maria josÉ gomes marinheiro - uneb...ficha catalogrÁfica sistema de bibliotecas da uneb contém...

154
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO DEDC/CAMPUS VIII PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA HUMANA E GESTÃO SOCIOAMBIENTAL MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO REMINISCÊNCIA OU RESISTÊNCIA INDÍGENA: UM ESTUDO DO PROCESSO DE AFIRMAÇÃO ÉTNICA DO POVO INDÍGENA TUMBALALÁ/BA Paulo Afonso BA 2012

Upload: others

Post on 30-Jul-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DEDC/CAMPUS VIII

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA HUMANA E

GESTÃO SOCIOAMBIENTAL

MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO

REMINISCÊNCIA OU RESISTÊNCIA INDÍGENA: UM ESTUDO DO PROCESSO DE AFIRMAÇÃO ÉTNICA DO

POVO INDÍGENA TUMBALALÁ/BA

Paulo Afonso – BA

2012

Page 2: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO

REMINISCÊNCIA OU RESISTÊNCIA INDÍGENA: UM ESTUDO DO PROCESSO DE AFIRMAÇÃO ÉTNICA DO

POVO INDÍGENA TUMBALALÁ/BA

Dissertação apresentada ao Programa em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGEcoH) da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, como requisito para a obtenção do título de Mestra em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental. Orientador: Profº. Drº Juracy Marques dos Santos. LINHA DE PESQUISA: Etnoecologia, e Povos Tradicionais.

Paulo Afonso – BA

2012

Page 3: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB

Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou resistência indígena: um estudo do processo de afirmação étnica do povo indígena Tumbalalá, BA/ Maria José Gomes Marinheiro. – Paulo Afonso, 2012. 153f; il. Orientador: Prof. Dr. Juracy Marques dos Santos. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus VIII. 2012. Contém referências, anexos e apêndices. 1. Resistência cultural – Tumbalalá (BA). 2. Identidade étnica. 3. Sagrado. 4. Tradição. 5. Território. 6. Conflitos. I. Santos, Juracy Marques dos. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD 305.8

Page 4: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

REMINISCÊNCIA OU RESISTÊNCIA INDÍGENA: UM ESTUDO DO PROCESSO

DE AFIRMAÇÃO ÉTNICA DO POVO INDÍGENA TUMBALALÁ/BA

Profº Drº Juracy Marques dos Santos (Orientador)

Universidade Estadual da Bahia

Profª Drª Maria Cleonice Vergne

Universidade Estadual da Bahia

___________________________________________________________________

Profº Drº Edson Hely Silva

Universidade Federal de Pernambuco

Page 5: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

Dedico esta Dissertação a minha mãe querida, a mulher mais atenciosa na formação dos filhos e filhas. Mulher que está à frente do seu espaço territorial e do tempo, que aos seus 84 anos é resiliente aos problemas do mundo contemporâneo e a todos age com superação as adversidades do mundo globalizado, sem negar a identidade cultural. In Memória, antes do término deste trabalho, foi plantada na Mãe Terra, minha mãe querida.

Page 6: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

AGRADECIMENTOS

Estudar, pesquisar na era do conhecimento é sem dúvida um direito que está na

ordem das políticas públicas, com direito a acesso, permanência e qualificação com

qualidade. Ter conseguido o acesso a Universidade Pública no Curso de Mestrado,

realizar pesquisa, a dissertação tem sido um grande desafio na vida acadêmica,

compartilhar momento ímpar e salutar na vida de uma índia Tumbalalá, que contou

com pessoas sábias e amigas em horas difíceis e prazerosas. Desta corrida no

tempo, em especial: Alzení de Freitas Tomáz que foi e é matéria prima na construção

dos novos saberes que tive a felicidade de ancorar e edificar na ascensão

acadêmica no Curso do Mestrado e, sem dúvida nos campos da produção do saber,

conhecer, sentir e organizar para prosseguir na caminhada.

Alzení, Paulo e Rauel que em nenhum momento evidenciaram indiferença à minha

presença constante em seu lar durante dois anos, batendo na porta todos os meses

às 3 horas da manhã e passando uma semana estudante. A vocês meus queridos

minha eterna gratidão. Que o sagrado das águas e das matas mantendo o equilíbrio

da vida, incluindo vocês nos ciclos das boas estações que produzem flores e frutos

numa coleta próspera, na bonança da fartura que faz reproduzir o círculo da vida.

Ao querido professor Juracy Marques que contagia com a sua dedicação, amor,

paixão pelo campo da apropriação do conhecimento com seu sorriso de criança

quando descobre uma aventura ou recebe um brinquedo novo. O seu abraço sincero

que evidencia a reciprocidade da amizade fraterna. O compromisso na formação

sólida das bases teóricas dos conhecimentos acadêmicos e sem dúvida da vida

prática que a escola da vida ensina: na Caatinga, no Raso da Catarina, no Rio São

Francisco, no Cânion, na Aldeia Tumbalalá, nas retomadas dos povos indígenas... A

você meu querido professor, que os Encantos de Luz iluminem todos os seus

caminhos com a bênção do Deus criador deste Planeta Terra, que você tão bem

ama e cuida dele.

Aos meus amados PARENTES Tumbalalá, guerreiros e guerreiras resistentes a

todos os enfrentamentos que transcorreram ao longo dos tempos, com a firmeza e a

Page 7: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

determinação da afirmação étnica que não fraquejou em nenhum momento da luta

dos nossos ancestrais até os dias de hoje. Que o Deus Tupã na cadência do ritmo

da vida, dada pelo sopro do Criador, faça da nossa respiração alimento a contínua

caminhada. Que no renascer de cada um que parte para ser plantado no seio da

Mãe Terra e de outros que venham a Terra Mãe para ser luz que brilha na luta de

uma nova geração, na etnicidade transforma-se na unidade da humanidade da vida

planetária. Seus depoimentos de ensinamentos são saberes tradicionais que fazem

a diferença de um povo milenar num território tradicional.

À minha família, o meu mais eterno agradecimento, nenhuma palavra externaria os

meus sentimentos de pertencimento e cumplicidade, nas horas mais precisas e

necessárias quando do meu distanciamento para vindas às aulas de disciplinas

obrigatórias e opcionais e na pesquisa de campo. Em particular: Terra Catharine,

Antônia, Lourdinha, Ana, Socorro, Cícero, Dona Maria de Lourdes, Ubiraci, Nildo,

Leidiane e Cecilia, presenças marcantes e essenciais na luta de resistência e

fortalecimento da afirmação étnica e territorial do povo Tumbalalá. A todos a minha

mais forte pisada no Toré e o balanço do Maracá na conquista do direito de ver a

demarcação da terra efetivamente consolidada.

Aos meus colegas de trabalho. A flexibilidade e o consenso fazem parte do processo

de luta no fortalecimento para ver a consolidação da democracia. A todos muito

obrigada pela compreensão quando se fez necessária a minha ausência.

A todos os professores do Curso de Mestrado da UNEB Campus VIII. Especialmente

Helena que ao sentir minha ausência no curso telefonava e com carinho cobrava

minha presença. Nos relacionamentos, o mais importante é o que marca. As marcas

possuem duas situações a que não gostaríamos de lembrar... a outra é aquela que

por nada você esquece.

A todos os colegas que juntos convivemos um longo período, construímos espaços

de debates, conhecimentos e diversos saberes, na perspectiva de poder minimizar

os impactos socioambientais e gerir as riquezas naturais do Planeta, pensando na

melhoria da qualidade de vida e sustentabilidade ambiental. Que todos possam fazer

a replicabilidade dos seus projetos de pesquisa em favor da humanidade. Sucesso!

Page 8: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

Gostaria também registrar e agradecer as pessoas que no transcorrer do Curso

estabeleci laços de amizades. Uma delas é Aline, uma pessoa apaixonante pela

pesquisa da Jurema no povo Pankararé.

No transcorrer dos enfrentamentos que desmandam a conquista da Terra e Território

Tradicional tanto do Povo Tumbalalá quanto de outros Povos Indígenas do Nordeste

tive a grata satisfação de conhecer o professor Drº Edson Silva, que me estimulou e

orientou para avançar nos conhecimentos acadêmicos. Ao ser comunicada que

Edson Silva faria parte de minha banca me senti por demais lisonjeada, pois já

conhecia os seus grandes trabalhos realizados juntos aos indígenas do nordeste.

Desta forma, agradeço-lhe pelas excelentes contribuições. Aproveito para agradecer

igualmente a sua companheira Professora Penha que muito me incentivou. A todos,

meu reconhecimento.

Portanto, quero reafirmar meus agradecimentos a Alzení pela sua generosidade

dedicação e conhecimento apropriado dos povos tradicionais em especial os das

margens do Rio São Francisco e pelas inúmeras contribuições (acolhida em sua

casa). As inúmeras idas e voltas da UNEB, pelo prazer de me ensinar e direcionar

encaminhamentos. A disponibilização de material bibliográfico, pela paciência, pelo

carinho e dedicação. Na cobrança do cumprimento do tempo estabelecido para

entrega das minhas atividades, a disponibilização de computadores para execução

dos meus trabalhos. A participação da produção da Cartografia Social na Aldeia

Tumbalalá e outras inúmeras contribuições, que sem elas não teria de fato

consolidado à dissertação. O meu reconhecimento.

Page 9: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

Deus deixou o tronco e o tronco brotou e o tronco deu galho e o galho tem que trabaiá, se o gaio num trabaia ela num vai pra canto nenhum (Dona Benigna, 2012). O tronco tem vida própria, brota com a água das chuvas e dos rios. Tumbalalá não é rama é tronco da Nação Indígena. (Seu Dionísio, 70 anos, liderança Tumbalalá, 2012).

Page 10: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

RESUMO

O povo indígena Tumbalalá, hoje cerca de cinco mil indivíduos, localiza-se na parte Norte do estado da Bahia, e se insere na Bacia hidrográfica do rio São Francisco, na região do Submédio em terras dos municípios de Abaré e Curaçá. Esta região é área de ocupação tradicional de povos indígenas ribeirinhos. Trazendo consigo a consciência da origem indígena, o povo Tumbalalá se afirma com a convicção étnica e uma memória ancestral. Há séculos lutam pelo seu reconhecimento oficial, conquistado somente em novembro de 2001, todavia, não conseguiram ainda a demarcação e homologação do território tradicional como reivindicado. Essa discussão é pauta de várias ações no campo jurídico-formal. O território Tumbalalá, é foco histórico de interesses hegemônicos, desde os processos de colonização até à contemporaneidade, onde inúmeras ameaças e interferências no território étnico são destacadas, a saber: as construções das barragens de Sobradinho, Itaparica, a Transposição do rio São Francisco, reassentamentos de famílias atingidas em seu território e ameaças de construção de novos barramentos e usinas nucleares. Estes fenômenos de interesse politico e econômico do capital estatal e privado, nega a autoafirmação Tumbalalá e em consequência o seu território tradicional. Para os Tumbalalá sua condição étnica fundamenta-se numa memória ancestral, “etnia de tronco próprio”, “rama do tronco que brota sempre” e “resiste” as abrolhas dos tempos. A etnogênese Tumbalalá é reconstruída pela relação congênita com sua ancestralidade através dos “Encantos de Luz”, (ancestrais que se encontram numa plano espiritual) e que se comunicam com os indígenas através da “ciência do índio”, das suas tradições. Essas relações se consolidam com a força que brotam dos conflitos, uma nascente chamada resistência étnica e nunca ressurgência ou coisa do gênero. Isto os move e os tornam resistentes às violentas formas de opressão. O presente trabalho analisou a Ecologia Humana do povo indígena Tumbalalá, nos aspectos relativos ao processo de afirmação étnica e territorial. Sendo estas tratadas numa elaboração chamada neste trabalho de “Ecologia Tumbalalá”, a partir da epistemologia sobre a Natureza do saber indígena, método pelo qual se pôde problematizar o discurso científico da “reminiscência” e resistência étnicas.

Palavra-chave: Conflitos, Identidade Étnica, Sagrado, Tradição, Território, Resistência.

Page 11: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

ABSTRACT

Indigenous People Tumbalalá, currently about five thousand people, are located in the northern part of Bahia state, and are inserted in the watershed of São Francisco river, in Submédio region on the lands of Abaré and Curaçá cities. This region is the traditional occupied area of indigenous riparian people. Bringing the consciouness of indigene origins, Tumbalalá people states with ethnic conviction and ancestral memory that for centuries they fight for their official recognition, although they only acquired those rights in November 2001, even though they have not yet obtained the demarcation and probation of the tradition territory as claimed. This discussion is the subject of various actions in the legal-formal field. The Tumbalalá territory is historical focus of hegemonic interests, since the colonization processes, until the contemporaneity, where numerous threats and interferences in the ethnic field can be highlighted, such as: the building of the dams of Sobradinho and Itaparica, São Francisco river transposition, resettlement of affected families in their territories and the threat of building new dams and nuclear power plants. These phenomena of political and economic interests of the state and private capital, deny the self-assertion of Tumbalalá and therefore their traditional territory. For Tumbalalá their ethnic condition is based on an ancestral memory, "indigenes of a legitimate offspring" and "resist" the difficulties of time. The ethnogenesis Tumbalalá is reconstructed by congenital relationship with his ancestry through the "charms of light" (ancestors who are in a spiritual plane), which communicates with the natives through the "science of the indigenes", of their traditions. These relationships are consolidated with the strength that springs from conflicts, a spring called ethnic resistance but never resurgence or something else. This moves them and makes them resistant to violent forms of oppression. This study analyzed the Human Ecology of indigenous people Tumbalalá, in aspects related to the process of ethnic and territorial affirmation. These being treated in a formulation called in this work by "Tumbalalá Ecology", an epistemology about the nature of indigenous knowledge, method by which one might question the scientific discourse of the "reminiscence" and ethnic resistance.

Keyword: Conflict, Ethnic Identity, Sacred, Tradition, Territory, Resistance.

Page 12: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1: Povo Tumbalalá na oficina de construção da sua Cartografia Social, na área

de Retomada de seu território em março de 2008 (NECTAS, 2008) ......................... 15

Foto 2: Maria Tumbalalá - liderança Tumbalalá ao microfone, em Assembléia com

meu Povo na Escola do Pambu em Novembro de 2008 (MARINHEIRO, 2008) ....... 24

Foto 3: Pesquisadora Participante à direita, Maria Marinheiro entrevista lideranças na

área de Retomada do território Tumbalalá em Janeiro de 2012 (MARINHEIRO, 2012)

.................................................................................................................................. 27

Foto 4: Assembléia na área da Retomada Tumbalalá, Aldeamento Palestina –

Oficina da Cartografia Social em março de 2008 (NECTAS, 2008) .......................... 28

Foto 5: Toré na Assembléia Tumbalaláque discute sobre impactos da transposição e

barragens. Local: na Escola do Pambu em novembro de 2011 (TOMÁZ, 2011) ....... 30

Foto 6: Igreja de Santo Antônio do Pambú (Século XVII), centro da antiga missão

(TOMÁZ, 2010) ......................................................................................................... 36

Foto 7: Cacique Bidu Tuxá de Rodelas janeiro de 2012 na Aldeia Tuxá (a esquerda)

(NILMA, 2012) e Cacique Cícero a direita no centro na Retomada Tumbalalá em

novembro de 2008 (TOMÁZ, 2008). .......................................................................... 42

Foto 8: Ritual do Toré do povo Tumbalalá no Acampamento de Retomada em

novembro de 2010 (NECTAS, 2010) ......................................................................... 46

Foto 9: Ritual no Acampamento da Retomada Tumbalalá em janeiro de 2008

(NECTAS, 2008) ........................................................................................................ 48

Foto 10: Pedra da Letra - Aldeia do Povo Tumbalalá localizado fora do território

demarcado (NECTAS, 2008) ..................................................................................... 52

Foto 11: Elementos do Ritual Tumbalalá (Kuaqui, Cataioba, Maracá, Pujá, Vinho da

Jurema, Toantes) na Missão Velha no Toré em janeiro de 2012 (MARINHEIRO,

2012) ......................................................................................................................... 55

Foto 12: Povo Tumbalalá na luta contra a Transposição do rio São Francisco em

Sobradinho, na greve de fome do Frei Luiz Cappio contra a construção do projeto de

transposição em 2007 (ZINCLAR, 2007) .................................................................. 56

Foto 13: Vista de embarcação Tumbalalá no São Francisco na travessia do Povoado

Pambu para o território Truká na Ilha de Assunção - Pernambuco (TOMÁZ, 2010) . 59

Foto 14: Barragem de Sobradinho (TOMÁZ, 2008). ................................................. 61

Foto 15: Barragem de Itaparica ou Luiz Gonzaga (Chesf) ........................................ 61

Foto 16: Dom Luiz Cappio em sua segunda greve de fome na cidade de Sobradinho

em 2007 (ZINCLAR, 2007) ........................................................................................ 62

Foto 17: Canal do Eixo Norte da Transposição na altura do Serrote do Gorgonha em

território Tumbalalá (ZINCLAR, 2011) ....................................................................... 68

Foto 18: Vista do território Tumbalalá do Morro do Gorgonho em território Truká,

inicio das primeiras obras da Transposição (TOMÁZ, junho de 2007) ...................... 71

Foto 19: Fala de seu Antônio de Lourenço, liderança Tumbalalá, na ocupação do

Page 13: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

canteiro de obras da Transposição no Eixo Norte, em território reivindicado pelo povo

Truká em 2007 (foto de ZINCLAR, 2007). ................................................................. 73

Foto 20: Ocupação no canteiro de obras da Transposição (ZINCLAR, julho de 2007.

Cabrobó - PE) ........................................................................................................... 74

Foto 21: Despejo judicial no canteiro de obras (ZINCLAR, julho de 2007. Cabrobó -

PE) ............................................................................................................................ 74

Foto 22: Retomada do Povo Tumbalalá na Fazenda Palestina para retomar o

território tradicional em agosto de 2007 (MARINHEIRO, 2007) ................................ 75

Foto 23: Cruzeiro da Retomada Truká em Cabrobó – PE (esquerda) e Tumbalalá no

Aldeamento Palestina, Curaçá – BA (direita) (TOMÁZ, 2007) ................................... 76

Foto 24: Dona Maria de Lourdes Gomes, liderança conhecedora do processo

histórico e religioso do povo Tumbalalá – 84 anos. (TOMAZ, 2012) ......................... 90

Foto 25: Índios Tumbalalá na preparação para o ritual na aldeia Palestina na área da

retomada em 2012 (TOMÁZ, 2012) .......................................................................... 98

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Demonstração do número de entrevistados por gênero (2012) ................ 89

Gráfico 2: Distribuição de lideranças por gênero e função (2012) ............................. 91

Gráfico 3: Sentimento sobre o pertencimento à aldeia e a afirmação étnica (2012) . 96

LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Halfeld - Rio de Janeiro : [Typ. Moderna de Georges Bertrand], 1860. ....... 38

Mapa 2: Etnomapa do povo Tumbalalá – aldeamentos e afluentes do Rio São

Francisco (NECTAS, 2008) ....................................................................................... 53

Mapa 3: Projeto Pedra Branca: a linha preta divide as agrovilas à esquerda fora do

TI delimitado e as agrovilas a direito dentro do TI delimitado pela FUNAI

(CODEVASF, 2009) ) ................................................................................................. 66

Mapa 4: Mapa publicado no DUO em 02 de Junho de 2009 (fonte: Diário Oficial da

União). ....................................................................................................................... 78

Mapa 5: Construção da Nova Cartografia Social do Povo Tumbalalá (2009) ............ 79

Mapa 6: Local de implantação das barragens propostas para o São Francisco

(Chesf, 2009) ............................................................................................................. 82

Mapa 7: local de construção da Barragem de Pedra Branca (Chesf, 2009).............. 83

Mapa 8: Etnomapa Tumbalalá – Cartografia Social (NECTAS, 2008) ..................... 105

LISTA DE TABELA

Tabela 1: Tipologia de conflitos socioambientais no Território Tumbalalá ................ 103

Page 14: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Troncos genealógicos a partir das famílias que cuidam hoje da tradição

Tumbalalá (2012) ...................................................................................................... 99

Figura 2: Linha de tempo dos conflitos emergentes mais evidenciados no território

Tumbalalá ................................................................................................................ 100

Page 15: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

LISTA DE SIGLAS

AATR – ASSOCIAÇÃO DE ADVOGADOS DE TRABAHADORES RURAIS DO

ESTADO DA BAHIA

BA – BAHIA

CHESF – COMPANHIA HIDRELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO

CODEVASF – COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DOS SÃO

FRANCISCO

CIMI – CONSELHO INDÍGINISTA MISSIONÁRIO

CPP – CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES

CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

DUO – DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

FUNAI – FUNADAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO

FUNASA – FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE

OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

PE – PERNAMBUCO

Page 16: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15

A) Metodologia .............................................................................................................. 23

CAPÍTULO I: ............................................................................................................. 30

AFIRMAÇÃO ÉTNICA E TERRITORIAL DO POVO ÍNDIGENA TUMBALALÁ ......... 30

1.1. A Etnoecologia Tumbalalá: reminicência ou resistência? ....................................... 30

CAPÍTULO II: ............................................................................................................ 44

O SAGRADO DO POVO TUMBALALÁ NO RITUAL DO TORÉ ................................ 44

2.1. A Identidade Étncia e Cultural .................................................................................... 44

2.2. O Ritual Sagrado do Toré .......................................................................................... 47

2.3. A Jurema, Árvore e Vinho Sagrado ............................................................................ 48

2.4. O Rio São Francisco: Fonte de Vida ......................................................................... 51

CAPITULO III ............................................................................................................ 56

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO TERRITÓRIO TUMBALALÁ ........................ 56

3.1. Os Conflitos e os Grandes Projetos ........................................................................... 56

3.2. Os Impactos da Transposição no Rio São Francisco e no Território Tumbalalá ......... 68

3.3. A Retomada do Território Tradicional ......................................................................... 74

4. DO TRONCO AO GALHO TUMBALALÁ ............................................................... 85

4.1. O levantar da aldeia .................................................................................................. 85

4.2. O Etnônimo Tumbalalá .............................................................................................. 92

4.3. Autoafirmação e o sentimento de pertencimento ....................................................... 95

4.4. A garantia do território e a luta Tumbalalá ................................................................ 100

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 108

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 111

APÉNDICE: Questionário de Pesquisa – Povo Tumbalalá ..................................... 118

ANEXO A: Parecer da FUNAI sobre identificação do Território ............................... 119

ANEXO B: Nota Técnica sobre o processo de delimitação do Território Tumbalalá 120

ANEXO C: Publicação do Diário Oficial da União sobre delimitação do território

Tumbalalá ................................................................................................................ 133

ANEXO D: Mapeamento sobre conflitos socioambientais na Bacia do São Francisco

onde refere-se a Etnia Tumbalalá ........................................................................... 138

ANEXO E: Carta final do seminário do povo Tumbalalá sobre as barragens de Pedra

Branca e Riacho Seco e a regularização do nosso Território tradicional ................. 139

ANEXO F: Carta de Sobradinho .............................................................................. 140

Page 17: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

ANEXO G: Carta ao Povo do Nordeste 30-11-2007 ................................................ 143

ANEXO H: Publicação da Nova Cartografia Social do Povo Tumbalalá ................. 146

Page 18: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

15

INTRODUÇÃO

O povo indígena Tumbalalá, habita na região do Submédio São Francisco no Norte

do Estado da Bahia em terras que abrange os municípios de Abaré e Curaçá. Essa

região é considerada historicamente, como área de ocupação tradicional de povos

indígenas, cuja classificação e identidades são apresentadas em muitos estudos

(ANDRADE, 2002; MOTA, 2009; ALMEIDA & SILVA, 2003; REGNI, 1983; BATISTA,

2001; TOMÁZ & MARQUES, 2011), destacando-se desses espaços a Aldeia do

Pambu, referência de morada e vivência do povo Tumbalalá, hoje formada por cerca

de 1.160 famílias, segundo dados da FUNASA1 (2010).

Foto 1: Povo Tumbalalá na oficina de construção da sua Cartografia Social, na área de Retomada de seu território em março de 2008 (NECTAS, 2008)

1Disponível em: < http://www.anai.org.br/povos_ba.asp>. Acessado em 14 de março de 2012.

Page 19: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

16

O povo Tumbalalá traz consigo a consciência da origem indígena e se autodefine

como índios Tumbalalá, cujo significado foi revelado a um Encanto: “Índio de um

povo guerreiro que passa por gerações2”. A história deste Povo é marcada pela

resistência e pela sua autoafirmação, na superação de todas as formas de opressão

colonizadora e neocolonizadora impostas aos povos indígenas no Nordeste.

O povo indígena Tumbalalá somente fora reconhecido oficialmente pelos órgãos

estatais em novembro de 20013, muito embora os índios já afirmassem sua condição

étnica há séculos. Todavia, esta condição identitária é colocada em questão, na

medida em que se encontra em um ambiente ameaçado por grandes projetos de

interesses econômicos e políticos, como a construção de velhas e novas barragens

hidrelétricas, instalação de reassentamentos de atingidos por barragens. E, além

disso principalmente, da instalação do projeto da Transposição do rio São Francisco

em seu território tradicional e, mais recentemente, a ameaça de construção de uma

usina nuclear, nas territorialidades franciscanas que os inclui, o que vem

sistematicamente, impossibilitando a sua demarcação territorial do povo Tumbalalá.

O processo de afirmação identitária dos povos indígenas tem sido considerado como

um fenômeno de “emergência étnica4”, no momento da História em que o território

aparece em disputa, fruto dos interesses históricos do poder dominante, que

questiona a autodeterminação dos povos, pois afirmam que os indígenas vivem

“processos de aculturação5”, forjado desde as missões jesuítas e estabelecidos com

a colonização europeia, permanecendo até os dias atuais.

2 Etnômino dado pelos um Encanto (Cícero Tumbalalá, 2012).

3 A partir do Laudo Antropológico intitulado “Os Tumbalalá – aqui é tronco da Aldeia e não uma rama

dos Truká – Análise do processo de constituição da identidade indígena dos aldeados do Pambu” realizado pela antropóloga Mércia Rejane Rangel Batista em Junho de 2000 e concluído em Fevereiro de 2001, foi aprovado e emitido Parecer da FUNAI favorável ao Reconhecimento Oficial promulgado em Agosto de 2001 (ver anexo). 4 Desta forma a emergência de várias identidades atualiza o problema das territorialidades

específicas, convocando os representantes dos aparatos de Estado a mudar o próprio conhecimento, quando este for marcado pela prática de reprodução das noções ligadas a uma espécie de “darwinismo social” (ALMEIDA, 2006, p. 9-28), promovendo o divórcio entre políticas governamentais e demandas das comunidades étnicas, ratificando uma ausência de política de identidade que contemple a diversidade (ALMEIDA et al 2008, p. 54). . 5 O termo aculturação, no sentido de negação da cultura que “se mistura”, é um grande equívoco

percebido ao longo da História. A cultura é algo dinâmico e não está sendo pensada aqui dentro de uma lógica essencialista e cristalizada.

Page 20: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

17

Mas, essa interferência de poder no cerne do comportamento sociocultural dos

indígenas não lhes retirou a capacidade étnica e ética de autodefinição, como infere

o Cacique Cícero Tumbalalá (2012) ao dizer que “É uma humilhação ter que chegar

um branco de fora pra dizer se a gente é índio ou não, porque a nossa identificação

está na nossa cultura, nós é que temos de dizer que somos índios e não eles”. Esta

fala emblemática é o retrato do constrangimento do povo Tumbalalá que em suas

mobilizações buscaram, como forma de resistência, provar a sua condição étnica por

causa dos interesses economicistas de setores privados e estatais. A afirmação

identitária e territorial dos Tumbalalá acontece no meio de grandes momentos de

conflitos e se tornou uma estratégia política do grupo nas mobilizações por seus

direitos.

A identificação étnica afirmada em momentos de resistência e luta pelas

territorialidades tradicionais na Bacia do São Francisco, traduz o espírito dessa

pesquisa junto ao povo Tumbalalá. Trata-se de uma etnografia construída por um

membro desta etnia que, ao tempo em que tentou historicizar o processo de

afirmação étnica dos indígenas Tumbalalá, problematizou conceitos de território e

identidade étnica, a partir de perspectivas da Ecologia Humana. Assim também

buscou evidenciar se esta condição se trata de um processo de resistência indígena

ou de uma reminiscência cultural.

Alfredo Wagner (2008, p, 68) analisou que “a autoconsciência cultural denota uma

percepção política que alarga os tipos de reconhecimento dos indígenas para além

das identidades regionais, para além das oposições usuais”. Comumente, o Povo

Tumbalalá vem resistindo ao estigma do “emergente” de sua condição étnica que

mantém viva a tradição dos costumes, cultura e crenças e a autodefinição,

mantenedora de movimentos políticos organizativos para conquistarem e efetivarem

os direitos quanto ao autorreconhecimento e a sua territorialidade.

Em dezembro de 2001 a FUNAI incluiu os Tumbalalá no quadro das comunidades indígenas reconhecidas e assistidas pelo Estado brasileiro. O reconhecimento oficial ocorreu após uma mobilização iniciada em meados de 1998 e direcionada para a adoção de projetos de articulação coletiva que gravitavam em torno de uma história, destino e origem comuns para as pessoas que formam hoje uma comunidade com fronteiras sociais em processo e ainda sem

Page 21: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

18

território demarcado. Habitando o sertão de Pambú, uma área na margem baiana do Sub-Médio São Francisco ocupada no passado por várias missões indígenas e alvo de criação extensiva de gado bovino durante os séculos XVII, XVIII e XIX, os Tumbalalá estão historicamente ligados a uma extensa rede indígena de comunicação interétnica, sendo, assim, parte e produto de relações regionais de trocas rituais e políticas que sustentam sua etnogênese no plano das identidades indígenas emergentes e os colocam no domínio etnográfico dos índios do Nordeste brasileiro (MAIA, 2003).

Mesmo assim, os Tumbalalá ainda não conseguiram a demarcação e homologação

do território tradicional como reivindicam, fato em que conduziram os indígenas a

realizarem uma intensa mobilização para conseguirem acessar os mecanismos

jurídicos e garantir efetivação dos direitos ao território, ainda em processo. Para

tanto, estudos antropológicos foram realizados neste mesmo período pela

antropóloga Mércia Rejane Rangel Batista, que em meio a uma série de conflitos

entre posseiros, foi impedida num primeiro momento de concluir o Laudo

Antropológico Tumbalalá. Destarte, foi necessária a presença da Polícia Federal

para que a equipe de estudos pudesse completar uma etapa da construção deste

relatório circunstanciado apresentado a Presidência da República em 07 de

Dezembro de 2001. Ainda sendo os estudos considerados insuficientes, os índios

conseguiram que o Governo Federal, apresentasse através da Portaria6 de 26 de

março de 2003, a conclusão do Relatório Circunstanciado da Identificação e

Delimitação da Terra Indígena Tumbalalá, publicado em meados de 2005.

Pela historiografia, segundo a antropóloga Batista (2005), não é possível determinar

os antecedentes do povo indígena Tumbalalá, mas, é possível encontrar inúmeros

registros que discorrem sobre os nativos que sempre viveram neste território. As

narrativas orais discorrem da ligação com os chamados troncos velhos da aldeia e o

lugar no qual este tronco viveu remete à sua condição indígena. É num singular

referimento das ligações de parentescos, numa ligação genealógica, que vai se

definindo a extensão territorial das terras tradicionalmente ocupadas pelas famílias

indígenas Tumbalalá. Ressalta-se que, em virtude das conquistas no campo jurídico-

formal, a ambicionada materialidade que prove a “autenticidade/existência” de um

6 Portaria FUNAI nº 195, de 26/03/2003 – Constitui GT com o objetivo de realizar trabalhos de

Identificação e Delimitação da Terra Indígena Tumbalalá e realizar estudos de levantamento prévio da Terra Indígena Atikum, nos municípios de Abaré e Curaçá – BA. (DUO - p. 22)

Page 22: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

19

povo, no caso dos Tumbalalá, vai numa mão contrária ao que preconiza

instrumentos jurídicos como a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Um encanto declarou que Pambu era aldeia. Exigiu que o povo de Pambu começasse a dançar o Toré [...] Os velhos resolveram assentar um cruzeiro em São Miguel, depois em Missão Velha. O cruzeirinho de São Miguel vem dos velho [...] O Toré é uma dança. Só encosta os espíritos da descendência. Quem possui sangue de índio não tem jeito, tem que dançar Toré [...] Os espíritos de descendência chamam. Adoecem o sujeito e ele só cura se for ao Toré. Todo mundo precisa que trabalhar pela descendência dos antigos. Sem a descendência o índio não é nada. (LOPES, 2000, p. 170).

É a partir da análise sobre o lugar das relações etnoecológicas, socioculturais e

religiosas, e, em meio aos grandes conflitos enfrentados pelos Tumbalalá desde

períodos coloniais até a contemporaneidade, que as ações de autodeterminação

étnica são elementos vitais na busca pelos direitos. Em meios às contradições, uma

memória ancestral perpassada a história com a força dos Encantados de Luz

invocados na tradição e no sentimento de pertencimento comum na etnia Tumbalalá.

Barth (2005, p. 19) pronunciou que “Não se pode conceber que o compartilhamento

de uma mesma cultura em se tratando de um grupo étnico deva ser visto como

ponto central da união”. Todavia, na observação participante, em relação aos

Tumbalalá, constatamos que a unidade grupal é acentuada na comunhão étnica de

suas crenças, mas, também, na solidariedade e nos processos políticos

organizativos que despertam a capacidade de um movimento social étnico. A

pesquisa se estabeleceu pela linha de que o fortalecimento étnico e territorial do

povo Tumbalalá ocorreu pela perspectiva da resistência e não da

emergência/ressurgência étnica, conhecida como etnogênese.

A importância dos elementos étnicos, a identidade e a territorialidade são

ponderadas através de dinâmicas históricas e de processos políticos organizativos

bastante conflituosos. É assim, que se configura a história pelo reconhecimento

étnico do povo Tumbalalá. Passados centenas de anos, a mobilização indígena hoje

é determinada pela resistência no processo de retomada do território para garantir

que a delimitação seja concretiza e a desintrusão de posseiros possa ser resolvidas.

Page 23: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

20

Etnologicamente, os Tumbalalá estiveram envolvidos em contextos sociais, políticos,

econômicos com os seguimentos não-indígenas há séculos (BATISTA, 2005). Em

virtude desse contexto, considerado a herança colonial estabelecida na Bacia do

São Francisco, os indígenas no Nordeste brasileiro vêm sendo corriqueiramente

questionados na sua condição étnica.

Desde os antigos aldeamentos apresentados nos escritos históricos do Século XVI e

XIX apontam para o paradigma da assimilação cultural dos povos indígenas e de

sua substantivação cultural. As perdas, o desaparecimento e a invisibilidade dos

povos indígenas no Nordeste ao longo dos séculos têm como implicativo sua

etnicidade, instituto jurídico determinante para garantir o reconhecimento e a

demarcação de terras, uma vez que os indígenas quando interpretados como “índios

não originais”, seriam apenas “remanescentes”, “restos do que sobrou”.

Terminologias, não aceitas pelo movimento indígena.

Até parece que a gente morreu e ressuscitou, que somos os restos. Nós não morremos! Até nossos ancestrais quando vão embora vivem em nós. Não é possível inventar que somos índios! Com tanta discriminação, quem vai se julgar aquilo que é sem ser? Ser índio não é fácil. É carregar o peso do passado. É escutar alguém sempre chegando e dizendo que não somos mais índios, porque somos misturados. Já imaginou alguém duvidar que você é você? Nós povos indígenas do Nordeste vivenciamos isso todo tempo. (Sandro Hawaty, liderança Tuxá, 2012).

A resistência indígena no São Francisco consiste na determinação identitária, na

mobilização pelo território, na prática cultural, social, politica, ética e epistêmica dos

quais são envolvidos em termos de descolonização e transformações do

conhecimento. As histórias de extermínios, servidão, escravidão aos quais os povos

indígenas assim, como as comunidades tradicionais foram submetidas, tem

consequências hoje, nas mobilizações de resistência. Ao mesmo tempo em que se

assiste a um processo de subjugação social e de concentração de poder em face ao

domínio econômico da terra, Natureza e todos os ecossistemas, elementos entre os

quais, os povos indígenas vivenciam sua cultura. Outro fator agravante dessas lutas

é o processo de criminalização de lideranças indígenas.

Page 24: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

21

O ser extremamente valoroso consiste na relação sistêmica entre os quais os povos

indígenas instituem sua ecologia, natureza determinante da identidade calcada

numa memória. A relação com a Natureza e tudo que há nela, situa um jeito de lidar

com estes de uma forma especial. Pode-se observar uma ecologia da paisagem,

social, subjetiva, uma ecologia humana, camponesa ou urbana, e, ainda uma

ecologia econômica, política, biológica (BLAIKIE, 1985; BLAIKIE & BROOKFIELD,

1987; GUATARRY, 1990; MARQUES, J., 2008; MARQUES, J. W., 2010,

KORMONDY 2002). Ou seja, a resistência do nosso povo, pode ser traduzida como

a “Ecologia Tumbalalá”.

Trata-se de um povo indígena com forte relação ambiental com o rio São Francisco

que nasce na Serra da Canastra no Estado de Minas Gerais, possui várias

denominações que se pode destacar: rio da Unidade Nacional, rio da integração

Nacional, Velho Chico ou Rio Opará, como é chamado pelos povos Indígenas no

Nordeste, que significa Rio – Mar. Os povos no São Francisco resistem no tempo e

no espaço aos planos dos colonizadores e das inúmeras missões que se infiltraram

de forma opressiva nas aldeias no Nordeste, para mudar hábitos e costumes e

culturas milenares de tantas etnias que viveram em seus territórios tradicionais.

O povo indígena Tumbalalá, assim com os povos no Nordeste, permanece

resistente. Assim, como as correntezas das águas do Opará em busca do mar, os

indígenas persistem em busca de seu destino; o direito do que lhe é justo. Com o

sentimento do rio, a memória do ser se faz ser na memória das próprias águas do

São Francisco, que desde os tempos coloniais até os dias atuais, sofre as

desventuras de uma modelo de desenvolvimento econômico predador e ganancioso.

O gado trazido pelas caravelas multiplicou-se com rapidez. Garcia d`Ávila, penetrando o Rio São Francisco em carreiras contra os selvagens, lobricou as vantagens de aproveitar os vargeados e carnaubais para o desenvolvimento da pecuária no vale. [...] Por ocasião da descoberta do ouro e o desenvolvimento da mineração no século XVIII já o Vale do São Francisco se achava repleto de gado, com várias velas florescentes e aldeamentos protetores instalados para reduzir os silviculas.(sic) (ROCHA, 1983, p. 14-15).

Page 25: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

22

Os termos selvagens e silvícolas referem-se ao modo pejorativo como os europeus

desde o período colonial vêm tratando os indígenas, apresentando-os como

inferiores e ignorantes. Termina que está gizada a posição dominante na literatura

brasileira acerca da qualificação jurídica do silvícola não adaptado como portador de

desenvolvimento mental incompleto. Naturalmente, este desenho das relações

interpessoais são heranças etnocêntricas7, europeia e colonialista, consistente no

mito da “superioridade do homem branco”.

A marca colonial de ocupação dos missioneiros e os interesses pela extração dos

recursos naturais, bem como de ocupação dos territórios étnicos, como forma de

escravização, remete a uma compreensão histórica da violência com que os

dominantes percorreram os aldeamentos nas inúmeras ilhas do São Francisco.

Como se não bastassem todas as agressões históricas sofridas, a realidade

indígena na Bacia do São Francisco tem vivenciado, nas últimas décadas, um

processo de aceleração de impactos ambientais, territoriais e identitários violentos.

Atropelados por grandes projetos, os indígenas são atingidos não só pelas destrezas

dos impactos ambientais, mas, social, político, econômico, cultural, psicológico,

simbólico e territorial.

Os povos indígenas, milhares de pessoas que vivem embaixo das lonas pretas à beira de estradas aguardando que o Governo Federal demarque as suas terras e lhes assegure assistência digna, saneamento básico, água potável, ficaria mais bem protegido do frio, calor e das chuvas com o acampamento do Presidente da República e dos seus associados. [...] Para saciar a ganância dos associados e convivas, o Presidente da Republica utilizou-se de um expediente no mínimo ante democrático, na Câmara dos Deputados, para alterar a legislação e facilitar a continuidade das obras da Transposição das águas do Rio São Francisco (LIEBGOTT, 2009).

A busca da identificação, fortalecimento e demarcação das terras dos povos que

habitam as margens do Rio São Francisco, nos seus territórios tradicionais, é uma

7 O etnocentrismo, segundo DUROZOI & ROUSSEL (Dicionário de Filosofia. Campinas: Papirus,

1993, p. 171), com apoio em LÉVI-STRAUSS, é o “termo empregado (...) para designar a atitude que repudia `as formas culturais (morais, religiosas, sociais, estéticas) que são as mais afastadas daquelas às quais nos identificamos´”, revelando-se perigoso quando “chega a negar o direito do outro à diferença: resulta então no racismo, no genocídio (...) e no etnocídio (destruição da identidade cultural de um grupo étnico)”.

Page 26: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

23

meta prioritária das etnias. Estas que ainda estão no processo de demarcação das

suas terras, a exemplo dos Xakriabá/Xacriabá, Kaxixó, Pataxó, Atikum, Fulniô,

Kambiwá, Pankararu, Pipipã, Tuxá, Truká, Xucuru, Pankará, Kantaruré, Tupan, Kiriri,

Pankararé, Pankaru, Tuxá, Xukuru, Atikum, Geripankó, Kalankó, Karapotó,

Kariri/Xokó, Karuazu, Tingui-Botó, Aconã, Katokim, Koiupanká, Wassu-Kokal, Xokó,

Xocó Guará, Kaxagó e Tumbalalá. Para viverem com respeito e dignidade

merecidos, trabalhando para a manutenção da vida do Rio Opará, indígenas,

comunidades quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, comunidades de

fundo de pasto, catingueiros e outros, se mobilizam na resistência contra o drama

das transformações etnosocioambientais impostas.

A história dos povos indígenas e, portanto, seus processos de resistência, levaram a

conquista do direito da autoidentificação como consta na Convenção 169 da OIT

(Organização Internacional do Trabalho) e na Constituição Federal Brasileira de

1988. Entretanto, a necessidade de reconhecimento “legal”, “oficial” por parte do

governo brasileiro, é uma condição que nega esta conquista.

Este estudo percorre, pois, discussões em torno do debate das mobilizações dos

povos indígenas na Bacia do São Francisco, destacando-se a organização do povo

Tumbalalá, do qual faço parte. Nas páginas seguintes, questiona-se reduzir esses

processos político-organizativos e identitários como etnogênese e o situa, no campo

dos conflitos onde são forjadas as identidades, ou seja, das mobilizações e

resistência étnico-territorial.

A) Metodologia

O presente trabalho analisou a Ecologia Humana do Povo Indígena Tumbalalá,

particularmente os aspectos relativos a seu processo de afirmação étnico- territorial.

Por ser integrante do meu povo Tumbalalá, ao tempo em que minha pesquisa era

marcada por uma abordagem ética (interpretação de um pesquisador “externo” ao

grupo), minhas reflexões sobre os dados analisados, tinham forte dimensão êmica

(interpretação do sentido expresso pelo próprio grupo). Trata-se de produções

etnográficas onde os sujeitos da pesquisa analisam sua própria história. Esta linha

Page 27: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

24

antropológica é fortemente defendida por diversos pesquisadores (WAGNER, 2006;

SANTOS, 2010; PACHECO, 2004, etc.).

Trata-se de uma “terceira” Antropologia (a primeira: narrativa dos colonizadores

sobre os povos das Américas; a segunda: pesquisadores formados em grandes

centros acadêmicos que interpretam os povos tradicionais das Américas; e esta

agora: os próprios povos interpretando sua própria história). É nesta última que situo

meu estudo.

Foto 2: Maria Tumbalalá - liderança Tumbalalá ao microfone, em Assembléia com meu Povo na Escola do Pambu em Novembro de 2008 (MARINHEIRO, 2008)

A memória (corpus8) relacionada ao conhecimento oral é a grande vertente desta

pesquisa, acessada por meio da vivência plena junto ao meu povo. Ou seja, pela

observação participante, por entrevistas abertas, análises de documentos, vídeos e

fotografias. Abrigando, portanto, um conjunto de fatores: os saberes, crenças e

8 O completo repertório de símbolos, conceitos e concepções em relação a natureza (BANDEIRA,

2007).

Page 28: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

25

conflitos, no que tange às categorias conceituais científicas e a realidade de cunho

empírico (a partir das experiências do povo) sendo estas tratadas no que estou

chamando de “Etnoecologia Tumbalalá”.

A noção de “conflito” é o grande paradigma desta pesquisa. A vertente da

identidade étnica e territorial é marcada por esta situacionalidade na qual foram

envolvidos os povos indígenas no Nordeste, desde a colonização, vitimadas por

perseguições, mortes, criminalização, desterritorialização. Coisas que se reelaboram

na contemporaneidade. A categoria de resistência foi, assim, a abordagem que

serviu a esta pesquisa para descrever não o “processo de etnogênese”, como

pregam alguns pesquisadores, mas que a afirmação da nossa identidade e das lutas

pelo território Tumbalalá se estabeleceram no campo do conflito da resistência,

sendo estas inciativas o que manteve viva a Tradição Tumbalalá e com ela o povo.

Isto demonstra o alcance da história não restrita à “história”, mas, a história do povo

que se constitui fazendo-a, está totalmente envolvida.

O esforço que segue é construir a partir da ecologia humana, sendo esta uma

epistemologia que transcende a Ecologia, o desenvolvimento de um método capaz

de problematizar o discurso científico da reminiscência e resistência (práxis9).

Todavia, a pretensão é trazer presente uma memória singular das lideranças

Tumbalalá, pertencentes à “ciência do índio”, a política organizativa do povo, dos

conhecedores da história empírica desde os mais jovens aos mais velhos da Aldeia

Tumbalalá.

Não se trata, portanto, de um saber produzido nos porões das ciências neutras e

objetivas, mas um conhecimento melado de barro, de pés descalços, nus. É,

efetivamente, uma “epistemologia do sul”, como escreveu Boaventura (2010). O

texto desse trabalho é descolonizador. Afina-se, portanto com uma outra perspectiva

de Ciência. Pensa-se que, o avanço do conhecimento científico se comprova,

sobretudo, porque permitiu o advento da crítica e da autocrítica.

Nesse contexto, constituiu um logro que a ciência tenha aceitado a

9 O conjunto de operações práticas através das quais se manifesta a apropriação material da

Natureza (BANDEIRA, 2007).

Page 29: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

26

existência de outras formas de conhecimento, diferentes e prévias, com as quais é preciso dialogar. Desta forma, supera-se o caráter elitista e dominante da ciência moderna, já assinalado, por alguns autores. Pelo anterior, a etnoecologia não somente promove o diálogo de saberes, como a investigação participativa e suas contribuições coadjuvam com a revalorização das culturas indígenas e dos povos camponeses geralmente ignorados, explorados e marginalizados (TOLEDO & BARRERA-BASSOLS, 2009, p. 43 – 4).

O grupo pesquisado é composto por 23 indígenas, sendo 13 mulheres e 10 homens;

neste participaram jovens, adultos e idosos que desenvolvem papéis organizativos

instituídos no grupo Tumbalalá, a saber: lideranças religiosas (Pajé, Conhecedor da

Ciência), lideranças políticas (Caciques, professores indígenas), lideranças jovens e

conhecedores da História. Esses são protagonistas de um saber penetrado na

construção de sua própria historicidade humana.

Os instrumentos básicos utilizados nessa pesquisa para a coleta de dados foram

análise de documentos, aplicação de entrevistas abertas, observação participante e

algumas outras construções etnográficas, tais como vídeos, registros de campo e

fotografias. A observação participante aparece, sobretudo, porque sou pesquisadora-

personagem deste trabalho; parte integrante do grupo estudado e possuo formação

com experiências prática. Lévi Strauss (1975, p.215) vai dizer que “numa ciência,

onde o observador é da mesma natureza que o objeto observado, ele mesmo é uma

parte de sua observação”.

Page 30: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

27

Foto 3: Pesquisadora Participante à direita, Maria Marinheiro entrevista lideranças na área de Retomada do território Tumbalalá em Janeiro de 2012 (MARINHEIRO, 2012)

Os recursos como fotografias, registros audiovisuais proporcionaram representações

de conhecimentos etnográficos que assumem significados múltiplos. Trata-se da

realização de um tipo específico de pesquisa de campo – a Etnografia – da qual os

próprios pesquisados fizeram uso e controlaram o registro de imagens. As visitas de

campo se deram em presenças na retomada Tumbalalá10 nos finais de semana,

visitas às famílias do Pambu, Missão Velha, São Miguel, Maria Preta e Pé de Areias,

além de diálogos com os parentes indígenas da Aldeia Truká e Tuxá. A presença

ocorreu, sobretudo, em períodos que aconteceram as Pajelanças e o Toré, na busca

pelos elementos dos saberes e na relação dialógica com o grupo pesquisado. Esses

momentos simbolizam, também, o ritual sagrado do povo Tumbalalá.

Em reuniões com o Povo Tumbalalá, CIMI – Conselho Indigenista Missionário ,

FUNAI – Fundação Nacional do Índio, FUNASA – Fundação Nacional da Saúde,

NECTAS/UNEB – Núcleo de Estudo e Pesquisa em Povos e Comunidades

Tradicionais e Ações Socioambientais da Universidade do Estado da Bahia, CPT –

Comissão Pastoral da Terra e CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores, foi possível

construir e coletar dados que permeiam um conhecimento etnográfico resultante de

10

Diferentes povos indígenas estão em processo de retomada de seus territórios tradicionais na Bacia do São Francisco, a exemplo dos Tuxá, Truká, Koiupaná, entre outros. Os Tumbalalá estão em retomada reivindicando seu território tradicional desde 2009.

Page 31: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

28

seminários, documentos e mobilizações que debateram pontos cruciais sobre os

principais conflitos, como a Transposição do Rio São Francisco, o projeto de

construção da Barragem da Pedra Branca e Riacho Seco frente ao próprio processo

de demarcação do território tradicional Tumbalalá. Nesta interação, manteve-se

nesta pesquisa, o diálogo permanente com os fascículos da Nova Cartografia Social

dos Povos Indígenas da Bacia do rio São Francisco11 – a Cartografia do povo

Tumbalalá, povo Tuxá, povo Truká, povo Kambiwá, povo Pipipã, povo Pankararu,

povo Xocó e o povo Kariri-Xocó. Estes materiais permitiram subsidiar o presente

trabalho.

Foto 4: Assembléia na área da Retomada Tumbalalá, Aldeamento Palestina – Oficina da Cartografia Social em março de 2008 (NECTAS, 2008)

Os saberes abordados nas falas dos indígenas têm uma predominância do

conhecimento sobre a história do povo Tumbalalá que, em alguma medida, não se

opõe ao saber das ciências. Antes, são portadores de uma vertente etnoecológica

que dialoga como prova ou evidência de questionamentos teóricos validados pelos

métodos científicos. Trata-se, da configuração do discurso coletivo do povo

Tumbalalá que introduz o elemento social e etnográfico envolvidos na investigação.

11

WAGNER, Alfredo (2007-2008); MARQUES, Juracy & TOMÁZ, Alzení (2010;2011).

Page 32: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

29

O conhecimento são saberes portadores de uma significação epistemológica, não

apenas por se tratar de um sentido prático e político, mas, por causa das relações

afetivas e cognitivas, como explicou Boaventura (2009, p. 49) ao alertar que a

“resistência politica deve ter como postulado a resistência epistemológica”. Este

pesquisa é, assim, um texto escrito, endosso, por esta índia que acessou a

Universidade (UNEB) e, a partir dos instrumentos “validados” na pesquisa em

Ecologia Humana, produzindo uma investigação capaz de traduzir, pela via da

memória oral e análise documental, o processo de resistência étnica e territorial do

povo Tumbalalá.

Page 33: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

30

CAPÍTULO I:

AFIRMAÇÃO ÉTNICA E TERRITORIAL DO POVO ÍNDIGENA TUMBALALÁ

A nossa Nação foi índia e quem tirou? Deus não tirou, Deus deu foi força, Deus deu fruto, Deus deixou o TRONCO e o troco brotou, o tronco deu gaia e a gaia tem que trabaiá. Se o gaio não trabaiá não vai pra canto nenhum.

Dona Benigna (82 anos)

1.1. A Etnoecologia Tumbalalá: reminiscência ou resistência?

Foto 5: Toré na Assembléia Tumbalaláque discute sobre impactos da transposição e barragens. Local: na Escola do Pambu em novembro de 2011 (TOMÁZ, 2011)

Ao estudar a história dos povos indígenas no Nordeste, em especial o povo

Tumbalalá, de fato, lhe é tolhido pelo peso do passado, cuja marca é a publicização

de uma literatura de interesses hegemônicos contra indígenas e negros que

buscaram por seus próprios meios alcançar a liberdade e construir seu mundo. Para

tanto, o principal elemento histórico sustentados em nossos escritos são leituras

Page 34: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

31

contadas pelo povo, apoiados pelos elementos intrínsecos da transmissão oral, da

relação com o sagrado, substanciados na tradição Tumbalalá.

Algumas dessas fontes foram auxiliadas pela pesquisa antropológica, muito embora

algumas delas espreitassem escritos pautados por interesses distintos aos dos

povos indígenas, a exemplo do processo de demarcação do território Tumbalalá, os

quais, visivelmente, os interesses dos indígenas são antagônicos aos do governo e

de empresas privadas e terceiros interessados no território tradicional.

O mapeamento da Nova Cartografia Social da Bacia do São Francisco12 apresentou

uma nova metodologia, que reforçou o sentido identitário dos Tumbalalá e pode

pautar o significado do território em meios a interesses opostos, que segue em

discussão no decorrer dessa nossa pesquisa e, ainda, apresenta uma importante

característica, da relação ecossistêmica do povo indígena com a Natureza, em meio

aos conflitos sociais. Para Henri Acselrad (2008):

O mapeamento como a produção de espaço, geografia, lugar e território assim como das identidades políticas mantidas por pessoas que habitam e constituem esses espaços. Mapas são ativos; eles constroem ativamente o conhecimento, exercem poder e podem ser poderosos meios para promover a transformação social (2008, p. 89).

Neste sentido, com bases cartografias e historiográficas construídas pelo povo

Tumbalalá, pode-se perceber uma “Etnoecologia Tumbalalá”, uma epistemologia

ecológica do saber indígena, apontados no método da Etnografia, pelo qual se pôde

problematizar o discurso científico da reminiscência e resistência. Para esta

discussão, a oralidade como mecanismo de construção identitária e fixação territorial

dos Tumbalalá, apresentou, num modo de compreensão, um espaço temporal capaz

de construções históricas válidas. A esta oralidade, apresenta-se um valor

substancializado na memória que vai além da realidade comum, capaz de produzir

consciência étnica.

1212

Veja Cartografia dos Povos Indígenas do Nordeste – Povo Tumbalalá em anexo.

Page 35: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

32

Ao considerar que a consciência humana traduzida pela memória pode se calcar

pela recordação e reminiscência, Morel (2006, p. 18), vai indagar que a memória

abarca um campo muito complexo já que a encontramos no mundo emocional, no

mundo mental e inclusive “nas alturas” do nosso mundo espiritual. Aprofundando

também o entendimento acerca da recordação, como sendo a capacidade que

temos de atrair à consciência presente em algo que estava no passado; algo que de

repente se revela claro e nítido e volta a viver-se de novo. É como se a recordação,

para Morel, nos apresentasse a possibilidade de viver muitas vezes um mesmo

acontecimento, mas sem necessidade de repetir a circunstância, porque é essa a

função psicológica que nos permite refazer o cenário.

Já Souza (1971, p. 53) ao refletir a teoria de Platão sobre reminiscência, vai

considerar que “A memória se faz, todavia mais débil e se dilui mais ainda quando

entramos no terreno espiritual, dentro do indivíduo, desse ser indivisível. Ali, as

recordações são cada vez mais confusas; temos experiências, mas não podemos

precisá-las”. A este tipo de memória, Platão (427-347 a.C) e muitos outros filósofos,

antes e depois, chamaram de "reminiscência".

Esta teoria pressupõe a existência de um saber inato que pode ser recordado. Para

que alguém recorde algo, é necessário que antes tenha aprendido. Aquilo que

recordamos aprendemos numa outra existência, na qual a alma contemplou as

ideias. Platão afirmou, deste modo, que a alma preexiste ao corpo e que antes de

encarnar, tem acesso ao conhecimento, portanto, o conhecimento sobrevive à sua

morte. Disse ainda que a alma, por conseguinte, não constrói as ideias, mas as

encontra porque, mesmo que esquecidas, ali já estavam (SOUZA, 1971, p. 53-54).

Para os indígenas Tumbalalá, a memória é composição sistêmica de um modo de

vida que se substancia na forma e na vivência do ser indígena. A reminiscência

assim, como a recordação estão calcadas no modo de viver numa consciência

indígena e, ainda, na resistência e na sua historicidade,

Somos o que somos, e o que somos é revelado, no jeito da gente viver, no jeito de praticar nossos costumes. Na Jurema, no ritual e em tudo que fazemos, somos índios porque somos. E não é porque existe uma vaga lembrança de quem um dia a gente foi descendente

Page 36: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

33

de algum índio. Nós somos índio é porque somos e acabou. A gente sabe disso por causa da nossa tradição de índio, dos nossos costumes (Cícero Marinheiro, Cacique Tumbalalá, 2012).

Como aparece na fala de Cícero Marinheiro, Cacique do povo Tumbalalá, há um

incômodo a esta classificação dos indígenas como “esta memória do resto” do que

sobrou. A recordação, a reminiscência e as revelações são fenômenos vividos numa

cultura e através dela se estabelece uma consciência político-social-tradicional nos

sujeitos coletivos.

A reminiscência platônica sugere a evolução da alma como aprendizes, que numa

circunstância no mundo inteligível as lembranças ecoam como lapsos de

recordação. Não obstante, não é uma recordação, não tem a força nem o peso do

hábito, não tem a claridade de um sentimento, uma emoção ou uma ideia que

podemos atualizar. Existe, mas é como uma nuvem que, ao querer surpreendê-la,

nos escapa. O exercício da reminiscência exige, além disso, uma certa medida do

tempo, ou ao menos, uma apreciação aproximativa do tempo esgotado a fim de

reaprender objeto procurado, “claras são as recordações e tênue é a reminiscência”

(MOREL, 2006, p. 45).

Os indígenas no nordeste, passados mais de 500 anos, carregam o peso da

estigmatização e homogeneização. Os Tumbalalá refletem que essa subjugação

ocorre por causa de “processos de perseguições e violências culturais decorridas da

colonização que existe até hoje”, o que provocou a miscigenação e aculturação13.

Todavia, o que se pretende dizer é que o povo Tumbalalá, refutando o que diz

Batista (2005, p. 6) e Andrade (2004, p. 64), a emergência étnica não se manifesta

apenas pela necessidade histórico-política, ou na busca pela manutenção do

território ou outras reivindicações. Essencialmente, a “emergência”, ocorre em

função de uma “consciência” de sua condição indígena revelada polos Encantos,

construção pelo qual a ciência pouco dá conta. Acoplado a isto, uma estratégia

política de manutenção desta identidade étnica se estabelece. Algo que é exclusivo

de um povo étnico, os Tumbalalá são marcados por uma resistência,

13

Não se acredita em assimilação e anulação de uma cultura por outras hegemônicas, sem que os sistemas culturais sejam dinâmicos e interacionais.

Page 37: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

34

A emergência étnica do povo Tumbalalá é, ao mesmo tempo, extremamente recente e antiga. O que constitui um dos elementos que se precisa explicitar no relatório. É recente, porque a busca do Estado enquanto aferidor e garantidor de direitos diferenciais (um dos elementos que caracteriza uma situação de etnogênese) de grupos distintos e portadores de uma identidade especifica e construída a partir da crença numa origem e num passado comum, se fez somente ao final da década de 1990, conforme se pode comprovar em um documentos enviado ao Presidente da Funai [...] (BATISTA, 2005, p. 6)

Para os Tumbalalá, sua herança ancestral é traçada não apenas, pelos laços

familiares, sociais, políticos, culturais, mas, sobretudo, por causa de suas veias

étnicas numa condição natural do “Ser” indígena. Essa condição é tecida pelo modo

como os índios se relacionam com as coisas da Natureza e faz dela elementos

primordiais vividos no sagrado, como entende o Cacique: “Praticar e viver nossos

costumes é o que nos faz índios” (Cicero Marinheiro – Cacique, 2012).

A tradição legalista e o forte senso comum sobre o que deve ser um índio

(naturalidade e imemorialidade) têm funcionado como sérios obstáculos à

implementação de avanços teóricos e jurídicos no reconhecimento de povos

indígenas resistentes. As “emergências”, “ressurgimentos”, ou “viagens da volta” são

designações alternativas, cada uma com suas vantagens e desvantagens, para o

que, de forma mais clássica é estabelecida, a Antropologia designa por

etnogêneses,

O termo etnogênese tem sido usado para designar diferentes processos sociais protagonizados pelos grupos étnicos”, apresentando-se “[...] como processo de construção de uma identificação compartilhada, com base em uma tradição cultural preexistente ou construída que possa sustentar a ação coletiva”. (BARTOLOMÉ, 2006, p. 39 e 46).

Conforme João Pacheco de Oliveira (1998, p. 55), tão importante quanto definir o

termo etnogênese é buscar compreender a categoria de grupo étnico. Desse modo,

grupo étnico significaria, a partir da definição dada por Fredrick Barth, “[...] um tipo

organizacional, onde uma sociedade se [utiliza] de diferenças culturais para fabricar

Page 38: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

35

e refabricar sua individualidade diante de outras com que [está] em processo de

interação social permanente”.

O processo de transformação social pelos quais passam os agrupamentos humanos

alude a uma emergência étnica física de um grupo que não obstante, ameaçados

pelos diferentes processos de intervenção politico social, e em termos de definição

identitária, assumem sua condição de índios, como infere o autor:

Em função do reconhecimento de sua condição de índios por parte do organismo competente, um grupo indígena específico recebe do Estado proteção oficial. A forma típica dessa atuação/ presença acarreta o surgimento de determinadas relações econômicas e politicas, que se repetem junto a muitos grupos assistidos igualmente pela FUNAI, apesar de diferenças conteúdos derivadas das diferentes tradições culturais envolvidas. Desse conjunto de regularidades decorre um modo de ser característico de grupos indígenas assistidos pelo órgão tutor, modo de ser que eu poderia chamar de indianidade para distinguir do modo de vida resultante do arbitrário cultural de cada um (Grünewald 2004 apud Oliveira, 1998, p. 173).

Havia uma emergência étnica do reconhecimento dos povos indígenas, uma vez que

apontava formas culturais e práticas identitárias que, na maioria das vezes, teriam

que ser apresentadas para o Estado tutor, de forma que pudessem obter o

reconhecimento da indianidade. Todavia, essa emergência étnica não apenas

prepondera uma lógica emergencial de buscas pelos direitos, necessidades

existenciais, politicas, sociais e territoriais, mas, nesta construção, a condição

indígena é algo vivenciado cotidianamente na historicidade e, sobretudo, na

realidade tradicional com que o povo Tumbalalá está envolvido.

Ao interpelar a liderança Tumbalalá sobre como soube que vivia numa aldeia e como

se sente índios, Dona Benigna (82 anos, da Missão Velha - 2012) inferiu:

Eu tinha 10 ano quando eu comecei a caí. Eu caia no meio da casa ai minha mãe me pegava dizendo que era uma doença que disse que dava na cabeça e caia mais ninguém num acreditava e nesse num acreditar eu num dormia, me balançano, me chamano, me carregano, me carregava pras areia e me mostrava os lugar que era a aldeia [...]

Page 39: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

36

Para famílias Tumbalalá, apoiados em suas crenças, a comunicação com as

experiências do sagrado, ao mesmo tempo em que aponta para uma memória, lhes

remete o encargo do ser indígena, expede a afirmação do lugar de origem e de uma

recuperação histórica. Para isso tudo, há um sentido, a emergência étnica apontar

para uma consciência identitária e territorial resistente.

A afirmação étnica e a demarcação territorial possui a significação de uma

resistência do povo em meio às adversidades. Os Tumbalalá têm-se apropriada

desta resistência contemporânea como paradigma adequado para manutenção da

sua cultura tradicional e como enfrentamento dos conflitos emergenciais, territoriais

que os conduzem para as mobilizações e reivindicações. Ademais, observa-se

ainda, uma propositura a partir das crenças dos indígenas com os seus Encantos,

que nas suas manifestações apresentam revelações dos segredos da natureza

humana desde a cura pessoal até a aparição da “Aldeia” como parte de memória

ancestral.

Foto 6: Igreja de Santo Antônio do Pambu (Século XVII), centro da antiga missão (TOMÁZ, 2010)

Page 40: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

37

Os índios Tumbalalá são sujeitos do processo histórico de períodos marcantes de

mobilizações e resistências que ocorreram no sertão baiano, quando comandado

pelo sistema catequético do catolicismo nas missões Jesuítas. A história contada

pelos índios Tumbalalá faz referência às primeiras tentativas de aldeamento de

pessoas que ocorreu em 1562, quando os Jesuítas já tinham penetrado no Sertão às

margens do São Francisco, obrigando os índios a trabalharem,

As primeiras referências à invasão da atual Ilha de Assunção, então chamada de Ilha Pambú, são dos primeiros anos da década de 70 do século XVII, quando Frei Nantes, deixou de fundar um aldeamento no local para evitar a presença intensa de “proprietários” e do gado. Invasões gradativas da Ilha de Assunção e ilhotas adjacentes aparecem em meados do Século XIX. Um ofício do Diretor da Aldeia de Assunção, datado de 23 de julho de 1857 dirigido ao Diretor Geral dos Índios da Província de Pernambuco, dá notícia de arrendamento realizado sobre parte da ilha grande que vinha causando grande opressão aos índios com perseguição e ameaças de expulsão das terras. O mesmo Diretor faria menção explícita às ilhas e ilhotas como parte do patrimônio da aldeia, solicitando que o Presidente da Província ordenasse à Câmara de Cabrobó fazer a entrega delas aos índios. Apesar das muitas tentativas de tomada do patrimônio do aldeamento por parte dos moradores não indígenas de Cabrobó, há registros até 1870 que comprovam a persistência de índios no arquipélago. Sobre o aldeamento de Santo Antônio do Pambú são poucas as referências históricas. Talvez a mais importante refere-se ao testemunho do Frei Martin de Nantes que descreve o trabalho missionário e refere-se à Missão do Pambu como sendo tapuias cariris, devido à língua comum que falavam (BATISTA, 2001, p.14).

Dona Maria de Lourdes (84 anos, 2010), uma das anciãs Tumbalalá, conta que “O

que os avôs de seus tios diziam, era que antes das missões religiosas já existiam

nesta região do São Francisco vários aglomerados de índios morando em latadas”14.

Hoje nas localidades denominadas Pambu, Missão Velha, São Miguel, Pé da Areia,

Bom Jesus, Bom Passa, Cajueiro, Camaratu, Cruzinha, Escalavrado, Fernandes,

Foice, Ibozinho, Jatobá, Lagoa Vermelha, Mari, Maria Petra, Pau Preto, Pé de Areia,

Pedra Branca, Porto da Vila, Salgado, Teixeira, os nativos da região praticavam os

rituais e várias atividades agrícolas de vazante e de sequeiro ora nas ilhas ou beiras

rio, ora nas caatingas, pés de serra e lagoas marginais de acordo com os ciclos

naturais do Semiárido nordestino.

14

Casas construídas com forquilhas de troncos de madeiras cobertas com palha.

Page 41: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

38

O índio Tumbalalá nunca saiu daqui para outro lugar, tinha medo dos perigos lá fora. Já ouvi falar dos mais velhos que aqui sempre foi lugar de índio. Vivia de barriga cheia, porque tinha de tudo, peixe, tatu, asa branca, camaleão e muitas ervas da mata, hoje já tem mais nada (Seu Januário, 80 anos, liderança Tumbalalá, 2012).

Situar a trajetória do povo Tumbalalá, remete ao ontem e ao hoje bem como às

perspectivas de futuro, numa dialética que em muito se depara com um passado

marcado pela violência do latifúndio e dos processos de dominação catequética. A

questão polêmica trata-se do alcance do olhar capitalista que se deu nos moldes

mais perversos e cruéis, tirando as pessoas dos seus lugares e pondo animais e

pastos, construções como barragens e grandes projetos nos espaços de culturas e

religiosidades do povo Tumbalalá. O território que antes era tão somente ocupado

por índios, plantas silvestres e animais nativos fora substituído por outros nunca

visto.

Mapa 1: Halfeld - Rio de Janeiro : [Typ. Moderna de Georges Bertrand], 1860. (http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/185636, acesso em 05 de janeiro de 2012)

Page 42: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

39

O índio Tumbalalá na relação com a terra, o rio e as matas apresentavam-se num

contexto de convivência plena harmônica com a Natureza que lhe permitia um

profundo aprendizado, sustentáculo de uma vida de conhecimentos e saberes

sagrados, de vivência com os Encantos num ambiente ainda pouco destruído. São

destacados pelos Tumbalalá os conflitos estabelecidos num contexto de colonização

europeia que sobreviveu a longos períodos através da concentração de terra nos

sertões baianos, e que se sustentava na exploração de índios e negros que não

possuíam liberdade e autonomia. “Até a década de 1950 só tinham casas de tijolos

aquelas pessoas consideradas ricas, como Zé Gomes15 na Fazenda do Fernando e

no Pambu, os índios trabalhavam para ele, que tinha grandes extensões de terra,

inclusive engenho” (Cícero Tumbalalá, 2012).

São muitas as histórias contadas pelos mais veio da aldeia. Eu sei que o povo nunca deixou de dançar o Toré, mesmo sendo muitas vezes escondido. Eu quando era pequeno dançava porque via meus pais dançando. Eu vi Odília de Paulo, meu pai João de Silivina, Luiz Rosa, Quezinha, Oronso... Enfrentando o Toré escondido. Era pra os não índio num pesegui (Seu. Luiz Fatum – Pajé da Aldeia Tumbalalá, 2012).

A história do Povo Tumbalalá remete a grande nação dos chamados Tapuias Cariri

que habitavam de um lado e outro do rio São Francisco, situados em inúmeras ilhas.

Confunde-se, pois, que abaixo do rio situava-se os índios rodeleiros e acima os

índios em ilhas como a do Pambu, e que, coincidentemente, havia defronte em

terras hoje baianas, a Aldeia do Pambu. A Ilha do Pambu seria, posteriormente,

considerada Ilha de Assunção ao qual passou a pertencer ao Estado de

Pernambuco, assim, como muitas ilhas povoadas por indígenas. Observemos que

as aldeias do São Francisco eram quase todas nas ilhas, e assim, em território

pernambucano. Mesmo a Missão de Rodelas, sediada em terra firme da Bahia,

incluía os ilhéus da proximidade. (BATISTA, 2001, p. 20).

Para Frei Martinho, a missão de Aracapá, não deveria confinar-se a um circulo fechado. Ao revés disso, deveria constituir-se num foco de irradiação de sua ação apostólica sobre todas as ilhas vizinhas, onde

15

Posseiro que possuía grande latifúndio e mantinha indígenas e negros como serviçais.

Page 43: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

40

viveram outros grupos de índios destinados à catequese. Mais tarde pediu ajuda ao Frei Anastácio, quem se foi estabelecer na Ilha de Pambu, quatro léguas além daquele local(...) É provável, contudo, que tinha sido cedido na Ilha da Vacas, entre Pambu e Aracapá Frei Martinho ficou com as aldeias de Cavalo e de Aracapá, apenas separada da primeira por um braço de rio (REGNI, 1983,p. 11).

Isto comprova a vivência dos indígenas nas várias ilhotas apontadas por Batista em

seus estudos apoiados em Nantes. Considera ainda, que os índios no Sertão do

Nordeste eram chamados de tapuias, em contraposição aos índios do litoral, que

eram denominados tupis, existindo rivalidade entre eles,

Porém, os chamados tapuias não formavam uma etnia, não tinham uma língua comum, não eram um povo, senão muitos. Com o nome de rodelas, era indicado um grupo de índios distintos dos Cariris, que viviam na beira rio São Francisco dos dois lados, nas margens de seus afluentes e nas ilhas, numa área limitada entre Sorobabé e Pambu, na Bahia, Pajeú e Cabrobó em Pernambuco. (BATISTA, 2001, p. 28)

Os relatos apresentados resultados do estudo antropológico realizado por Batista

(2001) evidencia a historicidade, o que impulsionou a construção do laudo

antropológico ao passo que se intensificam lutas de resistência étnica para o

fortalecimento do território tradicional do povo Tumbalalá.

O período que se estabeleceu entre a mobilização pelo reconhecimento do povo

Tumbalalá, fortalece a inter-relação dos grupos que conhece todo processo de

resistência no qual os antepassados viveram e deixaram fortes símbolos. Candau

(2011, p. 110) apontou que, do ponto de vista das relações entre memória e

identidade, a maneira pela qual esse pensamento se organiza, situa-se na

memoridade. Neste sentido, os troncos velhos Tumbalalá, são referências históricas

de determinação identitária e étnica, como infere a liderança religiosa:

Nessa aldeia eu já vi e ouvi muitos Encantos. No lugar que Zé Preto morava e Antônia Pandé. Antônia era índia da gema, ela e os filhos receberam os Encantos, conheciam a história de sofrimento daqueles que diziam que dançava Toré, que as terras pertenciam aos índios são lembranças que não saem da minha cabeça por que tudo que eu sei e ouvi foi dito por meus, pais e tios e outros eu fiz parte (Dona Tina, 81 anos, 2012).

Page 44: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

41

A retomada16 Tumbalalá dá inicio a uma nova forma de fortalecer a união do coletivo

é nesse momento do ponto alto da organização social e política que ocorre o

fortalecimento de todas as comunidades que vivem nos aldeamentos, confiantes no

destino no processo de junção pode-se ver uma maior concentração de forças para

juntos chegar à conquista do território que se encontra nas mãos dos não-índios,

situação que vem causando inúmeros conflitos. O tempo marca a historia, as

memórias do povo Tumbalalá às resiste ao aceleramento do progresso introduzido

pelo modelo capitalista colonial:

No caso das invenções técnicas, não há duvidas que nenhum período nenhuma cultura foram absolutamente estacionários. Todos os povos possuem e transformam, melhor ou esquecem técnicas suficientemente complexas para lhes permitir dominar o seu meio, sem o que teriam desaparecido há muito tempo (LEVI- STRAUS, 2010, p. 52-53).

Para estas iniciativas, os Tumbalalá apontam como fenômeno da resistência em

defesa de um território intrusado e objeto de interesses econômicos, como será mais

bem abordado neste trabalho. Com relação aos costumes dos Tumbalalá, ao

transcorrer dos tempos, muitas adaptação tecnológicas ocorrem e transformam

modos de sobrevivência. Dona Maria de Lourdes (84 anos) liderança religiosa

Tumbalalá, possuidora da memória do seu povo, relembra com sabedoria os

processos das atividades praticadas na Ilha das Vacas: o percurso do aldeamento

Pambu, a Ilha das Vacas sempre foi de animal, embarcação a remo ou a pé e as

técnicas de trabalhos na agricultura se dava basicamente no plantio com água de

chuva e terras de vazantes.

Hoje quase ninguém vai a pé, a embarcação é a motor. Raramente se encontra um

índio andando de animal. As transformações levam a condição das mudanças que

lhes foram permitidas com maior grau de complexidade para outras que possibilitam

agilidade, principalmente na viabilidade do tempo. O processo de demarcação do

Território Tumbalalá está em andamento. O Cacique Cícero (2012) traz a memória

16

Forma de retomar a terra que um dia foi dos seus antepassados e por alguma razão perderam, enganados pelos não índios. Os povos indígenas nas suas mobilizações políticas vem buscando reconquistar os seus territórios étnicos através dos instrumentos de retomadas, para reivindicar o reconhecimento e forçar a demarcação oficial dos seus territórios tradicionais.

Page 45: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

42

dos primeiros passos sobre o fortalecimento da luta indígena para o reconhecimento

oficial do povo Tumbalalá.

Enfatizou ainda, que procuraram a FUNAI no Pólo de Paulo Afonso - Bahia que tinha

como Coordenador o Senhor João Valadares. Quando logo depois recebeu no

aldeamento de Pambu a visita do antropólogo Marcos Trombone que trabalhava com

também o Sr. Bidu Tuxá, Cacique do povo Tuxá. O tempo que ocorria as buscas de

informações encontrava-se com outros índios que tinha ou estava passando pelo

mesmo processo de reconhecimento, como foi o caso Tuxá de Rodelas. As

lideranças mais idosas que conheciam o contexto histórico das lutas atestava a

autenticidade de grupos como os Tumbalalá, para garantir a oficialidade perante o

Estado.

Foto 7: Cacique Bidu Tuxá de Rodelas janeiro de 2012 na Aldeia Tuxá (a esquerda) (NILMA, 2012) e Cacique Cícero a direita no centro na Retomada Tumbalalá em novembro de 2008 (TOMÁZ, 2008).

Havia muito desejo, de praticarem o ritual do Toré. Antigamente, quando

começaram, os índios não dançavam o Toré com medo, pois partes das terras

encontravam-se sobre o domínio de pessoas estranhas ao processo de mobilização,

e não se incomodavam com o cuidado com a Natureza e queria ultrapassar os

limites do uso necessário. A retomada do território étnico ocorreu como forma de

afirmação e libertação.

Page 46: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

43

Parece possível viver nas terras, no seu território tradicional mantendo e

fortalecendo os costumes, criando espaços de culturas, aplicando o que aprendeu

com os mais velhos, com a sabedoria adquirida com suas próprias experiências do

trato de amor, cuidado e respeito pelos bens da Natureza. No entanto, as marcas

deixadas pelo coronelismo e a exploração dos invasores são nítidas nas formas de

opressão contra o índio. O Rio São Francisco, a comercialização e uso das terras

bem como a descrença em todos os fenômenos naturais que sobrecarregam dos

maus usos e desrespeito ao sagrado, foram caminhos traçados na subjugação do

povo Tumbalalá.

O aldeamento de Pambu e remediações traçam linhas de uma história de

resistência. Mobilizações na busca da superação das marcas da opressão e violação

de direitos e a conquista de um povo que não se curvou aos ideais de submissão

dos europeus da época, o que faz da etnia Tumbalalá um grupo diferenciado

marcado pela autoafirmação insistente na autenticidade identitária.

As primeiras tentativas para o aldeamento na zona sertaneja em 1562, quando o

Jesuíta Luiz de Gran, tinha plano de penetrar nos sertões baianos margeados pelo

rio São Francisco, no desejo brutal de querer mudar crenças, costumes e valores

dos índios, impondo a cultura do trabalho forçado, escravo de exploração e

devastação da Natureza.

Os caminhos percorridos ao longo dos tempos contrapõem-se aos pensamentos dos

índios e o modelo capitalista que se implantaram no Brasil. De um lado a chama do

ideal de desenvolvimento, acreditando que as perdas e danos podem ser

compensadas beneficiando as fragilidades do poder governamental com escolas,

postos de saúde entre outras demandas que são obrigações dos órgãos públicos.

Page 47: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

44

CAPÍTULO II:

O SAGRADO DO POVO TUMBALALÁ NO RITUAL DO TORÉ

Aqui era uma aldeia eu descobri quando comecei a trabalhar no Toré. O trabalho do Toré, os cantos e a manifestação. Quando ele chegava, ele dizia que aqui era uma aldeia, inclusive tem os mestres da aldeia que é Manel Ramos, João Cura, o vaqueiro João, a Princesa Dalva, a Princesa Rosa, Maria Salomão, são os Encantos que a gente conhece. E ai foi quando cheguei a realidade que aqui era uma aldeia (Cícero Marinheiro, Cacique Tumbalalá, 2011).

2.1. A Identidade Étnica e Cultural

A reflexão antropológica convencionou o conceito de cultura como sendo os padrões

de comportamento, as instituições, os valores materiais e espirituais de um povo,

compreendendo, pois, que toda sociedade possui uma cultura que é

sistematicamente modificada ao longo da História (JUNQUEIRA, p. 17, 1991). Desde

sempre, as tradições criadas, desenvolvidas ou vivenciadas pelos grupos humanos,

comunicam o modo de ser de um povo, assim, florescem culturas reservadas que

resistem e resignificam a história da humanidade.

No entanto, os valores étnicos culturais nem sempre foram respeitados como

condição de existência dos diferentes grupos humanos. Os aspectos

fenomenológicos (o sagrado, o mítico, o místico), são tratados de maneira estranha

à realidade. Situa-se neste cenário uma ciência dominante que, em grande medida,

sonha através do conhecimento e da tecnologia, dominar a Natureza (JUNQUEIRA,

p. 50, 1991).

As transformações culturais das sociedades formam a identidade de um povo

tradicional, e assim, apresenta-se com novos olhares frente às outras sociedades.

As expressões culturais transformam sociedades e ressignificam trajetórias, a partir

de critérios determinantes entre costumes e crenças. As sociedades impõem às

Page 48: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

45

outras, formas de obediência e determinam o "pecado", criam estigmas e

padronizam modos de viver, pouco respeitando a diversidade e impondo seus

padrões extraordinários como únicos e verdadeiros.

Os povos indígenas vivenciam em sua história de tradicionalidade, a subjugação de

uma modelo de uniformização. O sagrado, os rituais, a Natureza lhes conduz às

experiências das criações e da vivência dos Encantos como necessários ao seu

modo de viver. Os complexos sistemas religiosos, criados e ressignificados na

cultura das civilizações, expressam manifestações culturais que florescem ao longo

dos tempos. Essas manifestações, os elementos religiosos e simbólicos estão quase

sempre associados ao culto à Natureza.

O povo indígena Tumbalalá acredita que seus rituais sagrados, o Toré e a Mesa da

Ciência, são formas de manifestação para alcançar a conexão com os Encantos de

Luz17 e, através deles alcançar à divindade suprema, Deus Tupã. Os indígenas

acreditam que invocar os Espíritos de Luz é a condição para estarem mais próximos

do eu como pessoa, que mantém o corpo como elo da alma, e não se separa. Esta

união forma um todo único e inseparável a procura humana que responde o eu

sobrenatural da vida espiritual,

[...] as sociedades nativas estão sendo constantemente interrogadas, no sentido de provar suas origens verdadeiras. Para reproduzir a si mesmos no nível social, velhos costumes tribais foram desenterrados das profundezas da sua história. Mas, no tempo circular a história está ali toda, pois se crer que os ancestrais mortos são a história viva e atuante, os recriadores do mito. Com eles não há o que temer. [...] as hierarquias tribais que não são seguidas rigidamente ou desobedecidas durante a tarefa diária de sobrevivência; são reconstruídas para que se possa reinstalar a consciência mágica, ou, melhor dizendo a realidade. Tornam-se praticamente enamoradas de si mesmo e de suas capacidades expostas durante o ritual. (MOTA, 2007, p.112).

17

Encantado de Luz é uma força espiritual que já alcançou o plano divino sagrado, vivendo numa outra dimensão sobrenatural e chega à pessoa humana de forma sutil e encantadora ao índio que trabalha com sabedoria os rituais sagrados dos seus ancestrais. Podendo contribuir cada vez mais na espiritualidade que demanda das forças da ciência da Natureza.

Page 49: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

46

Foto 8: Ritual do Toré do povo Tumbalalá no Acampamento de Retomada em novembro de 2010 (NECTAS, 2010)

A presença dos colonizadores no Brasil, a partir de 1.500, criou, ao longo dos

tempos, estigmas e preconceitos, sobretudo, nas questões relacionadas ao sagrado.

As religiões convencionais estigmatizaram que "quem reza ou quem ora, chega a

Deus", mas, quem utiliza de outras formas ritualísticas para alcançar este sagrado,

sofrem acusações de práticas pagãs não aceitáveis por muitas religiões oficiais.

Hoje, acompanhar o ritmo espiritual sagrado da etnia Tumbalalá são meios

necessários para o fortalecimento da identidade do povo. Para isso, é preciso

observar os caminhos percorridos pelas lideranças idosas, que são os principais

guardiões da herança étnico-cultural, que mantém viva a tradição do povo

Tumbalalá. O fortalecimento da cultura sagrada indígena parte do conhecimento dos

ancestrais, que detém o saber milenar na condição de pessoas que agem em função

do bem comum.

É evidente que essa noção de espiritualidade é coerente a noção de mente encarnada que está sendo desenvolvida pela ciência da

Page 50: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

47

cognição. A experiência espiritual é uma experiência de que a mente e o corpo estão vivos numa unidade. Além disso, essa experiência da unidade transcende não só a separação entre a mente e o corpo, mas, também a separação entre o eu e o mundo. (CAPRA, 2005, p.81).

A preservação do bem sagrado, que conduz a vida plena para chegar à felicidade do

eu espiritual, faz chegar à plenitude sagrada como sujeito que busca aquilo que é

especial. A materialização desta plenitude é o milagre da harmonização na

realização plena da vida espiritual. Para alcançar a felicidade humana, o Povo

Tumbalalá acredita no acontecimento da atuação do Encanto, através dos rituais,

nos quais se fortalece a alma para transcender frente aos desafios da realidade

humana.

2.2. O Ritual Sagrado do Toré

A identidade de um povo é a expressão dos elementos que fortalecem sua cultura.

Para tanto, a revelação essencial da divindade e do Encanto acontece nos rituais

sagrados do povo Tumbalalá. Nas quartas e sábados, o povo Tumbalalá reúne-se,

vestem cataiobas (saia feita artesanalmente com a fibra do caroá) e,

instrumentalizados com o maracá na mão, pisam firme ao som dos toantes cantados

nas linhas do ritual sagrado do Toré. O Toré acontece no espaço do cruzeiro fincado

na terra, onde as lideranças religiosas, à frente dos trabalhos, estabelecem o

compromisso entre os que cantam e os que dançam. Neste espaço também é onde

ocorre a comunicação entre o povo e os Encantados de Luz.

[...] o domínio religioso oferece o terreno para esta síntese e o Toré passa então, a sistematizar, reordenar e ressignificar valores e ações próprios de um modo de viver e realizar esta identidade. (ANDRADE, 2004, p.65)

Page 51: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

48

Foto 9: Ritual no Acampamento da Retomada Tumbalalá em janeiro de 2008 (NECTAS, 2008)

O Toré para o povo Tumbalalá é um ritual sagrado. O sagrado tem um requinte de

cuidado, respeito e reconhecimento. Ele é intocável, é o encanto, mistério, amor e

divindade. É a vivência da esperança de um novo dia, renascimento. É forma de

agradecimento aos Encantados de Luz por obras realizadas. É a ânsia de receber os

ensinamentos e as orientações e seus desejos concretizados.

2.3. A Jurema, Árvore e Vinho Sagrado

O sistema de valores dos povos indígenas está ligado ao conhecimento tradicional.

Este conhecimento é a própria “Ciência do Índio”, que está associado à conexão

entre o sagrado e a natureza da vida, esta é uma elaboração que nas escritas

científicas são pouco consideradas, como infere o autor:

Narrativas dessa natureza não cabem na escrita científica clássica e conservadora. Abre-se, hoje, novas possibilidades para nós,

Page 52: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

49

pesquisadores, descrevermos alguns fenômenos. O Povo da Caatinga, sobretudo os povos tradicionais, em grande medida, vivem a Natureza numa dimensão com o sagrado, antes, múltiplo, mas essencialmente, espiritual num sentido metafísico mesmo e não, necessariamente, no campo das inteligências e mentes neuropsíquicas. (MARQUES, 2011, p. 15).

Os povos indígenas no Nordeste estão ligados religiosamente à árvore da Jurema,

de onde é extraído o vinho sagrado que tem um poder muito forte da divindade, dos

Encantados de Luz nos rituais do Toré. O vinho sagrado é feito das raízes da Jurema

Branca da folha miúda, que através do ritual é produzida a mistura com os

elementos intrínsecos da Natureza: raiz, água e fogo. O Pajé é o mestre que tem a

missão de fazer a Jurema, “o Vinho”, seguindo criteriosamente todo o ritual

estabelecido por seus ancestrais.

Todo trabalho dos rituais sagrados tem a presença do vinho da Jurema, que faz

parte do patrimônio genético do povo indígena. Neste contexto, a Jurema é destaque

entre outras árvores das matas indígenas e a sua função nos rituais é de grande

relevância. Por uma questão dos mistérios sagrados da transformação da

Jurema/Raiz em Jurema/vinho, a “Ciência da mistura” é um processo segredado por

aqueles que possuem o conhecimento da pajelança. Somente o vinho pronto é

compartilhado no momento especial da festa do Toré.

A Jurema é servida em uma “cuia” aonde o Pajé serve um a um, como um ato de

comunhão, que ao dizer palavras de fortalecimento também faz uma reverência

como contemplação do sagrado. Em todo Nordeste, a grande maioria das

comunidades indígenas, em suas práticas rituais fazem uso da Jurema. Como diz a

autora, ao se referir ao uso da Jurema no ritual do povo indígena Pankararé, na sua

teia complexa ritualística:

Cada interpretação inter-relaciona formando teias complexas. Nesta interpretação, a teia biológica unifica-se de organismo botânico ao sagrado. Vivenciado pelos indígenas mais idosos, as suas experiências contém afinidades intrínsecas na relação sistêmica entre Natureza e espiritualidade. A expressão Planta Mestre é usada, porque os indígenas a consideram como Planta Professora que ensina a Ciência da Natureza. Abarcando todos os sentidos da expressão, a planta, portanto, tem Ciência. (BRITO, 2010, p. 50-1).

Page 53: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

50

Dois momentos de rituais o Toré e a Mesa da Ciência constituem o cerne do ato

sagrado do povo Tumbalalá, são esses que possuem um grande respeito pelo

encanto, pela ciência. Uma grande parcela da Comunidade no Cruzeiro ou na Mesa,

quando realizam as obrigações, ingerem a bebida da jurema para receber a força e

alcançar o Encanto.

A atividade preparativa para receber os Encantados – cantando as linhas, dançando

o toré ou bebendo a Jurema, sendo ela, a força que conduz um bom trabalho.

Afirmou a liderança religiosa:

Desde muito jovem eu via os mais velhos pegarem os kuakis18 e acenderem, na presença do Deus Tupã. Pegar o maracá e o apito que junto com a fumaça chamavam os Encantados de Luz. A fumaça e o apito tanto serve para chamar o Encanto, como para pedir que o aparelho19 vá embora para o seu lugar de morada (Seu Dionísio, 2011).

O processo de defumação na mesa dos trabalhos faz parte da harmonização criada

no ambiente: "A gente queima as ervas sagradas para defumar as pessoas do

trabalho, com as folhas da jurema, liamba, alecrim do campo, quebra fraca, velame,

entre outros se canta as linhas ao som do maracá" (Seu Dionísio, 2011).

Ainda nas falas dos mais velhos, se afirma que o Toré é o ritual sagrado que

fortalece o povo e dá força à luta. Dizem que não existe uma aldeia fincada na

sabedoria dos Encantos se não tiver resistência e a vivência nos elementos

sagrados: o ecossistema das águas, as correntezas das cachoeiras do Rio São

Francisco, as matas e, sobretudo, a Jurema branca. Sem deixar de vista os animais

que dão vida as matas.

18

Kuaki é o cachimbo da ciência, usado como atavio do ritual. 19

Aparelho para designar o próprio Encanto.

Page 54: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

51

2.4. O Rio São Francisco: Fonte de Vida

O povo Tumbalalá, como ribeirinhos, constituiu conexões sistêmicas com o Rio São

Francisco: "O rio é morada dos Encantados" (Cacique Cícero Marinheiro, 2011).

Este lugar é morada dos Encantados e por isso é sagrado. Pode ser o lugar das

lagoas e riachos, matas e serras, cachoeiras. As águas e os ecossistemas

constituem elementos sagrados da interação dos indígenas com o Ambiente. Muitos

desses lugares foram violentados pela ação desenvolvimentista do Estado, com a

construção das hidrelétricas no São Francisco.

O Rio São Francisco, antes, Rio Opará como era conhecido na língua indígena e

entendido como Rio Tonto ou Rio-Mar (O rio que corre para o mar), é de grande

importância para os povos ribeirinhos e representa a própria identidade constitutiva

de sua existência junto a esses corpos d’água,

Em todas as civilizações, um dos elementos fundamentais para escolha de um lugar é sua proximidade com os corpos d’água. No caso do rio São Francisco, todo o seu Vale tornou-se um caminho preferencial para os grupos pré-coloniais, desde suas cabeceiras até a foz, como pode ser observado nos sítios arqueológicos estudados em todo o seu curso. Além da água, fatores como clima, relevo e vegetação, foram determinantes para esta escolha. A dispersão dos grupos humanos pré-históricos que viveram no São Francisco arcaico dependeu das condições geográficas e ambientais, tanto para suas caminhadas, quanto para alimentação e fabricação de instrumentos necessários à sua sobrevivência. (MARQUES, 2010, p. 19).

Page 55: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

52

Foto 10: Pedra da Letra - Aldeia do Povo Tumbalalá localizado fora do território demarcado (NECTAS, 2008)

Ainda, como afirmou MARQUES (2010), o interesse pelos locais habitáveis das

regiões franciscanas se deu em virtude de características bem particulares com

água perene. O Rio São Francisco percorre 634.000 Km2, com 2.700 km de

extensão da nascente à foz, onde estão localizados 504 municípios que abrigam

uma população estimada de mais de 18 milhões de habitantes. O autor ainda definiu

o São Francisco, como sendo o caminho natural para as rotas migratórias de povos

pré-históricos. Tem ainda hoje grupos “remanescentes” dessas populações que

habitam as margens nas proximidades de seus rios afluentes e em alguns casos,

nos topos de serras e brejos de altitude nas proximidades do grande rio.

Assim como a Pedra da Letra, componente histórico dos antepassados Tumbalalá,

localizada em lagoas marginais do Rio São Francisco, os afluentes constituem

lugares importantes desta interligação simbiótica entre o povo e os elementos

constitutivos da Natureza. A localização dos aldeamentos do povo Tumbalalá é

Page 56: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

53

comprovada quando, através de sua memória histórica, conseguem elaborar

etnomapas que descrevem esta relação.

Mapa 2: Etnomapa do Povo Tumbalalá – Aldeamentos e Afluentes do Rio São Francisco, construído por ocasião da construção da Nova Cartografia Social dos Tumbalalá na Aldeia da Retomada (NECTAS, 2008)

O Aldeamento do Pambu, a mais antiga referência de povoamento Tumbalalá

localizado a margem direita do Rio São Francisco, é o marco histórico do processo

de colonização e missões de jesuítas e capuchinhos. Desta forma, ao longo dos

tempos as intervenções realizadas no Rio São Francisco, capitaneadas pelo poder

do capital, mexeu bruscamente no desenho ritualístico da morada dos Encantados:

“Muitos Encantados se mudaram, porque o riacho não é mais o mesmo” (Cacique

Miguel Marcolino, 2010). Mas, substancialmente, a construção das hidroelétricas

mudou os caminhos do São Francisco e, com isso, modificou os ecossistemas e os

cursos dos riachos e lagoas, muitos desapareceram e com eles alguns Encantos.

Page 57: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

54

O Rio São Francisco continua sendo ameaçado pelas construções de grandes

projetos, como a Transposição e a construção de mais duas hidrelétricas (Pedra

Branca e Riacho Seco), que poderá modificar por vez a composição estrutural do

território Tumbalalá. Para tanto, a memória e resistência do povo, mantém viva suas

tradições. Em seus rituais, o povo ainda escuta mensagens de Encantos do tipo:

“Descruzem os braços povo, o rio está se acabando e o que vocês estão fazendo é

pouco... descruzem os braços e lutem. Quer ver o Rio morrer?!”. (Dona Santa,

2011).

Entendendo os aspectos culturais-religiosos como parte fundamental na construção

da identidade de um povo, buscou-se conhecer o processo dos ritos sagrados do

povo Tumbalalá, especificamente o Toré, a Jurema “vinho” e o rio São Francisco

como elementos sagrados e fundamentais para a conexão do humano com o

Encantado.

No Toré, a cataioba, o maracá, os toantes cantados, a dança, o kuaki junto com o

vinho da Jurema, são os componentes que permitem a aproximação do eu humano

com o sagrado. Esses artefatos fornecem a força que o corpo necessita para

receber o encantado.

Observa-se a dimensão que todo o ambiente natural possui, na condição sagrada,

para o povo indígena e seus rituais religiosos. O rio São Francisco e toda a sua

biodiversidade são moradas dos Encantados, porém as intervenções humanas

provocadas ao longo do tempo, traz uma nova configuração para o próprio curso do

rio e para os Encantados que ali se encontravam, fazendo com que eles

desaparecessem de seu habitat.

Page 58: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

55

Foto 11: Elementos do Ritual Tumbalalá (Kuaqui, Cataioba, Maracá, Pujá, Vinho da Jurema, Toantes) na Missão Velha no Toré em janeiro de 2012 (MARINHEIRO, 2012)

Os componentes da Natureza possuem papel fundamental na interação com o

sagrado, nas práticas ritualísticas do povo Tumbalalá. Para atingir a harmonia com o

Encantado são indispensáveis em seus rituais, seja ele o Toré ou a Mesa da Ciência,

o uso das ervas de cura, a defumação, a água, o fogo e a ingestão do vinho da

Jurema, como condições fundamentais para a conexão entre o sagrado e a natureza

da vida.

Page 59: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

56

CAPITULO III

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO TERRITÓRIO TUMBALALÁ

Dependemos desse rio para tudo; Ele é nossa vida. Aqui a gente pesca, navega. Para ir prá todo lado a gente precisa navegar. Ele é tudo na vida do povo Tumbalalá. (Cecília Tumbalalá, 2012)

Foto 12: Povo Tumbalalá na luta contra a Transposição do rio São Francisco em Sobradinho, na greve de fome do Frei Luiz Cappio contra a construção do projeto de transposição em 2007 (ZINCLAR, 2007)

3.1. Os Conflitos e os Grandes Projetos

A análise do conflito socioambiental diz respeito aos impactos que historicamente as

populações do rio São Francisco e do Semiárido vêm sofrendo diante das

sistemáticas intervenções do estado capitalista brasileiro e que, via de

consequência, também afeta o Povo Tumbalalá. O conceito de conflito ambiental

aqui usado filia-se à formulação de Acselrad (2004), para quem,

Page 60: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

57

Os conflitos ambientais eclodem quando a legitimidade de certas formas de apropriação do espaço é contestada sob a alegação da ocorrência de efeitos interativos indesejados de uma prática espacial sobre outras. Denuncia-se, assim, a ausência ou a quebra de compatibilidade entre certas praticas espaciais, colocando-se em questão a forma de distribuição do poder sobre os recursos do território”20.

Neste contexto, a avaliação perpassa tanto pela forma de implantação dos projetos

desenvolvimentistas instituídos, como pela própria confirmação dos direitos da

comunidade já violados, e pela ideia de que tudo se pode fazer em nome do

crescimento da economia, e dos interesses dos grandes investidores do Capital.

Por outro prisma, a questão etnoecológica permite pensar, sentir e agir com um novo

olhar. Um modo de ver e cuidar da natureza ecologicamente pensada pelos povos

indígenas está penetrado em um tipo de desenvolvimento com crescimento e

sustentabilidade que garante a vida planetária de forma integrada.

No momento de encravar o pé na caminhada, busca-se encontrar meios que

possibilitem identificar elementos que conduzam à prática da legalidade do uso dos

bens da natureza, construindo a cultura da consciência e justiça ambiental,

apontando elementos cruciais que podem ser citados e minimizados no combate a

tantos danos causados à mãe natureza.

O Rio São Francisco já não aguenta tantas explorações e descasos. O que é mais agravante é o descumprimento dos acordos, pactos, códigos, convenções, que muitas vezes, nem chegam a estar no papel, ficam somente no plano da oralidade nos grandes fóruns e, ou, no máximo nas propostas dos idealistas, estudiosos, pesquisadores e defensores da natureza. Esses sentem na pele os efeitos da destruição causados pelo modelo hegemônico dos países Capitalistas desenvolvidos e adotados no Brasil, resultando em efeitos desastrosos e, que tem ganhado espaço com o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento (iniciado no governo Lula e continuado pelo governo Dilma Rousseff). “Nunca, em nenhum

20 Acselrad, H. “Mediação e negociação de conflitos ambientais” em

4ccr.pgr.mpf.gov.br/institucional/encontros/temáticos-da-4ª-ccr/ix-encontro-

tematico/documentos/mediação_e_negociacao_de_conflitos_socioambientais.pdf. Acessado em 03 de janeiro de

2012.

Page 61: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

58

momento de história do nosso País a natureza foi tão explorada para sustento em modelo de desenvolvimento étnico e ecocída. Este afeta diretamente os povos indígenas. Deste, o povo Tumbalalá tem sido vítima” (MARQUES, 2008, p.132).

O rio São Francisco possui uma importância extraordinária para os Povos Indígenas

que sempre viveram às suas margens, desde as suas relações ecossistêmicas e

ecológicas, místicas e medicinais, passando pela constituição das relações sociais,

culturais e econômicas. Sua denominação indígena é o Opará – nome dado pelos

antepassados para dizer “rio-mar”, “aquele que segue para o mar”, para descrever

um sistema ecológico diferenciado que, em outros termos, também é referenciado

pelo renomado geográfo Aziz Ab´Saber:

Todos os rios do Nordeste, em algum tempo do ano, chegam ao mar. Essa é uma das maiores originalidades dos sistemas hidrográficos e hidrológicos regionais. Ao contrario de outras regiões semi-áridas do mundo, em que rios e bacias hidrográficas convergem para depressões fechadas, os cursos d’água nordestinos, apesar de serem intermitentes periódicos, chegam ao Atlântico pelas mais diversas trajetórias (AB’SÁBER, 2003, p. 87).

É neste cenário gigante e controverso, onde inúmeros processos de intervenção

vêm sendo realizados, que se encontra o rio São Francisco “velho e cansado de

tanta dor, suas veias já estão entupidas e seu coração já não pulsa tão forte”

(Cacique Cícero, 2012). Aqui o Cacique Tumbalalá expressa a imagem do rio São

Francisco como um paciente cansado que já não tem mais vida, está fadado à

morte, ao desaparecimento. Essa construção também foi lembrada pelo bispo

católico Dom Luiz Flávio Cappio que realizou duas “greves de fome21”, de

repercussão nacional, nos anos de 2005 e 2007, com o propósito de defender a

revitalização do rio e a paralisação de novos grandes empreendimentos como a

transposição.

21

Para Dom Luiz Cappio o jejum foi o gesto de doação de uma vida pela outra. Uma greve de fome ocorreu em 2005 no município de Cabrobó – PE, em terras indígenas do Povo Truká, governo Lula, anunciava a construção do Projeto de Transposição do rio São Francisco. O segundo Jejum ocorreu em 2007, quando se dava início às obras do referido projeto. (MARQUES, 2008).

Page 62: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

59

Situado numa região cujo bioma é a Caatinga22, esta é marginalizada e se encontra

com um ecossistema extremamente fragilizado, envolvida por um extenso processo

de alteração e deterioração ambiental provocado pelo uso insustentável desde

períodos de colonização, passando pela neocolonização e a ação do capital

predatório.

Foto 13: Vista de embarcação Tumbalalá no São Francisco na travessia do Povoado Pambu

para o território Truká na Ilha de Assunção - Pernambuco (TOMÁZ, 2010)

A atual situação de degradação remete à exploração histórica das águas do rio para

servir à expansão industrial e energética do país, sobretudo no período dos

governos militares, com a construção de vários complexos hidrelétricos de grande

potência e profundos impactos sociais, econômicos, culturais, políticos e

22

A “Caatinga” é de origem Tupi-Guarani e significa “floresta branca”. Sua epistemologia consiste das partículas ca’a, planta ou floresta; tî, branco (derivado de morotî, branco); e o sufixo ‘ngá (de angá), que lembra, perto de (PERALTA & OSUNA, 1952). Assim “a floresta esbranquiçada” (LEAL, TABARELLI & SILVA, 2003, p. 3).

Page 63: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

60

ambientais.23 Sabe-se que a formação de reservatórios implica no deslocamento de

cidades inteiras, populações rurais, animais e a submersão de amplas áreas naturais

e as alterações são visíveis apesar dos argumentos desenvolvimentistas; isso sem

falar na perda irreparável de sítios arqueológicos e deslocamento de povos

indígenas que são profundamente ligados à terra e às tradições ancestrais.

Uma cascata24 de hidrelétricas foi construída no Rio São Francisco, transformando a

realidade local, como a barragem de Moxotó, complexo Paulo Afonso, Três Marias,

Sobradinho, Itaparica e, mais recentemente, Xingó, alterando a estrutura social e

econômica dos povos impactados. Mais de 250 mil pessoas tiveram suas vidas

modificadas, sendo obrigadas a deixarem suas cidades de origem ou adotadas e se

mudarem para novas cidades, em locais diferentes, com infraestrutura diferente e

pessoas distintas (MARQUES, 2008, p. 133 - 4).

Para avaliar os impactos ocorridos num primeiro momento, basta constatar a enorme

devastação promovida com o deslocamento de mais de 72 mil famílias de suas

terras e territórios, destruindo cultura, costumes, laços familiares, sociais e

ambientais, como foi o caso da construção da barragem de Sobradinho, em 1979,

com uma extensão inundada de 4.226 Km², que modificou substancialmente a biota

do rio e todos os ecossistemas do São Francisco, como infere o autor:

Desde o início dos anos 70, onde se intensificou a política de aproveitamento das águas do São Francisco para a geração de energia, áreas urbanas e de ocupação agrícola e pecuária da região de Sobradinho, foram inundadas. Neste período o represamento das águas do Rio atingiu sete municípios, sendo os mais afetados: Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado, que tiveram as suas sedes transferidas, além de Juazeiro, Xique-Xique e Barra, áreas “menos” afetadas (MARQUES, 2008, p. 145).

23

Vale frisar que o Brasil foi vítima de uma grande crise do “choque do petróleo”, com as altas dos preços do produto motivados pela pressão energética, situação que fez o governo brasileiro intensificar a política energética dos grandes barramentos hidrelétricos 24

Aprofunda em trabalhos como o de Juracy Marques dos Santos - cultura material e etnicidade dos povos indígenas do São Francisco afetados por barragens: Um estudo de caso dos Tuxá de Rodelas, Salvador, UFBA, 2008 – tese de doutorado.

Page 64: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

61

Foto 14: Barragem de Sobradinho (TOMÁZ, 2008).

A barragem de Itaparica25 agravou a situação já bastante sofrida com a hidrelétrica

de Sobradinho. Cerca de 40 mil pessoas foram deslocadas com a hidrelétrica de

Itaparica.

Foto 15: Barragem de Itaparica ou Luiz Gonzaga (Chesf)

26

25

A hidrelétrica, atual Luiz Gonzaga, iniciada nos anos 70, foi paralisada várias vezes por falta de

recursos, pois sua construção coincidiu com a crise econômica brasileira após o colapso do modelo de desenvolvimento adotado pelos governos militares.

Page 65: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

62

No caso de Itaparica, hoje usina Luiz Gonzaga, para a sua construção, foram

submersas as cidades de Itacuruba e Petrolândia em Pernambuco e Rodelas na

Bahia, além de dezenas de povoados e ilhas, provocando mudanças na geografia

regional. Novas cidades com infraestrutura foram construídas. Algumas receberam

benefícios indiretos devido às compensações financeiras: Glória, Paulo Afonso,

Floresta, Belém do São Francisco, por causa dos projetos de irrigação.

A maior parte dos impactos negativos atingiu grupos que tradicionalmente ocupam

as margens do Rio São Francisco e que se confrontam com a violência marcada por

um modelo de desenvolvimento fundamentado no “progresso” técnico e no domínio

da natureza, colocando o crescimento econômico e a acumulação dos bens como

principais finalidades, além da exploração e domínio territorial (SILVA, 2006, p. 28).

Foto 16: Dom Luiz Cappio em sua segunda greve de fome na cidade de Sobradinho em 2007 (ZINCLAR, 2007)

26

Disponível em: http://www.chesf.gov.br/portal/page/chesf-_portal/paginas/sistema_chesf_geracao)conteiner_geracao?p_name=8AEEABD3BE1D002E0430A803301D002>.Acesso em 14 de Março de 2012.

Page 66: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

63

A violência e desrespeito às leis brasileiras no que se refere à implantação dos

grandes empreendimentos nesta Bacia ocorrem precisamente em territórios

reivindicados pelos Povos Indígenas. É o caso do território Tumbalalá, onde se

concentram um conjunto complexo de impactos socioambientais provocados por

grandes projetos, como as construções das hidrelétricas de Sobradinho e Itaparica,

que reassentou inúmeras famílias atingidas no território Tumbalalá. Além destes, a

implantação do projeto de transposição do rio São Francisco e as ameaças

governamentais de construir mais duas grandes barragens como as de Riacho Seco

e Pedra Branca poderão afetar diretamente o território a montante e uma usina

termonuclear a jusante deste mesmo território étnico.

As maiores ameaças hoje é o Projeto de Transposição, as barragens e o próprio governo, porque conhece todos os caminhos. Nós não estamos preocupados com os posseiros, nosso maior medo é o próprio Governo, ser preso, criminalizado isso a gente conhecia, mas dele invadir a gente não sabia. Nós temos uma área militar dentro do nosso território. (Cacique Neguinho Truká, 2009)

O governo brasileiro tem ignorado a dimensão da crise ambiental e territorial

causadas com a implantação deste desenvolvimento baseado em modelos

energéticos concentradores de riqueza e nos grandes empreendimentos de

monocultivo. Além, da exportação que causam, entre outras coisas, o aumento do

desmatamento, a diminuição e até o desaparecimento de inúmeras espécies da flora

e da fauna.

A história da implantação de grandes barragens parece ser a mesma em toda a parte. Em todo o mundo a grande barragem serve ao mesmo modelo de desenvolvimento. Nos mais diversos países, o grande projeto hídrico busca impor um mesmo padrão de apropriação e uso dos recursos naturais. Nas mais variadas latitudes a coalizão de interesses políticos e econômicos que promove grandes hidrelétricas tem mais ou menos a mesma composição [...]. Similares são, aqui e ali, os beneficiários da energia gerada pelas hidrelétricas [...] (VAINER, 1997, p.12).

Outros exemplos destes grandes projetos referem-se aos milhares de hectares

inundados e a violação dos princípios constitucionais, uma vez que a exploração

depende de consulta prévia e de regulamentação do Congresso Nacional em se

Page 67: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

64

referindo aos territórios indígenas. De acordo com a Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho – OIT, os povos indígenas devem ser consultados todas

as vezes que alguma lei ou obra puder impactá-los. Porém, tal exigência não está

sendo cumprida pelo governo brasileiro. Evidencia-se a falta de participação das

comunidades impactadas nos processos de licenciamento ambiental, explícita na

falta de conhecimento dos envolvidos acerca de um projeto que poderá trazer ainda

mais alterações extremamente significativas ao seu modo de vida (ALMEIDA, 2009,

p. 122).

A lógica desenvolvimentista tem considerado estes territórios simplesmente como

posse de terra destituída de memória, de ancestralidade, de referências culturais e

religiosas, que podem ser trocadas por outras terras ou indenizações. Todavia, são

esses exatos lugares que historicamente os Povos e Comunidades Tradicionais têm

reivindicado e deveriam estar delimitados e demarcados como reza a Constituição

Federal.

O que permanece, ainda, escamoteado é a própria lógica norteadora dessa política, é o próprio modelo de desenvolvimento excludente adotado pelo nosso país, que tem como objetivo atender aos interesses do grande capital, nacional e internacional, que representam os maiores consumidores desse insumo e que são aqueles que mais lucram com a execução de grandes projetos relacionados à produção, transmissão e distribuição de energia elétrica (construtoras, empresas de consultoria, produtores de equipamentos elétricos de grande porte, agências de financiamento, políticos, etc.) (SIGAUD, 1986, p. 12).

Esses impactos trouxeram aos Tumbalalá perdas significativas, sobretudo de

elementos simbólicos de sua tradição indígena. O rio São Francisco foi modificado.

Ilhas desapareceram ou foram agregadas a terras do lado de Pernambuco; são

aluviões pelos quais o estado demarcou como áreas pertencentes ao Povo Truká,

“pernambucano”, e não ao Povo Tumbalalá, “baiano”, revelando assim os

desencontros entre a territorialidade indígena e os limites fronteiriços da organização

política-administrativa dos estados brasileiros, pelos quais o último submete o

primeiro. O modo de agricultar como as vazantes e a pescaria ficaram totalmente

comprometidas. Além destes impactos, entre tantos, tem-se uma violência das mais

Page 68: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

65

perversas que marca profundamente o ser Tumbalalá que foi a destruição das

cachoeiras, lugares de morada dos Encantados que desapareceram. O patrimônio

genético, representado pelos usos diversos das plantas nativas, também foi

absolutamente ignorado.

Tumbalalá.

Como se não bastasse, o povo Indígena Tumbalalá sofreu duplamente impactos de

barragens em seu território tradicional, que estabeleceu níveis históricos de conflitos

socioambientais. Sem querer julgar um maior que o outro, nos casos de Sobradinho

e Itaparica citados acima, pode-se referir o período de acontecimento na década de

80, quando a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) sem nenhum

estudo fundiário, antropológico ou sociológico e, ainda sem nenhuma consulta

prévia, instalou no território tradicional diversas famílias atingidas pela construção da

barragem de Itaparica, num grandioso reassentamento denominado projeto “Pedra

Branca”, localizado nos municípios de Abaré e Curaçá. Sua área irrigada foi de

2.422,5 ha distribuídos em 713 lotes envolvendo 707 famílias (4.600 pessoas)

reassentadas pela CHESF em 19 agrovilas (Chesf, 1985). Isso se constituiu um dos

maiores conflitos socioambientais e territoriais vivenciados pelo Povo Indígena

Tumbalalá.

Os aspectos impactantes instaurados pelo Projeto Pedra Branca marcam a forma

como foi devastada toda área ocupada pelos reassentados, como promessa de uso

da terra, da água e de todos os bens da Natureza. Estes foram utilizados, como

forma de compensação pelos deslocamentos das famílias que já se encontravam em

situação de vítimas do desastroso impacto causado em Paulo Afonso, Rodelas e em

todo seu entorno.

Page 69: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

66

Mapa 3: Projeto Pedra Branca: a linha preta divide as agrovilas à esquerda fora do TI delimitado e as agrovilas a direito dentro do TI delimitado pela FUNAI (CODEVASF, 2009) )

27

Historicizando estes impactos socioambientais que se deram neste período, quase

que de fuga, grupos sociais já sofridos pelos maus tratos e desrespeito a dignidade

humana, foram despejados num lugar, onde o território já possuía dono. Há registros

em que o povo Tumbalalá reivindicava o direito pelo seu território étnico a centena

de anos e mais precisamente se intensificam a luta pelo reconhecimento territorial na

década de 1930, sendo isto, ignorado pelas autoridades brasileiras.

27

Disponível em: <http://www.codevasf.gov.br/empresa/relatorios-de-gestao>. Acessado em 14 de Mar. de 2012.

Page 70: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

67

Com inferência ao reassentamento de famílias atingidas por Itaparica no território

Tumbalalá, pode-se observar um complexo de violentos ataques promovidos pelo

governo brasileiro através da Chesf. Esta se valendo das fragilidades das famílias

reassentadas, se posicionou contra a identidade afirmativa Tumbalalá, numa

negação afrontosa da condição indígena, como forma de retirar do Estado a

responsabilidade por assentarem famílias em território étnico.

Sobre isto, o povo Tumbalalá foi atingido pelos impactos dos paradigmas postos pelo

Estado, que em vias de destruição e contraposição, colocaram em confronto índios x

pequenos agricultores familiares reassentados. Este confronto politico, desenhou um

cenário bastante controverso.

O cenário antagônico construído pelas forças contrárias a questão indígena,

possibilitou o reassentamento 19 agrovilas, de famílias atingidas pela Barragem de

Itaparica no território tradicional Tumbalalá, o que estabeleceu um conflito de disputa

por um mesmo território. Neste panorama controverso, puderam-se observar dois

movimentos sociais em situações avessas, o da luta pela Reforma Agrária e os da

mobilização pela defesa da delimitação do território tradicionalmente ocupado. Numa

situação em que os “pequenos” se confrontam, interesses hegemônicos são

evidenciados. Todavia, em se tratando das grandes mobilizações sociais que

envolveram os grandes projetos pensados para o São Francisco, estes movimentos

se unificavam no que havia de comum,

A terra e a água forma a base da vida indígena nos velhos tempos e seguem sendo até hoje. A defesa e a recuperação do direito territorial não deveriam ou não são tão simples manifestações de desejo ou interesse de sobrevivência econômica, estão também relacionadas com o desejo de recuperação e garantia de dignidade e dos territórios originários, repletos de historia e significados (VERDUM apud SAUER & ALMEIDA, 2011, p. 205).

Apesar de tudo, em se tratando dos impactos dos grandes projetos, o movimento

social e pastoral, junto aos povos indígenas promovem uma articulação importante

de resistência. Numa prevenção contra os impactos em se tratando das novas

barragens, transposição e usinas nucleares, entre tantas ameaças no rio São

Francisco. Assim, podemos interpretar que, mesmo estes conflitos entre pobres

Page 71: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

68

contra pobres, foi fabricado pelas ações dos dominadores do capital, com forte

atuação na Bacia do São Francisco e com ampla legitimidade nas estruturas dos

governos.

3.2. Os Impactos da Transposição no Rio São Francisco e no Território

Tumbalalá

Foto 17: Canal do Eixo Norte da Transposição na altura do Serrote do Gorgonha em território

Tumbalalá (ZINCLAR, 2011)

Além dos barramentos, a construção das obras da Transposição do rio São

Francisco impacta diretamente o território Tumbalalá. Por ser uma das maiores

obras de engenharia da América Latina, visando integrar o rio São Francisco com

outros rios da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte através de canais, açudes,

aquedutos e túneis. Trata-se de um projeto antigo de governos militares, iniciado

com o governo Lula. Considera-se uma obra que se quer o governo teve a

preocupação de evidenciar os estudos de impactos de forma adequada e sem

Page 72: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

69

nenhuma consulta prévia aos povos indígenas, como estabelece a Constituição28

brasileira.

As obras possuem, segundo dados do governo29, cerca de 516 km no Eixo Norte e

287 km no Eixo Leste, em Cabrobó e Floresta, respectivamente. O plano é fazer

uma retirada contínua de 26,4 m3s de água, ou seja, 1,4% da vazão de Sobradinho.

O Projeto promete atender cerca de 12 milhões de pessoas a ser totalmente

concluído por volta de 2025,

O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, também conhecido como Projeto de Transposição, é apresentado pelo Estado Brasileiro como a solução definitiva para o fenômeno da seca de que é alvo a região do Semi-Árido do Nordeste do país. No plano teórico, o projeto tem como pretensão, através da construção de dois grandes canais com mais de 600 km de extensão, abastecer de água 12 milhões de pessoas, 268 municípios e irrigar 300 mil hectares de terras, ao custo total de 6,6 bilhões de reais. A obra inclui a construção de mais duas barragens hidrelétricas (UHE Pedra Branca e UHE Riacho Seco), 9 estações de bombeamento, 27 aquedutos, 8 túneis e 35 reservatórios, ou seja, uma complexa obra de engenharia num rio que está degradado. É a maior obra de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento Econômico do Governo Lula e a perspectiva é de que mais 8.000 índios sejam diretamente atingidos (sic)(TOMÁZ & MARQUES, 2009).

Um Projeto grandioso como este vem provocando impactos nos meios físicos,

biológicos e antrópicos, pois grandes áreas já se encontram sendo desmatadas ou

inundadas, causando alterações no ecossistema. Com muitas partes concluídas,

outras em construção e outras abandonadas, foi possíveis perceber alguns impactos

de curto prazo, mas ainda há os que só serão sentidos mais adiante. Este cenário já

bastante preconizado por especialista e denunciado pelos movimentos sociais e

28

Em 1988 os povos indígenas alcançaram um patamar de dignidade distinto ao terem sido reconhecidos na Constituição sua organização social e seus direitos originários às terras que tradicionalmente ocupam, bem como ao usufruto exclusivo dos recursos naturais nelas existentes. Bens esses que cabe à União proteger e fazer respeitar. No entanto, não foi sem embate que os direitos indígenas foram assim consagrados. Nem sem concessões. O subsolo e a utilização do potencial energético dos recursos hídricos existentes nas terras indígenas pertencem à União e podem ser explorados por terceiros. A sua exploração, porém, está condicionada a cuidados prescritos pelos constituintes: somente mediante autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades indígenas e no interesse nacional (Art. 231, § 3º e Art. 176, § 1º). A regulamentação sobre essas matérias deve se fazer mediante lei ordinária, devendo haver, pelo seu conteúdo e objetivo, consulta prévia com os povos interessados. 29

Disponível em: < http://www.integracao.gov.br/projeto-sao-francisco1 >. Acesso em 14 de março de 2012.

Page 73: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

70

pastorais, além, da efetiva denúncia protagonizada pelo Frei Luiz Cappio, os

problemas da Transposição desde sua gênese, foi amplamente apontado,

A seca não é um problema que se resolve com grandes obras. Foram construídos 70 mil açudes no Semi-árido, com capacidade para 36 bilhões de metros cúbicos de água. Faltam as adutoras e canais que levem essa água a quem precisa. Muitas dessas obras estão paradas, como a Reforma Agrária que não anda. Levar maiores ou menores porções do São Francisco vai tornar cara toda essa água existente e estabelecer a cobrança pela água bruta em todo o Nordeste. O povo, principalmente das cidades, é quem vai subsidiar os usos econômicos, como a irrigação de frutas nobres, criação de camarão e produção de aço, destinadas à exportação. Assim já acontece com a energia, que é mais barata para as empresas e bem mais cara para nós. Essa é a verdadeira finalidade da Transposição, escondida de vocês. Os canais passariam longe dos sertões mais secos, em direção de onde já tem água. Portanto, não estou contra o sagrado direito de vocês à água. Muito pelo contrário, estou colocando minha vida em risco para que esse direito não seja mais uma vez manipulado, chantageado e desrespeitado, como sempre foi. Luto por soluções verdadeiras para a vida plena do povo sertanejo – isso tem sido minha vida de 33 anos como padre e bispo do Sertão. É, pois, um gesto de amor à vida, à justiça e à igualdade que nunca reinaram no Semi-árido, seja aí, seja aqui no São Francisco, longe ou perto do rio (sic) (CAPPIO, 200730).

Diante das efetivas mobilizações das organizações, movimentos sociais, igrejas e

pastorais contra a implantação da referida obra, o povo Tumbalalá participou das

muitas lutas em defesa do São Francisco, para reivindicar do Estado brasileiro a

inviabilização das referidas obras. O local de captação do canal se encontra acima

do território Tumbalalá no morro do Gorgonha em Cabrobó- estado de Pernambuco-

situado no território do povo Truká.

30

Carta ao Povo do Nordeste publicada pelo Frei Luiz Flávio Cappio, Bispo da Diocese de Barra – BA, em seu segundo Jejum em defesa do Rio São Francisco, anunciada em 30 de novembro de 2007.

Page 74: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

71

Foto 18: Vista do território Tumbalalá do Morro do Gorgonho em território Truká, inicio das primeiras obras da Transposição (TOMÁZ, junho de 2007)

Como se não bastassem os inúmeros conflitos já causados com a implantação de

agrovilas no território Tumbalalá decorrentes das construções das barragens

hidrelétricas, a redução do perímetro territorial reivindicado pelos Tumbalalá ainda

são comprometidos com o canal da Transposição, que de forma significativa reduziu

suas terras. Os interesses econômicos e políticos que se encontram por trás da

Transposição, sustenta uma lógica perversa de inviabilização da demarcação

territorial como os indígenas reivindicam.

Estudiosos e pesquisadores como João Abner (2012), João Suassuna (2003), entre

outros, apontam sérios problemas de cunho ambiental, econômico, político e social

que poderiam surgir ou que já se encontram em curso com as obras da

Transposição. Além de apontarem com sendo uma obra que não resolve os

problemas a que se propõe. Entres os principais problemas é citado o desvio de um

rio degradado; a construção de barragens para controlar sua vazão; a supressão de

mata nativa; a mudança no regime de cheias do rio, prejudicando a fauna e a flora,

Page 75: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

72

como também populações esperançosas mediante a promessa de uma água que

não pode chegar a seu destino e da promessa da Reforma Agrária; aumento dos

latifúndios e especulação fundiária em áreas próximas aos canais; desenganos das

populações que dependem da pesca no São Francisco, que serão ainda mais

prejudicadas pela construção de barragens, além da falta de regularização fundiária

dos territórios indígenas reivindicados.

Por causa da situação de negligência em face dos territórios indígenas, um parecer

técnico31 elaborado pela Equipe do Núcleo de Pesquisa em Povos e Comunidades

Tradicionais e Ações Socioambientais – NECTAS, da Universidade Estadual da

Bahia – UNEB, em meados de 2009 juntam-se aos Tumbalalá, a pedido dos

mesmos para geo-referenciar e mapear as áreas consideradas por estes como

território Tumbalalá e que haviam ficado de fora dos estudos antropológicos de

Batista concluídos no inicio de 2009, sob alegação de “não ter tido tempo hábil para

visitação”. Esta alegação comprometeu parte da demarcação territorial dos

Tumbalalá ainda sob litígio,

Nesse pensamento de reconquista do território tradicional, o ponto de referência para o processo de retomada foi definido pelas lideranças, Um lugar que de varias formas teve e tem marcas da historia indígena, assim, politicamente organizou-se um grupo para estar reivindicando do Estado Brasileiro através da FUNAI, Incra, Casa Civil a legalização oficial da retirada dos posseiros das terras indígenas. Eles podem recusar o mapeamento, mas não podem escapar das implicações de viver no mundo no qual outros irão eventualmente mapear suas terras. Não é possível proteger uma área que não esteja mapeada (ACSELRAD, 2008, p. 80-81).

A nota técnica foi entregue pelas lideranças Tumbalalá na 6ª Câmara de

Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, sob a Coordenação de

Deborah Macedo Duprat de Brito Pereira, em Brasília – DF. Além da Nota Técnica

em 2009, um Relatório de Denúncia construído por entidades e nove povos

indígenas no Nordeste sobre os impactos da Transposição do rio São Francisco nos

territórios indígenas foram entregues a Organização Internacional do Trabalho – OIT,

marcando a luta dos indígenas contra o mega projeto em 2009,

31

Vide em Anexo.

Page 76: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

73

Esse Projeto de Transposição que é uma ameaça também ao Rio São Francisco, que, quando se diz em ameaçar o Rio São Francisco, se diz em ameaçar todo o povo ribeirinho, principalmente os povos indígenas que são um povo tradicional, tem seus costumes antigos, querem viver da caça da pesca e do plantio de vazante, que é quando o rio enche, vaza e a gente planta naquela terra que o rio molhou. Então, vindo com a Transposição tem outro projeto de barragem que dizem que é para ser feito, e essa barragem está incluído no território Tumbalalá. Então, é uma ameaça muito grave e que está precisando de muita força, de muita resistência do povo Tumbalalá para que isso não venha acontecer. Aí vem as plantas medicinais, que acabou com isso, porque ele não tem controle, é soltar água em qualquer tempo e mata. Acabou com as plantas medicinais que a gente tinha. (Cacique Cícero Tumbalalá apud TOMÁZ et al, 2008, p. 37).

Foto 19: Fala de seu Antônio de Lourenço, liderança Tumbalalá, na ocupação do canteiro de obras da Transposição no Eixo Norte, em território reivindicado pelo povo Truká em 2007 (foto de ZINCLAR, 2007).

O ápice do enfrentamento à esta grandiosa obra ocorreu com a ocupação no

canteiro de obras da Transposição. Umas das maiores diversidades étnicas e sociais

se juntou no Eixo Norte do canal para impedir que a obra pudesse prosseguir. Foram

Page 77: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

74

inúmeros movimentos sociais, organizações populares, igrejas, pastorais,

camponeses, povos e comunidades tradicionais.

Foto 20: Ocupação no canteiro de obras da Transposição (ZINCLAR, julho de 2007. Cabrobó - PE)

Foto 21: Despejo judicial no canteiro de obras (ZINCLAR, julho de 2007. Cabrobó - PE)

3.3. A Retomada do Território Tradicional

Durante a ocupação do canteiro de obras em Junho de 2007, os indígenas Truká e

Tumbalalá organizavam-se respectivamente para iniciar o que seria um dos maiores

Page 78: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

75

e mais prolongados processos de “retomada” do território tradicional. Assim sendo

esta a principal estratégia de resistência para demandar ao Estado a demarcação

dos territórios ainda não identificados e delimitados,

As afirmações das identidades coletivas dos grupos indígenas franciscanos se estabelecem nesse processo de deslocamento, de diáspora, de desterritorialização e reterritorialização. Este último, no caso dos povos indígenas da Bacia, está intensamente marcado pelos processos políticos de retomadas dos territórios tradicionais, como o que vem acontecendo com os Truká, Tumbalalá, Tuxá, Xacriabá, entre outros, só para citarmos alguns exemplos (MARQUES, 2008, p. 297 – 298).

No Nordeste brasileiro, menos de 20% dos territórios indígenas foram demarcados e

a terra ainda é a principal bandeira de luta do movimento indígena. O processo de

retomada de territórios étnicos, para os povos indígenas no Nordeste representa

avançar sobre os limites postos pela lógica do latifúndio e recuperar o território que

continuamente se configurou o espaço de reprodução étnica que um dia em alguma

medida lhes foi retirado.

Mesmo territórios demarcados e homologados, não significa que se encontra sob

domínio indígena, parte destes, ainda estão ocupados por não-índios. Situação em

que boa parte desses territórios demarcados não foi desintrusados por parte da

FUNAI. A demora pela demarcação do território Tumbalalá e a implantação dos

Foto 22: Retomada do Povo Tumbalalá na Fazenda Palestina para retomar o território tradicional em agosto de 2007 (MARINHEIRO, 2007)

Page 79: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

76

grandes projetos instalados nesta região, provocou no grupo indígena a necessidade

tática de realizarem mobilizações para garantir que o território fosse demarcado e

homologado como garante a Constituição Federal de 1988.

Foto 23: Cruzeiro da Retomada Truká em Cabrobó – PE (esquerda) e Tumbalalá no Aldeamento

Palestina, Curaçá – BA (direita) (TOMÁZ, 2007)

Contrariando a luta de resistência que se travou entre os não-índios com a etnia

Tumbalalá há mais de quatro séculos, não situa-se só no campo da dominação dos

massacres e de extermínios, como ocorreu no início do Século XVI. Esse processo,

de certa forma, se faz presente até hoje quando se dá os enfrentamentos aos

grandes projetos. É uma guerra de conflito étnico, o centro da situação distingue

pelos estragos que fortemente são causados pelo Estado brasileiro, quando não

garante a efetivação plena das leis vigentes no país.

A hegemonia do poder no controle das ações territoriais não faz, de fato, o

cumprimento da Convenção 169 da OIT da qual o Brasil é consignatário. Então, por

que ainda os empreendimentos acontecem nos territórios indígenas sem os

mecanismos de consulta prévia? O povo Tumbalalá está convencido que a guerra

dos mapas na delimitação do território tradicional é mais uma das marcas de

dominação propositada e de preconceito com os grupos étnicos no Nordeste

brasileiro,

Page 80: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

77

É lícito, neste contexto, imaginar uma guerra de mapas como símbolo do estado de tensão e beligerância. Afinal, os extermínios, os massacres e os genocídios, ao destruir a possibilidade da existência coletiva, também significam metaforicamente ‘apagar do mapa’, que seria um eufemismo indicativo da supressão do território do outro (ALMEIDA apud ACSELRAD 2008, p. 31).

O controle das ações de estudos fundiários deixa evidente que ainda é muito lenta a

aplicabilidade das leis. A guerra dos mapas no caso Tumbalalá se estabelece,

quando o Estado publica a delimitação do território conforme mapa 4 (publicado no

DUO em 02 de Junho de 2009) com um equivalente de 44 mil hectares. De outro

lado, os indígenas ao acessarem o instrumento da Nova Cartografia Social (Mapa 5)

reivindicam através do mapa social o limite territorial em 57 mil hectares.

Page 81: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

78

Mapa 4: Mapa publicado no DUO em 02 de Junho de 2009 (fonte: Diário Oficial da União), Nº 103, Seção 1, p. 21.

Page 82: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

79

Mapa 5: Construção da Nova Cartografia Social do Povo Tumbalalá (2009)

Page 83: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

80

A efetivação da demarcação territorial não ocorre sem luta e reação. O Estado em

face aos grandes projetos busca a demarcação de uma forma fragmentada e com

práticas compensatórias. Ainda utiliza métodos de cooptação, usando de chantagens

para implementação de politicas públicas que já se constituíram um direito indígena,

como moradia, escola, posto de saúde, etc.

A gente aceita as casas, o posto de saúde e tudo que vier porque já é um direito da gente. Mas a gente num aceita é trocar seja o que for e num ter a terra. Nosso território é sagrado. E num é que é muita terra pra pouco índio como ficam dizendo por aí, nós queremos essa terra porque a gente num pensa somente no hoje, índio pensa no futuro, nossos filhos e netos e bisnetos vão pra onde? Pra rua ser marginal ou ficar amutuado todo num lugar sem espaço e ainda sem terra pra trabalhar, viver e cuidar da tradição? Se fosse assim nós não seria tudo índio (CACIQUE CÍCERO TUMBALALÁ, 2012).

O território para os indígenas é símbolo de sua identidade coletiva, constituindo-se

em local sagrado e imprescindível à sobrevivência dos grupos nele existentes. A

estratégia governamental de cooptação são mecanismos considerados em alguma

medida desonestos, práticas viciosas parecidas com as utilizadas pelos

colonizadores, que faz com que os indígenas percam a autonomia em seu próprio

território.

Ocorre que os povos indígenas estão cientes de seus direitos constitucionais e

sabem que não poderão continuar a ser molestados, os ambientes devastados e

território intrusados. A percepção destes direitos é que explica a mobilização

permanente pelo reconhecimento jurídico-formal das terras que tradicionalmente

ocupam (PEREIRA, 2009, p. 104) e consiste no fundamento da manutenção do

processo de retomada como estratégia de efetivação dos seus direitos,

Decreta-se arbitrariamente o “fim do caboclo” e das formas de uso comum de florestas, campinas, beiras e igarapés, lagos e rios, ou seja, das chamadas “terras firmes” e das “várzeas.”[...] Os planejadores oficiais permanecem falando na magnitude do potencial da natureza face a agentes sociais “incapazes” de transformá-la para os fins de mercado. O discurso prevalecente é, pois, aquele do Estado, que, com base nesta “racionalidade”, estimula uma colonização oficial com grandes imóveis rurais adotando práticas predatórias, tais como derrubadas, queimadas, garimpos (“reservas garimpeiras”) e desmatamentos de grandes extensões para

Page 84: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

81

implantação de projetos econômicos diversos (mineração, ferro-gusa, pecuária, madeireira, grãos, papel e celulose, carvão vegetal), bem como uma expansão desordenada das indústrias de óleos vegetais e das indústrias pesqueiras, além de uma instalação autoritária de hidrelétricas e a construção de aeroportos, rodovias e base de lançamento de foguetes (ALMEIDA, 2008. p. 70-71).

No caso do São Francisco, esse cenário se faz semelhante à apresentado acima

pelo autor. O modelo de desenvolvimento estatal e do mercado privado intensifica

uma prática predatória que retira, sobretudo, dos Povos e Comunidades Tradicionais

as condições de vida necessárias à sua reprodução física, cultural, religiosa, social e

econômica sustentável. O discurso dos planejadores se pauta neste

“desenvolvimento”, como categoria dominante de suas falas e, que em alguma

medida busca amortizar as situações polêmicas e de conflitos. Todavia, neste

cenário, a retomada do território tradicional indígena possui a ressignificação da

manutenção do território sob sua posse, em face de uma regulamentação

friccionada no conflito.

Sem tomar por consideração a situação socioambiental e a exaustão da Natureza e

todos os seus ecossistemas, para sustentar os projetos já empreendidos pelo

Estado, o governo tem pretensão de construir mais duas usinas hidrelétricas como

as de Riacho Seco e Pedra Branca; esta última estaria localizado no território

reivindicado pelos Tumbalalá.

Page 85: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

82

Observa-se no mapa, que os lugares apontados pelo governo para implementação

das barragens de Pedra Branca e Riacho Seco estão localizados no território

Tumbalalá, razão pelo qual os indígenas citam o principal motivo da FUNAI não ter

delimitado por completo o território reivindicado. A Chesf, em 2009, realizou reuniões

em comunidades do lado pernambucano, exibindo o referido projeto como

complemento da monstruosa obra da Transposição, mas, até o momento não houve

nenhuma apresentação de Relatórios de Impactos Ambienteis (EIA – RIMA) ou

JUAZEIRO

MARANHÃO

PIAUÍ

CEARÁ RIO GRANDE DO NORTE

PERNAMBUCO

PARAÍBA

ALAGOAS

SERGIPE

BAHIA

NATAL

FORTALEZA

TERESINA

JOÃO PESSOA

RECIFE

MACEIÓ

ARACAJU

SALVADOR

FEIRA DE SANTANA

JUASEIRO

PETROLINA

CARUARU

CAMPINA GRANDE

OLINDA

MOSSORÓ

JUAZEIRODO NOTE

CABROBÓ

SALGUEIRO

ITAP

EC

UR

U

PA

RN

AÍB

A

ALPERCATAS

ITAPECURU

GU

RG

UÉIA

PIAUÍ

CANIDÉ

AC

AR

CU

RU

Á

CHORÓ

BANABUIÚ

JAG

UARIB

E

PIR

ANH

AS

OU

U

SERIDÓ

CURIMATAÚ

PARAÍBA

UNÁ

GRANDE

PRETO

VASABARRIS

CORRENTE

RESERVATÓRIO

DE SOBRADINHO

RESERVATÓRIO

DE ITAPARICA

Região onde o

governo pretende

construir as

barragens de Pedra

Branca e Riacho

Seco

Mapa 6: Local de implantação das barragens propostas para o São Francisco (Chesf, 2009)

Page 86: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

83

audiência de consultas públicas.

AHE PEDRA BRANCANA = 343,00 m

POTÊNCIA = 320 MWQUEDA = 11,20 m

ÁREA INUNDADA = 84,2 km²

ÁREA DO RESERVATÓRIO =121,8 km²IACHO ECOR S

ROCÓO

TI TUMBALALÁ

TI TRUKÁ

Mapa 7: local de construção da barragem de Pedra Branca (Chesf, 2009)

A intervenção e as transformações ocasionadas pelos grandes projetos em lugares

identitários possui um discurso perverso. O argumento principal é de que o ser

humano constrói sua história ao transformar a sociedade, a Natureza e a si mesmo,

mas que não existem limites pela Natureza. Neste aspecto, a Natureza é concebida

como um conjunto de recursos utilizáveis. “A relação autoritária para com as

populações tradicionais tem sido a marca da intervenção das empresas do setor

elétrico, consultoras e autoridades do Estado. São erigidos artifícios que tem

criminalizado as populações que vivem nesses territórios” (ALMEIDA, 2009, p. 38).

Os povos indígenas ao contrário do apregoado, possui uma relação sistêmica com a

Natureza e tudo que há nela, a força da identidade social, étnica e territorial está

fortemente relacionados ao rio São Francisco, as lagoas, caatingas, cachoeiras, a

terra e tudo que nela existe: “Ecoa a vida em tudo. Em tudo a Natureza grita! E ela

apela e vem pedindo socorro de tanta dor que está sentindo. A Natureza tá chorando

Page 87: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

84

a dor do motosserra, da escavadeira, do fogo que está lhe queimando e lhe

arrancando a alma. É doloroso saber disso. Só Deus!” (Ana Tumbalalá, 2012). Mas

como transformar essa forma de percepção numa ação radical de luta contrária,

senão pela resistência a esse violento modelo de desenvolvimento? É sobre esse

sentido que se assenta toda a história do povo Tumbalalá!

Page 88: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

85

4. DO TRONCO AO GALHO TUMBALALÁ

4.1. O levantar da aldeia

“Tuxí, Turká, Tumbalalá

Aldeia Costa Mar Do tronco do Juremá”

(Canto de Toré da aldeia Tumbalalá)

O que nos afirma é a nossa religião, a união e a luta pela terra.

(Leideiane Marinheiro, liderança jovem, 31 anos)

A História mostra que os índios viveram nesta região, às margens da beira rio-

caatinga e em muitas ilhotas do rio São Francisco. Com a chegada dos

colonizadores, criadores de gado e missionários, o Aldeamento passa a ser uma

estratégia de dominação. Os índios Tumbalalá são identificados como sendo de

nação Cariri, situados nas áreas do riacho, hoje fronteiras entre Abaré e Curaçá,

lugares dos primeiros aldeamentos – Pambu, Missão Velha, além da Ilha do Aracapá

e a Ilha das Vacas, entre outras (REGNI, 1983, p. 11).

Dona Benigna, índia Tumbalalá (2012), conta que, aos 10 anos de idade, era

arrebatada pelos Encantos que a conduziram até as “areias” e mostraram os lugares

que era aldeia. A revelação dos Encantos na experiência da indígena sugere, para

os Tumbalalá, a necessidade de amostrarem o lugar da aldeia como estratégia de

autoafirmação e territorialização. Esse fenômeno é compreendido como uma

‘emergência étnica’32 determinado no “Laudo Antropológico do Grupo

Autodenominado Tumbalalá”, escrito pela antropóloga Mércia Rejane (2005), a

revelação pode ser compreendida também como a ‘reminiscência’, lembranças dos

antepassados contidas nas suas crenças, como pensadas por Platão (427-347 a.C)

(Souza, 1971, p. 53).

32

Desde a década de 1980, temos assistido a um aumento significativo nos estudos que tem como objeto a etnicidade entre os povos indígenas no Nordeste brasileiro. O foco tem recaído sobre o processo atual de etnogênese, ou emergência étnica. No caso dos Tumbalalá, estamos assistindo a um processo de emergência, com movimentos que possibilitem a formação de fronteiras étnicas, que permitam ao grupo no processo de constituição a demarcação de circuitos preferencias em meio ao conjunto social no qual está inserido (BATISTA, 2005, p. 39).

Page 89: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

86

Todavia, para os Tumbalalá, a significação do fenômeno, representa formas de

resistência étnica indicado na ciência do índio pelos Encantos dos seus ancestrais,

para mostrar que “aqui sempre foi lugar de índio e não se pode perder para os

dominadores, porque nossa cultura é aqui” (Cacique Cícero, 2012). Sobre isso, a

liderança religiosa Tumbalalá, possui uma explicação para o surgimento da Aldeia:

A aldeia de Tumbalalá ela foi surgida quando os índio morava nas areia que veio os Jisuita, que os fazendeiro dava as coisa pra eles (índios) tudo ajeitava. Aí chamaro os índio pra dar catecismo, os índio desconfiaro, assim mesmo desconfiado dizem que ia, que eu num sei né? Dizem que ia, foi quando surgiu a aldeia (Dona Benigna, 82 anos, 2012).

Com as missões salvíticas, os jesuítas impuseram padrões culturais aos nativos,

domesticando a vida nas tabas dos índios espalhados nas caatingas e ilhotas, e

estabeleceram “nova forma civilizatória” ao organizarem estes através de

aldeamentos (KERN, 1998; KERN & JACKSON, 2006). Os indígenas não têm

dúvida da sua ancestralidade, mas, bem sabem que a “revelação” dos Encantos

determinou o início da luta pela afirmação e pela busca de um território fundado em

meio aos diversos conflitos agrários estabelecidos na bacia do rio São Francisco.

Este entendimento é perpassado pelas gerações com a determinação de “levantar a

aldeia”,

A gente já nasce sabendo que é índio porque a gente ver o pai e a mãe praticando o costume. Os mais veio sempre disseram pra levantar a aldeia e hoje eu faço o que ele me ensinou passando pra os meus filhos. Já alcancei o meu avô pisando o Toré (Cacique Miguel, 41 anos, 2012).

Apesar de muitos escritos históricos duvidarem da condição étnica Tumbalalá, o

levante da aldeia na oficialização do seu reconhecimento, estreitou laços interétnicos

entre os Tumbalalá e os parentes Truká e Tuxá. Essa relação não lhes retirou a

condição de “índio de tronco próprio”, ao contrário, essa afinidade lhes permitiram

trocas de experiências e aprendizados da ciência e da mobilização política. Ficando

garantido aos Truká ajuda dos Tumbalalá para o seu levante político e étnico, com a

promessa de que depois os Truká os ajudariam em sua luta,

Page 90: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

87

A heterogeneidade aponta para diferenciações sociais, econômicas e religiosas entre esses povos, embora eles estejam em alguma medida unidos por critérios político-organizativos e por modalidades diferenciadas de uso comum dos recursos naturais (SHIRAISHI NETO, 2007 p.16).

Os indígenas demonstram que os ‘parentes’ Truká e Tuxá, ajudaram a levantar

aldeia Tumbalalá no processo de reconhecimento, atestando sua condição perante

os órgãos oficiais. Mas, estes já possuíam seu “seguimento” de índio. O jeito de lidar

com a ciência e a jurema lhes dava a demonstração perante os outros da

característica própria de sua etnicidade. Atestar essa condição perante os órgãos

oficiais era compromisso estratégico da articulação do movimento político dos

indígenas nesta região. Estes movimentos não retira do povo Tumbalalá sua

identidade tão questionada, ao contrário, lhes permite situar na História como

aqueles que ajudaram aos Truká a “fazer seu levante lá (Truká)”, pra depois fazer o

seu próprio “levante” em Tumbalalá,

Muitos dizem que nós não somo índio puro. Que somo levantado por Truká e Tuxá, mais eles são nossos parentes. A prova que nós somo tronco é que Tumbalalá sempre ajudou Truká na luta deles, pra depois eles ajudar a da gente. Mas, a luta lá foi pesada, Tumbalalá não podia mais esperar tinha que seguir em frente. Então o que eles fizeram foi ajudar a Tumbalalá ser reconhecido perante os órgão, porque viro que nós era de verdade índio por causa da ciência da jurema. (Cacique Cícero, 2012).

Apesar das conquistas pela autoidentificação dos povos (Convenção 169 da OIT) e

a superação dos princípios da tutela dos órgãos oficiais de gestão indigenistas, o

fato da identidade dos grupos ainda precisarem da oficialidade do Estado para ter

suas terras e seu “carimbo” como índio, mostra que ainda há variáveis colonizadoras

no trato com as demandas étnicas e territoriais dos povos indígenas. Assim, as

certificações de órgãos como FUNAI e Fundação Cultural de Palmares, no caso dos

grupos afrodescendentes, demonstram isso. Apesar de já serem “reconhecidos”

como indígenas (Diário Oficial da União -DOU de 02/06/2009), hoje o povo

Tumbalalá luta pela demarcação do seu território tradicional.

Os movimentos de apoio entre as três etnias irmãs, demonstra a capacidade de

Page 91: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

88

proteção e articulação entre esses “quando as coisas ficavam ruins com a

perseguição”. Por vezes, índios de Truká refugiavam-se na aldeia do lado da Bahia

“e aqui em Tumbalalá fazia no cruzeiro trabaio pra gente dá força pra eles lá” (Seo

Antônio de Lourenço, 2012),

As estratégias de ação e de aprendizado próprios do movimento indígena geram construções analíticas específicas, não inscritas nas pautas de comportamento anteriores ao contato interétnico, e nem nas formas próprias de operar do mundo não indígena; tais elaborações visam a compreensão e abordagem de um conjunto de problemas cuja eventual resolução e/ou encaminhamento torna as organizações indígenas uma das vias privilegiadas de acesso a bens e direitos sociais sistematicamente negados aos povos indígenas. (ALMEIDA, 2004, p. 38)

De fato, o procedimento e a vivência da cultura de índio são processos marcantes na

experiência Tumbalalá. Há uma demonstração de que com os conflitos e a

interferência dos não-índios quanto ao poder de domínio territorial e as heranças da

colonização missionária, ocorre um afastamento de indígenas em função das

perseguições e a negação dessa condição. Mas, na essência, os mais velhos, os

parentes de aldeias vizinhas ou os Encantos lhes concebem o aprendizado,

sobretudo, na troca de experiências das lutas de resistência.

Conforme demonstram os dados abaixo, nos processos de resistência étnica e

territorial do povo Tumbalalá, destaca-se na importante das contribuições das

mulheres, entre as quais Dona Odilia,

Page 92: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

89

Gráfico 1: Demonstração do número de entrevistados por gênero (2012)

Fonte: Pesquisa de Campo 2012.

Numa margem de entrevistados, 57% foram lideranças do sexo feminino e 43% do

sexo masculino. Destaca-se a importante contribuição de Dona Odilia33, índia

Tumbalalá que atuou de forma sistemática no processo de afirmação do povo Truká,

povo vizinho. Para os Tumbalalá a memória de Dona Odilia é um ponto de referência

para as lutas de territorialização e autoafirmação dos dois grupos,

Mas, aqui sempre teve quem enfrentasse o Toré mesmo no tempo da perseguição. Tinha um grupo que nem queria nem saber cum medo dos fazendeiro, mais outros fazia a prática muito secreto, escondido, né? Foram: eu mesma, Antônia de Zé Preto, Odilia de Paulo, Odilia Rodrigues, Raquel de Santana (mamãe), Rosa Santana, Oronço, Maria Carro, Luiz de Maria Rosa, as Pandé, Petrina, Maria e Alvelina (Dona Ernestina Santana, 82 anos, liderança religiosa, 2012).

Assim como Dona Odilia, as mulheres tiveram um papel importante nesses

aldeamentos. Desde o dom de receber os Encantos, como receptora da ordem das

revelações religiosas, como as que passam a participar das discussões e das

campanhas reivindicatórias mais gerais dos indígenas com o Estado brasileiro (como

o direito territorial; o direito à saúde; o direito à educação escolar adequada; o direito

33

Mais conhecida como Mãe Odilia ou Odilia de Paulo, foi parteira tradicional do povo Tumbalalá e teve grande importância para os dois povos, pelas ações bem sucedidas na realização dos partos seguidas de rituais. Mãe Odilia teve relevância no levante das aldeias Tumbalalá e Truká, por ser possuidora de diversas habilidades, no trabalho do Toré e a Mesa da Ciência.

Page 93: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

90

a um ambiente saudável; o direito ao controle e à autodeterminação sobre os

recursos naturais e à biodiversidade localizada nos seus territórios; o direito à

proteção e ao apoio dos órgãos do Estado de defesa dos Direitos Humanos). As

mulheres indígenas trazem novas pautas e preocupações, enriquecem o debate

interno do movimento, trazendo para o coletivo as avaliações e demandas dos

espaços específicos em que atuam como mulheres.

A exemplo, de Dona Maria de Lourdes, anciã da Aldeia (foto abaixo) que possui a

memória histórica do povo Tumbalalá. A riqueza de suas narrativas a cerca da

história do aldeamento trás na memória indígena a capacidade étnica de resistência

que Dona Lourdes intensifica e sustenta.

Foto 24: Dona Maria de Lourdes Gomes, liderança conhecedora do processo histórico e religioso do povo Tumbalalá – 84 anos. (TOMAZ, 2012)

Page 94: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

91

Gráfico 2: Distribuição de Lideranças por Gênero e Função (2012)

Fonte: Pesquisa de Campo 2012.

Do grupo entrevistado, o círculo interno do gráfico corresponde às lideranças do

sexo masculino, no qual 50% dos entrevistados são lideranças religiosas, 29% são

lideranças políticas, 14% são conhecedores da história e 7% correspondem ás

lideranças jovens. Enquanto que as mulheres representadas no circulo externo,

correspondem a 54% de lideranças religiosas, 31% de lideranças políticas, 8% são

lideranças jovens e 7% são conhecedoras da história.

Assim, o que estamos propondo pensar como o “levantar da Aldeia”, perpassa, os

discursos sobre o fenômeno do aldeamento em si. Antes, tratou-se de uma

estratégia colonizadora. Os indígenas o são, antes dos aldeamentos. Levaram para

estas “casas colonizadoras” sua identidade marcada pelas violências. Eles tiveram

que se haver com esta nova realidade. Para viver tiveram que resistir a isso. Em

algum sentido, estas casas eram para “apagar” a forma de ser índio. A primeira

forma de resistência indígena foi quando obrigados a deixar de serem eles foram

e permanecem sendo, apesar de toda e qualquer forma de violência.

Depois dos aldeamentos, novas configurações identitárias e territoriais foram

elaboradas pelos grupos indígenas e pelas faces do Estado. Novos modos de

nomeações e reconhecimentos foram estabelecidos, associadas às práticas de

perseguição e violências contra identidades indígenas no Nordeste que, como

Homem

Mulher

Page 95: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

92

estratégia de resistência, silenciou, escondeu-se, negou-se para afirma-se. Estes

efeitos decorrentes de tantas e infinitas coisas e mais do Decreto Pombalino34

tornou-se o sentido imperativo-colonizador nas vidas de milhares de indígenas, a

ponto de, no início do Século XX, se ter a sensação de não haverem mais indígenas

no Nordeste. O que chamaram de etnogênse, levantamento de aldeias, afirmação

étnica, emergência étnica, se observou na Bacia do São Francisco a partir das lutas

do povo Fulni-ô em Águas Belas/PE, que teve seu reconhecimento decretado na

década de 1930. Depois conquistaram esse “direito” os Tuxá, Truká e, hoje, temos

mais de 40 povos identificados na Bacia do São Francisco, totalizando mais de 90

mil indígenas (MARQUES, 2009).

Tomando esse fenômeno como um modo de resistência étnica, uma luta política, os

Tumbalalá vêm se mobilizando por seu reconhecimento étnico e territorial.

Alimentados pela esperança suscitadas nas conquistas de seus povos irmãos e pelo

direito que têm sobre seu território tradicional, hoje reivindicam a demarcação do seu

território tradicional, localizado em área de grande interesse do Governo Federal

que, negando as leis de proteção dos povos indígenas, tem implantado no nosso

território obras como a Transposição do São Francisco, construção de novas

grandes barragens e assentamentos de deslocados pelas barragens. Para nós, o

sentido de “Levantar Aldeia” é marcado por essa solicitação de justiça e

humanização para com o povo Tumbalalá.

4.2. O Etnônimo Tumbalalá

Há uma evidência na “subjugação dos indígenas no Nordeste”35 associada a um

verdadeiro preconceito étnico, ao observar a postura contestável de uma matéria

34

Período Pombalino se refere ao Marquês de Pombal. Em 1759 é publicado o decreto Pombalino que tem por finalidade a expulsão dos Jesuítas e a organização da educação a serviço do Estado. Este período é marcado pelos padrões de educação que até então eram impostos pelos jesuítas. O decreto pombalino, ainda proíbe o ensino de línguas indígenas nas escolas das missões e impõe o ensino do português aos índios (séc. XVIII). Disponível em <http://www.labeurb.unicamp.br/elb/indigenas/ensino_linguas_indigenas.html>. Acessado em 14 de março de 2012. 35

A temática indígena no ensino brasileiro vem, ao longo da História, sendo tratada de forma inadequada, tanto pelos projetos pedagógicos como pelos livros didáticos. O aluno do Ensino Fundamental aprende que as populações indígenas tratam-se de grupos étnicos formados por pessoas que andam nuas, têm cabelos lisos, moram em ocas, falam Tupi e veneram o deus Tupã. No

Page 96: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

93

publicada pelo jornalista Lonrenzo Aldé, anunciada na “Revista de História da

Biblioteca Nacional” em 01/03/2007, intitulada “Etnia para Que te Quero: Políticas

Sociais Baseadas em Critérios Étnicos Fazem Surgir Novos Povos e Comunidades

Tradicionais. Como o Brasil ‘Miscigenado’”. Esta matéria procura desqualificar o

processo de resistência étnica do povo Tumbalalá, ao afirmar que:

Curiosos podem ser os caminhos para o nascimento de um povo. O maculelê foi a inspiração dos Tumbalalá para designar sua etnia, oficialmente reconhecida em 2001. Tumbalalá é uma variação de “tumba lá e cá”, canto de capoeira tradicional que acompanhava a dança de origem africana, marcada com bastões e executada apenas por homens. Animando festas profanas em Santo Amaro da Purificação, terra de Caetano Veloso, o maculelê tinha seu grande momento no dia 2 de fevereiro, data de Nossa Senhora da Purificação, padroeira da cidade, em que os negros celebravam sua orixá Iemanjá. O canto foi popularizado para o país por Toquinho e Vinicius de Moraes, autores de Maria vai com as outras, canção cujo refrão evocava a tradição da capoeira: “Tumba ê, canção/ Tumba lá e cá/ Tumba ê, guerreiro/ Tumba lá e cá/ Tumba ê, meu pai/ Tumba lá e cá/ Não me deixe só”.

Ocorre que, numa demonstração de ignorância, o jornalista demonstrou

desconhecimento histórico e preconceito étnico, uma tentativa de desqualificação da

autoafirmação do povo Tumbalalá. Ignorando ainda, os processos socioculturais

vivenciados pelas etnias no Nordeste, que buscaram através da mobilização e da

organização, o seu reconhecimento oficial pelos órgãos estatais. O Cacique Cícero

(2012) demonstrou que o etnônimo Tumbalalá apareceu na sua origem muito antes

do que é mencionado pelo jornalista,

O nome Tumbalalá foi descoberto na década de 30 através de nossos rituais que em seis trabalhos da ciência se confirmou o nome Tumbalalá. O nome Tumbalalá foi dado pelos Encantados de Luz. A gente não diz, é segredo do nosso povo. Quem quiser acreditar que acredite. (Nova Cartografia Social do Brasil, 2008).

Ao questionar os indígenas sobre a denominação deste grupo étnico antes do

trabalho desenvolvido as principais questões levantadas pelos alunos eram “se os índios comiam os brancos”, “se andavam nus”, “se eram hostis” e “se eram sujos”. Isso reflete uma visão que foi construída num quadro de desinformação marcado pelo preconceito e discriminação (GRUPIONI, 1998, p. 191).

Page 97: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

94

surgimento do etnônimo, Cacique Cícero inferiu: “Antes só erámos índios de tal

lugar”. Como de fato a historiografia demonstra que os índios eram denominados

pelo seu lugar, como corroborou Regni (1993, p. 12) ao tratar das missões de Frei

Martinho de Nantes. Existiam os índios da Ilha do Pambu, os índios da Ilha do

Aracapá, os índios da Ilha das Vacas, a Aldeia de Cavalo, entre outras. Todavia,

importa dizer que o etnônimo Tumbalalá surgiu na identificação de famílias indígenas

que se interligavam e se identificavam num mesmo tronco comum.

Outro importante contexto exige compreensão, a partir das crenças Tumbalalá. Entre

os indígenas os limites dos segredos revelados nos rituais têm características

particulares, estabelecidas de acordo com a experiência vivenciada por cada

membro. Quando Dona Benigna (2012) afirmou que não podia dizer sobre o

significado do etnônimo Tumbalalá porque este “foi revelado para outra pessoa”,

demonstrou que em determinado contexto, informações relativas aos segredos são

experiências do sagrado, onde somente a pessoa que recebeu o “poder” da

informação pode revelar.

O Cacique Miguel (2012), compreendeu que o que tem por trás do etnônimo

Tumbalalá é imbuído de uma grande ciência que faz parte de sua cultura: “O nome

da aldeia Tumbalalá tem uma grande ciência. Os mais velhos nunca quiseram dizer,

eu também num quis insistir. Mas, no meu modo de pensar é uma cultura”,

Os Encantos quando chegavam diziam que aqui era a aldeia Tumbalalá. A ciência que pai passou pra mim eu não posso dizer é segredo da Aldeia, mesmo tendo índio por dentro nem tudo que sabe pode dizer. É um segredo do ritual. Nós somos guerreiro e temo que lutar, que não é só ser índio pela pele, tem que ter o ritual. Nós vamos plantar aquilo que os véio deixou prás geração de hoje. O que pai deixou foi as vestes, o kuaqui (que é o guia da mão), não é guia que chegou (Encantado). Ciência das águas e a ciência da Jurema, sem isso não tem o trabalho. Num pode fazer um Toré ou a Mesa sem a Jurema. Os mais véio é que vieram e passava prá nós (Dona Cândida, liderança religiosa, 2012).

Em culturas tradicionais a revelação de nomes relativos a identidade do grupo são

atribuídas por entidades cuja marca essencial é a natureza do segredo associado ao

Page 98: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

95

nome. No Candomblé, por exemplo, a dijina36 do Babalorixá e Yalorixá são reveladas

pelo orixá e se institui desde então como um segredo. O segredo não é apenas uma

necessidade simbólica, mas, a necessidade de autoproteção étnica.

Percebe-se, pois, que os modos de resistência Tumbalalá, antes associada às

marcas colonizadoras das terras dos sertões, se reelabora e, no nosso século, situa-

se como uma construção epistemológica de descrever o sentido da história, de

“provar” materialmente como existimos como indígenas nas margens do São

Francisco. Inclusive, provarmos, porque temos nosso nome. Somos a todo instante

colocados à prova! Não basta sermos, temos que provar que somos, para termos

acesso aos nossos direitos. Esses fenômenos são observados nos discursos

antropológicos, na mídia, nas tensões jurídicas, enfim. Estamos às voltas de uma

“guerra etnográfica”, onde, nossa luta, é para assegurar o direito de ser quem

somos, quando, há uma quantidade de sentidos que tentam nos negar.

4.3. Autoafirmação e o sentimento de pertencimento

Os índios Tumbalalá costumeiramente sabiam de sua condição étnica por causa das

narrativas passadas pelos seus descendentes e ascendentes: “Os mais velhos

sempre contava que aqui era lugar de índio, que era uma aldeia. Minha vó cantava

os cantos diferentes e ela disse que era canto de índio, que aqui era uma aldeia,

canto de Toré” (Cacique Cicero Tumbalalá, 2012). A autoafirmação e o sentimento de

pertencimento à etnia Tumbalalá estão relacionados com a forma como estes

vivenciam os seus costumes e tradições.

36

Dijína, palavra de origem kimbundo Rijina, lígua bantu que significa "nome". Nos candomblés de origem Bantu, o nome do Nkisi da pessoa deve ser secreto, não se diz em público, somente o pai ou mãe de santo deve conhecer. Os iniciados após a feitura recebem uma dijina (apelido) que a partir de então é conhecida por todos no dia do nome, sendo conhecido e chamado somente por este nome dentro do culto religioso. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dij%C3%Adna>. Acesso em: 28. 0ut.2008. Usando o vocabulário Yoruba para a formação de uma dijina, difere do método usado pelos yorubanos na formação de um Oruko (nome), pois todos sabemos que um oruko é dado a um iniciado conforme a sua atual situação. Nas dijinas são usadas palavras que qualificam um determinado Nkisi ou uma frase que exprima algo relacionado a ele, como por exemplo: OBALADE (oba ni ade) = O rei tem coroa - "O rei coroado"; BABALEMI (baba ile mi) = O pai da minha casa. Disponível em <http://www.geocities.com/ominjile/index.html>. Acesso em: 28.Out.2008. (Candomblé e Umbada no Sertão: Nova Cartografia Social dos Terreiros de Paulo Afonso, 2009, p.48).

Page 99: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

96

Gráfico 3: Sentimento37

sobre o pertencimento à aldeia e a afirmação étnica (2012)

Fonte: Pesquisa de Campo 2012.

Numa margem de citações comum entre os indígenas entrevistados 27% desses

disseram que sabia da “condição de ser índio e que moravam numa aldeia”, 26%

dos indígenas disseram que são índios porque “dançam o Toré”; 18% disseram que

sabia de sua condição de índios porque “os mais velhos lhes diziam” numa

demonstração de que a transmissão sempre fez parte da tradição, e ainda, que têm

“orgulho de ser índio”; 11% infere que são índios porque “nasceram nos costumes”.

Manter a memória da identidade do povo Tumbalalá tem uma significação de

resistência a todas as formas de interferência que ocorreram no ambiente físico,

social, politico, ecológico e cultural.

Para o povo Tumbalalá, a memória étnica indígena continua forte e viva. Este

movimento identitário não apenas foi evidenciado por causa das mobilizações

preexistentes na busca e defesa territorial, mas, sobretudo, pelas afirmativas na

relação constitutiva do povo através das suas manifestações religiosas. Os

Encantados de luz, entidades ancestrais que incorporam na pessoa e “levanta a

aldeia”, são fenômenos basilares na sustentação da “cultura do índio Tumbalalá”.

37

Discurso dos indígenas sobre o sentido de ser índio, sobre o aldeamento Tumbalalá e a sua autoafirmação.

Page 100: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

97

Mesmo a “miscigenação” e as diversas influências ocasionadas na vida Tumbalalá,

não foram capazes de sucumbir a historicidade indígena marcada pelas atrocidades

ocorridas desde os tempos coloniais. Essa condição é evidenciada quando Dona

Cândida, liderança religiosa (2012), inferiu: “Que não se pode ser índio pela metade.

O índio não é só a pele, o índio é aquele que vive o ritual”.

O ritual Tumbalalá é o espaço de conexão destes com os Encantados, que através

do “médio, o aparelho (Encantos) diz o que precisa”. Segundo Dona Benigna,

liderança espiritual (2012), “O índio tem que ser por inteiro, tem que se aceitar e não

ter vergonha; viver a natureza de índio e viver os Encantos”. Esta é a sustentação da

cultura indígena Tumbalalá, que se mantem fortalecido nesta condição identitária e

no seguimento dos mais velhos passados às gerações. Assim, vê-se nos dizeres:

“Sou índia porque nasci índia, eu sou índia. Porque a famia de minha mãe era índia,

desde o tronco até o ramo” (Dona Benigna, 82 anos, 2012). A condição étnica de

“ser indígena” passa pela ancestralidade e pela perpetuação dos costumes,

Fazer como os mais velhos, mesmo sem ver uma luz assim, uma coisa lá na frente, uma certeza, mas, sempre acreditou. Acho que tem que passar para os que tão hoje e para os que tão pra vir, com a força e a união e a prática do ritual vamos conseguir [...] está dentro do acreditar. Saber que vamos chegar lá. Saber que nossos filhos, filhos da terra, aonde qualquer mistura de raça outros chegaram depois. E nós continuamos aqui. Porque com a prática dos nossos rituais, mesmo com toda perseguição, com toda violência que teve, nós continuamos acreditando (Cacique Cícero Tumbalalá, 51 anos).

A revelação dos Encantos sagrados na etnia Tumbalalá, consiste numa conexão que

conduz os caminhos que direciona o povo. Isso acontece, com a relação entre a

realidade concreta e a realidade não comum que formam o mistério da vida e que

são estabelecidas na prática ritualística. Os Encantos fortalecem o povo, apontam

caminhos e revelam a missão de cada membro do grupo como fonte inspiradora,

estes, advertem, ensinam, realizam curas, aconselham, revelam segredos e, ainda,

ajudam na perpetuação da cultura.

Page 101: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

98

Foto 25: Índios Tumbalalá na preparação para o ritual na aldeia Palestina na área da retomada em 2012 (TOMÁZ, 2012)

A tradição Tumbalalá é mantida pelos costumes culturais praticados desde os

“troncos velhos” que ensinaram a ciência do índio às “ramas” mais novas. Como

demonstrou a liderança religiosa:

Eu num credito que alguém diga que num sou índia, porque sou índia até morrer, diga: eu sou índio até morre eu sou índio, num diga que num é índio, porque a nossa nação foi índia, a nossa nação foi índia, e quem tirou? Deus num tirou, Deus deu foi força, Deus deu fruto. Porque Deus deixou tronco e o tronco brotou e o tronco deu galho e o galho tem que trabaiá, se o gaio num trabaia ela num vai pra canto nenhum. Se alguém faz mangação prá onde essa aldeia vai? Ela num vai não, desse jeito ela num vai, acha que eu tô certa? Então eu preguntei a véia Cesária, disse: Dindinha Cesária aqui vinha índio?, ela dizia: vinha, forgava38. Tá bom vinha, vinha, tem forgado. Eu sei de forgado, que ali era um forgado que até mato poco nesse pé de imbuzeiro num nasce (Dona Benigna, 2012)

O aprendizado Tumbalalá é transmitido pelos mais velhos que são os ‘troncos’ e

recebidos pelos os mais novos índios que são as ‘ramas’, e que passam a serem

sabedores do conhecimento e da ciência, que é advinda dos Encantos na conexão

com a realidade comum. Esse aprendizado é vivenciado com a prática dos

costumes, com o Toré e a Mesa da Ciência. Neste sentido, a linhagem histórica da

relação de parentesco também se relaciona com a perpetuação da tradição. Mas,

não apenas isso, a identificação com a tradição e a própria relação constituída com a

Natureza e todas as suas formas, determinam a condição deste ser indígena. Então,

38

Forgar significa dançar o Toré.

Page 102: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

99

não basta simplesmente, uma relação parental, mas, uma relação com troncos

velhos de outras linhagens já lhes concede um referencial. Contudo, é necessário

está infundido de elementos do ser indígena – a tradição – o Encanto – a Natureza e

tudo que há nela.

Figura 1: Troncos genealógicos a partir das famílias que cuidam hoje da tradição Tumbalalá (2012)

Enramamento Tumbalalá

Page 103: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

100

4.4. A garantia do território e a luta Tumbalalá

Fonte: Pesquisa de Campo 2012.

Figura 2: Linha de tempo dos conflitos emergentes mais evidenciados no território Tumbalalá

Movimentos dos

missionários nos

aldeamentos

Tumbalalá

É dado o nome da Aldeia pelos

Encantos

Trabalho

politico pra

levantar a

Aldeia

Trabalho

politico pra

levantar a

Aldeia

Reassentamentos de

atingidos de Barragens

no território Tumbalalá

Esforço de formalizar a

antogênese Tumbalalá –

Pedido de Reconhecimento

Presença de lideranças Tuxá

e Truká pra reconhecer os

Tumbalalá perante o órgão

oficial.

Laudo antropológico

Autodenominação

Tumbalalá.

Ocupação do canteiro de

obras contra a

Transposição, marco da

Retomada Tumbalalá

Conclusão do Relatório de

identificação e delimitação do

território Identificado e

aprovada pela FUNAI. Sujeito

a contestação.

Conflito com posseiros –

impedimento do Grupo de

trabalho para realização

do relatório

circunstanciado

Resistência na

Retomada pela

publicação da Portaria

Declaratória do

território.

Séc.

XVII,

XVIII e

XIX

Séc. XX

Anos

30

1978 2010 -

2012 2001 1998 -

1999 1983 1986 -

1987

2002 -

2003 2009 2007

Page 104: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

101

A relação do povo Tumbalalá com o território é fundada nos fortes movimentos

identitários e a busca do espaço relacional que se configuram no estabelecimento da

territorialidade específica. Esta relação é para Almeida & Santos (2008, p. 69) como

algo que reflete a transferência do estado atomizado dos indivíduos para o espaço

da formação da consciência cultural e política, e da interação social que se articulam

com outros segmentos sociais, cadenciam sua capacidade dialógica que passam a

se inserir na práxis de mobilização étnica, nos níveis de ação política coletiva.

A consistência das abordagens e mobilizações e relatadas pelos indígenas

entrevistados, referem-se ao território que historicamente foi habitado pela nação

Kariri em todo contexto de evangelização colonial dos séculos XVI, XVII e XVIII. O

território tradicional do povo Tumbalalá identificado e publicado em 2009, no Diário

Oficial da União ganhou grande visibilidade, sobretudo, por causa dos

empreendimentos iniciado com a implantação do projeto Pedra Branca que ocupa

uma vasta área reconhecida historicamente como território Tumbalalá,

Terra de índio não precisa necessariamente ter um documento dizendo onde começa e onde termina. O índio sabe, conhece onde plantou, onde caçou com seus filhos, onde folgou. Conhece o campo e todos os mistérios que ali se encontram (Robson Tumbalalá, 2012).

Os conflitos relacionados com os Tumbalalá estão marcados de um lado pela

subjugação colonial e neocolonial associados aos povos indígenas no Nordeste, que

na contemporaneidade, são censurados e colocados numa condição de “não serem

índios puros”. Não é possível conceber esta “verdade racional” tendo em vista uma

pluralidade epistemológica39, uma vez que a ressignificação das flechas dos lugares

abrigados na memória espacial conjugada com a memória corporal dos Tumbalalá,

se relaciona diretamente com os Encantos, experiências genealógicas, movimentos

culturais, como a ciência da jurema, o Toré e outras tradições, relações sociais

interétnicas e conexões humanas entre índios e não-índios, movimentos políticos e

conflitos de interesses hegemônicos imposto no território,

39

Epistemologia. [Do gr. epistéme, 'ciência'; 'conhecimento', + -o- + -logia.]. Significa o conjunto de conhecimentos que têm por objeto o conhecimento científico, visando a explicar os seus condicionamentos (sejam eles técnicos, históricos, ou sociais, sejam lógicos, matemáticos, ou lingüísticos), sistematizar as suas relações, esclarecer os seus vínculos, e avaliar os seus resultados e aplicações. [Cf. teoria do conhecimento e metodologia].

Page 105: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

102

Quando o questionamento da verdade se mostra capaz de elaborar sobre o passado, deve opor-se a representação falsificada ou irreal do passado a oposição de um outro conhecimento. A epistemologia metafórica não requer uma leitura racional tal como a sua inteligibilidade não exprime a verdade absoluta (MIRA, 2012, p. 3-4).

Por causa desta repressão, a mobilização dos indígenas no Nordeste para garantir e

efetivar os direitos de autoafirmação étnica surgiu com força no Brasil. Esse esforço

esta relacionado com a ressignificação de sua condição étnica, marcada pela

estigmatização preconceituosa instaurada por setores contrários a reinvindicação

indígena,

Este processo consiste em lograr forças em torno de estratégias de inclusão social, sustentadas pela categoria “índio” no âmbito indigenista, denotando o avesso da noção de “índio” presente no senso comum, conforme Pacheco de Oliveira. A segunda acepção de “índio”, adjetivada pelo senso comum e pelo público mais amplo, é a base de um bloqueio epistemológico, que não permite aos sujeitos étnicos a aproximação entre políticas de identidade e políticas governamentais. Um dos aspectos dessa obstrução é a incompreensão das formas organizativas das etnias frente à sociedade preconceituosa e segregadora. O efeito da não compreensão está no fato de os aparatos de poder não tornarem factíveis os direitos coletivos dos sujeitos, aqueles reivindicados pelas unidades étnicas específicas na forma coletiva e associativa. Ao contrário, as ações políticas paliativas se afastam do campo coletivo e estacionam no espaço das ações individualizadoras (SANTOS, 2008, p.69)

A simples positivação de direitos de autoafirmação e territorialização dos povos

indígenas colocadas na Convenção 169 e na Constituição Federal brasileira de

1988, não foram acompanhadas de políticas públicas de combate ao preconceito

étnico, provocando um abismo entre as normas constitucionais e a realidade social:

“O Estado brasileiro tem o dever de observar e respeitar aquilo que é específico de

cada etnia e cultura de cada povo, assim como a luta e o movimento” (Cecilia

Tumbalalá, 2012). Importante salientar, é que a constituição da identidade de um

povo é um processo que dá ressignificações de acordo com os hábitos, costumes,

tradições culturais e práticas sociais e politicas em movimento.

Page 106: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

103

Tabela 1: Tipologia de conflitos socioambientais no Território Tumbalalá

TIPOS DE IMPACTOS TIPOS DE CONFLITOS

Impactos da Barragem de Sobradinho na biota do rio e nos ecossistemas

Evidencia as perdas da cultura imaterial e material do povo Tumbalalá.

Impactos de Itaparica: implantação do Reassentamento – complexo de agrovilas denominado Pedra Branca

Intrusamento e os atos predatórios provocados pela instalação de 19 agrovilas e 4.600 pessoas.

Impactos da Transposição do rio São Francisco Desmatamento, cooptação, diminuição da poligonal do território étnico Tumbalalá. Diminuição da vazão do rio e interferência em todos seus ecossistemas.

Impactos das barragens: Riacho Seco e Pedra Branca, Usina Nuclear. Ameaças psicológicas, medo, perda de partes do território, desapropriação, intrusão, etc.

FORMAS DE ENFRENTAMENTO

Participação no Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco Greve de Fome I e II de Frei D. Luiz Cappio Audiência Alternativa Pública sobre o Projeto de Transposição viabilizada pelos organismos sociais Ocupação canteiros de obras da Transposição Relatos de denúncias e proposições para revitalização Estudos do Patrimônio Genético Retomadas de Território Tradicional Seminários e Oficinas Relatos de Denúncias da Construção de Barragens. Seminários e Oficinas da Cartografia Social Lançamento Relatório de Denúncias a Organização Internacional do Trabalho e ao Governo Brasileiro Audiências de Denuncia e Campanha Opará contra a Transposição em Defesa de um Projeto de Convivência com o Semiárido Construção de Cartas, Notas Técnicas de Denúncias sobre violação dos Direitos Tumbalalá Elaboração e Execução de Projetos do Meio Ambiente nas Escolas Projetos de revitalização dos Riachos e Rio São Francisco Participação em mesa redonda/fórum/seminários Estudos de pesquisas – ampliação do nível de escolaridade do povo Enfrentamento Tumbalalá – Retomada – Resistência indígena.

Fonte 2: pesquisa de campo (2012)

Page 107: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

104

Outros conflitos estão relacionados, com o poder de posse estabelecido no território

tradicional associado à disputa com os grandes projetos governamentais que vem

impedindo a demarcação do território Tumbalalá. A construção das hidrelétricas, o

projeto de Transposição do Rio São Francisco e ainda a ameaça de construção das

barragens de Pedra Branca e Riacho Seco, afetam diretamente este território, razão

pelo qual, não existe pretensão governamental de demarcação territorial da forma

como os indígenas têm reivindicado.

Hoje, a demarcação do território tradicional Tumbalalá converteu-se numa estratégia

do Governo Federal. Ao negá-lo parcializa sua totalidade, ou seja, ao estruturar uma

justificativa que recorta dessa territorialidade específica as áreas do Projeto de

Transposição, das grandes barragens, dos assentamentos para os atingidos pela

Barragem de Itaparica, entre outros, não oficializar seus modos de violação dos

direitos indígenas aos territórios que tradicionalmente ocupam, conforme

estabeleceu a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho - OIT. Entretanto, inspirado nas conquistas dos povos

indígenas, o povo Tumbalalá reivindica a demarcação total do seu território,

conforme “guerra dos mapas” abaixo.

A poligonal do território apresentado pela FUNAI faz um recorte que deixa de fora

lugares históricos e sagrados, como espaço onde estão instalados os

reassentamentos da Chesf e lugares como: Riacho São Francisco, onde moram

diversas famílias indígenas, Ipueira, Fazenda do Aracapá, Serrote Frutuoso, Lagoas

dos Porcos, Lagoa do Barbosa, e localidades entre o Serrote Tambador e a Serra do

Pires, antigos lugares de rituais Tumbalalá, todos excluídos da demarcação

territorial. Outros lugares como a Pedra da Letra, encontrada no território étnico, é

um lugar sagrado para os Tumbalalá, no entanto, não são apontados nesses marcos

demarcatórios oficiais.

Nasci aqui na Ipueira e tenho 55 anos, meu pai nasceu aqui no Riacho São Francisco da Fazenda São Francisco. Meu pai e minha mãe têm história de índio, eu moro aqui. E aqui tem 76 famílias, muitas são índias mais num sei porque num se identifica.(Carmelita Maria da Silva, 55 anos).

Page 108: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

105

Mapa 8: Etnomapa Tumbalalá – Cartografia Social (NECTAS, 2008)

O território está diretamente ligado à identidade Tumbalalá, o uso, a relação com o

São Francisco e seus ecossistemas, bem como os valores e a cultura, como

considerou o Cacique,

O território de índio hoje deve ser preservado pelos próprios índios, não dar pra esperar somente pelo órgão. O índio é que tem que preservar por causa da prática do ritual e para manter as plantas da Caatinga. As plantas medicinais, as plantas que agente depende pra fazer nossos rituais e o ritual ficar forte. São as plantas que curam nas águas, nos rios, nas matas. E a continuidade do nosso território e da luta não termina com a demarcação do território. Depois que demarcar a terra, tem a luta pela sobrevivência que continua. A continuidade do futuro dos nossos filhos pra que nunca se acabe (Cicero Tumbalalá, 2012).

A proteção cultural, natural, material e territorial ameaçados de destruição pelo poder

econômico, bem como pelos eventos naturais e degradações dos modelos de

desenvolvimento predador, intensificam o empobrecimento social e comprometem a

existência dos povos indígenas nesta região são-franciscana. Para isso, o Cacique

Tumbalalá tem claro, que não basta apenas a demarcação do território, mas,

sobretudo, políticas que corroborem com a perpetuação da existência dos povos

indígenas e que garantam as condições de vida das presentes e futuras gerações,

conforme definições da CF/88 e da Convenção 169 da OIT.

A luta pelo território é processo definidor na obstinação Tumbalalá. A demarcação,

homologação e desintrusão das terras indígenas e as garantias para regularização

Page 109: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

106

são desafios que ainda estão longe de serem efetivadas. Por isso, a resistência

indígena é mantida historicamente como força promissora. O que podem chamar de

“emergência étnica” ou “invenção étnica” é muito mais para os Tumbalalá, força de

resistência, ressignificação cultural, política e tradicional. Tudo a fim de manter viva

as mobilizações em função do seu território, como espaço garantidor da perpetuação

étnica e, este, ainda tem um significado de manutenção e proteção dos

ecossistemas, habitats naturais e manutenção do próprio povo Tumbalalá e suas

relações socioambientais.

A luta através do instrumento da “retomada” do território étnico é a estratégia de

mobilização com intento de garantir a efetivação do direito ao território. A retomada é

o lugar de encontros de todas as ramas dos troncos velhos, que se revezam numa

área denominada Fazenda Palestina, a poucos metros do povoado Pedra Branca,

onde se concentram grande número de não-índios instalados no território étnico. A

retomada é uma forma de “retomar aquilo que um dia já foi deles”. É o lugar onde se

estabelece o conflito, a tensão para homologação da demarcação do território

reivindicado e a desintrusão dos não-índios. “É o que os Tumbalalá já deveria ter

feito há muito tempo, mais num deu porque a gente tava ajudando primeiro aos

parentes Truká, num sabe!? (Cacique Cícero, 2012). Como afirmou uma

entrevistada, “A pessoa tem que lutar por ela [terra], pai dizia que ia passar pra lutar

lá em Truká, muitos ajudaram a Truká pra depois ajudar a Tumbalalá.” (Cândida,

liderança religiosa, 2012). A resistência na luta é um orgulho Tumbalalá:

Eu me sinto índio e vivo muito bem sendo índio Tumbalalá. Porque eu tenho muito prazer de ser índio viver aqui na aldeia, lutar para a demarcação do território e deixar uma história de luta para meus filhos, netos, bisnetos e toda geração. A gente tem que deixar uma escola indígena com cultura de índio e não esses negocio que fica tocando nas rádios que destrói nossa cultura. Tem é que dançar mais o Toré. Esquecer mais a bebida, as música véa que destrói. Um território de índio deve ser com muita luta e chamar a atenção. Tem que “implacar” no começo da terras com o nome “Seja bem-vindo a Tumbalalá” (Domingo dos Santos, 45 anos)

A reminiscência para um Tumbalalá é a sua ressignificação étnica. Mas, não é

possível conceber a existência de uma ressignificação universal. As ressignificações

são diferentes, múltiplas, interativas, imbuídas de memórias e saberes. De forças

Page 110: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

107

comuns e incomuns, de verdades não ditas e não absolutas, de objetividades e

subjetividades. Resistência para um Tumbalalá é “passar por tudo e continuar”40

É “ser tronco que brota e que dá galho pra trabalhar”41.

40

Fala do Cacique Cicero Tumbalalá em 2012. 41

Fala de Dona Benigna Tumbalalá em 2012.

Page 111: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

108

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sentido relacional da Ecologia Tumbalalá permite compreender um conjunto de

unidades dinâmicas e criativas, no campo social e politico interativo, elaborado pelo

uso de aspectos simbólicos e substancializada pela memória de troncos que se

comunicam com realidade comum do povo indígena, destarte, traz consigo aspectos

identitários, étnico-culturais e territoriais. Todavia, a intepretação singular expressada

pelos Tumbalalá, remete a uma compreensão “que cai por terra a ideia de uma

concepção de comunidade étnica como sendo imemorial” (ALMEIDA & SANTOS,

2009, p. 70), é, antes, estabelecida no campo das lutas e conflitos, da resistência

como povo indígena no São Francisco.

Os aspectos “imemoriais” trazidos pelos indígenas são expressões desta

comunicação sistêmica vivida pelos Encantos, que “dão aos Tumbalalá razão de

creditar na condição de ser índio” (Cacique Cícero, 2012). A busca pela sua

validação étnica é colocada num campo politico de comprometimento dos órgãos

oficiais na constituição de políticas públicas, que lhes permitam alcançar os direitos

garantidos, que na maioria são pouco menos efetivados. A exigibilidade, de uma

autenticidade étnica é imposta pelos órgãos estatais como condição para validar a

indianidade, e ainda, suprir a necessidade da territorialidade.

Para tanto, os elementos são organizados e objetivados numa lógica politico-

organizativos, por vezes questionados. Apesar dos avanços, ainda vemos as

identidades indígenas e de outros povos tradicionais serem estabelecidas pela via

da lógica colonialista, a exemplo dos instrumentos de certificações como os da

FUNAI e Fundação Palmares, para o caso dos afrodescendentes. O que diz a

Convenção 169 da OIT precisa de outro referendo colonialista. Ainda não basta o

índio dizer que é índio. É preciso que o “outro” (o Estado) o reconheça como tal.

Não obstante, “não importa” aos indígenas essa substancialidade genealógica a qual

são colocados perante os órgãos para se autovalidar através dos elementos

sagrados, de suas crenças, símbolos e território e, até mesmo, trazendo presente o

“conflito científico sobre a legitimidade da ancestralidade”. Importa a clareza étnica

que os mesmos possuem com o sistema complexo do sagrado e o sistema

Page 112: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

109

complexo politico que os fazem ser aquilo que são.

As dinâmicas de inter-relações étnicas (quer seja com os não-índios, desde os

tempos coloniais até agora, passando pela “mistura” negra, cigana ou qualquer outra

etnia), não retira do povo sua etnicidade. A multiplicidade étnica que lhes é

característica não poderá ser invalidada ou estigmatizada, uma vez que a resistência

étnica é transbordada de conhecimentos, de redes de interações (Truká e Tuxá, por

exemplo), de inter-sociabilidades organizacionais e políticas, bem como, a

contextualidade grupal que lhes permite uma “unidade” étnica.

Inúmeros estudos apontam para a relação diferenciada dos indígenas com a

Natureza tomada por estes povos pela via do sagrado (MARQUES, 2008), os quais

estabelecem relações étnico-culturais com os sistemas naturais do Bioma Caatinga

e do rio São Francisco, e que a partir destas constroem saberes que se contrapõem

aos modelos hegemônicos desenvolvimentistas impostos aos povos no São

Francisco, que ao longo dos anos inviabiliza de forma violenta territórios e

identidades tradicionais e aprofunda a estigmatização do ser indígena para o senso

comum.

Os direitos de autoafirmação e demarcação territorial são direitos inalienáveis,

mesmo assim, há uma profunda ausência de politicas públicas de Estado. Os

chamados processos civilizatórios refletidos no senso comum estão num campo de

tensão, nos lados de uma mesma moeda. Numa face, o fenômeno da invalidação da

identidade com toda subjugação e, do outro, os interesses territoriais de poder

econômico. “A moeda é desqualificada e desvalorizada para fins de interesses

políticos e economicistas, o lugar do nosso povo, é lugar de barragem, de

Transposição, de modelo de produção que envenena a terra e arranca a Caatinga.

Arranca da terra tudo que ela tem. Aqui é lugar de interesse do pode político, do

pode do latifúndio e do capital, é mais fácil desqualificar e nos desvalorizar” (Cecilia

Tumbalalá, 2012).

A desqualificação étnica relacionada ao povo Tumbalalá é motivada por parâmetros

técnicos específicos e descontextualizados, que subsidiam pareceres e decisões

políticas e governamentais e, ainda, criam processos de sujeição coletiva. Ao

Page 113: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

110

mesmo tempo, as complexas formas de estratégias estabelecidas pelos sujeitos

coletivos, buscam mecanismos de defesa na constituição das formas de resistência

étnica. A retomada da terra, a manutenção das expressões do sagrado são

alimentos da ressignificação dada à tradição Tumbalalá. A memória dada pelos

Encantos nas narrativas apresentadas possuem as virtudes de uma consciência

politico-social-ambiental-territorial e sagrada que o povo Tumbalalá potencializa.

Imergidos na sua tradição de índio, os Tumbalalá concebem com clareza sua

condição através de sistemas organizativos sociais de resistência, aos quais

recupera processos históricos ressignificados para responder as necessidades do

presente. Ao buscarem mecanismos de representação política, conquistas de

direitos a moradia, saúde, educação, transporte, demarcação territorial e a

contraposição aos grandes projetos, percebem-se as complexas redes de relações

sociais estabelecidas de forma endógena e exógena aos quais emergem sentido

coletivo de resistência étnica e territorial.

Assim, o sentido que emerge das questões que foram suscitadas nessa pesquisa é

que não podemos entender ou interpretar as identidades indígenas ribeirinhas no

São Francisco pela via dos debates da “ressurgência” ou “etnogênese”. Pois não há

surgimento, senão permanência das identidades a partir das violências sofridas

sobre a pele e alma, amparadas nas complexas teias das resistências indígenas. A

identidade aqui é mais do que o corte e a cicatriz da lâmina que mutilou milhares de

irmãos indígenas nas terras do Sertão. Diria mesmo que é o sentido que se esconde

por trás da violência, absolutamente, um sentido radical de Paz Ecológica para a

eterna permanência dos povos indígenas.

Page 114: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

111

REFERÊNCIAS

AB’SÁBER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades

paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

AB'SABER, Aziz . A quem serve a transposição das águas do São Francisco?

Publicado no site Envolverde em 22/03/2011.

ACSELRAD, Henri (Org.). Cartografias sociais e território. Rio de Janeiro : UFRJ,

2008.

ALMEIDA, Afredo Wagner Berno de. Terras de quilombo, terras indígenas,

“babaçuais livres” faxinais e fundo de pasto: terras tradicionalmente

ocupadas. Manaus/AM: PPGSCA-UFAM, 2006.

_________________. Amazônia: a dimensão política dos “conhecimentos

tradicionais” como fator essencial de transição econômica – pontos resumidos

para uma discussão. Somanlu, ano 4, n. 1, jan./jun. 2004

_________________.. Antropologia dos archivos da amazônia. Alfredo Wagner

Berno de Almeida. Rio de Janeiro: Casa 8 / Fundação Universidade do Amazonas,

2008.

_________________.. Conflitos sociais no “Complexo Madeira” / Alfredo Wagner

Berno de Almeida (Org); autor, Emmanuel de Almeida Farias Júnior... [et. al]. –

Manaus : Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia / UEA Edições, 2009.

_________________.. Os quilombos e as novas etnias: é necessário que nos

libertemos da definição arqueológica. Texto apresentado no encontro da

Associação Brasileira de Antropologia. 1998. Mimeografado, 14 p. Série Cadernos

do CEJ, 24. Seminário Internacional – As Minorias e o Direito

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de; & SANTOS, Glademir Sales dos.

Estigmatização e território: mapeamento situacional dos indígenas em

Manaus. Organizado por Alfredo Wagner Berno de Almeida, Glademir Sales dos

Santos; autores, Luís Augusto Pereira Lima...[et al.]. – Manaus: Projeto Nova

Cartografia Social da Amazônia / Editora da Universidade Federal do Amazonas,

2009.

ALMEIDA, Luis Sávio de. Índios do nordeste: temas e problemas. Maceió:

EDUFAL, 2004 (Vol. 4).

Page 115: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

112

ANDRADE, Ugo Maia. 2002. Um rio de histórias: a formação da alteridade

Tumbalalá e a rede de trocas do Sub-Médio São Francisco. São Paulo:

PPGAS/FFLCH-USP. 2002. (Dissertação de Mestrado em Antropologia Social)

ARRUTI, José Maurício. Mocambo: Antropologia e História do processo de

formação quilombola. São Paulo: EDUSC, 2006.

BANDEIRA, Fábio Pedro Souza de Ferreira. O que é Etnocologia? As origens, o

âmbito e as implicações de uma disciplina emergente. Curso de Etnocologia/

UEFS. 2007.

BARTH, Fredrick. Etinicidade e o conceito de Cultura. In: Antropolítica. Niterói: n.o

19, 2005/2./ BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo

atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

BARTOLOMÉ, Alberto Miguel. As etnogêneses: velho atores e novos papéis no

cenário cultural e político. In: Revista Mana, Museu Nacional, Rio de Janeiro, vol.

12, 2006, p. 39-68.

BATISTA, Mércia Rejane Rangel. Construindo e Recebendo Heranças: As

lideranças Truká. Rio de Janeiro: UFRJ/ MN/ PPGAS, 2005. (Tese de Doutorado

em Antropologia Social).

_________________.Laudo Antropológico do Grupo Autodenominado

Tumbalalá – Bahia. Rio de Janeiro: UFPB/ UFRJ, 2001. (Vol. 1)

_________________.. Versão preliminar do relatório circunstanciado da

indentificação e delimitação da terra indígena Tumbalalá (Abaré, Curaçá -

Bahia). FUNAI – Brasília, 2005.

BERTÉ, Rodrigues, Gestão Socioambiental no Brasil, Curitiba, Ihopex: Saraiva,

São Paulo, 2009.

BOFF, Leonardo. A carta da Terra: Valores e princípios para um futuro

sustentável. Petrópolis: Centro de Defesa. 2004.

BRASIL, Ministério do Meio Ambiente, Secretaria Executiva Planos de ações

Estratégicas e Integradas para o Desenvolvimento do Turismo Sustentável no baixo

São Francisco (Brasília, 2005).

BRITO, A. F. S. Etnoecologia da Jurema Preta - Mimosa tenuiflora (Willd. Poir)

em Rituais Sagrados do Povo Indígena Pankararé, Raso da Catarina, Glória,

Page 116: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

113

Bahia, Brasil. Paulo Afonso, Bahia: UNEB, 2010. (Monografia Curso Ciências

Biológicas).

CADAU, Joël. Memórias e Identidades. São Paulo : Contexto, 2011.

CAPPIO, Dom Frei Luiz, Terceira Carta de Dom Cappio ao presidente Lula. Barra-

BA, 2007.

CAPRA, Fritgof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São

Paulo: Cultrix, 2005.

DUROZOI, G. ROUSSEL, A. Dicionário de filosofia. Trad. de Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1993.

FERRAZ, Arrisson de Souza. Cabrobó Cidade Pernambucana, Editora Comercial

Safady Limitada. (São Paulo, 1966).

FUNASA (2010) http://pib.socioambiental.org/pt/povo/tumbalala Acesso em 14 de

Março de 2012.

GADOTTI, Moacir. Educar para a sustentabilidade: uma contribuição à década

da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo. Livraria Instituto

Paulo Freire: 2009.

GEETZY, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.

GERLIC, Sebastián. Índios na visão dos índios. Thydêwá. Salvador – BA. 2001.

GRUPIONI, L. D. B. Coleções e expedições vigiadas. Os etnólogos no Conselho

de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil, São Paulo,

Hucitec/ANPOCS. 1998.

HALFELD, Henrique Guilherme Fernando, 1797-1873. Atlas e relatório

concernente a exploração do Rio de S. Francisco desde a Cachoeira da

Pirapora até ao Oceano Atlântico: levantado por Ordem do Governo de S. M. I.

O Senhor Dom Pedro II. Rio de Janeiro : [Typ. Moderna de Georges Bertrand], 1860.

ARRUTI, José Maurício. Análise dos processos de etnogêneses indígenas que

ganharam força no Brasil a partir da década de 1970.

http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/etnogeneses-indigenas,

Acesso Em 14 de Março De 2012.

JUNIOR, Abner Guimarães. O presente de grego da Transposição do Rio São

Francisco. http://racismoambiental.net.br/2012/02/transposicao-presente-de-grego-

Page 117: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

114

para-os-nordestinos-por-joao-abner-guimaraes-junior-o-presente-de-grego-da-

transposicao-do-rio-sao-francisco/ (Acesso em 14 de março de 2012).

JUNQUEIRA, Carmem. Antropologia indígena: uma introdução histórica dos

povos indígenas do Brasil. São Paulo: EDUC, 1991.

KERN, Arno Alvarez. Arqueologia Histórica Missioneira. Porto Alegre:EDIPUCRS,

1998.

KERN, Arno Alvarez e JACKSON, Robert. Missões ibéricas coloniais: da

Califórnia ao Prata. Porto Alegre: Palier, 2006. 286 p.

KORMONDY, E.J.; BROWN, D.E. Ecologia Humana. Atheneu Editora, São Paulo,

2002.

LEAL, Inara R. et al. Ecologia e conservação da caatinga. Recife: Ed. Universitária

da UFPE, 2003. 822 p.

LIEBGOTT, Roberto Antonio, Transposição do Rio São Francisco. O bispo, os

calangos, as goluseimas do presidente e associados. Poratim – em defesa das

casas indígenas. Brasília: Jornal Porantim, nº 320,. Nov. 2009.

LOPES, Esmeraldo. Caminhos de Curaçá. Curaça. Gráfica Franciscana. 2000.

MARQUES, Juracy. Cultura Material e Etnicidade dos Povos Indígenas do São

Francisco Afetados por Barragens: um Estudo de Caso dos Tuxá de Rodelas.

Salvador: UFBA, 2009. (Tese de doutorado em Cultura e Sociedade).

_________________. Ecologia do São Francisco. Paulo Afonso/BA: Fonte Viva,

2006.

_________________. Frei Luiz: um dom da Natureza. Memórias afetivas de seu

jejum em Sobradinho. Paulo Afonso/BA: Fonte Viva, 2008.

_________________. O Jardim de Deus: espinhos e flores da Ecologia de

Canudos. NECTAS/UNEB. 2011.

MIRA, Feliciano de. Saberes rivais em contextos globais. Curso avançado em

“epistemologia, saberes e experiências de Vida”. CES – Centro de Estudos

Sociais da Universidade de Coimbra – Portugal. 2012.

MOREIRA, Gilvander Luis. Dom Cappio: rio e povo. A quem seria a

Transposição. São Leopoldo-RS, 2008.

Page 118: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

115

MOREL, Pierre-Marie. Memória e caráter: Aristóteles e a história pessoal. Napoli:

Bibliopolis, 2006.

MOTA, Clarice Novaes da. Os filhos da Jurema na floresta dos espíritos: ritual e

cura entre dois grupos indígenas do Nordeste brasileiro. Maceió. Edufal, 2007.

NANTES, Martin de, frei. (1707).. Relação de uma Missão no Rio São Francisco.

São Paulo: Edição Nacional/Brasiliana, 1979.

OLIVEIRA, Gilvam Sampaio de. Mudanças climáticas; Brasília; MEC; SEB; MCT;

AEB, 2009.

OLIVEIRA, João Pacheco de. A Viagem da volta: etnicidade, política e

reelaboração cultural no Nordeste Brasileiro. Rio de Janeiro: LACED, 2004.

__________________ Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação

colonial, territorialização e fluxos culturais. In: Revista Mana, Rio de Janeiro,

vol.4, 1998, p. 47-77.

PEREIRA, Júnior, Davi [et al.]. Quilombos de Alcântara: território e conflitos –

Intrusamento do território das comunidades quilombolas de Alcântara pela

empresa binacional, Alcântara Cyclone Space. Manaus: Editora da Universidade

Federal do Amazonas, 2009.

REGNI, Vitorino, O.F.M. Cap. Frei Martinho de Nantes. Salvador , UFBA, 1983.

ROCHA, Geraldo. O Rio São Francisco: fator precípuo da existência do Brasil,

3ª ed. – São Paulo. Ed. Nacional [Brasília] CODEVASF, 1983.

ROLHANS, Franklim Daniel, Vidas alagadas: conflitos socioambientais,

licenciamento e barragens. Viçosa, Ed. UFV, 2008.

SANTOS, Boaventura de Souza; MENESES, Maria Paula (Orgs). Epistemologias

do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

SHIRAISHI NETO, Joaquim (Org.). Direito dos povos e das comunidades

tradicionais no Brasil: declarações, convenções internacionais e dispositivos

jurídicos definidores de uma política nacional. Manaus: UEA, 2007.

SIGAUD, Lígia. Efeitos sociais de grandes projetos hidrelétricos: as barragens

de Sobradinho e Machadinho. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em

Antropologia Social do Museu Nacional, 1986.

Page 119: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

116

SILVA, Aida Mana Monteiro, I. II Tavares, Cima (Orgs.). Políticas e fundamentos de

Educação em Direitos Humanos. São Paulo: Cortez, 2010.

SILVA, Aracy Lopes da e DONIZETE, Luís. Sociedades indígenas no Brasil. In:

Aracy Lopes da Silva e Luís Donizete. Benzi. Org. ASomanlu: Revista de Estudos

Amazônicos do Programa de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia

da Universidade Federal do Amazonas. Ano 1, n. 1 (2000 - ). — Manaus:

Edua/FAPEAM, 2000.

SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre o combate à seca e a convivência com o

Semi-Árido: transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento.

Brasília, UNB, 2006. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 38, nº 3, jul-set.

2007

SOUZA, José Cavalcante de. A reminiscência em Platão. Revista Discurso. Ano I,

nº 2 – 1971.

SUASSUNA, João. As águas do Nordeste e o Projeto de Transposição do rio São

Francisco. In: Cadernos do CEAS, Salvador, 2003).

TOMÁZ, Alzení & MARQUES, Juracy. et al. Relatórios de denúncias. Povos

indígenas do Nordeste impactados com a Transposição do Rio São Francisco.

Paulo Afonso-BA, Editora Fonte Viva, 2010.

__________________. Cartografia Social do Povo Indígena Tumbalalá.

Catografia Social. Manaus, UEA, 2007.

VAINER, Carlos. Como temos lutado e como continuaremos lutando contra as

barragens. Texto base para discussão. In: I Encontro Internacional de Povos

Atingidos por Barragens. Relatório. [s.n.], Curitiba, 1997, p. 11-15.

VELOSO, C. Aristóteles. Da Lembrança e da rememoração. De memória et

reminiscentia. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, v. 12, n.

especial, jan.- dez. 2002.

Sites Consultados

Disponível em: < http://www.anai.org.br/povos_ba.asp>. Acessado em 14 de março

de 2012.

Disponível em http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/185636, acesso em 05 de janeiro de 2012

Page 120: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

117

Disponível em 4ccr.pgr.mpf.gov.br/institucional/encontros/temáticos-da-4ª-ccr/ix-encontro-tematico/documentos/mediação_e_negociacao_de_conflitos_socioambientais.pdf. Acessado em 03 de janeiro de 2012.

1Disponível em: http://www.chesf.gov.br/portal/page/chesf-_portal/paginas/sistema_chesf_geracao)conteiner_geracao?p_name=8AEEABD3BE1D002E0430A803301D002>. Acesso em 14 de Março de 2012.

Disponível em: <http://www.codevasf.gov.br/empresa/relatorios-de-gestao>. Acessado em 14 de Mar. de 2012.

Disponível em: < http://www.integracao.gov.br/projeto-sao-francisco1 >. Acesso em 14 de março de 2012.

Disponível em <http://www.labeurb.unicamp.br/elb/indigenas/ensino_linguas_indigenas.html>. Acessado em 14 de março de 2012.

Page 121: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

118

APÉNDICE: Questionário de Pesquisa – Povo Tumbalalá

NOME, IDADE, ESTADO CIVIL, ENDEREÇO.

1. Como você soube que vivia em uma aldeia indígena e ainda, que você é

índio? Você se sente mesmo índio? Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

_________________________________________________________

2. O que você sabe sobre o surgimento do Povo Tumbalalá? E para você, o que

significa o nome Tumbalalá?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________

3. O que você acha que é mais importante na nossa cultura que nos faz afirmar que

somos índios hoje? E por quê? O que dar a nossa força afirmativa?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

_____________________________________________________________

4. O que você acha importante, que vai nos fazer garantir o Território tradicional

Tumbalalá hoje?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

_____________________________________________________________

5. Como deve ser um território de índio hoje? E como deve ser a luta para garantir esse

território?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

_____________________________________________________________

Page 122: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

119

ANEXO A: Parecer da FUNAI sobre identificação do Território

Page 123: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

120

ANEXO B: Nota Técnica sobre o processo de delimitação do Território

Tumbalalá

Page 124: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

121

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO DE PAULO AFONSO – CAMPUS VIII

NUCLEO DE ESTUDOS EM COMUNIDADES E POVOS TRADICIONAIS E AÇÕES SOCIOAMBIENTAIS – NECTAS

LABORATÓRIO DE PESQUISAS CARTOGRÁFICAS – LAPEC

Ministério Público Federal

6ª Câmara de Coordenação e Revisão Endereço: PGR - SAF Sul, Q. 04, Conj. C, Bl. B, Sala 306 Cep: 70.050-900 Brasília - DF Telelefone: (61) 3105-6056 Fax: (61) 3105-6121 E-mail: [email protected]

À Coordenadora

Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira

NOTA TÉCNICA sobre o Processo de Delimitação do Território do

Povo Indígena Tumbalalá42

ASSUNTO: Sobre Garantia Integral de Delimitação do Território Indígena do Povo

Tumbalalá

1. Esta nota técnica se pauta na construção coletiva do Povo Indígena Tumbalalá, que

por ocasião da elaboração de sua Cartografia Social, apontou diversos elementos de

extrema importância para definição de seu território étnico. Considerando que o Art.

231 da Constituição Federal garante aos índios: “os direitos originários sobre as

42 Elaborada por Juracy Marques (Dr. em Cultura e Sociedade, Prof. da UNEB, Coordenador do LAPEC/NECTAS e do Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – UFAM/UNEB/NECTAS), Alzení Tomáz (Ambientalista, Indigenista,

Integrante da Pastoral dos Pescadores – CPP, graduanda do Curso de Direito e Coordenadora do LAPEC/NECTAS/UNEB) e Maria José

Gomes Marinheiro (Liderança Indígena Tumbalalá).

Page 125: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

122

terras que tradicionalmente ocupam”. Esses direitos independem da demarcação ou

qualquer reconhecimento formal das suas terras por parte do Estado, a exemplo do

que estabelece a Convenção 169 da OIT sobre o processo de auto-identificação.

2. Em conformidade com a Convenção 169 da Organização Internacional do

Trabalhado – OIT sobre território tradicionalmente ocupado, constatou-se no

processo da Cartografia Social que o grupo Indígena Tumbalalá habita em caráter

permanente, áreas de tamanha importância para sua sobrevivência física, cultural,

simbólica, de preservação ambiental e atividades produtivas. Acontece que parte

deste território não está incluído dentro da Delimitação realizada pela FUNAI,

publicada em DOU nº 103 de 02 de junho de 2009.

3. Ocorre que igualmente, uma parte desse território, como mesmo define o Relatório

Circunstanciado de Identificação e Delimitação da TI Tumbalalá (BA) elaborado

pela antropóloga Mércia Rejane Batista em maio de 2009, em sua página 4 fala de

um território que pode ser interpretado como terras desocupadas sobre força de

pressão de autoridades e particulares, sobretudo, as terras tidas como de chapada.

Neste mesmo relatório, a antropóloga faz referência às Comunidades e lugares em

que se encontram famílias indígenas: Povoado Pambú, Bom Passar, Cajueiro,

Camaratu, Cruzinha, Escalavrado, Fernades, Foice, Ibozinho, Jatobá, Lagoa

Vermelha, Mari, Maria Preta, Missão Velha, Pau Preto, Pé de Areia, Pedra Branca,

Porto da Vila, Projeto Pedra Branca (reassentamentos de atingidos por barragens),

Salgado, São Miguel, Teixeira, Ibó, assim como tem indígenas morando em cidades

como Cabrobó, Feira de Santana, Petrolina.

4. Porém, o Relatório não menciona a localidade de ocupação tradicional de famílias

indígenas Tumbalalá no Riacho São Francisco, Ipueira, Fazendo do Aracapá, Serrote

Frutuoso, Lagoa dos Porcos, Lagoa do Barbosa, e as localidades entre o Serrote

Tambador e a Serra do Pires. Esta última mencionada no referido Relatório. Estes

lugares são limites da terra indígena, descrita pelo Povo na elaboração de sua

Cartografia Social, conforme a fala da índia Carmelita Maria da Silva, moradora da

Fazenda São Francisco do referido riacho: “nasci aqui na Ipueira e tenho 55 anos,

meu pai nasceu aqui no Riacho São Francisco da Fazenda São Francisco, meu

pai e minha mãe têm história de índio, eu moro aqui e aqui tem 76 famílias,

muitas são índias mais num sei porque num se identifica.” É visível que esta

parte do território não incluído na delimitação do território Tumbalalá guardam

Page 126: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

123

interesses outros que dificultará a sobrevivência do Povo Indígena Tumbalalá como

descreve esta nota técnica.

Figura 1: Casa de Dona Carmelita e Seu Agatão – Família Indígena e Lideranças Tumbalalá do Riacho São

Francisco (NECTAS/09)

Figura 2: Foz do Riacho São Francisco, divisa de território do Povo Tumbalalá, lugar onde alguns

indígenas supõem43

a possível construção da barragem de Pedra Branca (NECTAS/09)

43

Durante o processo de Construção da Cartografia Social dos Tumbalalá ficou evidente que os indígenas estão confusos sobre o local onde o Estado quer construir as barragens ora dizendo que farão na direção do Morro do Gorgonho, território Truká-PE, ora na Fazenda São Francisco na direção da Ilha do Aracapá. Segundo o Cacique Miguel Tumbalalá: “parece que eles tão querendo enrolar a gente”.

Page 127: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

124

5. A constatação da presença indígena Tumbalalá no Riacho São Francisco é antiga. A

família de Dona Carmelita e seu esposo Agatão Belo da Silva que é sobrinho de mãe

Odila, é comentada na pagina 19, parágrafo 2º do relatório circunstanciado. Dona

Carmelita e seu Agatão é uma dessas famílias que hoje se encontram na luta

indígena, mas, não teve seu lugar no Riacho São Francisco localizado na Fazenda

São Francisco, incluso na delimitação publicada pela FUNAI. Seu Agatão cita as

histórias imemoriais dos seus avós que viviam nestas paragens e diz: “O bisavô, o

avô de meu avô, Salu Belo era tio de mãe Odila, se alguém cantasse uma chula

ele arremendava. E se cantasse ele dançava meu avô [...] Ele tem uma irmã,

que tem quase 100 anos, chega tá incuidinha. Ela conta que a bisavó de meu

avó foi pegada a dente de cachorro, que ela era braba do mato, que é a véia

que conta né? E a véia também é dessas véias, que quando vê a gente ela

corre na caatinga, que é braba. O causo que meu avô cantava era assim:

[...]

Vô encosta a abeia, Parar a cuia embaixo Vô encosta a abeia, Parar a cuia embaixo O favu da tubiba Para tapar a taba Maria da roça, da roça Maria Me traz uma abrobra e cinco melancia

Dona Carmelita também fala do lugar como um lugar de ritual, onde os mais velhos

do povo Tumbalalá se encontravam para praticar o toré. Ela diz: “Aqui meu avô e

avó dizia que aqui era casa de oração, os capuchinhos travessava e sacudia a

sandaia, porque dizia que era lugar atrasado, os missionários atravessava

daqui pra Ilha do Aracapá aqui em cima, aqui era terra de missão. Por isso, tem

a Santa Cruz que antes era só a cruz, tinha missão, os índios veio vinha pra cá

fazer trabaio, na Santa Cruz a gente foi ajeitando e hoje é como uma capelinha,

ela é antiga! A Santa Cruz era lugar aonde os índios mais veio vinha pisá o toré.

Era aqui lugar de força!”.

6. A noção de territorialidade a partir do que os indígenas chamam de “Caminho das

Águas”, ou seja, os limites do território como sendo os riachos, lagoas e serras,

permite inferir que o limite do território Tumbalalá vai até o Riacho São Francisco

conforme descreve as falas das famílias indígenas, delimitadas no processo de

Page 128: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

125

georreferenciamento da Cartografia nos pontos de GPS (ponto 67: latutide –

0836563 e longitude - 03931050). Abaixo, fotos do Riacho São Francisco e a visão

da Ilha do Aracapá).

Figura 3: Visão da Foz do Riacho São Francisco da Ilha do Aracapá (NECTAS/09)

Figura 4: Capela da Santa Cruz construída pelas famílias Tumbalalá, na frente o cemitério dos anjos.

(NECTAS/09)

7. A família de Dona Carmelita ainda fala do lugar: “hoje é lugar de reza, a gente usa aqui pra rezar, agora o toré a gente não pode [...]Por causa das pessoas né?

Page 129: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

126

[...] mas nós vamo comandar sabe que aqui é indígena, que meus avôs, bisavôs e vai ser nosso aqui! Pra dançar o Toré na hora que nois quiser! Ai veja o terreiro como é, foi passado a maquina aqui, mas era duro que eu queria que você visse! Como era bem durinho. Mas vem cá, vendo assim, pela faixa que há de terra, então a gente não podia dizer que aqui é indígena porque senão ia criar probrema com os outros, né? Ai tem continuar – nois sempre, nois sabendo – que é indígena com certeza. Porque nem os padres , já vieram dois padres , já trouxe aqui em missa e olharam e eu sempre procurei: O que é que o Senhor acha? Quem pode ter colocado essa cruz ai ó? Eu sabia, podia ser São Domingo, quando ele andava na margi do rio, mas nunca dizia que era ele. Mas só que eu acredito. Porque aqui nois todos sabemo que é terra indigena! Muitos índios eles num escravisava porque entraru na mata, foi pior porque tiveram que se calar, esqueceram até a língua. Oi ta vendo aqui na capelinha, tem o cemitério dos anjinhos”.

8. Esta menção de Dona Carmelita demonstra que os mais velhos oscilavam neste território na prática do toré e por causa das perseguições tinham que se ocultar e se calar, conforme descreve a antropóloga Mércia Rejane. Essa é a razão pelo qual grande parte de índios Tumbalalá espalhados na região tem dificuldades de auto-denominar-se. “Muitas famílias são índia, parente nossa, mais tem medo de dizer [...]”. Diz Cícero Marinheiro. Todavia, a memória de ocupação das terras submetendo-se como moradores das fazendas ou moradores das caatingas, numa relação sagrada com locais de rituais que se transformam em terreiros a Santa Cruz, o cemitérios são alguns desses lugares. As perseguições e quase destruição dos que ficaram são bastante relatados pela antropóloga no Relatório Circunstanciado.

Figura 5: Santa Cruz – lugar de antigas missões (NECTAS/09)

Page 130: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

127

9. As agrovilas que ficaram de fora da demarcação do Território Indígena foram

construídas pela Chesf para acomodar os atingidos com as hidrelétricas de Itaparica

e Sobradinho. Muitas famílias indígenas Tumbalalá se instalaram nessas agrovilas,

como diz Dona Carmelita: “muitas famílias fôro pra agrovila, meus fio mermo tão

lá na agrovila 6. Nós num tivemo direito a VMT (Verba de Manutenção

Temporária) porque a Chesf não quis dá o direito do lote. Mas nós entrou nas

casa vazia e tamo lá. Ôi, tem muita gente que lá é índia mais num diz que é por

causa que tem medo, lá nossos antigo já fazia roça ô”.

10. Trata-se de um território de fato muito impactado pela obras da Chesf, destacando-se

a Usina Hidrelétrica de Sobradinho a montante, a Usina Hidrelétrica de Itaparica a

jusante, o reassentamento de Pedra Branca que foi instalado na terra indígena

Tumbalalá, particularmente a área de chapada. Este último, trata-se de

assentamento de mais de 300 famílias atingidas pelas UHEs, hoje distribuídas em 19

agrovilas. Dessas, 13 agrovilas ficaram de fora da área demarcada pela FUNAI,

enquanto apenas 6 ficaram dentro da delimitação publicada no Diário Oficial

conforme mapa em anexo.

11. Segundo afirma Cícero Marinheiro: tá claro que quiseru deixá tudo de fora, mais

só que esse é território nosso, eles querem isso aqui pra fazer a barragem de

Pedra Branca e deixaram fora da delimitação, como se num bastasse tanto

impacto já feito no nosso território, tem a transposição do outro lado, nas

terras dos Truká e do lado de cá tem a barragem pra alimentar a transposição.

E tem os projeto que a Chesf dizia que num sabia que aqui era terra indígena,

mais deixa que sabia, porque a gente já dizia isso antes. Mais eles teimaro e

fizero o projeto Pedra Branca. Só que essas terras aqui sempre vão ser terra

dos índios Tumbalalá”. As terras de chapada conforme é colocada no Relatório

Circunstanciado sempre foram terras de agricultura do Povo Tumbalalá, era “lugar de

roça de bom inverno” (BATISTA, 2009). A importância destes lugares para esse Povo

é demonstrada na sua relação com a natureza, as plantas e as águas da caatinga

relacionadas com seu modo de vida, observadas no mapa abaixo.

Page 131: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

128

Figura 6: Mapa do Projeto Pedra Branca: a linha preta divide as agrovilas à esquerda fora do TI delimitado e as

agrovilas a direito dentro do TI delimitado pela FUNAI. (CODEVASF, 2009)

12. Na página 63 do Relatório Circunstancial, em se tratando da reprodução física e

cultural do Povo Tumbalalá, discorre, sobre a importância do Rio São Francisco, dos

riachos, das lagoas e serras e as chamadas terras de chapada, além das terras de

bom inverno, tanto para as práticas de cultivos quanto para rituais de culto aos

encantados. Neste ambiente que marca a espiritualidade Tumbalalá, que se

estabelece a tradicionalidade das territorialidades específicas desse povo indígena.

O Riacho São Francisco é um desses marcos importantes. Segundo os indígenas,

com o fim das Cachoeiras, os riachos e suas quedas d’água passaram a ser lugar de

morada dos encantados. Diz Cícero Marinheiro: “Também nos nosso ritual tem o

Page 132: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

129

encantado que a gente se identifica, que tem o encantado das águas e o das

matas, então tem essa tradição com rio que a gente nunca deixa de ter (...) Com

tanto projeto o rio surpreende. Tem interferência com os Encantados. Tem

certo lugar no rio, como uma cachoeira, que é de muita importância. É um local

onde a gente tem mais o contato com espiritual. Se o rio baixa tanto a água,

aquela cachoeira não tem mais a mesma força que tinha. Então tudo dos

nossos Encanto tem a ver com a água, como ela tá, com o tempo. É uma coisa

tão forte o Encantado com nosso ritual que é uma escolha da natureza ele estar

naquele lugar. Os Encantados estão naquele lugar da natureza, quanto mais

forte a água, mais os Encantados estão presentes”.

13. As terras de chapada mencionados pelos indígenas na Cartografia Social mostram

uma dependência funcional e cultural do modo com se relacionam com as águas e

as matas: “Olha gente, a agente precisa da caatinga pra nosso remédios, aqui

tem catingueira, tem mororó, quixabeira, umburana, jurema, que serve pra

muitas doenças. Aqui tem floresta de crôa pra fazer artesanato, sem isso a

gente num vive”. Diz o Cacique Miguel.

Figura 7: Coleta do crôa e da casca de mororó pra fazer chá para as curas (NECTAS, 2009)

14. Nota-se que muitos dos pontos coletados pela Cartografia Social e pela fala dos

indígenas Tumbalalá, ficaram de fora da demarcação territorial da FUNAI, áreas de

interesse indígena para a sua reprodução física e cultural. É das terras de Chapada

que os índios encontram meios através das plantas para realizar suas curas. São as

lagoas, serras, plantas e matas que dão sustentação a sua religiosidade e a sua

sobrevivência. Cita o cacique Cícero Marinheiro: “Nós fomos pra Brasília e Brasília

disse que se a gente quisesse a terra demarcada só pudia daquele jeito, a

Page 133: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

130

gente não pudia voltar sem alguma coisa, então, nós aceitou, mas dizendo que

nossa terra não é só essa, ela é mais coisa. A FUNAI tirou como um pilão que

não é nosso território vai até o Riacho São Francisco e segue pelas lagoas dos

Porcos, indo pras chapadas até Serra do Pires”. Em anexo o etnomapa do

território memorizado dos indígenas e organizado pela Cartografia Social.

15. Na descrição do Território Tumbalalá muito pontos apontados na cartografia ficou de

fora como já foi mencionado. Um exemplo disso diz respeito ao local onde fica a

Pedra da Letra, local da memória pré-colonial dos primeiros habitantes da região, um

grande bloco de pedra/rocha com várias gravuras rupestres ainda sem datação.

Figura 8: Pedra da Letra

16. O contexto que envolve o território analisado dos Tumbalalá relaciona-se com o

interesse por parte do governo Federal em construir a UHE de Pedra Branca e o

Projeto de Transposição do rio São Francisco. É visível que a demarcação

apresentada, estrategicamente, retirou parte do território Tumbalalá, objetivando a

implantação de tais obras. A reivindicação dos Tumbalalá pela definição do seu

território até os limites proposto em sua Cartografia Social, a partir de toda a

documentação levantada, encontra-se justificada nas leis que trata de terras

tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, particularmente a Constituição

Federal e a Convenção 169 da OIT.

Page 134: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

131

17. Cabe ressalva ao fato de que mais de 6 anos após o reconhecimento pela FUNAI, a

situação fundiária mesmo com o decreto de delimitação, o território não corresponde

ainda a totalidade da área tradicional dos indígenas que substancialmente

necessitam dele para a sua reprodução física, cultural e simbólica.

18. Não se pode dizer que a regularização e os trabalhos de identificação e delimitação

da Terra Indígena Tumbalalá estão concluídos. No entanto, o governo brasileiro

ainda está longe do cumprimento dos dispositivos, sobretudo quanto aos povos em

processo de afirmação de suas identidades coletivas, como é o caso de diversas

etnias da Região Nordeste, apresentando ainda diversos problemas de intrusão,

sendo o caso dos Tumbalalá o mais complicado deles por causa dos reassentados

da hidrelétrica de Itaparica, que a CHESF - Companhia Hidroelétrica do São

Francisco alojou em parte da terra indígena.

19. O indígena Miguel Marculino Barbalho, também Cacique do Povo Tumbalalá,

demonstra a sua indignação diante da construção de novas barragens e do projeto

de transposição das águas do Rio São Francisco, arquitetados pelo Governo Federal

sem a devida consideração dos impactos causados sobre os Povos Indígenas que

têm sua sobrevivência física e cultural intimamente ligada às águas do rio: “Esses

projetos, o governo só quer destruir com o povo. Na verdade eles dizem que

querem reconhecer as terras dos povos indígenas do Brasil, mas só quer

destruir. E essas barragens são uns pontos de destruição e essa transposição

quer acabar com os Povos Indígenas, porque está bem nas terras dos Truká, e

dos Tumbalalá. Afeta porque quem vive do Rio São Francisco de uma certa

forma é atingido, direto ou indireto. E nós somos atingidos direto porque a

gente sobrevive da água para tudo, apesar de estar poluído por grandes

empresas do governo mesmo. Começando pelo projeto de Sobradinho, um

grande impacto para a gente porque não tem regra, que eles dizem que

controla a água, que é um meio de controlar a água, mas eles só fazem

destruir, porque quando a gente planta, ou a gente planta de vazante, eles

soltam a água lá e não querem nem saber e destroem tudo o que a gente tem.

Aí vem as plantas medicinais, que acabou com isso, porque ele não tem

controle, é soltar água em qualquer tempo e mata. Acabou com as plantas

medicinais que a gente tinha. Aí quando eles querem construir outras

barragens, no Riacho Seco, outra aqui (Pedra Branca), que eles estão dizendo

que pode até sair, mas nós somos fortes e se Deus quiser não vai sair, a

Page 135: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

132

confiança que eu tenho no nosso povo... Essa barragem não vai sair, porque

eles podem até tentar, mas conseguir eles não vão, porque nós vamos fazer o

que for possível mas vamos derrubar...”

Paulo Afonso, 05 de agosto de 2009.

Bibliografia:

BATISTA, Mércia Rejane. Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da TI

Tumbalalá (BA) de maio de 2009.

Projeto Nova Cartografia Social do Brasil, Série Povos Indígenas da Bacia do Rio São

Francisco – Povo Indígena Tumbalalá. Paulo Afonso – BA, 2009.

Page 136: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

133

ANEXO C: Publicação do Diário Oficial da União sobre delimitação do território Tumbalalá

Page 137: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

134

Page 138: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

135

Page 139: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

136

Page 140: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

137

Page 141: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

138

ANEXO D: Mapeamento sobre conflitos socioambientais na Bacia do São Francisco onde refere-se a Etnia Tumbalalá

Page 142: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

139

ANEXO E: Carta final do seminário do povo Tumbalalá sobre as barragens de

Pedra Branca e Riacho Seco e a regularização do nosso Território tradicional

Nos dias 28-29 de agosto de 2010, nós povo Indígena Tumbalalá estivemos

reunidos na aldeia de Pambú, município de Abaré e Curaça /BA, junto com nossos

parceiros (CIMI, NECTAS, CPP, CPT, MAB, IRPAA) para discutir sobre problemas

relacionados à construção das barragens de Riacho Seco e Pedra Branca que

implicam nas questões de demarcação do nosso território tradicional.

Estamos localizados ao norte da Bahia, submédio São Francisco, vivendo as

margens do rio com uma população estimada de 4.000 pessoas. Por muito tempo

vivenciamos os impactos das velhas políticas de desenvolvimento que desrespeitam

a diversidade étnica e cultural do nosso país, colocando em risco os povos e

comunidades tradicionais. Desde 1998 temos exigido o reconhecimento do nosso

território tradicional. Em 2009 conseguimos que fosse publicado o relatório de

identificação e delimitação, tendo a FUNAI reduzido o território de 57.000 para

45.000 hectares, sem que fosse respeitada a nossa história e a Constituição.

Não bastasse isso, tomamos conhecimento de que a Chesf, a Prefeitura de Curaçá

e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Abaré e Curaçá querem impedir que o

nosso território seja identificado e demarcado, contestando o relatório de

identificação. Ao mesmo tempo, nossa terra e dos nossos parentes Truká e Atikum

estão ameaçadas com a construção das barragens de Pedra Branca e Riacho

Seco, para viabilizar a Transposição e todos os empreendimentos econômicos que

se instalarão nessa região. Por estas e outras razões eles contestam e põem em

risco a integridade dos nossos territórios, prejudicando gravemente as nossas

plantas medicinais, as matas, animais, peixes nativos, árvores centenárias, as

cachoeiras e as moradas dos encantos, os nossos rituais sagrados, e

conseqüentemente o contato com nossos ancestrais. Diversas outras comunidades

tradicionais de pescadores artesanais, quilombolas, fundo de pasto também estão

sendo ameaçadas por esses projetos.

Já somos atingidos pelas barragens de Sobradinho e Itaparica que destruíram as

vazantes com a diminuição das várias espécies de peixe como Pirá, Matrixá,

Dourado, Surubim, Curvina etc, de onde tirávamos o nosso sustento. Não

esquecemos também que em virtude de Itaparica, a CHESF assentou diversas

famílias atingidas por essa barragem no nosso território tradicional, provocando

desmatamento, diminuição dos animais nativos, extinção dos riachos e lagoas

marginais. Os projetos de irrigação implantados nessa área e a utilização

indiscriminada de agroquímicos geraram a esterilização dos solos, poluição das

águas e o surgimento de diversos tipos de doenças provocadas

por esses agentes.

Page 143: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

140

Portanto, nós nos posicionamos contra esses grandes projetos como a Transposição

do rio São Francisco, as novas Barragens de Riacho Seco e Pedra Branca, que

ferem substancialmente a Constituição de 1988, a Declaração dos Direitos dos

Povos Indígenas e a Convenção 169 da OIT.

Desse modo solicitamos ao Ministério Público Federal, FUNAI e demais órgãos e

entidades que tomem providências para garantir a integridade de nosso Território e

de nosso Povo, respeitando os nossos direitos constitucionais, como são de seu

dever e obrigação. Como Índios fortes e guerreiros, não vamos nos deixar vencer,

porque acreditamos no

Pai Tupã!

Aldeamento de Pambu, 29 de agosto de 2010.

ANEXO F: Carta de Sobradinho

Nós, os 93 movimentos populares e organizações sociais e 213 pessoas participantes da Conferência dos Povos do São Francisco e do Semi-árido, realizada em Sobradinho (BA), entre 25 e 27 de fevereiro de 2008, tornamos públicas as discussões e as decisões de continuidade de nossas lutas pela vida do Rio São Francisco e do Semi-árido brasileiro, contra o Projeto de Transposição, ao mesmo tempo em que conclamamos a adesão e a solidariedade de todos e todas.

Escolhemos Sobradinho, como sede da Conferência, pelo seu valor simbólico de resistência, nestes 30 anos da barragem, revivido nos 24 dias de jejum de Dom Luiz Cappio ao final de 2007. A experiência vivida por nós, próximos ou distantes, em torno dele naquela ocasião, sintetizou mística e política, solidariedade e fé, economia e ecologia, reinventou nossas formas de ação e nos colocou em mais alto patamar de luta pela Vida.

Na capela do jejum fizemos a abertura, ao redor de potes e plantas do Semi-árido, juntando terras e águas trazidas pelas delegações, entre as quais água turva do Rio Tietê e terra do Cemitério de Perus, onde eram enterrados ativistas “desaparecidos” durante a ditadura militar e “indigentes” do Povo de Rua de São Paulo.

A Conferência foi organizada e realizada pelos movimentos e organizações sociais, representando os mais diversos segmentos das regiões implicadas e de outras do País e do Exterior, com os objetivos de fazer um balanço destas lutas e suas implicações, consolidar a unidade entre entidades e pessoas nelas envolvidas e definir próximos passos.

Ao analisar a situação atual, mais uma vez rejeitamos este modelo de desenvolvimento predatório e excludente que cada vez mais ameaça o Planeta. No Brasil, é parte essencial das políticas do governo federal que mantém o País na condição de exportador de produtos primários como minérios e produtos agropecuários, entre os quais os agrocombustíveis – uma grande “fazendona” mundial, tal com ocorre desde o período colonial.

Este modelo combina subserviência aos grandes interesses econômicos internacionais com ausência de reais políticas públicas para o Nordeste, em especial o Semi-árido, impondo-lhe mega-obras equivocadas e desnecessárias, tal como a transposição do Rio São Francisco. O “sócio-

Page 144: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

141

desenvolvimentismo” do governo Lula não disfarça seu caráter retrógrado, evidente nas obras do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, flexibilização de restrições ao capital, assistencialismo social e cooptação de organizações e movimentos sociais. Diante deste quadro, definimos os seguintes princípios gerais e as ações que faremos:

1. Acesso a água

Os movimentos sociais e populares do São Francisco e do Semi-árido reafirmam que a água é, em si mesma, um bem e um valor universais e que o acesso a água é direito humano fundamental secularmente negado à população pobre do Semi-árido, a do São Francisco inclusive. O modelo concentrador de água fez construírem muitos e suficientes reservatórios e poucas adutoras e ainda mantém quase metade da população do Semi-árido sem acesso a água.

A democratização do acesso a água deve ser uma política pública prioritária, em todo o Semi-árido, baseada no princípio de que o respeito aos direitos humanos deve ser central em qualquer sociedade e rigorosamente respeitado por qualquer governo. Com ela deve ser fomentada uma nova cultura de água, que evite o desperdício, garanta a reprodução de todas as formas de vida e promova a atitude hidro-ecológica.

2. Revitalização do rio São Francisco

Os povos do São Francisco e do Semi-árido reafirmam a posição de que a revitalização verdadeira do São Francisco é urgente e prioritária, visando recuperar as condições hidro e sócio-ambientais do rio e a sobrevivência de milhões de pessoas e demais espécies que habitam a sua bacia. Para isso é condição essencial cessar o avanço e o descontrole da exploração dos Cerrados e Caatingas.

Reafirmamos que a revitalização não pode ser tratada como um mero projeto fragmentado e paliativo, muito menos propagandístico, mas como um amplo e coordenado programa exaustivamente discutido com a sociedade e a ciência e submetido a rigoroso controle social. É disso que o São Francisco precisa, não de mais um uso abusivo.

3. Transposição do rio São Francisco

Os povos do São Francisco e do Semi-árido rejeitam incondicionalmente a transposição de águas do rio. Esta obra apenas reproduz o modelo centenário de concentração de água, que manterá milhões de pessoas excluídas do acesso democrático a água e a um padrão de vida minimamente digno.

Ao levar mais água para onde já existe é uma obra inútil; ao excluir milhões de pessoas é mais uma obra hídrica injusta desde a sua concepção; e ao destinar as suas águas para fins essencialmente econômicos é uma obra desumana que viola o princípio de que a água é um direito humano fundamental. Esta é a mesma razão pela qual rejeitamos os grandes projetos de irrigação, que apenas favorecem o agronegócio exportador.

4. Convivência Sustentável com o Semi-árido

Os povos do São Francisco e do Semi-árido reafirmam que compreendem a Convivência com o Semi-árido como fundamento de desenvolvimento nos termos contemporâneos mais avançados – um novo paradigma civilizatório. Como tal é dos mais relevantes grandes temas nacionais da atualidade, que interessa e deve ser compreendido por toda a sociedade brasileira.

Rejeitamos o atual modelo de desenvolvimento que há séculos perpetua a concentração de terra, água e renda, excluindo quase metade da população da região. Propomos um modelo de desenvolvimento que seja essencialmente justo, garantindo acesso a terra e a água, baseado na lógica da Convivência com no Semi-árido, com inúmeros programas já testados e comprovadamente eficazes.

NOSSAS AÇÕES

Page 145: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

142

a) Trabalho de base: intensificar em todas as regiões, em especial no Semi-árido Setentrional, mas também em todo o país, em mutirões que congreguem militantes dos vários movimentos e organizações, utilizem novos subsídios acessíveis ao povo, esclareçam a verdade sobre a transposição e as questões mais amplas da água, do hidro-negócio, da revitalização do São Francisco e da questão energética, divulguem as alternativas e fortaleçam a consciência militante e a organização popular.

b) Organização e articulação: realizar Conferências Regionais / Estaduais; criar novos Comitês contra a transposição; ampliar as articulações regionais e da bacia; manter a articulação e a luta conjunta entre o São Francisco e o Semi-árido, tendo como instrumento a Coordenação desta Conferência; trabalhar a partir das demandas e alternativas (Atlas Nordeste da ANA – Agência Nacional de Águas e iniciativas da ASA – Articulação do Semi-Árido), também no São Francisco (programa de revitalização).

c) Comunicação: massificar a discussão sobre os temas São Francisco, Semi-árido e transposição, considerando os três públicos diferentes (urbano, rural e base dos movimentos); empreender uma contra-ofensiva à nova campanha de propaganda do governo federal; envolver as assessorias de comunicação das diversas entidades envolvidas (comissão e rede de assessoria de imprensa e de comunicadores populares); trabalhar mais as rádios e a internet, monitorando e divulgado o que sai na mídia.

d) Enfrentamento: realizar marchas e outros atos criativos, em Brasília e outros locais, aproveitando as datas do Calendário Nacional de Lutas, nas quais inserir os temas São Francisco, Semi-árido e transposição: 8 de março – Dia da Mulher, Abril Vermelho / 17 de abril – Dia Internacional da Luta Camponesa, 1º de maio – Dia do Trabalhador, 10-13 de junho – Jornada das Organizações do Campo e da Cidade; 4 de outubro – Dia do Rio São Francisco.

e) Igrejas: introduzir os temas nas preocupações e atividades pastorais das Igrejas, em especial na Assembléia da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2-11 de abril), divulgando os subsídíos.

O próximo 1º de Abril nós o transformamos em “Dia da mentira do governo e da verdade do povo”, marco central em nossa agenda de lutas, com atividades de protesto e de proposição em todos os cantos do País.

Na beira do São Francisco, contemplando suas belezas e mazelas, ao fundo a barragem de Sobradinho, demos um “gole d’água” ao rio e nos despedimos selando o compromisso de defender a Vida. Mística, Estudo e Ação, propostos por Dom Luiz Cappio, foram as expressões práticas deste compromisso. Cabaças enfeitadas de fitas coloridas, prenhes de sementes, eram os símbolos que cada delegação levou.

Sobradinho 27 de fevereiro de 2008.

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento das Mulheres Camponesas (MMC); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Movimento Saúde Pirituba – SP (Perupi); Marcha Mundial das Mulheres; Apoinme; Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Caritas; Conselho Indigenista Missionário (CIMI); Pastoral da Juventude do Meio Popular(PJMP); PJR; Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB); CEBs; Sefras – Serviço Franciscano de Solidariedade; Serviço Justiça, Paz e Ecologia da Província Franciscana de SP; Serviço Justiça, Paz e Ecologia da Província Franciscana de Imaculada Conceição; Igreja do Carmo (MG); Congregação Filhas de Jesus (Sobradinho/BA); 1ª Igreja Batista (Santa Maria da Vitória/BA); Romaria do Grito dos Excluídos; Misereor; Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada (IRPAA); Centro Nordestino de Medicina Popular; Consea – PE; Diaconia; PACS; Articulação do Semi-Árido (ASA); ASPTA; CAIS – Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativa Social; Rede Ambiental do Piauí; ABAI – Serviço Paz e Justiça; Instituo Palmas; Museu Ambiental Casa do Velho Chico; Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Aracaju; Associação Pequenos Agricultores Cidadania (APAC); AAPMS; CAA – Centro de Assessoria do Assuruá; SASOP; Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais; EFAs; Centro Terra Mar; Comitê da Bacia do rio Salitre; Ecodebate; Sindicatos de Trabalhadores Rurais; Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto no Estado da Bahia (SINDAE); Pólo Sindical Submédio São Francisco; SINTECT-PE (Sindicato dos Trabalhadores da Empresa de Correios e

Page 146: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

143

Telégrafos); Sintagro/BA; Sindprev/RJ; APLB – Sindicato de Santa Maria da Vitória; Fórum Permanente da Bahia em Defesa do São Francisco; Frente Cearense por uma Nova Cultura de Água Contra a Transposição; Frente Paraibana em Defesa da Terra, das Águas e dos Povos do Nordeste; Comitê Paulistano Contra a Transposição; CESE; KOINONIA; ABCMAC – P1+2;ACIDES; AMIDES; Água Viva; Paróquias: Campo Alegre de Lurdes/BA, Sobradinho/BA, São Francisco de Assis/BA, Paulo Afonso/BA, Nossa Senhora das Dores; SECON; Rede Social; Jornal: Brasil de Fato; Conlutas; Diretório Central dos Estudantes de Minas Gerais; Consulta Popular; PSOL; PSTU; PUC Minas; DCE UFMG; Universidade de Innsbruck – Instituto de Geografia; UNB; Federação Argentina de Estudantes de Agronomia; Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária; Grupo Nascer (UFMG); Lições da Terra (PUC Minas); FEAB; Geografar – UFBA; UFS – Campus Itabaiana (SE); UNEB; Povos indígenas – Pipipã, Truká, Tumbalalá e Tupã; Comunidades: Quilombolas, Vazanteiros, Geraiseiras, Catingueiras e pescadores; Colônia de Pescadores: Z-20 (Ibiaí/MG); Juazeiro, Z-07 (Neópolis/SE); Federação dos pescadores de Alagoas; Reserva Extrativista São Francisco – Serra do Ramalho.

ANEXO G: Carta ao Povo do Nordeste 30-11-2007

Carta ao Povo do Nordeste 30-11-2007

Carta ao Povo do Nordeste

Queridos Irmãos e Irmãs Nordestinos, do Ceará, do Rio Grande do Norte, da

Paraíba e do Pernambuco,

Paz e Bem!

Quando encerrei o jejum de 11 dias em Cabrobó, há dois anos atrás, acreditei

sinceramente que o governo federal cumpriria sua palavra empenhada no acordo

que assinamos. Este acordo estabelecia um amplo, transparente e participativo

debate nacional sobre o desenvolvimento do Semi-árido e da Bacia do São

Francisco. Acreditávamos piamente que se esse debate fosse verdadeiro seriam

esclarecidas as reais necessidades e potencialidades do Semi-árido, e ficaria

evidente que a transposição não era necessária nem conveniente ao povo nem ao

rio. As águas abundantes do semi-árido falariam por si. E os projetos alternativos

existentes se imporiam, como as obras do Atlas Nordeste para o meio urbano e as

experiências da ASA – Articulação do Semi-Árido para o meio rural.

O governo não cumpriu o prometido, abortou o debate apenas iniciado, ganhou as

eleições e colocou o Exército para começar as obras da transposição. Movimentos e

entidades da sociedade organizada intensificaram as mobilizações e os protestos,

mas o governo se fez de surdo. Diante disso, não me restou outra alternativa senão

retomar o jejum e oração, como havia dito que faria se o acordo não fosse cumprido.

Para isso escolhi a capela de São Francisco, em Sobradinho – BA, bem próximo da

barragem de Sobradinho, que há 30 anos passou a ser o coração artificial do Rio

São Francisco, um doente em estado terminal.

Page 147: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

144

Sei que meu gesto causará estranheza e incompreensões em muitos de vocês. Não

os culpo por isso. Há gerações vem sido dito a vocês que só a grande obra da

transposição “resolve” a seca. Entre os maiores interessados nela estão pessoas

que vocês bem conhecem, pois são as mesmas que há muitos anos dominam e

exploram a região usando o discurso da seca para desviar dinheiro público e ganhar

eleições.

A seca não é um problema que se resolve com grandes obras. Foram construídos 70

mil açudes no Semi-árido, com capacidade para 36 bilhões de metros cúbicos de

água. Faltam as adutoras e canais que levem essa água a quem precisa. Muitas

dessas obras estão paradas, como a reforma agrária que não anda. Levar maiores

ou menores porções do São Francisco vai tornar cara toda essa água existente e

estabelecer a cobrança pela água bruta em todo o Nordeste. O povo, principalmente

das cidades, é quem vai subsidiar os usos econômicos, como a irrigação de frutas

nobres, criação de camarão e produção de aço, destinadas à exportação. Assim já

acontece com a energia, que é mais barata para as empresas e bem mais cara para

nós. Essa é a verdadeira finalidade da transposição, escondida de vocês. Os canais

passariam longe dos sertões mais secos, em direção de onde já tem água.

Portanto, não estou contra o sagrado direito de vocês à água. Muito pelo contrário,

estou colocando minha vida em risco para que esse direito não seja mais uma vez

manipulado, chantageado e desrespeitado, como sempre foi. Luto por soluções

verdadeiras para a vida plena do povo sertanejo – isso tem sido minha vida de 33

anos como padre e bispo do sertão. É, pois, um gesto de amor à vida, à justiça e à

igualdade que nunca reinaram no Semi-árido, seja aí, seja aqui no São Francisco,

longe ou perto do rio.

Agora mesmo é grande o sofrimento do povo não muito distante do rio e do lago de

Sobradinho que, em função da energia para um desenvolvimento contra o povo, está

com apenas 14%. Um projeto de R$13 milhões que resolveria o abastecimento dos

quatro municípios da borda do lago espera desde 2001 pelo interesse dos

governantes...

O São Francisco precisa urgentemente de cuidados, não de mais um uso

ganancioso que se soma aos muitos que lhe foram impostos e o estão destruindo.

Como lhes disse da outra vez, fosse a transposição solução real para as dificuldades

de água de vocês, eu estaria na linha de frente da luta de vocês por ela.

O que precisamos, não só no Nordeste, é construir uma nova mentalidade a respeito

da água, combater o desperdício, valorizar cada gota disponível, para que não ela

não falte à reprodução da vida, não só a humana. Precisamos repensar o que

estamos fazendo dos bens da terra, repensar os rumos do Brasil e do mundo. Ou

estaremos condenados à destruição de nossa casa e à nossa própria extinção,

Page 148: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

145

contra o Projeto de Deus.

Senhor, Deus da Vida, ajude-nos! “Para que todos tenham vida!” (João 10,10).

Recebam meu abraço e minha benção,

Dom Luiz Flávio Cappio, Ofm.

Sobradinho - BA, 29 de novembro de 2007.

Page 149: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

146

ANEXO H: Publicação da Nova Cartografia Social do Povo Tumbalalá

Page 150: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

147

Page 151: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

148

Page 152: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

149

Page 153: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

150

Page 154: MARIA JOSÉ GOMES MARINHEIRO - Uneb...FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Contém referências, anexos e apêndices. Marinheiro, Maria José Gomes Reminiscência ou

151