maricelly costa santos - a emergência do serviço social como profissão

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A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE SUA ORIGEM E RELAÇÃO COM A QUESTÃO SOCIAL Maricelly Costa Santos RESUMO: O presente artigo objetiva expor e analisar a emergência do Serviço Social como profissão, compreendendo o processo histórico social, econômico e político que proporcionou, dentro da divisão social e técnica do trabalho, a necessidade das atividades próprias desse profissinal para atuar frente às manifestações da questão social. Nessa direção, expõe claramente o aparecimento da questão social no cenário da sociedade capitalista, em sua fase monopolista, a busca do Estado em dar respostas aos problemas sociais emergentes, possíveis mediante a implementação de políticas sociais, assim como, o surgimento e o papel do Serviço Social nesse contexto como executor terminal das políticas sociais. Palavras-chaves: capitalismo monopolista, questão social e serviço social. Introdução A análise da origem da profissão de Serviço Social requer compreender as particularidades da sociedade capitalista, desde o momento que essa emerge a partir do século XVI, e como seu desenvolvimento promoveu o acirramento da relação capital e trabalho, proporcionando o aparecimento de duas classes sociais antagônicas e contraditórias: a burguesia e o proletariado. Esse cenário, por sua vez, é espaço frutífero para a emergência de problemas sociais, ora oriundos do pauperismo que acomete toda a classe trabalhadora. É nesse contexto, especificamente na fase dos monopólios, que o Serviço Social terá as condições necessárias para surgir como profissão, legitimando-se a partir da execução das políticas sociais elaboradas pelo Estado direcionadas para atender os diversos problemas sociais vivenciados pela classe trabalhadora, o que demonstra sua estreita relação com a chamada “questão social”.

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Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão.

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Page 1: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

A EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO: ALGUMAS

REFLEXÕES SOBRE SUA ORIGEM E RELAÇÃO COM A QUESTÃO SOCIAL

Maricelly Costa Santos

RESUMO: O presente artigo objetiva expor e analisar a emergência do Serviço Social como

profissão, compreendendo o processo histórico social, econômico e político que proporcionou, dentro

da divisão social e técnica do trabalho, a necessidade das atividades próprias desse profissinal para

atuar frente às manifestações da questão social. Nessa direção, expõe claramente o aparecimento da

questão social no cenário da sociedade capitalista, em sua fase monopolista, a busca do Estado em dar

respostas aos problemas sociais emergentes, possíveis mediante a implementação de políticas sociais,

assim como, o surgimento e o papel do Serviço Social nesse contexto como executor terminal das

políticas sociais.

Palavras-chaves: capitalismo monopolista, questão social e serviço social.

Introdução

A análise da origem da profissão de Serviço Social requer compreender as

particularidades da sociedade capitalista, desde o momento que essa emerge a partir do século

XVI, e como seu desenvolvimento promoveu o acirramento da relação capital e trabalho,

proporcionando o aparecimento de duas classes sociais antagônicas e contraditórias: a

burguesia e o proletariado. Esse cenário, por sua vez, é espaço frutífero para a emergência de

problemas sociais, ora oriundos do pauperismo que acomete toda a classe trabalhadora. É

nesse contexto, especificamente na fase dos monopólios, que o Serviço Social terá as

condições necessárias para surgir como profissão, legitimando-se a partir da execução das

políticas sociais elaboradas pelo Estado direcionadas para atender os diversos problemas

sociais vivenciados pela classe trabalhadora, o que demonstra sua estreita relação com a

chamada “questão social”.

Page 2: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

Considerando o exposto, o presente artigo divide-se em dois momentos de reflexão,

sendo no primeiro abordado a emergência do Serviço Social como profissão, e no segundo

algumas considerações sobre a relação do Serviço Social com a questão social.

1. A Emergência do Serviço Social como Profissão

Compreender a emergência do Serviço Social como profissão significa apreender as

particularidades do contexto da consolidação do Capitalismo Monopolista, bem como sua

intrínseca relação com o processo sócio-histórico que o antecede, ao momento exatado em

que o sistema capitalista passa a configurar-se como novo sistema econômico e social ao

estabelecer novas bases para o processo de produção e acumulação do capital, e interferir

diretamente nas relações sociais dos indivíduos.

A crise do sistema Feudal nos séculos XIV e XV proporcionada pela difusão das

transações monetárias e pela desintegração da sua estrutura feudal em função do

amadurecimento de suas próprias contradições internas (MARTINELLI, 2009, p. 31),

promoveu dentro do contexto sócio-histórico e econômico o advento do sistema capitalista1,

enquanto sistema econômico regulado pelo mercado e fundamentado na propriedade privada

dos meios de produção, cujo objetivo é expandir o comércio, as trocas, intercâmbios, focando-

se principalmente no lucro e nas trocas simbólicas, com vistas à ascensão do poder aquisitivo

do individuo social.

O referido sistema em seu modo de produção capitalista, segundo Karl Marx definia

uma forma específica e peculiar de relações sociais entre os homens, e entre estes e as forças

produtivas, relações mediadas pela posse privada dos meios de produção. (KARL MARX

apud MARTINELLI, 2009). Com base em Karl Marx, Martinelli (2009) também aponta para

a consequência de uma nova estrutura social, pois a propriedade dos meios de produção será

concentrada nas mãos de uma minoria, o que promoverá o surgimento de duas classes sociais

antagônicas, compostas pela burguesia e pelo proletariado.

Em outras palavras, o capitalismo como modo de produção configura-se em relações

sociais de produção, marcadas fundamentalmente pela compra e venda da força de trabalho,

1Marx (1996:341) situa “a era capitalista a partir do século XVI”, destacando, porém, que, “esporadicamente, os

primórdios capitalistas” já podiam ser encontrados no século XIV e XV, em algumas cidades mediterrâneas.

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tornada mercadoria como outra qualquer, sendo a base desse sistema que tem como exigência

implícita a existência de meios de produção sob a forma de mercadoria e o trabalho

assalariado.

A necessidade de promover a acumulação do capital, através da geração da mais-valia

a qual será possível mediante a existência de massas grandes de capital e de força de trabalho

nas mãos dos produtores de mercadorias (MARX, 1996), proporcionou a expropriação do

homem dos seus meios de produção. Esse fenômeno, que caracteriza a transição da sociedade

feudal para a capitalista, ocorreu de forma cruel e desumana perpassando por diversos atos

violentos que visavam apenas atender aos interesses da classe burguesa emergente.

A forma como o sistema capitalista consagrou-se promoveu a divisão da sociedade em

duas classes sociais antagônicas, em duas espécies diferentes de possuidores de mercadorias,

conforme afirma Marx (1996), de um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e

meios de subsistência, que se propõem a valorizar a soma-valor que possuem mediante

compra de força de trabalho alheia, e do outro, trabalhadores livres, vendedores da própria

força de trabalho e, portanto, vendedores de trabalho. Essa condição de trabalhadores livres

foi imposta através da expropriação dos meios de produção, perdendo estes a condição de

geradores de sua própria subsistência.

A separação do homem dos seus meios de produção, portanto a transformação deste

em trabalhador livre “como os pássaros”, nas palavras de Marx (1996), ocorreu permeada por

muita violência, sendo essa configurada como um dos principais instrumentos para roubar

todos os meios de produção e garantias de existência desses, as quais foram ofertadas pelas

instituições feudais. Assim,

O que faz época na história da acumulação primitiva são todos os

revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação;

sobretudo, porém, todos os momentos em que grandes massas humanas são

arrancadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no

mercado de trabalho como proletários livres como os pássaros. (MARX, 1996,

p. 341-342),

Os séculos posteriores a consolidação do sistema capitalista são marcados por diversos

momentos que representam a ratificação desse novo modo de produção, tais como a

Revolução Francesa com sua relevância devido a seu significado político, social e econômico

favorecendo a burguesia, a qual teve como exemplo prático a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão que despertou nos trabalhadores um senso de luta. Outro marco

Page 4: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

importante desse contexto foi a Revolução Industrial no final do século XVIII, concretizando

a ruptura entre trabalhador e os meios de produção, através do surgimento exacerbado das

fábricas que agora utilizavam as máquinas e novas técnicas para o modo de produção

capitalista.

A ascensão do capitalismo ocorre de maneira devastadora consagrando o domínio do

capital sobre o trabalho de forma a deixar cada vez mais evidente a relação desigual,

contraditória e antagônica entre as classes sociais: a burguesia e o proletariado.

Todo esse processo de desenvolvimento do sistema capitalista, especificamente a

partir da efervescência do capitalismo industrial, favoreceu a pauperização da classe

trabalhadora, a emergência de problemas sociais oriundos da condição de exploração e

dominação a que era submetida. A existência dessa pauperização impulsionou a organização

dos trabalhadores para reivindicar condições humanas e dignas de trabalho, criando

instituições de defesa dos seus principais interesses. Os interesses da classe trabalhadora

perpassavam as condições dignas de sobrevivência para suas famílias que agora tinham seus

filhos e mulheres recrutados a trabalharem para o capital, atendendo a sua necessidade de

extração da mais-valia.

Nesse cenário de empobrecimento da classe trabalhadora, diversas lutas são travadas

em busca de soluções para os problemas sociais que emergem com o processo de acumulação

capitalista. Vários movimentos operários de manifestação contra a ordem social vigente são

observados nesse contexto, sinalizando a recusa ao massacre imposto pelo capitalismo como,

por exemplo, na Inglaterra onde ocorreram as primeiras manifestações, entretanto em sua

essência tais manifestações não tiveram uma eficiência política à medida que foram realizadas

contra o instrumento de opressão, as máquinas e não contra os reais opressores, os

capitalistas.

A classe trabalhadora propõe em sua luta o direito de criar associações como forma

organizativa de suas manifestações contra as opressões sofridas, porém esse direito só será

atendido algum tempo depois possibilitando a criação de organizações do tipo corporativista e

sindicalista, visando direitos trabalhistas como salário, regularização da jornada de trabalho,

ambiente de trabalho adequado as necessidades desses, entre outros.

As agruras vivenciadas pela classe trabalhadora refletiam a situação de desigualdade

social e de pauperismo, assim como a relação antagônica e contraditória existente entre aquela

Page 5: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

e a classe dominante a qual extraia a mais-valia favorecendo o processo de acumulação do

capital.

Como afirma Pimentel e Costa,

O capitalismo cria uma classe operária urbana com suas necessidades não atendidas

e um imenso fosso entre as condições de vida e os interesses entre o operariado e a

burguesia que a contrata. A concorrência da máquina havia gerado excedente de

mão de obra, rebaixamento dos salários e ampliação da jornada de trabalho acima

da capacidade física dos trabalhadores. A pauperização do trabalhador, resultante

da industrialização impõe o ingresso de sua família no mercado de trabalho para

ampliação da renda, em função de assegurar a reprodução social do trabalhador e

sua família. Trata-se de uma nova pobreza que se torna objeto de preocupação por

parte de pensadores dos mais diversos matizes, atônitos diante da incapacidade do

sistema em operacionalizar os princípios norteadores da revolução burguesa. (2002,

3)

O fenômeno do pauperismo vivenciado na realidade da classe trabalhadora, através

dos inúmeros problemas sociais que emergiam representou o que seria no século XIX

denominado de “questão social”2, ou seja, a inevitável consequência do processo de

acumulação capitalista que na dinâmica de sua produção e reprodução promove o surgimento

de mazelas, especialmente na consagração do binômio industrialização/urbanização no

decorrer dos séculos XVIII e XIX.

A manifestação da chamada questão social, compreendida por Cerqueira apud Netto

(2009, p.17) como o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento

da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista, fundamentalmente

vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho, representa para a ordem burguesa uma

ameaça ao processo de desenvolvimento e acumulação capitalista, requerendo estratégias de

controle sobre a classe operária para conter as possíveis manifestações sociais em decorrência

de tais problemas.

Diante disso, o cariz da exploração, da acumulação da pobreza, da opressão e da

expansão da miséria que tanto a burguesia desejava ocultar, ganha volumosa evidência, o que

torna necessária a criação de estratégias capazes de atenuar a disseminação da pobreza que

aflige a classe operária no contexto da sociedade capitalista.

2 Segundo Robert Castel (apud Pimentel e Costa, 2002, p. 5) a expressão “Questão Social” aparece pela primeira

vez, no jornal legitimista francês La Quotidienne em 1831.

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Separar o trabalhador dos meios de produção, levá-lo à alienação de sua própria

força de trabalho, exercer um rigoroso controle sobre seus movimentos, seja no

interior da fábrica, seja no contexto social mais amplo, eram, entre outros, os

mecanismos usuais dos quais a burguesia se valia para consolidar o seu poder de

classe e fortalecer a malha alienante que envolvia a sociedade por ela engendrada

(MARTINELLI, 2009, p. 62).

Visando exercer um controle sobre a classe trabalhadora, a burguesia busca apropriar-

se das práticas sociais realizadas por membros de sua classe vinculados a Igreja, numa

tentativa de racionalizar a prática da assistência desenvolvida até então, identificando esta

como uma estratégia de controle da classe operária e de conslidação do poder hegemônico da

burguesia.

A emergência da questão social despertou na burguesia a necessidade de criar

mecanismos de enfrentamento de suas manifestações, para tanto se fazia necessário buscar

força dentro do cenário político do referido contexto para assim atingir os objetivos

almejados. Nessa direção, a burguesia, o Estado e a Igreja se unem para juntos consolidarem a

ordem social vigente promovendo formas de atenuar as manifestações da questão social.

Várias são as estratégias utilizadas pela burguesia para responder ao problema do

pauperismo e as expressões desse na realidade social da classe operária, a saber, a “nova lei

dos probres3” de 1834, a qual passou a vigorar novamente com o objetivo de enfrentar os

problemas crescentes do atendimento individualizado nas próprias comunidades, diminuindo

o atrativo da assistência para deixar a mão-de-obra mais livre para o mercado, reduzindo

assim a massa de pobreza aparente (ENGELS apud PIMENTEL, 2007, p. 19). Outra medida

adotada, posteriormente, foi à direção dada as ações filantrópicas, sendo essas absorvidas pela

burguesia para atender as necessidades sociais mais gritantes da classe operária, mediante

articulação com a Igreja, o Estado burguês e a Sociedade.

Assim, na busca por racionalizar a prática da assistência alguns membros da burguesia

vinculados a Igreja propuseram a realização de estudos e a reformulação das formas de

assistência pública existentes, pois essas não conseguiam atender os problemas sociais

apresentados pela classe trabalhadora. Isso representava para a burguesia, mais um ganho na

luta por consolidar o sistema capitalista, uma vez que, além do apoio do Estado para a

3 A Primeira Lei dos Pobres foi promulgada em 1597, uma lei rígida que determinava que todos os atendidos

pelo sistema de assistência pública vivessem confinados em locais tão-somente destinados a eles, dentre outras

determinações (MARTINELLI, 2009: 55).

Page 7: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

proteção dos interesses do capital, passar a dispor das ações filantrópicas transformando os

filantropos em agentes ideológicos para a reprodução do modo de pensar capitalista.

É nesse contexto que se gestão as possibilidades para o surgimento do Serviço Social,

como afirma Netto (2009),

[...] não há dúvidas em relacionar o aparecimento do Serviço Social com as mazelas

próprias à ordem burguesa, com as seqüelas necessárias dos processos que

comparecem na constituição e no evolver do capitalismo, em especial aqueles

concernentes ao binômio industrialização/urbanização, tal como este se revelou no

curso do século XIX (p.17).

Tendo sua origem vinculada à questão social, as protoformas do Serviço Social podem

ser observadas a partir do momento em que a Burguesia, Igreja e Estado se unem formando

um reacionário bloco político na busca por coibir as manifestações dos trabalhadores, o que

levou ao surgimento, na Inglaterra, da Sociedade de Organização da Caridade em 1869. A

S.O.C. era composta pelos reformistas sociais, os quais assumiram formalmente na sociedade

capitalista constituída, a responsabilidade pela racionalização e normatização da prática da

assistência. Surgiram, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como

agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a

denominação de “Serviço Social”, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços

(MARTINELLI, 2009, p. 66).

Porém, para atender as expressões da questão social tornou-se necessária a

qualificação dos agentes profissionais que atuavam nas Sociedades de Organização da

Caridade, tanto européia como a americana, uma vez que, tais expressões se agravavam

durante o processo de acumulação do capital. Essa qualificação foi realizada através das

escolas de Serviço Social direcionada para capacitar os agentes para o exercício profissional,

que teve em Mary Richmond4 uma grande colaboradora para sua concretização.

Assim, as primeiras escolas de Serviço Social surgem no século XIX, sendo realizado

em Nova Iorque em 1898 um curso destinado à aprendizagem da aplicação científica da

filantropia levando consequentemente a criação da primeira Escola de Filantropia Aplicada. A

sistematização do ensino do Serviço Social, bem como seu processo de institucionalização e

profissionalização seguem com a criação de outras escolas em todo mundo, como por

exemplo, em 1899 a criação da primeira escola européia em Amsterdã, na Holanda, e em

4 Mary E. Richmond era membro da Sociedade de Organização da Caridade de Baltimore. Sua principal obra foi

Diagnósitco Social publicada em 1917.

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1908 a escola de Serviço Social da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Em Paris

foram fundadas em seguida duas escolas, uma em 1911, de orientação católica, e outra, em

1913, de orientação protestante. Na América Latina as escolas surgiram a partir de 1925. Vale

ressaltar que, todas as escolas de Serviço Social tinham um único objetivo: qualificar os

agentes sociais, vinculados a princípio as Sociedades de Organização da Caridade, para que

esses pudessem apresentar respostas às diversas manifestações da questão social,

consequência dos conflitos gerados pela relação capital e trabalho.

Mas pensar o surgimento do Serviço Social como profissão não é pensar nesse como

simplesmente uma continuidade das ações filantrópicas desenvolvidas na esfera da caridade e

da benevolência, posteriormente reconfiguradas quando na busca pela racionalização da

assistência como forma de atenuar os problemas sociais emergentes da relação capital e

trabalho. Pensar o surgimento do Serviço Social como profissão é, sem dúvida, considerar o

conjunto de processos econômicos, sócio-políticos e teórico-culturais, tais como o papel do

Estado no cenário do capitalismo monopolista e as respostas encontradas pelo bloco

dominante para as manifestações da questão social, a conotação dada aos problemas sociais

ao serem configurados entre o “público” e o “privado”, e os projetos de hegemonia das

classes sociais, enquanto protagonistas histórico-sociais.

Assim, como afirma Netto (2009),

É somente na ordem societária comandada pelo monopólio que se gestam as

condições histórico-sociais para que, na divisão social ( e técnica) do trabalho,

constitua-se um espaço em que se possam mover práticas profissionais como as do

assistente social. A profissionalização do Serviço Social não se relaciona

decisivamente à “evolução da ajuda”, à “racionalização da filantropia” nem à

“organização da caridade”; vincula-se à dinâmica da ordem monopólica (p.73).

Partindo desse pressuposto, a profissionalização do Serviço Social se dá pela

emergência de um espaço sócio-ocupacional que demanda a existência desse profissional, e

não o inverso, o qual terá um significado social ao atuar no bojo da reprodução das relações

sociais. Esse profissional se insere no mercado de trabalho, vendendo sua força de trabalho e

assim, assumindo a condição de trabalhador assalariado.

Ao que nos parece salutar, novamente reiteramos as afirmações de Netto (2009)

quanto à questão da profissionalização do Serviço Social, quando este expõe que [...] não é a

continuidade evolutiva das protoformas ao Serviço Social que esclarece a sua

profissionalização, e sim a ruptura com elas, concretizando com o deslocamento aludido,

Page 9: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

deslocamento possível (não necessário) pela instauração, independentemente das

protoformas, de um espaço determinado na divisão social (e técnica) do trabalho (73 p.).

O assistente social tem, pois, dentro do contexto dos monopólios a existência de um

espaço sócio-ocupacional que apresenta a necessidade de práticas profissionais como as suas,

que legitima esse profissional através das ações e atribuições que desempenha no bojo da

divisão sócio-técnica do trabalho, promovendo a este um direcionamento para sua laicização

ao passo que há um reconhecimento do Estado.

Nessa direção, o assistente social tem em seu processo de profissionalização a

vinculação direta as formas encontradas pelo Estado para enfrentar as diversas expressões da

questão social. Esse enfrentamento é concretização na formulação e implementação das

políticas sociais setoriais, estrategicamente utilizadas pelo Estado para responder - de forma

fragmentada - a questão social, onde o profissional de Serviço Social atua tanto na sua

formulação como na sua execução5. Assim, se apresenta a formalização e legitimação do

mercado de trabalho do assistente social, sendo este considerado um executor terminal das

políticas sociais, conforme afirma Netto (2009).

Nessa constante busca por compreender a origem do Serviço Social como profissão, a

partir do processo sócio-histórico que proporciou sua legitimação, alguns autores apontam

algumas reflexões ao realizar uma análise da gênese do Serviço Social, a exemplo de Carlos

Montaño que em sua obra A Natureza do Serviço Social6, apresenta duas teses que explicam a

gênese do Serviço Social, mediante a explicação da sua natureza profissional. A primeira tese,

a endogenista, defende que o Serviço Social surgiu a partir da evolução, da organização e

profissionalização das formas anteriores de ajuda, da caridade e da filantropia, vinculada

agora a intervenção na “questão social” (MONTAÑO, 2007, p. 19-20). Esta tese propõe o

surgimento do Serviço Social descontextualizado de um processo social, econômico e

político, no qual se gestaria as condições fundamentais para a criação dessa profissão.

Assim, como afirma Montaño (2007), a relação, portanto, do Serviço Social com a

história e a sociedade é adjetiva, circunstancial, acidental (p.28). A segunda tese, a

5 Quanto à função de executor das políticas sociais, Iamamoto faz algumas considerações sobre o Serviço Social

na contemporaneidade, considerando que este necessita ser também um profissional propositivo e não

meramente executivo ( Cf. IAMAMOTO, 2008).

6 Inicialmente publicada em espanhol, o presente trabalho é destinado a uma compreensão dos fundamentos do

Serviço Social a partir do contexto latino-americano.

Page 10: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

perspectiva histórico-crítica, entende o surgimento da profissão de Serviço Social como uma

síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento histórico, onde se

reproduz material e ideologicamente a fração de classe hegemônica, quando, no contexto do

capitalismo na sua idade monopolista, o Estado toma para si as respostas à “questão social”

(p.30). Nessa tese, o Serviço Social aparece como um “produto histórico”, como uma

profissão que surge dentro do contexto da divisão social e técnica do trabalho, atuando na

reprodução das classes sociais, bem como na relação antagônica e contraditória entre elas.

Essas teses apresentam-se claramente opostas ao pontuarem o momento no qual o

Serviço Social se consolida como profissão, demonstrando a existência de pontos de vista

distintos dentro do universo intelectual da categoria, quando a intenção é explicar a gênese do

Serviço Social como profissão.7

Nessa direção, apontamos a coerência da compreensão da origem do Serviço Social

como profissão a partir do contexto social, econômico e político que, gestado na sociedade

capitalista, especificamente na fase monopolista, demandou esse profissional, o qual se

inserindo na divisão social e técnica do trabalho atua como executor das políticas sociais

criadas pelo Estado como forma de responder as diversas expressões da questão social.

2. Algumas Considerações sobre a Relação entre o Serviço Social e a Questão Social

O processo de industrialização ocorrido no final do século XVIII seguindo no XIX, na

fase do capitalismo monopolista, experimentou a ampliação dos mercados europeus e

defrontou-se com o aparecimento da classe operária, assim como junto a essa o surgimento

do conjunto de problemas econômicos, sociais e políticos, denominado de questão social. A

chamada questão social apresenta-se configurada na assustadora ampliação do pauperismo

que atinge toda a classe operária em pleno desenvolvimento e acumulação do sistema

capitalista.

A classe operária submetida a esse processo de exploração, apresenta-se como uma

ameaça a ordem social vigente, pois as condições subumanas a que são colocadas acaba por

7 A existência de pontos de vista distintos refere-se ao fato de identificarmos autores que defedem a tese

Endogenista, tais como Herman Kruse, José Lucena Dantas, Balbina Ottoni, etc, assim como também, na

Histórico- crítca, evidenciarmos a posição de José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, Maria Lúcia Martinelli,

dentre outros ( Cf. MONTAÑO, 2007).

Page 11: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

gestar alguns conflitos sociais, o que representa para a ordem econômica um sinal de alerta

para criar estratégias a fim de conter as possíveis manifestações prejudiciais ao

desenvolvimento do sistema capitalista. Esses conflitos e tensões gerados no processo de

industrialização representam, em síntese, uma ameaça a paz econômica, social e moral da

sociedade capitalista.

A questão social originalmente expressa no empobrecimento do trabalhador,

portanto, tem suas bases reais na economia capitalista. Politicamente, passa a ser

reconhecida como problema na medida em que os indivíduos empobrecidos

organizam-se, oferecendo resistência às más condições de existência decorrentes de

sua condição de trabalhadores. (Santos, 2004, p. 65)

Diante disso, cabe criar estratégias de enfrentamento das manifestações da questão

social impedindo que sua expansão promova uma situação irreversível para a classe

dominante. E essa medida é tomada no momento que a classe dominante alia-se a Igreja e ao

Estado para exercer um controle social sobre a classe operária.

Nesse cenário, se apresentam as possibilidades para o surgimento do Serviço Social,

enquanto profissão demanda pela classe dominante para atuar no controle social da classe

trabalhadora, exercendo atividades que visam atender as necessidades sociais dessa classe

como forma de conter suas possíveis manifestações.

Assim, considerando o contexto social, político e econômico do processo histórico da

sociedade capitalista, particularmente na idade dos monopólios, fica evidente a relação

estabelecida entre a questão social e o Serviço Social, no momento que esta profissão surge

para atuar frente às necessidades sociais da classe trabalhadora, executando as políticas

sociais, as quais são criadas pelo Estado como instrumentos viáveis para atenuar a situação

de miséria a que esta classe é submetida.

Destarte, é precípuo afirma que essa profissão surge mediante um espaço apresentado

na divisão social e técnica do trabalho que a demanda e a legitima a partir do momento que

essa configura-se como executor terminal das políticas sociais, como afirma Netto (2009).

Assim, o Serviço Social tem na questão social a base para sua fundação como

especialização do trabalho (IAMAMOTO, 2008: 27), uma real e intrínseca relação onde

aquele surge para atuar frente às demandas sociais apresentadas em meio à relação

contraditória e antagônica das classes sociais fundamentais, em seu processo de produção e

reprodução da vida social.

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Considerações Finais

A compreensão da emergência do Serviço Social como profissão e sua relação com a

questão social pressupõe a análise da sociedade capitalista em sua fase monopólica,

considerando o momento em que a relação entre capital e trabalho, evidenciada no processo

de exploração em face da industrialização, promove o surgimento de uma classe operária

entregue ao pauperismo e as condições mais deploráveis de exploração e dominação

impostas pelo capital.

Nesse cenário, gestam-se as condições necessárias para o surgimento do Serviço

Social, tendo como base para sua consolidação como profissão na divisão social e técnica do

trabalho a emergência dos problemas sociais, econômicos e políticos configurados na

denominada questão social. A questão social torna-se o alvo das ações da classe dominante e

de seus aliados (Estado e Burguesia), ao constituísse uma ameaça a ordem social e

econômica vigente, uma vez que, a classe operária apresenta suas insatisfações diante das

precárias condições de vida a que é submetida.

Será, pois, nesse cenário que o Serviço Social tem sua legitimação profissional

consolidada como um profissional que participa diretamente no processo de produção e

reprodução das relações sociais das classes fundamentais, assim como no relacionamento

contraditório entre elas. Um profissional que afirma-se como um tipo de especialização do

trabalho coletivo, ao ser expressão de necessidades sociais derivadas da prática histórica

das classes sociais no ato de produzir e reproduzir os meios de vida e de trabalho de forma

socialmente determinada ( IAMAMOTO, 2008, p. 76-77).

Assim, o Serviço Social vincula-se intrinsecamente ao processo histórico do

desenvolvimento do capitalismo monopolista, apresentando-se como uma especialização

(profissional) inserida na divisão social e técnica do trabalho demandada para atuar frente às

manifestações da questão social, oriunda de um processo de pauperização a que é submetida

à classe operária a partir dos séculos XVIII e XIX. A questão social, configurada como a

base fundadora do Serviço Social, é enfrentada através políticas sociais instituídas pelo

Estado, que tem no Serviço Social o agente profissional habilitado na implementação e

execução dessas políticas, legitimando assim a profissão.

Page 13: Maricelly Costa Santos - A Emergência Do Serviço Social Como Profissão

Logo, pensar a origem do Serviço Social é indiscutivelmente associá-lo ao momento

exatado em que ao emerge a questão social, o Estado propõe estratégias de enfrentamento de

suas expressões apresentando no contexto das especializações do trabalho coletivo a

necessidade de um profissional com as atividades e ações próprias do (a) assistente social.

Bibliografia

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