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A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO: ALGUMAS
REFLEXÕES SOBRE SUA ORIGEM E RELAÇÃO COM A QUESTÃO SOCIAL
Maricelly Costa Santos
RESUMO: O presente artigo objetiva expor e analisar a emergência do Serviço Social como
profissão, compreendendo o processo histórico social, econômico e político que proporcionou, dentro
da divisão social e técnica do trabalho, a necessidade das atividades próprias desse profissinal para
atuar frente às manifestações da questão social. Nessa direção, expõe claramente o aparecimento da
questão social no cenário da sociedade capitalista, em sua fase monopolista, a busca do Estado em dar
respostas aos problemas sociais emergentes, possíveis mediante a implementação de políticas sociais,
assim como, o surgimento e o papel do Serviço Social nesse contexto como executor terminal das
políticas sociais.
Palavras-chaves: capitalismo monopolista, questão social e serviço social.
Introdução
A análise da origem da profissão de Serviço Social requer compreender as
particularidades da sociedade capitalista, desde o momento que essa emerge a partir do século
XVI, e como seu desenvolvimento promoveu o acirramento da relação capital e trabalho,
proporcionando o aparecimento de duas classes sociais antagônicas e contraditórias: a
burguesia e o proletariado. Esse cenário, por sua vez, é espaço frutífero para a emergência de
problemas sociais, ora oriundos do pauperismo que acomete toda a classe trabalhadora. É
nesse contexto, especificamente na fase dos monopólios, que o Serviço Social terá as
condições necessárias para surgir como profissão, legitimando-se a partir da execução das
políticas sociais elaboradas pelo Estado direcionadas para atender os diversos problemas
sociais vivenciados pela classe trabalhadora, o que demonstra sua estreita relação com a
chamada “questão social”.
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Considerando o exposto, o presente artigo divide-se em dois momentos de reflexão,
sendo no primeiro abordado a emergência do Serviço Social como profissão, e no segundo
algumas considerações sobre a relação do Serviço Social com a questão social.
1. A Emergência do Serviço Social como Profissão
Compreender a emergência do Serviço Social como profissão significa apreender as
particularidades do contexto da consolidação do Capitalismo Monopolista, bem como sua
intrínseca relação com o processo sócio-histórico que o antecede, ao momento exatado em
que o sistema capitalista passa a configurar-se como novo sistema econômico e social ao
estabelecer novas bases para o processo de produção e acumulação do capital, e interferir
diretamente nas relações sociais dos indivíduos.
A crise do sistema Feudal nos séculos XIV e XV proporcionada pela difusão das
transações monetárias e pela desintegração da sua estrutura feudal em função do
amadurecimento de suas próprias contradições internas (MARTINELLI, 2009, p. 31),
promoveu dentro do contexto sócio-histórico e econômico o advento do sistema capitalista1,
enquanto sistema econômico regulado pelo mercado e fundamentado na propriedade privada
dos meios de produção, cujo objetivo é expandir o comércio, as trocas, intercâmbios, focando-
se principalmente no lucro e nas trocas simbólicas, com vistas à ascensão do poder aquisitivo
do individuo social.
O referido sistema em seu modo de produção capitalista, segundo Karl Marx definia
uma forma específica e peculiar de relações sociais entre os homens, e entre estes e as forças
produtivas, relações mediadas pela posse privada dos meios de produção. (KARL MARX
apud MARTINELLI, 2009). Com base em Karl Marx, Martinelli (2009) também aponta para
a consequência de uma nova estrutura social, pois a propriedade dos meios de produção será
concentrada nas mãos de uma minoria, o que promoverá o surgimento de duas classes sociais
antagônicas, compostas pela burguesia e pelo proletariado.
Em outras palavras, o capitalismo como modo de produção configura-se em relações
sociais de produção, marcadas fundamentalmente pela compra e venda da força de trabalho,
1Marx (1996:341) situa “a era capitalista a partir do século XVI”, destacando, porém, que, “esporadicamente, os
primórdios capitalistas” já podiam ser encontrados no século XIV e XV, em algumas cidades mediterrâneas.
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tornada mercadoria como outra qualquer, sendo a base desse sistema que tem como exigência
implícita a existência de meios de produção sob a forma de mercadoria e o trabalho
assalariado.
A necessidade de promover a acumulação do capital, através da geração da mais-valia
a qual será possível mediante a existência de massas grandes de capital e de força de trabalho
nas mãos dos produtores de mercadorias (MARX, 1996), proporcionou a expropriação do
homem dos seus meios de produção. Esse fenômeno, que caracteriza a transição da sociedade
feudal para a capitalista, ocorreu de forma cruel e desumana perpassando por diversos atos
violentos que visavam apenas atender aos interesses da classe burguesa emergente.
A forma como o sistema capitalista consagrou-se promoveu a divisão da sociedade em
duas classes sociais antagônicas, em duas espécies diferentes de possuidores de mercadorias,
conforme afirma Marx (1996), de um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e
meios de subsistência, que se propõem a valorizar a soma-valor que possuem mediante
compra de força de trabalho alheia, e do outro, trabalhadores livres, vendedores da própria
força de trabalho e, portanto, vendedores de trabalho. Essa condição de trabalhadores livres
foi imposta através da expropriação dos meios de produção, perdendo estes a condição de
geradores de sua própria subsistência.
A separação do homem dos seus meios de produção, portanto a transformação deste
em trabalhador livre “como os pássaros”, nas palavras de Marx (1996), ocorreu permeada por
muita violência, sendo essa configurada como um dos principais instrumentos para roubar
todos os meios de produção e garantias de existência desses, as quais foram ofertadas pelas
instituições feudais. Assim,
O que faz época na história da acumulação primitiva são todos os
revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação;
sobretudo, porém, todos os momentos em que grandes massas humanas são
arrancadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no
mercado de trabalho como proletários livres como os pássaros. (MARX, 1996,
p. 341-342),
Os séculos posteriores a consolidação do sistema capitalista são marcados por diversos
momentos que representam a ratificação desse novo modo de produção, tais como a
Revolução Francesa com sua relevância devido a seu significado político, social e econômico
favorecendo a burguesia, a qual teve como exemplo prático a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão que despertou nos trabalhadores um senso de luta. Outro marco
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importante desse contexto foi a Revolução Industrial no final do século XVIII, concretizando
a ruptura entre trabalhador e os meios de produção, através do surgimento exacerbado das
fábricas que agora utilizavam as máquinas e novas técnicas para o modo de produção
capitalista.
A ascensão do capitalismo ocorre de maneira devastadora consagrando o domínio do
capital sobre o trabalho de forma a deixar cada vez mais evidente a relação desigual,
contraditória e antagônica entre as classes sociais: a burguesia e o proletariado.
Todo esse processo de desenvolvimento do sistema capitalista, especificamente a
partir da efervescência do capitalismo industrial, favoreceu a pauperização da classe
trabalhadora, a emergência de problemas sociais oriundos da condição de exploração e
dominação a que era submetida. A existência dessa pauperização impulsionou a organização
dos trabalhadores para reivindicar condições humanas e dignas de trabalho, criando
instituições de defesa dos seus principais interesses. Os interesses da classe trabalhadora
perpassavam as condições dignas de sobrevivência para suas famílias que agora tinham seus
filhos e mulheres recrutados a trabalharem para o capital, atendendo a sua necessidade de
extração da mais-valia.
Nesse cenário de empobrecimento da classe trabalhadora, diversas lutas são travadas
em busca de soluções para os problemas sociais que emergem com o processo de acumulação
capitalista. Vários movimentos operários de manifestação contra a ordem social vigente são
observados nesse contexto, sinalizando a recusa ao massacre imposto pelo capitalismo como,
por exemplo, na Inglaterra onde ocorreram as primeiras manifestações, entretanto em sua
essência tais manifestações não tiveram uma eficiência política à medida que foram realizadas
contra o instrumento de opressão, as máquinas e não contra os reais opressores, os
capitalistas.
A classe trabalhadora propõe em sua luta o direito de criar associações como forma
organizativa de suas manifestações contra as opressões sofridas, porém esse direito só será
atendido algum tempo depois possibilitando a criação de organizações do tipo corporativista e
sindicalista, visando direitos trabalhistas como salário, regularização da jornada de trabalho,
ambiente de trabalho adequado as necessidades desses, entre outros.
As agruras vivenciadas pela classe trabalhadora refletiam a situação de desigualdade
social e de pauperismo, assim como a relação antagônica e contraditória existente entre aquela
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e a classe dominante a qual extraia a mais-valia favorecendo o processo de acumulação do
capital.
Como afirma Pimentel e Costa,
O capitalismo cria uma classe operária urbana com suas necessidades não atendidas
e um imenso fosso entre as condições de vida e os interesses entre o operariado e a
burguesia que a contrata. A concorrência da máquina havia gerado excedente de
mão de obra, rebaixamento dos salários e ampliação da jornada de trabalho acima
da capacidade física dos trabalhadores. A pauperização do trabalhador, resultante
da industrialização impõe o ingresso de sua família no mercado de trabalho para
ampliação da renda, em função de assegurar a reprodução social do trabalhador e
sua família. Trata-se de uma nova pobreza que se torna objeto de preocupação por
parte de pensadores dos mais diversos matizes, atônitos diante da incapacidade do
sistema em operacionalizar os princípios norteadores da revolução burguesa. (2002,
3)
O fenômeno do pauperismo vivenciado na realidade da classe trabalhadora, através
dos inúmeros problemas sociais que emergiam representou o que seria no século XIX
denominado de “questão social”2, ou seja, a inevitável consequência do processo de
acumulação capitalista que na dinâmica de sua produção e reprodução promove o surgimento
de mazelas, especialmente na consagração do binômio industrialização/urbanização no
decorrer dos séculos XVIII e XIX.
A manifestação da chamada questão social, compreendida por Cerqueira apud Netto
(2009, p.17) como o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento
da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista, fundamentalmente
vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho, representa para a ordem burguesa uma
ameaça ao processo de desenvolvimento e acumulação capitalista, requerendo estratégias de
controle sobre a classe operária para conter as possíveis manifestações sociais em decorrência
de tais problemas.
Diante disso, o cariz da exploração, da acumulação da pobreza, da opressão e da
expansão da miséria que tanto a burguesia desejava ocultar, ganha volumosa evidência, o que
torna necessária a criação de estratégias capazes de atenuar a disseminação da pobreza que
aflige a classe operária no contexto da sociedade capitalista.
2 Segundo Robert Castel (apud Pimentel e Costa, 2002, p. 5) a expressão “Questão Social” aparece pela primeira
vez, no jornal legitimista francês La Quotidienne em 1831.
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Separar o trabalhador dos meios de produção, levá-lo à alienação de sua própria
força de trabalho, exercer um rigoroso controle sobre seus movimentos, seja no
interior da fábrica, seja no contexto social mais amplo, eram, entre outros, os
mecanismos usuais dos quais a burguesia se valia para consolidar o seu poder de
classe e fortalecer a malha alienante que envolvia a sociedade por ela engendrada
(MARTINELLI, 2009, p. 62).
Visando exercer um controle sobre a classe trabalhadora, a burguesia busca apropriar-
se das práticas sociais realizadas por membros de sua classe vinculados a Igreja, numa
tentativa de racionalizar a prática da assistência desenvolvida até então, identificando esta
como uma estratégia de controle da classe operária e de conslidação do poder hegemônico da
burguesia.
A emergência da questão social despertou na burguesia a necessidade de criar
mecanismos de enfrentamento de suas manifestações, para tanto se fazia necessário buscar
força dentro do cenário político do referido contexto para assim atingir os objetivos
almejados. Nessa direção, a burguesia, o Estado e a Igreja se unem para juntos consolidarem a
ordem social vigente promovendo formas de atenuar as manifestações da questão social.
Várias são as estratégias utilizadas pela burguesia para responder ao problema do
pauperismo e as expressões desse na realidade social da classe operária, a saber, a “nova lei
dos probres3” de 1834, a qual passou a vigorar novamente com o objetivo de enfrentar os
problemas crescentes do atendimento individualizado nas próprias comunidades, diminuindo
o atrativo da assistência para deixar a mão-de-obra mais livre para o mercado, reduzindo
assim a massa de pobreza aparente (ENGELS apud PIMENTEL, 2007, p. 19). Outra medida
adotada, posteriormente, foi à direção dada as ações filantrópicas, sendo essas absorvidas pela
burguesia para atender as necessidades sociais mais gritantes da classe operária, mediante
articulação com a Igreja, o Estado burguês e a Sociedade.
Assim, na busca por racionalizar a prática da assistência alguns membros da burguesia
vinculados a Igreja propuseram a realização de estudos e a reformulação das formas de
assistência pública existentes, pois essas não conseguiam atender os problemas sociais
apresentados pela classe trabalhadora. Isso representava para a burguesia, mais um ganho na
luta por consolidar o sistema capitalista, uma vez que, além do apoio do Estado para a
3 A Primeira Lei dos Pobres foi promulgada em 1597, uma lei rígida que determinava que todos os atendidos
pelo sistema de assistência pública vivessem confinados em locais tão-somente destinados a eles, dentre outras
determinações (MARTINELLI, 2009: 55).
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proteção dos interesses do capital, passar a dispor das ações filantrópicas transformando os
filantropos em agentes ideológicos para a reprodução do modo de pensar capitalista.
É nesse contexto que se gestão as possibilidades para o surgimento do Serviço Social,
como afirma Netto (2009),
[...] não há dúvidas em relacionar o aparecimento do Serviço Social com as mazelas
próprias à ordem burguesa, com as seqüelas necessárias dos processos que
comparecem na constituição e no evolver do capitalismo, em especial aqueles
concernentes ao binômio industrialização/urbanização, tal como este se revelou no
curso do século XIX (p.17).
Tendo sua origem vinculada à questão social, as protoformas do Serviço Social podem
ser observadas a partir do momento em que a Burguesia, Igreja e Estado se unem formando
um reacionário bloco político na busca por coibir as manifestações dos trabalhadores, o que
levou ao surgimento, na Inglaterra, da Sociedade de Organização da Caridade em 1869. A
S.O.C. era composta pelos reformistas sociais, os quais assumiram formalmente na sociedade
capitalista constituída, a responsabilidade pela racionalização e normatização da prática da
assistência. Surgiram, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como
agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a
denominação de “Serviço Social”, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços
(MARTINELLI, 2009, p. 66).
Porém, para atender as expressões da questão social tornou-se necessária a
qualificação dos agentes profissionais que atuavam nas Sociedades de Organização da
Caridade, tanto européia como a americana, uma vez que, tais expressões se agravavam
durante o processo de acumulação do capital. Essa qualificação foi realizada através das
escolas de Serviço Social direcionada para capacitar os agentes para o exercício profissional,
que teve em Mary Richmond4 uma grande colaboradora para sua concretização.
Assim, as primeiras escolas de Serviço Social surgem no século XIX, sendo realizado
em Nova Iorque em 1898 um curso destinado à aprendizagem da aplicação científica da
filantropia levando consequentemente a criação da primeira Escola de Filantropia Aplicada. A
sistematização do ensino do Serviço Social, bem como seu processo de institucionalização e
profissionalização seguem com a criação de outras escolas em todo mundo, como por
exemplo, em 1899 a criação da primeira escola européia em Amsterdã, na Holanda, e em
4 Mary E. Richmond era membro da Sociedade de Organização da Caridade de Baltimore. Sua principal obra foi
Diagnósitco Social publicada em 1917.
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1908 a escola de Serviço Social da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Em Paris
foram fundadas em seguida duas escolas, uma em 1911, de orientação católica, e outra, em
1913, de orientação protestante. Na América Latina as escolas surgiram a partir de 1925. Vale
ressaltar que, todas as escolas de Serviço Social tinham um único objetivo: qualificar os
agentes sociais, vinculados a princípio as Sociedades de Organização da Caridade, para que
esses pudessem apresentar respostas às diversas manifestações da questão social,
consequência dos conflitos gerados pela relação capital e trabalho.
Mas pensar o surgimento do Serviço Social como profissão não é pensar nesse como
simplesmente uma continuidade das ações filantrópicas desenvolvidas na esfera da caridade e
da benevolência, posteriormente reconfiguradas quando na busca pela racionalização da
assistência como forma de atenuar os problemas sociais emergentes da relação capital e
trabalho. Pensar o surgimento do Serviço Social como profissão é, sem dúvida, considerar o
conjunto de processos econômicos, sócio-políticos e teórico-culturais, tais como o papel do
Estado no cenário do capitalismo monopolista e as respostas encontradas pelo bloco
dominante para as manifestações da questão social, a conotação dada aos problemas sociais
ao serem configurados entre o “público” e o “privado”, e os projetos de hegemonia das
classes sociais, enquanto protagonistas histórico-sociais.
Assim, como afirma Netto (2009),
É somente na ordem societária comandada pelo monopólio que se gestam as
condições histórico-sociais para que, na divisão social ( e técnica) do trabalho,
constitua-se um espaço em que se possam mover práticas profissionais como as do
assistente social. A profissionalização do Serviço Social não se relaciona
decisivamente à “evolução da ajuda”, à “racionalização da filantropia” nem à
“organização da caridade”; vincula-se à dinâmica da ordem monopólica (p.73).
Partindo desse pressuposto, a profissionalização do Serviço Social se dá pela
emergência de um espaço sócio-ocupacional que demanda a existência desse profissional, e
não o inverso, o qual terá um significado social ao atuar no bojo da reprodução das relações
sociais. Esse profissional se insere no mercado de trabalho, vendendo sua força de trabalho e
assim, assumindo a condição de trabalhador assalariado.
Ao que nos parece salutar, novamente reiteramos as afirmações de Netto (2009)
quanto à questão da profissionalização do Serviço Social, quando este expõe que [...] não é a
continuidade evolutiva das protoformas ao Serviço Social que esclarece a sua
profissionalização, e sim a ruptura com elas, concretizando com o deslocamento aludido,
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deslocamento possível (não necessário) pela instauração, independentemente das
protoformas, de um espaço determinado na divisão social (e técnica) do trabalho (73 p.).
O assistente social tem, pois, dentro do contexto dos monopólios a existência de um
espaço sócio-ocupacional que apresenta a necessidade de práticas profissionais como as suas,
que legitima esse profissional através das ações e atribuições que desempenha no bojo da
divisão sócio-técnica do trabalho, promovendo a este um direcionamento para sua laicização
ao passo que há um reconhecimento do Estado.
Nessa direção, o assistente social tem em seu processo de profissionalização a
vinculação direta as formas encontradas pelo Estado para enfrentar as diversas expressões da
questão social. Esse enfrentamento é concretização na formulação e implementação das
políticas sociais setoriais, estrategicamente utilizadas pelo Estado para responder - de forma
fragmentada - a questão social, onde o profissional de Serviço Social atua tanto na sua
formulação como na sua execução5. Assim, se apresenta a formalização e legitimação do
mercado de trabalho do assistente social, sendo este considerado um executor terminal das
políticas sociais, conforme afirma Netto (2009).
Nessa constante busca por compreender a origem do Serviço Social como profissão, a
partir do processo sócio-histórico que proporciou sua legitimação, alguns autores apontam
algumas reflexões ao realizar uma análise da gênese do Serviço Social, a exemplo de Carlos
Montaño que em sua obra A Natureza do Serviço Social6, apresenta duas teses que explicam a
gênese do Serviço Social, mediante a explicação da sua natureza profissional. A primeira tese,
a endogenista, defende que o Serviço Social surgiu a partir da evolução, da organização e
profissionalização das formas anteriores de ajuda, da caridade e da filantropia, vinculada
agora a intervenção na “questão social” (MONTAÑO, 2007, p. 19-20). Esta tese propõe o
surgimento do Serviço Social descontextualizado de um processo social, econômico e
político, no qual se gestaria as condições fundamentais para a criação dessa profissão.
Assim, como afirma Montaño (2007), a relação, portanto, do Serviço Social com a
história e a sociedade é adjetiva, circunstancial, acidental (p.28). A segunda tese, a
5 Quanto à função de executor das políticas sociais, Iamamoto faz algumas considerações sobre o Serviço Social
na contemporaneidade, considerando que este necessita ser também um profissional propositivo e não
meramente executivo ( Cf. IAMAMOTO, 2008).
6 Inicialmente publicada em espanhol, o presente trabalho é destinado a uma compreensão dos fundamentos do
Serviço Social a partir do contexto latino-americano.
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perspectiva histórico-crítica, entende o surgimento da profissão de Serviço Social como uma
síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento histórico, onde se
reproduz material e ideologicamente a fração de classe hegemônica, quando, no contexto do
capitalismo na sua idade monopolista, o Estado toma para si as respostas à “questão social”
(p.30). Nessa tese, o Serviço Social aparece como um “produto histórico”, como uma
profissão que surge dentro do contexto da divisão social e técnica do trabalho, atuando na
reprodução das classes sociais, bem como na relação antagônica e contraditória entre elas.
Essas teses apresentam-se claramente opostas ao pontuarem o momento no qual o
Serviço Social se consolida como profissão, demonstrando a existência de pontos de vista
distintos dentro do universo intelectual da categoria, quando a intenção é explicar a gênese do
Serviço Social como profissão.7
Nessa direção, apontamos a coerência da compreensão da origem do Serviço Social
como profissão a partir do contexto social, econômico e político que, gestado na sociedade
capitalista, especificamente na fase monopolista, demandou esse profissional, o qual se
inserindo na divisão social e técnica do trabalho atua como executor das políticas sociais
criadas pelo Estado como forma de responder as diversas expressões da questão social.
2. Algumas Considerações sobre a Relação entre o Serviço Social e a Questão Social
O processo de industrialização ocorrido no final do século XVIII seguindo no XIX, na
fase do capitalismo monopolista, experimentou a ampliação dos mercados europeus e
defrontou-se com o aparecimento da classe operária, assim como junto a essa o surgimento
do conjunto de problemas econômicos, sociais e políticos, denominado de questão social. A
chamada questão social apresenta-se configurada na assustadora ampliação do pauperismo
que atinge toda a classe operária em pleno desenvolvimento e acumulação do sistema
capitalista.
A classe operária submetida a esse processo de exploração, apresenta-se como uma
ameaça a ordem social vigente, pois as condições subumanas a que são colocadas acaba por
7 A existência de pontos de vista distintos refere-se ao fato de identificarmos autores que defedem a tese
Endogenista, tais como Herman Kruse, José Lucena Dantas, Balbina Ottoni, etc, assim como também, na
Histórico- crítca, evidenciarmos a posição de José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, Maria Lúcia Martinelli,
dentre outros ( Cf. MONTAÑO, 2007).
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gestar alguns conflitos sociais, o que representa para a ordem econômica um sinal de alerta
para criar estratégias a fim de conter as possíveis manifestações prejudiciais ao
desenvolvimento do sistema capitalista. Esses conflitos e tensões gerados no processo de
industrialização representam, em síntese, uma ameaça a paz econômica, social e moral da
sociedade capitalista.
A questão social originalmente expressa no empobrecimento do trabalhador,
portanto, tem suas bases reais na economia capitalista. Politicamente, passa a ser
reconhecida como problema na medida em que os indivíduos empobrecidos
organizam-se, oferecendo resistência às más condições de existência decorrentes de
sua condição de trabalhadores. (Santos, 2004, p. 65)
Diante disso, cabe criar estratégias de enfrentamento das manifestações da questão
social impedindo que sua expansão promova uma situação irreversível para a classe
dominante. E essa medida é tomada no momento que a classe dominante alia-se a Igreja e ao
Estado para exercer um controle social sobre a classe operária.
Nesse cenário, se apresentam as possibilidades para o surgimento do Serviço Social,
enquanto profissão demanda pela classe dominante para atuar no controle social da classe
trabalhadora, exercendo atividades que visam atender as necessidades sociais dessa classe
como forma de conter suas possíveis manifestações.
Assim, considerando o contexto social, político e econômico do processo histórico da
sociedade capitalista, particularmente na idade dos monopólios, fica evidente a relação
estabelecida entre a questão social e o Serviço Social, no momento que esta profissão surge
para atuar frente às necessidades sociais da classe trabalhadora, executando as políticas
sociais, as quais são criadas pelo Estado como instrumentos viáveis para atenuar a situação
de miséria a que esta classe é submetida.
Destarte, é precípuo afirma que essa profissão surge mediante um espaço apresentado
na divisão social e técnica do trabalho que a demanda e a legitima a partir do momento que
essa configura-se como executor terminal das políticas sociais, como afirma Netto (2009).
Assim, o Serviço Social tem na questão social a base para sua fundação como
especialização do trabalho (IAMAMOTO, 2008: 27), uma real e intrínseca relação onde
aquele surge para atuar frente às demandas sociais apresentadas em meio à relação
contraditória e antagônica das classes sociais fundamentais, em seu processo de produção e
reprodução da vida social.
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Considerações Finais
A compreensão da emergência do Serviço Social como profissão e sua relação com a
questão social pressupõe a análise da sociedade capitalista em sua fase monopólica,
considerando o momento em que a relação entre capital e trabalho, evidenciada no processo
de exploração em face da industrialização, promove o surgimento de uma classe operária
entregue ao pauperismo e as condições mais deploráveis de exploração e dominação
impostas pelo capital.
Nesse cenário, gestam-se as condições necessárias para o surgimento do Serviço
Social, tendo como base para sua consolidação como profissão na divisão social e técnica do
trabalho a emergência dos problemas sociais, econômicos e políticos configurados na
denominada questão social. A questão social torna-se o alvo das ações da classe dominante e
de seus aliados (Estado e Burguesia), ao constituísse uma ameaça a ordem social e
econômica vigente, uma vez que, a classe operária apresenta suas insatisfações diante das
precárias condições de vida a que é submetida.
Será, pois, nesse cenário que o Serviço Social tem sua legitimação profissional
consolidada como um profissional que participa diretamente no processo de produção e
reprodução das relações sociais das classes fundamentais, assim como no relacionamento
contraditório entre elas. Um profissional que afirma-se como um tipo de especialização do
trabalho coletivo, ao ser expressão de necessidades sociais derivadas da prática histórica
das classes sociais no ato de produzir e reproduzir os meios de vida e de trabalho de forma
socialmente determinada ( IAMAMOTO, 2008, p. 76-77).
Assim, o Serviço Social vincula-se intrinsecamente ao processo histórico do
desenvolvimento do capitalismo monopolista, apresentando-se como uma especialização
(profissional) inserida na divisão social e técnica do trabalho demandada para atuar frente às
manifestações da questão social, oriunda de um processo de pauperização a que é submetida
à classe operária a partir dos séculos XVIII e XIX. A questão social, configurada como a
base fundadora do Serviço Social, é enfrentada através políticas sociais instituídas pelo
Estado, que tem no Serviço Social o agente profissional habilitado na implementação e
execução dessas políticas, legitimando assim a profissão.
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Logo, pensar a origem do Serviço Social é indiscutivelmente associá-lo ao momento
exatado em que ao emerge a questão social, o Estado propõe estratégias de enfrentamento de
suas expressões apresentando no contexto das especializações do trabalho coletivo a
necessidade de um profissional com as atividades e ações próprias do (a) assistente social.
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ENPESS /ABEPSS – Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJR, em novembro de 2002.