mário murteira o desenvolvimento industrial português e a...

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Mário Murteira O desenvolvimento industrial português e a evolução do sistema económico A industrialização não garante, necessa- riamente, o desenvolvimento económico, me- nos ainda o progresso social. Em Portugal, caminham com lentidão excessiva aqueles sectores industriais que, à escala mundial, se revelam mais progressivos. É-se por- tanto, obrigado a pensar em condições que permitam, mediante técnicas de planeamento indicativo mais aperfeiçoadas, induzir as preferências de estrutura industrial indis- pensáveis ao processo de desenvolvimento e de progresso. 1 — É hoje uma ideia perfeitamente aceite pelas elites do País o reconhecimento de que o progresso social português está intimamente dependente do desenvolvimento da indústria. Não se duvida sequer de que ele seja possível; quando muito, duvidar-se-á da possibilidade de esse desenvolvimento se processar a um ritmo relativamente rápido. Nestes termos genéricos e banais, a ideia de industrialização surge confusamente associada à de desenvol- vimento económico e esta, por sua vez,, de forma ainda menos clara, à de progresso social. Ora, não cremos que necessariamente a in- dustrialização garanta um efectivo desenvolvimento económico e, muito menos, que aquele desenvolvimento seja sinónimo de pro- gresso social. O objectivo deste artigo é exactamente o de propor uma reflexão em torno destas possíveis incompatibilidades no caso português, partindo da observação da nossa experiência recente de desenvolvimento industrial. 2 Antes do mais, é necessário um prévio esclarecimento terminológico, que implica profundas distinções no campo da teoria do desenvolvimento económico. Os conceito® que iremos uti- lizar são os que se tomaram correntes no actual pensamento 483

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MárioMurteira

O desenvolvimentoindustrial portuguêse a evoluçãodo sistema económico

A industrialização não garante, necessa-riamente, o desenvolvimento económico, me-nos ainda o progresso social. Em Portugal,caminham com lentidão excessiva aquelessectores industriais que, à escala mundial,se revelam mais progressivos. É-se por-tanto, obrigado a pensar em condições quepermitam, mediante técnicas de planeamentoindicativo mais aperfeiçoadas, induzir aspreferências de estrutura industrial indis-pensáveis ao processo de desenvolvimento ede progresso.

1 — É hoje uma ideia perfeitamente aceite pelas elites doPaís o reconhecimento de que o progresso social português estáintimamente dependente do desenvolvimento da indústria. Não seduvida sequer de que ele seja possível; quando muito, duvidar-se-áda possibilidade de esse desenvolvimento se processar a um ritmorelativamente rápido. Nestes termos genéricos e banais, a ideiade industrialização surge confusamente associada à de desenvol-vimento económico e esta, por sua vez,, de forma ainda menos clara,à de progresso social. Ora, não cremos que necessariamente a in-dustrialização garanta um efectivo desenvolvimento económicoe, muito menos, que aquele desenvolvimento seja sinónimo de pro-gresso social. O objectivo deste artigo é exactamente o de proporuma reflexão em torno destas possíveis incompatibilidades no casoportuguês, partindo da observação da nossa experiência recentede desenvolvimento industrial.

2 — Antes do mais, é necessário um prévio esclarecimentoterminológico, que implica profundas distinções no campo dateoria do desenvolvimento económico. Os conceito® que iremos uti-lizar são os que se tomaram correntes no actual pensamento

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económico francês, na esteira sobretudo dos trabalhos de FrançoisPERROUX1. Aliás, eles encontram-se também de algum modopresentes em autores de língua inglesa, nomeadamente, A. O.HlRSCHMAN.

à expressão «desenvolvimento industrial» não iremos atribuirqualquer significado diferente do usual: aumento da participaçãodo produto industrial (actividades secundárias) no produto global,concomitante com uma progressiva diversificação de estrutura in-dustrial existente. Simplesmente, iremos interessar-nos, comalgum detalhe, pelo estilo ou «pattern» de desenvolvimento indus-trial observável no caso português, isto é, pelo desenvolvimentoestrutural da nossa indústria transformadora, tendo aqui presentescertos estudos feitos à escala internacional por H. CHENERY e or-ganismos dependentes da O.N.U.

Por desenvolvimento económico entenderemos o processo detransformações nas mentalidades, nas relações entre grupos so-ciais e nas instituições capazes de assegurar, de forma durável,o crescimento do produto em termos reais. O simples aumento doproduto real traduzirá um período de crescimento económico, si-multâneo ou não com o desenvolvimento atrás definido. Uma de-terminada economia poderá atravessar assim, logicamente, umafase de crescimento—-por exemplo, em consequência do aumentodas exportações dum produto ou grupo de produtos fundamentaisno seu comércio externo — sem que tenha sido observável umdesenvolvimento paralelo.

Finalmente, introduziremos o conceito de progresso socialmediante o recurso a elementos de ordem doutrinária. Assim, dire-mos que existe progresso social quando a sociedade se transformade molde a facilitar a mais completa personalização de todos osindivíduos que a compõem: são condições de progresso a extensãoao grande número das oportunidades de acesso aos bens mate-riais e espirituais e a multiplicação destes bens2.

3 — É importante, como se vai mostrar, aprofundar a usuale vaga referência à industrialização ou ao desenvolvimento indus-trial, através da caracterização do estilo ou «pattern» desse desen-volvimento. Não é indiferente que o desenvolvimento industrialduma economia se processe mediante a expansão de indústriasde exportação ou indústrias que substituam importações, de in-dústrias intensivas em trabalho ou de indústrias intensivas emcapital, enfim, de indústrias de tecnologia pouco complexa e semgrande ritmo de formação ou, ao invés, de tecnologia altamenteevoluída e sujeita a elevada taxa de progresso.

1 Vd., por exemplo, «Qu'est-ce que le développement?», separata darevista Mudes, Janeiro de 1961.

2 fi evidente que a exposição duma doutrina de progresso social,devidamente fundamentada, não é compatível com os propósitos deste artigo.

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A industrialização moderna assenta em indústrias motrizesque podem caracterizar-se da seguinte maneira:

Correspondem a uma procura de expansão muito acentuada;Utilizam tecnologias altamente progressivas;Mantêm densas relações de interdependência na estrutura

industrial e ocasionam diversos efeitos multiplicativos no con-texto económico3;

Exigem normalmente elevadas dimensões fabris.Saliente-se que não é possível ainda, nem talvez faça sentido,

uma enumeração concreta de indústrias que devem ser considera-das como motrizes. A multiplicidade dos aspectos a atender é, porum lado, impeditiva duma quantificação total; por outro lado,seria perigoso ligar demasiadamente o carácter motriz de certasindústrias às condições tecnológicas, gerais e independentes docontexto económico de cada país4. Seja como for, não se ignoraque o desenvolvimento industrial moderno está largamente depen-dente dos sectores siderúrgico, mecânico e químico. No futuro,é natural que a utilização industrial da energia atómica e asactividades ligadas à chamada conquista espacial venham a assu*mir progressivo relevo.

Nestas1 condições, e sem aprofundar uma análise que aquiinteressa apenas evocar a título introdutório, poderá pôr-se oproblema de saber de que modo um país duplamente pequeno emtermos económicos, como é Portugal5, poderá adaptar a sua es-trutura industrial às exigências da indústria moderna. Na ver-dade, se indústrias tradicionais como as conservas de peixe, astêxteis, as indústrias de cortiça desempenharam, e continuarãoprovavelmente a desempenhar, uma função apreciável no nossosistema económico, serão outras indústrias que no futuro poderãoconstituir o elemento propulsávo, dinamizador, da economia; aliás,não se ignora que num passado recente se têm expandido sectoresnão tradicionais, como se referirá adiante. Tudo está em tomarnoção exacta do desfazamento observável na estrutura do nossodesenvolvimento industrial e extrair as implicações do facto aonível do sistema económico global.

-i Efeitos sobre actividades, rendimentos, investimentos e preços-custos.Alguns destes efeitos podem ser observados, sem introdução d'a dimensãoespacial, em termos de análise inter-industrial. Outros integram-se na ópticada economia regional e correspondem à teoria dos pólos de desenvolvimento.

De notar ainda que, no texto, se fala de indústrias motrizes e não deempresas motrizes, conceito que interessa para outro tipo de problemas.

4 É de notar, todavia, que um economista dinamarquês, RASMUNSSEN(Studies in intersectoral relations) tentou medir alguns dos efeitos da in-dústria motriz através da consideração de certos coeficientes obtidos a partirda m'atriz inversa. A dificuldade prática destes coeficientes resulta da escas-sez de matrizes inversas calculadas com suficiente desagregação.

5 Pequeno em população e em rendimento por habitante.

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n4 — A função dinamizadora desempenhada pela indústria na

evolução económica portuguesa (Continente) é claramente reve-lada pelos seguintes números: no período 1953-61, o produto dosector secundário a preços constantes aumentou cerca de 10 %em média anual, enquanto o produto do sector primário se elevoua menos de 0,9 % por ano e o do sector terciário aumentou cercade 7 % também em média anual. Sabe-se que a partir de 1961se notou uma contracção na actividade económica nacional, parti-cularmente saliente em 1962, de que a indústria transformadoraainda não parece ter-se inteiramente libertado. Tal situação deve--se a factores conhecidos, de natureza extra-económica, pelo queas nossas considerações não tomarão em conta a evolução poste-rior a 1961.

Sendo assim, e embora os números da nossa contabilidadenacional mereçam em alguns aspectos fundadas reservas, não é depôr em dúvida o facto de o crescimento económico portuguêsestar grandemente na dependência do crescimento do produto daindústria. A partir desta primeira observação interessará ver,no entanto, como poderão avaliar-se, não em termos absolutosque pouco sentido fazem, mas relativamente a outros paAses emvias de desenvolvimento o® ritmos e a estrutura do nosso desen-volvimento industrial. Para esse efeito, dispomosi de grande nú-mero de elementos estatísticos contidos na publicação da O.N.U.,«Patterns of industrial growth». Para Portugal, recorreu-se aosdados do Inquérito Industrial do I.N.E. e aos índices de produçãoda A.I.P.6.

5 — Por comodidade de exposição, vamos considerar doisgrandes grupos de indústrias, tal como se procedeu na referidapublicação da O.N.U.:

Indústrias ligeiras, correspondentes às classes 20-26, 28-30e 39 da C.I.T.A. e abrangendo os seguintes sectores: alimentação,bebidas e tabaco, têxteis, têxteis em obra, vestuário e calçado,madeira e mobiliário. Duma maneira geral, trata-se de indústriaspouco intensivas em capital, de feição tradicional e de tecnologiarelativamente pouco progressiva.

Indústrias pesadas, correspondentes às classes 27 e 31-38 daC.I.T.A. e abrangendo: papel e artigos de papel, químicas e petró-leo, minerais não metálicos, metalurgia de base e indústrias mecâ-nicas. É neste conjunto que se situam as indústrias mais carac-

« Vamos seguir aqui, de perto, algumas passagens do trabalho querealizámos em colaboração com Maria Odete VITAL. Perspectivas do desen-volvimento industrial português, I.N.I.I., 1962, policopiado.

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terísticas do progresso industrial moderno; por outras palavras,é nele que se inserem as indústrias que atrási designámos por mo-trizes.

O nosso objectivo será o de comparar a estrutura industriale as tax&3 de aumento da produção industrial portuguesas, se-gundo aquela classificação, com um certo número de países orde-nados consoante o grau de industrialização 7.

O Quadro I permite-nos uma primeira comparação de estru-turas. Os países da Classe I são os mais industrializados, encon-trando-se Portugal incluído na Classe Hl juntamente com o Chile,o México, a Venezuela, o Japão, a Espanha e a Jugoslávia; aClasse IV abrange a Grécia, a Turquia e grande parte dos paísese territórios da América Latina, África e Ãsia.

Estrutura do produto industrial por paises classificados segundo o graude industrialização

QUADRO I

Países

PortugalMundo ..,Classe IClasse IIClasse IIIClasse IV

58,440,

41,341,764,0

41,659,5

38,8 61,258,758,336,0

19,013,211,918,513,323,8

17,47,36,18,2

12,916,0

4,65,35,54,83,06,8

©o

1

9,24,54,24,05,1

3,03,84,03,23,01,5

3,54,65,12,2

1*3*

10,412,211,715,215,512,7

7,84,03,74,75,3

0,36,96,4

11,110,33,6

20,132,635,4

24,212,3

Fonte: Perspectivas do deseni>olvimento industrial português, op. cit.O sinal — indica inexistência de informação para os respectivos sectores.

A primeira observação importante a recolher do Quadro Irefere-se à importância relativa do grupo «indústrias pesadas»na estrutura industrial portuguesa. A percentagem correspondenteàquelas indústrias no produto industrial global do nosso Paísé inferior à observável nas três primeiras classes de países; apenasos países subdesenvolvidos da classe IV apresentam uma partici-pação menor das indústrias pesadas1 na estrutura industrial.

Se se efectua uma comparação por classes, verifica-se umadependência relativamente muito grande, na nossa indústria, emrelação aos sectores alimentar, têxtil e da madeira,, enquanto, aoinvés, se nota um «subdesenvolvimento» das indústrias1 químicas

7 O «grau de industrialização» é medido neste contexto pela capitaçãodo valor acrescentado pela indústria transformadora, em dólares, em 1953.

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e da metalurgia de base e também, ainda que menos acentuado,das indústrias mecânicas.

Aliás, no que se refere ao grupo das pesadas, o Quadro IIpermite observar os atrasos relativamente importantes do nossodesenvolvimento industrial (com excepção do papel e artigos depapel). Isto é: no nosso País, no período em referência, pareceobservar-se, tanto em termos estruturais mi estáticos, como di-nâmicos, um atraso relativo no desenvolvimento dos sectoresindustriais mais modernos e progressivos.

Indústrias «pesadas»

Taxas médias anuais de aumento da produção (1953-58) *

QUADRO II

Países Totalpesadas

Papele art.

de papel

Quími-cas ePetró-

leo

Mine-rais nãometáli-

cos

Meta-lurgia

de baseMecâ-nicas

Portugal (1953-59)MundoClasse IClasse IIClasse IIIClasse IV

9,53,62,58,6

13,510,1

28,55,24,69,2

10,512,4

8,36,85,6

10,012,67,7

7,14,63,27,6

10,49,4

1,2— 0,6

11,110,97,1

(a) 14,82,81,97,1

16,«x14,2

* Mesma fonte do Quadro I.(a) Conjunto das metalúrgicas e mecânicas.

Duas críticas, de desigual importância, podem ser feitas aesta análise comparativa:

Os números apresentados são falíveis e respeitam a um pe-ríodo curto; por outro lado, é sabido como o desenvolvimentoindustrial português se acelerou nos anos 60/61. Julgamos quea vastidão dos dados estatísticos sintetizada nos dois quadrospermite uma comparação válida quanto às tendências muito geraisque nos interessa aqui considerar. Quanto ao outro aspecto, o queestá em causa é precisamente mostrar a necessidade de reconstituirtaxas de aumento da produção industria] da ordem observada nosanos anteriores a 1962 que, infelizmente, não tiveram conti-nuidade.

Uma crítica doutra natureza e maior profundidade poderá sera seguinte: que no® garante a possibilidade e conveniência de Por-tugal se industrializar segundo o padrão — embora definido emtermos muito genéricos — observável à escala mundial? Ou, poroutras palavras: não será defensável ou talvez simplesmente ne-cessária a industrialização assente em actividades de fraca inten-sidade de capital, mais ou menos tradicionais e portanto distintas

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das que, in abstracto, considerámos como motrizes? A respostacorrecta que, para muitos espíritos será já perfeitamente clara,parece residir no seguinte: o crescimento económico portuguêssó poderá atingir o ritmo necessário, no contexto europeu e mun-dial, a partir dum desenvolvimento industrial predominantementeassente nas indústrias não tradicionais, grosso moído correspon-dentes às que até agora denominámos — embora imperfeitamente— por indústrias pesadas. É necessário extrair algumas conse-quências desta afirmação, pois que para uns ela será exclusiva-mente banal e, para outros, ainda carecerá da devida demons-tração.

6 — Uma preferência de estrutura no que se refere ao desen-volvimento industrial de determinada economia só poderá ser rigo-rosamente definida, em concreto e com suficiente minúcia, noquadro do planeamento económico. Fora disso, num campo maisabstracto e genérico como aquele em que agora nos colocamos,apenas será possível uma orientação em grandes linhas, por exem-plo, em termos de «ênfase nas indústrias tradicionais» versus«ênfase nas indústrias modernas», opção que de forma simplistaacabámos de formular. Feita esta ressalva, importa em todo o casopormenorizar mais a questão.

Um estudo feito por H. CHENERY com base em dados estatís-ticos referentes a numerosos países 8 permitiu àquele Autor algu-mas conclusões que terá interesse registar.

CHENERY concluiu, entre outros factos, que a industrializaçãono século XX se encontra sobretudo correlacionada com a substi-tuição de importações, à medida que o rendimento se eleva e cres-cem o capital e a técnica nacionais, ao contrário do que sucedeuno século XIX em que — segundo a terminologia de ROSTOW — os«growth-sectors» estiveram fundamentalmente ligados a modifi-cações do lado custos-oferta. Por outro lado, as características doprocesso de substituição de importações relacionam-se com asdisponibilidades de cada país em recursos naturais. Países rela-tivamente abundantes nesses recursos, como a Nova Zelândia, aDinamarca e a Costa Rica tendem a produzir relativamente menosmáquinas, material de transporte, produtos químico^, têxteis emetais, enquanto exportam comparativamente mais produtos pri-mários. Relembre-se, em último lugar, que a exígua dimensão dumpaís não tem impedido o desenvolvimento das indústrias do tipodas que designámos por motrizes; assim o demonstram, por exem-plo, as experiências da Bélgica, Suíça e Áustria. Este facto écompreensível facilmente, desde que se atente no seguinte: as van-tagens das economias de escala podem ser obtidas pelos países eco-

s «Patterns of industrial growth», American Economic Revievc, Setem-bro de 1960.

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nòmicamente pequenos desde que conquistem posições nos merca-dos externos; o mercado interno pode ser, nalguns casos, suficientepara atingir as dimensões óptimas desde que o número de unida-des fabris não seja excessivo.

Destas considerações de ordem geral podemos regressar àobservação, agora mais minuciosa, do caso português, deduzindoos seguintes princípios que se nos afiguram particularmente im-portantes:

O desenvolvimento industrial português baseado em sectoresnão tradicionais estará, ao menos de início, condicionado pelaspossibilidades de substituição de importações, tal como se temobservado em globo à escala mundial.

Comércio de produtos por sectores industriais * (média 1958-60)

QUADRO III

Sectores industriais

Minerais não metálicosPapel e art. de papel ...QuímicasMetalúrgicas de base ...Produtos metálicosMat. de transporteMaq. e mat. eléctrico ...

Total

Importações(1)

Valor(1000

contos)

82202

15931701

33314032 1887 502

Índice1960=100

139161246285210220208229

Exportações(2)

Valor(1000

contos)

182159747

16742

1871.482

índice1948/50=100

151801181

215155351210

2/1X100

2207847

5039

20

* Mesma Conte do Quadro I.

O facto de Portugal constituir um país economicamente pe-queno ° não origina obstáculo insuperável a priori.

A escassez de recursos naturais do nosso País não permiteadmitir a médio e longo prazo um equilíbrio nas relações com oexterior largamente assente em exportações de produtos primários.

Dado isto, justifica-se uma primeira comparação entre im-portações e exportações metropolitanas correspondentes aos pro-dutos originados pelas indústrias que anteriormente classificá-mos como pesadas.

No período em referência, verifica-se que as importações cor-respondentes às industrias consideradas aumentaram ligeiramentemais do que as exportações da mesma origem. Simplesmente, apercentagem de cobertura das importações pelas exportações éapenas de 20 %; a contribuição destes sectores para o défice da

o A referência ao mercado ultramarino será oportunamente feita.

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balança comercial da Metrópole foi, em média, nos anos 58/60, daordem dos 6 milhões de contos. Será de admitir, a longo prazo,uma correcção deste desequilíbrio através d,o desenvolvimento dasexportações das restantes indústrias? Sem dúvida que essas ex-portações poderão atenuar o desequilíbrio; mas o que parece estarfundamentalmente em aberto é um processo maciço de substitui-ção de importações. O crescimento rápido de certas importaçõesde produtos industriais encontra-se claramente descrito no Qua-dro IV. Embora só ao mível do projecto concreto se possa averi-guar da viabilidade da substituição dalgumas das importações,é evidente a reladonação entre o atraso no desenvolvimento decertos sectores da nossa indústria, anteriormente registado, e esteaspecto nuclear do nosso desequilíbrio externo.

Valor de algumas Importações de produtos industriais e seu crescimento *

QUADRO IV

ProdutosValor

Média 58/60(1000 contos)

Índice(1960 = 100)

Produtos químicos orgânicosMatérias plásticas (a)Fibras artificiais e sintéticasPólvoras, explosivos e art. pirotécnicosProdutos de perfumaria (&)Chumbo fundidoCobre e suas ligasFolha-de-flandres simplesFerramentas e utensílios diversosAlumínio e suas ligas em obraMat. fixo para caminhos de ferro exc. carrisAeronaves e peças separadasTractores e peças para tractoresMotocicletas e velocípedesPeças separadas de automóveis e outros veículosApar. e máq. agrícolas e, p.a a ind. de lacticíniosMáq. de costura para usos domésticosEscavadorasAspiradores e enceradorasMáquinas estatísticas (c)Aparelhos radioeléctricos receptores ,Frigoríficos

80278139221937

23418668171024

10252855434281567

19084

376773

1104786407320377803310413422

5 380349404318403392

6 744375410598469

• Importações assumindo em média na triénio 1958/60 um valor igual ou supe-rior a 10 000 contos e cowú in&íces de crescimento iguais ou superiores a 300.

Mesma fonte do Quadro I.(a) Inclui: matérias plásticas ou artificiais © respectivas obras, resinas artificiais

& borracha sintética.(b) Inclui: produtos 3© perfumaria,, preparados para conservar, limpar e polir

metais, etc., sabão e sabonetes, sulíorricinatos e análogos.(c?) Inclui: máquinas estatísticas, máquinas de escrever, duplicadores ô máqui-

nas de calculai*.

w

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Embora os elementos contidos no Quadro IV sejam necessa-riamente imperfeitos, do ponto de vista estatístico10, revelam quetambém entre nós se tem observado um rápido crescimento daprocura de certos produtos industriais. A verdade, porém, é quesegundo toda a verosimilhança esse crescimento seria ainda maiorse, paralelamente, TIO período considerado, o ritmo de desenvol-vimento industrial tivesse também sido superior. Ganham, nestesentido, especial significado as observações feitas num relatórioda Comissão Económica para a Europa, relativamente ao desenvol-vimento industrial dos países da Europa Meridionaln:

«É também provável que a substituição de importações seproduzirá em grande escala para os bens de equipamento [nospaíses da Europa Meridional]. Se as exportações não constituemuma parte suficiente, e de preferência crescente, do produto na-cional, e se não se dispõe de outros meios de aumentar rapida-mente as entradas de divisas, todo o esforço de aumentar a partedos investimentos industriais — condição prévia de uma expansãomais rápida — deve, cedo ou tarde, mas sem dúvida em prazocurto, encontrar a barreira que as disponibilidades em divisasopõem às importações de máquinas. É assim que a vigorosa cam-panha de industrialização na Jugoslávia só foi, possível graçasà prioridade atribuída à criação de indústrias de base de bensde equipamento, entre as quais figuravam numerosos tipos demáquinas e de aparelhagem. Entre 1948 e 1958, o investimentoglobal em aparelhagem e máquinas elevou-se a cerca de 3 milharesde milhões de dinars. Ora, durante este período, as exportaçõesde mercadorias1 só atingiram 800 mil dinars, ou seja menos de umterço do investimento em aparelhagem e máquinas. Sem um rápidodesenvolvimento das indústrias nacionais de bens de equipamento,um investimento tão considerável naquelas indústrias teria sidoimpossível, mesmo se todas as receitas provenientes das exporta-ções e todos os donativos e créditos estrangeiros tivessem sidoexclusivamente consagrados à importação de aparelhagem e má-quinas.»

7 — A discussão aprofundada das possibilidades de financia-mento das importações referidas através doutros componentesde balança de pagamentos da Metrópole exigiria um desenvolvi-mento que excede o âmbito deste artigo. Em todo o caso, algumasreferências sumárias se tornam necessárias para o prosseguimentoda análise. Sem esquecer o crescimento previsível de duas fontes

10 O ideal seria ,a apresentação de produtos relativamente próximosdo ponto de vista tecnológico, em cada grupo, o que nem sempre foi possívelrealizar. A selecção dos artigos, por outro lado, obedeceu, a um critériointeiramente discutível, embora lógico.

11 Étude SUÍ* Ia situation économique de VEurope en 1959, cap. VIU,pâg. 15.

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importantes de divisas, as remessas de emigrantes e as receitasdo turismo, há que ter em conta uma alteração estrutural que amais ou menos breve trecho se produzirá no âmbito da zona doescudo, relativamente às relações económicas entre a Metrópolee o Ultramar. Apenas um ponto desta complexa e delicada proble-mática — para o completo esclarecimento da qual, aliás», escasseiamos dados estatísticos — se pretende aqui abordar: a dependênciada Metrópole em relação ao Ultramar quanto às novas exporta-ções de produtos industriais.

O Quadro V fornece a necessária base estatística. Uma vezmais se consideram apenas as exportações dos produtos corres-pondentes aos sectores pesados da nossa indústria.

Os dados apresentados demonstram com exuberância as dificul-dades de penetração nos mercados externos das nossas produçõesnão tradicionais. E, no entanto, o processo de substituição de impor-tações que referimos só ganha todo o seu sentido na medida em quepermitir o arranque de actividades susceptíveis de, a curto ou médioprazo, sustentarem airosamente a concorrência da indústria estran-geira tanto no mercado interno como fora dele. Como se observa noQuadro V, na década em consideração, as exportações para ospaíses industrializados aumentaram apenas 75% em confrontocom um aumento de 159 % para o Ultramar; em média, no triénio1958/60, foi sensivelmente idêntico o valor das exportações emreferência orientadas para o Ultramar e para os países industria-lizados. No entanto, e aqui refere-se um ponto fundamental, a cor-rente de exportações Metropole-Ultramar foi efectuada ao abrigode protecções cuja subsistência futura é de justificação duvidosa;qualquer que seja o contexto em que decorram futuramente aque-las relações económicas, os interesses ligados à industrializaçãodos territórios africanos acabarão por prevalecer sobre os inte-resses da industrialização ia Metrópode. Nem sempre se terá to-mado devida consciência do facto: uma perdurável ligação econó-mica, orientada para os interesses comuns, e não parciais, entrea Metrópole e o Ultramar postula o desenvolvimento das indústriaspesadas metropolitanas em condições de manterem com os terri-tórios africanos correntes de trocas com justificação económicapara aqueles territórios, Seja como for, é sem dúvida falacioso,ao falar do desenvolvimento das nossas exportações industriais,considerar o mercado ultramarino como zona protegida segundoos interesses da indústria metropolitana. Donde se conclui, final-mente, a maior complexidade futura dos problemas ligados aodesequilíbrio externo da Metrópole.

i n

8 — É de afirmação corrente o reconhecimento da insuficiên-cia da taxa de crescimento económico da Metrópole — exceptuando

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Orientação das exportações de alguns produtos industriais por grandes regiões *

(Variação no valor entre 1948/50 e 1958/60 e repartição percentualem 1958/60)

QUADRO V

Sectores industriais

Minerais não metálicosPapel e artigos de papelQuímicasProdutos metálicosMaterial de transporteMáquinas e mat. eléctrico

Total

Países industrializados

Índice

4701070

142220

8440

175

Percenta-gem

35696482

14

46

Países nãoindustrializados

índice

1017 903

290415

13121

200

Percenta-gem

198

121325

11

Ultramar

Índice

116391394199503385

259

Percenta-gem

462324799681

43

Total

índice

151801181215155351

206

Percenta-gem

100100100100100100

100

* Considetram-se países «industrializados» os países da extinta O.E.C.E., o Canadá o os Estados Unidos.Mesma fonte do Quadro I.

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os dois anos já referidos — embora se tenda a afirmar, paralela-mente, o vigor do desenvolvimento industrial observado até 1961e revelado pelo crescimento dos índices de produção industrial.As nossas observações anteriores pretenderam demonstrar que háuma questão de preferência, de estrutura, no que se refere ao nossodesenvolvimento industrial, que carece de particular atenção; odesfazamento observado na estrutura daquele desenvolvimentoparece mostrar que os sectores mais dinâmicas e progressivosà escala mundial e, por outro lado, mais decisivos no que se refereao desequilíbrio externo, estão relativamente «subdesenvolvidos».A situação poderá então sintetizar-se nos seguintes termos: seo desenvolvimento industrial português, embora nítido, não temgarantido um suficiente crescimento económico — facto geral-mente reconhecido — ele não tem sido igualmente acompanhadode um desenvolvimento amplo do sistema económico. É esta afir-mação que passamos a demonstrar.

9 — Segundo as leis fundamentais do País, o sistema econó-mico baseia-se na iniciativa privada como principal motor do seudesenvolvimento12. Este princípio, no entanto, não impede umaextensa intervenção do Estado na vida económica, nomeadamentetraduzida — no campo que nos ocupa — por toda uma legislaçãoindustrial largamente condicionante de iniciativas dos particula-res. Por outro lado, é da simples evidência que se conclui a inope-rância daquela legislação — por muitos benefício® que eventual-mente tenha produzido — para assegurar o necessário desenvol-vimento estrutural da nossa indústria. Não é certamente possíveldefinir e implantar uma determinada preferência de estruturamediante as concepções em que foram baseadas as leis 2005 e 2052relativas à reorganização e condicionamento industriais. O cami-nho é evidentemente outro e também compatível com os funda-mentos legais do sistema: simples matéria de planeamento econó-mico. Se assim é, e se admitirmos que o desenvolvimento é, emparte, questão de transformações wstitucioncds, chega-se à con-clusão de que o aperfeiçoamento da experiência portuguesa de pla-neamento constituirá provavelmente, no momento actual, factorfundamental do nosso desenvolvimento. Resta determinar em quesentido esse aperfeiçoamento poderá ser orientado e que implica-ções acarreta na perspectiva mais ampla de progresso social, queinicialmente se mencionou13.

is Art. 4.° do Estatuto do Trabalho Nacional: «O Estado reconhecena iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso da economiada Nação. (...)»

13 isto, evidentemente, apenas no campo da indústria.

%95

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10 — É sabido que o carácter espontâneo dos movimentos deindustrialização desencadeados nalguns países ocidentais a partirdo século XVHI não encontra paralelo com os processos de desen-volvimento industrial actualmente em curso. A concorrência, emsentido amplo, actuando em certo contexto institucional e culturalfoi o grande factor da expansão do capitalismo industrial. É im-portante tomar consciência de que, por motivos vários e comple-xos, as forças inerentes àquela expansão não actuaram, ou agiramde forma diferente, no caso português. Valerá a pena relembraralguns desses motivos:

A escassez de empresários dotados de espírito de inovação,susceptíveis de constantemente imporem o progresso industrial;

A reduzida actuação de factores desequilibrantes como osseguintes: pressão do trabalho organizado sobre os salários, ten-dendo à racionalização da produção; concorrência externa no* mer-cado nacional; investigação aplicada à indústria.

Nestas condições, para que algum desenvolvimento se proces-sasse nas indústrias não tradicionais foi necessário que o Estadotomasse responsabilidades mais ou menos amplas no lançamentodessas actividades, ou por participações no capital, ou por emprés-timo, ou por garantias e incentivos de vária ordem que foram atéà concessão do exclusivo da produção, como no caso da siderurgia.No entanto, quer no primeiro quer no segundo Planos de Fomentonão se pretendeu estabelecer um programa coerente de desenvol-vimento industrial, embora o plano em vigor tenha já propostoalgumas medidas de carácter institucional relacionadas comaquele desenvolvimento, principalmente a criação do Instituto Na-cional de Investigação Industrial e do Banco de Fomento Nacional.Apesar de ter sido anunciado como plano intercalar e de transição,apenas para o período 1965-67, a verdade é que o plano que se pre-para actualmente parece ser concebido (ao menos no que se refereà indústria) em termos mais ambiciosos, pois que foram criadoscerca de 100 subgrupos por indústria que permitiram cobrir quasetoda a nossa estrutura industrial; além de ter havido substanciaisprogressos nas técnicas de planeamento utilizadas.

No entanto, e aqui supomos referir outro ponto fundamental,parece estar em aberto entre nós—tal como dalguma maneiranoutros países, nomeadamente em França, embora em menorescala — a definição das regras do chamado «diálogo» entre aadministração e as entidades privadas, desde que se entenda queum tal diálogo só poderá visar a definição e realização do interesseda colectividade14. Em termos talvez mais claros: o chamadoplaneamento indicativo pressupõe determinadas característicasquanto aos fundamentos e estruturas do sistema social que, em

14 E já não, por exemplo, dos interesses mais capazes de se faze-rem ouvir.

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larga mednda, se não encontram realizadas no caso português.Entre elas contam-se a eficiência da administração pública, a ade-quada representação dos diversos grupos sociais nos órgãos deplaneamento, a dimensão significativa dos sectores público e semi-púbiieo na economia, a capacidade de provocar a adesão da comu-nidade, no seu conjunto, aos objectivos do planeamento. Se assimé, podemos talvez afirmar o seguinte: o desenvolvimento económicoportuguês poderá ser acelerado, provavelmente, mediante o aper-feiçoamento da nossa experiência de planeamento no que se refereàs técnicas utilizadas e ao seu âmbito no campo industrial; o efec-tivo progresso social não é porém compatível com qualquer modode realizar um aperfeiçoamento como ficou acima entendido. Bastapensar que a racionalização do planeamento segundo os interessesdominantes — sem dúvida, em princípio, compatível com um pro-cesso de desenvolvimento — é diferente da racionalização confor-me ao interesse comum, definido pela administração pública apósa audiência dos vários interesses privados em presença.

11 —• A evolução dos sistemas económicos, mais geralmentedos sistemas sociais globais, não é ainda produto exclusivo daactuação consciente e racional da própria sociedade, mas anteso resultado da inter-acção de factores complexos, entre os quais^e contam o comportamento do poder político — este, por seuturno, longe de poder ser considerado uma variável independentefi assim que, para termo desta reflexão, se justifica a referênciaa um factor que já actua poderosamente sobre a dinâmica dasociedade portuguesa e que, possivelmente, maior influência viráa ter no futuro: a corrente emigratória para a Europa. Se o de-senvolvimento acelerado duma corrente deste tipo pode ser umfactor benéfico no sentido do desenvolvimento económico — comodemonstram, pelo menos, as experiências italiana e espanhola —a verdade é que pode igualmente manifestar-se tratamento dema-siado forte para uma sociedade incapaz de reagir às solicitaçõesdo progresso15. No caso português, é evidente que a única soluçãoverdadeiramente eficaz para a atenuação do deslocamento da mão--de-obra em busca de melhores condições de vida será a gradual,mas significativa, aproximação dos nossos níveis salariais em rela-ção aos europeus. Ora não cremos que essa aproximação possaresultar apenas ou principalmente duma correcção na repartiçãopessoal e funcional do rendimento; é matéria de desenvolvimentoindustrial e sobretudo daquelas indústrias que maiores remunera-ções permitem — as mais modernas e tecnologicamente evoluídas.Daí que o risco da rarefacção da mão-de-obra face ao insuficientedesenvolvimento industrial da economia seja um dos maiores desa-fios que a sociedade portuguesa actualmente defronta.

15 o caso extremo da Irlanda parece demonstrá-lo.