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1 Maribel Chagas de Ávila INTERNETÊS: uma anamnese da história da escrita Cuiabá-MT Agosto de 2008

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Maribel Chagas de Ávila

INTERNETÊS: uma anamnese da história da escrita

Cuiabá-MT

Agosto de 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem

INTERNETÊS: uma anamnese da história da escrita

Maribel Chagas de Ávila

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Estudos de Linguagem da UFMT,

como requisito para a obtenção do título de Mestre em

Letras e Lingüística, sob a orientação de Maria Inês

Pagliarini Cox.

Cuiabá-MT

Agosto de 2008

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AGRADECIMENTOS

Às minhas filhas, pela luz em minha vida;

Ao meu Flávio, pelo amor e companheirismo;

A minha mãe, pela vida e ensinamentos;

Ao meu pai (em memória), pelo amor às letras;

À minha sogra (em memória), pelas orações aos pés de São Benedito;

À minha cunhada-irmã Márcia, pelo aconchego e confiança;

Aos meus irmãos, pelo apoio e afeto;

Aos professores Elias Alves de Andrade e Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, pela

leitura atenta de meu trabalho e pelas valiosas sugestões;

À minha querida orientadora, pela confiança e orientação;

Aos amigos (Los compadres), pelo incentivo.

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Ando devagar porque já tive pressa levo esse sorriso porque já chorei demaiso eu sei

Eu nada

RESUMO

ÁVILA, Maribel Chagas de. INTERNETÊS: uma anamnese da história da escrita. Dissertação

(Mestrado), Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem-MeEL, UFMT, Cuiabá, 2008.

A pesquisa que deu origem à presente dissertação perscrutou a “língua” engendrada e posta em

circulação nas interações pelo MSN e Orkut, aqui designada como internetês. O estudo não

focalizou o internetês como discurso, como gênero, como evento de comunicação, como texto ou

intertexto ou como interatividade. Focalizou-o como um sistema ou subsistema grafolingüístico.

Teve por objetivo apreender e descrever as singularidades desse sistema lingüístico; visualizar seu

comportamento em relação às modalidades oral e escrita da linguagem verbal; discutir a apropriação

das formas de representação do oral construídas ao longo da história da escrita; ouvir professores

acerca da emergência do internetês e sua possível migração para o contexto e gêneros escolares de

escrita. Para a realização desta pesquisa, foi utilizada uma metodologia qualitativa de natureza

etnográfica, envolvendo observação e coleta de dados em contexto natural. Foram

observados/ouvidos 16 informantes, 12 adolescentes e 04 professores de português, igualmente

distribuídos por duas escolas, uma pública e outra particular, na cidade de Cáceres-MT. O internetês

não se configura nem como uma nova língua, nem como um mero sistema de escrita. É um socioleto

que identifica a tribo dos internautas que interagem em tempo real via MSN e outros chats. Como

socioleto, o internetês existe sob a forma de uma escrita que amalgama todos os sistemas de escrita

já inventados pela humanidade e que embaralha as fronteiras entre o oral e o escrito de um modo

nunca antes visto. Pela revolução que provoca no pensamento lingüístico sedimentado, o internetês

gera insegurança entre aqueles que têm por profissão ensinar a língua materna.

Palavras-chave: internetês; sistema grafolingüístico; anamnese da história da escrita

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ABSTRACT

ÁVILA, Maribel Chagas de. NETSPEAK: an anamnesis of the history of writing. Dissertation

(Master degree), Master Program in Language Studies, UFMT, Cuiabá, 2008.

The research that originated this dissertation examined the “language” created and used in the

interactions through the MSN and the Orkut, here called netspeak. The study did not emphasize the

netspeak as a discourse, as a gender, as a communication event, as a text or an intertext or as

interactivity. It is shown as a grapholinguistic system or subsystem. It aimed at understanding and

describing the singularities of this linguistic system; visualizing its behavior in relation to oral and

written modalities of the verbal language; discussing the adjustment of the oral representation forms

built through the history of writing; listening to teachers about the emergence of the netspeak and its

possible migration to the context and school genders of writing. A qualitative ethnographic

methodology was used in this research, involving observation and data collection in a natural

context. 16 informants, 12 teenagers and 04 Portuguese teachers, were observed/heard, equally

distributed in two schools, one public and the other private, in Cáceres-MT. The netspeak is neither

a new language nor a mere writing system. It is a social dialect that identifies the tribe of internet

users who interact in real time via MSN and other chats. As a social dialect, the netspeak exists

under a written form that mixes all the writing systems already invented by humanity and that

entangles the frontiers between the oral and the written in a way never seen before. For the

revolution that it provokes in the sedimented linguistic thought, the netspeak generates insecurity

among those that have as a profession the teaching of the mother tongue.

Palavras-chave: netspeak; grapholinguistic system; anamnesis of the history of writing.

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LISTA DE FIGURAS

Figura1: Escrita rupestre 30

Figura 2: Escrita suméria 30

Figura 3: Ideograms chineses 32

Figura 4: Uso de chaves 33

Figura 5: Agregados lógicos 33

Figura 6: Sinal de trânsito 33

Figura 7: Sinalização pública 34

Figura 8: Exemplo de escrita rebus 34

Figura 9: Escrita ideográfica convencional (algarismos arábicos) 36

Figura 10: Uso contemporâneo da escrita rebus em carta enigmática 37

Figura 11: Silabários japoneses: hiragana e katakana 38

Figura 12: Algumas letras do alfabeto desde o pictograma de origem 40

Figura 13: Página inicial do site do Windows Live 53

Figura 14: Exemplo de perfil (fake) de um orkuteiro 55

Figura 15: Perfil de orkuteiro e rede de comunidades 56

Figura 16: Orkutmaníacos e rede de amigos e comunidades 57

Figura 17: Sinal de trânsito e leituras possíveis 87

Figura 18: Site e propaganda do MiGuXeiToR 98

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S U M Á R I O

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 15

1.1 Da oralidade à escrita 16

1.2 Da escrita quirográfica à escrita eletrônica 19

1.3 Dos contrastes entre a oralidade e a escrita 21

1.4 Do continuum oralidade – escrita 25

1.5 Dos sistemas de escrita 28

1.5.1 Da natureza dos sistemas de escrita 30

1.5.2 A escrita chinesa 31

1.5.3 1.5.3 O sistema ideográfico no contexto de culturas fonográficas 33

1.5.4 A escrita numérica 35

1.5.5 A escrita rebus 36

1.5.6 Sistemas fonográficos 37

1.5.7 A escrita silábica 37

1.5.8 A escrita consonantal 38

1.5.9 A escrita alfabética 40

1.5.10 A escrita alfabética ortográfica 41

1.5.11 A escrita fonética 42

CAPÍTULO II

A PESQUISA DE CAMPO 44

2.1 Perguntas da pesquisa 44

2.2 Metodologia 44

2.3 O locus da pesquisa 47

2.4 Os sujeitos da pesquisa 50

2.4.1 Os alunos adolescentes 50

2.4.2 Os professores 51

2.5 Os procedimentos e técnicas de coleta de dados 51

2.6 O programa MSN 52

2.7 O site Orkut 54

2.8 Os procedimentos de análise 59

CAPÍTULO III

APRESENTAÇÃO DO CORPUS 61

CAPÍTULO IV

ANÁLISE DO CORPUS 76

4. Internetês: uma nova língua, um socioleto ou apenas uma escrita? 76

4.1 Apropriação de recursos oferecidos pelos sistemas fonográficos 78

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4.1.1 A escrita consonantal 78

4.1.1.1 Os internautas e a escrita consonantal 78

4.1.2 As escritas alfabéticas – ortográfica e fonética 80

4.1.2.1 Os internautas e a escrita alfabética ortográfica 81

4.1.2.2 Os internautas e a escrita fonética 83

4.2 Apropriação de recursos oferecidos pelos sistemas ideográficos 86

4.2.1 Os emoticons 88

4.2.2 A escrita ideográfica fonográfica 90

4.3 Letras usadas mediante procedimento rebus 92

4.4 Procedimentos de abreviatura 92

4.5 As marcas da força ilocucionária 93

4.6 Miguxês, fofolês e tatibitati 96

4.7 Professores e internetês 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS 103

BIBLIOGRAFIA 109

ANEXOS

Anexo I 114

Anexo II 116

Anexo III 119

Anexo IV 120

Anexo V 122

Anexo VI 126

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Ao ler, a escrita volta a ser fala. Por outro lado, se

imaginarmos que, no futuro, vamos escrever através de

computadores, o ato de escrever terá muitas características

próprias, diferentes das que usamos hoje, a começar pelo não uso

de caneta e de papel.. O mundo da imagem estará em plena forma e

as palavras escritas, na maioria das vezes, não passarão de

simples rótulos para tarefas específicas que o computador

realizará. (Luiz Carlos Cagliari)

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Introdução

Mas o espelho do pagus, a página ainda pesada do barro mesopotâmico,

sempre aderente à terra do neolítico, essa página muito antiga se apaga lentamente

sob a enchente informacional. Soltos, os seus signos vão ao encontro da onda

digital.

Em vez de um texto localizado, fixado num suporte de celulose, no lugar de

um pequeno território com um autor proprietário, com começo e fim formando

fronteiras, o do World Wide Web confronta-nos com documentos dinâmicos,

abertos, ubíquos, indissociáveis de um corpus praticamente infinito. (LÉVY, 2000,

p. 213)

Esta dissertação começou a nascer no momento em que me deparei com a linguagem

usada pelos jovens nas interações virtuais, via MSN e Orkut. Como professora de língua

portuguesa, experimentei a sensação de estar diante de uma forma de expressão que me soava

estrangeira. Perplexa, não pude deixar de me perguntar: que língua/linguagem é essa? Por que

esses jovens escrevem assim? Contudo, alinhada com as lições da lingüística, em momento algum

assumi a atitude judicativa de avaliar o que via como sintoma de degradação da língua portuguesa,

mas sim a atitude compreensiva de me aproximar e entrar num território que desconhecia.

Decidida a conhecer o funcionamento dessa forma de linguagem, aqui designada como

internetês, passei a freqüentar o MSN e o Orkut. Passado o estranhamento inicial, comecei a captar

a lógica daquela forma de expressão que, à primeira vista, me parecia caótica. Abreviações,

reduções de palavras, seqüências de consoantes sem vogais, acrônimos, neologismos, trocas de

letras, abundância de letras maiúsculas, sinais de pontuação em excesso, alongamento de sílabas e

uma fartura de recursos iconográficos – seria a invenção de um novo código de escrita ou um uso

novo de códigos que já existiam?

Como professora que interage cotidianamente com jovens, desejava dominar o

internetês ou netspeak, conforme Crystal (2005, p.76), para compreender as motivações que os

levam a “falar” essa língua e a participar dessa interação virtual com tanto entusiamo. Afinal, não

estamos diante da inclinação de um pequeno grupo de pessoas, mas de uma parcela considerável

da população mundial que integra o movimento de virtualização da sociedade, desencadeando

interações para além da presença física. Àqueles que, apocalípticos, dizem que essa nova forma de

interação leva à desintegração e ameaça a vida societal, Levy (1999, p. 213) costuma lembrar que

as pessoas que mais interagem por telefone são também as que mais se encontram ao vivo.

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Navegando na rede, descobri que, na internet, se instalava um novo espaço de interação

muito rico e propício a pesquisas que poderiam contribuir para que alguns professores de língua

parassem de torcer seus tradicionais narizes para a linguagem viva, para as práticas sociais

comunicativas, para espaços de produção de leitura e escrita que não os habituais textos impressos

e folhas de papel em branco. Nada melhor para combater o preconceito do que o olhar

compreensivo da ciência.

Pensar esse espaço virtual e esse sistema de escrita como um recurso a mais a serviço

da educação e como possibilidade de dar voz a alguém que tem algo a dizer e o diz tão

espontaneamente, tão sem culpa, tão verdadeiramente, é papel do professor que se propõe a

realizar uma educação culturalmente sensível. “Ignorar o que está acontecendo fora da escola é

andar na contramão da história, é deixar passar a oportunidade de ser personagem e de atuar no

cenário que está sendo construído a nossa volta” (ARAÚJO e BIASI-RODRIGUES, 2007, p. 90).

Sinto que a vivência e a familiaridade com os aparatos tecnológicos me fizeram

perceber que o computador e a Internet são instrumentos que propiciam um novo contexto para o

uso da escrita e um contexto que a revoluciona. Os sujeitos usuários do internetês, esse novo

sistema de comunicação, aberto para o futuro, mas, paradoxalmente, tão antigo quanto a própria

escrita, é que escrevem uma nova página da história da humanidade. Pressionados pelo contexto

da Internet, os jovens freqüentadores dos chats reinventam a escrita, um meio de comunicação

assíncrono, em meio síncrono1.

Para a realização da pesquisa, foi necessária uma imersão no mundo virtual. Aos

poucos, percebi que estava diante de um objeto multifacetado que se abria a muitos olhares. Em

minhas pesquisas e leituras preliminares, encontrei várias pesquisas sobre o comportamento e a

identidade dos usuários do ciberespaço e sobre o uso da internet como ferramenta para educação

em geral e para o ensino da língua materna e de línguas estrangeiras. Outras pesquisas tratam as

interações por meio da Internet sob a perspectiva dos gêneros digitais e hipertextos, procurando

mostrar as características relativamente estáveis quanto aos conteúdos temáticos, estilo verbal e

construção composicional, num diálogo explícito com Bakthin (2000). Os analistas do discurso

também têm produzido pesquisas sobre o que se diz na rede, principalmente nos Blogs, no Orkut e

suas comunidades, a exemplo de Komesu (2008) que se debruça sobre a polêmica acerca do

internetês. Dentre os estudos sobre os chamados ciber-gêneros, destacam-se os de Coscarelli

1 Meios de comunicação síncronos são aqueles que propiciam a interação imediata entre os interlocutores (a voz na

interação face a face, o telefone, a internet etc.) e assíncronos, aqueles que propiciam a interação mediata entre os

interlocutores (a escrita).

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(2005), Marcuschi (2005), Araújo (2007), Biasi-Rodrigues e Araújo (2005), Freitas e Costa

(2006).

Embora o estranhamento em relação ao sistema grafolingüístico posto em prática pelos

internautas seja a tônica das manifestações acerca do internetês, não há descrições densas que

esmiúcem os seus princípios de construção e funcionamento. Geralmente, as idiossincrasias do

internetês são subsumidas como formas de abreviação. Ninguém discorda dessa categorização

englobante dos traços do internetês, mas é preciso ir além e destrinçar as estratégias de que os

internautas lançam mão para abreviar. Ribeiro (2006), num trabalho bastante lúcido, trata das

abreviaturas como um recurso funcional a essa forma de expressão, mas não exclusivo dela, pois

estão presentes em outras fases da escrita (manuscrita ou impressa) do português. O autor analisa

documentos do século XIX, para mostrar que as abreviaturas se faziam presentes na escrita

daquela época, algumas delas coincidindo com as formas adotadas contemporaneamente pelos

internautas. Como o foco do estudo não é o sistema grafolingüístico, mas os procedimentos de

abreviatura, o trabalho de Ribeiro não detalha os recursos de escrita de que se apropriam os

internautas na tessitura de seus enunciados.

Assim, é meu propósito observar, descrever e analisar como funciona a escrita

engendrada pelos usuários do MSN e do Orkut. Acredito que apenas um trabalho conseqüente de

descrição que revele a natureza ordenada e sistemática do internetês, semelhante ao que Labov

(1975) realizou em relação ao Black English, pode reabilitá-lo da pecha de erro, caos, desordem e

ameaça à integridade do bom português. Vou focalizar o engendramento de um sistema

grafolingüístico que descobre um novo território entre a oralidade e a escrita do português. Penso

que este é um passo necessário para superar a atitude simplista de julgar e condenar uma forma de

expressão que está nascendo mesmo antes de compreendê-la. Como afirma Araújo e Biasi-

Rodrigues (2007, p.90), “um comportamento preconceituoso não vai evitar que os conhecimentos

se interpenetrem, pois é assim que a linguagem funciona, numa grande e incontrolável mobilidade,

à revelia dos puristas e gramatiqueiros de plantão”.

Sob essa ótica, minhas atividades de investigação se concentram na descrição desse

sistema de escrita alternativo e extremamente funcional num contexto em que a rapidez e a

agilidade da digitação são fatores críticos. De antemão, posso adiantar que estamos diante de um

agenciamento de sistemas gráficos que, pressupondo uma competência comunicativa altamente

sofisticada, vale a pena ser estudado e compreendido e não descartado levianamente como

português ruim. O internetês não se trata, a meu ver, de uma danação da boa escrita, mas sim de

uma reinvenção dos meios que a história da escrita disponibilizou aos homens para eles se

comunicarem quando não em presença uns dos outros. O alcance, sem fronteiras espaço-

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temporais, da comunicação cibernética e os recursos da multimídia é que tornam possível essa

reinvenção da escrita.

O estudo que dá origem à presente dissertação perscruta a “língua” engendrada e posta

em circulação pela internet nas interações pelo MSN e Orkut. Não focaliza o internetês como

discurso, como gênero, como evento de comunicação, como texto ou intertexto ou como

interatividade. Focaliza-o, sim, como um sistema ou subsistema grafolingüístico. Tem por

objetivo apreender e descrever as singularidades desse sistema lingüístico; visualizar seu

comportamento em relação às modalidades oral e escrita da linguagem verbal; discutir a

apropriação das formas de representação do oral construídas ao longo da história da escrita; ouvir

professores acerca da emergência do internetês e sua possível migração para o contexto e gêneros

escolares de escrita.

Partindo dos contrastes entre a oralidade e a escrita, busco em Ong (1998) apoio teórico

para melhor compreender as relações entre as duas modalidades da língua e o surgimento de um

novo território entre elas. Além disso, retomo as discussões acerca do continuum oralidade-escrita

feitas por Marcuschi (2005), Fávero (2007) e Bortoni-Ricardo (2004 e 2005). Com o auxílio de

Olson (1997), Cagliari (1999) e Massini-Cagliari (1999), relembro a história dos sistemas de

escrita.

A pesquisa foi realizada por meio de uma metodologia qualitativa de natureza

etnográfica, envolvendo observação e coleta de dados em contexto natural. Consoante Marcuschi

(2004, p. 14), “a etnografia da Internet é de grande relevância para entender os hábitos sociais e

lingüísticos das novas ‘tribos’ da imensa rede mundial, que vem se avolumando e diversificando a

cada dia”. Tive como informantes 12 adolescentes e 04 professores de português, igualmente

distribuídos por duas escolas, uma pública e outra particular, ambas na cidade Cáceres-MT. Os

adolescentes que participaram da pesquisa concordaram em salvar e me doar conversas do MSN e

mensagens do Orkut. Foi com os excertos cedidos pelos informantes que constituí o corpus

descrito e analisado no Capítulo IV. Os 04 professores foram ouvidos acerca do que pensam sobre

o internetês por meio de entrevista.

Além desta introdução, a dissertação consta de quatro capítulos, conclusão, referência

bibliográfica e anexos.

No primeiro capítulo, busco traçar um paralelo entre a oralidade e a escrita, refletindo

sobre como o surgimento da tecnologia da escrita mudou a “mentalidade” humana. Faço

um percurso histórico da escrita quirográfica à escrita eletrônica, passando pela fase da

imprensa. Apresento também alguns pontos de vista sobre o continnum oralidade-escrita.

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Revisito os sistemas ideográficos (o sistema de escrita chinesa, o uso do sistema

ideográfico com o fonográfico, a escrita figurativa-icônica, a escrita ideográfica

convencional dos algarismos, a escrita rebus) e os sistemas fonográficos (a escrita silábica,

a escrita consonantal, a escrita alfabética ortográfica e a escrita fonética).

No segundo capítulo, descrevo a metodologia de pesquisa, faço uma caracterização das

escolas e sujeitos observados/ouvidos, além de realizar uma breve apresentação do

programa MSN e do site Orkut .

No terceiro capítulo, apresento o corpus da pesquisa, ou seja, o conjunto de excertos

selecionados para análise entre todos que o grupo de informantes salvou/copiou do MSN e

Orkut.

No quarto capítulo, examino a retomada de vários sistemas ideográficos e fonográficos,

constituídos historicamente, pelo internetês, com o propósito de fazer da escrita um meio

de comunicação adequado à interação síncrona, como a conversa em chats abertos, que se

caracteriza por um alto grau de reversibilidade, exigindo, em conseqüência, agilidade e

astúcia dos chateadores. Busco descrever as tentativas de escritura da força ilocucionária.

E, finalmente, analiso uma variação do internetês conhecida como miguxês.

Na conclusão, teço as considerações finais, sintetizo as respostas às perguntas de pesquisa

e reflito sobre as implicações do estudo.

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CAPÍTULO I

Revisão bibliográfica

Embora a linguagem oral preceda a escrita, tanto na história da humanidade quanto na

história de cada indivíduo, no mundo moderno, não é fácil imaginar uma tradição puramente oral

ou a oralidade primária de forma exata e significativa, já que a cultura escrita faz parte do

cotidiano da maioria dos povos do planeta, como uma espécie de segunda natureza. O

pensamento e a identidade humanos foram e são fortemente afetados pela cultura escrita, já que

os primeiros registros da escrita datam de mais de 6000 anos.

No dizer de Ong (1998, p.155), a dinâmica oralidade-escrita penetra integralmente na

moderna evolução da consciência em direção tanto a uma maior interiorização quanto a uma

maior compreensão. A primeira, sem a invenção da segunda, muito pouco ofereceria ao homem

na sua trajetória.

(...) sem a escrita, a consciência humana não pode atingir o ápice de suas potencialidades,

não é capaz de outras criações belas e impressionantes. A cultura escrita, como veremos,

é imprescindível ao desenvolvimento não apenas da ciência, mas também da história, da

filosofia, ao entendimento analítico da literatura e de qualquer arte e, na verdade, à

explicação da própria linguagem (incluindo a falada) (ONG, 1998, p.23).

De um modo geral, os trabalhos sobre oralidade e escrita supervalorizam a segunda,

considerando que toda humanidade procura um único fim, ou seja, a evolução proporcionada

pela tecnologia da escrita, numa visão evolucionista. Contudo, há estudos e discussões que

problematizam a dicotomia oralidade/escrita, questionando as contradições da tecnologia, a

diversidade e a especificidade de cada cultura e, principalmente, os efeitos da escrita, da

imprensa e das tecnologias eletrônicas na história da humanidade.

Neste sentido, faço um contraponto entre as culturas de expressão oral e de expressão

escrita, além de caracterizar as várias fases da escrita: quirográfica, impressa e eletrônica.

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1.1 Da oralidade à escrita

Ong (1998, p.94) relembra Platão, para quem a escrita é inumana, pois pretende

estabelecer fora da mente o que só nela pode estar. Ela é um produto manufaturado, uma coisa. A

escrita, segundo Platão, enfraquece a mente e destrói a memória, aqueles que usam a escrita se

tornarão desmemoriados e se apoiarão apenas em um recurso externo para aquilo de que carecem

internamente.

Alguns autores tratam das implicações sociais e psicológicas da tecnologia da escrita. Em

que sentido é a escrita uma tecnologia? Exige o uso de ferramentas e materiais e amplia o

potencial da oralidade que é o habitat natural da linguagem verbal. Permite o distanciamento do

mundo da vida e da própria linguagem, aumentando a nossa capacidade de estranhá-la e torná-la

objeto de reflexão. Entre esses autores estão Ong (1998), Olson (1995), Havelock (1996) e

Goody (1977). Sobre a relevância e o impacto dessa tecnologia, afirma Ong:

Dizer que a escrita é artificial não é condená-la, mas elogiá-la. Como outras criações

artificiais e, na verdade, mais do que qualquer outra, ela é inestimável e de fato

fundamental para a realização de potenciais humanos mais elevados, interiores. As

tecnologias não constituem meros auxílios exteriores, mas, sim, transformações interiores

da consciência, e mais ainda quando afetas à palavra. Tais transformações podem ser

enaltecedoras. A escrita aumenta a consciência. A alienação de um meio natural pode ser

boa para nós e, na verdade, é em muitos aspectos fundamental para a vida humana plena.

Para viver e compreender plenamente, necessitamos não apenas da proximidade, mas

também da distância. Essa escrita alimenta a consciência como nenhuma outra ferramenta

(ONG, 1998, p. 98).

Goody (1977, apud Galvão, 2006, p.417) chega a considerar o advento da escrita como

um divisor entre o pensamento “selvagem” e o pensamento “civilizado”. Na mesma direção,

Havelock (1996, apud GALVÃO, 2006, p.417) afirma que a história da mente e da linguagem

humana pode ser dividida em duas grandes épocas: a pré-alfabética e a pós-alfabética. Esse autor

afirma ainda que o advento da filosofia grega estaria ligado ao advento da escrita alfabética que

reestruturou as formas de pensar passando do estilo oral agregativo e paratático para o estilo

analítico e dissecador da escrita (HAVELOCK, 1996, apud ONG, 1998, p. 37-38).

A escrita representa apenas uma parte da língua. Portanto, a língua não se confunde e não

se reduz à escrita. Saussure, na aurora da lingüística moderna (início do século XX), numa

perspectiva bastante crítica ao grafocentrismo, acentua a primazia da linguagem oral, afirmando

que a única razão de ser da escrita é representar a língua falada. É importante compreender que

todos os sistemas de escrita são manifestamente baseados nas unidades da língua falada.

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Língua e escrita são dois sistemas distintos de signos; a única razão de ser do segundo é

representar o primeiro; o objetivo lingüístico não se define pela composição da palavra

escrita e da palavra falada; esta última, por si só, constitui tal objeto. Mas a palavra

escrita se mistura tão intimamente com a palavra falada, da qual é a imagem, que acaba

por usurpar-lhe o papel principal; terminados por dar maior importância a representação

do signo vocal do que ao próprio signo. É como se acreditássemos que, para conhecer

uma pessoa, melhor fosse se contemplar-lhe a fotografia do que o rosto. A língua tem,

pois, uma tradição oral independente da escrita e bem diversamente fixa; todavia, o

prestígio da forma escrita nos impede de vê-lo. Os primeiros lingüistas se enganaram

nisso, da mesma maneira que, antes deles, os humanistas. O próprio Bopp não faz

diferença nítida entre a letra e o som; lendo-o, acreditar-se-ia que a língua fosse

inseparável do seu alfabeto. (SAUSSURE, 1975, p.34 - 35)

A oralidade antecede a escrita, constituindo-se como o modo original da existência de

qualquer língua. A sociedade humana primeiramente se formou com a ajuda do discurso oral, às

vezes menos ou mais elaborado, dependendo da época e do lugar. Antes do advento da escrita, a

transmissão de costumes, cultura e conhecimentos diversos apoiava-se na expressão oral. Olson

(1997) defende o valor da oralidade, enfatizando que esta não pode ser considerada inferior à

escrita. T. Astle (apud OLSON, 1997) escreveu em 1874, que "a mais nobre aquisição da

humanidade é a fala, e a arte mais sutil é a escrita; a primeira distingue eminentemente o homem

da criatura bruta, e a segunda, dos selvagens sem civilização" Por sua vez, Olson (1997, p.32),

citando Canuthers, afirma que “o fato de escrevermos alguma coisa não pode alterar nossa

representação mental dessa coisa.” Como Olson, acredito que algumas crenças sobre a escrita

foram tomadas como verdades e acabaram por supervalorizar uma tecnologia que por si só não

garante a capacidade de construção cultural e cognitiva do homem ocidental.

Contemporaneamente, há quem reaja a essa primazia histórica concedida à escrita,

argumentando em favor da relevância das duas modalidades de linguagem:

Na cultura atual, a oralidade e a escrita se fazem onipresentes. Não se confundem nem se

excluem. São, de acordo com Marques (1999), formas distintas de linguagem, relevantes

e eficientes, não em si mesmas, mas nos usos que fazemos delas. É inegável que a escrita

influenciou sobremaneira a oralidade, introjetando nela um estado de espírito escritural.

Não podemos negar também que a linguagem escrita não existiria em toda a sua

especificidade, sem os princípios da oralidade. (PEREIRA e MOURA, 2006, p.70)

Há posições divergentes quanto à relação oralidade e escrita. Alguns autores acentuam as

fronteiras que as separam, numa espécie de polarização; outros vêem mais aproximação do que

distanciamento, pensando em termos de contínuos. Ong é um desses autores que tendem a

polarizar as diferenças. Para ele, o pensamento oral é mais situacional e concreto do que o

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abstrato. O autor relembra a experiência de Luria com jogos intelectuais eficientes nas

sociedades letradas e ineficientes quando aplicados a usuários da oralidade primária. Nesse

sentido, Ong (1998) diz que as palavras estão restritas ao som, isso não só determina apenas os

modos de expressá-las, mas também os processos de pensamento e de estocagem do

conhecimento: sabemos o que podemos recordar. Como as culturas orais não dispõem de textos

fixados pela escrita e disponíveis a consultas, dependem para a retenção dos saberes tradicionais

de recursos mnemônicos que determinam até mesmo a natureza dos recursos de sintaxe.

Numa cultura oral primária, para resolver efetivamente o problema da retenção e da

recuperação do pensamento cuidadosamente articulado, é preciso exercê-lo segundo

padrões mnemônicos, moldados para uma pronta repetição oral O pensamento deve

surgir em padrões fortemente rítmicos, equilibrados, em repetições ou antíteses, em

aliterações e assonâncias, em expressões epitélicas ou outras expressões formulares, em

conjuntos temáticos padronizados (...), em provérbios que são constantemente ouvidos

por todos, de forma a vir prontamente ao espírito, e que são eles próprios modelados para

a retenção e a rápida recordação – ou em outra forma mnemônica (ONG, 1998, p.45)

Nas culturas orais, a linguagem verbal é parte de uma performance corporal que integra

outras linguagens. Normalmente, a composição oral está associada às atividades manuais. “A

palavra oral nunca existe num contexto puramente verbal, como ocorre com a palavra escrita. As

palavras proferidas são sempre modificações de uma circunstância total, existencial, que sempre

envolve o corpo” (ONG, 1998, p.81). Num texto, as palavras escritas precisam se bastar para a

construção do significado, já que se apresentam isoladas do contexto.

A situação das palavras em um texto é muito diferente. Da sua situação na linguagem

falada. Embora se refiram a sons e não tenham sentido até que possam ser relacionadas –

externamente ou na imaginação – aos sons ou, mais precisamente, aos fonemas que

codificam, as palavras escritas estão isoladas do contexto pleno no qual as palavras

faladas nascem. As palavras em seu habitat natural, oral, são parte de um presente real,

existencial. (ONG, 1998, p.117).

A escrita alfabética deu início a um processo que vai da escrita quirográfica à escrita

eletrônica. Se não fosse a invenção da escrita alfabética, dificilmente o homem chegaria à escrita

eletrônica, pois, a partir da escrita alfabética e da invenção da imprensa há um processo de

popularização da escrita e de espacialização mais intenso da palavra que prenuncia a escrita

digital.

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1.2 Da escrita quirográfica à escrita eletrônica

Ong defende a tese de que a escrita é uma tecnologia que envolve historicamente

materiais e instrumentos diversos. Como tecnologia, sua função é potencializar o alcance da

linguagem verbal como meio de comunicação. Não fosse a escrita, a linguagem verbal não teria

se tornado apta a servir como meio de comunicação para além dos limites estreitos da interação

face a face. Assim, da escrita quirográfica à digital, a linguagem tem sua potencialidade de

comunicação amplificada em proporções inimagináveis.

No seu advento, os povos usaram instrumentos e artefatos os mais diversos para

produzir e grafar as palavras de suas línguas. O uso da pedra como suporte aparece em épocas

diferentes, das mais remotas até os dias atuais, a exemplo dos epitáfios. A ardósia, os tijolos, os

cacos de cerâmica, o mármore, o osso, o vidro, o ferro, o bronze e o ouro também foram e ainda

são utilizados por muitas civilizações. Segundo Higounet (2003, p. 16), os mais antigos

caracteres chineses eram gravados em bronze ou no casco de tartaruga.

Antes do surgimento do papel, foram usados inúmeros materiais menos duros como

madeira, casca de árvores, folhas de palmeira, tela, seda, peles de animais, tabuletas de cera e

lâminas de bambu. O pergaminho e o papiro também antecederam o papel, sendo o último

bastante utilizado na Antiguidade, principalmente pelos egípcios que o fabricavam com o caule de

um junco cultivado no vale do Nilo. O pergaminho teve seu uso difundido do século IV ao século

XIII, era considerado resistente por ser feito da pele de cordeiro, podendo ser reaproveitado para

transcrição de novos textos.

Os chineses inventaram o papel a partir de trapos de linho. Os mais antigos documentos

escritos no papel são textos budistas do século II. Apesar de Sakarkanda ter sido um dos grandes

centros de fabricação de papel durante a Idade Média, foram os árabes que o levaram para a

Europa.

Na Idade Média, muitos autores contratavam escribas para ditarem seus textos porque

sentiam necessidade dos efeitos sonoros das palavras. De certa forma, levou algum tempo para

que as pessoas do mundo antigo criassem uma intimidade com a escrita. Por exemplo, o

testemunho oral era considerado mais confiável do que documentos escritos. Até hoje, a cultura

oral continua viva na memória da humanidade em certos rituais religiosos. Em casamentos,

batizados e funerais repetem-se por séculos as mesmas expressões: Eu os declaro marido e

mulher..., Eu te batizo em nome..., Descanse em paz...

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As culturas manuscritas permaneceram oral-auriculares, recorrendo sistematicamente à

memorização, já que era difícil localizar materiais num manuscrito lido anteriormente. Segundo

Ong (1998, p. 138), as primeiras páginas de rosto do século XVI mostravam palavras sem grande

importância impressas em letras enormes, caracterizando um processo acústico, meramente posto

em movimento pela visão, mantendo espaços mínimos ou inexistentes entre uma palavra e outra.

Os manuscritos não eram fáceis de ler.

De acordo com Ong, foi a impressão que encerrou o predomínio da audição no mundo do

pensamento e da expressão em favor da visão. A escrita quirográfica, pelas suas limitações

técnicas, não foi capaz de extrair a linguagem do mundo do som definitivamente. Foi a impressão

que moveu as palavras do mundo do som para o mundo da visão, reificando, encerrando e

posicionando as palavras no espaço. O controle da posição dos tipos é fundamental no processo

de impressão.

A impressão transforma inexoravelmente a palavra num bem material cuja propriedade

passa a ser reivindicada como nunca antes no mundo da linguagem verbal. Após a fase

quirográfica, o surgimento da impressão trouxe também muitas modificações, a primeira delas foi

tirar a antiga arte da retórica do centro da educação acadêmica, assim como desenvolver a leitura

privativa e solitária, o sentimento de autoria.

A impressão situa as palavras no espaço de maneira muito mais inexorável do que a escrita

jamais fizera. A escrita move as palavras do mundo do som para um mundo do espaço

visual, mas a impressão encerra as palavras em uma posição nesse espaço. O controle de

posição é tudo na impressão. (ONG, 1998, p. 139-140)

De um modo geral, a impressão dá legibilidade ao texto e, por serem reproduzidas várias

cópias, exige a atenção de outros profissionais como editores, revisores e agentes literários. Além

disso, o espaço tipográfico encerra a palavra de modo mais definitivo, a organização visual do texto

passa a ter características específicas. Segundo Ong (1998, p.142), “os índices constituem o auge do

desenvolvimento nesse aspecto. Os índices do alfabeto mostram de forma impressionante o

desprendimento das palavras do discurso e seu encerramento no espaço tipográfico”. Os livros da

cultura manuscrita eram apresentados de forma rudimentar, normalmente iniciavam com uma oração

ou algo como “começa”, a folha de rosto só surgiu depois da impressão. Os livros impressos eram

fisicamente semelhantes, essa característica os transformou em coisas, objetos.

Cada livro individual em uma edição impressa era fisicamente semelhante a outro, um objeto

idêntico, diferentemente dos livros manuscritos, mesmo quando estes apresentavam o mesmo

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texto. Agora, com a impressão, duas cópias de uma dada obra não apenas diziam a mesma

coisa, eram duplicatas umas das outras, como objetos. (ONG, 1998, p. 144).

Como conseqüência dessa hipervisualização do texto impresso, o espaço tipográfico controlará

não apenas quais palavras serão escritas, mas também a posição exata na folha impressa. A impressão

institui também a correção da linguagem, o plágio, as normas gramaticais e os dicionários. Além

disso, leva os seres humanos a modificarem seu modo de compreender o conhecimento, de certa

forma coisificando-o.

A impressão, ao retirar as palavras do mundo do som no qual haviam primeiramente se

originado num intercambio humano ativo e ao bani-las definitivamente para a superfície visual

e, por outro lado, ao explorar o espaço visual para o tratamento do conhecimento, encorajou os

seres humanos a julgar seus próprios recursos interiores, conscientes ou inconscientes, como

cada vez mais semelhantes a coisas, impessoais e religiosamente neutros. A impressão

encorajou a mente a entender que seus bens estavam confinados a uma espécie de espaço

mental inerte (ONG, 1998, p.150).

Finalmente a sociedade humana chega à fase eletrônica, à fase da comunicação em tempo real

a distância. Intensificadas e propagadas pelo telefone, rádio e televisão, a voz pode transcender as

fronteiras da interação face a face, assim como a escrita, graças à internet, se habilita a mediar a

interação síncrona a distância. A comunicação eletrônica embaralha, pois, as fronteiras entre a

oralidade e a escrita. Surge a “oralidade secundária”, a oralidade dos meios de comunicação de

massa, como um desenvolvimento da tecnologia da escrita. Essas mudanças afetam profundamente a

sociedade, pois os aparatos tecnológicos recriam o texto, exigindo novas formas de linguagem, novos

processos de produção e construção do discurso. Consoante Ong,

o processamento e a espacialização subseqüentes da palavra, iniciados pela escrita e

levados a uma nova ordem de intensidade pela impressão, são ainda mais intensificados

pelo computador, que aumenta a entrega da palavra ao espaço e ao movimento

(eletrônico) local e otimiza a seqüencialidade analítica ao torná-la virtualmente

instantânea (ONG, 1998, p. 154).

1.3 Dos contrastes entre a oralidade e a escrita

A cultura oral nunca ocorre num contexto unicamente verbal. As palavras proferidas são

sempre modificações de uma circunstância total, envolvendo a atividade corporal na

comunicação. Nesse sentido, Ong vê as culturas orais como verbomotoras, definindo-as como:

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culturas nas quais, ao contrário do que ocorre nas culturas de alta tecnologia,

desenvolvimentos de ação e atitudes em relação a questões dependem significativamente

mais do uso efetivo de palavras e, portanto, da interação humana, e significativamente

menos do contato não-verbal muitas vezes predominante visual do mundo “objetivo das

coisas. Jousse (1925) usava seu termo verbomoteur para se referir principalmente às

culturas antigas hebraica e aramaica e outros adjacentes, que tinham algum conhecimento

da escrita mas permaneciam basicamente mais orais e orientados pelo objeto quanto a seu

estilo de vida (ONG, 1998, p.81).

Em culturas orais, um simples pedido de informação pode dar início a um jogo de

palavras, fazendo com que as respostas não sejam exatamente a informação solicitada. Alguns

povos do oriente médio, de culturas verbomotoras, fazem o uso excessivo da retórica, praticam

uma série de manobras verbais a que Ong chama de operação agonística oral. Em virtude da

supervalorização do discurso oral por essas culturas, a cultura alfa-tecnológica a vê com

ressalvas porque o homem letrado tende a usar as palavras apenas como uma representação do

mundo, não como uma teatralização necessária para estabelecer a interação humana.

Um dos contrastes mais perceptíveis entre a oralidade e a escrita é que a primeira é

natural (o ser humano apresenta um aparelho fonador geneticamente apropriado para a fala,

exercitado espontaneamente no convívio com uma comunidade lingüística) e a segunda é

artificial. É uma tecnologia historicamente inventada pelo homem para ampliar o alcance da

linguagem verbal e cujo domínio depende de instrução explícita – não basta conviver com a

escrita para tornar-se um escrevente.

Outro contraste a ser observado é o distanciamento no tempo e no espaço que ocorre na

escrita entre a fonte da comunicação (o escritor) e o receptor (o leitor). Com a escrita, “a

verbalização deixa de ser, predominantemente, uma estrutura de ação para tornar-se uma

estrutura de ‘ser’” (ONG, 1986, apud GALVÃO, 2006 ), afastando a palavra do contexto

existencial. Já nas culturas orais, há uma proximidade com o “mundo vital”, o pensamento

organiza-se em função do presente e acaba sendo mais situacional do que abstrato.

Na cultura oral a aprendizagem ocorre por repetição, por meio de observação e prática,

não há instrução deliberada. A mera convivência com os adultos dessa cultura garante sua

aquisição. O domínio de escrita depende de estudo. O estudo é uma prática que aparece junto

com a escrita, separando igualmente a aprendizagem acadêmica da sabedoria. “Os seres

humanos, nas culturas orais primárias (...), aprendem muito, possuem e praticam uma grande

sabedoria, porém não estudam” (ONG, 1998, p. 17). O mesmo não ocorre com a escrita que

precisa da instrução formal para que seja aprendida.

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O modo de pensar oral é mais agregativo do que analítico, além de redundante e sem

preocupação com a originalidade. Os provérbios e ditados são os “já-ditos” que, de certo modo,

cristalizam o pensamento. A cultura escrita propicia um discurso autônomo, fruto do pensamento

analítico: a comunicação, por esse meio, está menos embebida das pressões sociais do momento

imediato, separando a lógica da retórica. Ong argumenta que as pessoas que vivem em culturas

de oralidade primária apresentam dificuldades em entender o que os letrados denominam

repetição palavra por palavra (saber de cor é algo que desconhecem): “Há tantas variações de

um conto quantas forem as repetições dele” (ONG, 1998, p. 53).

O pensamento oral caracteriza-se também pelo seu caráter conservador e tradicionalista.

Há um grande investimento de energia na transmissão da cultura de geração a geração. A mente

é utilizada predominante para conservar. A memória é inteiramente interna ao sujeito, já que não

há nada externo que a fixe como o texto escrito ou a memória do computador. Por isso, as

narrativas orais precisam de figuras heróicas e anti-heróicas que servem para organizar o mundo

oral do Bem contra o Mal, daí o surgimento dos grandes mitos da humanidade. Por meio dessas

narrativas, são transmitidos os valores, as atitudes, as normas e os comportamentos de

determinadas culturas orais primárias.

O conhecimento exige um grande esforço e é valioso, e a sociedade tem em alta conta

aqueles anciãos e anciãs sábios que se especializam em conservá-lo, que conhecem e

podem contar as histórias dos tempos remotos. Pelo fato de armazenar o conhecimento

fora da mente, a escrita – e mais ainda a impressão tipográfica – deprecia as figuras do

sábio ancião, repetidor do passado, em favor de descobridores mais jovens de algo novo.

(ONG, 1998, p.52)

As culturas orais tinham, e algumas ainda têm, muito respeito pelas pessoas detentoras

dos saberes das gerações passadas, que narram os mitos fundacionais, associando movimentos

rítmicos, entoações, cânticos, rituais e expressões faciais em encenações em que o corpo todo

“fala”. A cultura escrita dispensa essa vitalidade. Afinal, a memória, agora registrada em papel

ou em GB de computador, está apartada da figura do sábio ancião, vivido e experiente, capaz de

desfiar a história de seu povo de ponta a ponta. Mais do que reservatório da memória, o velho é

visto como um desmemoriado.

A invenção da escrita alfabética tornou possível o reconhecimento das palavras; tirou a

pressão sobre a memória; substituiu o auditivo pelo visual; tornou a linguagem um artefato uma

coisa, um objeto de estudo. Esses aspectos afetaram a estrutura da linguagem e do pensamento,

ao substituir o concreto pelo abstrato. Nenhum outro sistema de escrita reestruturou o mundo

humano de maneira tão drástica. A escrita, ao produzir o texto como resíduo, favoreceu a

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dissecação da linguagem verbal e a atividade metalingüística, encetando a invenção da

gramática.

A escrita separa a administração – civil, religiosa, comercial etc – dos outros tipos de

atividades sociais; divide a sociedade entre aqueles que usam a “alta” linguagem, completamente

controlada pela escrita, e aqueles que usam apenas a “baixa” linguagem, controlada pela

oralidade, com a exclusão da escrita e diferencia o “grafoleto” de outros dialetos, tornando o

primeiro um dialeto de importância e efetividade completamente diferentes daqueles que

continuam orais. Um grafoleto é uma língua escrita isolada de referências dialetais, que teve seu

léxico desenvolvido por lexicógrafos que se debruçaram sobre fontes variadas e sua sintaxe

normatizada por gramáticos. Um grafoleto é sempre resultado de trabalho consciente e

prescritivo de gramáticos, nunca a manifestação espontânea de uma língua em suas variedades

dialetais.

A escrita produz um distanciamento da cultura oral primária que tem uma existência

contextual. Disso decorre a necessidade de especificar detalhadamente o que se quer dizer, pois

não se pode contar com gestos, expressões faciais, entonações, para a atribuição de sentido por

parte do interlocutor. Assim, há uma maior exigência na exatidão das palavras. Conforme Ong

(1998),

Para nos fazermos entender sem gestos, sem expressão facial, sem entoação, sem um

ouvinte real, temos de prever cuidadosamente todos os significados possíveis que uma

afirmação possa ter para qualquer leitor possível, em qualquer situação possível, e temos

de fazer com que nossa linguagem funcione de modo a se tornar clara apenas por si, sem

nenhum contexto existencial. A necessidade desse cuidado excepcional transforma a

escrita no trabalho angustiante que geralmente é (ONG, 1998, p. 120)

Na escrita, o fluxo das palavras não ocorre com a mesma velocidade que na oralidade.

Depois de proferidas, as palavras podem ser apagadas ou mudadas. A palavra, após dita não tem

volta. As palavras pronunciadas são ouvidas e internalizadas, já a tecnologia da escrita produz

símbolos codificados das palavras reais, o som acaba reduzido ao registro escrito. A visão é o

sentido que “move” as palavras do mundo do som para o espaço das imagens grafadas num

suporte fixo.

Vilela e Koch (2001) propõem o seguinte quadro comparativo, contrastando propriedades

da fala e da escrita:

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FALA ESCRITA

Dependente do contexto Independente do contexto

Implícita Explícita

Redundante Condensada

Não planejada Planejada

Predominância do “modus

pragmático”

Predominância do “modus

sintático”

Fragmentada Não-fragmentada

Incompleta Completa

Pouco elaborada Elaborada

Predominância de frases

curtas, simples ou

coordenadas

Predominância de frases

complexas, com

subordinação abundante

Pequena freqüência de

passivas

Emprego freqüente de

passivas

Poucas nominalizações Abundância de

nominalizações

Menor densidade lexical Maior densidade lexical

Da forma como se apresenta o quadro, parece ser possível separar nitidamente a fala da

escrita. Entretanto, acredito que há entre a oralidade e a escrita fronteiras (se é que existem)

muito sutis, oscilando num continuum que vai do caracteristicamente oral ao caracteristicamente

escrito.

1.4 Do continuum oralidade – escrita

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Se alguns estudiosos optam por acentuar os contrastes entre a oralidade e a escrita,

Marcuschi (1995, p.13) prefere recorrer à tese do continuum: “As diferenças entre fala e escrita

se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais e não na relação dicotômica de dois

pólos opostos”. O autor defende a existência de textos escritos (bilhetes, recados, cartas

familiares e outros usados no cotidiano) que estão mais próximos da conversação do que textos

falados (entrevistas, palestras, comunicações, conferências etc.), produzidos numa linguagem

próxima da escrita formal. Nos termos de Marcuschi (2005):

Pode-se dizer que discorrer sobre as relações entre oralidade/letramento e fala/escrita não é

referir-se a algo consensual nem mesmo como objeto de análise. Trata-se de fenômenos de

fala e escrita enquanto relação entre fatos lingüísticos (relação fala/escrita) e enquanto

relação entre as práticas sociais (oralidade versus letramento). As relações entre fala e

escrita não são óbvias nem lineares, pois elas refletem um constante dinamismo fundado

num continuum que se manifesta entre essas duas modalidades de uso da língua. Também

não se pode postular polaridades estritas e dicotomias estanques (MARCUSCHI, 2005, p.

34).

Ao contrário de Ong, Marcuschi argumenta que nem todas as características são

exclusivas de uma ou outra modalidade, de forma que o evento da interação é determinante para

estabelecer regras flexíveis a serem usadas pelos interlocutores. Em certas situações de práticas

comunicativas, a proximidade entre as modalidades é tão estreita que há quase uma fusão, em

outras situações já ocorrem diferenças mais marcantes, porém não se pode concluir daí que se

trata de dois sistemas lingüísticos.

Marcuschi (2005, p. 63) observa que os gêneros digitais como e-mails, chats, blogs e

orkuts instituem novas formas de escrita, a escrita eletrônica que se dá numa certa combinação

com a fala, manifestando um hibridismo ainda não bem conhecido e muitas vezes mal

compreendido. Para o autor, o tempo real dessa escrita, produzida nos bate-papos, mesmo que

praticada por quem tem bastante habilidade, é permeada por auto-correções, hesitações,

repetições, truncamentos, reinícios, etc.

O nosso foco aqui é como Marcuschi aborda o continuum oralidade-escrita, contudo, o

autor discute o letramento digital como uma nova forma de produção textual que muda a noção

de texto, de autor, de leitor e até mesmo de processo de construção de sentido. Afirma que não

há diferenças lingüísticas notáveis que dicotomizem o continuum oralidade-escrita. As

características não são categóricas nem exclusivas.

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Da mesma opinião que Marcuschi, Leonor Lopes Fávero, em entrevista ao Portal

Educativo Ceale, disse: “Manifestações da língua oral e escrita são manifestações da língua,

então, para se entender a língua na sua totalidade, precisa-se estudar o oral também e não só o

escrito”. Para ela, existe um continuum entre a língua falada e a escrita, que vai de um nível

menos formal até o mais formal. “Não se pode dizer que a língua escrita é formal e a falada

informal, afirma. Um bilhete, por exemplo, é língua escrita e, ao mesmo tempo, é informal”.

Para Fávero,

O distanciamento e o envolvimento são modos que o sujeito assume ao construir um

texto, deixando nele mais ou menos marcas de subjetividade. O uso de terceira pessoa na

voz passiva é um exemplo de maior distanciamento, portanto, de maior efeito de

objetividade, como é de se esperar de um texto científico, por exemplo. Envolvimento e

distanciamento são marcas que podem ocorrer de várias formas, dependendo, mais uma

vez, das condições em que se produz um texto, escrito ou oral. (FÁVERO, 2005, p.2)

Dessa forma, Fávero estabelece uma linha de gradação no continuum entre fala e escrita:

de um lado, a integração, mais ligada ao texto escrito, do outro, a fragmentação, que ocorre mais

no texto falado, ambas devem ser observadas sob a perspectiva de um continuum e não de duas

coisas distintas. A língua escrita e a falada, portanto, são modos diferentes de realização de um

mesmo sistema que é a língua.

Como Fávero e Marcuschi, Bortoni-Ricardo (2005, p. 40) também recorre à tese do

continuum entre o oral e o escrito. Ao estudar as variedades de português brasileiro, propõe três

continua: rural-urbano, oralidade-letramento e monitorado-não monitorado.

Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 51), o contínuo de urbanização contrapõe os falares

rurais mais isolados com os falares urbanos. Os últimos, ao longo do processo histórico de

urbanização do Brasil, sofreram influência da norma padrão, devido ao processo de

escolarização, ao acesso à imprensa e às obras literárias. Já os primeiros, isolados

geograficamente, permaneceram enraizados na cultura caipira. A autora representa o contínuo

rural-urbano da seguinte forma:

Variedades rurais isoladas área rurbana Variedades urbana padronizadas

==========================================================

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Para Bortoni-Ricardo (2005, p. 52), os grupos rurbanos são formados pelos migrantes de

origem rural que preservam muito de seus antecedentes culturais, principalmente no seu

repertório lingüístico.

No contínuo de monitoração estilística, Bortoni-Ricardo (2005, p. 62), situa desde as

interações totalmente espontâneas até aquelas que são previamente planejadas e que exigem

muita atenção do falante. Cita como fatores de monitoração de estilo: o ambiente, o interlocutor

e o tópico da conversa. Para a pesquisadora, o estilo poderá tornar-se mais ou menos monitorado,

dependendo do alinhamento com o interlocutor e o tópico da interação. Há indícios verbais e

não-verbais que indicam o tom da conversa, são as meta-mensagens.

O contínuo de oralidade-letramento, na definição de Bortoni-Ricardo (2005, p. 61), precisa

também seguir uma linha imaginária para dispor os eventos mediados pela escrita, que ela

denomina eventos de letramento, em contraposição aos eventos da oralidade. Esse contínuo

possui fronteiras fluidas e muitas sobreposições. A autora cita o exemplo de um sermão para

evidenciar que, apesar de ser um evento da oralidade, pauta-se num texto escrito e previamente

preparado. Uma carta pessoal, por exemplo, é um evento de letramento que conserva muitos

traços da oralidade.

Tendo por referência as teses da polarização e do continuum oralidade-escrita, pergunto-

me: qual explica melhor a emergência do internetês no mundo contemporâneo?

1.5 Dos sistemas de escrita

Desde há muito, os homens sentiram necessidade de amplificar o poder da linguagem

como meio de comunicação, mediante recursos que a fizessem superar a imediatez da interação

face a face. Tais recursos haveriam de derrotar a essência fugidia da linguagem, imobilizando-a

e conservando-a para ser interpretada em espaços e tempos outros que não o de produção dos

enunciados. Assim, com sua vocação para superar limites e obstáculos ao seu desenvolvimento,

a humanidade escreveu a longa história da escrita. Os primeiros registros escritos, segundo

Higounet (2003, p.29), datam de aproximadamente 6.000 anos atrás e são atribuídos aos

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sumérios que viviam na região da Mesopotâmia. Segundo Ong (1998), a escrita ou, como gosta

o autor, a tecnologia da escrita

foi um desenvolvimento muito tardio na história humana. O Homo sapiens está no

planeta talvez há cerca de 50 mil anos (Leakey e Lewin 1979, pp. 141 e 168). O primeiro

registro, ou verdadeira escrita, que conhecemos, foi desenvolvido entre os sumérios na

Mesopotâmia apenas por volta do ano 3500 a.C. (Diringer 1953; Gelb 1963). (...) Um

registro escrito, no sentido de uma escrita genuína, tal como entendido aqui, não consiste

em meros desenhos, em representações de coisas, é a representação de uma elocução, de

palavras que alguém diz ou se imagina que diz. (ONG,1998, p.99)

Há, entre os estudiosos da escrita, divergências sobre a data do surgimento da escrita na

história da humanidade. Essas divergências ocorrem porque alguns autores não aceitam que um

simples desenho nas cavernas seja considerado um tipo ou sistema de escrita. Ong (1998)

argumenta que não se pode banalizar o sentido do termo, considerando qualquer marca visível –

um simples sinal em uma rocha ou um entalhe em uma vara, interpretável apenas por aquele que

o fez – como “escrita”. Se isso é o que se entende por escrita, sua antiguidade talvez seja

comparável à da fala. Para esse autor, a escrita deve ser entendida como “um sistema codificado

de marcas visíveis, por meio do qual um escritor pôde determinar as exatas palavras que o leitor

iria gerar a partir do texto” (p.100).

Comparando-se a escrita rupestre produzida pelos homens pré-históricos com a escrita

suméria, abaixo, observa-se que a primeira é caracterizada por uma forma livre de expressão de

imagens que representam o cotidiano de trabalho, a caça, a vegetação e a vida em comunidade

de quem o produziu. De forma mais elaborada, a segunda apresenta sinais que representam

idéias, dispostas organizadamente em seqüência. Na concepção do Ong, o termo escrita se aplica

com mais propriedade ao caso da escrita cuneiforme dos sumérios. Também Higounet (2003, p.

29), refere-se à escrita cuneiforme como o mais antigo sistema de escrita. O termo

“cuneiforme”, que significa em forma de “cunha”, caracteriza seu aspecto exterior anguloso.

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Figura 1: Escrita rupestre Figura 2: Escrita suméria

Ong (1998) é categórico ao afirmar que os sistemas de escrita descendem direta ou

indiretamente de alguma espécie de registro pictórico. Mas, até chegar a ser uma representação

das elocuções lingüísticas e não do mundo das coisas em sua concretude, a escrita percorreu um

longo caminho. Os desenhos podem funcionar simplesmente como ajudas para a memória ou

como um código por meio de que se representam palavras específicas em diferentes relações

gramaticais, quer dizer, como um sistema de escrita.

Os registros escritos têm antecedentes complexos. A maioria, se não a totalidade, dos

registros remonta direta ou indiretamente a alguma espécie de escrita pictórica, ou, às

vezes, em um nível ainda mais elementar, ao uso dos sinais. Sugeriu-se que o registro

cuneiforme dos sumérios, o primeiro de todos os registros conhecidos (c. 3500 a.C.),

originou-se, pelo menos em parte, de um sistema de registro de transações econômicas,

usando-se sinais de barro encerrados em recipientes ou bulas semelhantes a vagens,

pequenos, ocos, mas totalmente fechados, com indicações no lado de fora representando

os sinais de dentro (Schamndt-Besserat 1978). Desse modo, os símbolos do lado de fora

da bula – digamos, sete entalhes – indicavam, dentro da bula, o que representavam –

digamos, sete pequenos artefatos de barro inconfundivelmente moldados para representar

vacas, ovelhas e outras coisas ainda não decifráveis – como se as palavras fossem sempre

proferidas em conexão com seus significados concretos (ONG, 1998, p. 101).

1.5.1 Da natureza dos sistemas de escrita

Para Saussure (1975, p. 80), a relação entre palavras e coisas não provém de uma

correspondência um por um. O que forma a unidade lingüística são dois termos, porém é

enganoso concebê-los um como lingüístico e outro exterior ao lingüístico. Ambos são termos

“psíquicos” e seu vínculo também é psíquico. É, pois, com a noção de signo, que Saussure

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abstrai a língua do mundo e funda uma lingüística imanente. O signo lingüístico não une uma

coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica.

Significante (som ou imagem acústica) referente

SIGNO ========= MUNDO

Significado (idéia ou conceito)

A imagem acústica não é o som, mas a impressão sonora evocada no psiquismo, tanto

que se pode falar consigo mesmo sem se pronunciar som algum. Compõe-se de fonemas que são

entidades formais abstratas e não físicas. A imagem acústica vem sempre associada um

conceito. A combinação de ambos chama-se signo. O conceito é chamado de significado e a

imagem acústica é chamado de significante. A seqüência fonológica só é um signo se exprime

um conceito.

Tendo como pano de fundo a noção saussureana de signo, pode-se dizer que há sistemas

de escrita baseados no significado e sistemas de escrita baseados no significante. A escrita

baseada no significado, também chamada de ideográfica, tem por princípio representar as idéias

veiculadas pelas palavras e, a partir dessas representações, recuperar os significantes

correspondentes no processo de leitura. Já a escrita baseada no significante, também chamada de

fonográfica, não revela nada do significado. Para se chegar às idéias registradas pela escrita, é

preciso decifrar as letras que codificam os sons que constituem o significante de um signo para

descobrir o significado a ele associado.

Embora os primeiros sistemas de escrita descobertos fossem ideográficos, não se pode

deduzir dessa precedência que tais sistemas eram mais primitivos e que, por isso, evoluíram para

e/ou foram superados pelos sistemas fonográficos. Ainda hoje há povos que usam sistemas

ideográficos e aqueles que usam os fonográficos recorrem aos ideográficos em certos contextos

de comunicação.

1.5.2 A escrita chinesa

A escrita chinesa é um dos sistemas ideográficos de escrita usados atualmente. A

invenção desse sistema data do terceiro milênio antes de nossa era. “É empregado hoje por um

conjunto de povos que representa um quinto da população do globo” (HIGOUNET, 2003, p.

49), distribuídos em países como China, Japão, Coréia, Vietnã etc. Caracteriza-se pelo uso de

ideogramas, que representam, analiticamente, as palavras. Pela sua natureza lexical, é um

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sistema composto por um número alto de sinais (em torno de 50.000), tornando-se de difícil

aprendizagem. As palavras chinesas são monossílabas, os caracteres que as representam são

dispostos em colunas de alto a baixo, começando pela direita, e as frases são formadas pela

justaposição dos ideogramas cuja posição determina a função gramatical da palavra.

Figura 3: Ideogramas chineses

Fonte: www.narutoproject.com.br

Cada ideograma deve ser inscrito dentro de um quadrado ideal com traços perfeitos,

cuidadosamente desenhados para evitar confusões na leitura. Segundo Higounet (2003, p. 51-

52), os sinais são divididos em seis categorias: ideogramas primitivos representando objetos,

ideogramas primitivos representando idéias abstratas e ações, agregados lógicos, inversões,

empréstimos e chaves:

Às duas primeiras categorias pertencem os caracteres que representam objetos (siang

hing, morfogramas), idéias abstratas e ações (tche tche, datilogramas). Os ideogramas

primitivos são facilmente reconhecíveis. O agregado lógico (houei yi), combinação de

dois ou três caracteres para exprimir uma nova idéia, já encontrável entre os sumérios,

constitui outra classe (por exemplo, dois sinais de mulher justapostos significam

discussão).(...) Para aumentar o número de representações figuradas, os chineses usam a

inversão de caracteres (tchouan tchou) e o empréstimo de sinais homófonos (kia tsie) .

As chaves desempenham ainda um papel semelhante ao dos determinativos sumero-

acádicos e egípicios. Hoje, em número de duzentas e catorze, essas chaves não são mais

pronunciadas: postas ao lado de outros caracteres, elas definem o sentido indicando a

categoria de objeto ou de idéias que ele representa (por exemplo, o elemento fonético

K’0, poder, precedido da chave água significa ribeirão; com o sinal palavra, ele significa

interrogar) (HIGOUNET, 2003, p. 51-52).

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Figura 4: Uso de chaves

Fonte: Higounet (2003, p. 52).

Figura 5: Agregados lógicos

Fonte: www.invivo.fiocruz.br

1.5.3 O sistema ideográfico no contexto de culturas fonográficas

Como já foi mencionado, o sistema ideográfico não é inferior ou mais primitivo que o

sistema fonográfico. Há muitas situações do cotidiano em que o uso da escrita ideográfica é

mais funcional do que o uso da escrita fonográfica, favorecendo a pronta comunicação. A escrita

ideográfica leva vantagem em todas as situações que requerem rapidez e percepção imediata do

significado da mensagem a ser passada. Quando uma pessoa está no trânsito, não há tempo para

ler textos do tipo: Tome cuidado porque há uma curva perigosa à esquerda, já que sua atenção

precisa estar concentrada na condução do veículo. Assim, seria uma imprudência sinalizar o

trânsito com mensagens codificadas fonograficamente. É mais funcional, nesse caso, representar

as mensagens de alerta ideograficamente:

Figura 6: Sinal de trânsito

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A interpretação/leitura da escrita ideográfica não precisa ser “literal”. O que se pretende

comunicar pelas representações são idéias básicas. Por isso, a escrita ideográfica é sempre mais

apropriada quando se quer que a mensagem seja acessível a falantes de diferentes línguas.

Muitas mensagens codificadas por meio de escrita ideográfica funcionam como uma verdadeira

língua internacional. Por exemplo, a figura abaixo pode ser interpretada por falantes de

português como lixo, jogue o lixo aqui, não jogue o lixo no chão, este lugar é apropriado para

jogar lixo, cesta de lixo, recipiente de lixo etc. Entre falantes de inglês, essa representação

poderia ser decodificada como: litter, please put litter here, do not litter, this place is

appropriate to put litter, trash can, trash container etc. Além disso, uma mensagem como essa é

também acessível a falantes não letrados.

Figura 7: Sinalização pública

A escrita ideográfica pode ser chamada de figurativa (pictográfica) ou icônica quando

desenha/fotografa objetos existentes no mundo para representá-los. Porém, segundo Massini-

Cagliari (1999, p.25), nem toda escrita icônica é ideográfica. Podemos usar desenhos de duas

coisas que existem no mundo para representar o som, como por exemplo:

SOLDADO

Figura 8: Exemplo de escrita rebus

Esse tipo de escrita é pictográfica fonográfica, também conhecida como rebus. O que

interessa nesse sistema de escrita não é o sentido de sol e dado, mas sim os significantes sonoros

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que as imagens evocam e que, justapostos, formam a palavra soldado (Volto a tratar da escrita

rebus posteriormente).

Além da escrita ideográfica figurativa ou icônica, há a escrita ideográfica convencional

que representa a idéia por meio de uma convenção compartilhada por todos os membros da

sociedade que a emprega. A escrita chinesa é um exemplo de escrita ideográfica convencional,

assim como o nosso sistema numérico.

De acordo com Cagliari (1999, p. 99), “nenhum sistema de escrita sobrevive sendo

apenas ideográfico ou fonográfico”. Os sistemas se equilibram entre o fonográfico e o

ideográfico, balizados pelo princípio do que funciona melhor em cada contexto de comunicação.

No caso do português, predomina a escrita fonográfica para os textos mais variados do

cotidiano, das ciências ou da literatura. Contudo, usa-se a escrita ideográfica (números, gráficos,

fórmulas etc.) nas notações aritméticas, científicas e tecnológicas, bem como nas sinalizações

públicas em geral, nas logomarcas etc. Sobre os procedimentos híbridos dos sistemas de escrita,

afirma Cagliari (1999):

Se tivéssemos que usar apenas o sistema alfabético, ou somente o sistema ideográfico,

certamente o uso da escrita na nossa sociedade seria muito mais difícil e até

inconveniente às vezes. Que desastre não seria ter que fazer contas complexas,

escrevendo os números alfabeticamente! Que impropriedade não seria colocar avisos nas

estradas com textos escritos com letras, descrevendo a sinalização do trânsito! Por outro

lado, para se escrever um romance, seria muito inoportuno ter que usar um símbolo para

cada palavra (CAGLIARI, 1999, p.65)

1.5.4 A escrita numérica

Conforme Massini-Cagliari (1999, p. 26), é importante notar que a escrita ideográfica

dos números não é pictográfica ou figurativa, mas convencional, pois representa a idéia de

quantidade que o número veicula, por meio de uma convenção aceita por todos os membros da

sociedade.

O sistema de escrita numérico mais difundido hoje em dia é o chamado arábico, em

homenagem ao árabe Abu Ja’far Mohammad Ibn Musa al-Khowarismi, que o aprendeu com os

sábios da Índia e o ensinou aos europeus por volta dos séculos VIII e IX. A popularidade desse

sistema posicional deve-se à sua simplicidade e possibilidade de modificar os números com o

simples acréscimo de algarismo, tanto é que, por medida de segurança, no preenchimento de

cheques usa-se o valor em algarismos (escrita ideográfica), representando a idéia de quantidade

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e a forma extensa, representando o nome do número (escrita fonográfica ortográfica). Os sinais

são convencionais e não representam referencialmente o sentido.

Nomes (escrita fonográfica/

representação do significante)

Algarismos arábicos (escrita

ideográfica/representação do significado)

um 1

dois 2

três 3

quatro 4

cinco 5

seis 6

sete 7

oito 8

nove 9

dez 10

vinte 20

trinta 30

quarenta 40

cinquenta 50

sessenta 60

setenta 70

oitenta 80

noventa 90

cem 100

mil 1000

Figura 9: Escrita ideográfica convencional (algarismos arábicos)

1.5.5 A escrita rebus

A escrita rebus é uma espécie de pictograma em que o símbolo representa o som, como

se fosse um fonograma (som-símbolo). Para Ong (1998, p. 103), o som é designado não por um

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signo codificado abstrato, como uma letra do alfabeto, mas por um desenho de uma das várias

coisas que o próprio som significa.

A palavra rebus veio do latim: res = coisa; rebus = pelas coisas. As cartas enigmáticas,

muito comuns em jornais, revistas e palavras cruzadas, são construídas com essa escrita. Trata-

se de uma escrita pictográfica fonográfica que representa os sons da língua, sobretudo sílabas,

por meio de figuras cujos nomes tenham esses sons e cuja combinação possa representar uma

palavra.

Figura 10: Uso contemporâneo da escrita rebus em carta enigmática

A escrita rebus constitui uma espécie de ponte entre a escrita ideográfica e a fonográfica,

uma vez que os desenhos passam a evocar a elocução da palavra e não o seu sentido.

1.5.6 Sistemas fonográficos

Na escrita fonográfica, chega-se ao significado após a decodificação/oralização do

conjunto de letras do significante: “identificada a palavra, é automática a recuperação da idéia

que o escriba quis passar, uma vez que todo signo lingüístico tem dentro de si, ligados

indissoluvelmente, um significante (sons) e um significado (idéias)” (MASSINI-CAGLIARI,

1999, p. 26). A escrita fonográfica é, pois, uma escrita dos sons da fala. Ela pode ser silábica,

consonantal, alfabética (fonética) e alfabética (ortográfica).

1.5.7 A escrita silábica

A escrita silábica é utilizada por algumas línguas. Ong (1998, p. 104) menciona o caso

do silabário katakana, usado pelo japonês ao lado da escrita ideográfica. Os silabários hiragana

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e katakana compõem-se de signos que representam a consoante e a vogal juntas. Para

representar as sílabas ma, me, mi, mo e mu , são usados cinco signos diferentes e não como

ocorre na escrita alfabética em que a letra <m> é combinada com as letras <a e i o u> usadas

para escrever as cinco vogais em qualquer combinação. A estrutura fonotática do japonês, uma

língua que privilegia a sílaba canônica CV, favorece o desenvolvimento desse tipo de escrita. No

caso do português, a complexidade de sua estrutura silábica representa um óbice ao

desenvolvimento de uma escrita silábica.

Figura 11: Silabários japoneses: hiragana e katakana2

1.5.8 A escrita consonantal

O ancestral da escrita alfabética, desenvolvida plenamente pelos gregos, é a escrita

consonantal, usada por povos fenícios para a grafia de línguas semíticas, a exemplo do hebraico

e do árabe. Há quem, como Morais (1966, p. 67), veja no sistema consonantal só mais uma

forma de escrita silábica: “um sistema de escrita que aparenta representar consoantes, mas que

provavelmente era um silabário categorial”. As línguas semíticas compartilham uma

característica – suas raízes lexicais3 são formadas por consoantes. As vogais, estruturalmente

2 O silabário hiragana é usado principalmente para escrever palavras japonesas e o katakana para escrever palavras

estrangeiras.

3 Raiz lexical ou lexema é o termo usado por alguns lingüistas para designar a unidade distintiva mínima no sistema

semântico. É a parte da palavra que carrega o significado referencial.

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recuperáveis nos enunciados, funcionam como morfemas de natureza gramatical, gramemas4.

São como que infixos5.

À guisa de ilustração, pode-se recorrer ao lexema “escrev-”, do hebraico padrão,

mencionado por Olson (1997, p. 99). Esse lexema, grafado simplesmente com a seqüência de

consoantes <ktb>, pode ser oralizado de modos diferentes, com distinções vocálicas que marcam

o sujeito gramatical, o tempo, o aspecto, a classe morfológica: <katab> = ele escreveu; <katabi>

= eu escrevi; <katebu> = eles escreveram; <ketob> = escrever; <koteb> = escrevendo; <katub> =

sendo escrito; <kitab> = letras, livro. O contexto indica ao leitor como deve compreender e

pronunciar a seqüência <ktb>. Para Olson (1997, p. 100), tal sistema de escrita “é uma

simplificação, um abandono de caracteres considerados redundantes”.

Silábica ou não, a escrita consonantal dos fenícios era, sem sombra de dúvida, muito mais

versátil e econômica do que a Linear B, sistema gráfico de natureza silábica usado pelos gregos

antes que eles inventassem a escrita alfabética. Com um número mínimo de caracteres, podia-se

escrever qualquer língua. Os gregos pressentiram logo que estavam diante de uma grande

descoberta e adotaram a escrita fenícia, formada por apenas vinte e dois sinais gráficos – aleph,

beth, gimel etc, que passaram a ser conhecidos no grego como alfa, beta, gama etc. Como no

sistema consonantal fenício, os gregos mantiveram o princípio acrofônico, segundo o qual “no

início do nome de cada letra encontra-se o som que a letra representa” (CAGLIARI, 1999, p.

103). Contudo, não se tratou de uma simples apropriação, uma vez que, no grego e nas línguas

indo-européias de um modo geral, as vogais têm uma função distintiva: diferenças vocálicas

levam a diferenças lexicais. Nessas línguas as vogais não são previsíveis pelo contexto e,

portanto, não são informações redundantes que podem ser deixadas por conta do leitor.

O que ocorria com o grego, ocorre, naturalmente, com o português. Não seria nada

prático escrever o português através de um sistema consonantal, embora, em situações em que os

significados são calculáveis, previsíveis, seja possível empregá-lo, como um princípio de

economia de tempo. Diante de uma seqüência como <ml>, o leitor vê-se avariado entre inúmeras

possibilidades de inserção de vogais: mala, mela, mola, mula, mole, Malu etc., todas produzindo

distinções lexicais. Contudo, entre os usuários do internetês a escrita consonantal é um recurso

de abreviação bastante empregado no caso de palavras de uso muito freqüente. Quando os

internautas escrevem td bm, seus interlocutores sabem que ele está escrevendo tudo bem.

4 Gramema é o morfema que exprime categorias, relações gramaticais ou classes de palavras (flexões, casos,

declinações, formativos, derivacionais etc.).

5 Infixo é o termo usado na morfologia para designar o afixo que inserido dentro da raiz ou radical.

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Os romanos se apropriaram do alfabeto grego, mantiveram o princípio acrofônico, mas

simplificaram o nome das letras (a, bê, cê etc), já que a motivação semântica que havia na

originária escrita fenícia não era mais transparente: os rastros de um sistema outrora ideográfico

havia se perdido. A escrita alfabética do português descende, pois, da escrita latina.

1.5.9 A escrita alfabética

Assim, a escrita alfabética resultou da aplicação de um sistema de escrita adequado para

escrever línguas semíticas, em que as vogais eram redundantes, a uma língua – o grego – em que

as vogais são indispensáveis. Desse modo, desmembrava-se a sílaba em consoantes e vogais e

criava-se o alfabeto. Que símbolos foram usados para a representação das vogais? Dentre os

sinais usados pela escrita semítica para a grafia das consoantes, muitos se ajustavam aos sons do

grego e foram diretamente usados para representá-los. Contudo, alguns representavam sons

desconhecidos do grego. Esses caracteres foram adaptados para escrita dos sons vocálicos

(OLSON, 1997).

Figura 12: Algumas letras do alfabeto desde o pictograma de origem

Fonte: Massini-Cagliari & Cagliari, 1999, p. 44

Finalmente, chegava-se à análise da sílaba em constituintes discretos, alguns dos quais

impronunciáveis isoladamente, e à síntese desses elementos para formar um som. O sistema de

escrita grego – com signos para as vogais e consoantes – atingiu um novo patamar de codificação

abstrata, analítica e visual do impalpável mundo dos sons, afirma Ong (1998, p. 38). Os sistemas

fonográficos de escrita, anteriores ao alfabeto grego, não haviam dado conta de registrar todo o

escopo da língua oral. Consoante Cox (2008, p. 57), “o que é próprio do sistema alfabético é

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representar os constituintes infra-silábicos, ou seja, os fonemas, para traduzi-los nos termos da

lingüística do século XX”.

Ong (1998, p. 104) afirma que o fato mais notável na história da escrita é que o alfabeto

foi inventado apenas uma vez. Todos os alfabetos que vieram depois derivam de algum modo do

alfabeto semítico original. Aperfeiçoado pelos gregos, pela introdução da escrita das vogais, o

alfabeto semítico revelou-se o mais adaptável de todos os sistemas de escrita, apto à escritura de

qualquer língua (caráter internacionalizante) e de fácil domínio (caráter democratizante) por ser

altamente econômico em termos de número de sinais gráficos (as letras).

Contudo, por representar a fala e fala estar sujeita a variações temporais, dialetais,

socioletais, estilísticas e idioletais, a escrita alfabética enfrentava o problema de resolver a

contradição entre representar foneticamente a fala do escrevente e, em um outro tempo e espaço,

ser legível a um leitor com uma fala outra que a do escrevente. Como resolver o descompasso de

falas entre o processo de codificação e o de decodificação? Segundo Cagliari, a escrita alfabética

foi salva pela ortografia. Não fosse a ortografia, esse sistema teria se perdido no emaranhado das

diferenças fonéticas, comprometendo o princípio da invariância formal que torna a escrita

alfabética funcional para além das variações de pronúncia das palavras entre o escrevente e o

leitor.

1.5.10 A escrita alfabética ortográfica

Assim, para contornar o problema da flutuação da escrita que era um óbice à leitura em

outro contexto histórico que o da produção, a escrita alfabética passa de fonética a ortográfica.

Com isso deixa de ser uma representação da linguagem oral, para ser uma forma gráfica que

permite a leitura. A escrita alfabética ortográfica, no dizer de Cagliari (1999), realiza um

congelamento da forma de grafar as palavras, neutralizando as variações lingüísticas e

desconsiderando os modos de falar de seus usuários (escreventes e leitores). Promove o

descolamento da relação letra-som em favor de uma escrita da palavra de forma fixa, alheia ao

modo como o escrevente fala e como o leitor verbaliza o que lê. A escrita cria, portanto, um

grafoleto, que é neutro em relação aos diversos sotaques de uma dada língua.

A ortografia é justamente esta forma neutra de escrever as palavras. É por isso que todos

nós temos dificuldades – maiores ou menores – para saber quais letras temos que usar em

certas palavras. Na dúvida, não adianta recorrer ao alfabeto, mas somente ao dicionário!

Conhecer o alfabeto é um ponto de partida, mas saber lidar com a ortografia é

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fundamental, quer para escrever, quer para ler. É por isso que se diz que invenção da

ortografia foi a salvação do alfabeto! (CAGLIARI,1999, p. 175).

Ortografia é o modo convencional de escrever as palavras de uma língua,

independentemente de suas variações. Depois da invenção da ortografia, não se pode mais guiar

pelo valor sonoro das letras para se escrever. É preciso guiar-se pela imagem da palavra escrita e

não pela análise dos segmentos sonoros que compõem a palavra na sua correlação com as letras.

Com a ortografia, os sistemas fonográficos assumem um comportamento ideográfico, pois

passa-se a escrever as palavras como um todo e não os fones/fonemas individualmente. Pode-se

dizer que a autonomia das palavras deve-se, em grande parte, à escrita ortográfica.

O fato de que a ortografia fixe a forma de escrever uma palavra não significa que a

leitura deva ser fixa também. A conversão do enunciado escrito em enunciado oral deve se fazer

segundo a fala de cada um. O fenômeno da pronúncia ortográfica, corriqueiro entre

alfabetizandos, soa artificial e é injustificável para além do propósito pedagógico de chamar

atenção para a grafia da palavra. A ortografia de uma língua não deve ser tomada como modelo

para a fala, embora possa influenciá-la, proporcionalmente ao grau de letramento dos falantes

dessa língua.

O estabelecimento da ortografia, envolvendo a decisão de fixar uma forma de escrita

para cada palavra, sempre foi cercada de ruidosas polêmicas. No caso do português, os

argumentos em prol de uma forma ou de outra ora penderam para considerações de ordem

fonética, ora para considerações de ordem etimológica. No século XVI, período decisivo na

gramatização do português, predominou a tendência fonética – uso das letras latinas para

escrever o(s) português(es) falado(s) na época. Porém, com o classicismo, o argumento

etimológico assume a posição privilegiada, resultando em empenho para rememorar na forma

escrita a raiz greco-latina das palavras. Já nas inúmeras reformas do século XX e XXI, visando à

simplificação da nossa ortografia, os argumentos são predominantemente fonéticos.

1.5.11 A escrita fonética

No século XIX, os foneticistas que realizavam estudos históricos e comparados sentiram

necessidade de uma forma de escrita alfabética que voltasse a representar o som da fala tal como

era produzido, já que a escrita ortográfica havia deixado de fazê-lo. Como foi dito,

ortograficamente, as letras ficaram reduzidas à forma gráfica dos caracteres. Conforme Cagliari

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(1999, p. 98), “a ortografia estabeleceu novas relações entre letras e sons, quebrando a idéia

inicial mais importante que existia atrás da invenção do alfabeto”.

Com o propósito de restabelecer o vínculo entre letras e sons e de realizar uma

transcrição o mais aproximada possível da fala, que servisse de material básico para o estudo de

foneticistas e, mais tarde, de fonólogos, a Associação Internacional de Fonética criou o

International Phonetic Alphabet (IPA), em português Alfabeto Fonético Internacional (AFI). Ao

longo do século XX, o IPA (ou AFI) passou por inúmeras revisões para se adequar à transcrição

das línguas que foram sendo estudadas e descritas, revelando novos sons. A última revisão

ocorreu em 1996. A base do IPA é o alfabeto latino e parte do grego, porém alguns símbolos não

pertencem a nenhum alfabeto.

Com o IPA, escrevem-se os sons das línguas independentemente das idiossincrasias dos

sistemas ortográficos particulares. É uma convenção internacional que habilita os

iniciados/treinados a escrever/ler até mesmo sons de línguas estrangeiras. O IPA fornece meios

precisos e universais para escrever as formas faladas, tal como elas são faladas, sem referência a

representações ortográficas, categorias gramaticais ou significados. A transcrição fonética é

governada pelo princípio da biunivocidade, ou seja, para cada som um único símbolo. É sempre

uma relação de um para um. Nunca um som será representado por mais de uma letra, ou uma

letra terá mais de um som, como ocorre nos sistemas ortográficos.

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CAPÍTULO II

A PESQUISA DE CAMPO

Neste capítulo, descrevo o processo da pesquisa. Explicito as perguntas norteadoras da

investigação, a metodologia e as técnicas de coleta de dados. Apresento as escolas onde os

adolescentes observados estudavam à época, assim como o programa MSN e o site Orkut por eles

utilizados. A observação e o registro da escrita no MSN e Orkut constituem a principal via de coleta

dos dados. Esboço, em rápidas pinceladas, o perfil dos sujeitos investigados. Por fim, anuncio os

procedimentos de análise do corpus.

2.1 Perguntas da pesquisa

Busquei reunir dados que, uma vez analisados e interpretados, me permitissem responder as

seguintes perguntas:

Que aspectos caracterizam a língua dos internautas usuários do MSN e Orkut? Trata-se de

uma nova variedade lingüística ou apenas de um sistema de escrita?

Como se porta o internetês em relação à polarização oralidade/escrita?

Que princípio(s) subjaz(em) ao sistema de escrita usado pelos internautas? É possível dizer

que o sistema de escrita engendrado pelos internautas realiza uma anamnese da história da

escrita?

Como professores de português de duas escolas cacerenses, uma pública e outra privada,

significam o acontecimento contemporâneo do internetês?

2.2 Metodologia

Para a realização desta pesquisa, foi utilizada uma metodologia qualitativa de natureza

etnográfica, envolvendo observação e coleta de dados em contexto natural. Tive como informantes

12 adolescentes e 04 professores de português, igualmente distribuídos por duas escolas, uma

pública e outra particular.

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Morgan e Smircich (1980) advogam que a pesquisa qualitativa, mais do que um conjunto

particular de técnicas, é um modo de encarar o fenômeno social investigado, tanto quanto possível

atento/desconfiado dos vieses interpretativos do próprio pesquisador. O pesquisador qualitativo

combina curiosidade e confiança para desafiar os próprios preconceitos, julgamentos e idéias

preestabelecidas. Como não existem rotas claramente definidas (a riqueza da descoberta está

justamente no inusitado), o pesquisador é receptivo a múltiplas possibilidades e sabe conviver com

incertezas, enganos e retomadas. O planejamento, nas pesquisas qualitativas, é mais flexível do que

nas pesquisas experimentais e quantitativas, já que permite, ou mesmo exige, em certos momentos,

reencaminhamento de estratégias. O que se impõe, primordialmente, é a busca do melhor modo de

aproximação da cena e dos atores sociais que poderão fornecer ao pesquisador os elementos

necessários para responder as questões levantadas, tentativamente, no início do processo de

investigação, questões que também podem ser revistas no curso do trabalho de campo.

O caderno de notas é indispensável. Utilizado na cena ou nos bastidores da cena, guarda

anotações feitas em abundância e impressões importantes dos acontecimentos, pois a observação

atenta dos detalhes põe o pesquisador dentro do cenário, ajudando-o a compreender a complexidade

do ambiente da pesquisa, e fornecendo-lhe insights sobre a melhor forma de interagir com os atores

e se misturar à comunidade/grupo de que são membros naturais.

Lüdke e André (1986, p. 18-21) e Bogdan e Biklen (1994, p. 45-61) apontam, como

características básicas de uma pesquisa qualitativa,

ambiente natural como a fonte direta de coleta de dados e pesquisador como seu principal

instrumento;

coleta de dados de natureza predominantemente descritiva;

preocupação maior com o processo do que com o produto;

foco no 'significado' que as pessoas dão às coisas e à sua vida;

análise dos dados seguindo um processo indutivo. Os pesquisadores não devem se

preocupar em buscar evidências que comprovem hipóteses definidas antes do início dos

estudos, pois as abstrações se formam ou se consolidam basicamente a partir da inspeção

dos dados num processo de baixo para cima.

Num trabalho de natureza etnográfica, é mais importante a mostração do que a

demonstração. Assim nossa ênfase está, como aponta Erickson (2003, p. 12), na qualitas mais do

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que na quantitas. Presenciar, perguntar e observar atentamente foram ações rotineiras em nosso

trabalho de pesquisa.

Godoy (1995b, p. 21) considera três tipos de abordagem qualitativa: a pesquisa documental,

o estudo de caso e a etnografia. A pesquisa documental pode ser aplicada a documentos de qualquer

época; o estudo de caso é interessante porque a partir do aprofundamento em uma situação

específica e particular pode servir de comparação para uma situação mais global; e a etnografia

procura compreender os atores no seu ambiente de atuação, sem nenhuma intervenção que provoque

mudança de atitude cultural do indivíduo ou do grupo pesquisados.

Este trabalho objetivou descrever, compreender e explicar o fenômeno lingüístico

contemporâneo do internetês, buscando resultados os mais fidedignos possíveis, num modelo de

pesquisa etnográfica, na medida em que procurei entrar na cena investigada como sujeito

participante. Aos poucos, fui me familiarizando com a escrita dos adolescentes, imergindo no

mundo virtual para uma real compreensão do objeto. Além de acompanhar alguns sujeitos da

pesquisa no momento de suas interações, senti necessidade de experimentar/participar eu mesma das

interações, o que me levou a fazer um cadastramento fake no Orkut para poder realizar observações

nas páginas de recados, inclusive questionando meus interlocutores sobre os significados de

algumas expressões. Nesse sentido, Freitas (2002) reforça que:

(...) a observação não se deve limitar à pura descrição de fatos singulares, o seu verdadeiro

objetivo é compreender como uma coisa ou acontecimento se relaciona com outras coisas e

acontecimentos. Trata-se, pois, de focalizar um acontecimento nas suas mais essenciais e

prováveis relações. Quanto mais relevante é a relação que se consegue colher em uma

descrição, tanto mais se torna possível a aproximação da essência do objeto, mediante uma

compreensão das suas qualidades e das regras que governam as suas leis. Quanto mais se

preservam em uma análise as riquezas das suas qualidades, tanto mais é possível a

aproximação das leis internas que determinam sua existência. De fato, só ao colher os traços

mais importantes e depois aqueles mais secundários, identificando suas possíveis

conseqüências, é que começam a emergir claras as relações que os ligam entre si. O objetivo

da observação se enriquece, assim, de uma rede de relações relevantes.

A observação é, nesse sentido, um encontro de muitas vozes: ao se observar um evento,

depara-se com diferentes discursos verbais, gestuais e expressivos. São discursos que

refletem e refratam a realidade da qual fazem parte, construindo uma verdadeira tessitura da

vida social. O enfoque sócio-histórico é que principalmente ajuda o pesquisador a ter essa

dimensão da relação do singular com a totalidade, do individual com o social. (FREITAS,

2002, p. 2)

Conforme ia avançando em minhas observações, entrevistas e gravação das interações, era

obrigada a rever minha agenda de pesquisa. Os dois meses previstos inicialmente para a coleta de

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dados viraram seis, pois percebi que, se não acompanhasse os recados deixados no Orkut dos

entrevistados, perderia muitos detalhes para a descrição e a compreensão mais ampla do internetês.

A partir dessas mudanças na metodologia, foi possível pensar na elaboração de um glossário com as

principais expressões usadas pelos adolescentes.

Considero que o procedimento de observação no contexto natural das interações enriqueceu

sobremaneira a nossa pesquisa, desvelando fenômenos que seriam imperceptíveis num outro tipo de

pesquisa que não levasse em consideração a possibilidade de o pesquisador interagir com os sujeitos

pesquisados para descobrir as peculiaridades da linguagem usada por eles. Foram inúmeras

madrugadas, inúmeras gravações de interações para compreender as singularidades do sistema de

escrita praticado pelos usuários do MSN e do ORKUT. Fomos anotando impressões, expressões e

delineando o melhor caminho para a construção do texto dissertativo, conforme surgiam novas

informações.

A diferença no percentual expressivo de alunos da escola particular que possuem

computador em suas residências, em comparação com o número reduzido daqueles da escola

pública, demonstra, entre outros aspectos, o abismo social que separa esses dois universos da

educação brasileira.

2.3 O locus da pesquisa

Nesta seção apresento os ambientes de minha pesquisa, lembrando que escolhi uma escola

particular, o Instituto Santa Maria (ISM), e uma escola pública, a Escola Estadual Onze de Março

(CEOM), como cenários de observação.

O Instituto Santa Maria é uma escola tradicional em Cáceres, criada pelos freis holandeses, a

convite do Bispo D. Máximo Biennes. Sua data de fundação é dada como 19 de março de 1958. É

uma entidade religiosa que oferece educação básica, nos níveis de: Educação Infantil, Ensino

Fundamental e Médio. Sob a presidência do Frei Govardus Antinius Maria Oomen, o Instituto Santa

Maria tem hoje, como diretora a professora Cléia de Souza Castilho. Dispõe de uma excelente

estrutura física e pedagógica para atender a uma clientela de aproximadamente 600 alunos, nos

turnos matutino e vespertino. A escola usa como marketing o discurso da qualidade do ensino que

ministra, o modelo da disciplina interna e os resultados obtidos não apenas na construção do

conhecimento pedagógico, mas também nos esportes, na cultura, nas artes e, principalmente, o

índice de aprovação de seus alunos nos concursos vestibulares.

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A escola está localizada no bairro da Cavalhada, há três quadras do centro da cidade, entre o

Fórum e o campus da UNEMAT, atendendo a uma clientela que vai dos 2 aos 18 anos de idade. O

quadro de professores do ISM, como hoje é conhecido, praticamente continua o mesmo desde a

década de 80, quando ainda era chamado de Colégio dos Freis, à guisa de distinção de outra escola

tradicional existente na cidade de Cáceres, a escola Congregação Imaculada Conceição, ainda

chamada de Colégio das Irmãs. As famílias tradicionais orgulham-se em dizer que seus filhos

estudaram nessas escolas que formaram cidadãos cacerenses de prestígio social. O que pudemos

observar é que os pais egressos da escola ISM fazem questão de que seus filhos sigam os mesmos

ensinamentos de base cristã.

O ISM ocupa um espaço equivalente a duas quadras, com 10 salas de aula, uma ótima

biblioteca, com aproximadamente 10.000 volumes, um salão para atividades de apresentação de

vídeos e pequenas conferências, um laboratório de informática, 01 sala de direção, 01 sala de

coordenação, 01 sala dos professores, 01 secretaria, um estacionamento de bicicletas, um amplo

estacionamento de carros, 01 marcenaria, 01 quadra coberta para jogos e eventos, 01 campo de

futebol e um anexo que funciona como a moradia dos freis. O espaço das salas é bastante

confortável, as carteiras e mesas de professores foram produzidas na própria marcenaria da escola,

respeitando os aspectos de postura ortopédica.

O quadro docente compõe-se de 25 professores, sendo 13 do Ensino Fundamental e 12 do

Ensino Médio. Os professores do Ensino Fundamental possuem o curso de Pedagogia e os do

Ensino Médio possuem os cursos de licenciatura em suas áreas. Todos os professores do quadro

possuem especialização em suas áreas.

O laboratório de informática do ISM possui 10 computadores e é usado alternadamente

pelas turmas, somente durante as aulas de informática, uma vez por semana. Não há normas

específicas para o uso do laboratório porque fica sob a responsabilidade do professor de informática,

não é utilizado pelos professores de outras áreas e os alunos não possuem autorização para acessar a

internet.

O ensino é baseado no conteúdo das apostilas elaboradas pelo chamado método de ensino

Objetivo e pagas separadamente das mensalidades que custam em média R$ 300,00, dependendo da

série que o aluno estiver cursando.

A Escola Estadual Onze de Março é mais conhecida em Cáceres como CEOM (sigla do

antigo Colégio Estadual Onze de Março). Foi criada pela Lei Estadual nº. 46, de 22/10/47, com o

nome de Ginásio "Onze de Março". Sua instalação aconteceu no dia 1º. de abril de 1.948, como

anexo do Grupo Escolar Esperidião Marques, passando a funcionar como ensino médio desde 1964,

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já em prédio próprio na rua Tiradentes. O primeiro diretor do Ginásio foi o Sr. Natalino Ferreira

Mendes, hoje membro da Academia Mato-grossense de Letras.

Hoje, a escola conta com aproximadamente 1.300 alunos nos turnos matutino, vespertino e

noturno, depois de ser desmembrada do ensino fundamental que funciona na Escola Estadual

Natalino Ferreira Mendes, em homenagem ao primeiro diretor do CEOM. Foi uma das primeiras

escolas estaduais de Cáceres e o espaço onde, durante muitos anos, funcionou o curso de magistério.

Consta da apresentação da referida escola, no site da Seduc/MT, o seguinte objetivo: “proporcionar

uma educação voltada para o exercício da cidadania, onde nossos alunos possam através da

produção do conhecimento transformar a sociedade onde vivem, interferindo nela de forma

consciente e ética, sempre que julguem necessário”, o que mostra o diálogo com os novos

paradigmas de educação e ensino, oficializados por documentos oficiais, como Diretrizes

Curriculares, Parâmetros Curriculares Nacionais e Orientações Curriculares Nacionais.

O espaço físico da escola é bastante amplo, com um laboratório de informática, um

laboratório de Ciências Naturais, uma biblioteca, com aproximadamente 3.500 exemplares, um

auditório para palestras, 16 salas de aulas, totalizando 41 compartimentos físicos, uma quadra

coberta, uma cantina e um refeitório. As salas apresentam problemas de infiltração, pouca

ventilação, quadros-negros deteriorados, ventiladores mal conservados, carteiras inadequadas e

quebradas, além da profusão do som de uma sala para outra. A clientela é composta por jovens

entre 13 e 20 anos de idade.

A direção e o corpo docente da escola CEOM, nos últimos 05 anos, têm procurado melhorar

o ambiente físico da escola e implantar inovações nas práticas pedagógicas. A cada intervalo, os

alunos mudam de sala e os professores permanecem, favorecendo o sentido de que tudo (carteiras,

salas, etc.) é de todos e deve ser cuidado por todos.

O laboratório de informática do CEOM possui 30 computadores, sendo que sempre há dois

ou três em manutenção. O laboratório funciona alternadamente nos períodos matutino, vespertino e

noturno, tendo uma professora, com desvio de função, como responsável pelas reservas dos

professores e utilização por parte dos alunos. O espaço é bem iluminado, possui sistema de ar

condicionado, limpo e organizado. Os professores devem reservar a sala com uma semana de

antecedência e estar presentes para coordenar o uso dos equipamentos. É permitido aos alunos o

acesso à internet. Observamos que alguns professores utilizam o laboratório com muita freqüência

enquanto que outros sequer o conhecem. Durante minhas observações, não presenciei nenhum

professor de Língua Portuguesa realizando aulas no laboratório.

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2.4 Os sujeitos da pesquisa

Os informantes da pesquisa são 12 adolescentes e 04 professores de português, distribuídos

segundo o quadro abaixo:

ESCOLA SUJEITOS

Alunos Adolescentes Professores

Masculino Feminino

ISM 03 03 02

CEOM 03 03 02

TOTAL 06 06 04

Os adolescentes que participaram da pesquisa são usuários habituais do MSN e Orkut.

Aceitaram salvar trechos de interações em que foram um dos interlocutores e concordaram em

ceder-me as gravações para observação, descrição e análise. Além disso, tais adolescentes foram

entrevistados acerca do uso do internetês por meio de roteiro-guia com perguntas abertas.

A escolha dos adolescentes ocorreu depois de conversas com os professores que já

apontaram quais alunos costumam acessar com mais freqüência o MSN e o Orkut. Marquei uma

reunião com a presença dos professores e dos alunos convidados, expliquei o objetivo das

gravações, a importância da pesquisa e entreguei os CDs apenas para aqueles que concordaram, 02

desistiram durante o período das gravações, sendo substituídos por outros indicados pelos

professores.

Os professores foram entrevistados mediante um roteiro-guia com perguntas abertas que

visavam a trazer à tona os sentidos com que envolviam o internetês na sua relação com o português

padrão. Na escola particular não houve problemas porque os dois professores do Ensino Médio

concordaram de imediato em participar da pesquisa. Já, na escola pública, senti uma certa

resistência da parte do corpo docente, mas consegui uma autorização para trabalhar em conjunto

com os professores do período matutino, pois os alunos desse período estão na faixa etária de 13 a

18 anos. Nos períodos vespertino e noturno, a escola atende a uma clientela mais madura.

2.4.1 Os alunos adolescentes

Os adolescentes da escola particular ISM são de classe média alta, possuem computador

em casa, dominam com maestria o uso desse suporte e não apresentam dificuldade nenhuma no

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manuseio do CD ou na gravação das interações, conforme solicitação da pesquisadora. Todos têm

domínio do internetês e costumam participar das interações diariamente, num período médio de 03

horas/dia. Inclusive, dois deles costumam gravar algumas conversas. Todos prontamente se

comprometeram a colaborar com a pesquisa.

Os adolescentes da escola pública CEOM são de classe média baixa, apenas 02 possuem

computador em casa, dominam parcialmente o uso desse suporte, não apresentam dificuldade no

manuseio do CD, mas não sabiam como salvar as interações. Assim, numa das aulas de laboratório,

ensinei-lhes como deveriam proceder às gravações. Mesmo assim, um deles gravou um número bem

reduzido de interações em relação aos outros adolescentes. Quando expliquei sobre o objetivo da

pesquisa, alguns ficaram preocupados, tímidos e precisaram ser substituídos por outros que

demonstraram interesse em colaborar.

2.4.2 Os professores

Os professores participantes da pesquisa lecionam há mais de 10 anos, são bem populares em

suas escolas, não acumulam empregos em outras instituições de ensino, possuem graduação em

Letras e pós-graduação (especialização em Psicopedagogia e Língua Portuguesa/Literatura) e se

mostram muito atentos às mudanças e novas tecnologias. Todos responderam a todas as perguntas e

dois deles me cederam produções escritas de alunos, num momento em que eu ainda tinha a

intenção de incorporar uma análise da migração do internetês para gêneros e textos escolares, parte

do projeto inicial que foi sacrificada por falta de tempo. Um dos professores questionou sobre o

porquê de alguns pesquisadores não apresentarem os resultados de suas investigações depois da

conclusão das análises. Portanto, firmei o compromisso de retornar aos locais da pesquisa para

apresentar os resultados encontrados.

2.5 Os procedimentos e técnicas de coleta de dados

Adotei como técnica de coleta de dados a gravação de conversas entre adolescentes no MSN

e recados deixados no Orkut. As conversas foram gravadas em CDs individuais pelos próprios

adolescentes, no prazo de 08 semanas nos meses de novembro e dezembro de 2006. A primeira

tentativa foi frustrada porque o ambiente do laboratório de informática das escolas sofre muitas

interferências. Os alunos da escola particular reclamaram da falta de privacidade para

“conversarem” livremente. Assim conseguimos chegar a um acordo para que cada informante

levasse para sua casa e gravasse as interações em seus próprios computadores. Por sua vez, os

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alunos da escola pública começaram a gravar suas interações nos computadores do laboratório da

escola durante a primeira semana, onde e quando pude, inclusive, acompanhar e observar as aulas

de alguns professores naquele ambiente. Porém, na segunda semana, ocorreu um fato bastante

frustrante para os participantes da pesquisa: todas as conversas anteriormente gravadas foram

deletadas do sistema pela coordenadora do laboratório. Este fato levou os adolescentes a

reclamarem, da mesma forma que os alunos da escola particular, da falta de privacidade para

manterem as suas pastas nos arquivos dos computadores da escola. Assim, em conjunto com a

professora designada pela direção para acompanhar a coleta de dados, decidi propor aos alunos que

levassem um CD individual para procederem às gravações de suas interações, semanalmente.

A princípio, pensei em escolher adolescentes que tivessem computador em casa. Na segunda

visita às escolas, decidi fazer uma pesquisa oral e verifiquei que, na escola particular, numa sala de

30 alunos, apenas 01 não possuía computador, enquanto que, na escola pública, numa sala de 35

alunos, 02 possuíam computador. Dessa forma, no universo da escola pública, a estratégia de

solicitar a gravação da interação por MSN em casa, não seria viável. Por isso, não me restou outra

alternativa que não a de fazer a gravação na própria escola. Cada CD foi identificado com o nome, a

idade e a escola dos sujeitos, totalizando 48 momentos de interação. Como os dados colhidos

relacionam-se direta ou indiretamente com interações via internet, mais precisamente, via MSN e

Orkut, nas seções seguintes vou relembrar algumas especificidades desses programas.

2.6 O programa MSN

O MSN Messenger, mais conhecido pela sigla MSN, é um programa de mensagens

instantâneas criado pela Microsoft Corporation. O programa surgiu a partir de um tipo de chat

chamado ICQ6, em 1997, atingindo rapidamente um número expressivo de usuários e

revolucionando as interações on-line em tempo real. O Windows Live Messenger é a nova geração

do MSN Messenger que introduz recursos mais avançados que a primeira versão. O novo programa

permite deixar recados para a pessoa que estiver off-line, salvar as conversas, esconder a guia de

patrocínios, colocar apelido nos usuários da lista, praticar a busca rápida de contatos ou “favoritos”

e mostrar as fotos dos contatos on-line e off-line.

6 É um tipo de chat que foi desenvolvido pela empresa israelense Mirabilis para possibilitar aos usuários a

organização de uma lista de amigos que compartilha e que, automaticamente, avisa na tela quem está on-line para

uma interação, bastando apenas um click no nickname para a conexão desejada.Segundo Araújo (2005, p. 99), a

sigla ICQ faz alusão à pronúncia inglesa aiciquiu – I seek you, cuja tradução seria “eu procuro você”.

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Para ter acesso ao programa, os internautas precisam cadastrar uma conta e usar nicknames

ou apelidos seguidos de outras identificações como, por exemplo, [email protected] e, além

disso, aceitar as condições de uso do site. O usuário pode fazer várias interações simultaneamente,

conversar em grupo ou separadamente. As inovações não param quando se trata dos recursos

disponibilizados pelos programas que viabilizam essas interações, podendo-se escolher “panos de

fundo” ou papéis de parede temáticos, com flores, bichinhos, corações, bastante coloridos,

engraçados e românticos.

Os internautas costumam passar “dicas” entre si de como usar os recursos mais recentes e

resolver pequenos problemas de lay-out da tela pessoal do Messenger. A tela, a seguir, apresenta a

página inicial do site do Windows Live, disponibilizando o link dos recursos.

Figura 13: Página inicial do site do Windows Live

No Brasil, o MSN popularizou-se de tal forma que, segundo o colunista Jerônimo Teixeira, em texto

publicado na revista Veja, edição nº 2025, em setembro de 2007, o número de falantes da língua

portuguesa que navegam na rede aumentou em 525%, ainda assim representando apenas 4% do total

de usuários. Tem como público alvo o jovem de classe média que dispõe de um computador

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doméstico e um laptop individual para que, bem confortavelmente, como sugere a apresentação na

web, o acesse por longas horas.

Para quem prefere conversar em outras línguas, há grupos específicos que interagem em

outros idiomas. O Messenger disponibiliza também recursos para incrementar as interações, é

possível programar imagens, ícones, emoticons, scraps e glitters para que, ao digitar determinadas

palavras, o internauta possa impressionar seu interlocutor com uma mensagem com efeitos especiais

(ver anexos I, II, III e IV, p. 114-120 ). Além disso, a rede disponibiliza dicionários para quem está

se iniciando no internetês (ver anexo V, p. 122). Tais detalhes serão examinados no próximo

capítulo, quando formos descrever o sistema de escrita do internetês.

2.7 O site Orkut

O Orkut é, atualmente, o site de relacionamento mais procurado pelos jovens internautas.

Pode-se dizer que a “febre” do momento tem tirado o sossego de pais e professores que, intrigados,

perguntam-se sobre o que há de tão interessante e envolvente na tal comunidade virtual. O subtítulo

deste capítulo foi escolhido por conta de uma música de Ewerton Assunção exaustivamente tocada

nas rádios e que está circulando na rede , cujo refrão é “Eu vou te deletar te excluir do meu orkut/Eu

vou te deletar te excluir do meu orkut/ Eu vou te bloquear no msn/ Não me mande mais scraps, nem

email, power point/ Eu vou te deletar te excluir do meu orkut/ Eu vou te bloquear no MSN”. A

música reproduz expressões usadas pelos jovens nas interações nesse espaço virtual, raramente

compreendidas pelas gerações menos jovens. É engraçado imaginar os filhos de nossos filhos

perguntando se os pais se conheceram no Orkut.

O Orkut é um sistema criado pelo Google e lançado em fevereiro de 2004. O nome

homenageia o engenheiro turco, funcionário da empresa, que desenvolveu o projeto: Orkut

Buyukkokten. O site é um serviço que permite ao usuário fazer/relacionar amigos e interagir com

pessoas com quem tenha alguma(s) afinidade(s) e participar de comunidades sobre os mais diversos

assuntos. Basicamente, há um painel com a relação dos amigos e outro painel com a relação das

comunidades. Cada pessoa tem uma descrição e pode-se visualizar de quais comunidades ela

participa, quais os amigos que ela tem, mandar mensagens a ela e até mesmo se declarar fã da

pessoa.

Muitas vezes, um usuário não deseja exibir sua foto no Orkut e coloca um desenho, foto de

celebridade ou de algo de que ele gosta, o que, teoricamente, é proibido pelas regras do Orkut. Isso

ocorre cada vez mais e é relativamente aceito pela comunidade para aqueles que querem permanecer

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anônimos. Neste caso, usa-se o nome real e muitos até sobem fotos reais para o álbum, mas

preferem manter a foto do perfil com um desenho qualquer. Muitos usuários criam Fakes7 (perfis

falsos) para poderem explorar o Orkut de outros usuários, já que fica registrado na página o

nickname (pseudônimo) do visitante. A tela a seguir exemplifica um internauta que prefere usar a

imagem de um personagem de um filme norte-americano em substituição à sua própria imagem. Há

sites especializados que disponibilizam imagens para a apresentação do perfil dos orkuteiros mais

inibidos ou que realmente desejam preservar sua imagem.

Figura 14: Exemplo de perfil (fake) de um orkuteiro

Cada usuário no Orkut pode ter um perfil que é dividido em três partes:

Perfil Social – o usuário pode falar um pouco de si mesmo, além de dizer de seus gostos e

preferências: livros, músicas, programas de TV, filmes, comida etc.

7. São perfis falsos que registram cadastro no site do Orkut com intenções de praticar voyerismo, sem que o

orkuteiro seja identificado. Os fakes são proibidos pelo regulamento de uso do referido site, entretanto, alguns usam

por brincadeira e outros usam para atividades criminosas como pedofilia, incitação à violência, prostituição, tráfico

de drogas e outras contravenções.

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Perfil Profissional – o usuário fala de sua atividade profissional com informações sobre seu

grau de instrução e carreira.

Perfil Pessoal – o usuário constrói um perfil pessoal, de forma a facilitar as relações

interpessoais, apresentando suas características físicas e explicitando o tipo de pessoa com

quem gostaria de se relacionar e até mesmo de namorar/casar.

Cada usuário tem um grupo de amigos que pode chegar a, no máximo, 1.000 pessoas (o

número foi instituído para evitar abusos, mas pode ser ultrapassado devido a problemas no sistema),

classificados como: desconhecido, conhecido, amigo, bom amigo e melhor amigo. Cada amigo tem

outro amigo e, dessa maneira, cada usuário do Orkut é ligado, de algum modo, a todas as pessoas

através dessa rede social.

Figura 15: Perfil de orkuteiro e rede de comunidades

Quanto às comunidades, existem milhares, algumas voltadas até para coisas bizarras. De maneira

geral, é possível explorar qualquer tema como mote para se criar uma comunidade que atraia

membros. As pessoas podem entrar nas comunidades (as comunidades não possuem limite de

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participantes, mas você pode adicionar no máximo 1000 comunidades), que podem funcionar como

fóruns de interesses comuns. Por exemplo: se alguém gosta de ler, pode-se entrar em uma

comunidade com o nome Eu amo ler. Outras pessoas podem participar dessa comunidade também e,

assim, poderão discutir qualquer assunto, geralmente relacionados ao tema. Nas comunidades

existem duas áreas de interação: o fórum e os eventos.

Figura 16: Orkutmaníacos e rede de amigos e comunidades

O fórum funciona por meio de tópicos. Uma pessoa elabora um assunto, com um título e um

texto e permite que outros possam lê-lo e deixar alguma mensagem. É possível conversar no Orkut,

porém não de forma instantânea. Eventos são atividades esporádicas de alguns grupos.

Cada comunidade possui um dono, o qual poderá escolher até 10 moderadores que poderão

autorizar ou não a entrada de um novo perfil, no caso de a comunidade ser "fechada". Se ela for

"aberta", qualquer um pode entrar. Quando algum perfil comete algum ato impróprio na

comunidade, ele também pode ser banido pelo dono ou moderadores, temporária ou

definitivamente. Na sua versão inicial, o dono não podia delegar as funções de moderador a outros

usuários, e, com um só moderador, tornava-se difícil manter sua organização.

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Um dos maiores problemas da rede de relacionamento do Orkut diz respeito à sua

exploração para práticas social e/ou legalmente condenáveis pela legislação de certos países,

inclusive o Brasil. A rede enfrenta problemas sérios, como, por exemplo, a criação de comunidades

preconceituosas, pregando homofobia, racismo, xenobismo, neo-nazismo, tortura e violência contra

os animais e fazendo apologia ao consumo e à venda de drogas e à pedofilia. O incitamento ou a

apologia ao crime é considerado um ato ilegal e sujeito a penalidades.

Muitas torcidas organizadas de times de futebol utilizam o Orkut para resgistrarem as suas

atividades. Algumas gangues infiltradas nessas torcidas se agridem mutuamente e marcam local

para confrontos. Tendo em vista tratar-se de ação criminosa, a polícia pode rastrear os incitadores e

prevenir os eventos, mas os criminosos acabam driblando o servidor do Orkut. Porém, devido a

pressões por parte do governo brasileiro e da imprensa americana, novas providências vêm sendo

anunciadas por parte do servidor para uma ação mais efetiva de combate ao uso criminoso do

programa. Denunciar o perfil ao Orkut, no entanto, não produz resultados efetivos, pois seu

proprietário apenas apaga o perfil e, com ele, as provas. O mais recomendado é denunciar o

problema às autoridades competentes em cada país para investigar e punir os criminosos.

Com o Orkut, o antigo “meu diário” assume um novo layout em um espaço virtual, perdendo

um pouco da sua privacidade. Normalmente, a escolha dos textos, imagens e layout demonstram um

pouco da personalidade do usuário, funcionando como uma espécie de show-room do internauta. É

um espaço de expressão de sentimentos do okurteiro, constituindo seu discurso lúdico.

Se, por exemplo, determinado usuário faz parte de uma comunidade que discrimina uma

minoria, isso pode significar que simpatiza com grupos preconceituosos. Numa situação como essa,

é possível que o visitante tenha várias práticas discursivas: deixar recados concordando, reagindo

negativamente ou simplesmente nunca mais acessando aquele Orkut. Os usuários interagem,

obedecendo a várias regras gerais ou grupais, há uma ordem que determina e permeia a relação entre

os interlocutores nessa esfera de comunicação verbal. O Orkut pode ser acessado em qualquer lugar,

a qualquer hora, solitariamente ou em grupo. Pode ser explorado, suscitar a interação entre okurteiro

e visitantes, tornando-se um espaço para debate. A interação no Orkut possibilita um feedback

lingüístico e, apesar de não ter a força expressiva de uma interação face a face, permite a réplica.

Os usuários buscam identificar-se, fazer parte de um grupo interessado em temas comuns e,

sobretudo, expressar-se e constituir-se sujeito por meio dessa prática social bastante significativa na

contemporaneidade. As respostas de algumas entrevistas permitem-nos perceber o quanto é

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importante para alguns jovens a relação dialógica proporcionada pelo Orkut a quem faz parte dessa

“tribo” virtual.

Navegar nas páginas do Orkut é uma prática discursiva que engloba a escrita alfabética,

imagens (desenhos e fotos), os ícones (emoticons) e uma organização textual-discursiva específica.

O computador ligado em rede, nesse caso, é o suporte para uma interação informal, dinâmica,

cotidiana e rica para as galeras/comunidades que a utilizam.

Acredito que os interlocutores do Orkut, principalmente os adolescentes, buscam e entendem a

importância do “outro” para dialogar e dividir interesses comuns. A contra palavra nesse espaço

cibernético permite intensas experimentações e transformações que colaboram para o crescimento

pessoal, cumprindo o papel transformador na constituição do sujeito.

2. 8 Os procedimentos de análise

A partir de uma cuidadosa leitura dos 48 momentos de interação gravados pelos

adolescentes das escolas particular e pública, procedi à seleção de alguns fragmentos típicos de

conversas que sintetizam as características gerais apresentadas na maioria das interlocuções virtuais.

Constam do corpus (Capítulo III) 28 excertos.

A análise dos dados me levou a experimentar a angústia dos pesquisadores novatos: Quais

são os dados relevantes? Entre tantas informações, quais serão descartadas e quais serão

consideradas? Como organizar tantas informações? Como descrever e analisar os dados de forma a

me munir de argumentos convincentes para responder as perguntas da pesquisa?

A observação e a escolha dos fragmentos de interações foram mais complicadas do que, a

princípio, imaginava, porque não se resumiram às conversas via MSN, gravadas em CD, mas

estenderam-se a inúmeras consultas às páginas do Orkut dos adolescentes participantes da pesquisa.

As páginas do Orkut, de certa forma, passaram a ser uma extensão do MSN para os usuários. Além

disso, o universo dessas interações é tão “encantador” que acabei navegando nesse ciberespaço por

muito mais tempo que o esperado.

Para iniciar a descrição do sistema gráfico do internetês, analiso os códigos de escrita

específicos, o uso de letras maiúsculas e minúsculas, alongamento das letras, o uso de números e

sinais matemáticos, sinais de pontuação como interrogação e exclamação usados pletoricamente

pelos interlocutores, a dinâmica das abreviações, os emoticons, a entonação, a repetição de letras e

outros engendramentos que tornam essa escrita-teclada tão interessante do ponto de vista da

expressividade. Enfim, naveguei por caminhos desconhecidos, mergulhei no mundo virtual do

internauta adolescente para conhecer melhor esse agenciamento de códigos que reconfigura a feição

tradicional da escrita ortográfica e reinventa a própria história da escrita em todas as suas fases – da

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escrita pictográfica figurativa à escrita fonográfica alfabética. Procuro destrinçar o sistema

grafolingüístico do internetês, visando a superar a sentença fácil de que se trata de uma escrita

abreviada. É, sim, uma escrita abreviada, mas que recursos são empregados para abreviar? Pretendo

mostrar que o internetês não se trata de um borrão do português escrito padrão, mas sim de um

sistema grafolingüístico complexo, um sistema que junta modalidades, escritas e temporalidades

diversas.

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CAPÍTULO III

APRESENTAÇÃO DO CORPUS

Neste capítulo, apresento o corpus que será analisado no capítulo IV. Procedi a uma seleção

dos momentos de interação copiados (salvados) pelos adolescentes que fizeram parte da pesquisa. A

seleção dos excertos teve por base a diversificação dos sujeitos e a sua exemplaridade em relação

aos fenômenos grafolingüísticos a serem analisados.

Excerto 01

09:38) FoN ||: ex loca neh ;O

(09:38) Diego : aaaaaaaaaaaa

Excerto 02

Fon!: vamo jogar ot o.õ

Diego: AILUEHWIUEHWAIUEHWAE

Fon!: IUAHEAHEUIHAEUIEA

Excerto 03

(18:55) : q ele fala de boa com vc.

(18:55) : .;P

(18:55) Cassio Narita:

(18:55) Cassio Narita: rlx

(18:55) : nakele assunto.

(18:55) Cassio Narita: d

(18:55) Cassio Narita: s

(18:55) Cassio Narita: xD

(18:55) : kra

(18:55) : os kra

(18:55) Cassio Narita: ow

(18:55) : vacalha de mais

(18:55) : na escola

(18:55) : na aula de espanhol

(18:55) : hiuAHE

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Excerto 04

(18:56) Cassio Narita: anderson vai na festa fantasia tb?

(18:56) Cassio Narita:

(18:56) : fale kiriki

(18:56) : nemmm sei

(18:56) : disq esse fdp gangho 1000 reais

(18:56) : lol (engraçado, tosco)

(18:56) Cassio Narita:

(18:56) : a tia dele

(18:56) : xego du nada

(18:56) : e a

(18:56) : e pa

(18:56) : 1000 reau

(18:56) : oi xau

(18:56) : lol

Excerto 05

(19:12) Cassio Narita: cara

(19:12) Cassio Narita: to melando

(19:12) Cassio Narita: espera eu banhar

(19:12) Cassio Narita: ?

(19:13) : vo axa um 1/1

(19:13) : vai ai

(19:13) : rapidao

Excerto 06

Fon!: nem vo flar nd

Diego: _)_ , bem assim q eh

Fon!: peidei q até arrepiei

Diego: pera ae, jejeje, ¬¬ (tédio)

Excerto 07

22:44) ??? ????? : ela tem falow

(22:44) ??? ????? : falow me

(22:44) ??? ????? : XD

(22:44) Cassio Narita: AIUEJHEUIAUESE

(22:44) ??? ????? : ganhei de minha mae

(22:44) Cassio Narita: o.o

(22:44) Cassio Narita: sua mãe mora ae?

(22:44) ??? ????? : sim

(22:45) Cassio Narita: kem mora ae?

(22:45) ??? ????? : rostto

(22:45) Cassio Narita: AEI8HEIEAHEAIHEEUHJEA

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(22:45) Cassio Narita: Q PODRE

(22:45) ??? ????? : eu rod e mae

(22:45) Cassio Narita:

(22:45) Cassio Narita: e papai?

(22:45) ??? ????? : br

(22:45) Cassio Narita: IAJEJEAIJeIAJe

(22:45) Cassio Narita: vo pega agua

(22:45) ??? ????? : demon hunt

(22:45) Cassio Narita: I-O

(22:45) ??? ????? : m2

Excerto 08

(09:38) Primeiro: =x

(09:39) Segundo: nao ot nao

(09:39) Primeiro: =/

(09:39) Primeiro: nao tem nada então

(09:39) Primeiro: buceta

(09:39) Segundo: vai tca punheta ô.o

Excerto 09

(21:41) C@i0- ...: Shushushuhsuhus

(21:41) C@i0- ...: ?????

(21:41) ~* Stefany:

(21:41) ~* Stefany: Saiohsaiohsaiohsaoish

Excerto 10

«·¤°|Ðå¦åñë ©£ëMëñt¦ñø|°¤·» ..www.flogao.com.br/daianegatinhablack diz:

domingu agorah a h-lera daki vai acampar

~ Stefany Luanaá x)~ TrabalhO de IngrêS ¬¬" diz:

qdo vem aki pra kceres d novo?

Excerto 11

Stefany Luana s2* diz:

baaaaaum?

KaMiLaS2JuNiNhUu diz:

sim simm e vc?

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~ Stefany Luana s2* diz: tbmmmmmm uai

Excerto 12

KaMiLaS2JuNiNhUu: mariuuuuuuuuuuuu

(16:49) KaMiLaS2JuNiNhUu:

(16:49) KaMiLaS2JuNiNhUu: u bixxxoo

(16:49) KaMiLaS2JuNiNhUu:

(16:49) KaMiLaS2JuNiNhUu:

(16:50) -:Mario Milaaaaaaaaa!

(16:50) -:Mario xD

(16:50) -: Mario u biixxxuu ?!

(16:50) -: Mario xD

(16:50) KaMiLaS2JuNiNhUu: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

(16:50) KaMiLaS2JuNiNhUu:

(16:50) -: Mario baummm mila?!

(16:50) -: Mario xD

(16:54) KaMiLaS2JuNiNhUu: Sim sim e vc???

(16:54) KaMiLaS2JuNiNhUu: saudadss

(16:54) KaMiLaS2JuNiNhUu:

(16:54) -: Mario tbmmm!

(16:54) -: Mario Sdd tbmm...

(16:54) -: Mario sumiuu mila!

(16:54) -: Mario =x

(16:56) KaMiLaS2JuNiNhUu: Euu nadaa

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(16:56) KaMiLaS2JuNiNhUu: Ont fui dah uma morgada lah na praca di noits

(16:56) KaMiLaS2JuNiNhUu: e neim ti vi

(16:56) -: Mario nem fui.

(16:56) -: Mario :x

(16:56) -: Mario num tinha nada lah..

(16:56) -: Mario :x

(16:56) -: Mario tava massa?

(16:57) KaMiLaS2JuNiNhUu: naum nehh...

(16:57) KaMiLaS2JuNiNhUu: Pra mim tava boua pq meu amor tava lahh

(16:57) KaMiLaS2JuNiNhUu:

(16:57) -: Mario ¬¬'

(16:57) -: Mario uhASUHahsHASHas

(16:57) KaMiLaS2JuNiNhUu: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

(16:57) -: Mario ruum..prega!

(16:58) -: Mario uhASUAHshASa

(16:58) KaMiLaS2JuNiNhUu: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

(16:58) -: Mario pregona!

(16:58) -: Mario uhAHSUHashAS

(16:58) KaMiLaS2JuNiNhUu: tameim te amoo mariozitoooo

(16:58) KaMiLaS2JuNiNhUu: kkkkkkkkkkkkkkkkk

(16:58) -: Mario =

(16:58) -: Mario =[

Excerto 13

num fasso a minina ideia do q c trata

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??? diz:

amanha eu conto pra vc na escola...

??? diz:

em q parte vc tah ??

???! diz:

tenho q ler a primeira ate a segunda

??? diz:

facinho pow...

??? diz:

soh eu ler uma parte q eu alembro

Excerto 14

wancley diz:

esse dia iamos na sua ksa

wancley diz:

+ nao para

×÷·.·´¯`·)»Thais Galeano«(·´¯`·.·÷× diz:

aff esses seus emoticon q nem aparecem

×÷·.·´¯`·)»Thais Galeano«(·´¯`·.·÷× diz:

fla sério

Excerto 15

>>>>*_[MaTtEuS ॐ]*_|_*[iNúTeiS]_<<<<<<< diz:

to te flanu iago

>>>>*_[MaTtEuS ॐ]*_|_*[iNúTeiS]_<<<<<<< diz:

so fiz hum

>>>>*_[MaTtEuS ॐ]*_|_*[iNúTeiS]_<<<<<<< diz:

pra ela

>>>>*_[MaTtEuS ॐ]*_|_*[iNúTeiS]_<<<<<<< diz:

votee

>>>>*_[MaTtEuS ॐ]*_|_*[iNúTeiS]_<<<<<<< diz:

pq tpw ela flo q ia fla uma coisa q naum era pra gente num conta pra

ninguem

Excerto 16

(21:01) Marlon Ass!s : voce ja viu todas as fotos do voo da gol? reportagem

completas depmento dos familiares:

http://voodagol1907.land.ru

(21:01) Marlon Ass!s : e ai

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(21:02) Marlon Ass!s : ??

(21:02) Alexis Pablo: Blznihha

(21:02) Alexis Pablo: i vc como tah cara?

(21:02) Marlon Ass!s : to baum

(21:02) Marlon Ass!s : xd

(21:03) Alexis Pablo: eai como taum as coisas por ai cara

(21:03) Alexis Pablo: ?!?!?!?!!

(21:08) Marlon Ass!s : ta baum

(21:08) Marlon Ass!s : ontem msm teve uma festa

(21:08) Marlon Ass!s : xd

(21:08) Alexis Pablo: q massa cara

(21:08) Alexis Pablo: festa du que

(21:08) Marlon Ass!s : niver

(21:08) Marlon Ass!s : do leonaredo viana

(21:08) Marlon Ass!s : mas tinha gente demais

(21:09) Marlon Ass!s : Flw

CONVERSA 2

Excerto 17

(19:31) Mirela ...: vou sair

(19:31) Mirela ...: acho q hj eu fou ficar souteira

(19:31) Mirela ...: rs

(19:31) Alexis Pablo: Puitz

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(19:31) Mirela ...: eu acho q o chule vai erminar de mim

(19:31) Mirela ...:

(19:32) Alexis Pablo: + pq?

(19:32) Mirela ...: hum é uma estoria tao comprida

(19:32) Mirela ...:

(19:32) Mirela ...: eu nau tinha traido ele a la vaz

(19:33) Alexis Pablo: sim sim

(19:33) Mirela ...: entao ele me traiu duos vezes

(19:33) Mirela ...:

(19:33) Mirela ...: eu eu fi i sabendo mas perdoei

(19:33) Mirela ...: mas nau ta a mesma coisa

(19:33) Mirela ...:

ele confia men mim e nam eu nele

(19:33) Alexis Pablo: Hummmmm

(19:33) Mirela ...:

e eu um menino de raiva dele

(19:34) Alexis Pablo: Putz

(19:34) Mirela ...: mas eu nau to brava com ele por ele ter me xifrado mas sim por jogar todo dia

na minha kra q nunca ia fazer oq eu fiz e el fez

Excerto 18

(20:40) Alexis Pablo: agora nós tamu fora da final

(20:41) :::..SrTa LeH..: ah q pena valia vaga pah final

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(20:41) :::..SrTa LeH..:

(20:42) Alexis Pablo: Éh

(20:42) Alexis Pablo: e nós levamos o gol qndu eu sai

(20:42) :::..SrTa LeH..: Nuss

(20:42) Alexis Pablo: pq eu tava cum câibras

(20:42) :::..SrTa LeH..: Peninha

(20:43) :::..SrTa LeH..:

(20:49) Alexis Pablo: i vc qq vai faze d bom nu fds

(20:49) Alexis Pablo: ?!?!?!!?!

(20:50) :::..SrTa LeH..: penxa numa coixa xata ir pah chacara da minha tia

(20:50) :::..SrTa LeH..: q tedio

(20:50) :::..SrTa LeH..:

(20:50) Alexis Pablo: auhauhauhuahauha

(20:52) :::..SrTa LeH..:

e ai dia 30 eh seu niver neh t festa por ai

(20:53) Alexis Pablo: naum sei ainda

(20:53) Alexis Pablo: + como vc sabe q dia 30 é meu niver?

(20:53) :::..SrTa LeH..:

(20:53) :::..SrTa LeH..: tenhu fontes

(20:53) :::..SrTa LeH..:

(20:54) Alexis Pablo: uahuahuahuhauha

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Excerto 19

(20:54) Alexis Pablo: Hummmm

(20:54) Alexis Pablo: Sei

(20:54) :::..SrTa LeH..: eu contratei um detetive ae ele t cuida e fla td pah mim

(20:54) :::..SrTa LeH..:

(20:54) Alexis Pablo: ahahauhauhuahuaha

(20:54) Alexis Pablo: ta baum

(20:54) Alexis Pablo: intaum me fala o nome desse detetive

(20:55) :::..SrTa LeH..: ah pah q voxe nem v q ele t cuida

(20:56) Alexis Pablo: tah baum intaum

(20:56) Alexis Pablo: + tu vai me dexa curioso neh!!!!!!!!!!

(20:56) Alexis Pablo: Blz

(20:56) :::..SrTa LeH..: poix eh

(20:56) :::..SrTa LeH..: vo t q t dexa curioso

(20:56) :::..SrTa LeH..:

(20:57) Alexis Pablo: Hummmm

(20:57) Alexis Pablo:

(20:57) :::..SrTa LeH..: ah naum xola naum

(20:58) Alexis Pablo: + toda vez e eu fiko curioso eu choro

(20:58) Alexis Pablo: ahauhauhauhauhau

(20:58) :::..SrTa LeH..: ah naum xola naum puque ae eu xolo tbm

(20:58) :::..SrTa LeH..:

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(20:58) Alexis Pablo: hehheheheheehhe

(20:58) Alexis Pablo: q bunitinho

(20:59) :::..SrTa LeH..: pah voxe v

Excerto 20

(20:59) Alexis Pablo: intaum me fala o nome do seu detetive

(20:59) Alexis Pablo: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

(20:59) :::..SrTa LeH..: ah naum ae nem dah hein

(20:59) :::..SrTa LeH..:

(21:00) Alexis Pablo: tah baum

(21:00) :::..SrTa LeH..: naum xola hein

(21:01) Alexis Pablo: tah eu naum vo xola

(21:01) :::..SrTa LeH..: ah tah

Excerto 21

(18:35) jack_xandao@hotm: Iai

(18:36) jack_xandao@hotm: oq se anda fazendo pexi ??

(18:36) bruno_benedetti1: soh bejano na boca

(18:36) jack_xandao@hotm: agora vc anda só com a elite né

(18:36) jack_xandao@hotm: shuahsuahs

(18:36) jack_xandao@hotm: eu tamem

(18:36) bruno_benedetti1: Uahsuahsuahs

(18:36) jack_xandao@hotm: ow eu começei namo em casa esses dia ai

(18:36) jack_xandao@hotm: cara é sinistro né

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(18:36) jack_xandao@hotm: ?

(18:36) jack_xandao@hotm: Ow

(18:37) bruno_benedetti1: vc i na casa da sogra c fala ?

(18:37) jack_xandao@hotm: Anham

(18:37) jack_xandao@hotm: faz qanto tempo q vc ta namo

(18:37) jack_xandao@hotm: ?????

(18:37) bruno_benedetti1: 3meses

(18:37) bruno_benedetti1: vo na ksa da sogra toda semana

(18:37) jack_xandao@hotm: afff só

(18:38) bruno_benedetti1: pego carona com ela

(18:38) jack_xandao@hotm: eu vo la todo dia po

(18:38) bruno_benedetti1: Normal

(18:38) jack_xandao@hotm: cara eu ja to com flavia 8 meses veio

(18:38) bruno_benedetti1: boonito vc nessa fto >>>

(18:38) jack_xandao@hotm: Shaushuahsua

(18:38) bruno_benedetti1: bastinho jah eim

(18:38) jack_xandao@hotm: seu prego

Excerto 22

(13:28) fejaum_rafael@ho: iawe muleke ;

(13:28) fejaum_rafael@ho: inauguração da boate sabado heim ;

(13:28) jack_xandao@hotm: um pod cre

(13:28) jack_xandao@hotm: Ow

(13:28) fejaum_rafael@ho: a galera toda vai tah lah, conto contigo lah tbm ;

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(13:28) fejaum_rafael@ho:

(13:28) jack_xandao@hotm: po nem sei veio

(13:28) jack_xandao@hotm: tem q ve com minha muié

(13:28) fejaum_rafael@ho: ahhh ;

(13:29) fejaum_rafael@ho: se ligah ;

(13:29) fejaum_rafael@ho: elah tbm vai pow ;

(13:29) fejaum_rafael@ho:

(13:29) jack_xandao@hotm: eu vo ve com ela ai nois vai

(13:29) fejaum_rafael@ho: d boa ;

(13:29) fejaum_rafael@ho: olha soh ;

(13:29) jack_xandao@hotm: Um

(13:29) fejaum_rafael@ho: qualquer coisa se me fala ;

(13:29) fejaum_rafael@ho: tenho ingressos pra vende ;

(13:29) jack_xandao@hotm: Aham

(13:29) fejaum_rafael@ho: awe ti levo ;

(13:29) fejaum_rafael@ho:

(13:29) fejaum_rafael@ho: vlw ;

(13:29) fejaum_rafael@ho: dah uma forçah awe ;

(13:30) fejaum_rafael@ho:

(13:30) jack_xandao@hotm: pod cre

(13:30) jack_xandao@hotm: vo fala com ela hj

(13:30) jack_xandao@hotm: ai eu t falo si vai rola

(13:31) fejaum_rafael@ho: d boa irmaum ;

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(13:31) fejaum_rafael@ho: vlw ;

(13:31) fejaum_rafael@ho:

(13:31) jack_xandao@hotm:

Excerto 23

(13:42) jack_xandao@hotm: Vlw

(13:42) lualu_15@hotmail: d nda

(13:42) lualu_15@hotmail: ew tava xorandu aki cum ela

(13:42) jack_xandao@hotm: afff

(13:42) jack_xandao@hotm: larga maw cara

(13:42) jack_xandao@hotm: Ow

Excerto 24

[b][b][c=4][b]Alexis Pablo[/b][/c][/b]>>[/b] diz:

ahhh

[b][b][c=4][b]Alexis Pablo[/b][/c][/b]>>[/b] diz:

akela karine é bulitera

[b][b][c=4][b]Alexis Pablo[/b][/c][/b]>>[/b] diz:

ela fiko co frescura e num quiz ir

[b][b][c=4][b]Alexis Pablo[/b][/c][/b]>>[/b] diz:

+ nós vamos ai ainda tah

Excerto 25

[c=46][/c]GISA.....vc me faz...tanta.....FALTA...... diz:

bem d+++++++

[c=46][/c]GISA.....vc me faz...tanta.....FALTA...... diz:

da conta sô

MaH Ávila diz: hmm

MaH Ávila diz: q baum intaum eh vdd

Excerto 26

vc é burro então eim, porrrrrrraaaaaaaaaa

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Excerto 27

.(",)\ ಌღ ·*·☆ಌღ ·*·☆ಌღ ·*·☆ಌღ ·*·

-/♥\- ಌღ ·*·☆ಌღ ·*·☆ಌღ ·*·☆ಌღ ·*·

_| |_ ಌღ ·*·☆ಌღ ·*·☆ಌღ ·*·☆ಌღ ·

Eita!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

!!!!!!!!

Excerto 28

oooooooooooooooooooi *-* !oaisudaudisa³ disculpa naum ter respondido eh

q só falava do rafa , ai nem sei o q falar pq ele naum ta aqui em ksa..

te adooro³ (L)

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CAPÍTULO IV

ANÁLISE DO CORPUS

Neste capítulo, busco analisar o internetês como um sistema grafolingüístico que faz oscilar

as fronteiras entre a oralidade e a escrita e realiza uma anamnese de praticamente todos os sistemas

de escrita inventados pela humanidade, colocando em cheque a posição de quem vê nessa forma de

expressão rebeldia ou ignorância dos jovens contemporâneos, numa empresa coletiva de danação da

boa língua. Além disso, trago vozes de professores dos informantes dessa pesquisa, no intuito de

descobrir o que pensam/dizem acerca do internetês e seus possíveis rastros na escrita escolar.

4. Internetês: uma nova língua, um socioleto ou apenas uma escrita?

A interação por meio da internet promove um deslocamento das modalidades da

linguagem e suas habituais vocações. A dicotomia oral/escrito torna-se insuficiente para abrigar

todas as manifestações contemporâneas de uso de uma língua no ciberespaço. Como afirma

Eisenkraemer (2006, p. 2), “surge uma nova modalidade que engloba características das duas, ou

seja, um ‘código escrito oralizado’, ou uma ‘fala/escrita criptografada’”, que exige uma iniciação

para se tornar acessível. Ainda segundo a autora,

Essa nova modalidade de expressão e linguagem faz uso em larga escala de palavras

cifradas, estrangeirismos, neologismos, siglas, abreviaturas, desenhos, ícones, símbolos, e

necessita da codificação de emoções, como risos, por exemplo, em palavras ou até

mesmo um amontoado de letras. O interessante é que essas letras têm um sentido, e

decifrá-las não é uma tarefa fácil, principalmente para quem não tem muito conhecimento

ou prática de Internet; para estes, tudo isso muitas vezes mais se parece com “conversa de

grego” (EISENKRAEMER, 2006, p.3).

O internetês caracteriza-se como uma forma de expressão grafolingüística engendrada e

difundida, via Internet, por meio de gêneros digitais como blogs, chats, Orkut, MSN, correio

eletrônico e outros programas de bate-papo. Por ser uma linguagem que identifica a tribo dos

internautas, principalmente dos usuários de MSN, Orkut e blogs, pode ser entendido como uma

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forma de socioleto8 que, conquanto escrito, compartilha muitos traços da oralidade. O internetês,

conforme Marcuschi (2004, p. 22), “não se conforma aos domínios tradicionais do discurso oral

e escrito, mas transgride constantemente os limites entre os dois, criando seu próprio domínio no

território da comunicação”. Outrora destinada a funcionar como meio de comunicação

assíncrono, em razão da defasagem temporal entre a produção e a recepção, a escrita passa a

funcionar como meio síncrono nas interações virtuais on-line, realizadas em tempo real. Ainda

consoante o autor, a idéia corrente de que o internetês é “uma fala escrita deve ser vista com

cautela, pois há um hibridismo mais acentuado, algo nunca visto antes, inclusive acúmulo de

representações semióticas” (p.19). Também Crystal (2005, p. 89-90) rebate idéia de que o

netspeak é uma fala escrita. Para ele, trata-se de “uma linguagem escrita que foi empurrada em

direção à fala e não de uma linguagem falada que foi escrita”. Vou arrematar com Marcuschi

(2004, p. 18), afirmando que “Escrever pelo computador no contexto da produção discursiva dos

bate-papos síncronos (on-line) é uma nova forma de nos relacionarmos com a escrita, mas não

propriamente uma nova forma de escrita”.

Pelo parentesco que guarda com a conversa face-a-face, a interação nos chats caracteriza-

se pela informalidade e espontaneidade. Os períodos são curtos, quase sem orações

subordinadas. As marcas dialetais despontam aqui e ali, a exemplo de palavras como vote, craro

e IngreS, que aparecem nos enunciados do corpus a ser analisado, evidenciando a pertença dos

informantes ao grupo daqueles que têm por língua materna o falar cuiabano. Além das marcas

dialetais, estão presentes também expressões, empréstimos do inglês e gírias próprias da

linguagem dos jovens, como: Kra, podiscre, moh podre, fla sério, teh pareci, eh pakabah, pioh,

larga maw cara, yes, no, perfect, new, baby. Se a linguagem escrita padrão costuma ser neutra

em relação aos sotaques e variações dialetais e socioletais dos enunciadores, o mesmo não se

pode dizer do internetês que permite que muito da identidade lingüística dos chateadores,

orkuteiros e blogueiros se imprima nos enunciados.

Trata-se de uma forma de expressão gráfica que lança mão de todos os recursos

disponibilizados pela história da escrita para tentar colocar o enunciado digitalizado no compasso

de seu correspondente oral. A interação escrita mediatizada precisa imitar a fluência e o ritmo da

interação face a face. Interagir em chats é enfrentar o desafio de escrever/digitar na velocidade

da fala. Por isso, uma das principais características dessa forma de expressão é o

encurtamento/simplificação de palavras, a economia de caracteres, mediante recursos como

abreviatura, escrita consonantal, transcrição da oralidade, símbolos etc. A palavra de ordem do

8 Emprega-se o termo socioleto para designar variedades lingüísticas correlativas a variáveis sociais (classes sociais,

grupos sociais diversos, tribos urbanas, gênero etc.).

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internetês é rapidez. Assim, para abreviar o tempo de digitação dos enunciados, o internauta

lança mão de inúmeros procedimentos gráficos, reinventando a história da escrita.

O sistema grafolingüístico constitutivo do internetês é um sistema complexo, uma vez

que mobiliza tanto recursos da escrita fonográfica quanto da ideográfica, com a predominância

de caracteres alfanuméricos. É sobre os recursos gráficos de que se apropriam os internautas

para interagir via MSN e Orkut que me debruço a partir de então. No anexo VI (p.126),

disponibilizo um glossário do internetês usado pelos meus informantes. Em primeiro lugar, vou

examinar a retomada dos sistemas fonográficos: consonantal, alfabético, fonético, fonético

alfabético e alfabético ortográfico. Em segundo, examino a presença da escrita ideográfica e da

escrita rebus. Em terceiro, reúno procedimentos de escrita fonográfica e ideográfica que servem

ao propósito de abreviar. Em quarto, busco descrever as tentativas de escritura da força

ilocucionária. E, finalmente, analiso uma variação do internetês conhecida como miguxês.

4.1 Apropriação de recursos oferecidos pelos sistemas fonográficos

Sistemas fonográficos são todos aqueles que representam o significante da linguagem

verbal, mais precisamente representam o som. Podem ser de natureza silábica, consonantal,

fonética, alfabética e ortográfica.

4.1.1 A escrita consonantal

Como vimos na seção 1.5.8, o português é uma língua radicalmente diferente das

semíticas quanto ao funcionamento da vogal. No português, as vogais das raízes lexicais não são

estruturalmente previsíveis. Portanto, o sistema consonantal não pode ser usado

indiscriminadamente pelos internautas, sob pena de comprometer a compreensão. A sua

supressão dificulta bastante o processo de decodificação, tornando-o completamente dependente

do contexto9 e do co-texto10. Por exemplo, palavras como <bala>, <bela>, <bola> seriam todas

representadas como <bl>.

4.1.1.1 Os internautas e a escrita consonantal

9 O termo contexto é usado aqui para designar a situação onde os enunciados são produzidos, incluindo todos os

fundamentos extralingüísticos.

10 O termo co-texto designa o ambiente lingüístico, o que vem antes e depois da unidade alvo.

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A escrita consonantal é um dos recursos que os internautas usam para abreviar o tempo

da escrita, mas não para escrever todas e quaisquer palavras dos enunciados que digitam e põem

em circulação por meio de programas de bate-papo ou de comunidades virtuais conectadas via

internet. Restringe-se a um léxico de poucas palavras compartilhado pelos freqüentadores do

MSN e do Orkut. Excetuando-se pelos casos em que a palavra se deixa deduzir pelo contexto e

co-texto, a lista não vai muito além de:

Escrita consonantal Ortografia

vc você

d De

q que

tbm também

bjs/bjks beijos/beijocas

c Ce/você

blz beleza

cd/kd cadê

lgl legal

mt(o) muito

pq porque

qd(o) quando

qt(o) quanto

rlx relaxa

tc teclar

nd nada

td tudo

vz vez

hj hoje

n não

vdd verdade

sdd saudade

flw falou

bçs abraços

ctz certeza

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skl escola

4.1.2 As escritas alfabéticas – ortográfica e fonética

Os gregos tomaram emprestado dos povos fenícios o sistema de escrita consonantal que era

adequado para a representação de línguas semíticas, mas não para a representação de línguas indo-

européias em que as raízes não são consonantais. No grego, as combinações entre consoantes e

vogais servem para distinguir significados entre lexemas. Os gramemas são, geralmente,

sufixos/desinências que se acrescentam ao tema verbal ou nominal (raiz + vogal temática). Outro

obstáculo à adoção da escrita consonântica era a presença copiosa de palavras iniciadas por vogal,

de palavras formadas apenas por vogais ou de palavras com seqüência de vogais.

A invenção da escrita alfabética é, pois, conseqüência do empréstimo de um sistema de

escrita apropriado para a representação de uma língua por outra para a qual não é apropriado.

Segundo Olson (1997, p. 105), “a história da escrita não é uma história de tentativas abortadas e de

êxitos parciais rumo à invenção do alfabeto, mas sim o subproduto de esforços para aplicar um

código escrito a uma língua para a qual ele é impróprio”. Nem todos os sinais silábicos do alfabeto

semítico puderam ser diretamente transpostos para as consoantes do grego por falta de

correspondência entre os sistemas de sons. Tais sinais foram usados para representar os sons

vocálicos do grego, prática que resultou no desmembramento da sílaba em seus constituintes

infrassilábicos, ou seja, na escrita alfabética que representa consoante e vogal. A letra aleph,

reinterpretada pelos gregos como alfa e, depois, como a pelos romanos – o nosso a –, representava

uma consoante no hebraico e em outras línguas semíticas (uma oclusiva glotal).

É com a escrita alfabética que a representação dos sons de uma língua atinge seu ponto

culminante, possibilitando maior autonomia do texto escrito em relação ao contexto, ao mundo da

vida cotidiana. Consoante Ong (1998, p. 107), a escrita alfabética representa o som em si como

coisa, transformando o mundo evanescente do som no mundo espacial, mudo, visível, fixo. É um

sistema econômico em termos de número de símbolos e, por isso, de fácil aquisição. Além disso, é

altamente versátil, podendo ser usado para a escrita de quaisquer línguas. Não sem razão tornou-se a

base do Alfabeto Fonético Internacional (AFI), com que foneticistas e fonólogos

transcrevem/escrevem os fones/fonemas das línguas que estudam, independentemente das

idiossincrasias e convenções de cada uma delas. É, como o próprio nome sugere, um código de

notação gráfica internacional, que pode ser decodificado por qualquer pessoa iniciada em fonética.

A escrita fonética respeita integralmente o princípio da correspondência biunívoca entre letra e som.

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Contudo, apesar da versatilidade, a escrita alfabética, por representar os sons da fala,

enfrentou o impasse da variação dialetal. A codificação de todas as variações fônicas atestadas numa

língua, quer dialetais quer, idioletais, dificultaria/comprometeria o processo de decodificação e

leitura, já que haveria tantas escritas quantos falantes. Com tanta variação, ela não se mostrava útil e

funcional como meio de comunicação assíncrono e a distância. Por isso, como afirma Cagliari

(1999), o alfabeto é uma invenção brilhante, mas que poderia ter falhado, não fosse a invenção da

ortografia. A ortografia não representa a fala de ninguém. Ela congela as seqüências de letras da

palavra, fixa a forma de escrevê-la. Ela neutraliza as variações lingüísticas no pólo de codificação da

palavra, o que não significa que no pólo de decodificação elas não possam ser reintroduzidas.

Afinal, cada falante empresta às palavras escritas a sua própria voz e acento. “Conhecer o alfabeto é

um ponto de partida, mas saber lidar com a ortografia é fundamental, quer para escrever, quer para

ler. É por isso que se diz que a invenção da ortografia foi a salvação do alfabeto!” (CAGLIARI,

1999, p. 174).

4.1.2.1 Os internautas e a escrita alfabética ortográfica

Como o sistema gráfico do português é alfabético ortográfico, boa parte da escrita dos

internautas se faz de acordo com esse princípio. Os escreventes digitais geralmente são pessoas bem

letradas que conhecem boa parte das convenções ortográficas e que, como todos aqueles que

escrevem em português, têm dificuldades e dúvidas acerca da grafia de certas palavras, já que o

princípio da correspondência biunívoca vigora em uns poucos casos de relações som e letra.

Sincronicamente as convenções nem sempre soam lógicas para os falantes/escreventes de uma

língua. E, certamente, nenhum internauta vai parar de digitar sua mensagem para consultar um

dicionário, já que seu fator crítico é a velocidade. Daí a abundância maior de formas discrepantes

em relação às convenções ortográficas. Apesar do patrulhamento purista dos ortógrafos de plantão, a

escrita digital é um lugar de transgressão das normas. Entre os internautas a transgressão passa

como algo normal.

Conforme Marcuschi (2004), a interação on-line não é monitorada, submetida a revisões,

expurgos ou correções. Também Crystal (2005) afirma que as discrepâncias ortográficas são bem

toleradas no netspeak, não são encaradas como erro e nem como falta de escolaridade, mas sim

como imprecisão ao digitar rapidamente. Penso que, pela sua aderência à conversação oral, a escrita

cibernética assume o caráter volátil e efêmero da oralidade, desfavorecendo o retorno e a dobra

sobre o mesmo enunciado para corrigi-lo. Mais do que uma escrita no espaço, um interação on-line

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é uma inscrição no tempo e, como tal, vai desaparecendo à medida que vai sendo produzida, afinal,

o tempo não volta atrás.

Sem dúvida, o núcleo do internetês é a ortografia. Como tal, está sujeita aos equívocos

comumente presentes em outros textos escritos – manuscritos, impressos – e não apenas nos

digitais, e também funciona como a base da desconstrução e reconstrução por meio de outros

recursos, como a escrita consonantal ou abreviações de natureza variada. Um dos problemas que o

internauta encontra na escrita ortográfica é o uso dos sinais de acentuação (agudo, circunflexo e

grave) e do til (nasalidade), já que eles são superposições que interrompem o ritmo da digitação

linear, demandando, geralmente, o uso de mais de uma tecla para sua escrita. Por isso, os internautas

preferem notar o acento por meio da letra h, principalmente nas palavras oxítonas (café/cafeh) ou

monossílabos tônicos (é/eh), um recurso já usado por escreventes de português em épocas em que a

escrita digital era sequer sonhada, ou mesmo não usar acento gráfico. Conforme Lévy (1999, p.

242), “as escritas acentuadas que usam o alfabeto romano (como o português, o francês, o espanhol

etc.) encontram-se ligeiramente desfavorecidas em relação àquelas que não tem acento (como o

inglês)”. No caso do til, é comum ele não ser marcado ou transformar-se num n/m após a vogal ou

semivogal. Eis alguns exemplos de formas ortográficas em escrita convencional, equivocada,

desconstruída e reconstruída, que aparecem na escrita dos internautas investigados:

Ortografia Uso da

convenção

Equívoco Reconstrução

h por acento

falta de til ou m

Reconstrução

consonantal

híbrida

está tah

é eh

Cuiabá Cuiabah

lá lah

só soh

amanhã amanha

não Naum/nao

Educação educaçaum

Irmão irmaum

então Intaum/entao

cabeção cabeçaum

Bom baum

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inauguração inauguração

ingressos ingressos

comecei Começei

faço Fasso

belezinha blzinha

As formas tah, eh, lah e soh são uma tradução para o internetês das formas ortográficas

(es)tá, é, lá e só. Contudo, a letra h marca a sílaba tônica, por isso é usada mesmo que, pelas normas

ortográficas, a palavra não tenha acento, como Luh, Lih etc. Também a forma blzinha, uma forma

híbrida (consonantal + alfabética), é uma reconstrução da forma ortográfica belezinha. Tais

exemplos indicam que o núcleo do internetês é a ortografia.

4.1.2.2 Os internautas e a escrita fonética

Além da escrita ortográfica, o internetês usa e abusa da escrita alfabética fonética, não tanto

pelo uso do AFI, mas sim por se configurar como uma representação da oralidade com suas

características e processos fonológicos mais ou menos abrangentes em termos de língua portuguesa.

O emprego preferencial da letra <k> para escrever a oclusiva velar surda [k] e não <c> ou

<q>, conforme normas ortográficas, e da letra <w> para escrever a semivogal posterior arredondada

[w] e não a letra <u> é um exemplo claro de recurso à escrita fonética. Provavelmente muitos dos

internautas nem saibam da existência do AFI, mas eles aprendem a usá-lo, inconscientemente,

interagindo com os outros na rede.

Ortografia: c/q Fonética: k

internetês

Ortografia: u Fonética: w

internetês

quem kem falou falow

daqui daki mau maw

fico fiko viu viw

aqui aki perdeu perdew

quero kero choveu xuvew

coisa koisa Ou ow

aquela akela falou flw*

Cuiabá Kuiabah Eu ew

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Cáceres Kceres*

casa ksa*

cara kra*

porque pk*

Nos casos de Kceres, ksa e kra, não é possível decidir se se trata de uma escrita consonantal,

foneticamente motivada ou se se trata de exploração do princípio acrofônico, já que o nome da letra

<k>, ou seja, [ka], é a primeira sílaba oral de tais palavras. Em relação a pk, há, certamente, uma

mistura de escrita fonética e consonantal. Essa combinação de recursos parece também se repetir em

flw.

Às vezes os internautas não usam o símbolo do AFI, mas seguem o princípio da

correspondência biunívoca, escrevendo o som sempre com a mesma letra. Por exemplo, a fricativa

palatal surda [š] que, ortograficamente, ora se escreve com <ch> ora com <x>, é escrita

preferencialmente com <x>, como em: bixo, xora, boxexa, xão, xego, axa, xifrado, xoleh etc. Outra

possível explicação para emprego de <x> e não de <ch> em tais formas pode reenviá-las para o

miguxês, um dialeto do internetês de que vou tratar posteriormente.

Muito comumente a escrita dos internautas se configura como uma transcrição da oralidade

feita com os recursos disponibilizados pelo próprio alfabeto, evidenciando inúmeros fenômenos

fonético-fonológicos do português brasileiro. Eis alguns dos mais recorrentes nos enunciados do

corpus analisado:

Processo fonológico Evidência do processo no internetês

o=>u (em monossílabo ou

em posição átona final,

seguido ou não de s)

u, du, cum, nu

fikandu, bjanu, podendu, tenu, flanu, falamu, tenhu, qndu,

xorandu, domingu, vamus

e=>i (em monossílabo ou

em posição átona final,

seguido ou não de s)

i, di, ti

pexi, pareci

e=>i e o=>u (harmonia

vocálica e vocalismo de

pretônica)

bunitinhu, dmintira

intaum, purque, inkaxo

nd=>nn=>n (assimilação e

e crase)

fikanu, bjanu, olhanu, baxanu, tenu, flanu

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aj=>a (monotongação) baxanu, inkaxo

ej=>e (monotongação) dexa, pexi

ow=>o (monotongação) xego, vo, to, pego

r=> (supressão do r

final em formas verbais

oxítonas)

dah, xola, vende,crê, ve, faze, pega, axa, dexa, rola, fala

dah, usah (o h marca a sílaba tônica com a queda do r)

s=> (supressão do s

final no morfema NP

mos)

tratamu, fizemu, stdamu, brinkamu

em => eim (ditongação

da vogal anterior nasal)

tameim, neim, tambeim, teim, beim

om =>aum/oum

(ditongação da vogal

posterior nasal)

baum/boum,

nho=>im (redução da

sílaba final)

bunitim, feim, gostozim, legalzim

Um outro aspecto que evidencia a aproximação do internetês com a oralidade é

hipossegmentação11 constatada em inúmeros enunciados. Os casos de hipossegmentação espelham

tanto a atuação dos grupos de força ou vocábulo fonológico quanto a dos grupos tonais. Consoante

Câmara (1977, p. 132), entende-se por grupo de força a junção num mesmo sintagma de dois ou

mais vocábulos, pronunciados sem pausa intercorrente e subordinado a um acento tônico

predominante, que incide, geralmente, sobre o vocábulo mais importante. São grupos de força: a) o

substantivo com seus adjuntos; b) o verbo com seu pronome-sujeito e c) o verbo com seus

complementos essenciais. Na escrita dos internautas, podem ser evidência da percepção do grupo

de força os seguintes casos:

Escrita segmentada (ortografia) Escrita hipossegmentada (internetês)

diz que, diz que ela disq, diskela

filho da puta fdp

11 Hipossegmentação é o termo usado para designar a junção de palavras, formalmente separadas de acordo com a

ortografia. É um fenômeno bastante comum na escrita de alfabetizandos, pois eles se orientam pelas pausas dos

enunciados orais e não pelas palavras formais. Aliás, a competência para autonomizar as palavras se forma a partir

do letramento, quando os sistemas de escrita têm por princípio separar as palavras.

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fim de semana fds

o que Oq

para acabar pakabah

de mentira dmintira

para vocês pru6

está foda tahfods

até lá, até logo Tlá, tlogo

nome e idade nomidade

podes crer podiscre

Já o grupo tonal constitui a unidade de entoação de uma língua e é formado por pés. Segundo

Silva (1991, p. 39), denomina-se pé a unidade compreendida entre duas sílabas tônicas. Eis alguns

exemplos de hipossegmentação sensível ao grupo tonal, observada nos enunciados escritos pelos

internautas que participaram da pesquisa:

Escrita segmentada (ortografia) Escrita hipossegmentada (internetês)

O que que você está pensando? kkictapensanu

Você está a fim? ctafim

Você está aí? ctaí

Não raro os grupos de força e tonal são representados por meio de escrita consonantal, de

abreviatura, de combinação letra-número e procedimentos híbridos variados.

4.2 Apropriação de recursos oferecidos pelos sistemas ideográficos

Os sistemas ideográficos são aqueles que representam/escrevem o significado e não o

significante como os fonográficos. É pela decifração do significado que se chega ao significante,

que não necessariamente é único, já que a leitura, nesse caso, visa à captação da mensagem e não à

oralização exata do significante. Diante de uma placa de estacionamento proibido, o leitor pode

fazer corresponder enunciados como:

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Proibido estacionar.

Estacionamento proibido.

Não posso estacionar aqui. Posso levar uma multa.

Aqui é proibido estacionar.

Figura 17: Sinal de trânsito e leituras possíveis

Embora os sistemas ideográficos de escrita historicamente precedam os fonográficos, eles

não foram superados. Muitas línguas ainda os utilizam, a exemplo do chinês, e mesmo as línguas

que adotam um sistema fonográfico recorrem a ele para realizar muitas funções comunicativas. Em

muitas situações a escrita ideográfica se mostra mais funcional do que a fonográfica. No espaço

urbano, onde os leitores estão em movimento e precisam realizar a leitura rapidamente, antes que o

texto desapareça do campo de visão, a escrita ideográfica pode funcionar melhor do que a alfabética.

Além disso, a escrita ideográfica (figurativa ou pictográfica) funciona até mesmo entre falantes de

línguas diferentes. Um aviso na porta de banheiro que use as figuras de um homem e uma mulher

para indicar banheiro masculino e feminino respectivamente pode ser mais acessível e de maior

alcance comunicativo (compreensível a estrangeiros e não letrados) do que aquele que optasse por

escrever as palavras homem e mulher. Também os números, indicando quantidade ou ordem, e os

sinais de pontuação são exemplos de escrita ideográfica (não figurativa, mas convencional). Os

símbolos ajustam-se muito bem ao princípio da economia lingüística. Por exemplo, o que seria

escrever sem o sistema convencional de pontuação, você perguntando numa carta Quando você vem

para Cuiabá (interrogação) e o outro respondendo Provavelmente (vírgula) vou para Cuiabá em

julho (ponto).

Assim, os internautas vêem na escrita ideográfica um excelente recurso para abreviar o

tempo de elaboração/construção/digitação de seus enunciados. Porém, às vezes, pictogramas são

usados não para abreviar o tempo, mas para produzir um efeito estético de embelezamento, como

um bordado sobre um tecido uniforme, procedimento bastante usual entre as meninas. Enfeitar os

enunciados com desenhos seria, pois, uma marca de gênero, como no exemplo abaixo:

(19:33) Mirela ...:

e eu um menino de raiva dele

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Nesse enunciado, o desenho da boca refere-se não ao referente boca, mas à palavra beijar.

Não se trata de uma relação direta – desenho => mundo –, mas sim de uma relação indireta,

mediada pela linguagem – escrita => linguagem => mundo.

4.2.1 Os emoticons

Os emoticons configuram-se como recurso de escrita ideográfica na tessitura dos enunciados

digitais. É uma forma de comunicação usada na internet, principalmente no MSN e orkut. O termo é

formado pela junção das palavras do inglês emotion (emoção) com icon (ícone) e significa, portanto,

ícones de emoção. Os emoticons resultam de uma seqüência de caracteres tipográficos que

produzem uma imagem de expressões faciais, como em: : ) (os dois pontos representam os olhos e

o sinal de parênteses representa a boca, o conjunto significa expressão de felicidade), que podem ser

identificadas, desde que o leitor incline a cabeça a 90º à esquerda. Alguns exemplos de emoticons

encontrados no corpus analisado:

Exemplo 1

22:44) ??? ????? : ela tem falow

(22:44) ??? ????? : falow me

(22:44) ??? ????? : XD

Exemplo 2

(16:56) KaMiLaS2JuNiNhUu: e neim ti vi

(16:56) -: Mario nem fui.

(16:56) -: Mario :x

Exemplo 3

(22:45) Cassio Narita: vo pega agua

(22:45) ??? ????? : demon hunt

(22:45) Cassio Narita: I-O

(22:45) ??? ????? : m2

No exemplo 1, XD significa sorrisão e tem como variante gráfica : D. No exemplo 2, : x

significa apaixonado e, no 3, I-O significa sono, bocejo.

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Há inúmeras possibilidades de emoticons que indicam emoções não necessariamente faciais,

além de outras variações mais elaboradas e disponibilizadas nos sites especializados, conhecidas

como “carinhas” ou smiles (também smyles ou smileys), que trazem a emoção desejada com

movimentos, inclusive com vozes. Os smiles são circulares, amarelos, parecidos com uma esfera

que pode vir com pequenos braços e pernas. Os smiles são usados mundialmente, representando,

nas interações virtuais, as emoções dos interlocutores. Os sites especializados disponibilizam uma

infinidade dos tradicionais smiles em forma esférica adaptados aos temas desejados, como por

exemplo, smyles bêbados, smiles sensuais, smiles infantis, smiles de aniversário, smiles de amor,

smiles de paz e outros. Além disso, se o internauta desejar, pode disponibilizar na tela do seu

interlocutor ícones que dançam, gargalham, choram, piscam, etc., com personagens famosos,

quadrinhos, monstros, bonecas, balões, estrelas, etc. No corpus coletado há inúmeros smiles,

principalmente em enunciados produzidos por meninas:

grogue, zonzo

Desconfiado/descrente

Triste

enjoado, entediado

mostrando a língua

pensando

Chorando

sorrindo

Além dos emoticons, há também os scripts, que são desenhos, nomes ou expressões criadas a

partir de sinais tipográficos e da escrita, formando um conjunto de caracteres com o objetivo de se

comunicar. Assim, a junção e repetição planejada de alguns caracteres e letras formam um desenho

ou imagem. Os scripts são também bastante utilizados para mensagens de celulares. No enunciado

abaixo, a seqüência de sinais tipográficos _)_ representam a palavra bunda.

Fon!: nem vo flar nd

Diego: _)_ , bem assim q eh

Fon!: peidei q até arrepiei

Dois aspectos merecem ser destacados em relação ao uso dos emoticons, smiles e scripts.

Primeiro, eles não representam um significante (uma palavra) da linguagem verbal, mas um

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significado. Por isso, no processo de decodificação não se chega a uma palavra exata, mas a

expressões interpretativas, a exemplo do sinal de trânsito acima explorado (conferir dicionário de

emoticons nos anexos I, II e III, p.114-119). Segundo, eles se configuram como a camada do

internetês que aponta para a internacionalização desse tipo de comunicação, já que transcendem as

fronteiras impostas pelas línguas maternas dos internautas. Os emoticons são pictogramas

convencionais internacionais do internetês. É natural que um gênero interacional que transpõe as

barreiras espaço-temporais desenvolva um meio de comunicação internacional.

4.2.2 A escrita ideográfica fonográfica

Como afirma Massini-Cagliari (1999, p. 25), “nem toda escrita icônica é ideográfica”.

Podem-se usar ícones de objetos que existem no mundo para evocar o nome, o significante, de uma

terceira coisa. Conforme seção 1.5.5, esse sistema de escrita é conhecido como rebus. A esse

procedimento de escrita também recorrem os internautas, utilizando-se de figuras, mas

principalmente de números cardinais e símbolos matemáticos em combinação com a escrita

fonográfica (consonantal, alfabética etc).

(20:52) :::..SrTa LeH..:

e ai dia 30 eh seu niver neh t festa por ai

(20:53) Alexis Pablo: naum sei ainda

Neste exemplo, a caveira em movimento provavelmente foi pensada como um substituto

para a palavra vai, numa locução verbal em que o futuro é indicado pela adjunção de ir, no presente

do indicativo, ao infinitivo do verbo principal ter (vai ter). Tem-se, pois, na escritura de vai ter uma

combinação da escrita rebus com a escrita fonográfica consonantal, representando não a forma

ortográfica ter, mas, provavelmente, a forma fonética [te].

t seria a escrita híbrida de [vaj te]

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O que predomina é a junção de letras e números ou de letras e símbolos matemáticos,

certamente favorecidas pela disponibilidade de números e símbolos no teclado do computador, já

que encurtar o tempo de formulação/digitação do enunciado parece ser a palavra de ordem da

interação on line. Não raro, os internautas lançam mão de números em inglês que se combinam com

palavras ou partes de palavras do próprio inglês ou do português. O que é explorado pelos escribas

digitais, nesse caso, é a fonetização dos números e sinais matemáticos e não o seu significado. Eis

alguns exemplos de adoção da lógica da escrita rebus pelo internetês e suas respectivas traduções.

No exemplo 1, a oralização dos números 6, 9 e 10 – símbolos ideográficos convencionais e não

figurativos – produz uma sílaba ou um conjunto de sílabas que integra uma palavra. No exemplo 2,

a oralização de + como mais, substitui a conjunção adversativa mas em sua pronúncia vernacular.

Aliás, é muito freqüente o emprego de + (mais) como mas no internetês. No exemplo 3, um

internauta diz ao outro que está com sono, recorrendo à escrita ideográfica figurativa (emoticon), e o

outro responde-lhe que também está com sono, mas em inglês e usando a combinação de escrita

fonográfica consonantal e escrita rebus. Ao usar o número 2, o internauta não queria a palavra

<two> que significa dois, mas sim sua homófona <too> que significa também.

Exemplo 1

OG V6S NAUM TM 9DA10?

OG VOSEIS NAUM TM NOVEDADEZ

HOJE VOCÊS NÃO TÊM NOVIDADES?

Exemplo 2

+ como vc sabe q dia 30 é meu niver?

Mais como vc sabe q dia 30 é meu niver?

Mas como você sabe que dia 30 é meu aniversário.

Exemplo 3

(22:45) Cassio Narita: I-O (eu estou com sono)

(22:45) ??? ????? : m2

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Me two

Me too (eu também)

4.3 Letras usadas mediante procedimento rebus

É bastante usual, no internetês, o uso de letras que, numa escrita fonética, alfabética ou

ortográfica, não são convencionalmente usadas para a representação dos sons da palavra. Nesse

caso, a letra funciona como uma figura que, uma vez oralizada, produz uma seqüência sonora que se

integra ao sintagma, como nos dois exemplos abaixo:

H-rrei H-lera H-rota (internetês)

Aga-rrei Aga-lera Aga-rota (oralização do nome da letra H)

Agarrei A galera A garota (forma ortográfica)

Nesses exemplos, o que conta é o nome da letra e não o som que a letra representa. O

procedimento assemelha-se ao da escrita rebus, embora a figura seja uma letra e não um objeto do

mundo. Às vezes não é possível decidir com firmeza se o que está em jogo é o procedimento acima

descrito ou se é uma espécie de escrita consonantal motivada foneticamente, como nos casos de

Kceres, ksa e kra, mencionados nas seções 4.1.1.1 e 4.1.2.2, já que o nome da letra e a sílaba inicial

de tais palavras são formados pela mesma combinação de sons [ka].

4.4 Procedimentos de abreviatura

Praticamente todos os recursos estudados até o momento constituem procedimentos

utilizados pelos internautas para abreviar o tempo de produção dos enunciados, pois a interação on-

line pela escrita depara-se com a necessidade de se fazer um instrumento de comunicação assíncrona

funcionar bem em gêneros síncronos, como os bate-papos virtuais que se assemelham à interação

face-a-face, à conversa presencial. As palavras de ordem na interação on-line são agilidade e

velocidade na comunicação. Para interagir com várias pessoas ao mesmo tempo, os internautas

precisam ser velozes na digitação. Segundo Ribeiro (2006, p. 23), “há uma espécie de competição

entre os usuários, onde o mais comunicativo (ou seja, o mais rápido) vence. Por causa dessa pressa,

surgem várias técnicas que procuram sintetizar a linguagem”. Ribeiro realizou um trabalho sobre as

abreviaturas no internetês, mostrando que elas, diferentemente do que pensam muitas pessoas

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desavisadas, não são exclusivas do internetês. Ele analisa documentos manuscritos do século XIX

para mostrar como elas estavam aí presentes e como eram construídas. Reinterpretando os recursos

de escrita aqui esmiuçados como estratégias para abreviar, diria que os internautas abreviam seus

enunciados recorrendo a::

Estratégias de abreviação Exemplos

escrita consonantal verdade = vdd

escrita consonantal e/ou procedimento acrofônico dê = d / que = q / vê = v

te = t / pode = pod

escrita alfanumérica (rebus) novidade = 9da10

escrita alfa-simbólica (rebus) demais = de+

escrita ideográfica convencional ou rebus mais ou menos = + ou -

a letra como figura (rebus) a galera = h-lera

escrita ideográfica figurativa vou chorar =

estou com sono = I-O

sigla filho da puta = fdp

fim de semana = fds

apócope namorar(ndo) = namo

ablação e apócope aniversário = niver

4.5 As marcas da força ilocucionária

Sabe-se que a escrita é uma representação apenas parcial da linguagem verbal. Tomando por

base a distinção que Austin (1962) faz entre os atos de fala locucionário (o que foi dito) e

ilocucionário (como o falante queria que fosse entendido o que foi dito), Olson (1997) afirma que a

escrita capta apenas a primeira dimensão. Diz o autor: “a escrita representa facilmente o ato

locucionário, mas dá uma representação insuficiente da força ilocucionária. Recuperar essa força

passa a ser um problema fundamental da leitura; e especificá-la, um problema central da atividade

de escrever” (p. 109). Manejar a força ilocucionária constitui boa parte da história da escrita. O

sistema de pontuação é uma tentativa de representar ao menos a entonação sinalizadora da força

ilocucionária, assim como a explicitação lexical de verbos que designam atos de fala, tais como

ordenar, perguntar, afirmar, prometer, conjeturar etc: Saia! ou Ordeno que você saia.

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Contudo, a representação da força ilocucionária é um capítulo inconcluso na história da

escrita. Certamente, os internautas ajudarão a escrevê-lo, pois a ciberconversação, sendo,

paradoxalmente, uma espécie de interação face-a-face a distância, requer, como nenhum outro

gênero discursivo, a explicitação da força ilocucionária. De acordo com Crystal (2005, p. 85), “tem

havido um esforço desesperado para substituir o tom de voz na tela, sob a forma de um uso

exagerado de letras, pontuação, maiúsculas, espaçamentos e símbolos especiais para ênfase”. Sentir-

se compelido a expressar intenções, atitudes, estados de alma, mas não ter como fazê-lo senão

tentativamente, eis o dilema com que se defronta o escrevente digital. Sem dúvida alguma, os

emoticons se apresentam como uma das estratégias de expressão dos estados de espírito dos

internautas em interação on-line. Os emoticons compensariam na conversa teclada on-line (mas a

distância) o trabalho da face que é um componente fundamental da conversa presencial. Os

emoticons não são as únicas estratégias usadas pelos internautas para recriar os componentes

extralingüísticos da interação face a face. Dentre essas estratégias estão aquelas utilizadas para

expressar a intensidade da voz e/ou da emoção, como:

1. A repetição de letras (vogais e consoantes)

Mariuuuuuuuuuuuu

Milaaaaaaaaa!

u biixxxuu ?!

oooooooooooooooooooi

2. A repetição de sinais de pontuação

Eita!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

3. A repetição de expressões em gradação

Bjinhus...bjs...bjões...

4. A repetição de símbolos matemáticos

Bem de++++++

5. O uso de 2 (ao quadrado) e 3 (ao cubo)

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oaisudaudisa³ disculpa naum ter respondido eh q só falava do rafa , ai nem sei o

q falar pq ele naum ta aqui em ksa.te adooro³ .

6. Uso de letras maiúsculas (grito)

Q PODRE!

Muito variadas são as tentativas de representar risos e gargalhadas na tela do computador. Os

internautas podem usar letras minúsculas para significar risos e letras maiúsculas para significar

gargalhadas, assim como podem mesclar letras maiúsculas e minúsculas. Podem combinar letras

com muitos pontos de exclamação. O R e o RS são as letras mais usadas, numa espécie de escrita

consonantal das palavras RIR e RISO, repetidas muitas vezes. Entretanto, os adolescentes costumam

usar também formas onomatopéicas, imitando o próprio som de risos e gargalhadas, e até mesmo

combinações aleatórias de duas ou três letras do teclado do computador, sem qualquer motivação

sonora, apenas por uma questão de facilidade e rapidez para digitar. Do corpus analisado gostaria de

comentar uma representação preconceituosa numa interação em que os interlocutores debatiam se

outro internauta era gay: um teclava que a pessoa em questão não era gay, o outro insistia que era e

ironicamente rebatia com a gargalhada guysgaysguyagsuygayus. Não posso deixar de mencionar o

recurso dos emoticons. A seguir algumas variações de risos e gargalhadas encontradas nas

interações analisadas:

RRRRRRRRRR!!!!!!!!!!

RSRSRSRS

KKKKKKKKKKKKKKKK

Hauhauhauhauahuahuaha

HUIAHUIahiuHAUIhaiuhIUAHIuhaiuHA

HAHAHAHAHAHAHAHA

HUISHSIUHSIUHSIUHSIUHSIUHSIUSH

HEHEHEHEHEE

He!he!he!!!!!

HAHAHAHAHA

HIHIHI

guysgaysguyagsuygayusgauygsuyagsyuags

KAPOSKAPKSPOAKSPOKAPSKAPOKS

Hihihihihihihihihi

hohuohuohuohuouhou

huhuhuhuhu

aispoakspokaposkpoaskpoakspokaposkpoaksas

huwhuhwuhwuehwuehwuehuhweuhwueh

XD

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: )

4.6 Miguxês, fofolês e tatibitati

O miguxês (miguchês) constitui uma espécie de socioleto do português, já que é uma

forma de linguagem usada por um grupo social formado por adolescentes, principalmente

meninas. Entre os meninos, o miguxês atrai aqueles que se definem como emo. Emo é uma

abreviatura da expressão da língua inglesa emotional e designa uma “tribo” ou pessoas que

fisicamente são caracterizadas pelo uso de franjas cobrindo os olhos, roupas pretas, acessórios

coloridos e que se dizem extremamente sensíveis. Os emos são, na maioria, jovens e curtem rock

mais lento. No MSN, no Orkut e também nas mensagens de celular, esses jovens escrevem em

miguxês. O termo deriva de miguxo, que é uma variante de "amiguinho". A principal

característica do miguxês é a troca das letras s, c, ss, ç etc., usadas para representar o fonema

fricativo alveolar /s/, por x, lembrando a palatalização da fala infantil: você, sabe, pensa viram

voxe, xabi, penxa. É por essa característica que foi designado como miguxês. Mas apresenta

outras características da fala infantil, como a troca do r pelo l (chora > xola), a supressão do r

(querido > quiido). Por esse gosto pelo tatibitati, o miguxês é também conhecido como fofolês.

Miguxos também tendem a substituir i por ee (gatinha> gateenha), provavelmente por

influência da lingua inglesa que tem como uma das grafias do som [i] as vogais <ee> ([bi:] bee =

abelha), e o dígrafo ch por x. Formas como escola, escreve, pois viram xkola, xkrevi, poix, não

raro com o x repetido muitas vezes. Além de suas singularidades, o miguxês apresenta aquelas

do internetês, já descritas. Pesquisando no site www.orkut.etc.com.br deparei-me com um link

que disponibilizava um “Miguxeitor”. O Miguxeitor é um programa de tradução instantânea

que converte o texto escrito em “português” para “miguxês arcaico”, “miguxês moderno” ou

“neo-miguxês”. Eis as instruções do Miguxeitor, nas três fases históricas do miguxês:

Português Digite aqui seu texto, em Português correto. Depois aperte os

botões para vê-lo deturpado, digo, traduzido para Miguxês.

Miguxês arcaico digite aqui seu texto, em portugues correto. depois aperte os

botoes pra ve-lo deturpado, digo, traduzido pra miguxes.

Miguxês moderno digiti aki seu textu...em portugues korretu...... dpois aperti us

botoes p ve-lu deturpadu...digu...traduzidu p miguxes......

Neo-miguxês DigItI aKI XEU tExXxTu...Em PoRTUGUeIxXx KOrreTU......

dPoixXx aPerTI uxXx BOToexXx PRaH vE-lu

deturPadu...dIGu...trAdUZIdU prah mIguxXxEixXx......

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Figura 18: Site e propaganda do MiGuXeiToR

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Abaixo, trago um exemplo de meu corpus – uma interação via MSN – em que o miguxês se

faz presente na fala da menina, mas não na do menino, confirmando a maior afinidade das mulheres

com esse socioleto. Nele, as palavras do português você, pois e chorar convertem-se no miguxês em

voxe, poix e xola.

(20:54) Alexis Pablo: Hummmm

(20:54) Alexis Pablo: Sei

(20:54) :::..SrTa LeH..: eu contratei um detetive ae ele t cuida e fla td pah mim

(20:54) :::..SrTa LeH..:

(20:54) Alexis Pablo: ahahauhauhuahuaha

(20:54) Alexis Pablo: ta baum

(20:54) Alexis Pablo: intaum me fala o nome desse detetive

(20:55) :::..SrTa LeH..: ah pah q voxe nem v q ele t cuida

(20:56) Alexis Pablo: tah baum intaum

(20:56) Alexis Pablo: + tu vai me dexa curioso neh!!!!!!!!!!

(20:56) Alexis Pablo: Blz

(20:56) :::..SrTa LeH..: poix eh

(20:56) :::..SrTa LeH..: vo t q t dexa curioso

(20:56) :::..SrTa LeH..:

(20:57) Alexis Pablo: Hummmm

(20:57) Alexis Pablo:

(20:57) :::..SrTa LeH..: ah naum xola naum

(20:58) Alexis Pablo: + toda vez e eu fiko curioso eu choro

(20:58) Alexis Pablo: ahauhauhauhauhau

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(20:58) :::..SrTa LeH..: ah naum xola naum puque ae eu xolo tbm

(20:58) :::..SrTa LeH..:

(20:58) Alexis Pablo: hehheheheheehhe

(20:58) Alexis Pablo: q bunitinho

(20:59) :::..SrTa LeH..: pah voxe v

4.7 Professores e internetês

No decorrer da pesquisa de campo, entrevistei professores dos adolescentes que

atuaram como sujeitos da investigação, tanto na escola pública (CEOM), quanto na particular

(ISM), formulando questões que os incitassem a falar sobre o internetês, com o intuito de formar

um corpus discursivo que me permitisse captar seus pontos de vista e responder à seguinte

questão: Como professores de português das duas escolas que serviram como loci de pesquisa

significam o acontecimento contemporâneo do internetês?

Pude perceber que os professores estão atentos às singularidades do internetês,

colocando-se, contudo, do lado de fora do grupo que pratica essa linguagem, posição patenteada

pelos termos eles (Excerto 1) e nossa (Excertos 2 e 4). Apesar de não se incluírem no grupo de

seus usuários, mostram-se atentos a esse fenômeno lingüístico da contemporaneidade (Excertos

3 e 4). Confrontados com o internetês, revelam sentir um estranhamento que parece ser motivo

de preocupação, a ponto de pensarem em posicionamento comum da escola em relação à

alteridade lingüística, evidenciada na linguagem dos jovens (Excerto 4).

Excerto 1

Eles utilizam alguns tipos de siglas para se comunicarem, para essa comunicação ser

rápida.(EPU)

Excerto 2

Observo bastante que a linguagem é completamente diferente da nossa.(EPA)

Excerto 3

Não podemos ficar isento a esse sistema, mesmo porque os jovens estão usando

atualmente esse sistema, ou seja, esses códigos criados por eles. Eu acredito que nós

temos que estar atentos para entender esse sistema de escrita.(EPU)

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Excerto 4

Eu estive conversando com a coordenadora da escola e perguntei para ela que

posicionamento nós tomaríamos em relação a isso, porque é uma linguagem assim,

COMPLETAMENTE diferente da nossa, completamente diferente. Às vezes, quando

eu estou batendo papo com os alunos, eu preciso perguntar pra eles “o que que é?” “o

que quis dizer?” “que desenho é esse?”, né, aquelas caricaturas que eles mandam. As

próprias risadas, eu não sei se eles tão rindo, se eles tão..., não dá pra entender.(EPA)

Todos os professores disseram já ter se deparado com rastros do internetês na escrita

escolar. No Excerto 5, o professor menciona o caso de um aluno vivaz que lança mão dessa

forma de expressão para se safar, fazendo graça, numa tarefa de redação. Esse professor não

reage negativamente ao que vê na escrita de seu aluno. No Excerto 6, pode-se ver o relato de

um professor que reage negativamente à presença do internetês (falta de acento gráfico, escrita

consonantal e escrita rebus com número e símbolos matemáticos) na redação escolar, mesmo

que, ironicamente, o tema fosse a importância da escrita. Ele fala com todas as letras que via e

ainda vê aqueles usos como erros absurdos.

Excerto 5

Sim, já presenciei o uso desse sistema na escrita dos alunos, como por exemplo, numa

produção de texto, o aluno usou uma sigla um S e logo em seguida a numeração 1000,

ele queria dizer ali que sua argumentação ou a sua idéia teria desaparecido naquele

momento, com a sigla S1000 (SUMIU). (EPU)

Excerto 6

Este ano eu observei uma aluna na sala e tive uma reação, assim, acredito que eu tenha

tido uma reação até errada com ela, porque eu fiquei nervosa com ela, chamei a

atenção dela, e, assim, depois até fiquei chateada de chamar a atenção na frente dos

colegas, porque, assim, eram erros absurdos, eu considero como absurdo ainda. Era

uma produção de texto sobre a importância da escrita, onde a aluna usou é...várias

palavras que não está no nosso corriqueiro, por exemplo, é...voce sem acento

circunflexo, é T + com sinal, demais o D e o +, é...é...vocês vão, a aluna colocou assim

6, o número 6 e o V grandão, né. (EPA)

Como lidam com o internetês na escrita escolar? De modo repressor ou compreensivo?

No Excerto 7, o professor assume uma postura compreensiva em relação à migração da

linguagem do MSN para escrita escolar e entende que os professores precisam trabalhar a

adequação da linguagem. O professor que fala no Excerto 8, apesar de deixar indícios de que

baliza sua prática pedagógica pelo princípio de adequação de linguagem (a julgar pela fala dos

alunos), não contém sua irritação quando se depara com o internetês na linguagem da escola.

Porém, seu ensinamento parece ser no sentido de separar a linguagem da NET daquela da

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escola. Não tolera a mistura de linguagens. Já o professor que se pronuncia no Excerto 9,

alinhando-se com o novo paradigma de ensino de língua portuguesa, entende que a escola

precisa ensinar o aluno a diferenciar o momento de usar o internetês e o momento de usar a

norma padrão, ou, nas suas próprias palavras, a “usar as leis combinatórias da gramática”. Não

vê o internetês como uma ameaça ao português e acredita que os professores precisam se

atualizar e compreender melhor a escrita do computador.

Excerto 7

Há muita migração do MSN na escrita escolar, com muita freqüência, é claro. Como

seria a minha atitude em relação a essa escrita? Eu acredito que os professores terão

que estar atentos a essa alteração, digamos assim, na linguagem, porque os nossos

alunos usam com freqüência e temos que também estar atentos com essa mudança e

tentar entender e adequar o nosso entendimento dessas migrações que eles trazem do

MSN (pausadamente) para a escola. (EPU)

Excerto 8

Eu posso citar um caso que aconteceu em sala de aula, no momento em que eu chamei

a atenção da aluna, é...eu fiquei até sem graça depois porque ela se sentiu muito

humilhada perante aos colegas, mas ao mesmo tempo os próprios colegas se viraram

pra ela e disseram “nossa, você não consegue diferenciar a linguagem da NET com a

linguagem escolar”? Eu não. Eu não consigo misturar, eu sei separar muito bem, e

vários fizeram o mesmo comentário. Então, eu percebi que na sala, entre 28 alunos,

apenas 2 alunos, uma menina e um menino, usaram essa linguagem, né..., misturada,

em sala. (EPA)

Excerto 9

Eu acredito que não, professora, porque se o aluno souber diferenciar que, no momento

em que ele está usando esse sistema da escrita, está conectado com alguém através da

internet e em suas produções, tanto nos concursos, nos testes seletivos, ou mesmo no

vestibular, ele vai ter que estar atento e usar as leis combinatórias da gramática, então

ele tem que fazer essa diferença. Eu acredito que não é uma ameaça à língua

portuguesa. Eu acredito também que nós professores temos que estar atualizados para

melhor entender esse sistema de escrita do computador e a escrita da escola. (EPU)

Nos Excertos 10 e 11, dois alunos falam de reações de professores em relação à

presença do internetês nas suas atividades escolares. Nos dois casos, a reação foi de

correção-repressão. Nos dois casos, também, os alunos dizem ter resolvido o problema

prestando mais atenção. A aluna que fala no Excerto 11 não segue o conselho da professora

de usar menos o MSN, pois sabe que o problema é de falta de atenção (“até me deu

conselhos prá mim parar de usar internet e tudo mais, mas eu nem dei bola Só prestei mais

atenção na hora de fazer a prova mesmo, porque eu sei que não tá me prejudicando. Eu só sei

que é falta de atenção. Não tá me prejudicando!”). Ela também contesta a interpretação como

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“erro” de ortografia que a professora faz da palavra naum, dizendo que é apenas uma falha.

Diferentemente, no Excerto 10, o aluno não contesta o pré-construído de que as

singularidades gráficas do internetês sejam erros. Ele se sujeita à posição purista.

Excerto 10

É...já, uma.vez, porque a professora mando escreve você e eu acabei colocando o V e o

C, ela falou assim: “Eu não quero o uso de abreviatura” Então já fui surpreendida sim.

Também por causa disso aí, eu acabo procurando não errar. (AEPU)

Excerto 11

Já! Minha professora de português, principalmente. É... foi justo quando eu comecei a

misturar, né! Nas atividades eu comecei a escrever coisas que eu escrevia no MSN.

Comecei a confundir as regras da... do português, e ela mandou eu parar de usar muito

MSN e começar a corrigir desde casa, mas eu não parei, né? Eu só comecei a prestá

mais atenção. Eu lembro também que eu fiz uma avaliação de português e na hora de

escrever a palavra NÃO, eu escrevi NAUM que é do jeito que eu uso no MSN. E na

hora que eu peguei a minha prova, né, tinha descontado meio ponto por causa desse

erro de ortografia e eu achei um absurdo, porque foi apenas uma falha, né? Mas ela não

quis nem saber e assim... até me deu conselhos prá mim parar de usar internet e tudo

mais, mas eu nem dei bola Só prestei mais atenção na hora de fazer a prova mesmo,

porque eu sei que não tá me prejudicando. Eu só sei que é falta de atenção. Não tá me

prejudicando! (AEPA)

De um modo geral, vejo professores assustados com a emergência do internetês e sua

migração para o território escolar, vejo professores inseguros em como proceder diante do

que pensam ser transgressões da boa escrita, vejo professores, alguns deles, inflexíveis

diante das mudanças e despreparados tanto técnica quanto conceitualmente para

compreender e lidar com a revolução que está se processando no campo das linguagens e dos

meios de comunicação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação teve como objetivo descrever e analisar a linguagem dos jovens

internautas, engendrada no Orkut e MSN. As etapas de descrição e análise foram

precedidas por um período de observação participante que me permitiu acompanhar

algumas das interações entabuladas, via MSN, pelos adolescentes constituídos em sujeitos

da pesquisa, assim como visitar seus recados no Orkut. Além disso, realizei entrevistas

abertas com professores de português desses adolescentes, para saber como eles

significam o uso do internetês pelos alunos. Ao concluir a pesquisa de campo, dispunha

de um corpus com 48 momentos de interação gravados (salvos pelos próprios sujeitos).

Para efeito de descrição e análise, selecionei 28 momentos (excertos) que compõem o

Capítulo III. Optei por apresentar o corpus como capítulo e não como anexo, para

evidenciar que o internetês não é um fenômeno raro e sim consolidado entre os

internautas. Ademais, o conjunto dos momentos dados a ler no Capítulo III permite uma

aproximação do internetês antes de sua destrinça, empreendida no Capítulo IV.

À guisa de síntese das descobertas da pesquisa, retomo, uma a uma, as perguntas

que fiz no início do percurso, quando tudo ainda era apenas projeto. Minha primeira

pergunta indagava acerca do status do internetês: uma nova variedade lingüística ou

apenas um sistema de escrita? Embora o internetês exista apenas sob a forma de escrita,

não se pode dizer que ele seja um mero sistema de escrita. Efetivamente, ele funciona

como um socioleto, mais e melhor, como uma variedade lingüística compartilhada pela

tribo dos internautas freqüentadores do MSN e Orkut. Como se trata de uma comunicação

no ciberespaço, quer dizer, uma comunicação através da interconexão mundial de

computadores, a modalidade escrita se mostra mais adequada, já que independe de

recursos tecnológicos áudio-visuais complementares. Apesar de ser uma interação em

tempo real, instantânea, não é interação face a face, mas sim a distância. Historicamente,

a escrita surgiu para suprir a falta de um meio de comunicação que transcendesse os

limites impostos pelo tempo e espaços imediatos. Eficiente, pois, como meio de

comunicação assíncrono, a escrita habilita-se, com a invenção da Internet, para a

comunicação síncrona. A Internet não realiza o milagre do teletransporte dos

interlocutores, não é capaz de agenciar uma conversa face a face, mas permite uma co-

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presença virtual, on-line, embora os corpos permaneçam apartados. Acredito, portanto,

que o internetês se trata de um sistema grafolingüístico, uma nova variedade lingüística

nascida na conjuntura dos mundos virtuais compartilhados que explodiram as distâncias

que separam os homens. O internetês não é só uma nova forma de escrita. É um

socioleto, como já afirmei acima, que funciona muito bem nas interações através de

chats. Por se a marca registrada da tribo dos internautas, o internetês tem sido usado fora

de seu contexto original. Pressentindo a identificação entre adolescentes/jovens e

internetês, inúmeros produtos culturais destinados a esse público leitor/consumidor têm

recorrido a essa variedade de linguagem. Observei o uso do internetês em embalagens do

chiclete Adams (“com + tempo de sabor”, com o sinal de +, substituindo a palavra mais, e

“Knela”, com a consoante K substituindo a sílaba ca-), em quadrinhos de Maurício de

Sousa, por meio da personagem Bloguinho, criado em 2004, e em legendas do TeleCine

(canal de TV por assinatura). Segundo o diretor geral do TeleCine, a freqüência do

público jovem aumentou 30% no horário de exibição do filme com legenda traduzida em

internetês (terça-feira à noite).

A segunda pergunta da pesquisa perscrutava a pertinência ou não da polarização

oralidade/escrita em vista da emergência do internetês, ou seja, perscrutava o lugar do

internetês entre a oralidade e a escrita. Como foi visto no Capítulo I, há autores que

acentuam as diferenças entre a oralidade e a escrita, pensando nelas como modalidades

polarizadas, e há autores que distribuem a oralidade e a escrita ao longo de um

continuum, em que os usos da língua tendem a ser mais ou menos orais, mais ou menos

escritos, em função de suas condições de produção e circulação. Um bilhete ou uma carta

pessoal, conquanto escritos, podem ter mais de oralidade do que propriamente uma

palestra, que é oral. As fronteiras entre oralidade e escrita são muito frágeis e

praticamente inexistem nas interações observadas. Assim, as teorias que dicotomizam a

oralidade/escrita mostram-se inadequadas para explicar as formas mestiças de linguagem

decorrentes da virtualização da comunicação no ciberespaço, notadamente o fenômeno

do internetês, urdido nas práticas interativas do MSN e Orkut. O ciberespaço é um espaço

síncrono que permite a conversa em tempo real, mas, que, paradoxalmente, mantém os

interlocutores espacialmente distantes, inviabilizando o uso da oralidade (a não ser com

auxílio tecnológico adicional) e a interação face a face. Por isso, o internetês é uma

linguagem escrita (sistema grafolingüístico) que, segundo Crystal (2005, p. 89-90), é

empurrado para a oralidade e não uma conversa oral que foi escrita. Como afirmam

Pereira e Moura (2006),

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Os interlocutores que compartilham das salas de bate-papo “conversam” no tempo

on-line, num espaço virtual, mas a situação de produção não é face a face. Pela

imposição do instrumento mediador – o computador – esta conversa é

escrita/teclada. (PEREIRA e MOURA, 2006, p. 66).

Apesar de ser uma variedade grafolingüística, nota-se no internetês um

entrecruzamento, uma imbricação muito grande entre características da fala e da escrita

(SANTOS, 2005, p. 157). Conforme Costa (2006, p. 24), a conversa teclada das sessões

de chats e a conversa falada do cotidiano se assemelham nos seguintes aspectos: tempo

real, correção on-line, comunicação síncrona, linguagem espontânea, informal, truncada e

reduzida etc. Diferem entre si principalmente quanto à realidade “real” da conversação

cotidiana e à realidade “virtual” da conversação mediada por computador. Tudo o que

na conversa face a face cotidiana não precisa ser explicitado verbalmente porque a

realidade “real” onipresente é também constitutiva da construção dos sentidos, na

conversa teclada, os internautas precisam explicitar, inventando verdadeiros

malabarismos de escrita para compensar a falta dos componentes não-verbais e

paralingüísticos (gestos, mímicas, entonação, trabalho da face, distância etc.). Tais

recursos (emoticons, letras grandes para gritar, letras pequenas para sussurrar, fartura de

exclamações, interrogações, reticências, alongamento de vogais e consoantes,

onomatopéias para gargalhadas etc.) constituem uma verdadeira convenção tribal para

comunicar idéias e emoções por meio da conversa teclada (COSTA, 2006, p. 24-25). Se,

algum dia, houve fronteiras rígidas entre a oralidade e a escrita, o internetês se incumbiu

de desmanchá-las e hibridizá-las.

A terceira pergunta, que constitui o foco central do presente trabalho, visava a

compreender os princípios de construção do internetês como um sistema

grafolingüístico, conjeturando a hipótese de ele realizar uma anamnese de grande parte

dos procedimentos ideográficos e fonográficos atestados na história da escrita. Ao

eleger essa questão como foco da pesquisa, tinha como objetivo me munir de argumentos

para contestar algumas posições equivocadas acerca do internetês, como, por exemplo, a

de que ele é uma linguagem escrita errada que ameaça a boa escrita (a ortografia) e a boa

língua. Também tinha a intenção de ir um pouco além das afirmações genéricas acerca

das abreviaturas. Os internautas, tendo em vista a natureza do meio que utilizam,

abreviam sim as palavras com que tecem seus enunciados, mas que estratégias usam para

abreviar o processo de escrita da mensagem sem comprometer o processo de leitura? Se,

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por um lado, a interação on-line é uma conversa, por outro, é uma conversa escrita. O

paradoxo é, pois, como imprimir à escrita o ritmo da fala, como sincronizar o tempo de

uma e outra? Há um ditado que diz “As palavras (faladas) voam e a mão se arrasta”. A

questão com se defronta o internauta é a de fazer a mão voar para acompanhar as

palavras, ou melhor, a de fazer o dedo voar, já que se trata de uma escrita digitada. Como

procede para ultrapassar esse obstáculo? Ele realiza uma anamnese dos procedimentos de

representação do oral construídos ao longo da história da escrita, apropriando-se de todos

aqueles que se mostram funcionais para abreviar e, assim, acelerar o ritmo de produção

dos enunciados digitados. Ele encurta seus enunciados, empregando recursos da escrita

ideográfica e da escrita fonográfica, conforme análise detalhada no capítulo IV. Com um

emoticon, apertando apenas uma tecla (no caso de uso de smiley), e duas ou três teclas

(no caso de um emoticon construído mediante combinação de letras, números, sinais de

pontuação e símbolos diversos disponíveis no teclado), ele pode escrever uma mensagem

inteira. Por meio de procedimento da escrita rebus, combinando letras e números (escrita

alfanumérica) ou letras e símbolos (escrita alfa-simbólica), pode reduzir substancialmente

o número de teclas tocadas, como em V6 (vocês, voceis) e D+ (demais). Recorrendo à

escrita consonantal (suprime as vogais), à fonética (suprime dígrafos), às siglas, aos

procedimentos acrofônicos, aos processos fonológicos de supressão de partes da palavra

como apócope (fim), síncope (meio) e ablação (início), o internauta reduz

consideravelmente a extensão dos enunciados digitados. Tais procedimentos costumam

aparecer combinados, fazendo do internetês um sistema grafolingüístico complexo,

híbrido, ao mesclar princípios de escrita tanto dos sistemas ideográficos (representação

do significado), quanto dos fonográficos (representação do significante). Vale recorrer a

qualquer procedimento de escrita que otimize o tempo de digitação, habilitando o

internauta a participar não apenas de interações on-line dialogais, mas também daquelas

polilogais, já que essas são as preferidas e mais habituais nos chats. Diante do que vi,

descrevendo e analisando a escrita com que se tece o internetês, não posso concordar

com a afirmação feita por Diogo Mainardi, na matéria “De papo em papo, sem idéia”

(Veja-04/10/2000), que rotula os internautas de “molecada semi-analfabeta [...] obrigada

a se comunicar através da forma que menos domina: a língua escrita”. A meu ver, os

internautas dominam tão bem a técnica da escrita que podem reinventá-la para torná-la

funcional como meio de comunicação síncrono. Quanto à aludida falta de idéias, vale

lembrar que boa parte das interações cotidianas consiste em jogar conversa fora, em

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trocar palavras, mesmo sem conteúdo nobre, apenas para assegurar o vínculo, realizar a

comunhão fática. Isso não é diferente na conversa teclada.

A quarta pergunta, dirigida aos professores de português dos sujeitos da pesquisa,

visava a apreender o modo como eles significam o acontecimento contemporâneo do

internetês e sua possível migração para gêneros discursivos próprios do território

escolar. Os quatro professores entrevistados disseram já ter se deparado com indícios do

internetês na produção textual de seus alunos, em gêneros discursivos que exigiam uma

linguagem mais formal. Porém, reconhecem que não se trata de uma avalanche de traços.

Trata-se da abreviatura de palavras muito freqüentes como que, de, você (q, d, vc) ou do

recurso alfanumérico (S1000) ou alfa-simbólico (T+) na escrita de algum aluno mais

espirituoso. Também informam que essa migração não é disseminada entre todos os

alunos. São poucos os alunos que recorrem ao internetês, no espaço da escola. A maioria

dos alunos sabe que o lugar daquela linguagem é o MSN ou o Orkut. Eles próprios

acabam corrigindo os colegas que usam inadequadamente o internetês. Na verdade, o

novo paradigma de ensino de língua materna, nucleado em torno do trabalho com os

gêneros discursivos, favorece a percepção de que o internetês pode ser considerado uma

forma de expressão inadequada quando o gênero em questão requer o uso da norma culta

escrita em registro formal, mas nunca uma forma absolutamente errada. O professor que

se alinha com essa orientação pedagógica não terá dificuldade para compreender que o

internetês não significa ruína e degradação do português, mas apenas o desenvolvimento

de mais uma variedade de linguagem escrita, pragmaticamente funcional nas interações

on-line que ocorrem nos mundos virtuais compartilhados. A maioria dos professores

entrevistados parece, apesar da angústia e da insegurança, caminhar nessa direção.

Porém, a fala de alguns alunos demonstra que, às vezes, ocorre correção-repressão, por

parte de algum professor, de traços de internetês flagrados em atividades de escrita

escolar. Quer dizer, o fantasma do purismo, que ainda ronda o universo da escola, sempre

pode reaparecer. Mas essas contradições são normais em períodos de transição, como o

que estamos vivendo. Espero que as descobertas dessa pesquisa nos ajudem a olhar para

o internetês com olhos encantados, tamanha a sofisticação e a funcionalidade desse

sistema grafolingüístico, desfazendo a crosta dos preconceitos lingüísticos cultivados em

milênios de ideologia purista. Como afirmam Araújo e Biasi-Rodrigues (2007, p. 90),

“Ignorar o que está acontecendo fora do contexto escolar é andar na contramão da

história, é deixar passar a oportunidade de ser personagem e de atuar no cenário que está

sendo construído a nossa volta, quer queiramos, quer não”. Para encerrar, vou glosar a

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frase com que Else Martins dos Santos (2005, p. 151) abre seu texto sobre a escrita nos

Chats: “A linguagem se renova, quando se renovam os meios”. Não adianta remar contra

a maré do internetês. O melhor que temos a fazer é conhecê-lo por dentro ...12

12 A pesquisa aqui realizada não exaure todas as nuances do internetês. Há ainda muitos aspectos a serem

investigados como a possibilidade/o prazer de transgredir as leis da ortografia num espaço em que a interação se faz

entre iguais, fora do alcance do olho e do dedo de um juiz da língua. O internetês parece também se revestir de um

caráter lúdico. Chamou-me também a atenção a diferença das formas de expressão segundo o gênero dos

internautas. Enfim, a cada olhar, novos ângulos se oferecem à exploração.

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MORGAN, M., & SMIRCICH, L. The case for qualitative research. Academy of

Management Review, 5(4), 491-500, 1980.

PEREIRA, A. P. M. S. e MOURA, M. Z. da S. A produção discursiva na sala de bate-papo:

formas e características processuais. In: FREITAS, M. T. de A. e COSTA, S. R. (org.) Leitura e

escrita de adolescentes na internet e na escola Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 65-83.

OLSON, D. R. O mundo no papel: as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da

escrita. São Paulo: Ática, 1997.

OLSON , D. R. T.(org.). Cultura escrita e oralidade. São Paulo: Ática, 1995.

ONG, Walter J. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Campinas, SP:

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RIBEIRO, Tiago da Silva. INTERNETÊS: abreviaturas e ouras estratégias de escrita.

Dissertação (Mestrado em Letras). PUC, Rio de Janeiro, 2006.

SANTOS, E. M. Chat: e agor@ (novas regras – nova escrita). In: COSCARELLI, Carla

Viana e Ana Elisa Ribeiro (org.). Letramento Digital: aspectos sociais e possibilidade

pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale: Autêntica, 2005, p. 151-183.

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SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1975.

VILELA, Mário & KOCH. Ingedore Villaça. Gramática da Língua Portuguesa.

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Livraria Almedina, 2001.

ZANELLI, José Carlos. Pesquisa qualitativa em estudos da gestão de pessoas. Estudos de

Psicologia, vol.7, Natal, 2002.

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http://www tipografos.net/historia

http://www.scielo.br/scielo.php

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113

http://www.tipografos.net/escrita

http://www.filologia.org.br/

http://www.forum.ufrj.br/biblioteca/escrita.html

http://www stellamaris.com.br

http://www orkut.com.br

http://www.msn.com.br

www.narutoproject.com.br

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ANEXOS

ANEXO I (Emoticons)

&:-) Pessoa com o cabelo enrolado

X-) Com vergonha ou tímido

:-) sorriso / estou feliz / brincadeira

B-) Estou feliz e de óculos

:-( Triste ou com raiva

:-)))) Estou gargalhando

<:-) Você fez perguntas bobas

(:-... Mensagem de partir o coração

(:-O Assustado de chapéu

:-/ Estou perplexa

:-0 Estou impressionada

:-P Dando língua

d:-) De boné

d:-P De boné, dando língua

(:-( Estou muito triste

:-D Rindo

|-( de madrugada

:-o Oh, não!!

[]'s (abraços)

:-|| zangado

(:-) careca

B-) Batman

:-)> barbudo

%+( espancado

?-) olho roxo

:-)X gravata borboleta

R-) óculos quebrados

:^) nariz quebrado

|:-) sobrancelhas espessas

<|-) chinês

3:-) vaca / corno

:-t mal-humorado

X-) estrábico

:'-( chorando

i-) detetive

:-e desapontado

:-)' babando

{;V pato

<:-) pergunta estúpida

5:-) Elvis

>:-) sorriso malicioso, maldoso

:'''-( inundação de lágrimas

@}-- enviando uma rosa para alguém :-') resfriado (1)

:*) resfriado (2)

:-| hmmmph!

:-C queixo caído

:-# beijo (1)

:-* beijo (2)

:-X beijo (3)

(:-x Mandando beijo

:+) nariz grande

:-D gargalhando

:-} olhando maliciosamente para alguém

(-: canhoto

:-9 lambendo os lábios

:-| macaco

:-{ bigode (1)

:-#) bigode (2)

(-) precisando de um corte de cabelo

:^) nariz deslocado

:8) porco

:-? Fumante de cachimbo

=:-) punk

:-" lábios franzidos

|-] Robocop

O:-) santo

:-@ gritando

:-O chocado

:-V berro

|-) dormindo

:-i fumante (1)

:-Q fumante (2)

:-j fumante sorrindo

:-6 gosto azedo da boca

:-V falando

*-) drogado

:-T lábios selados

:-p língua na bochecha, brincadeira

:-/ indeciso

:-[ vampiro (1)

:-|<</B> vampiro (2)

:-)= vampiro (3)

:-)) muito feliz

:-(( muito triste

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/:-) francês

8-) usuário de óculos

8:) gorila

:-7 sorriso irônico

:-c muito infeliz

Cl:-) usando chapéu coco

[:-) usando headfones

:-(#) usando aparelho dentário

;-) piscando

I-O bocejando

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ANEXO II (Emoticons do tipo smiles)

:) feliz

:( triste

;) piscadinha

:D sorrisão

;;) olhar 43

>:D< aquele abraço

:-/ confuso

:x apaixonado

:"> envergonhado

:P mostrando a

língua

:-* beijo

=(( coração partido

:-O surpreso

X( bravo

:> orgulhoso

B-) legal

:-S preocupado

#:-S ufa!

>:) diabólico

:(( chorando

:)) Gargalhadas

:| cara de tacho

/:) desconfiado

=)) rolando de rir

O:-) anjinho

:-B nerd

:-c me liga

:)] ao telefone

~X( arrancando os

cabelos

:-h tchau

:-t dá um tempo

8-> sonhando

acordado

I-) dormindo

8-| virando os olhos

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L-) perdedor

=P~ babando

:-? pensando

#-o arrependido

=D> Aplausos

:-SS roendo as unhas

@-) hipnotizado

:^o mentiroso

:-w esperando...

:-< suspirando

<):) cowboy

:-& enjoado

:-$ segredo

[-( de mal

:O) palhaço

8-} bobão

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ANEXO III (Scripts)

——————————–

…………….(___)……Muuu.

……………..|Oo|………..

…………/““OO)……….

…………/|____–……….

………..*..L….L…………

…… (_.–…………..–._)

..(_.’……….`”-.-’`……..’.

…./……………./…………..\_)

(_|…. _,.-’”"‘-,-’”"‘-.,_…..|

….\../.–’……………..’–.\ ./_)

..,_\(..(_(_(……..)_)_)..)/_

..\..(_, .(o)……….(o).. ,_).’/

….`-’-` ‘-’…..c….. ‘-’ ´-’-´

…..(o)\ ……………… /(o)

‘……|…’-…._w_.….-’…|

…….*.…..-.’…….’.-. …*

…………./._–. .–_.\.

………¨/ /’(…\/’…)\ \

…..…../ /…\……../..\ \.

….……\ \…’)……(…/ /

………..\ \’/……..’\'/ /.

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ANEXO IV (Nicknames)

Nicknames é uma expressão da língua inglesa que significa apelido ou alcunha, usada na

rede para “batizar” os internautas para relacionamentos virtuais, de natureza informal.

Nicknames servem como identificação de pessoas reais ou criadas pelos usuários,

indicando características físicas ou subjetivas que podem ser positivas ou negativas. A

criatividade na elaboração dos nicknames é impressionante, variando desde personagens

famosos, animais, diminutivos, aumentativos até o uso de hipocorísticos dos nomes, como

por exemplo, Janaína – Jah, Mariana – Mah, Denise - Deee , Dezinhaaa. Há sites

especializados para auxiliar as pessoas na criação de seus nicknames e modelos de

“molduras” que decoram sobremaneira os apelidos do ciberespaço. Trago a seguir alguns

modelos de nicknames, assim como a página inicial do formatodor de nicknames para

ilustrar minha descrição:

: ★★★Al@$$@ndr@: eu amo rock ama :100%rock♥.:.

(^;^)nandinha matias(^;^) инα ♣ .

>>Iury_Inutil<<_[Inuteis]<<<<* ☆gabi☆ **rock**

@m@nd@s2***s2♥♥♥ @*P*$ *amigas* eu sou a *@*

Emely 100% g@t@ C@rolyne Dj Igor (è noix o comedia)

PATTY PRINCESS beautiful -=|£µÎz|=- -=|Gµ§†Å/Ø|=-

#(:}N&Go{:)# "#@l&x#" camila*;* (L)AGRO

s2karolynnes2s2 s2gatas2s2s2

♥→Nath←♥ ♥100% ¢σяιитнιαиα♥

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ஜcamyllaஜ estou sorrindo de falcidade

K´gH@dD@.. neves ~εïз~ysy~εïз~ ~εïз~moraes~εïз~

(¯`·._.·[ ]·._.·´¯)

°o.O O.o°

×÷·.·´¯`·)» «(·´¯`·.·÷×

···^v´¯`×) (×´¯`v^··

,.-~*'¨¯¨'*·~-.¸-(_ _)-,.-~*'¨¯¨'*·~-.¸

Oº°‘¨ ¨‘°ºO

-- --^[ ]^-- --

•·.·´¯`·.·• •·.·´¯`·.·•

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ANEXO V (Dicionário)

Apresento a seguir um “dicionário” de Internetês formulado por Cadi Fernandes,

disponível no site http://www.arlindo-correia.com. O dicionário traz as expressões mais

usadas pelos internautas de Portugal, Brasil e Estados Unidos, para mostrar que essa forma

abreviada de escrever não é uma exclusiva da língua portuguesa.

PORTUGAL

aki - aqui

akilo - aquilo

atam - então

axim - assim

axo ou axu - acho

bgd - obrigado

bjs ou bjx - beijos

cmg, ctg - comigo, contigo

daddy - papá

dixeste - disseste

dsc - desculpa

giru - giro

grd - grande

gxtar - gostar

hj - hoje

idd - idade

jahtah - já está

k - que

kem - quem

kk ou qq - qualquer coisa

kido, kiduxo - querido, queriducho

lammer - otário, totó

mm - mesmo

mor - amor

mto - muito

mummy - mamã

nd - nada

nn ou ng - ninguém

n ou naum - não

perxebs - percebes

pk ou pq - porque

pls - please

qd - quando

res - responde

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tds ou tdx - todos

td - tudo

vc - você

vz - vez

xpra ou pera - espera

xtas - estás

xtupido - estúpido

BRASIL

becapear - armazenar arquivos

beijaum, beijins - beijão, beijinhos

blz - beleza

boralá - vamos embora

brigadim kirido - obrigado, querido

chattear - conversar na net

conectar - ligar computador à net

conectividade - interligação de computadores

craro - claro

ctafim - você está a fim?

d+ - demais

dar um clique - pressionar o rato

dar um search - fazer uma busca

debugar - eliminar erros (bugs) de um programa

deletar - apagar

eu lovo u - I love you

escanear - digitalizar imagem ou texto com o sacnner

kd - cadê

ki ki ta contecendo? - o que está acontecendo?

miguim - amiguinho

pq vc naum fk kyeta? - por que você não fica quieta?

printar - imprimir

pru6 - para vocês

qtidd - quantidade

t+ - até mais, adeus

zipar - compactar arquivos

EUA

4evr - forever

adr - adress

AFAIK - as far as I know

AML - all my love

ambimousterous - capaz de usar o rato com as duas mãos

B/C ou bcoz - because

B4 - before

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blamestorming - procurar culpados em grupo num chat

codernauts - programadores

CUL8ER - see you later

cuspy - programa bem feito

cybercrud - burocracia na net

F2F - face to face

GALGAL - give a little, get a little

gl - good luck

GR8 - great

IC - I see

IDK - I dont know

IMHO - in my humble opinion

IMNAL - I'm not a lawyer

Internesia - tendência para esquecer localização de sites

leech - pessoas que só tiram da net e não acrescentam nada

l8 - late

l8r - later

lol - laughing out loud

netopath - internauta perigoso

netiquette - etiqueta na net

pic post - site pornográfico

pita - pain in the ass

sme1 - someone

ttfn - ta ta for now

tia - thanks in advance

thx - thanks

u - you

urt1 - you are the one

x - kiss

x! - typical woman

y! typical male.

Está disponível na rede um outro site com o nome Dicionário Informal

(www.dicionarioinformal.com.br), onde é possível buscar o significado de palavras

grafadas em internetês . Expressões com Fds, Tc , fikar e outras são definidas e

disponibilizados sinônimos e antônimos, muitas vezes, com expressões do próprio

internetês. O dicionário foi idealizado pelo empresário Marcelo Muniz, 26 anos, mestre em

computação pela USP de São Carlos que começou com um investimento de R$ 100.000,00

e agora faz o maior sucesso na rede, anunciando da seguinte forma:

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ANEXO VI (Glossário construído a partir do corpus analisado)

Add- adicionar no MSN ou no Orkut

Ak - aqui

Akelah - aquela

Akele - aquele

Aki - aqui

Ateh – até

Axa- acha

Axim - assim

Axu - Acho

4U - da expressão inglesa for you: para você

B4 - da palavra inglesa before: antes

Bagah - pessoa feia ou algo inútil

Beijaum - beijão

Bijins - beijinhos

Bjks - beijocas

Bjs - beijos

Blz - beleza

Boralá que to sonada - vamos embora que estou com sono

Brigadim kirido - obrigada, querido

C q c vire – você que se vire

C eh loko – você é louco

C-linho - beijo

Cd, Kd - cadê?

Chattear - conversar com outra pessoa no chat (sala de bate-papo)

Cmu - como

Cntgu - contigo

Comborra - algo muito bom

Cool - legal

Craro - claro!

Ctafim - você está a fim?

Ctaí - você está aí?

D – de

D+ - demais

D+ d dificiu – dificílimo

D+ d feio - horrível

Daih - daí

Dar um caô - cantar uma menina

Depoixx – depois

Dinovu – de novo

Dixculpem - desculpem

Eh - é

Emo- é uma abreviação da expressão da língua inglesa “emotional” e designa uma “tribo”

ou pessoas que fisicamente são caracterizados pelo uso de franjas cobrindo os olhos, roupas

pretas, acessórios coloridos e que se dizem extremamente sensíveis, na maioria jovens,

curtem rock mais lento. No MSN e no Orkut, esses jovens escrevem em miguchês ou

tatibitati, mesclando letras maiúsculas e minúsculas, expressando-se de forma peculiar,

substituindo a letra R pela letra L e até usando letras gregas:

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VuxXxE ME pAXXah U tEU oRkuT??!?!

Entaum – então

Eu lovo u - eu amo você

Euzinha - eu

Excrevu - escrevo

Falow - adeus, até mais

Fds - fim de semana

Fla - falar

Flw - tchau, ok

Fofuxxah - fofinha

FotEEnHAxXx – fotos

Fraga - entender

Hahaha, hehehe ou hihihi - risadas

Iskrevi - escreve

It sux - chatice

Ixi, oxi, putz - expressões usadas como exclamação

Ixxu – isso

Jhow - palavra usada para substituir o nome de uma pessoa na hora do cumprimento

Kapaxx - capaz

Kd - cadê

KKKKK - risada

Ki ki tá contecendo - o que está acontecendo?

Keru - quero

Kirida - querida

Koizah – coisa

Kossandu – sem fazer nada, morgando

Krac - caraca

Ksa - casa

Lambs - lambida.

Lgl - legal

Lol - rolando no chão de tanto rir

Maneiro - legal

Mascar - contar vantagem

Migah - amiga

Miguim - amiguinho

Miguxa – amiga

Miguxas – usado pejorativamente para as usuárias do miguxês no MSN ou Orkut, também

conhecido como patriguxas

Miguxês- é uma variação da escrita do internetês que imita a fala infantil

Mih - me

Mlk - moleque

Mó ou Moh - maior

Ms - meus

Msm - mesmo

Mtaxx – muitas

Mto rox – muito legal

Mtu - muito

Nah, non, naum - não, negativa

Naum - não

ND D+ - Nada de mais...

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Num – não

Nomidade - perguntando o nome e a idade da pessoa

Nops - não

Omg - Oh, meu Deus! (my God)

Paia - ruim, malandragem

Pexoax - pessoas

Photinhos – fotos

Phots – fotos

Pioohr - pior

Pq - por que, porque

Prego - egoísta

Pru6 - para vocês

Puske - porque

Q - que

Qdo - quando

Qndu - quando

Qto - quanto

Peguet - abraçar, beijar, namorar, ficar

Peiuciah - pelúcia

Perdido - sem saber o que fazer

Pirigueti – menina exibida, biscate

Pkê - por que?

Pod C - Pode ser

Poka - pouca

Rlx - relaxa

Rox - legal

Sentinu ½ mau – sentindo-se mal

Soh - concordância, sim

Sow - sou

Stalo – beijo

Susse – sossegado

Sux - chato, ruim

T+ - até mais

Tá osso - a situação está difícil

Tahfods - está difícil

Tb – tudo bem

Tbm - também

Tc - teclar

Tdu - tudo

Teclakue - fala comigo?

Thkx - obrigado (thank you)

Tlá - até lá...

Tlogo – até logo

Tomar um toco - tomar um fora

Torozaxohk – estou passado

Tosco - algo ou alguém feio, chato

Trank - obrigado

UmAxxx – umas

Umildi - legal

Vc ou cê - você

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Véio – amigo, camarada

V6 - vocês

U- o

Usah – Usar

Vazah – vazar/sair

Vc – você

Voteh - vote

Vow - vou

Vuxxe – você

Xatu - chato

Xaw – Tchau

Xempli - sempre

Xeu – seu

Xim - sim

Xole – chore

Xo – seu, senhor

Xoninho - soninho

Yeap - sim