessita de ajustes para funcionar a todo vapor. O

comportamento social é ordenador e a eficiência da máquina e da fábrica torna-se

para a sociedade um modelo. Destacando a cidade como condição necessária para

o aparecimento da Era Industrial, Lefebvre (1999) e Bruna (1983), afirmam que

no interior dos aglomerados urbanos se encontrava o elemento exigido para a

1 Zoneamento é a divisão da área urbana classificada de acordo com a qualificação do tipo de uso

adequando a condicionantes físico, ambientais e culturais onde ficam estabelecidas diferentes possibilidades de usos e índices urbanísticos.

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indústria como mão-de-obra, fonte de energia, matéria-prima, preços favoráveis e

diversificação necessária para o atendimento da ampliação das possibilidades

industriais.

A revolução tecnológica abrigada pelas cidades estabeleceu um paralelo entre

urbanização e industrialização, e a concentração cultural e o progresso tecnológico

nas cidades influenciaram novos hábitos e métodos de produção de vida causando

modificações ambientais (BUTZKE, 1995). Para Santos (1994) a urbanização

ganha impulso com a industrialização, e o espaço, tanto nas cidades como no

campo, vai se tornando um espaço cada vez mais instrumentalizado, culturizado,

tecnificado e cada vez mais trabalhado segundo ditames da ciência. Os transportes

se modernizam encurtando as distâncias entre as cidades e dentro delas e a

organização espacial é necessária para sanear as aglomerações. As cidades são

dotadas de infra-estruturas voltadas ao saneamento, esgoto, lixo, trânsito,

expansão entre outros. O aperfeiçoamento e integração dos processos de controle

conduzirão ao surgimento do Plano Urbanístico, na virada dos séculos XIX e XX,

que é batizado de urbanismo2 e estuda a cidade e suas relações tratando das

relações entre o espaço desta e a sociedade que nela vive (BARDET apud

CARSTEN, 1990). Como ciência, está intimamente ligado aos processos de

transformação das civilizações e, para Lefebvre (1999), como fenômeno urbano,

não pertence a nenhuma ciência especializada. O urbano define-se não como

realidade acabada, situada em relação à realidade atual, de maneira recuada no

tempo, mas ao contrário, como horizonte, como virtualidade iluminadora,

devendo o conhecimento teórico mostrar a base sobre qual o urbano se funda.

Correa (1989) destaca o significado que o processo de urbanização passou a ter,

sobretudo a partir do século XIX, ao refletir e condicionar mudanças cruciais na

sociedade. A rede urbana passou a ser o meio através do qual a produção,

circulação e consumo se realizavam efetivamente e, para Campos Filho (1986), os

fenômenos de concentração e centralização da malha urbana são frutos de um

processo especulativo que norteia a produção do espaço urbano.

Segundo o urbanismo moderno, o homem totalmente adaptado à realidade

2 Urbanismo surgiu em 1910 e deriva do latim urbe que é igual a cidade e etimologicamente significa

o estudo da cidade.

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industrial poderia ser encontrado em qualquer parte do mundo. Na cidade

moderna predominariam a mudança, a velocidade, a novidade e o movimento,

sendo que cada geração deveria erguer sua própria realidade, oferecendo muito

trabalho aos urbanistas, que, com suas idéias, materializariam todas as novas e

diferentes situações.

A cidade deveria funcionar segundo uma produção altamente científica e, para

Castells (1983), a indústria organiza a paisagem urbana. Nesta concepção,

modelos urbanísticos foram distribuídos pelo mundo, igualando muitas das

cidades. A arquitetura e a cidade se desatam da natureza e se transformam em

joguete de interesses das especulações imobiliárias e financeiras, em desfavor da

estética e da funcionalidade (FRANCO, 2000).

O Período Moderno produziu uma ruptura radical na urbanística das cidades e este

processo não teve origem num único lugar, tempo ou tipo de cultura. Aconteceu,

considerando um grande número de experiências e formulações teóricas,

abrangendo conceitos amplos e reflexos universais. A cidade moderna é

considerada como aquela resultante de formas e experiências teóricas da primeira

metade do século XX, que viria a repudiar a cidade tradicional, substituindo-a, por

um “novo” modelo. No pós-guerra, a reconstrução das cidades e suas

experimentações foram admitidas no escalão teórico e administrativo,

influenciando-as definitivamente na troca do modelo tradicional formal. Neste

contexto, são de singular importância dois períodos: o primeiro situado entre as

duas guerras, onde a cidade fragmenta-se pelo zoneamento rígido e casa, rua,

bairro e a própria praça são abandonados e arquitetos assumem a busca por um

novo modelo urbano já que, segundo suas visões, a cidade tradicional não oferecia

respostas adequadas ao novo século; o segundo período, desde o fim da Segunda

Guerra Mundial até os anos 70, definido pela industrialização, êxodo rural e

demais fenômenos sociais, requisitou cidades marcadas por habitações, bairros

industriais e centros comerciais modernos em quantidades e a ritmos até então

desconhecidos. A Europa, neste período, é levada a buscar a reconstrução rápida

de suas cidades e a urbanística moderna serve-a com uma avalanche de projetos,

onde a forma estética perde espaço para a forma operacional. A cidade moderna

perde as conexões com a cidade tradicional, recusando-a. O caráter industrial nem

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sempre é apresentado com qualidade e acontece a vulgarização da forma moderna

visando à reconstrução do pós-guerra. Na procura do “erro” do urbanismo,

concluiu-se que o que começava a desaparecer eram os princípios que

sustentavam a era da indústria. A partir da década de 50, anuncia-se o despertar de

uma civilização que contesta o código industrial, entendendo o esgotamento deste

modelo e idéias que dominaram cenários urbanos por longos anos começavam a

se tornar ineficazes.

(iii) A Civilização Informacional desponta em meados da década de 50 como uma

nova era que modifica a estrutura industrial. O capitalismo passa por um processo

de profunda reestruturação, caracterizado por maior flexibilidade de

gerenciamento, descentralização das empresas e organização em redes, declínio da

influência dos movimentos de trabalhadores, individualização e diversificação

cada vez maior das relações de trabalho; incorporação maciça das mulheres na

força de trabalho remunerada; aumento da concorrência econômica, integração

global dos mercados entre outros fatores (CASTELLS, 2000). Hoje se vive a era

da transição e da informação. Tende-se à desconcentração, descentralização e a

busca do convívio harmonioso com a natureza. O poder está na informação. Nesta

civilização, as trocas físicas são substituídas por trocas de informações virtuais. A

cidade é mais dispersa e a preocupação com a concentração não é mais uma

necessidade, recaindo a preocupação sobre a adaptação dos espaços para abrigar

esta nova sociedade. Esta era contestou o código industrial, pois se entendia que a

civilização industrial já cumprira seu papel. O homem tipo sai de cena e dá lugar

ao indivíduo que busca a diferenciação e a personalização em vez da

massificação. O transporte físico é trocado pelo de informações, a energia

concentrada é substituída por fontes renováveis e em sintonia com a ecologia e

surgem conceitos de sustentabilidade ambiental. O urbanismo deixa todas as

relações acomodarem-se livremente. São aplicados conceitos onde os espaços se

auto definem se ajustando às leis de mercado, longe dos urbanistas e seus planos.

Criou-se um instrumento metodológico, jurídico e legislativo, que amarrou o

sistema de planejamento urbano ao atingir moldes industriais. Este novo momento

ditado por um novo código onde predominaria a individualização, a

dessincronização, a produção qualitativa, a dispersão física energética e a

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disseminação da informação e do poder. A produção é dirigida para o indivíduo

da sociedade informacional e não mais para o homem-padrão industrial e o tempo

livre é buscado, criando-se novos hábitos. Masi (2000), afirma que um adulto nos

Estados Unidos, já dedica 170.000 horas ao tempo livre contra 80.000 horas de

trabalho. As cidades são integradas à natureza funcionando como um organismo

vivo. O urbanismo liberal surge como tendência e os principais autores sugerem

um salto quântico, ou seja, atingir o estado informacional sem passar pelo

completo e doloroso estado industrial.

2.2.1 Urbanização no Brasil

A sociedade brasileira está envolta num processo de rápida industrialização e

urbanização, com base em enormes desequilíbrios, desigualdades sociais e espaciais. Os

países ditos subdesenvolvidos caracterizam-se por conhecerem simultaneamente a era

agrícola e industrial, acumulando os problemas (CASTELLS, 1983 e LEFEBVRE, 1999).

Para Campos Filho (1986), um governo urbano cada vez mais pobre enfrenta cidades cada vez

mais caras, e é essa a realidade preocupante que os brasileiros tem que enfrentar. O

desenvolvimento urbano está intimamente ligado ao crescimento industrial e ao modelo de

produção agrícola, e um acelerado crescimento populacional, de forma desigual, no que se

refere ao urbano e rural, acontece (SINGER, 1987).

Em dados da ONU, cerca de 90% do aumento no mundo em desenvolvimento

acontecerá nas áreas urbanas, cuja população deverá passar de 1,15 bilhões para 3,85 bilhões

em 2025. Santos (1994) define como surpreendente a proliferação das cidades nos países

pobres e a partir da década de 30, para Campos Filho (1986), foi sendo montado o quadro dos

problemas urbanos com que hoje nos defrontamos.

O processo de introdução ao urbanismo moderno no Brasil, iniciado na virada do

século XX e intensificado no período entre guerras, foi marcado por uma série de percalços

que comprometeram a efetivação de muitos dos princípios sociais e reguladores que estavam

no cerne da urbanística européia (MALTA, 2000). Para TUCCI (1995), o processo de

urbanização acelerado que ocorreu depois da década de 60, gerou uma ocupação urbana sem

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infra-estrutura, refletido nos recursos hídricos no tocante ao abastecimento de água, esgotos e

drenagens.

A expansão e o dinamismo industrial estão ausentes no encontro com a urbanização e

a qualidade de vida da população no Brasil. A população que migrou para a cidade foi

induzida pela industrialização, já que todas as políticas de incentivo à industrialização foram

concebidas para atrair população do campo para a cidade, como afirma Vidor (1995).

A maior parte do espaço urbano no Brasil, segundo Grostein (apud Campos

Filho,1986), teve origem clandestina, não sendo previstos no seu atendimento normas

sanitárias mínimas como o não parcelamento de áreas inundáveis, insalubres, verdes e

altamente acidentadas. O sistema viário, na maioria das vezes, não atendeu a projetos

técnicos, assemelhando-se a uma colcha de retalhos mal costurada. A expansão horizontal

apareceu também praticamente sem controle. Como problemas, somamos o custo da

regularização do desplanejamento, jogado para os poderes públicos. A partir da década de 70,

a Lei 6766, que disciplina os parcelamentos do solo, surge como mecanismo de minimização

destes custos, na medida que exige a contrapartida do loteador (CAMPOS FILHO, 1989). A

verticalização descontrolada é outro problema vivido pelas grandes cidades brasileiras, onde a

otimização máxima dos espaços visando ao lucro especulativo, gera ônus ao poder público já

que necessita de infra-estrutura urbana adicional.

A especulação imobiliária nas cidades brasileiras de pequeno e médio portes,

avolumaram-se e cerca de metade do espaço utilizável para edificação chega a estar vazia.

Seus proprietários nada precisam investir em melhorias urbanas, bastando aguardarem o

crescimento urbano e o investimento público em mais infra-estrutura, para que seus terrenos

sejam ainda mais valorizados (CAMPOS FILHO, 1986).

Para Vidor (1995), a qualidade de vida dos cidadãos na cidade, é primordial para

definir o urbano e as condições de vida desta população nem sempre foram consideradas

quando o objetivo foi urbanizar. Foram tomadas medidas para melhorar o urbano e bem

poucas para elevar o nível de vida tanto na cidade como no campo. O mesmo autor aponta a

falta de planejamento no meio rural como séria, salientando que na formação da sociedade

brasileira o rural, que no início se articulava em termos de complementaridade, hoje foi

reduzido ao interesse da classe do poder. O planejamento do território reflete as mudanças de

atitudes humanas em relação aos espaços habitados e se faz necessário estabelecer um

controle sobre o desenvolvimento urbano para que se garanta a própria continuidade do

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desenvolvimento econômico.

Em Rio do Sul, será possível observar no capítulo desta pesquisa que trata da sua

formação e evolução urbana, a espacilaização dos diferentes momentos econômicos como sua

fase predominantemente agrícola e posteriormente com o ciclo da madeira, a fase mais

industrializada, sem portanto, ter ficado espacialmente clara a situação do troca de momentos

econômicos visto que ainda podemos encontrar produtores primitivamente agrícolas e

industrias artesanais, convivendo com serviços e industrias tipicamente informacionais.

2.3 ENCHENTES E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO

O aumento das calamidades naturais leva ao questionamento e discussão das relações

entre a natureza e a sociedade e avança conjuntamente com os fenômenos da urbanização e do

aumento populacional. A ONU decretou a década de 90 como a década internacional para

redução dos desastres naturais, priorizando as atividades de pré-impacto, planejamento e

previsão. No Brasil existem poucas informações atualizadas sobre calamidades naturais,

diferente do cenário mundial onde as mesmas já são mais estudadas.

A questão das enchentes pode ser enfocada pela teoria dos Hazards e Desastre. A

teoria dos Desastres tem seu direcionamento para os aspectos sociais e foi desenvolvida a

partir do ponto de vista sociológico, enquanto a Teoria do Hazards tem seu enfoque na

natureza e foi desenvolvida a partir do ponto de vista geográfico (MATTEDI, 1999).

O conceito de hazards abrange várias calamidades naturais e a difícil mensuração

dos fatores sociais envolvidos fez com que geógrafos entendessem delimitar a referência aos

fenômenos geofísicos, climatológicos e geológicos. A pesquisa sobre hazards foi

impulsionada por Gilbert White, no Tennesse Valley, enfocando enchentes, ajustamentos

humanos e suas perdas. O estudo dos hazards apontou como relevante a dificuldade em

separar a dimensão física da humana em um evento onde as pessoas eram vistas como

vítimas com pouca capacidade de reação. Burton e Kates (apud Mattedi, 1999) definiram

hazards como elementos do ambiente físico, prejudiciais ao homem, surgindo do contínuo

processo de ajustamento entre este e a natureza. Pessoas que vivem em áreas sujeitas a

enchentes, atribuem a destruição de suas casas à força da natureza e não à forma errônea de

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ocupar o espaço. Para compreender uma inundação, torna-se necessário avaliar os fatores que

antecederam o problema, e não somente suas conseqüências e as forças físicas e humanas que

combinadas determinam a significância dos impactos, atingindo necessariamente as

atividades humanas, já que estas é que definem sua essência (MATEDDI, 1999).

Drubeck (apud Butzke, 1995), considera Desastre como o evento incontrolável ou

acidental concentrado em tempo e espaço, podendo causar prejuízo a uma sociedade

vulnerável. Não é possível tratar separadamente a situação de emergência da situação pré-

desastre e este, constituindo-se em um problema social, é que deve ser identificado,

principalmente para a elaboração de ações governamentais. No contexto pré-Desastre, a

resposta vem baseada em dois fatores: o tipo de integração e conflito existente no período de

normalidade e a experiência acumulada frente à crise, sendo que a relação entre os dois

indica a dimensão social e a magnitude do impacto que pode ser minimizada mediante

aprendizado prévio Wenger (apud Mattedi, 1999). Para Mateddi (1999), a importância nos

estudos dos Desastres não está em sua dimensão natural, mas em suas conseqüências sociais.

Pelanda como Mattedi (1999), afirma como importante o estudo da normalidade e analisa as

condições pré-impactos. Focado nos fatores sociais analisa o pré e o pós-impacto, reportando

que situações encontradas no pós-impacto podem ser entendidas como extensão de condições

sociais vigentes no pré-desastre, incorporando a “responsabilidade total” da organização

social na geração das pré-condições. O problema resulta da incapacidade de prevenir e o

agente do desastre não é independente do contexto social e exprime, segundo o autor, a

“materialidade da vulnerabilidade social”.

Cada sociedade responde a Desastres segundo experiências acumuladas no convívio

com o problema e o aumento do número de Desastres nos últimos anos, em condições

geofísicas quase que estáveis, aponta que o aumento da vulnerabilidade está ligado com o

processo de subdesenvolvimento e de marginalização social. Desastre é visto como resultado

de uma população marginalizada num ambiente físico deteriorado (SUSMAM; OKEÉFE,

WISNER 1983 apud MATTEDI, 1999).

2.3.1 Enchentes Urbanas

As enchentes urbanas constituem-se num dos importantes impactos sobre a

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sociedade. As enchentes das várzeas ribeirinhas ocorrem principalmente pelo processo natural

no qual o rio ocupa o seu leito maior, de acordo com os eventos chuvosos extremos, com

tempo de retorno variável e ocorrem normalmente em bacias grandes, decorrentes de

processos naturais. Os impactos sobre a população são causados pela ocupação inadequada do

espaço urbano. Essas condições ocorrem devido a: parcelamentos do solo em áreas indevidas

ao longo de muitos anos; ocupação de áreas de risco; invasão de áreas ribeirinhas por

populações de baixa renda e comprometimento de áreas de médio risco. O solo edificado

ganha maior impermeabilização com a ocupação urbana e a água que outrora facilmente

infiltrava, passa a escorrer ganhando também mais velocidade. Em uma área urbana, anos sem

inundações são motivos para que o fato seja esquecido e a pressão populacional pela

ocupação aconteça.

2.3.2 Histórico das enchentes no Vale do Itajaí

Os registros históricos indicam o Vale do Itajaí como o cenário mais expressivo, no

estado de Santa Catarina, para a ocorrência de enchentes. O “problema” ou o convívio com as

cheias começa em 1850 com a instalação da Colônia Blumenau. Esta história marca

profundamente o Vale do Itajaí, por conter aspectos importantes que não podem ser

desconsiderados no trato da questão ambiental da bacia hidrográfica. São apontadas como

grandes enchentes no Vale do Itajaí, as que ocorreram nos anos de: 1880, 1911, 1927,1957 e

1983 e 1984. É nítido o aumento do número de enchentes a partir de 1910, data que coincide

com o início da expansão da colonização em toda bacia hidrográfica (FRANK 1995).

O Rio Itajaí-Açú é o rio que apresenta maior freqüência de enchentes no estado de

Santa Catarina, tendo-se registrado mais de sessenta ocorrências desde 1850 (ATLAS de SC,

1986). Encontram-se citações referentes às enchentes do Rio Itajaí –Açú em publicações

relativas a diferentes temas como Silva (1972), Lago (1983), Pellizzetti (1985), Renaux

(1987), Butzke (1995), Pompílio (1990), Mattedi (1999), Frank (1995).

No Quadro 1, destacam-se os picos máximos, medidos em metros, das grandes

enchentes ocorridas em Blumenau e Rio do Sul.

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Quadro 1 - Principais enchentes ocorridas no Vale do Itajaí.

ANO BLUMENAU RIO DO SUL

1851 16,30

1855 13,30

1868 13,30

1891 13,80

1911 16,90

1927 12,30

1935 11,65

1954 12,53 11,88

1957 13,07

1961 12,49

1972 11,35

1973 12,35

1975 12,63

1980 13,27

1983 --- 15,08

1983 15,34

1984 15,46 13,64

1992 12,80 8,52

1997 9,50 8,72

1997 7,33

1998 7,96

1999 7,00

Fonte: Dados de Blumenau/ Comitê do Itajaí. Dados de Rio do Sul/ Defesa Civil3.

A cidade de Blumenau, detentora da maior densidade habitacional, poder econômico

3 As cotas de Blumenau são referenciadas à régua linimétrica da Ponte Adolfo Konder (Fonte:

IPA/FURB) e as cotas de Rio do Sul referenciadas à régua situada próxima a Ponte Ivo Silveira (Defesa Civil).

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expressivo e o melhor aparelhamento técnico-científico da Bacia do Itajaí, destacou-se no

cenário nacional pelas inúmeras enchentes sofridas, exteriorizando muitas perdas e danos.

Neste contexto, tornou-se a responsável maior pela condução desta discussão. Esta histórica

convivência também permitiu a esta cidade maior adaptabilidade ao problema, como cita

Lago (1983):

O blumenauense há muito racionalizou procedimentos de ‘limpar a cidade’ e de re-arrumar equipamentos. Assim que as águas baixavam iniciava-se como rotina, a operação limpeza com tal eficiência que algumas horas depois, tinha-se a impressão de que nada de perturbador havia ocorrido na vida daquela dinâmica cidade (LAGO, 1983).

2.3.3 Agravante do Fenômeno Enchente no Alto Vale do Itajaí

O desmatamento de maneira descontrolada, que ocorreu principalmente no ciclo da

madeira, levou a maior compactação do solo. Práticas agrícolas trazidas pelos imigrantes,

inadequadas às condições de clima e solo da bacia, como queimadas e a exigência de

constante aumento na produtividade provocaram maior pressão sobre os recursos naturais, e

como resultados, se obteve a destruição de florestas, erosão e perda da produtividade do solo,

o assoreamento dos cursos d’água e o maior escoamento destas (MATTEDI,1999,

POMPÍLIO, 1990 e FRANK, 1995).

A Fig.2 mostra o gráfico do aumento da área explorada a montante de Blumenau

entre 1850 e 1990 e suas prováveis conseqüências em termos do aumento do número de

enchentes ocorridas.

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Figura 2 - Área explorada a montante de Blumenau entre 1850 e 1990 e frequência de enchentes a cada 20 anos.

Fonte: IPA/FURB.

Intervenções desconectadas de considerações ambientais em escala microregional,

como alterações nos percursos naturais dos rios, com trajetórias mais condizentes a interesses

pontuais, tem assumido proporções alarmantes. Butzke (1995), cita com preocupação em

estudos feitos na cidade de Agrolândia, diversas intervenções como dragagens, retificações e

alargamentos realizadas no Rio Trombudo, justificadas pela necessidade de ocupar as várzeas

para a agricultura e para evitar enchentes.

[...] Desde 1984, foram realizadas várias obras, que invariavelmente se apresentavam como soluções pontuais: liberavam a região a montante de alagamentos, gerando conseqüências negativas a jusante. Foram registrados, por exemplo: o aumento da velocidade da água, ocasionando assoreamento com pedras; o alagamento de algumas regiões ‘devido às curvas ainda existentes’; a tentativa de retorno do rio para o leito original em alguns locais onde foram feitos cortes de curvas Butzke (1995).

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Para Frank (1995), essa forma de lidar com os rios não é exclusividade do estado de

Santa Catarina, pois enchentes nos Estados Unidos foram agravadas por intervenções que

visavam a aumentar a área agrícola. A mesma autora acusa a impropriedade com que são

tratadas faixas não edificandis, matas ciliares de rios e ribeirões em toda a bacia e, sobretudo,

os espaços rurais. As conseqüências são sentidas tanto em grande como em pequena escala e,

como exemplo, cita os desastres sofridos pelos municípios da Bacia do Itajaí, num total de

255 eventos no período de 1978 a 1995.

O ex-governador do Estado de Santa Catarina, Sr. Esperidião Amin Hellou Filho,

que ganhou projeção nacional com as enchentes de 1983 e 1984, respondendo a

questionamento em dezembro de 2000 (ver entrevista anexa), referiu-se à não vulnerabilidade

do estado de Santa Catarina, frente às cheias. Afirma que não vê Santa Catarina vulnerável às

cheias e que as cidades é que invadiram áreas potencialmente inundáveis muito próximas aos

rios. Esta observação indica vulnerabilidade política ou falta de planejamento urbano que

permitiu que as cidades tomassem conta dos espaços que deveriam ser destinados, legal e

preferencialmente, às águas e seus escoamentos.

O Rio Itajaí-abçú, e seus afluentes várias vezes saíram de seus leitos, inundando

margens e áreas com cotas mais baixas. Para Frank (1995), Franco (2000) e Butzke (1995), as

enchentes de maiores ou menores proporções fazem parte dos processos naturais. Butzke

(1995) afirma que causas não naturais influenciam na ocorrência dos desastres, como

expansão urbana descontrolada e dissociada do meio ambiente. A dinâmica de intervenção

humana na bacia hidrográfica, com a instalação de cidades nas várzeas que também

contribuíram para a formação de superfícies compactadas, as quais tenderiam a aumentar o

volume de água superficial e a reduzir a capacidade de infiltração, modificou o padrão de

ação dos agentes naturais, na formação de situações de emergência. Butzke (1995), aponta

também o descumprimento de legislações voltadas a edificações e infra-estruturas físicas sem

conservação e manutenção.

As medidas de controle das inundações podem ser do tipo estrutural e não-estrutural.

As estruturais modificam o sistema fluvial e as não-estruturais são àquelas onde os prejuízos

são minimizados pela melhor convivência com o problema. Com a incidência de constantes

cheias, várias técnicas e métodos foram propostos, discussões aprofundadas, pontos de vistas

modificados e multiplicados enquanto crescia a ocupação urbana e a experiência com o

problema. Tais medidas estruturais revelaram a presença do governo federal nas obras de

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engenharia, controlando fisicamente os rios como: barragens, comportas, retificações,

canalizações. O processo de formulação de tais medidas na Bacia do Itajaí teve início em

1957, quando aconteceram cheias com altas cotas em Blumenau. Como assinala Frank (1995),

os estudos da década de 50 justificavam a implantação das barragens:

Os estudos geo econômicos mostraram que, de um lado, os fatores energia e

transporte constituem os problemas gerais que impediam o desenvolvimento da Bacia do

Itajaí. De outro lado, evidenciaram que a intensidade com que progrediram as transações

comercias na região, foi maior que a verificada nas regiões mais bem desenvolvidas da União,

o que foi atribuído, numa primeira, análise, à predominância de transações à vista e diminuta

participação de intermediários. Em resumo, foi comprovado o benefício econômico de

investimentos em obras para uso múltiplo dos rios da bacia.

Neste mesmo ano, através de um decreto do presidente da república, nomeia-se um

grupo de trabalho, que ficou encarregado de concluir projetos e executar obras. Como obras

principais de contenção, os estudos indicaram e o DNOS executou as barragens Oeste, em

Taió; Sul, em Ituporanga e Norte, em Ibirama. O objetivo da construção destas barragens foi o

de “tentar” resolver o grande problema das enchentes em Blumenau principalmente.

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3 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE RIO DO SUL ATÉ 1983

No capítulo anterior, trabalhamos o referencial teórico. O presente capítulo, objetiva

contextualizar a formação e o desenvolvimento da área urbana de Rio do Sul, permitindo o

entendimento de aspectos ligados a transformações provocadas pela grande enchente ocorrida

em 1983. A evolução histórica será dividida da seguinte forma: Num primeiro momento será

tratadO: a configuração espacial, situação e localização da bacia hidrográfica, índices de

evolução demográfica e histórico da ocupação; posteriormente através da interpretação de

mapas urbanos de diferentes épocas, objetiva-se entender a vinculação do momento

econômico gerador, e a expansão urbana correspondentemente ocorrida.

A utilização de fotos se fez necessária, objetivando o que este recurso permite. Os

croquis e mapas inseridos, como forma de expressão, intencionam o esclarecimento de

questões pontuais.

3.1 CONFIGURAÇÃO ESPACIAL

A região do Alto Vale do Itajaí situa-se praticamente no centro do estado de Santa

Catarina possuindo uma área de 95.442,9km2, representando 1,12% do território brasileiro,

pertencendo a Bacia Hidrográfica do Itajaí que é formada por 7 subbacias estando a cidade de

Rio do Sul, inserida na parte alta desta.

3.1.1 Bacia Hidrográfica

O sistema de drenagem da vertente do Atlântico no Estado de Santa Catarina

compreende uma área de aproximadamente 35.298 km2, ou seja, 37,00% da área total do

estado, onde se destaca com 15.500 km2 (ATLAS de Santa Catarina, 1986). O Rio Itajaí-Açú,

principal formador desta bacia hidrográfica, tem suas nascentes na Serra do Mar, em altitude

de até 1.500 metros e estende-se no sentido leste-oeste, a partir do Oceano Atlântico, onde

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despeja suas águas até encontrar a serra Geral, entre as serras do Espigão e o morro Campo

dos Padres. As características térmicas e pluviométricas permitem classificar o clima como de

subtropical chuvoso sendo que a precipitação média anual é de 1.500 mm (PINHEIRO, 1990

e POMPÍLIO, 1990). Na Fig.3 estão evidenciadas as principais cidades e rios inseridos nesta

bacia.

Figura 3 - Bacia do Rio Itajaí

Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 49.

O Rio Itajaí-Açú tem uma importância destacada no contexto hídrico estadual já que

sua bacia trata-se da maior bacia, inteiramente catarinense. Este rio é formado exatamente no

centro da cidade de Rio do Sul, no encontro dos rios Itajaí do Sul, proveniente da

microrregião de Ituporanga, e Itajaí do Oeste, proveniente da microrregião de Taió. Atravessa

parte significativa do perímetro urbano de Rio do Sul, ligando o Alto Vale ao litoral, em Itajaí

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onde atinge a confluência com o Rio Itajaí-Mirim, e passa a se chamar somente Rio Itajaí.

Percorre cerca de 185 km tendo como principais afluentes os rios Itajaí do Norte, Benedito,

Testo, Garcia e Itajaí Mirim. Pelas características topográficas da Bacia Hidrográfica, o rio

divide-se em Alto, Médio e Baixo, sendo que o rio e seus afluentes possuem perfis

longitudinais bastante acidentados, cursos tortuosos, retilizados com várias corredeiras em

decorrência das diferenciações geomorfológicas. O Rio Itajaí-Açú e seus afluentes apresentam

declividades de linha d’água muito altas (Carta das Enchentes de 1987).

A cobertura vegetal é bastante diversificada encontrando-se nela cinco das seis

formações estabelecidas no estado de Santa Catarina. A floresta ombrófila densa ocupava

quase a sua totalidade sendo que a dinâmica urbana e o ciclo exploratório da madeira

modificaram a condição da cobertura vegetal da Bacia do Itajaí, restando pouco da floresta

primitiva. Vale salientar que a descrição detalhada dos aspectos físicos, ambientais, e

hidrológicos não são objeto deste estudo, que se volta para o estudo urbano.

3.1.2 Situação

A cidade de Rio do Sul, cenário desta pesquisa, é pólo da micro-região da

Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (AMAVI), composta por 28 municípios.

Está situada no encontro dos Rios Itajaí do Sul e do Oeste, cujas bacias perfazem um total de

5.114km2, com área de 260,8 km 2 sendo urbana em aproximadamente 59 km2 .

A Fig.4 delimita a área do município, mostra o perímetro urbano e evidencia os

recursos hídricos.

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Figura 4 - Mapa de Rio do Sul.

Fonte: Acervo da AMAVI.

Trata-se do município mais populoso da região do Alto Vale do Itajaí, com maior taxa

de urbanização e com 93,74% da população vivendo em sua área urbana.

3.1.3 Aspectos Demográficos

A evolução demográfica da cidade de Rio do Sul está diretamente ligada às

investidas colonizatórias, construção de estradas, rede ferroviária e ciclo da madeira. O

contingente populacional que se deslocou para esta cidade foi predominantemente composto

por brasileiros. Citam-se sertanejos, deslocados de Blumenau, quando da Colonização Alemã

e, posteriormente, descendentes desta mesma colonização. Em 1920, faz-se referência a uma

população de 8.800 habitantes, sendo apenas 596 estrangeiros (PELUSO, 1942).

Em 1940, a população de Rio do Sul, excluindo seus distritos, era de 25.220

habitantes. Nas décadas de 50 e 60 a população concentrava-se predominantemente no meio

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rural e seguindo tendência nacional, esta situação foi invertida nos anos seguintes. O Quadro

2 a seguir expõe um aumento significativo do número de habitantes entre as décadas de 70 e

80, concentrado em Rio do Sul, já que a última emancipação de municípios ocorrera em 1964.

Quadro 2 – Evolução demográfica de Rio do Sul

ANO HABITANTES POP. URBANA POP. RURAL

1940 49.548 4.391 44.617

1950 57.152 8.650 48.502

1960 40.008 13.053 26.955

1970 27.917 19.590 8.327

1980 37.092 33.362 3.730

1991 45.679 42.766 2.913

2000 51.650 48.418 3.232

Fonte: IBGE, 2002.

Analisando o Quadro 2, constatamos um decréscimo populacional entre 1950 e 1970.

Neste período ocorreram desmembramentos de municípios como: Taió, em 1948; Pouso

Redondo, Trombudo Central, Rio do Oeste em 1958; Lontras, em 1961; Laurentino, em 1962;

Agronômica e Aurora em 1964.

A Fig.5 permite a visualização da indicação dos movimentos de desmembramentos

ocorridos.

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Figura 5 - Desmembramentos de Rio do Sul

Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 15.

3.2 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO

Para entendermos a alteração morfológica na interface urbana com os impactos das

enchentes em Rio do Sul, se faz necessário o estudo da sua forma de ocupação. Esta situação

está contextualizada numa dimensão maior que é o processo de ocupação do Estado de Santa

Catarina.

Seguimos então para a ocupação do Vale do Itajaí.

3.2.1 A ocupação do Vale do Itajaí no contexto catarinense

Até o início do século XIX, o processo de ocupação de Santa Catarina caracterizava-

se por duas iniciativas paralelas, sem ligação entre si. Por um lado, na região litorânea, com a

criação das cidades de São Francisco do Sul (1645), Desterro (1651) e Laguna (1676),

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realizada pelos Vicentistas, Açorianos e Madeirenses, tendo como principal via de ligação o

mar. E, por outro lado, a ocupação do Planalto Serrano, pelos Paulistas, com o

estabelecimento de Lages (1771), Curitibanos e São Joaquim, que se comunicavam com o

mar via Tubarão.

A serra do mar, intermediária a estas frentes de ocupações, constituía-se num grande

obstáculo. Em 1850, com o estabelecimento da Colônia Blumenau, visando às comunicações,

fez-se necessária à abertura de uma ligação até Curitibanos, já que o caminho para o Planalto

era imensamente maior pelo litoral. A área existente entre o Litoral e o Planalto representava

então, um “vazio demográfico” e a necessidade de sua ocupação, como elo comunicante,

constituía-se uma política e uma necessidade.

A Fig.6 caracteriza as origens da colonização européia do estado de Santa Catarina.

Figura 6 - Origem do povoamento em SC

Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 77.

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3.2.2 A forma de ocupação

Hermann Blumenau e seu sócio Fernando Hackradt obtiveram a concessão para a

compra de terras devolutas para o estabelecimento, em território catarinense, de uma

Companhia Colonizadora. Com base nesta concessão, foi criada a Colônia Blumenau. A partir

desta iniciativa marca-se a entrada de inúmeros imigrantes, principalmente, alemães4 e

italianos, mas também poloneses, austríacos, suíços, espanhóis, franceses, portugueses e

russos. A Colônia prosperou e, conseqüentemente, uma grande região periférica a Blumenau

começou a ser explorada. A partir do padrão de ocupação do espaço geográfico e das formas

de manejo dos recursos dessa região é que passam a se registrar os primeiros casos de

situações de emergência com enchentes no Vale (MATTEDI, 1999).

Visando à ligação necessária com o planalto, Emil Odebrecht promoveu expedições

em 1863 e 1867. Abriu uma picada, que em 1874 transformou-se num “caminho” para

cargueiros. Durante muitos anos, esta picada foi a única ligação entre Blumenau e o Planalto

(PELUSO, 1942 e SIEBERT, 1997). Os sertanejos, que habitavam Blumenau antes da

instalação da Colônia, em função do contínuo aumento desta, foram deslocados

gradativamente para as terras vagas, existentes rio acima, no caminho de Curitibanos. Em

1892, uma balsa é construída próxima à confluência dos Rios Itajaí do Sul e do Oeste, na

localidade de Passo do Humaitá (hoje Rio do Sul), melhorando em muito o percurso e

potencializando mais ocupações.

Através da Sociedade Colonizadora Hanseática, se estabeleceu o núcleo de

colonização Hamônia (hoje Ibirama), que recebeu mais imigrantes europeus em 1897 e 1917

(SIEBERT, 1997). Rio do Sul, como fruto da expansão de Blumenau, cresceu com a

imigração das populações jovens, das comunas circunvizinhas de colonização européia. As

terras devolutas foram vendidas por colonizadoras subseqüentes, sendo também utilizadas

como pagamento para construção de estradas, que aconteceram em 1908 e 1911. A região

ocupada pelo município de Rio do Sul era território histórico dos índios Xokleng que

entraram em constantes atritos com os colonizadores. Em 1919, o governo abre novas frentes

colonizadoras, por intermédio de empresas menores5 que atuavam junto com a Sociedade

4 Sob a denominação de alemães, englobamos todos procedentes da Alemanha independente da

região de origem 5 Como Luis Bértoli Senior (1920); Victor Gaertner (1923); Cia. Salinger (1929).

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Colonizadora Hanseática, atraindo residentes do litoral e italianos, que em função dos

problemas com os índios, aglomeram-se visando à segurança, em pequenos povoados, como

Lontras, Matador e Bela Aliança (PELUSO, 1942, p. 26).

3.2.3 O modelo de ocupação utilizado

A colonização e a distribuição de terras no Vale do Itajaí seguiu a forma própria de

colonização alemã conhecido por Waldhufendorf6 (RENAUX, 1987). O tamanho de lote mais

utilizado foi o de 25 hectares. Foram marcados7, perpendicularmente, através de uma picada,

que servia como via de acesso principal, aberta na mata. Distribuídos paralelamente,

condicionados pela topografia, acompanhavam rios, picadas,8 ou ribeirões em direção ao

fundo dos Vales. “No processo de colonização a água determinou tudo”, roteiro, caminho,

estrada (JAMUNDÁ in SIEBERT 1997).

Dispostos sob forma alongada permitiram otimização no aproveitamento das terras

planas das várzeas, abastecimento de água e garantiram a comunicação. Os lotes precisavam

ser pequenos, pois estes colonos, devido às suas origens sociais, não conseguiam viver

isoladamente, além da intenção de se preservar o espírito comunitário (RENAUX, 1985).

Suas proximidades justificavam preocupação com uma planificação territorial, embora

Seyferth (1990) afirme que na região de Blumenau não se tratou de povoamento espontâneo,

mas sim, determinado pela política de colonização do estado.

O tamanho da propriedade representou um aspecto crucial para o entendimento do

padrão de manejo dos recursos que se estabeleceu na região, porque por meio dele detectam-

se os condicionantes das pressões sobre a base dos recursos naturais. O solo deveria ser

explorado ao máximo para providenciar o pagamento do lote e a necessidade de subsistência.

Os colonos tinham a responsabilidade de povoamento para com a colonizadora sob pena de

terem que devolver o lote9. Os vendeiros também estimulavam este tipo de conduta. As

6 O Waldhufendorf, consiste na distribuição de lotes contínuos-Hufen às famílias camponesas,

(RENAUX, 1987, p. 39). O Hufen era marcado a partir de uma via fluvial, assegurando o direito a água, estendendo-se até o topo de uma montanha em estreitas faixas de 100 a 300 metros de largura por um a mais quilômetros de extensão, constituindo uma propriedade particular.

7 Giuseppe Landrini, em 1909, é apontado como o agrimensor responsável pela demarcação das terras

outrora devolutas. 8 Transformadas posteriormente em vias carroçáveis e importantes acessos viários. 9 Havia a exigência da construção de uma casa e plantação de mil braças quadradas de roça.

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ocupações eram iniciadas com a derrubada da floresta (MATTEDI, 1999).

Segundo o modelo de assentamento utilizado em Blumenau, vemos que o Alto Vale

seguiu a tendência de “Strassendorf” (aldeia estrada). Podemos constatar o desenvolvimento

de pequenas povoações nas confluências e ao longo dos rios como Lontras, Rio do Sul e Rio

do Oeste. Citamos também o caso dos seguintes bairros em Rio do Sul com estas

conformações: Valadas São Paulo e Itoupava; Fundo Canoas, Bela Aliança, entre outros.

Como aconteceu em Blumenau, estas localidades foram forçadas a ocupar áreas de risco em

função da lógica de produção de espaço urbano citada por Mattedi (1999) e também por

Siebert (1997).

Nos cruzamentos das picadas coloniais, aparecem pequenos povoados com vendas10,

que se destacavam como centro da vida econômica do lugar. Citam-se casas dos dois lados da

rua, oficina de carpinteiro, ferreiro e instalações de artesões que, associados a uma capela e

salão de festas, formavam vilas que os colonos alemães denominavam de Stadplätze11. Estes

possuíam função urbana, mesmo não sendo cidades (RENAUX, 1987; SEYFERTH, 1990;

MATTEDI, 1999).

Em função da demarcação, as propriedades rurais tinham forma retangular, divididas

no sentido longitudinal. Receberam o nome de “colônias”. Os espaços internos aos lotes

refletiam a policultura, associada à criação de animais domésticos visando à subsistência

familiar. Na visualização da colônia, a casa estava junto à estrada, próxima dos galpões para

criação de animais e da horta. As roças eram feitas a partir das várzeas indo até ao pé das

encostas. A colina nunca era inteiramente devastada, permitindo reserva de lenha

(SEYFERTH, 1990).

3.3 ORGANIZAÇÃO URBANA

Na organização urbana de Rio do Sul observamos a necessidade da compreensão dos

10 As “vendas”, segundo Renaux (1985, p. 40), constituíam o local para onde afluía a produção

comercial da época. Lugar de troca, ponto de encontro. 11 O Stadplatz diferencia-se do modelo urbano português por se estabelecer na confluência dos rios,

expandindo-se paralelamente aos rios. (LAGO apud MATTEDI, 1990, p. 105).

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ciclos econômicos vividos, já que estes reproduziram um modelo de cidade compatível com

suas necessidades. Para compreender o urbano deve-se analisar e comparar os diferentes

períodos históricos de forma bem abrangente. A análise espacial foi subdividida

considerando:

a) Braço do Sul, enquanto Vila de Blumenau, em fins do século XIX;

b) Bella Alliança, na condição de Distrito de Blumenau em 1912;

c) Rio do Sul, como cidade emancipada em 1931.

3.3.1 Braço do Sul

Braço do Sul foi uma vila pertencente a Blumenau, situada na confluência dos Rios

Itajaí do Sul e do Oeste, também conhecida por Südarm. O Braço do Sul, como foi chamado o

Rio Itajaí do Sul, era o rio que realmente precisava ser atravessado por tropas, viajantes ou

cargueiros, quando o destino fosse o Planalto ou no caminho inverso, o litoral. Para esta

travessia, utilizava-se primeiramente o “Vau”12 existente, e posteriormente uma balsa.

Na Fig.7, sem denominação de data, podemos ver a travessia das tropas de gado.

12 Parte rasa do rio que permitia a travessia.

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Figura 7 - Passagem de tropas

Fonte: Acervo Foto Marzall, sdd.

A ocupação deste primeiro núcleo não se deu exatamente na confluência dos dois

importantes rios, devido às enchentes já conhecidas na época. O “Picadão de Curitibanos,

para fugir às inundações afastou-se do rio, conservando-se na parte mais alta do terreno

adjacente” (PELUSO, 1942). Este autor refere-se ao Porto da Balsa no Braço Sul, próximo à

confluência, como o elemento de formação da cidade. Embora a ocupação urbana acontecesse

em áreas mais altas das margens, esta pesquisa defende a “confluência dos rios” como o

verdadeiro nó estruturador da malha urbana e da ocupação regional. A história de Rio do Sul,

e de parte do Alto Vale, começou neste encontro de rios.

A esta confluência foram atribuídos vários fatos marcantes como pátio de rituais

indígenas em 1864; ponto de passagem de colonizadores e revolucionários em 1893; primeira

moradia do fundador da cidade; primeira roça e balsa; primeiro hotel de tropeiros; casa

comercial; posto fiscal; escola; igreja; primeiro cemitério; primeira e maior indústria do Alto

Vale (CARDOSO, 1991). Foi ponto de parada, de mudança de rumo, de descanso e de

referência na imposição da paisagem.

Em 1904 a Companhia Colonizadora Hanseática recebeu a concessão para construir

e explorar uma ferrovia, cuja construção iniciou em 1906 entrando em funcionamento em

1910.

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A travessia dos rios, nem sempre facilitada em função das enchentes, promoveu a

expansão deste vilarejo com atendimento de serviços afins às necessidades presentes. Em

1905 a vila contava com 8 casas e venda13. Com o povoamento e aumento de trânsito

somaram-se mais serviços.

Neste contexto, destacamos a figura do vendeiro. Apossado de um ambiente

territorial favorável, dá os primeiros passos no sentido da estruturação da urbe. Negociou com

o colono o excedente de sua produção, em espécie e em recursos financeiros e Seyferth

(1974) menciona o domínio econômico exercido sobre o colono, impondo-lhe sua forma de

negócio. Este aproveitou localização estratégica nas encruzilhadas coloniais para garantir o

sucesso do comércio e na maioria das vezes cresceu e se impôs em condição máxima no

cenário econômico colonial (PELLIZZETTI, 1985; RENAUX, 1987). Envolvido no mercado,

definia preços dos produtos aos colonos, isolados, enquanto servia-lhes de interlocutor. Foi

responsável também pela articulação das unidades produtivas coloniais, auxiliando o colono a

entender o seu papel no conjunto econômico da colônia. Os vendeiros expandiram seus

negócios para além dos entroncamentos coloniais e ganharam espaços no Stadtplatz14,

(BUGGENHAGEN apud RENAUX, 1987).

As encruzilhadas alimentaram os comércios. A vila se expandiu e, na dúvida da

escolha do destino, o passageiro parou, hospedou-se, comprou e promoveu gradativamente a

ampliação do lugar de paragem.

3.3.2 Bella Alliança

Braço do Sul expande-se e, em 13 de março de 1912 pela Lei Municipal nº 61,

transforma-se no 5º Distrito de Blumenau, com o nome de Bella Alliança. A nova

denominação, associada ao encontro dos rios, evidenciou a importância da água no cenário

local. A confluência continuou a ser tratada como um ponto referencial muito forte. O Distrito

de Bella Alliança, como pode ser observado na Fig.8 a seguir, em mapa interpretado, estava

no caminho do Planalto.

13 A primeira casa comercial ou venda e um modesto hotel, foram de Rodolfo Odebrecht em 1904

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Figura 8 - Mapa da colônia

Fonte: Acervo Beatriz Pellizzetti.

Vivendo do comércio mantido pelos colonos, o núcleo de Bella Alliança impôs-se às

demais povoações (Lontras e Matador), por ser “Centro de Abastecimento” da área mais

povoada. A condição de Distrito trouxe funcionários públicos e feições urbanas ao núcleo.

Desenvolveu-se a exploração da madeira na vizinhança deste Distrito acarretando-lhe

movimento e crescimento, com prestação de novos e diferenciados serviços, destinados não

somente a lavradores. As Companhias Colonizadoras quando vendiam os lotes, faziam a

reserva das madeiras nobres e na preparação das roças, o resgate destas implicando sempre

em mais derrubada. No meio agrícola, o povoamento foi intensificado com agricultura de

subsistência, em minifúndios explorados por grupos familiares, de modo que Pellizzetti

(1985) definiu como predominantemente rural a vida em Bella Alliança.

O tamanho dos lotes e também suas condições topográficas não permitiram uma

produção agrícola em larga escala. O colono solidificou sua independência na policultura,

pois não poderia se arriscar num mercado irregular produzindo mandioca, milho, frutas, feijão

e, como produto comercial, o fumo. O crédito agrícola era uma necessidade da classe rural,

destinado ao melhoramento da produção. As políticas nacionais não respondiam às

expectativas e precisava-se de um sistema de crédito que financiasse o agricultor durante o

ciclo vegetativo de sua produção. Ermembergo Pellizzetti, então deputado estadual, funda em

14 Sede da Vila.

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1928, o Banco de Crédito Popular e Agrícola de Bella Alliança (PELLIZZETTI, 1985).

Tratava-se de uma sociedade cooperativada de crédito, no sistema Luzzatti15. Capitalizando

economias, realizava operações bancárias, responsáveis por um significado crescimento do

pequeno trabalho, e do setor econômico do Distrito.

Figura 9 - Banco de Crédito Agrícola 1928.

Fonte: PELLIZZETTI, Beatriz., 1985.

O Banco de Crédito Agrícola16 fornecia empréstimos aos colonos e também atendia

aos comerciantes em geral, porém a estes, com prazos menores. Estes recursos, sem a menor

dúvida, ajudaram a estruturar a forma urbana do Distrito (PELLIZETTI, 1985). Pretendendo

repassar e aumentar conhecimentos ligados à produção agrícola entre os colonos,

Ermembergo Pellizetti implanta também as Domingueiras Agrícolas. Tais reuniões, mensais

ou bimensais, serviam para divulgações, reuniões e organização de campanhas, envolvendo as

indústrias da lavoura (PELLIZETTI, 1985). Os pequenos engenhos de farinha e atafonas,

existentes nas colônias, produziam açúcar, cachaça, fubá, farinha, e eram conhecidos como

indústrias ligadas à lavoura que para Raud (1999), se desenvolveram alicerçadas no

conhecimento técnico-científico e comercial dos colonos, e de um mercado que lhes permitiu

15 Luzzatti funda na Itália em 1864 os primeiros Bancos Populares, baseados em modelo alemão, por

ele aperfeiçoado (PELLIZZETTI, 1985). 16 Este foi o primeiro Banco Cooperativo Popular Agrícola fundado em zona rural no estado de Santa

Catarina. Contava com a participação de pioneiros da colonização de Rio do Sul como: Ermembergo Pellizzetti,

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valorizar os recursos naturais locais. Os colonos trabalhavam nas pequenas indústrias,

serrarias, olarias e cervejarias de forma suplementar, desde que sua mulher e seus filhos

conduzissem a lavoura, buscando ampliação de seus capitais. Embora o sistema de

colonização agrícola adotado na região de Blumenau não fora bem sucedido, sua expressão

residiu no fato de anteceder e preparar a industrialização que viria posteriormente. Importava,

nesta etapa, não o saldo global excedente, mas sim o acúmulo de reservas a serem investidos

em terras, bens e na livre iniciativa (RENAUX, 1987). Deduzimos que no Distrito de Bella

Alliança, seguindo os moldes de Blumenau, isto também tenha acontecido.

Em Rio do Sul e no setor industrial, faz-se referência ao aparecimento da primeira

serraria em 1915, na década seguinte de uma fábrica de charutos, chapéus de palha e

vassouras. O Distrito é atendido na década de 20, com Energia Elétrica, instalação de água e

ponte pênsil entre outras melhorias (TOMASONI apud KLUG, 2000).

A Fig.10 mostra a Rua Carlos Gomes, aproximadamente em fins da década de 20,

onde se pode observar um certo alinhamento das edificações ao longo da principal via de

passagem.

Figura 10 - Rua Carlos Gomes

Fonte: Acervo Foto Marzall

Walter Baugarten, Ewald Koschel, Domenico Largura, Adolfo Frischknecht, Willy Hering entre outros (PELLIZZETTI, 1985, p. 66).

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“A rua é o lugar do encontro [...] Nela efetua-se o movimento, a mistura, sem os

quais não há vida urbana”, Lefebvre (1999, p. 29).

No traçado do distrito, interpretado na Fig.11, ficam evidenciadas as principais

atividades como comércio, moradia e produção que procuram a melhor localização no

território, de preferência junto a caminhos de acessos ao vilarejo ou eixo estruturante.

Figura 11 - Uso do Solo em Bella Alliança interpretado

Fonte: Acervo do Autor, 2002.

O eixo estruturante de circulação Blumenau/Lages atravessa o núcleo urbano,

localizado muito próximo do encontro dos rios Itajaí do Sul e Oeste. O atendimento do

vilarejo foi, com funções urbanas voltadas a moradias, hotéis, ferrarias, farmácia, açougue,

funilarias, cervejaria, comércios e serviços institucionais como correio, escolas, igrejas, casa

do tabelião. Visando a manutenção dos caminhos para o planalto, destaca-se em 1918, a

instalação de primitivos Postos Fiscais. Em 1919, Bella Alliança contava com 5.150

habitantes e CARDOSO (1991) cita o surgimento do primeiro hospital em 1926, do Grupo

Escolar Paulo Zimmermann e do Colégio Maria Auxiliadora em 1928. A principal fonte

econômica nos anos 20 era a cobrança de impostos pela passagem do gado em tropas, com

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destino ao litoral (COLAÇO, 2000).

A acomodação das edificações urbanas não se processa por meio de uma

planificação pré-elaborada. O sistema viário único e precário constituía-se no grande

problema a vencer. Seu desenvolvimento seguia preferencialmente o curso das águas e o

contorno dos morros. Em 1929, iniciaram-se as obras para construção do trecho da ferrovia

que ligaria Lontras a Rio do Sul. Pellizzetti (1985) afirma que havia promessas políticas

feitas a Ermembergo Pellizzetti para a conclusão de tal obra, já que as enchentes,

prejudicando os transportes, foram responsáveis pelas crises da colheita em 1927 e 1928. A

ferrovia chegou a Lontras em 1929, vencendo a íngreme serra existente entre Ibirama e

Lontras e a Rio do Sul em 1933 e foi prolongada de Blumenau a Itajaí, para ser atendida pelo

porto daquela cidade.Esta ferrovia foi construída também com o objetivo de proporcionar o

escoamento da produção madeireira e deveria ainda atingir o Planalto Serrano18 e

posteriormente a Argentina.

Sob o comando de Gino Alberto de Lotto17, os trilhos atravessaram o Distrito de

Bella Alliança, imprimindo-lhe uma nova forma e o compromisso com o desenvolvimento.

Com expressiva produção da fécula, Bella Alliança seguia economicamente em alta,

embalada na produção das pequenas indústrias, conferindo a Blumenau confortáveis índices

de arrecadação. Esta condição, sensível aos moradores do Distrito, não tardou a ser objeto de

luta do então deputado estadual Ermembergo Pellizzetti, pró-emancipação do Distrito de

Bella Alliança.

3.3.3 Rio do Sul

O aumento de produção agrícola e poupança aliados à extração da madeira,

promoveram à condição urbana, elevando o distrito à cidade. Santos define cidade, “como um

lugar de atividades não agrícolas” (1994, p. 53). O corte do vínculo com Blumenau concentra

em Rio do Sul uma nova opção de pólo regional. Os bancos comerciais apontaram em busca

do dinheiro da madeira. A função de apoio ao colono e o Banco Agrícola perdem expressão.

18 Fato que acabou não se concretizando já que os trilhos pararam em Trombudo Central. 17 Engenheiro italiano, radicado em Rio do Sul no pós-guerra, que responsabilizou-se por inúmeras

construções como as pontes Curt Hering e dos Arcos, Catedral São João Batista, Colégio Maria Auxiliadora, antigo Clube Concórdia entre outras.

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Raud (1999) destaca preocupação com caixas de poupança e crédito no início do século XX e

salienta a atuação dos Bancos Comercias nos anos 30. A economia passa a ter outros

interesses, como o comercial, e a cidade muda de aspecto, adaptando-se.

No que se refere à formação de cidades, Ribeiro (1985) destaca:

Muitas cidades começavam em terrenos descampados com divisas situadas nos topos dos morros, assegurando o acesso à água que corria no fundo do vale”. Referindo-se ainda à formação das cidades, afirma que “os caminhos passavam onde a conservação e o tráfego se faziam mais fáceis, surgindo praça, igreja e casas. Loteando-se áreas rurais, expandia-se o vilarejo tornando-se vias urbanas os caminhos onde surgiam os comércios e as suas inúmeras ramificações, dando origem ao tecido urbano. Os vales úmidos, de difícil e custoso saneamento, permaneciam desocupados por muito tempo, até que movidos pela especulação imobiliária, pudessem ser drenados e urbanizados.

Neste sentido, a cidade de Rio do Sul seguiu regras similares de ocupação. Ocupou o

eixo principal de passagem, foi formando o centro e posteriormente foram acontecendo as

ocupações dos vales, seguindo propostas de parcelamentos da época. O meio ambiente e sua

base topográfica acidentada, com paisagens descontínuas, trechos planos e vales,

desempenharam um importante papel. A cidade se edificou na várzea, formada pelos dois

vales dos dois rios. Para fugir das enchentes, não ocupou áreas muito baixas (PELUSO,

1942). Trata-se de uma cidade espontânea, surgida ao redor de um estrangulamento

ambiental, num percurso único.

Em 1930, instala-se a Comarca de Rio do Sul e em 15 de abril de 1931 é criado o

município Elevado à categoria de sede, Rio do Sul é emancipado com três distritos: Taió,

Trombudo Central e Pouso Redondo. O prefeito nomeado foi Eugênio Davet Schneider e o

engenheiro Gino Alberto de Lotto tornou-se um grande colaborador, responsabilizando-se

pelo primeiro Plano Regulador e mapa cadastral de Rio do Sul. Demonstrou, elaborando este

mapa, preocupação com o crescimento ordenado tratando da setorização de espaços.

Na Fig.12, como pode ser visto, o engenheiro previa ocupações residenciais no

Morro da Boa Vista, Budag, Canoas e Jardim América. Fica visível o planejamento da cidade

para o automóvel e a conformação urbana aberta para além do eixo original estruturante,

espalhando-se.

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Figura 12 - Uso do Solo 2 em Bella Alliança interpretado

Fonte: Museu Histórico. POLEZA, Maristela M., 2002.

A preocupação com as enchentes foi retratada no traçado proposto, já que o referido

mapa indica alguns espaços, como a margem esquerda do Rio Itajaí-Açú, hoje Bairro Canoas,

pertencente na época quase que exclusivamente à família Odebrecht, como “áreas

alagadiças”. Estas áreas foram excluídas da interação urbana sem indicação de uso específico.

O sistema viário, com desenho ortogonal arrematado em curvas concordantes, “não

segue rigorosamente os rios, se afastando deles, fugindo das baixadas inclusive” como

salienta Peluso (1942). A opção adotada de traçado urbanístico pode levar ao entendimento

de que estas áreas, mapeadas como alagadiças, por não terem indicações de uso, não deveriam

ser ocupadas sendo preservado então, o espaço das águas. O desenho predominantemente

retilíneo do sistema viário traduzia a intenção da ocupação de áreas preferencialmente planas.

Verifica-se a opção de retificar a cidade, organizando glebas setoriais. Nos morros o

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arruamento foi acomodado acompanhando a topografia19. No mapa produzido por Gino Lotto

se pode concluir que todo seu cuidado estava voltado para a estruturação da urbe.

A conclusão do trecho férreo entre Rio do Sul e Lontras, em 1934, permitiu

continuação do desenvolvimento, nesta década.

Na década de 40, o aglomerado com características urbanas se expande, e passa a ser

atendido também com transporte coletivo e maior infra-estrutura, incrementando-se o

transporte de cargas e pessoas, movimentando a cidade e avançando a urbanização. A

afirmação de Peluso, em 1942, de que “...os aterros previstos, não foram viabilizados devido

aos altos custos” pode sugerir outro viés de análise, referente às áreas alagadiças. A pressão

imobiliária e a construção da ponte Waldemar Bornhausen na década de 50, ligando o centro

ao Bairro Canoas, pode ter alterado a proposta original das áreas alagadiças, indicados

definidas por Gino de Lotto, com atribuição de uso mediante aterro .

Singer afirma que “A cidade é via de regra a sede do poder e da classe dominante”,

que, provendo trabalho, passa a atrair o contingente populacional que requer os serviços de

infra-estrutura necessários. As cidades atraem a indústria devido a fatores como mão-de-obra

e mercado, e posteriormente a mesma devolve novas possibilidades de emprego e suscita

serviços e para indústria coloniza e provoca a urbanização organizando a urbanização, e para

Castells (1983) o processo inverso também é importante, onde há matérias-primas e meios de

transporte a indústria coloniza e provoca a urbanização organizando a urbanização.

Nos anos 40, o extrativismo da madeira foi o alavancador do desenvolvimento

industrial de Rio do Sul. Rodolfo Odebrecht construiu, na confluência dos rios, a maior

serraria do Alto Vale do Itajaí, iniciando Rio do Sul no setor industrial. Para Peluso (1942), a

localização desta serraria produziu grande economia no transporte, já que as toras de madeira

desciam por ambos os rios até chegarem ao seu pátio conhecido como Porto das Madeiras.

Considerando que o maior problema encontrado pelas serrarias sempre foi o transporte, é

possível imaginar o quanto tal medida acelerou ganhos. Cardoso (1991, p. 48), afirma que

“...a possante máquina a vapor que servia a serraria, funcionava 24 horas por dia, atendia a

indústria durante o dia e a noite propiciava iluminação pública”

19 O parcelamento proposto para o morro da Boa Vista pode estar ligado ao fato de ter acontecido em

terras do então prefeito, Eugênio D. Schneider que promoveu um longo processo de parcelamento daquelas áreas.

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A cidade dava as costas para os rios, que não foram aproveitados como paisagem

cênica. Conforme referência feita anteriormente o entorno da união dos rios sedimentou-se

como um forte ponto de referência regional. Os rios encontram-se no ponto que era conhecido

como “Bella Alliança”20, onde começa o Rio Itajaí-açú.

Figura 13 - Encontro dos rios

Fonte: PELLIZZETTI, Beatriz., sdd.

O aumento das industrias continua pela próxima década21, comprovando que

urbanização e industrialização estão intimamente relacionadas. A madeira foi a principal fonte

de renda e Rio do Sul explorou o fato de estar inserida numa região economicamente

extrativista, com relevo acidentado. Em função da topografia, quase todos os rios e ribeirões,

possuidores de cachoeiras e saltos, foram largamente utilizadas pelas serrarias, na obtenção da

energia hidráulica (PELUSO, 1942). A exploração de tais condições serviu-lhe nas

intermediações de transações comerciais, para imposição gradativa no cenário econômico

regional e estadual.

20 Hoje usa-se a expressão “encontro dos rios” para referir-se àquele ponto, já que existe um bairro e

uma rua com o nome de Bela Aliança. 21 TOMASONI cita que em Rio do Sul nesta época havia 39 fecularias, 140 serrarias e 13 fábricas de

móveis. (in KLUG, 2000, p. 163).

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Com o desenvolvimento deste extrativismo, reforça-se a condição de praça de

negócios. Quando se compra mais, as cidades produzem mais, trocam mais excedentes entre

si e, conseqüentemente, podem expandir-se e vêem seus espaços, elementos e relações

aumentadas: crescem e se especializam em determinadas atividades.

Para Lefebvre (1999, p. 30) “...o mundo da mercadoria se desenvolve na rua [...] a

organização neocapitalista do consumo mostra sua força na rua”, e a Fig.14 nos passa um

pouco deste movimento encontrado nas ruas de Rio do Sul na década de 40.

Figura 14 - Movimento no centro urbano

Fonte: Acervo Foto Marzall.

O comércio expandiu-se com inúmeras filiais de Blumenau. No ramo alimentício,

destaca-se a produção de erva-mate22 e fécula. Em 1941, instalam-se as Indústrias Gerais

Ouro, atuando no beneficiamento de café, doces, aguardente e sabão, chegando a exportar

seus produtos. A conclusão do trecho férreo entre Rio do Sul e Barra do Trombudo, em 1937,

garantiu maior saída para produção interna, imprimindo mais desenvolvimento. Quanto mais

interiorizada fosse a ligação com o Porto de Itajaí, maiores seriam as possibilidades de

negócios.

22 Os exportadores adquiriam toda a erva mate produzida.

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A Segunda Guerra Mundial dificultou a importação de matérias-primas, insumos e

máquinas, mas também abalou as exportações, gerando um requisito interno da máquina

industrial nacional, já que cessaram importações. Surgem com isso possibilidades de

atendimento ao mercado interno. Renaux (1987) afirma que a Indústria Catarinense foi testada

em relação a sua capacidade de resposta e estava lançado o desafio, que representava o campo

deixado livre pela concorrência externa, que se retraiu. Para muitas indústrias foi o momento

de conquista definitiva, de espaços próprios (RENAUX, 1987; RAUD, 1999).

Na década de 50, a população concentra-se no núcleo urbano, embora a grande

maioria fosse residente na área rural23. Neste período, existiam 114 indústrias na cidade das

quais 29 na produção de fécula, demonstrando a importância desde setor na economia local.

No ramo madeireiro, 22 indústrias estavam ligadas à sua extração. Ocorreram indústrias

ligadas à extração de argilas, carvão vegetal e pasta mecânica, também são citadas como

importantes (TOMASONI apud KLUG, 2000).

Como conseqüência da sedimentação de variadas atividades industriais, o comércio

se expandiu oferecendo mais serviços, tornando-se evidente a necessidade de mais espaços

destinados à habitação. Criam-se também instituições regionais e coorporativistas. Rio do Sul

passa a ser considerado referencial regional. As cidades vizinhas, com economia

predominantemente agrícola, apresentam grande deficiência na prestação de serviços em

geral.

O jornal Últimas Notícias trazia a seguinte manchete sobre Rio do Sul na década de

50:

Nossa cidade vem tomando um aspecto mais belo e de mais moderna com a instalação de anúncios luminosos por parte de várias firmas comerciais que funcionam nesta praça. A vista noturna do centro, atualmente, já é algo que chama a atenção de todos, pois aqui e acolá, há um conjunto de cores embelezando o frontispício dos prédios. Quem já teve a oportunidade de apreciar uma vista noturna de Rio do Sul , mais do alto, bem pode constatar a beleza desta inovação que tomou conta da cidade. Merecem menção especial as firmas comerciais que tiveram a feliz idéia desta iniciativa; colaborando assim para o embelezamento de nossa cidade. Vai assim Rio do Sul, pouco a pouco se modernizando, o seu progresso incontestável é bem um atestado de um futuro grandioso que lhe é reservado24 (COLAÇO apud KLUG, 2000).

23 TOMASONI, 2000, p. 166 24 Últimas Notícias. 06.09.1956, Nº 25, p.1.

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A economia catarinense na década de 50 ocupou 44% da economia nacional com um

modelo produtivo em que predominava a indústria. O elemento determinante na

industrialização da madeira foi a existência de mercado local (RAUD, 1999).

Com o ciclo da madeira em alta, desenvolveu-se mais a industrialização. O setor

metal-mecânico, trabalhando em parceria com o setor madeireiro, amplia incrementando a

urbanização (RAUD, 1999). O crescimento econômico gerou conseqüente atração e migração

de mão de obra para a cidade, instalando-se em Rio do Sul e região, como nas demais cidades

industriais, um processo de êxodo rural.

A indústria, segundo Lefebvre (1999), implanta-se próxima às fontes de energia e de

matéria prima, das reservas e da mão de obra. Se ela se aproxima das cidades é para

aproximar-se dos capitais, dos mercados dos capitalistas e de uma mão-de-obra de baixo

preço. Referindo-se a migrações, Castells (1983) afirma que a fuga para a cidade é

considerada muito mais como resultado de um “push” rural do que um “pull” urbano, quer

dizer, tem a ver mais com a decomposição da sociedade rural do que com o dinamismo

urbano. A população de maior poder aquisitivo tende a habitar os locais mais seguros,

enquanto a mais carente se instala em pontos de maior risco.

As pessoas com baixo poder aquisitivo são atraídas para a cidade alojando-se em

sub-habitações em áreas de risco, como margens de rios ou encostas. A primeira sub-

ocupação conhecida em Rio do Sul, mostrada na Fig.15, deu-se junto ao Rio Itajaí –Açu e

ficou conhecida como “Beira”, chegando a perfazer um total de 380 pessoas, com procedência

provável da própria região do Alto Vale, destinadas a trabalhar em serrarias e com o comércio

de Rio do Sul.

Este local atualmente é ocupado pelas instalações do campus universitário da

UNIDAVI no Bairro Jardim América.

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Figura 15 - Beira 1954

Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60.

Esta ocupação aconteceu justamente no Jardim América, área central, parcelada e

considerada de alto valor. O assentamento naquele local pode ser explicado pela ocupação de

uma “beira” de terra excluída do projeto original do parcelamento. Com a problemática social

instalada, políticos pronunciaram-se, solicitando medidas no sentido de erradicar tal situação

que segundo eles, envergonhava a cidade25. Na década de 70, a favela foi deslocada, não por

estar à beira do rio e trazer perigo a seus habitantes, mas para ceder lugar à Universidade, de

tão “nobre” que era considerado aquele espaço. A casa máxima do saber local, atestando

também desconhecimento da condição ambiental, como a cidade que ocupou a várzea,

instala-se na beira do rio.

Na década de 50, as principais edificações concentravam-se no centro urbano, em

estrutura originalmente linear plana. Observa-se sobreposição de diferentes atitudes urbanas,

de formas espontâneas e desajustadas coexistindo, como comércios, serviços e residências.

Embora sendo pequena, a superfície edificada já apresentava obras importantes como:

indústrias, igrejas, pontes, hospitais, residências, bancos, colégios e casas comerciais de porte.

A zona comercial estendeu-se pelas principais ruas e as indústrias desenvolveram-se sem

25 O deslocamento desta população aconteceu na década de 70.

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apresentar muita coerência quanto à ocupação do solo, que não obedecia a regras de

planejamento urbano.

O sistema viário não era planejado e hierarquizado, acontecendo entre rios e morros

que nesta época não ofereciam muito estímulo à ocupação urbana, embora já abrigassem,

especificamente no Bairro Boa Vista, uma população significativa. Esta ocupação, destituída

de infra-estrutura, era fruto do parcelamento acontecido na década de 30, em terras de

Eugênio Schneider.

A Praça Ermembergo Pellizetti é construída na gestão do prefeito Waldemar

Bornhausen em área central, caracterizada na Fig.16 e concluem-se nesta década as obras da

Igreja Matriz.

Figura 16 - Praça 1954

Fonte: Acervo Particular do Autor.

O aumento dos transportes coletivos na década de 50 foi considerado como um

indicador do incremento industrial. Criaram-se ligações com municípios vizinhos e uma nova

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rodoviária foi construída. A cidade desenvolveu-se como eixo prestador de serviços regionais

a partir da década de 50 e passa a ser intitulada e conhecida como Capital do Alto Vale do

Itajaí.

Em 1954, Rio do Sul sofre uma enchente considerada grande. Algumas áreas urbanas

apresentaram maiores possibilidades de inundação. As mais suscetíveis, localizadas nos

bairros Canoas, Budag, Barra do Trombudo e Santana, em função da condição natural de

expansão dos rios, ofereciam preços de terrenos mais acessíveis. Como tantas outras cidades

da Bacia Hidrográfica do Itajaí, a cidade de Rio do Sul instalou-se numa várzea.

O centro comercial urbano deslocou-se em função de pontos de interesses típicos de

cada época, sedimentando-se em local teoricamente mais seguro em relação à chegada das

águas. A rápida industrialização gerou aceleramento da urbanização, havendo uma grande

procura por áreas próximas ao centro. Aconteceram ofertas de áreas anteriormente destinadas

ao alagamento dos rios como no Bairro Canoas. A construção de uma ponte ligando este

bairro ao centro na década de 50 acelerou o processo de sua urbanização.

Na década de 60, Rio do Sul consolidado como um importante pólo regional expõe

através do uso urbano e de suas edificações o lucro obtido no ciclo econômico da madeira. A

urbanização aumenta, a arquitetura segue elementos da Art Decô26 e a forma urbana

demonstra uma cidade rica, para os padrões da região e da época como é possível verificar na

Fig.17 em que se destaca a presença de detalhes paisagísticos como canteiros e luminárias.

26 Do termo Art Décoratif, caracterizando-se por forma geométricas e simétricas que buscam a

simplificação em nome da modernidade, contrapondo-se aos excessos da Art Nouveu. Americanização da arquitetura somente possível para a cidade que se encontrava rica em função do ciclo da madeira

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Figura 17 - Rua 7 de Setembro

Fonte: Acervo Foto Marzall – década de 60.

Rio do Sul conclui no início dos anos 1960 a avenida Aristiliano Ramos no sentido

leste-oeste. Esta avenida promove uma nova dinâmica urbana recebendo canteiro principal e

arborização lateral.

Entre 60 e 70 Rio do Sul contou com o maior surto de urbanização de todas as

demais cidades da Bacia do Itajaí. A população urbana passa de 37,82% em 1960 para

78,18% em 1970 (POMPÍLIO, 1990).

A exploração da madeira segue em alta como é possível ver na Fig.18.

Figura 18 - Caminhões na via principal nos anos 60.

Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60.

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Na Fig. 19, numa panorâmica da década de 60 pode-se observar no canto superior

esquerdo o Bairro Jardim América em processo de formação, a serraria no encontro dos rios,

o leito da ferrovia e os principais eixos viários da cidade evidenciados.

Figura 19 - Panorâmica nos anos 60

Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60

O sistema rodoviário ganha impulso nacional e o trem é trocado pelo automóvel. A

estrada de ferro foi desativada em 13 de março de 1971, depois de servir ao Alto Vale do

Itajaí por 62 anos, em função do incremento no setor automobilístico na conjuntura nacional.

Com a desativação da RFFSA, passa-se a incorporar, gradativamente, na malha viária local,

este precioso espaço que promove uma melhoria considerável no fluxo viário, através da

construção da Avenida Oscar Barcellos.

Novas políticas resultantes do incremento industrial se instalam, atraindo as

populações do campo para as cidades. A cidade exerce uma atração sobre a população de sua

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região de influência. O crescimento demográfico supera o crescimento vegetativo onde os

migrantes acabam se tornando citadinos.

Com o incremento populacional acelerado nova sub ocupação acontece, desta feita

em uma encosta, utilizando uma fatia residual de terra às margens das obras da rodovia BR

470 que ficou conhecida como Morro do Chuchu.

Novas indústrias se instalam e as locais se ampliam. Rio do Sul se destaca neste

setor, diversificando suas atividades industriais com 10 madeireiras, 2 metalúrgicas, 3

fecularias, fábricas de manufaturados e alimentícias. Inaugura-se o aeroporto com 3 vôos

semanais a São Paulo e Rio de Janeiro. O comércio se diversifica, e a madeira, em função do

extrativismo irracional, dá sinais de esgotamento.

A cidade apresentou um índice de crescimento de 2,78 na década de 70 (IBGE,

1980) e Tomasoni apud Klug (2000) acusa a criação de 75 novas indústrias, destacando os

setores metal mecânico, vestuário e madeireiro. A BR 470, com parte de seu trecho passando

por Rio do Sul, é inaugurada nesta década, ligando o litoral à região do Alto Vale e ao

Planalto Serrano. As redes urbanas, anteriormente estruturadas pelos rios, são substituídas por

esta rodovia que é definida como espinha dorsal da região, na ligação dos muitos municípios

(SIEBERT, 1997). Parte da cidade vira-se para esta rodovia que legitima, com pavimentação

asfáltica, sua importância desviando da rota principal o centro da cidade. Abriu novos

caminhos pela margem esquerda dos rios Itajaí-açú e do Oeste, possibilitando a ampliação e o

adensamento de novas áreas no espaço urbano como os Bairros Fundo Canoas, Valadas

Itoupava e São Paulo, Rainha e Pamplona.

A “Federal”, como era chamada pela população, reforçou ainda mais a condição de

Capital do Alto Vale à cidade de Rio do Sul. Houve um incremento no número de veículos

circulando por Rio do Sul, em função do novo conforto oferecido. Com o modismo gerado

pela construção de Brasília em alta no país, e sob o comando do renomado arquiteto Jorge

Wilhelm, foi organizado o primeiro Plano Diretor da área urbana de Rio do Sul. A Fig.20 é

apresentada com uma interpretação do Plano Diretor de 1970.

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Figura 20 - Plano Diretor interpretado

Fonte: Museu Histórico - POLEZA, Maristela M., 2002

Como proposta urbanística o referido plano detalhou preferencialmente o centro

urbano e parte das principais vias de acesso à cidade. Uma extensa área foi destinada ao

comércio, talvez em função da intenção de solidificar a condição de Capital “Comercial” do

Alto Vale. Os rios foram percebidos, e nas suas margens foram propostos caminhos e espaços

ampliados27.

A pequena ilha fluvial que existia próxima da UNIDAVI, pelo projeto previsto, seria

contemplada com um hotel municipal. Neste Plano, parte do Bairro Canoas seria aproveitado

como um grande parque, dedicado a esportes e lazer. Destacam-se pontualmente os seguintes

equipamentos: Prefeitura, Escolas, Museu, Teatro, Biblioteca, Igrejas, Centro de Compras e

27 Tais espaços conteriam pequenos comércios e áreas verdes para a contemplação da paisagem.

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plano foi apresentado para a cidade envolto num material cartográfico farto e recheado com

propostas inovadoras para a época, oferecendo espaço para a tratativa do desenho de

prancheta, seus elementos formadores, transformações e inter-relações. Desenvolvido sobre

dados sócio-econômicos e premissas urbanísticas existentes, estabeleceu relações entre a

cidade e a região. Não foi assimilado, nem aprovado. Rio do Sul cresceu à mercê de sua

própria sorte, balizando-se na espontaneidade, e no bom senso de alguns.

Ideais urbanísticos encontram obstáculos econômicos, políticos, culturais e

ambientais. Interesses localizados impedem que planos urbanísticos se instalem, exigindo

rupturas muitas vezes não aceitas pela população. Outra situação pode ser apontada para a não

adoção do Plano Diretor, mais especificamente as medidas referentes ao embelezamento

ambiental já que na década de 70 as atenções locais não estavam voltadas para a preservação

de paisagens, rios e florestas, mas sim para a plena expansão industrial pois, os recursos

naturais ainda eram tidos como inesgotáveis.

Na década de 70, a cidade de Curitiba despontou como uma das mais planejadas

cidades do mundo. Adotando situações simples e criativas e realçando as relações sensitivas

(humanização e participação), funcionais (sistema estrutural de circulação e transporte) e

imaginativas (tratamento contemporâneo), quebrou a frieza funcional e valorizou o aspecto

individual e humano.

Copiando Curitiba em parte, na década de 80, a área central é contemplada com um

calçadão que visava através de seu desenho à humanização do espaço. A cidade foi tratada

pontualmente num processo de maquiagem desconsiderando-se o todo urbano. Com perfil

arrojado para a época como é possível ver na Fig.21, esconde contradições. O calçadão,

desconectado de um planejamento mais abrangente foi copiado de Curitiba para torna-se sala

de visitas da cidade. Na mesma gestão, regulamenta-se por força da Lei Federal 6.766 o

Parcelamento do Solo e implanta-se de forma isolada o Código de Edificações. O reduzido

quadro técnico local, o grave problema topográfico do sítio urbano, e uma conduta permissiva

no “fazer” a cidade, sempre em nome do desenvolvimento foram os grandes problemas a

serem enfrentados nesta década.

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Figura 21 - Calçadão Central

Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 80.

O meio urbano ignorava os rios que passavam inexpressivamente por dentro da

cidade em leitos cada vez mais reduzidos, carregando lixos domésticos e industriais, em

muitas vezes incomodando, mas só àqueles, que moravam em áreas baixas.

Aliada à instabilidade econômica do país a capital do Alto Vale adentra a década de

80 sofrendo um declínio econômico causado pelo fim da atividade extrativista da madeira,

num clima de empobrecimento geral, aliado ainda, à instabilidade econômica do país. A

cidade não possuía uma produção de grande escala, não tendo mais como amortizar o

investimento em capital fixo necessário, sem o forte ciclo da madeira. A madeira que até o

início dos anos 70 liderava exportações com 85% do valor total, foi em 1983 quase que

eliminada da pauta de vendas externas, representando menos de 1% (RAUD, 1999).

A agroindústria artesanal, com a transformação da produção agrícola dentro da

propriedade para o atendimento do comércio local e regional, como herança da colonização

européia no Vale, sofre os reflexos econômicos da competitividade instituída pelo mercado

globalizado.

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A indústria da fécula também alterou deslocando-se para outras regiões do país, com

condições climáticas e produtivas mais adequadas. Os setores Metal Mecânico e Confecções

sobram, como opções econômicas de um vale devastado.

3.3.4 Síntese

Os aspectos históricos referentes à ocupação do território foram considerados já que

estabeleceram as bases do desenvolvimento sócio-econômico na sua relação com o meio

ambiente. A pesquisa tratou da espacialização geográfica do território estudado e das

conseqüentes formas de unidades espaciais, começando a pesquisa na Vila de Blumenau,

Braço do Sul, seguindo por Bella Alliança como distrito e Rio do Sul cidade emancipada. A

análise destes diferentes momentos mostrou que a condição urbana adaptou-se aos diferentes

momentos econômicos, mas a relação comportamental da população com o entorno ambiental

quase não foi ajustada.

Enquanto Braço do Sul em modelo agrícola, a casa do vendeiro traduziu a expressão

máxima polarizadora do cenário urbano, tendo as enchentes, comprometido o deslocamento

da produção agrícola.

Na condição de distrito de Blumenau, Bella Alliança em modelo industrial

tradicional, ampliou o uso urbano que teve no Banco de Crédito Agrícola uma importante

ajuda. Com maior área a ser impactada pelas enchentes os prejuízos da agricultura que

fornecia matéria prima para as indústrias da lavoura, apareceram mais.

Enquanto cidade emancipada a atividade econômica principal teve como base o

extrativismo da madeira e a agricultura de subsistência. Esse foco nas atividades primárias

impulsionou Rio do Sul e boa parte das cidades do Alto Vale do Itajaí, ao desenvolvimento de

da base industrial formada pelo setor madeireiro e pelos gêneros alimentícios como:

lacticínios, banha, fécula, arroz, charque etc. Estes dois setores estavam diretamente ligados e

dependentes. Rio do Sul se destacou como pólo regional expressivo, atraiu migração da área

rural, se industrializou, urbanizou e comprometeu o espaço físico, preparando um cenário de

vulnerabilidade para a enchente de 1983. E é para a análise desta variável interveniente, que

vamos passar ao próximo capítulo, centrando o foco do estudo no fenômeno.

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4 O IMPACTO DE 1983 COMO VARIÁVEL INTERVENIENTE

No capítulo anterior, tratamos da evolução da malha urbana, baseados nos diferentes

momentos econômicos vividos até 1983 quando ocorreu a grande enchente. O presente

capítulo aborda aspectos históricos, agravamento do problema, medidas de mitigação,

impactos e danos causados ao meio urbano de Rio do Sul durante a ação do fenômeno.

4.1 HISTÓRICO DAS ENCHENTES EM RIO DO SUL

Na cidade de Rio do Sul, as enchentes sempre foram sentidas como um sério

problema, afeto mais diretamente aos moradores das áreas de cotas mais baixas, onde

residiam pessoas com menor poder aquisitivo. Pressupõem-se, para estas pessoas, maior

dificuldade em acessar recursos e força política no sentido de viabilizar ações globais

consertantes. O caminho indicado ao longo do tempo seria o de erguer ao máximo as

edificações para que não fossem tão seriamente atingidas. A responsabilidade em discutir a

questão parecia problema exclusivo do poder público, sempre envolvido nas situações de

crise. Isto assim aconteceu até 1983, quando a magnitude do fenômeno atingiu um

contingente populacional bem maior.

São poucos os dados catalogados anteriores a 1983, segundo informações da Defesa

Civil28. Em 1918 o jornal República29 referiu-se à enchente do seguinte modo:

[...] Terrível enchente causando distrito enormes prejuízos plantações e criações, principalmente estradas, destruindo bueiros desta freguesia. Diversas casas estão inundadas e abandonadas pelos moradores, desde anteontem. O trânsito nas estradas está interrompido, o que demonstra importância nos estragos [...] urge solicitar socorros governo. Saudações. Max Mayer, intendente (COLAÇO apud KLUG, 2000).

28 Márcio Lucas – Secretário Executivo da Defesa Civil de Rio do Sul em set. 2002, afirmou que tudo

o que se produziu de dados neste sentido em Rio do Sul foi posterior a 1983. Hoje o município mede diariamente o nível do Rio Itajaí-Açu.

29 “O temporal que desabou há três dias causou grandes prejuízos materiais no interior do estado.02.10.18, no 03,p.02.Fundo: Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.”

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Outro relato em 10.06.1928 no mesmo jornal: “[...] Rio do Sul já subiu oito metros

continuando a encher.”

Em 1954: “[...] Rio do Sul também foi duramente atingido, sendo altíssimos os

prejuízos sofridos pela cidade e pelo interior do rico município da serra acima. As águas

subiram até o nível de 11,88m.” (SILVA, 1984 apud COLAÇO, 2000, p. 148).

Alguns bairros apresentavam maiores possibilidades de enchentes, sendo mais

suscetíveis, as áreas baixas dos bairros Canoas, Barra do Trombudo, Santana e Budag como é

possível ver na Fig.22.

Figura 22 - Enchente em 1954

Fonte: Acervo particular do Autor.

Rio do Sul aterrou várzeas e quando a freqüência das inundações é baixa, a

população despreza o risco. A forma urbana de Rio do Sul cresceu de costas para os rios e,

como agravante, teve este modelo reproduzido nas cidades vizinhas.

A comunidade do Alto Vale do Itajaí, que sempre sofria com enchentes, esperava

que com a conclusão das barragens propostas pelo DNOS, viesse em direção a tranqüilidade

total, como descreve parte do Relatório das Enchentes de 1983, anexado como documento:

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Confiante na ação protetora das barragens Sul e Oeste, respectivamente localizadas nos municípios de Ituporanga e Taió, e já desacostumada a conviver com o flagelo das cheias, a população riosulense foi apanhada de surpresa, haja vista que, se nas enchentes anteriores somente as zonas ribeirinhas eram atingidas, desta feita todo o centro da cidade ficou submerso, para perplexidade e desespero da população [...].

Os limites físicos atuam dentro de condições pré-definidas e podem causar uma

sensação de segurança não correspondente à realidade, já que podem aumentar o número e o

volume das enchentes. A população de Rio do Sul esperava com as barragens a solução das

enchentes até então vividas, mas não foi o que aconteceu. Butzke (1995) faz uma observação

importante afirmando que as barragens, tem a função de amortecer a onda de cheia à jusante e

não a função de “solucionar” a problemática das enchentes, como divulgam políticos e

acreditam as pessoas.

Em função de pontos de interesses característicos de cada época o centro comercial

de Rio do Sul deslocou-se, fixando a princípio e até 1983 em local não inundável. A

convivência com alagamentos na periferia gerou na população uma espécie de acomodação e

muitas pessoas, por óbvia necessidade, “esqueceram” das enchentes e ergueram suas casas em

lotes praticamente dentro dos rios, com permissão do poder público, como se as enchentes

não pudessem voltar. Aconteceram ocupações em áreas alagáveis em função da necessidade

maior de morar perto do centro.

O incremento populacional de Rio do Sul, como nas demais cidades da Bacia do

Itajaí, não foi acompanhado de cuidados proporcionais com a gestão das áreas de riscos. Em

1983, contava com alta densidade demográfica instalada nas áreas alagáveis reservadas em

mapa, na década de 30 por Gino de Lotto.

4.2 O FENÔMENO E OS DANOS

A visível ocupação das áreas de risco, para comportar diferentes atitudes urbanas, ao

longo dos anos, deve ter interferido na condição natural dos rios, gerando agravamento das

situações de emergência. O processo de desenvolvimento econômico e o modelo que atendeu

este padrão sobrecarregou a capacidade regenerativa e assimilativa do ambiente, através da

forma com que ocupou o espaço geográfico e como utilizou os recursos ambientais

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(MATTEDI, 1999).

A enchente de 1983 atingiu 138 municípios dos 199 existentes na época em Santa

Catarina. De todas as enchentes registradas no estado, foi a de maior repercussão, devido a

sua abrangência espacial e temporal. O tempo consecutivo de inundação foi de 13 dias,

iniciando em 07/07/83 e terminando em 19/07/83. (ATLAS de SC. 1986). O fenômeno

assolou a região do Vale do Itajaí de forma drástica, desabrigando aproximadamente 250.000

pessoas. Segundo dados da Defesa Civil, em Rio do Sul30, o número de flagelados chegou a

25.000 habitantes, com cinco mortes. Para Rio do Sul, em 1983, há que se tratar do caráter

inusitado das enchentes. Aconteceram duas no mesmo ano em julho e em agosto. A de julho

de 1983 foi a maior de sua história, tendo o Rio Itajaí-Açú atingido a cota de 15,08m. Esta

enchente, com dimensões catastróficas, registrou no centro da cidade, na Rua Carlos Gomes,

aproximadamente três metros a mais do que a maior cota de enchente ali vivenciada.

A placa de trânsito à direita na Fig.23 pode expor o alto nível de água registrado

neste ponto.

Figura 23 - Rua Carlos Gomes em dois momentos 12/0783 e 14/07/83.

Fonte: Acervo Foto Marzall, 1983.

O levantamento dos prejuízos causados por uma enchente é um procedimento difícil

os dados são incompletos e inconsistentes. Instala-se uma tendência generalizada de ampliar

os dados dos prejuízos visando à liberação de maiores recursos. Importante também a

30 Nos trabalhos de socorro no estado de Santa Catarina, foram utilizados 37 helicópteros; 11 aviões

com um total de 1.497.000 horas de vôo e transportados 4.257 passageiros (KLUG, 2000).

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referência a danos psicológicos, gerados pela recorrência das enchentes, que não são

mensurados nem computados. O impacto causado pelas enchentes de 1983 suplantou a

capacidade de processamento político do problema (MATTEDI, 1999).

Como as enchentes são manifestações do sistema hidrológico, sendo sua ocorrência

considerada normal, e o sistema sócio-econômico manifestado pela forma com que o homem

ocupa o espaço, os danos originaram-se na falta de adequação entre estes dois fatores.

A enchente de 1983 começou castigando a periferia e terminou atingindo o centro

urbano, a água se instalou mansamente em alguns locais e formou grandes correntezas em

outros. A área urbana de Rio do Sul atingida pelas enchentes de 1983 foi extremamente maior

do que a que se tinha como última referência, que era a enchente de 1954.

Na enchente de 1983, foram atingidas todas as classes sociais. Do morador pobre

instalado na beira do rio ao morador rico assentado em área urbana privilegiada. As

ilustrações mostram os vários segmentos atingidos como residências, comércios, indústrias,

equipamentos públicos, comunitários das quais 887 foram danificadas. Das 1664 residências

atingidas, 259 foram totalmente destruídas, 380 semi-destruídas, 138 tiveram suas estruturas

abaladas e das 125 industrias existentes na época, 120 foram atingidas.

A calamidade feriu a vitalidade do sistema de relações econômicas, sociais, político,

administrativas e culturais. A alta cota de cheias foi responsável por incalculáveis danos

materiais, a cidade permaneceu isolada e apavorada com a possibilidade do rompimento das

barragens à montante. As figuras a seguir possibilitam visualizar a situação vivida.

Figura 24 - O calçadão em dois momentos distintos.

Fonte: Acervo Foto Marzall, 1983.

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Rio do Sul atravessou um perfeito clima de guerra. Através do decreto no 065/83, de

08.07.83, determinou-se “Estado de Emergência” seguido após quatro dias do decreto no

070/83 de “Calamidade Pública”, em razão do aumento da gravidade dos problemas. Os

municípios acionam os dispositivos legais para decretar estados de emergência e calamidade

pública, para apontar a incapacidade do poder local de confrontar situações de emergência

(MATTEDI, 1999).

A Capital do Alto Vale do Itajaí ficou isolada de Santa Catarina e do mundo. Faltou

luz, telefone e, por incrível que pareça, até água. O abalo sofrido foi tão forte que gerou

comoção em todo país, recebendo a cidade de Rio do Sul e a região do Alto Vale do Itajaí,

atenção da mídia nacional e solidariedade internacional. A enchente de 1983 deixou a marca

da perda. As reportagens (veja anexos), mostram a magnitude da calamidade sofrida.

As inundações expressivas, duradouras e sucessivas romperam com situações ligadas

ao ritmo de atividades, já abaladas pela recessão da economia. Imobilizaram preciosos

patrimônios que atuavam como forças matrizes das atividades humanas e danificaram um

patrimônio acumulado, com imenso sacrifício, de milhares de famílias, de áreas urbanas, peri-

urbanas e rurais (LAGO, 1983).

Com a economia do município em baixa em função do fim do ciclo da madeira, a

ocorrência das enchentes de 83 e 8431 recua ainda mais no tempo a cidade. O relatório das

perdas apresentado pela administração pública pode dar uma idéia do tamanho dos prejuízos

sofridos pela cidade.A administração pública contabilizou prejuízos. Segundo FRANK (1995)

as enchentes de 1983 causaram ao Vale do Itajaí, um prejuízo na ordem de US$ 1,1bilhão.

Após a ação do fenômeno, foi preciso reagir, reconstruir, cobrar ações das

autoridades, enfrentar nova enchente um mês depois, adaptar-se à nova situação, ou mudar na

cidade ou de cidade. Os serviços de limpeza, recuperação e levantamento de prejuízos, foram

estendidos por meses. Em meio a tanta perda, parecia ser impossível reconstruir. A Defesa

Civil local, montada às pressas, não dispunha de mecanismos de ajuda capazes de atender a

tantos necessitados. Segundo Mattedi (1999) o aumento da capacidade de reivindicação não

foi acompanhado de resposta governamental. As promessas de obras de contenção não

31 As enchentes de 1983 e 1984, aconteceram ainda no período de recuperação da ocorrência anterior,

intensificando os impactos já que atingiram uma população debilitada (MATTEDI, 1999, p. 23).

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para tratar da reconstrução. Gestionou-se objetivando a elaboração de obras que visassem a

eliminação ou minimização do problema das enchentes. Foram buscadas soluções nos

âmbitos federal, estadual e municipal. Em julho de 1983, foi instituído o Programa Especial

de Reconstrução do estado de Santa Catarina pela lei n° 6.256 de 26/07/8332 e criou-se o

Conselho de Reconstrução33.

Em dezembro de 1984 foi redigido um Plano Global e integrado de Defesa contra as

enchentes, aprovado pelo Conselho Extraordinário de Reconstrução, na forma da resolução

n°30/85, porém nunca implantado (DYNAMIS, 1994).

Em 1986, foi elaborado o Projeto JICA - The Itajaí River Basin Flood Control

Project, uma proposta de contenção e manejo, que contemplou toda bacia do Itajaí. Frank

(1995) acusou desconhecimento da dinâmica do Rio Itajaí-Açu e seus afluentes, na

proposição deste plano, bem como omissão de impactos ambientais decorrentes, salientando

ainda que o projeto não foi executado em função da indisponibilidade financeira e da extinção

do DNOS em 1990.

O governo estadual (1991-1994) assume o Projeto JICA e elabora uma proposta

denominada: Plano Global e Integrado de Defesa contra Enchentes – Ecossistema Bacia do

Rio Itajaí-açú ou PLADE, que visava à obtenção de recursos externos para viabilização do

projeto JICA. Para Frank (1995), o que sobressai no PLADE são obras estruturais como

alargamento dos rios e melhorias da calha.

Mattedi (1999) afirma que apesar dos prejuízos e danos gerados pelas situações de

emergência, seu tratamento permaneceu marginalizado na agenda de prioridades do governo

estadual e só recebia atenção nos períodos de crise (1999).

No âmbito municipal as ações voltaram-se ao atendimento pontual da crise. Embora

a Constituição Federal determine em seu artigo 181 que a Defesa Civil deve ser organizada

em tempos de paz, para estar em condições de atender nas situações de emergência, em Rio

do Sul ela só foi implantada depois das enchentes de 1983.

32 Consta como material anexo. 33 Art. 2º - Fica criado o Conselho Extraordinário de Reconstrução do Estado de Santa Catarina, como

órgão especial, transitório e deliberativo, de consulta e apoio ao Governador do estado na definição de políticas e fixação de prioridades, visando à reconstrução da vida social e econômica catarinense..”

O Programa contava com a seguinte estrutura: a) Conselho Estadual de Reconstrução; b) Gabinete Extraordinário da Reconstrução; c) Comissão

Microrregional e Municipal de Reconstrução.

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Houve a necessidade urgente de fugir do alcance das águas e foi o que cada uma das

pessoas a sua maneira tentou fazer, ou fez. Alguns fatores devem ser considerados na análise

do que motivou a reação no âmbito municipal:

- Prejuízos extremamente altos;

- Curto espaço de tempo entre as ocorrências. Em um ano aproximadamente a área

urbana sofreu três grandes enchentes;

- A população que esperava, não via ações mitigatórias por parte do governo;

Os mecanismos de ajustes, quando em situações de emergência são desenvolvidos de

forma individual em detrimento do coletivo e preventivo. O individual se superpõe ao social,

o qual poderia torna-se expressivo como força reivindicatória (POMPÍLIO,1990, p. 229).

Referindo-se a imagem das cidades Lynch (1980, p. 24) afirma que, “[...] uma boa

imagem ambiental dá a seu possuidor um importante senso de segurança emocional, criando

uma relação harmoniosa entre ele e o mundo exterior”. Refere-se à legibilidade não como

uma coisa simplista, mas chama atenção para a necessidade da riqueza de detalhes e

significados questionando a interferência dos apelos na sua coerência. O senso de segurança

emocional do rio-sulense frente ao quadro vivido interferiu na imagem que este tinha da

cidade requerendo reavaliações quanto aos espaços até então utilizados, gerando reações que

modificaram a forma conhecida de usar o espaço atribuindo valores diferenciados aos lotes

urbanos, agora ditados pela maior ou menor possibilidade de serem inundados. Parafraseando

Santos (1999), quando disse que “[...] deixamos de entender a natureza amiga e criamos a

natureza hostil” afirmamos que a Bela Aliança no período das enchentes, já não parecia mais

tão “bela”.

O capítulo abordou um histórico com as enchentes e tratou de possibilidades de

causas do fenômeno em si, da área atingida, danos e perdas. Abordou sobre o aspecto político,

referindo-se aos decretos de emergência, calamidade pública e relatório de perdas apresentado

pelo Poder Público.

O tema foi concluído analisando a reação nos ambientes municipal, estadual e

federal. Em função da magnitude do fenômeno apresentado e o impacto que causou ao meio

físico, este é indicado como uma variável interveniente no ambiente urbano acarretando

transformações na forma de usar o solo.

No próximo capítulo analisaremos estas ações e seus reflexos no espaço urbano.

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5 ANÁLISE URBANA APÓS 1983

Este capítulo se ocupará em estudar Rio do Sul depois do fenômeno. Destaca

alterações morfológicas no espaço urbano, impulsionadas como reação ao impacto vivido. A

situação pós-enchente foi subdividida em dois períodos: O primeiro iniciando em 1983,

estendendo-se até 1992 quando foram concluídos os trabalhos do Plano Diretor; o segundo

período iniciado em 1992 estendendo-se até o ano de 2000 quando o Plano Diretor sofreu

alterações.

O enfoque dado visou responder aos objetivos específicos referenciados na

Introdução, como: Análise da Legislação urbana; Uso do solo, Valor do solo e mobilidade

urbana.

5.1 De 1983 a 1992

5.1.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano

Em 1983, embora Rio do Sul já possuísse mais de 20.000 habitantes e a

obrigatoriedade legal de elaborar seu Plano Diretor, não o havia feito. Na primeira década do

pós-enchente, a administração pública trabalhou a recuperação dos prejuízos pontuais sofridos

nas infra-estruturas urbanas. A estrutura administrativa carecia de legislação urbanística34,

cartografia, estrutura organizacional e profissional referente a questões urbanas e

ambientais35.

O perímetro urbano de Rio do Sul em 1983 estendia-se por todo o espaço municipal

possível de ocupação, excluindo apenas peraus e topos de serras. Esta opção atendia

“promessas” políticas e uma visão estreita em relação ao meio ambiente, vislumbrando a

34 A administração dispunha da Lei de Parcelamento do Solo, e do Código de Edificações. Aprovados

de forma isolada e independente. Não havia de fato uma rotina de análises de projetos. 35 Embora existisse desde 1979 o Conselho do meio ambiente (criado sob lei e como comissão), era

pouco expressivo com ações relativas a áreas inundáveis, sua atuação voltava-se principalmente ao controle da poluição ambiental

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possibilidade do parcelamento como um “ganho” ao dono da gleba. Esta situação

individualizava possibilidades de intervenções, prejudicando uma ordenação ambiental

macro, que pudesse surgir como real possibilidade. Não havia tributações urbanas incidentes

sobre estes lotes e nem a menor coerência na possibilidade de tê-los como urbanos num curto

prazo de tempo. A área urbana de Rio do Sul, pela população que continha, não necessitava

de tamanho espaço.

A necessidade de fuga das águas acelerou o processo desordenado de ocupação da

cidade. Os conflitos de usos foram evidenciados, as relações de perdas exteriorizadas e, altos

custos envolviam uma administração sem planejamento. Propicia-se um momento ideal para

que profissionais locais intervissem junto à administração municipal para que se iniciassem os

trabalhos de elaboração do Plano Diretor, o que aconteceu em 1990. Na ocasião a cidade de

Rio do Sul fora contemplada pela SEDUMA, juntamente com outras oito cidades de Santa

Catarina, para realizar seu Plano Diretor. O referido programa contemplava cidades de médio

porte36 e somente seus perímetros urbanos. Áreas rurais não foram consideradas.

Segundo Siebert (1979), a falta de atenção para com os espaços rurais relaciona-se

com o forte processo migratório que o estado de Santa Catarina enfrentou e que concentrou

nas maiores cidades um grande número de pessoas. Para Peluso, o desenvolvimento das

cidades deve ser acompanhado em igual forma na agricultura, pois não haverá rede urbana

integrada sem existência de agricultura próspera e para Santos apud Siebert (1997), a

dicotomia urbano rural está deixando de existir à medida que os mercados se confundem e as

cidades se conturbam.

Para o início dos trabalhos do Plano Diretor de Rio do Sul, uma equipe de técnicos

locais inserida no contexto da discussão estadual, atualizou cartografia, organizou e levantou

dados, promoveu reuniões com a comunidade e discutiu a cidade num amplo contexto. Vários

objetivos foram listados entre eles: promover uma redução do nível de conflitos entre

interesses urbanos existentes e mudar o comportamento coletivo em relação ao uso do solo,

através da minimização dos impactos, controlados pela conduta do homem.

Raban apud Harvey (1989), afirma que a cidade é um lugar complexo para ser

disciplinado e que o fato e imaginação tem que se fundir, “[...] para o bem ou para o mal, a

cidade o convida a refazê-la numa forma que você possa viver nela”.

36 Uma metodologia similar havia sido aplicada pelo então GAPLAN na década de 80 a cidades de

médio porte.

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O Plano Diretor foi concluído em 1992, porém aprovado na outra gestão em 1995.

A catástrofe de 1983 abriu os olhos da população e das autoridades para o problema

“enchente x urbano”. A estruturação da Defesa Civil local veio como resposta imediata e

assertiva, e em relação ao nível do rio passou a considerar:

- Normal: até 4,00 metros;

- Atenção: de 4,01 a 5,00 metros;

- Alerta: de 5,01 a 6,50;

Emergência: acima de 6,51 metros, estabelecendo uma rotina de trabalho para cada

situação.

A CEDEC estimulou o processo de criação de Defesas Civis municipais no estado de

Santa Catarina aprovando a Lei no. 6.502, tratando especificamente do tema. No se artigo 2o.

fica explícito:

Art.2o. É vedado ao governo do estado a construção de prédio público, em área sujeita a inundação. Em casos de ampliação as obras ficam condicionadas ao erguimento do piso para proporcionar o salvamento de bens e documentos.

As Cartas das Enchentes (ver material anexo) elaboradas pelo DNAEE, objetivaram

o reconhecimento da real situação de inundação nos espaços urbanos. As enchentes mais

críticas, segundo o referido documento, aconteceram na confluência dos Rios Itajaí do Sul e

do Oeste e a jusante deste ponto.

5.1.2 Uso do Solo

Uma cidade como Rio do Sul, que em 1983 contava com 52 anos, sem o exercício de

legislação urbana, ou regulamentação de uso do solo, numa situação de emergência como a

que foi vivida, se distanciou ainda mais do cumprimento de qualquer ação normativa de

planejamento urbano. Neste contexto, a tendência da busca individual de soluções imediatas

ficou reforçada. Coube à população eleger os mecanismos capazes de garantir sua segurança

diante do ataque das águas, com ações pontuais e desarticuladas que geraram conflitos para o

atendimento dos vários interesses urbanos.

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Para a caracterização do uso do solo na Bacia do Itajaí, Frank (1995) considera três

conjuntos de informações, que dizem respeito, à exploração florestal, à atividade agropecuária

e à atividade industrial. A atividade industrial mais ligada ao meio urbano gerou conflitos,

visto que muitos empreendimentos foram deslocados para as áreas altas. A mesma autora

referindo-se ao desmatamento ocorrido em toda região afirma:

[...] as enchentes são o mais grave problema do Vale do Itajaí. Problemática histórica, ela é hoje agravada pelas agressões ambientais observadas na região, como o desmatamento, o ocupação desordenada das encostas e o crescente processo de erosão e conseqüente assoreamento das calhas dos rios (CAUBET e FRANK, 1983).

Com a questão da legislação do Uso do Solo em aberto, foi comum a aquisição de 2

ou 3 lotes para a instalação de indústrias em loteamentos entendidos como residenciais e

residências em meio a áreas próximas à BR 470 entendidas como industriais. Não havia por

parte do poder público, naquele momento, nenhuma definição de regra indutora, nem

tampouco vontade da população em cumpri-la.

O loteamento mostrado na Fig. 25, situado em área alta foi previsto como residencial

exclusivo, mas seus primeiros lotes foram ocupados por uma indústria, que gerou conflitos

com trânsito, ruídos e descumprimento do afastamento frontal ao espaço residencial previsto.

Figura 25 - Conflito de usos

Fonte: Acervo do Autor, 1997.

Na Fig. 26, evidenciamos outra situação conflitante, com a ocupação de área alta

gerando comprometimento dos espaços e conflitos de uso. A indústria foi colocada a salvo

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das águas e acima da área residencial. Neste caso, o trânsito de caminhões necessita vencer o

aclive e atravessar a área residencial expondo a população a constantes riscos.

Figura 26 - Comprometimento do sistema viário.

Fonte: Acervo do Autor, 1997.

Até as enchentes de 1983, Rio do Sul não oferecia um mercado voltado para a

verticalização. O Residencial Navarino, um edifício de 5 pavimentos com 42 apartamentos e

localização central inundável serve como exemplo. Em 1983 estava recém-concluído e com a

ocorrência das enchentes teve todos os seus apartamentos vendidos imediatamente após o

fato. Dificilmente isto aconteceria tão rápido se não fosse a enchente. O prédio, nos seus

apartamentos menores, foi ocupado por pessoas de idade avançada que não podiam voltar às

suas casas inundáveis; em outro exemplo, uma pessoa comprou um apartamento somente para

“guardar” seus pertences e alojar sua família quando das enchentes; outro cidadão comprou

dois apartamentos, já que somente uma unidade, não comportaria todos os seus pertences.

A verticalização pegou a cidade despreparada quanto à legislação de uso do solo e

índices urbanísticos. As edificações, em relação à sua altura, dispunham do espaço da maneira

mais lucrativa possível ocupando o lote ao máximo, já que podiam atuar sem normas. O

importante naquele momento era estar fora do nível das águas. Um grande número de pessoas

anexou à sua edificação um segundo piso, em anexo de fundo de lote, constituído por um

grande salão que permanece vazio para comportar o mobiliário da casa em caso de enchente.

As pessoas não querem depender de terceiros para a remoção de seus pertences.

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O sistema viário de uma cidade é estruturado por inúmeras vias que organizadas dão

um sentido ao fluxo urbano de movimentação. As cotas inundáveis atingiram todo o sistema

viário existente na parte baixa da cidade, alterando a estrutura organizacional existente. Nesta

época o sistema viário dos morros continha infra-estrutura precária e desarticulada, sendo

sempre facilitada a descida ao plano baixo para a retomada de novas direções no alto. Com o

centro urbano espremido entre rios e morros, as enchentes exigiram o estabelecimento de

novos percursos, visando circulações só pelos morros. A enchente praticamente isolou o

sistema viário da área plana baixa.

As águas agiram sobre os pontos nodais37 e o sistema viário refletiu a falta de

planejamento apresentando mais problemas como por exemplo:

- Com a abertura de vários loteamentos, o sistema viário precisou sofrer alterações

significativas para ser adaptado a este incremento de habitantes e circulações;

- Necessidade de maior atendimento com transporte coletivo nas áreas altas que não

dispunham de infra-estrutura capaz de atender a crescente população;

- Adensamento industrial ao longo e próximo da BR 470 acarretando mais fluxo

municipal na rodovia federal;

- Com a mudança de uso, áreas que eram residenciais exclusivas, passaram a exigir

uma adequação do sistema viário com locais para estacionamentos e manobras nem

sempre possíveis, num traçado originalmente residencial;

- Os maiores e principais problemas ocorreram pela falta de compatibilização do

sistema viário imposto pelas novas circulações com o existente, inadequado a maior

fluxo e a enchente.

5.1.3 Valor do Solo

As áreas inundáveis sofreram um visível processo de desvalorização das edificações

pelo mercado e também pelos proprietários.

No bairro Jardim América, área residencial unifamiliar exclusiva até as enchentes de

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1983, a desvalorização pode ser caracterizada com situações de abandono onde famílias

mudaram-se deste bairro para o litoral ou áreas altas; locações onde residências com muitos

cômodos, foram compartimentadas visando a criação de mais de uma unidade residencial

para estudantes38 e pessoas com menor poder aquisitivo que passaram a subdividir e co-

habitar a antiga unidade residencial unifamiliar num processo visível de desvalorização do

imóvel;

A oferta de edificações, nas áreas inundáveis desvalorizadas pelos proprietários,

permitiu a incorporação de um processo de reutilização destes espaços com novos usos. O uso

residencial térreo exclusivo foi trocado por pontos de atendimentos comerciais e prestação de

serviços, em condição otimizada pela maior possibilidade de estacionamento; a alteração da

forma original das edificações térreas com o incremento de um segundo piso é outro sinal de

adaptação da edificação ao fenômeno das cheias e reação ao processo de desvalorização do

imóvel.

O mercado imobiliário local passou a pressionar muito. Não foi possível à

administração municipal, naquele momento, contrapor com medidas de redução de impactos

ambientais, ou adequações que evitassem conflitos de usos, às tentadoras ofertas que

aconteceram aos proprietários de lotes ou glebas nas áreas altas. O avanço que se deu em

direção às áreas altas expôs a fragilidade urbana que foi sabiamente explorada por

oportunistas imobiliários.

Para Campos Filho (1986), o fenômeno de ganho privado pelo proprietário de

imóveis à custa de um investimento da comunidade é denominado de especulação imobiliária.

O mercado imobiliário pode ser mais facilmente compreendido pelos pequenos e médios

investidores, que vendo para onde a cidade cresce e como se transforma, entendem a lógica do

desenvolvimento.

No bairro Jardim América muitos terrenos vagos, num típico processo de

desvalorização, foram vendidos no período pós-enchente. Uma análise feita por nós em um

dos cartórios de Registro de imóveis de Rio do Sul, apontou a venda de um lote edificado e 32

lotes sem edificações, somente no bairro Jardim América no período 1981 a 1985.

37 Segundo Lynch (1999) são os pontos de referência conceituais de nossas cidades. 38 Neste bairro localiza-se a Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí –

UNIDAVI.

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Neste contexto de desvalorização39, no mesmo bairro, encontramos pessoas que

compraram vários imóveis, barganhando preços em função dos prejuízos apresentados pelas

edificações. A limpeza das residências, em função do grande lodo que a enchente ali acumula,

constituiu-se também num grande problema. O vendedor do imóvel queria livrar-se do

problema da enchente e da limpeza do imóvel já que sua condição financeira melhorada,

assim lhe permitia.

Nos bairros Canoas e Santana, com menor poder aquisitivo, as transações

imobiliárias envolveram outros fatores. Com lotes em cotas extremamente baixas e prejuízos

agravados, constataram-se vendas de edificações porque seus proprietários não podiam bancar

a própria reforma da edificação bastante destruída.

Houve uma corrida em direção aos morros e morar neles não seria mais um problema

como nas décadas anteriores, já que facilidades como o automóvel, transporte coletivo e

telefone, podiam agora aproximar os moradores.

O Morro da Boa Vista foi alvo de muita procura e instalação residencial. Houveram

incrementos de novos loteamentos que foram abertos descumprindo a legislação federal

pertinente, já que faltavam naquele momento, mecanismos municipais de controle e

fiscalização das obras.

O poder público também deslocou loteamentos populares para áreas altas como: o

Loteamento Santa Rita conhecido por COHAB2, São Pedro, Mutirão Barragem e Alto da XV.

A Fig.27 expõe alguns dos loteamentos, criados nas áreas altas posteriormente as

enchentes de 1983, sendo que na sua grande maioria foram abertos descumprindo a legislação

municipal de parcelamento.

39 Segundo palavras do corretor de imóveis João Luiz R. Neves.

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Figura 27 - Localização de novos loteamentos

Fonte: Acervo do Autor, 1998.

5.1.4 Mobilidade Urbana

Aconteceram trocas de espaços. As áreas inundáveis próximas ao centro continham,

antes de 1983, pessoas com maior poder aquisitivo enquanto que os morros eram ocupados

por pessoas em situação contrária. O usuário urbano detentor de maior renda, que morava em

área inundável, comprou lote ou gleba no morro, pertencente ao usuário de menor poder

aquisitivo. Estes lotes, em sua grande parte possuíam edificações simples, com pouco valor de

mercado sendo desprezadas pelo novo comprador, que se interessava realmente pelo terreno.

Com a venda da gleba valorizada, o morador do morro, até então considerado “o

mais pobre” pode pagar pelo preço da terra na parte baixa, fato impossível antes do fenômeno

das enchentes. Houve uma espécie de equilíbrio tanto financeiro como emocional com esta

troca de espaços. Salientamos duas opções do morador do morro:

Optou pela compra, em área inundável, de edificação desvalorizada que possuía o

conforto e o status desejado, que ele até então não podia pagar (suítes, garagens,

churrasqueira, piscina etc.); instalou-se em uma parte mais alta do morro, ou periferia

recomeçando um novo processo de urbanização e criando novos problemas ambientais com

efeitos ainda mais perversos. Em relação à mobilidade urbana vemos como negativo o corte

nas antigas relações de vizinhanças tanto nas áreas altas e baixas da cidade.

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Na Valada São Paulo, área alta e bairro típico da comunidade italiana, foi instalado

um conjunto habitacional popular. Esta instalação constitui-se em problema para ao bairro

pois lá o poder público inseriu pessoas que não possuíam vínculos com os moradores locais e

nem com o bairro. Aconteceram interferências nas relações de vizinhança mudando-lhe as

características originais e o novo morador chegou com outro perfil. Associando a questões de

topofilia, citamos o caso de pessoas de idade, residentes em locais “agora” inundáveis, que

foram “sacadas” de seus habitats e levadas para apartamentos ou áreas altas, onde vidas e

referências foram abaladas, com desfecho nem sempre feliz. A necessidade da defesa chegou

a revelar situações atípicas como a de uma família que levou a casa para o morro, ou seja,

reedificou no morro a mesma casa que possuía em área inundável expressando com isto uma

vontade de poder continuar a vida como ela era, porém sem a enchente. A Fig. 28 mostra tal

situação sendo a primeira foto com a edificação na área inundável na Alameda Bela Aliança,

e a segunda mostra o mesmo projeto reproduzido no morro.

Figura 28 - A imagem do destino interrompido na área inundável / Livre da enchente no morro.

Fonte: Acervo do Autor, set./2002.

Concluímos o capítulo concordando com Rossi (1977), afirmando que o conceito que

temos de um fato urbano será sempre um tanto diferente do tipo de conhecimento que tem

quem vive aquele mesmo fato. Como toda cidade vivenciou as enchentes quer na condição de

flagelado ou de ajudante, a situação marcou e o significado é sempre mais forte para quem

experenciou isto.

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Passado o maior impacto, podemos concluir que a ocupação urbana de Rio do Sul,

sofre uma transformação, passando a ter uma experiência real, concreta e vivencial, frente ao

fato. O domínio dos referenciais deixados pela catástrofe está na memória coletiva norteando

significativamente novos assentamentos.

Na década seguinte, com a legislação urbana em vias de aprovação e implantação, a

análise recaí sobre a enchente e sua vinculação com o planejamento urbano proposto, que agiu

no sentido de disciplinar a tendência natural de reacomodação do sítio urbano, em relação à

ação das cheias.

5.2 DE 1992 A 2000

Conforme Lynch (1959, p. 11) “O design de uma cidade é, assim, uma arte temporal,

mas raramente pode usar seqüências controladas e limitadas. [...] Em outras ocasiões

diferentes as seqüências são invertidas, interrompidas, abandonadas, anuladas”.

Neste intervalo de tempo, com ações em âmbito nacional como a Rio 92 e a Agenda

21, e no âmbito local com a aprovação do Plano Diretor, a discussão da sustentabilidade

ambiental cresce, ganha mais espaço na mídia e a relação cidade/enchente/prejuízos passa

também a ser mais discutida e evitada. Propõem-se na seqüência da década anterior, uma

análise das mudanças ocorridas no cenário urbano, na segunda década do pós-enchente.

5.2.1 Legislação Urbana e perímetro Urbano

Quando os prejuízos maiores relacionados à habitação, pontes e sistema viário

pareciam sanados, abriu-se espaço para o trato do “planejamento” da cidade. A enchente

precisando ser considerada exigiu uma nova postura para pensar a cidade.

A Secretaria de Planejamento foi criada e o aspecto urbano passou a ser gerenciado.

Instalaram-se comissões de Meio Ambiente e Defesa Civil, o quadro técnico foi ampliado e

institui-se um sistema de consulta e análise de projetos, visando nova conduta urbanística.

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Áreas de risco devem ser identificadas com medidas especiais de proteção legal,

traduzidas nas legislações urbanas40 e para tanto tais áreas devem ser estudadas.

Em relação ao perímetro urbano, buscou-se sua redução, para viabilizar

aerofotogametria e a atualização cartográfica culminando com o intento na lei municipal n°

2.346 que redefiniu o perímetro urbano de Rio do Sul em 59km2. A Fig.29 destaca as áreas

pertencentes ao perímetro urbano que foram transformadas em rurais com a lei acima citada.

Figura 29 - Áreas urbanas reduzidas.

Fonte: Acervo do Autor, 2002.

No Plano Diretor de Rio do Sul, o tema enchente foi contemplado, visto que foram

incorporadas noções de um urbanismo adaptado à condição topográfica local O instrumento

legal foi aprovado em 1995, composto pelas seguintes leis:

- Código de Edificações; n.º 007/95

- Código de Parcelamento do Solo; n.º 008/95.

- Lei de Uso do Solo n.º 010/95

- Código de Posturas n.º 011/95

No Brasil são poucas as cidades que possuem legislações municipais urbanas

40 Os países devem desenvolver uma “cultura de segurança” através da educação pública. Franco

(2000) afirma que o planejamento ambiental, hoje uma necessidade, deve incluir a pesquisa das vulnerabilidades ambientais e criar especialistas para ações nas emergências.

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reguladoras do Uso do Solo. Campos Filho (1986), cita fortes pressões políticas como forças

contrárias à imposição legal desses mecanismos e aponta como importante a luta pela

implantação deste controle, como forma de evitar o congestionamento das infra-estruturas que

exigem altíssimos custos para sua substituição. Frank (1995) em relação ao planejamento

ambiental, afirma que para elaborar um diagnóstico o erro consiste em acreditar que o

planejamento se realiza em um meio inerte passivo, estático, quando a realidade se encontra

em movimento, e num meio resistente.

Lynch (1999), “As pessoas desenvolvem ligações muito fortes com as formas

urbanas, tanto em decorrência do passado histórico, quanto de suas próprias experiências.

Cada cena é imediatamente identificável e traz a mente um turbilhão de associações”.

Rio do Sul, como outras cidades da Bacia do Itajaí, também debruçada sobre os rios,

reservou no seu Plano Diretor, Faixa de Preservação ao longo dos rios e ribeirões, num total

de 15 metros41. Vale salientar que a aplicabilidade do Código Florestal na época, em área

urbana central, altamente valorizada, constituía-se num problema urbano intransponível.

Atualmente o Estatuto das Cidades possibilita o manejo das áreas consolidadas e deve servir

como instrumento ao trato destes espaços e questão. O Código de Parcelamento do Solo

também tratou de parcelamento em áreas inundáveis e serviços de terraplanagens42. Os

tamanhos dos lotes foram previstos segundo sua localização topográfica. Quanto maior a

condição topográfica maior a exigência cobrada para os referidos tamanhos 43.

Em relação aos loteamentos, o Código de Parcelamento determina o não

comprometimento das bacias hidrográficas44.

41 I - faixa de 15,00 m (quinze metros) para cada lado dos seguintes rios e ribeirões: Ribeirão Cobras,

Albertina, Canoas, Taboão, Matador, Itoupava, Quintino e Tigre. 42 Art. 75 – O tamanho mínimo dos lotes, exceto nas subzonas RE, Ind2 e Expansão Urbana, deverá

obedecer a tabela 01,02,03. 43

Aclividade/Declividade. Testada/profundidade Área Até 10% 12,00 20,00 300,00 m² 11% a 20% 15,00 20,00 500,00 m² 21% a 25% 20,00 30,00 800,00 m² 26% a 30%. 25,00 30,00 2.000,00 m²

44 Art. 88 – Nenhum loteamento poderá prejudicar o escoamento natural das águas nas respectivas

bacias hidrográficas. As obras para drenagem superficial deverão ser executadas obrigatoriamente nas vias públicas ou em faixas reservadas para esse fim.

Art. 89 - Os cursos d água não poderão ser aterrados ou tubulados sem projeto aprovado pela Prefeitura

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5.2.2 Uso do Solo

A Lei de Zoneamento regulamentou a ocupação dos espaços e a forma de atuação

sobre os mesmos, objetivando minimizar conflitos. O setor industrial foi deslocado para

próximo da BR 470 e as áreas residenciais, comerciais, mistas, preservação e expansão foram

devidamente mapeadas. No Plano Diretor, foram criadas áreas de preservação, não edificandis

e especiais como:

- A “Área Emergencial” de 334,08m, correspondente ao nível de 7 metros acima do

leito normal dos rios, onde ficou proibida qualquer construção e descaracterização

da condição natural existente. A lei de Uso do Solo em seus artigos 20 e 85

determinam o acima citado45.

- A “Área da Máxima Cheia”, correspondente ao nível máximo da inundação de

1983. O conhecimento do alcance das águas fornece importantes dados que servem

de apoio para ações de Planejamento Urbano e Defesa Civil.

Através da verticalização foi possível, ao proprietário, reagregar o valor perdido ao

lote, com a enchente. Para a verticalização, faz-se necessária a urbanização adicional das

infra-estruturas e um maior comprometimento do dinheiro público e ganhos divididos com

poucos. Constatamos este fato no Jardim América, onde esta tomou forma mais expressiva em

função do maior poder aquisitivo dos proprietários.

A verticalização transformou-se numa opção segura para a otimização das áreas já

atendidas com infra-estrutura que sofriam processos de desvalorização por serem alagáveis.

Tornou-se um negócio atrativo.

Os Bairros Jardim América, Centro, Canoas e Santana através desta e de novos usos

45 “[...] Art. 20 - Ficam declaradas de Preservação Especial (PE), segundo anexo 04, as seguintes áreas

e edificações: [...] VII- A cota emergencial (334,08m). Parágrafo Único - Nenhuma ação modificadora do estado atual dos bens poderá ser realizada sem o

conhecimento exarado, em decreto do Poder Executivo, após ouvida a Assessoria de Planejamento, o Conselho do Plano Diretor.”

Art. 85 - Para efeito desta Lei Complementar consideram-se como faixas non aedificandi o que segue: I - toda área abaixo da cota emergencial sendo definida em 334,08m (trezentos e trinta e quatro metros

e oito centímetros) acima do nível do mar; [...] IX - faixa de 15,00 m (quinze metros) para cada lado das margens do rios Itajaí do Sul em toda a

sua extensão e do Oeste (do Clube Palmeirinhas até o centro); X - faixa definida pelo projeto do D.N.O.S. para o Rio Itajaí-Açu; XI - faixa de 50,00 m (cinqüenta metros) para cada lado do rio Itajaí do Oeste (da divisa com

Agronômica até o Clube Palmeirinhas);

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retomaram parte de seus valores. Vários edifícios foram construídos e a opção por morar em

apartamentos próximos ao centro e com segurança em relação às cheias, passou a ser uma

busca.

Constatamos a necessidade da comparação da situação da verticalização antes e

depois das inundações de 1983 como forma de procedermos nossa análise e, como este dado

não se encontrava disponível em informações cadastrais, fomos a campo em sua busca.

Através de consulta a antigos moradores produzimos os mapas anteriores a 1983 e verificando

in loco, reproduzimos a situação atual ou de 2000.

No bairro Jardim América, os mapas da Fig.30 refletem a situação da verticalização

anteriores e posteriores à inundação. No primeiro mapa podemos observar a planta dos

gabaritos anterior a 1983 e na segunda figura observamos a alteração dos gabaritos em época

posterior às enchentes.

Figura 30 - Jardim América antes de 1983 e depois de 1983.

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Fonte: Desenvolvido pelo Autor.

No Jardim América pode-se ver uma maior ocupação verticalizada, após as

enchentes e praticamente o desaparecimento da ocupação térrea em novas construções. Neste

bairro, aproveitando a otimização da infra-estrutura existente às novas construções acontecem

sempre com mais pavimentos. A proximidade deste bairro, com o centro da cidade, também

tem estimulado a ocupação verticalizada de unidades residenciais, que acontecem

preferencialmente com mais de três pavimentos.

Em relação ao Bairro Canoas, com moradores de menor poder aquisitivo, a situação

é outra. Anteriormente às enchentes o uso com o pavimento térreo era muito expressivo, o que

já passou a não acontecer após este fato. Observa-se na análise do mapa uma maior

possibilidade de ocupação com mais de um pavimento, porém não chegando a acontecer

como no Jardim América, grandes adensamentos verticais. Com poder aquisitivo menos

expressivo, este bairro não comporta ainda grandes adensamentos verticais como demonstra a

Fig. 31 em análise e pesquisa de campo feita de forma similar a anterior.

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Figura 31 - Bairro Canoas antes e depois de 1983.

Fonte: Desenvolvido pelo Autor, 2002.

A verticalização, que na primeira década aconteceu de forma pontual e

descontrolada, é contemplada pela Lei de Uso do Solo e passa a ser normatizada e estimulada

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nas áreas inundáveis. Objetivando criar um desestímulo à ocupação térrea unifamiliar em

áreas inundáveis, a Lei de Uso do Solo, induz à verticalização46. A insistência no uso

residencial térreo em área inundável é paga com a exigência de um maior recuo frontal e uma

menor otimização do potencial construtivo.

Nova situação surge em relação aos morros. Nesta década, com a valorização destes

e a crescente melhoria da infra-estrutura, a verticalização deslocou-se também para estas

áreas, em função do alto custo destes espaços. Pressões no sentido de mudar a legislação

contemplando com maior gabarito aconteceram.

O sistema viário sofreu readequações com pavimentações, aumento de dimensões e

previsões de melhorias que em parte aconteceram, invadindo fortemente áreas altas.

Os cruzamentos centrais ligados ao dia a dia da cidade, em função do maior

distanciamento dos moradores, deslocados para os morros, encontram-se mais congestionados

nos momentos de “rush”. O carro passou a ser mais utilizado. O comércio vicinal vem sendo

oferecido cada vez mais também em pontos altos onde o sistema viário estrangula-se. A

pavimentação asfáltica das principais vias acaba por imprimir mais velocidade ao trânsito. É

visível a sobrecarga gerada nos poucos eixos de acesso das áreas altas, como por exemplo, a

Rua Tuiuti.

O sistema viário local necessita urgentemente da abertura das vias previstas pelo

Plano Diretor, à visando possibilidade de trânsito seguro e interligado das áreas altas. Estas

vias definidas pelo plano, além de poderem auxiliar no desafogamento diário dos acessos

tradicionais, funcionarão como anel viário capaz de interligar bairros, auxiliando nas situações

de enchentes.

O adensamento junto à BR 470 vem se constituindo em um problema na medida que

a rodovia federal é utilizada com trânsito local. Há que se implantar a via marginal também

prevista. O transporte coletivo precisa atender o aumento de fluxo significativo nas áreas

altas.

Os parcelamentos do solo principalmente sob a forma de remembramentos,

possibilitaram a adição de espaços necessários a usos novos. Permitiram a instalação de altos

46 “[...] Art. 160 – O terceiro pavimento de uma edificação residencial unifamiliar não contará para o

cálculo do gabarito quando esta estiver situada em área inundável definida no anexo 04. “[...] Art. 175 - Nas áreas inundáveis será cobrado um afastamento maior22, quando se tratar de

edificação unifamiliar térrea, conforme anexo 06 do Plano Diretor.”

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edifícios, novas instalações industriais, áreas para estacionamentos entre outros usos. No

Bairro Jardim América visando à possibilidade de construir edifícios altos, houve a

necessidade de terrenos maiores.

Nas áreas altas, para possibilitar grandes edificações, ou instalações industriais

também aconteceram remembramentos. Junto à Br 470 este fato pouco se verificou, visto

tratarem-se de lotes coloniais com metragens maiores. Neste caso, foram desmembrados

visando a questões referentes à partilhas entre herdeiros.

Em relação à tipologia construtiva, Santos (1994) afirma que as formas dependem

das condições econômicas, políticas e culturais. Desvendar essa dinâmica social é

fundamental. A população entendeu que precisará conviver com as enchentes. Para tanto, na

medida do possível, adaptou-se, utilizando mais pavimentos e materiais de revestimento

impermeáveis. Este ajustamento também aconteceu com a utilização de, sótãos anteriormente

desprezados, rampas edículas e etc. A tipologia construtiva aditada imprimiu características

próprias, retratando uma proposta de uso baseada nesta nova realidade. Órgãos públicos,

como prédio da AMAVI, Delegacia Regional, Instituto Médico Legal, Corpo de Bombeiros

promoveram ajustamento de seus espaços considerando as enchentes.

Surgem novas formas construtivas que permitem uma leitura espacial diferenciada

em relação ao próprio bairro, e ao centro urbano. Como negativo apontamos a perda da

memória urbana em função do não aproveitamento do que as áreas inundáveis já dispunham.

5.2.3 Valor do Solo

Ainda se observa um processo de desvalorização das terras inundáveis pela

população; porém, é mais intenso nas áreas de cotas emergenciais. Nesta condição há a

redução do IPTU, como política pública instituída, conforme definido no artigo 176 do

Código Tributário Municipal.

A prefeitura, em 1997, reúne profissionais do setor privado e promove uma

reavaliação de sua planta de valores e do custo por metro quadrado do imposto territorial

urbano. Nesta data, já se tornavam evidentes as melhorias promovidas nos morros. O novo

contingente populacional deslocado para as áreas altas, puxou recursos públicos e também

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pagou por melhor infra-estrutura. O novo morador das áreas inundáveis, onde a infra-estrutura

encontrava-se concluída lucrou com a possibilidade de poder verticalizá-la.

Os valores minimizados para cobranças de IPTU, atualmente referem-se a lotes

situados em áreas emergenciais. O acréscimo provocado pela contribuição de melhoria em

1997, nas áreas altas é um indicador do fato que o imposto no morro subiu em função da

melhoria ali acontecida. Esta melhoria é conseqüência das enchentes, ou seja, aconteceu pelos

moradores que se transferiram para os morros em função das cheias.

O uso residencial unifamiliar térreo, deslocou-se para áreas altas, gerando melhoria

na infra-estrutura local e agregando mais valor aos lotes e o uso industrial foi deslocado para

áreas altas e próximas à BR 470, supervalorizando estes locais, evitando-se com isso a

possibilidade de serem atingidas por novas cheias.

5.2.4 Mobilidade

A cidade sofreu uma grande mistura. As áreas residenciais espalharam-se por todos

os locais altos. Moradores de diferentes classes sociais passaram a conviver nos mesmos

bairros, apontando vantagens como a não segmentação de bairros e desvantagens como corte

nas relações de vizinhança. A cidade deu uma resposta própria à forma de enfrentar o

problema.

Considera-se como positiva a liberação de lotes e edificações nas áreas centrais

inundáveis. Com o significativo deslocamento da atividade residencial térrea da área

inundável, sobraram edificações que foram oferecidas a usos renovados e ajustados ao solo

inundável. No caso específico do Jardim América, foi proporcionada uma dinâmica de novos

usos e novas formas de edificar que reagregaram valor às áreas desvalorizadas. Questionando

como seria hoje o centro de Rio do Sul, se o Jardim América não tivesse absorvido parte das

atividades anteriormente no centro desenvolvidas, poderia se chegar a respostas preocupantes.

A mobilidade urbana de forma negativa também avançou mais agressivamente sobre

o meio ambiente.

Em relação aos novos e extintos setores urbanos, podem-se constatar nesta década a

sedimentação de novos setores urbanos, bem como a exclusão de outros que antes das cheias

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existiam ou eram previstos. Como novos setores são apontados:

- Setor Educacional: Embora a UNIDAVI já estivesse instalada anteriormente às

cheias no Jardim América, a desvalorização dos terrenos neste bairro depois da

ocorrência do fenômeno, facilitou a aquisição de novos lotes, podendo a

universidade aumentar seu campus. Ampliou-se significativamente este setor

educacional que ocupa hoje parcela significativa do bairro;

- Setor Saúde: O setor sofreu expansão nas áreas altas e a conclusão do Hospital

Regional, polarizou clínicas médicas. O maior ambulatório municipal edificado em

área altamente inundável, no Bairro Santana, foi deslocado para áreas altas, em

espaço do antigo hospital intensificando e reforçando este uso no morro;

- Setor Industrial: Configurou-se em área alta marginal à BR470;

- Setor Habitacional: As habitações térreas foram deslocadas preferencialmente

para os morros e edifícios. Foram criados e ampliados novos bairros como:

Loteamento Schneider e Clara Connick I e II, Becker para populações de alto poder

aquisitivo; COHAB2 (Bairro Santa Rita), Divinéia, Mutirão da XV de Novembro,

Mutirão da Barragem e Miranda para poder aquisitivo baixo; Loteamentos como

Continental, Centro Park, Jardim Alexandro entre outros para a classe média;

- Setor Comercial (nas áreas altas): Os novos moradores das áreas altas

incrementaram os pequenos pontos de comércio vicinal existentes, principalmente

no Morro da Boa Vista intensificando este uso.

Como setores extintos, apontamos:

- Setor Industrial: As áreas destinadas a este fim na década de 70 nos Bairros

Taboão e Canta Galo, para onde já haviam se deslocado empresas como as

Indústrias Círculo e Frahm perdeu razão de instalação industrial após as enchentes.

Estes locais, embora disponibilizassem grandes áreas livres não receberam mais

instalações industriais nos últimos anos em função do alto nível de alagamento;

- Setor Residencial Exclusivo: Como exclusivo desapareceu nas áreas inundáveis. A

Ilha dos Bugres, onde em 1983 havia o projeto de loteamento exclusivamente

residencial foi abandonada com tal proposta.

Os bairros em geral, sofreram alterações com o incremento de novos usuários. Em

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relação ao comportamento dos novos usuários, podemos observar que muitas vezes não se

inseriram no contexto do bairro, assimilando-o como seu, mas em outras situações

incorporaram rapidamente o novo espaço, passando a reforçar solicitações e também pagar

por medidas de melhorias pontuais. O suporte financeiro trazido aos bairros altos possíveis

aos novos usuários foi traduzido na melhoria da infra-estrutura daquelas áreas.

Importante ressaltar que anteriormente às enchentes, nos bairros de menor renda as

escolas e os serviços comunitários, eram instalados próximos às moradias. Com a ocorrência

das enchentes, assentamentos residenciais foram deslocados para áreas altas, onde estes

serviços nem sempre estavam disponíveis, gerando problemas com custos de construções e

deslocamentos.

O adensamento intenso das áreas centrais foi contido pelo fenômeno das enchentes.

O centro se espalhou para áreas próximas, deixadas livres pelos moradores que subiram

morros. Os vazios urbanos da área central, servidos à especulação, sofreram desvalorização

em função do oferecimento de novas áreas para atendimento comercial.

Referindo-se à natureza Lefebvre (1999) afirma que teoricamente a natureza

distancia-se, mas os signos desta do natural se multiplicam suplantando à natureza real. Tais

signos são vendidos em massa, na publicidade, nos produtos têxteis e alimentares, moradias

de férias, enfim a tudo se recorre à “natureza” representada num sentido ilusório. Rara,

fugidia, devastada resíduo da urbanização e da industrialização, a natureza é buscada com

forte apelo. Os espaços verdes, última palavra das boas intenções e das deploráveis

representações urbanas, constituem um substituto medíocre desta.

Os rios têm significado simbólico, visto que são elementos do contexto ambiental,

mas estão afastados do cotidiano das pessoas. São elementos importantes na materialização da

paisagem e sua reintegração aos espaços e cotidianos é uma necessidade real dentro de uma

visão sistêmica.

Há que se apontar a descaracterização das encostas, sem a observância da topografia.

As encostas foram rasgadas por acessos viários chamados de estradas, para instalação de

edificações residenciais e até industrias. Foram abertos novos caminhos e estabelecidos

diferentes percursos, que alteraram a imagem que as pessoas tinham da cidade. Circulando-se

por estes locais sempre se consegue uma interação visual quase que completa da cidade,

diferente de se circular só na parte baixa, onde este domínio do todo não acontece.

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5.3 SÍNTESE

A modificação na estrutura urbana foi considerada em dois intervalos de tempos.

Na primeira década, a ação do fenômeno sobre o meio foi interpretada como uma

reação pontual de defesa, onde o uso do solo, especulação imobiliária, tipologia, mobilidade,

sistema viário, verticalização, valorização e desvalorização de áreas foi sentida pela

população que reagiu da forma que lhe foi possível, evidenciando as carências de legislação

urbana e os conflitos que surgiram em função disto.

Na segunda década, a interpretação recaiu sobre os mesmos temas sendo que foi

considerada a adequação ao regime urbanístico implantado pelo Plano Diretor e sua

vinculação com as enchentes. A situação vivida pela segunda década foi comparada à da

primeira, como forma de apontar ganhos, melhorias ou conseqüências das ações sofridas.

O Plano Diretor levou em consideração as situações vividas na primeira década e o

poder público implantou a referida lei como forma de exercer maior controle.

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6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Um processo de desenvolvimento espacializa, através da urbanização, formas

diferentes e possíveis de ocupação a cada sociedade. Os lucros obtidos no referido processo

de desenvolvimento estão restritos a uma minoria, sendo possível através da leitura do urbano,

a constatação, no jogo dos espaços, de quem ganhou e de quem perdeu.

Quando se registram grandes catástrofes nas cidades, com prejuízos como os

vivenciados com as enchentes de 1983, podemos acusar, além da fragilidade urbana, a

incompatibilidade do modelo de urbanização adotado com o meio físico existente. Na

ocorrência de fenômenos como enchentes a tendência é que, quem estiver instalado em áreas

de risco e ribeirinhas, receba o maior impacto sofrendo mais perdas.

O ciclo regional da madeira expôs na urbanização de Rio do Sul seus ganhos,

expandindo a cidade pólo para a concentração e o atendimento de funções necessárias ao

atendimento desta atividade econômica como casas bancárias, comércio e serviços dirigidos à

manutenção de serrarias, configurando-a com a melhor infra-estrutura regional. Na medida

que se tornou mais complexa, como cidade em vias de industrialização, ocupou mais espaços

e de forma mais impactante, expôs suas perdas com as enchentes.

Em situações de enchentes, geralmente os residentes em áreas ribeirinhas, com

menor renda, são os primeiramente atingidos. No caso de Rio do Sul, registrou-se um

processo diferente. As grandes perdas materiais aconteceram em imóveis de pessoas com

maior poder aquisitivo, instaladas em áreas inundáveis. A área central e melhor servida com

infra-estrutura urbana está em local vulnerável. A população com menor renda, que até então

ocupava os morros, destituídos de infra-estruturas, ficou livre das enchentes. Verificou-se,

com as enchentes em 1983, que sua principal área de risco não alojava a população carente e

sim a de maior renda.

O aceleramento do adensamento das áreas altas após as enchentes, causou um

processo de deslocamento das atividades urbanas para além dos limites das enchentes e este

maior espalhamento urbano tem passado uma “falsa” idéia de desenvolvimento. Propaga-se

um desenvolvimento que tem muito mais a ver com a característica de crescimento carregado

de conseqüências. A constatação da ampliação dos limites da ocupação urbana e a

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caracterização da alteração morfológica através dos dados levantados pela pesquisa, apontam

certamente para um crescimento de Rio do Sul e para um conjunto de intervenções urbanas e

sociais necessárias e complementares, para que esta constatação aponte também o tão buscado

desenvolvimento.

O que se pode concluir em relação aos itens pesquisados, no pós-enchente, em

relação à interpretação da legislação urbana e perímetro urbano, é que o poder público

assimilou a necessidade de adequar uma Secretaria de Planejamento ao desenvolvimento

urbano, quando buscou a tratativa do Plano Diretor e legislações complementares afins. Tais

leis, voltadas principalmente ao parcelamento do solo, foram aplicadas e mecanismos de

fiscalização satisfatoriamente implantados.

O perímetro urbano de Rio do Sul sofreu uma redução em seu tamanho, tornando

maiores as possibilidades de um planejamento urbano assertivo. Quanto ao uso do solo, nas

áreas altas, a equipamentação das infra-estruturas urbanas, foi obviamente o mais visível sinal

da alteração morfológica e do crescimento urbano. Com a supervaloração destes espaços

houve um incremento no número de habitantes, usos e funções. Deve-se atenção especial ao

uso residencial, fartamente ampliado para estas áreas e ao uso industrial, também

maciçamente deslocado com toda sua ambiência necessária e conflituosa para áreas altas.

Em relação às áreas inundáveis, a atenção voltou-se para a instalação do processo de

verticalização, especulativamente imposto na primeira década, regulado e controlado

posteriormente. O sistema viário, embora ainda necessite de importantes ajustes como a

construção de novas pontes, para maior fluência, sofreu no período pós-enchente uma

melhoria significativa, principalmente nas áreas altas. Como aspectos negativos, observou-se

na primeira década do pós-enchente a ocupação desordenada do solo, nas áreas urbanas e de

expansão, a incompatibilização com o sistema viário existente, paisagem e áreas verdes. Na

segunda década, o Plano Diretor define uma proposta de uso do solo e de hierarquização

viária visando a minimização dos conflitos.

Quanto ao valor do solo, o oferecimento de espaços nas áreas inundáveis próximas

ao centro, fruto da desvalorização temporária de tais imóveis em função das enchentes, foi de

grande importância, pois permitiu menor pressão imobiliária e a possibilidade de expansão

dos serviços que até então só eram realizados na área central. Constata-se um aumento na

noção de centralidade. O centro de Rio do Sul parece que ficou maior. Na segunda década do

pós-enchente, em função da maior adaptação da cidade ao problema, alteração da tipologia

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arquitetônica, ao distanciamento de tempo com esta problemática e ao processo de

verticalização instalado, o valor dos imóveis nas áreas inundáveis situadas próximas ao

centro, retomam a forma ascendente. Uma reagregação de valor às propriedades,

considerando prioritária a localização otimizada em relação a pontos de centralidade volta a

acontecer.

Quanto à mobilidade urbana, a enchente promoveu um movimento positivo e

dinâmico de trocas misturando usos e pessoas na cidade. Sob a ação deste fenômeno,

condições particulares de instalação e ocupação do espaço urbano foram revistas, alteradas,

implementadas sendo que a mistura promovida converteu-se num mecanismo agitador e

dissolvidor de guetos. Um dos grandes problemas vividos pelas cidades atualmente, reside

justamente na segmentação dos compartimentos citadinos, ou seja, grupos de indivíduos

detém determinadas parcelas de cidade pelas quais pode ou não se pode circular e viver, como

condomínios fechados, favelas etc. O corte nas relações de vizinhança altamente sentido na

primeira década do pós-enchente passou a não ser tão seriamente sentido na segunda década.

A mobilidade urbana conduziu a uma maior adaptação tipológica da edificação ao

problema da enchente. A forma arquitetônica e materiais utilizados, sujeitaram-se a

determinados níveis de inundações, requerendo respostas próprias minimizadoras de danos.

O sentimento de perda assimilado nas enchentes, em função dos altos danos sofridos,

e do despreparo da população, ainda é forte o bastante para servir como referencial na hora de

construir na cidade de Rio do Sul. A possibilidade de repetição do fenômeno, bem como os

níveis de enchente ao qual determinado espaço urbano fica sujeito, passaram a ter uma

importância comparável à condição de insolação ou acessibilidade, visando a aquisição de

imóvel ou construção de edificação.

No âmbito das recomendações, cabe ao Plano Diretor atualmente implantado o

oferecimento de condições de usos eqüalizados não inviabilizando a cidade, mas oferecendo

através de estímulos com índices urbanísticos e detalhamento através do desenho urbano a

condição de se construir de forma adaptada ao fenômeno. Deve-se buscar um planejamento

racional como forma de otimizar convivências. Os rios e suas áreas naturais de alagamento

precisam vir para as pranchetas dos urbanistas e mesas de decisões como elementos de

extrema importância do contexto urbano. As intervenções em seus leitos precisam de maiores

cuidados e critérios altamente técnicos.

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O poder público deverá agir no sentido de aplicar as medidas constantes no Plano

Diretor impedindo a ocupação de áreas ribeirinhas, bem como realimentá-lo com novas

proposições urbanas e ambientais, visto que a cidade é dinâmica e necessita de

reconsiderações sistematicamente. Como a urbanização promove a impermeabilização do solo

impedindo infiltrações e dificultando escoamentos, há que se trabalhar políticas como a

conscientização e educação ambiental, projetos de drenagem urbana, aplicação e fiscalização

da legislação federal para proteger as áreas de preservação ao longo de rios e ribeirões. A

constatação do crescimento urbano em direção às áreas altas precisa ser considerada pelo

planejamento urbano local já que acarreta sim, maiores e sérios problemas ambientais e de

atendimento com as infra-estruturas urbanas, que chegam sempre posteriores num processo de

ações sempre curativas e não preventivas.

Em relação à Legislação Urbana, recomenda-se uma ampliação dos serviços de

fiscalização das áreas de preservação permanente, com a utilização de instrumentos definidos

pelo Estatuto das Cidades para o tratamento das áreas já consolidadas. Projetos técnicos de

engenharia e planejamento urbano são recomendados para o não comprometimento da vazão

das microbacias. Salienta-se também como importante o envolvimento da UNIDAVI, mais

especificamente os cursos de Ecologia e de Direito, no trato das questões ambientais e legais.

O perímetro urbano só deve ter seu espaço ampliado após rigorosa análise de custo

benefício. A prática do aumento do perímetro urbano, visando exclusivamente à maior

geração de impostos, tem que ser eliminada.

A questão do Uso do Solo pode ser implementada com a valorização das

singularidades locais. Com bairros como Albertina e Bela Aliança com características

culturais e arquitetônicas alemãs; Itoupava e Valada São Paulo, típicos da comunidade

italiana; Canoas, com alta cota de inundação; Taboão, Bela Aliança e Fundos Canoas, com

recursos paisagísticos significativos; recomendamos a criação de parques urbanos que

poderiam atender a questão da preservação ambiental e cultural, interferindo qualitativamente

no redesenho do solo, definindo regras minimizadoras de conflitos em futuros assentamentos

urbanos e proporcionado melhoria na qualidade de vida em geral.

Em relação à verticalização, há que se trabalhar na diminuição do alto gabarito

vigente na legislação atual, para que, amparado no já referido Estatuto das Cidades, o poder

público possa conduzir a negociação da transferência do potencial construtivo, visando a

sustentabilidade de políticas públicas dirigidas à cidade.

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Na escala regional, o meio rural precisa da reconstituição do que for possível de sua

vegetação nativa, extraída ao longo dos anos, bem como do controle e do manejo ambiental,

para poder suportar e conter parte das águas das chuvas, minimizando enchentes. A cidade de

Rio do Sul, por situar-se no encontro de dois grandes vales, tem sua vulnerabilidade

aumentada e a população precisa entender que as enchentes fazem parte da vida natural dos

rios adaptando-se, e não aumentando o problema, ocupando indevidamente áreas baixas. O

comportamento do ser humano é que precisa ser administrado e há que se trabalhar a

responsabilidade coletiva nas ações de ocupação dos espaços, visando uma gestão autônoma

da bacia hidrográfica. As minimizações de os problemas com enchentes passam por um

processo sustentável de gestão da bacia hidrográfica.

É importante explorar o potencial cênico dos rios que precisaram impressionar para

serem notados e temidos pela população. Este desrespeito aos leitos e esta visão temerosa

precisa transformar-se em diminuição da distância homem/rio. Interagindo corretamente e a

favor da paisagem, o homem precisa voltar a sentir os rios que devem ser aproveitados

pasagísticamente na moldura urbana e como complemento ao cenário turístico local e

regional. Como elemento de fruição pela população, que conscientizada e vislumbrando

possibilidades de contemplação e lazer ao longo de seus leitos, poderia ajudar nos projetos de

despoluição destes.

Maior conscientização e educação ambiental se fazem necessárias. A paisagem

precisa de cuidados e, como nó estruturador do Alto Vale do Itajaí, a antiga Bella Alliança,

hoje Rio do Sul, precisa voltar a ser Bela.

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ANEXOS

ANEXO 1 – Entrevista com Governador Esperidião Amim............................................ 113

ANEXO 2 – Recortes do Jornal: O Estado de 14/07/83................................................... 114

ANEXO 3 – Relatório das perdas e danos de Rio do Sul jul/1983 .................................. 118

ANEXO 4 – Mapa do DNAEE – Zoneamento de Áreas inundáveis na Bacia do Rio

Itajaí-Açu .................................................................................................... 119

ANEXO 5 - Lei da Criação do Conselho da Reconstrução do Estado de Santa

Catarina........................................................................................................ 120

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ANEXO 1 - Entrevista com Governador Esperidião Amim

data:07/12/00

Entrevistado: Governador Esperidião Amim Hellou Filho.

Como o senhor vê a vulnerabilidade do estado de Santa Catarina frente as enchentes?

Não vejo como vulnerável o estado, está muito rico veja aquele mapa é o mapa das bacias , nossas, hidrográficas, é a grande riqueza do estado, é o que nós temos que cuidar é para não darmos uso inadequado para o nosso solo, não sei se você tem, mas se não tem arranja com alguém, eu tenho só um exemplar do Atlas que nós fizemos em 1986 do Estado de Santa Catarina é um trabalho fantástico e lá tem o mapa das áreas inundáveis de algumas cidades catarinenses. O que não pode é o Plano Diretor de uma cidade permitir a construção em área inundável. O estado não é vulnerável, vulnerável é a cobiça do ser humano que vai ocupar aquilo que é a área do pulmão. Que qual é o tamanho de um rio? Depende ...na sêca ele tem uma certa dimensão, na média ele tem outra dimensão e na época das cheias ele tem uma maior dimensão. Se você construir dentro da área de alagamento você é vulnerável??? não...você construiu no lugar errado. Seria a mesma coisa que o sujeito não acreditar que existe maré de 7 anos, a chamada Maré de Sicigia, garanto que você não sabia que existe isso, e construir uma casa num lugar onde ele acha que a maré não chega, mas chega. A maré alta é um fenômeno ainda mais agora com o degelo essas coisas todas. O que existe é imprevidência, não existe vulnerabilidade, e o estado de Santa Catarina, acho que já aprendeu o suficiente para não deixar de perceber que a próxima será a maior inundação. Por isso nós temos que preservar. São ações não estruturais aquelas que decorrem do disciplinamento do uso do solo, aquelas que podem nos tornar menos vulneráveis. No mais é projeto de Micro Bacias1, Micro Bacias 2, todo esse esforço em favor da natureza, os projetos de reflorestamento, de repovoamento de agricultura orgânica, de desenvolvimento sustentável, que vão nos ajudar a reduzir as vulnerabilidades que nós criamos, nenhuma foi criada pela natureza, foi criada pelo mau uso do solo, pelo desmatamento. Você tem hoje de 7 a 8% da Mata Atlântica, então se imagina o que levamos, e é o Estado vulnerável? Não o estado ficou mais vulnerável por causa da ação urbana. Cabe uma restruturação, projetos estruturais, de micro bacias, pequenas providências com contenção, eventualmente diques e muito plano não estrutural, que é o que não custa nada mas que impede que se faça uma bobagem...e a natureza cobra!

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ANEXO 2 - Recortes do Jornal: O Estado de 14/07/83

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ANEXO 3 – Relatório das perdas e danos de Rio do Sul jul/1983.

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ANEXO 4 - Mapa do DNAEE – Zoneamento de Áreas inundáveis na Bacia do Rio Itajaí-Açu

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ANEXO 5 - Lei da Criação do Conselho da Reconstrução do Estado de Santa Catarina

LEI N. 6.256, de 26 de Julho de 1983 Procedência - Governamental Natureza - PL- 73/83 D.O. 12.267 de 29/07/83 Fonte - ALESC/Div.Documentação Institui o Programa Especial de Reconstrução do Estado de Santa Catarina, e estabelece outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º - Fica instituído o Programa Especial de reconstrução do Estado de Santa Catarina,

observadas as diretrizes e normas da presente Lei. Art. 2º - Fica criado o Conselho Extraordinário de reconstrução do estado de Santa Catarina,

como órgão especial, transitório e deliberativo, de consulta e apoio ao Governador do estado na definição de políticas e fixação de prioridades, visando à reconstrução da vida social e econômica catarinense.

Parágrafo único – No Conselho, presidido pelo Governador do Estado, terão assento: I – os ex-Governadores do Estado; II – O Vice-Governador do Estado; III – O presidente da Assembléia Legislativa; IV – o Presidente do tribunal de Justiça; V – dois parlamentares federais, indicados pelas respectivas bancadas no

Congresso Nacional; VI – dois parlamentares estaduais, indicados pelas respectivas bancadas na

Assembléia Legislativa; VII – quatro prefeitos municipais, escolhidos paritariamente, pelos respectivos

partidos políticos; VIII – os presidentes dos Diretórios Regionais dos Partidos Políticos; IX – os Presidentes das federações da Indústria, do Comércio e da Agricultura e o

Presidente da Organização das Cooperativas do estado; X – os Presidentes das Federações dos Trabalhadores na Indústria, no Comércio,

na Agricultura, e na Indústria da Construção Civil; XI – o Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina; XII – o Presidente da Associação Catarinense de Fundações Educacionais; XIII – um representante de cada uma das confissões religiosas; XIV – os Presidentes da Secção estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, do

Conselho Regional de Medicina, do Conselho regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, do Conselho regional de Economia e do Conselho regional de Assistentes Sociais;

XV – um representante do Governo Federal; XVI – o Secretário de Estado Extraordinário de que trata esta Lei; XVII – o Presidente do tribunal de Contas do Estado; e XVIII– outros representantes da sociedade civil, mediante convocação do Conselho.

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Art. 3º – Os Secretários de Estado, os dirigentes de órgãos federais e da administração indireta

estadual, participarão das deliberações do Conselho sempre que solicitarem ou forem convidados.

Art. 4º - O Conselho Extraordinário de reconstrução do estado poderá funcionar com câmaras

ou comissões específicas, sendo uma câmara de natureza especial, integrada pelo ex-Governadores do Estado.

Art. 5º - O funcionamento do Conselho Extraordinário não acarretará quaisquer ônus para o

Estado. Art. 6º - Fica criado o cargo de Secretário de Estado Extraordinário para a reconstrução de

Santa Catarina.

§ 1º - Compete ao Secretário Extraordinário: I – auxiliar o Governador do estado na tarefas de supervisão, coordenação, controle e avaliação das ações inerentes ao Programa Especial de Reconstrução do Estado de Santa Catarina. II – secretariar executivamente o funcionamento do Conselho Extraordinário de Reconstrução; III – propor prioridades e soluções para a decisão final do Chefe do poder Executivo, relativamente aso planos de aplicação dos recursos destinados ao Programa de Reconstrução; e IV – exercer outras atribuições determinadas pelo Chefe do Poder Executivo, decorrente da aplicação desta lei.

§ 2º - Decreto do Poder Executivo disporá sobre organização estrutural do gabinete

do Secretário Extraordinário, bem como sobre o remanejamento de cargos, em caráter transitório, e a requisição de pessoal, equipamentos e material de consumo ou permanente e espaço físico, independentemente de indenização, aos órgãos da administração direta, indireta e funcional do Estado, necessários à sua operação.

Art. 7º – Fica criado um cargo de Secretário-Adjunto Extraordinário, DASU-5, que será

extinto com a desativação do gabinete do Secretário Extraordinário de Reconstrução do Estado.

Art. 8º - às despesas necessárias ao funcionamento do Gabinete do Secretário Extraordinário

de Reconstrução do Estado, neste exercício, correrão à conta das dotações orçamentárias do gabinete do Governador do estado.

Art. 9º - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a:

I – criar, no orçamento em execução, os projetos e/ou atividades necessários à implantação do programa especial de Reconstrução do estado de Santa catarina e baixar demais atos necessários à execução da presente Lei;

II – criar unidades colegiadas, microrregionais ou municipais, com a participação das prefeituras municipais e da comunidade, para auxiliar e apoiar a execução do Programa Especial de Reconstrução do Estado;

III – transformar, mediante lei específica, a autarquia Programa Especial de Apoio à Capitalização de Empresas (PROCAPE) em empresa de participações societárias; e

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IV – modificar transitoriamente, a vinculação de órgãos centrais da administração direta e das entidades da administração indireta ou fundacional do estado, independentemente das áreas de competência previstas na Lei nº 5.089, de 30 de abril d 1975, com suas alterações.

Parágrafo único – As unidades colegiadas municipais serão presididas pelo Prefeito Municipal ou pessoa por ele indicada.

Art. 10 – O Governador do Estado encaminhará ao Poder Legislativo as proposições

suplementares que se fizerem necessárias à execução do programa Especial de Reconstrução, instituído pela presente Lei.

Art. 11 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 12 – Ficam revogadas as disposições em contrário.

Florianópolis, 26 de julho de 1983

ESPERIDIÃO AMIN HELOU FILHO Governador do Estado

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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA DAS ENCHENTES DE 1983

MARISTELA MACEDO POLEZA

BLUMENAU

2003