elói d´Ávila

21
1 Elói D'Ávila http://cntools.blogspot.com.br/2012/09/inspiracao.html Pobreza de passar fome não é força de expressão, no relato de vida de Elói D'Ávila, fundador da Flytour. Para fugir das agressões que sofria em casa, quando criança, ele dormiu na rua e dependeu da ajuda de desconhecidos para sobreviver. Dessa situação de miséria, ele transformou-se em fundador de uma das maiores agências de turismo do Brasil, com faturamento de 1,6 bilhão de reais por ano. Ele conta essa história na entrevista a seguir.

Upload: cngsm

Post on 11-Mar-2016

244 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Pobreza de passar fome não é força de expressão, no relato de vida de Elói D';Ávila, fundador da Flytour. Para fugir das agressões que sofria em casa, quando criança, ele dormiu na rua e dependeu da ajuda de desconhecidos para sobreviver. Dessa situação de miséria, ele transformou-se em fundador de uma das maiores agências de turismo do Brasil, com faturamento de 1,6 bilhão de reais por ano. Ele conta essa história na entrevista a seguir.

TRANSCRIPT

Page 1: Elói D´Ávila

1

Elói D'Ávila http://cntools.blogspot.com.br/2012/09/inspiracao.html

Pobreza de passar fome não é força de expressão, no

relato de vida de Elói D'Ávila, fundador da Flytour.

Para fugir das agressões que sofria em casa, quando

criança, ele dormiu na rua e dependeu da ajuda de

desconhecidos para sobreviver. Dessa situação de

miséria, ele transformou-se em fundador de uma das

maiores agências de turismo do Brasil, com

faturamento de 1,6 bilhão de reais por ano. Ele conta

essa história na entrevista a seguir.

Page 2: Elói D´Ávila

2

- Qual é a origem da sua família?

Sou o 14º filho de uma família de 15 filhos. Sou de

Esteio, no Rio Grande do Sul. A minha mãe morreu no

15º filho de parto. Naquele momento, meu pai

começou a dividir, a dar os filhos.

- Os seus pais faziam o quê?

Meu pai já era aposentado, trabalhava para o DNER

quando levou um tombo do cavalo. Nesse momento,

já estava aposentado há uns três anos. Ele vendia

gado, dizem que ele trocava boi cego por cavalo sem

dente. Ele era uma espécie de um cambista.

- E a sua mãe?

Só cuidava dos filhos. Nenhum dos meus irmãos

estudou. Morávamos de favor num sítio fora da cidade

e por isso que a ambulância não chegou. Eu tinha 1

ano e nove meses e me lembro do dia por causa do

lençol com sangue indo embora com a minha mãe.

Fiquei com meu pai até os três anos dormindo na

casa de avó, de tia. Todo dia meu pai dormia em

algum lugar. A casa do sítio foi desfeita.

- De quem era o sítio?

Page 3: Elói D´Ávila

3

Eu acho que meu pai cuidava do sítio para uma

pessoa. Hoje tem muito disso. Eu acho que meu pai

queria que eu ficasse com ele, mas um dia ele me

deixou com três anos na casa de uma irmã que havia

se casado aos 14 anos. Ela me cortou o cabelo, me

deu banho (dizem que eu andava atrás do meu pai

todo cagado) e começou a me criar. Como ela havia

se casado muito cedo, ela tinha problemas com o

marido. O marido dela bebia muito. Aos oito anos,

comecei a vender pastéis no período da tarde.

- Onde o senhor estava morando?

Em Porto Alegre. Morei com ela dos três anos aos 8,5

anos. Vender pastéis me despertou um DNA de

vendedor, eu gostava de fazer aquele trabalho.

- O senhor vendia pastéis para ajudar na casa?

Isso. A minha irmã trabalhava fazendo pastéis. Ela

teve um problema de saúde e não pôde mais

trabalhar.

- E o marido dela?

Ele trabalhava na siderúrgica Rio Grandense, que

hoje é o grupo Gerdau. Ele chegava às 5, 6 horas da

tarde e mandava buscar uma garrafa de pinga para

ele, que tomava com laranja espremida. Ele fumava

Page 4: Elói D´Ávila

4

um cigarro chamado Lincoln e às 7 da noite ele já

estava muito embalado. Aí ele maltratava a minha

irmã, a mim. Éramos só os três em casa, a minha irmã

deu o filho antes mesmo de casar porque ele não

queria um filho. Aí a minha irmão começou a trazer os

irmãos para dentro de casa. Trouxe mais três depois

de mim. Só que a situação ficou pior ainda porque ela

dividia essa mágoa dela. Foi quando eu fugi de casa

pela primeira vez. Meu cunhado chegou em casa e eu

sabia que ele ia beber de novo. Ele me deu a garrafa

e o dinheiro para pegar pinga, como sempre. Joguei a

garrafa fora e fugi com o dinheiro. Fui para o centro de

Porto Alegre, só que eu tinha muito medo de ser preso

pelo juizado de menores. De certa forma, eu já era um

moleque de rua porque ficava a tarde toda vendendo

pastéis numa caixa de marmelada, de goiabada.

Quando meu cunhado me batia ele usava um rabicho

de ferro. Você não é dessa época, mas os ferros

elétricos tinham um rabicho que ia nele e na luz.

Quando você tirava ele tinha uma cinta. Apanhei muito

com essa cinta, eu não era fácil. Eu encarava muito

ele. Tomava as dores da minha irmã. Depois de uns

dias eu fui preso pelo juizado de menores.

- Nesse meio tempo o senhor morava aonde?

Literalmente na rua. Eu dormia na praça XV, na praça

da Alfândega. Vendia o Última Hora (que depois

mudou para Zero Hora) e usava o dinheiro para

Page 5: Elói D´Ávila

5

comer. O resto eu dormia no banco da praça. Até que

fui preso, mas eu não queria voltar para casa. Por

causa disso resolvi mentir meu nome, dei o nome de

um comissário de menores. Achei que aquilo era um

benefício conforme os moleques da rua me

orientaram. Fiquei lá uns três meses até que um dia o

meu pai foi lá e gritou meu nome. Olhei para trás e me

entreguei. Ele me levou embora para casa. Fiquei uns

3, 4 meses e fugi de novo.

- O seu pai te levou para a casa da sua irmã?

Isso.

- Nessa época o senhor estudou?

Não, nada. Só fiquei na rua. Antes eu estudava num

colégio estadual a umas dez quadras da casa da

minha irmã. E aí saí e fui de volta para a rua. Não

poderia ficar lá porque eu seria preso de novo, voltaria

para casa de novo e ia apanhar de novo. O que eu

fiz? Fui para São Paulo.

- Como?

Pegando carona. Você pega uma carona na estrada,

no posto de gasolina. De Porto Alegre você vai a

Feliz, de Feliz a Caxias (onde dormi uns dias num

ponto final de ônibus), de lá vim para São Marcos, aí

Page 6: Elói D´Ávila

6

Vacaria, de lá para Lages. E você vai vindo de carona.

Parei um pouco numa cidade chamada Mafra, onde

fui carregar a prancha de pães até o forno da padaria.

Lembro que um dia deixei cair e o padeiro me chamou

de boca aberta - gaúcho você não pode chamar de

boca aberta, é pior do que corno. O padeiro me bateu,

me deu um soco na boca e eu perdi os dentes da

frente. De lá eu saí, fui para Curitiba. Lá, engraxei e

vendia jornal na praça XV.

- Sempre de carona?

Sempre. E dormia na rua ou nos caminhões que

estava de carona. Até que em Curitiba eu trabalhei

numa peixaria, fui dormir na casa do chinês. Até que

consegui vir para São Paulo.

- Quanto tempo demorou a viagem?

Uns três meses. Em São Paulo fui para a rodoviária,

onde sobrevivi vendendo jornais, lavando carro,

pedindo coisa.

- E morava aonde?

Quando eu tinha dinheiro ia para o albergue.

Praticamente inaugurei os albergues na avenida 23 de

maio. Isso me dá muita honra. Aí fui preso pelo

juizado de menores aqui em São Paulo. Fiquei uns

Page 7: Elói D´Ávila

7

seis dias lá até que eles me deram uma passagem de

ônibus, me colocaram no ônibus e falaram para os

dois motoristas: só deixa o menino em Porto Alegre.

Quando cheguei lá entrei numa concessionária

chamada Panam, falei que era de São Paulo e que

tinha ido a Porto Alegre procurar uma tia. Como não

tinha encontrado ela, estava sem dinheiro para voltar

para casa. Eles fizeram uma vaquinha, me deram o

dinheiro e acabei voltando para São Paulo. Eu sabia

que era aqui que eu ia vencer.

- Por que São Paulo?

Por medo de voltar para casa e apanhar, a pobreza, já

conhecia o mundo por vender pastéis. Já tinha

atração por ser alguma coisa. São Paulo era São

Paulo. Aqui era a minha vida. E aí fui para a praça da

Sé. Lá fiquei uns seis meses. Era uma beleza.

Quando você ganhava dinheiro com albergue ia

dormir no albergue. Lá, conheci dois amigos: um

gaúcho e outro. Um dia estava muito desesperado,

sentado num daqueles bancos de ônibus, e um

senhor fardado parou do meu lado e me perguntou o

que estava acontecendo. Eu disse que não teria onde

dormir naquela noite e ele me levou para a casa dele.

Ele se chamava Manoel e estava sendo aposentado

pela Aeronáutica. Ele tinha três filhas sendo que duas

tinham se separado e voltado para casa.

Page 8: Elói D´Ávila

8

- Onde era a casa dele?

No Parque Rodrigues Alves, no Tucuruvi. A mulher

dele era da igreja Adventista e isso me ajudou muito.

Fiquei com eles dois anos. Lavei pátio, areei panela,

enxuguei, lavei. Era o serviçal deles. Eu cuidava nos

netos, do filho temporão que ele teve. Aquilo me deu

muito subsídio. Aos 12 anos, fui trabalhar na estação

rodoviária numa loja de malas. Era entregador. A

estação rodoviária velha era uma loucura. Todos os

hotéis dos portugueses ficavam em volta e recebiam

gente do Brasil todo que vinha fazer compras em São

Paulo. Eles passavam na loja para comprar uma mala

e eu as entregava. Até que revi meus dois amigos da

Praça da Sé. Um tinha quase 16 anos, o outro tinha

14. E eles me chamaram para ir para o Rio de

Janeiro. Disseram que lá as mulheres andam com

cachorrinhos pelas ruas e que a gente ia casar com

uma mulher rica. O problema é que eu sabia que não

poderia ir para o Rio sem documento. Aí eu fui num

cartório no Viaduto do Chá que se corresponde com

todos os cartório do Brasil. Fiquei quase três meses

alucinado esperando minha cópia de certidão de

nascimento. Por várias vezes eu fui até o viaduto e

pensei em me atirar. Eu não conseguia mais, achava

que não ia conseguir sair daquela vida.

- Nessa época o senhor não morava mais com o

militar?

Page 9: Elói D´Ávila

9

Morava. Mas já estava numa situação difícil, ele sabia

que eu ia embora. A relação já não era a mesma. E aí

eu estava muito apavorado. Eu me lembro que o

primeiro Corcel tinha acabado de sair. Pensei em me

jogar em cima de um deles. Se não morresse, pelo

menos a pessoa ia me sustentar. Resisti tudo aquilo,

estava meio amargurado. Era totalmente gago, tinha

muito preconceito. Não abria a boca, não tinha os

dentes. Servia só para trabalhar na casa de alguém

ou vender pastel.

- Na casa o senhor morava num quarto separado?

Não, na casa do irmão menor. Não era uma pessoa

rica, mas não me faltava nada. As filhas moravam

numa casa no fundo. O seu Manoel era um cara legal,

a neta dele trabalha hoje comigo. Quando consegui os

documentos fui para o Rio.

- Como foi?

Desci no Rio de Janeiro às seis horas da manhã e

desci na praia. Nunca tinha visto praia na minha vida.

Dormi na areia até às cinco da tarde. Passei 14 dias

num pronto-socorro em Botafogo por causa de

queimaduras no corpo todo. Voltei para a pousada

onde estávamos hospedados. Lá, meus amigos

tinham dito para o dono que eles ainda não tinha pago

a conta porque o dono do dinheiro estava no hospital.

Page 10: Elói D´Ávila

10

Quando eu voltasse resolveria tudo. Fugimos à noite

pelo telhado e fomos para Copacabana. Não falava

com a minha família, meu único mundo eram os dois.

Comecei a lavar e guardar carro em frente ao

Copacabana Palace. E fui fazendo amizade com os

porteiros. Fiquei uns três meses lá.

- O senhor ainda morava na rua?

Quando não tinha dinheiro. Quando conseguia, ficava

nessa pensões no Catete, na Tijuca. Até que comecei

a dormir numas habitações do hotel que são usadas

pelos funcionários que chegam muito cedo ao hotel.

Comecei a dormir lá e os funcionários do hotel

começaram a me apresentar para os guias turísticos

que faziam os grupos. Eu cuidava das vans, dos

carros. Até que um desses guias, Paulo Geraldo

Silveira Tavares, me apresentou para a dona Stella

Barros. E ela me convidou para ser office boy dela.

Ela tinha uma agência atrás do Copacabana Palace e

outra na cidade. Fui trabalhar na segunda. Uns dias

depois, ela descobriu que eu não tinha onde morar. A

partir de então comecei a dormir na agência. Por

causa disso, em toda Flytour que você for em todo o

Brasil tem um sofá de dois lugares. Eu fazia o café da

manhã para a dona Stella, fazia a limpeza da agência.

Era office boy de luxo, cargo que tenho até hoje.

Nunca vou tirar esse cargo. Fiquei lá até os 15 anos.

Peguei calo por emitir bilhetes, então eu já sabia emitir

Page 11: Elói D´Ávila

11

bilhetes. Quando tinha 12 anos, a minha irmã tinha ido

morar em São Paulo com os seis filhos. Meu cunhado

continuava alcoólatra e o meu irmão maior passou a

beber também. Comecei a me corresponder com a

minha irmã e um dia decidi voltar para São Paulo.

Falei com a dona Stella e ela resolveu me ajudar.

Arrumou meus dentes, me ensinou a falar, comer,

beber. Eu era daqueles que falava "muito mais melhor

de bom". Ela me ensinou tudo, era terrível. Eu já

estava muito bem quando vim para São Paulo aos 17

anos. Já tinha ido para Porto Alegre umas dez vezes

para visitar essa minha irmã. Trabalhei na Stella

Barros de quase 13 anos de idade até os 17 anos.

Isso foi em 1967.

- O que você fez em São Paulo?

Eu tinha um problema gravíssimo: idade de quartel.

Não medi as consequências, queria fazer. Fui morar

com a minha irmã no hotel Rodrigues, perto da

rodoviária. Acabou o dinheiro e fomos para um cortiço

na Barra Funda. Ela começou a trabalhar na Casa da

Sopa e arrumei um emprego no Bradesco Turismo.

Era uma espécie de atendente emissor, que eles

chamavam de escrevente. Até hoje tenho a carteira. O

meu cunhado perdia o emprego rapidamente e meu

irmão, que era cantor, ganhava um dinheirinho. Meu

sobrinho maior está há 32 anos na Flytour. Moramos

na Casa Verde alta, na Casa Verde baixa, no

Page 12: Elói D´Ávila

12

Tremembé até que voltamos para a Barra Funda. Até

que o desgraçado morreu. Sábado de manhã eu ia na

cooperativa com ele. Quando ele acordou, já ficou.

Deu um derrame cerebral e ele ficou 19 horas no

hospital Santa Cecília. Ele não tinha mudado nada,

batia em todo mundo. Era um contador de mão cheia,

mas o vício do jogo, do álcool, do cigarro acabou com

ele. Minha irmã não gosta muito que eu fale sobre

isso, ela tem neto e genro. Hoje ela mora em Joinville,

onde mora numa casa que dei para ela. Consegui

ajudar os meus irmãos, que moram num imóvel meu.

Eu não voltei para a escola, mas falo meu inglês e

meu espanhol fluentemente. Eu aprendi tudo na rua.

Meus verbos tive que tirar com as pessoas chamando

atenção. Não tenho secretária para nada. Faço minha

agenda, atendo o telefone e faço meus emails.

- E o exército?

Como bom gaúcho, eu queria ser militar. Eu achava

que era a minha decisão maior, eu tive tudo o que

você pode imaginar na vida. Fui mordido por dois

cachorros loucos, tomei 26 injeções na barriga. Tomei

uma vacina de benzetacil vencida numa igreja porque

eu não tinha assistência médica. Tive infecção de pé,

problema de dente, rim, peronite aguda, colite aguda.

Uma vez por ano eu faço quatro, cinco colonoscopias.

Trabalho muito com a emoção, às vezes você olha

para a minha cara e vê que alguma coisa não está

Page 13: Elói D´Ávila

13

certa. Prefiro ficar em casa. Um bom vendedor te

conquista no emocional. O poder do vendedor é te

convencer. A minha irmã ficou com as crianças e em

três dias fui mandado embora.

- Isso foi antes do Bradesco?

Não, durante o Bradesco. Saí de lá para ir para o

quartel, onde trabalhava desde os 17, 18 anos. No

terceiro dia de quartel eu fui mandado embora. Eles

me deram uma caixa de benzetacil e me mandaram

embora. Disseram que eu estava podre, tinha sífilis e

não sabia. Me tratei, consegui me salvar, voltei para a

casa da minha irmã, voltei para o Bradesco, onde

conheci a minha esposa e casei há 35 anos.

- O senhor lembra do primeiro salário no Bradesco?

Era 25, 30 dólares. Era pouco mais de um salário

mínimo, bancário só podia trabalhar seis horas.

Quando me casei meu salário era de uns 100 dólares.

Eu trabalhava seis horas no Bradesco, seis horas na

Linhas Aérea Paraguaias e mais três horas na

estação rodoviária como fiscal de plataforma. Aí eu

pude me casar. Conheci a minha mulher, noivei em

três meses e casei. Minha mulher é egípcia, o pai dela

veio para o Brasil sem nada também e fugiu de lá para

não casar as filhas com os beduínos.

Page 14: Elói D´Ávila

14

- Em que ano o senhor se casou?

Em 1971. Saí do Bradesco e fui morar em Porto

Alegre. Ela foi transferida e eu, numa multinacional.

Fiquei três meses e voltei. Perdi tudo: meu carro foi

roubado, o carro que eu troquei ficou no sanduíche,

mataram meu casal de passarinhos que eu adorava.

Meu sogro foi pegar de volta a filha. Ele foi de carro, já

era diretor de uma multinacional. O engraçado é que

cinco dias antes de casar eu sumi. Disse para a minha

mulher que eu não era aquilo que ela imaginava que

eu era. Tinha mentido para ela que meu pai era

fazendeiro. Ela tinha outro nível, falava seis idiomas.

Falei a verdade e fui embora. Ela pegou a minha irmã

e foi me buscar em Porto Alegre. Eu me casei, fiquei

na Linhas Aéreas Paraguaias um bom tempo. Fui

mandado embora de lá quatro vezes. Numa das vezes

que fui mandado embora eles me deram a

representação da LAP e de um hotel cassino no

Paraguai no Brasil.

- E quando o senhor montou a Flytour?

Em 1974. Na última vez que me mandaram embora,

abri a Edo representações. Ela representava a LAP no

mercado brasileiro, fazia vôo com dois Electra velhos.

Saí de lá tinha três Boeing 747 fazendo Madri,

Frankfurt, Bruxelas, Miami, Lima, Santiago. Com a

falta de dinheiro que a gente tinha, cresci e corri

Page 15: Elói D´Ávila

15

riscos. Depois da LAP veio a LanChile, Iberia, Panam

e a Varig. Em 1979 eu representava todas elas. Eu

era um agente geral de vendas. Vendia para as

agências de viagem, essa era a minha especialidade.

- Mas quando surgiu a Flytour?

Em 1979 o presidente da Embratur era o Colassuano.

Ele determinou que a partir daquele momento

nenhuma empresa de representação no ramo do

turismo não pode deixar de ter a Embratur. Foi

quando surgiu a Flytour. O meu sonho era ter uma

empresa charteira. Hoje, chego a lotar 25 000 aviões

por ano, não preciso ter uma companhia aérea. Eu

quero prestar serviço para o meu cliente. E aí eu

comecei a trabalhar com essas companhias aéreas e

aí 2 000 agências eram nossas clientes. Eu emitia os

bilhetes dessas agências, dessas companhias.

Éramos o agente geral dessas companhias. Em 1989,

começou a entrar no meu ramo muitos maus

empresários. Tinha um giro de dinheiro muito grande,

mas eram pessoas desonestas. Eles davam 3% do

faturamento para os meus clientes. Se ganho isso

como posso dar 3%? Aí eu quase quebrei, porque

para não perdê-los eu tive que dar 1,5%. Eu já era o

primeiro do Brasil, desde 1984 sou o primeiro nesta

área. Em 1996, nos tornamos o maior emissor de

bilhetes da América Latina. Por causa desses caras

eu perdi quase três milhões de dólares.

Page 16: Elói D´Ávila

16

- Quando o senhor fez o seu primeiro milhão de

dólares?

Acho que foi em meados dos anos 80. Sempre tive

que ter imóveis como garantia. As companhias aéreas

trocam de diretores todos os meses. E o que você tem

que provar quando isso acontece? Primeira coisa, que

você é honesto. Como se honestidade você não

nascesse. Segundo: que você tem patrimônio, tem

uma empresa. Sempre tive que ter patrimônio para

dar de garantia para as companhias aéreas. Fiquei

dois anos sem atender a Alitalia porque um italiano

queria vender para o Amex. Naquele dia vendi todos

os meus apartamentos para um empresário, ele me

emprestou um dinheiro e deixei uma sede da empresa

como garantia. Foi aí que abri a Flytour viagens e

turismo para atender os clientes em geral. Hoje estou

na metade do meu caminho. Metade do meu negócio

é com agências de viagens e metade atendendo

empresas. Atendo a Abril, a Avon, a Natura.

- Esse é a maior parte do seu negócio?

Não. A maior parte do negócio ainda é a agência de

viagem. Tenho 160 agências chamadas Flytour.

Dentro de empresa e fora. São 58 escritórios e o resto

dentro das empresas. Minha maior conta é a

Braskem. Hoje comecei a atender o BNDES.

Page 17: Elói D´Ávila

17

- Hoje quanto a empresa fatura?

1,6 bilhão de reais.

- E quantos funcionários?

1350. Todos de carteira assinada. Não tenho caixa

dois para nada.

- Você tem familiares trabalhando na empresa?

Tenho quatro. A irmã da minha mulher, que é minha

vice-presidente financeira. Meu filho Cris, que é meu

assessor. Ele ainda tem uma boa pousada em Itacaré.

Meu filho Fábio, que é diretor da minha empresa de

pacote, que é nova e representa 1% do meu negócio.

Tenho um filho de 34 anos que está na Gol como

comandante de 737-700 e 800 e foi comandante da

Vasp por oito anos. Todos eles moraram nos Estados

Unidos.

- Hoje o senhor mora aonde?

No Paraíso. Levo uma vida simples. Para você ter

uma idéia, estou trocando um apartamento de quatro

dormitórios por um de dois dormitórios. Se eu

pudesse, moraria num flat. Eu gosto de levar uma vida

simples. Meu único luxo são carros e moto. Tenho

Page 18: Elói D´Ávila

18

uma Discovery e uma Harley Davidson. Mas fazenda,

carro, boi... isso eu detesto.

- O senhor passou muita necessidade?

Muito. Passei muita fome.

- Pensou em roubar, praticar crimes?

Deixa eu explicar uma coisa que é muito importante.

Quando você está na rua, dormindo em praça, você

pega a pivetada toda. A coisa boa da minha história

na rua é que eu já tinha vendido pastéis. Eu vendi

porta vaso, peixe, pastel, jornal, carnê do Silvio

Santos, Páginas Amarelas. Fiz de tudo na vida. No

momento em que vendi pastéis, que fui parar na

família, que comecei a frequentar a igreja adventista,

eu fui assistido. Se você casar com uma mulher

viciada, é mais fácil você virar um viciado. A igreja me

fez muito bem. Hoje sou casório, sou Santa de

Virgens total. Todo dia 16 vou com um amigo

chamado Ademar para a Cidade das Almas, vou lá e

fico em pé. Não sento.

- Em algum momento o senhor achou que seria dono

de uma empresa que fatura 1,6 bilhão de reais?

Sei que não sou egoísta ou ganancioso. Sou um cara

de fazer, gosto de realizar. O mais importante é

Page 19: Elói D´Ávila

19

terminar e recomeçar. O que mais vendo aqui é o

recomeço. Todo dia eu tive que recomeçar na minha

vida. Nunca me vi como um cara de poder, mas sim

como um cara de fazer. Recomeçar é isso: ter a visão

no dia anterior. Eu tinha só um desafio de vencer, e

não uma sede de poder. Sempre me apresento como

office boy de luxo.

- Quanto senhor ganha hoje?

Vinte mil reais por mês. Se precisar, faço uma retirada

sob participação de lucro. Retiro meus vales. Acho

fundamental que eu nunca tive aquela coisa de matar

para conseguir. Se levantar os anos que fui preso, vai

ver que fui preso por estar na rua. É fundamental na

minha área ter simplicidade, transparência, humildade.

Sou mais de fazer.

- Essa é a sua característica principal?

A minha característica principal chama porta aberta. A

porta abre e eu vou lá e abre. Se um dia eu percebia

que uma porta tinha se aberto, eu ia lá e fazia. Não

importava se eu ia ganhar ou perder. Eu queria fazer,

sempre quis fazer. Ainda quero fazer. Costumo dizer

que ainda não fiz nada. Acho que vou começar aos 68

anos.

Page 20: Elói D´Ávila

20

- O senhor acredita que teria chegado onde está se

tivesse nascido num país que não o Brasil?

Eu acho que sim. Acho que se as crianças tivessem

oportunidades desde o início elas venceriam. Sou

contra a mordomia das crianças, com motoristas,

empregadas domésticas. Não entendo muito. Quanto

mais a criança puder produzir e estudar... Se o Brasil

tivesse dado 10% do seu PIB para a educação, seria

o quinto maior país do mundo. Acredito muito na

educação. Acredito em educação e no treinamento. É

a prática e a teoria. Sou favorável pela escola de oito

horas, de a pessoa que fizesse universidade não

pagasse imposto. Acho um absurdo pagar

universidade e imposto de renda.

- Se o senhor tivesse nascido nos Estados Unidos e

tivesse morado nas ruas do país, teria uma empresa

que fatura mais de um bilhão de reais?

Acho que não. Acho que o Brasil é um país de

oportunidades. Aqui eu posso vender uma geladeira.

Lá preciso convencer uma pessoa a trocar uma

geladeira. Gosto muito do novo, gosto de descobrir o

novo. O meu hobby é tecnologia. Gosto de vender, de

convencer as pessoas. Pelas vezes que vou lá fora

vejo que a única vantagem competitiva de países

desenvolvidos é o financiamento. É o caso da

Austrália: é o Brasil que já deu certo.

Page 21: Elói D´Ávila

21

http://cntools.blogspot.com.br/2012/09/inspiracao.html

Fonte: http://exame.abril.com.br/negocios/empresas/noticias/m0140234