maria joana

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3 dias de pura emoção. Foi isso que vivenciaram todos que es-tiveram presentes no fenômeno Woodstock. A energia con-tagiante dominou a todos e não houve quem ficasse parado

ou não aproveitasse as atividades à parte, como os banhos de lama ou as aulas de dança. Todos os shows foram considerados excep-cionais, e o mundo todo se admirou com a forma harmônica em que conviveram todos os participantes durante o festival. Eles es-palharam a cultura hippie e deixaram uma mensagem clara para o mundo: a cultura paz e amor pode ser sim praticada com suces-so. E nada mais justo que uma revista como a nossa tenha o dever de ajudar a divulgá-la.

Então, como poucos dos nossos tiveram a sorte de estar na terra do Tio Sam para presenciar o evento, trazemos aqui a cober-tura completa, com informações exclusivas para você entrar no clima de Paz, Amor e Música que dominou a todos lá. Através dos nossos correspondentes trouxemos detalhes inéditos dos shows; conseguimos relatos de brasileiros e americanos sobre os dias que passaram lá, e informações não divulgadas sobre os backstages e sobre todo o processo que levou ao festival, além de uma entrevis-ta exclusiva com o um dos idealizadores do evento, Michael Lang. E como não pode faltar em uma boa reportagem, nosso fotógrafo colaborador, Júnior Braga, ilustra a seção com belíssimas fotos que reproduzem o que aconteceu de melhor lá.

Mas como uma revista não se faz só de uma matéria, trazemos aqui tudo de interessante que aconteceu ultimamente no mundo da música e dos hippies, tanto lá fora como no Brasil. Tem os lan-çamentos internacionais, a cobertura da guerra e nosso manifesto de paz, a reportagem do legado da tropicália, das comunidades vida verde, e um pouquinho da arte nacional. E não podendo dei-xar em branco o momento que vivemos, temos nossos adoráveis colunistas nos fazendo rir com suas sátiras políticas, suas viagens muito “jóias” pelo meio da Amazônia, e com suas ironias nas co-lunas da seção Mundo Paralelo. A revista vem recheada com tudo que você quer (e precisa) saber. Então não deixe de ler nenhuma página e entre nessa onda com a gente.

Paz, Amor e Abraços,Anairam

Carta do editor

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Guerra do VietnãManifesto Pacifista Mundo da MúsicaVida Verde

ArteTropicáliaArariboiaBrasil Hoje

Woodstock Os showsEntrevista

No mundo da luaA vida depois dos anos 2000

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Há dez anos começou o mais violento conflito do século que vivemos: a Guerra do Vietnã. Porém, esse conflito tem suas origens bem

antes: começa ainda durante a Segunda Guerra Mundial. Nela, o Japão invadiu a Indochina (de domínio francês), e os vietnamitas, liderados por Ho Chi Minh, formaram a Liga Revolucionária, para lutar pela sua merecida independência. Mes-mo com o fim da Segunda Guerra, a Liga se viu obrigada a continuar a lutar, porém agora contra as tropas francesas. E, surpreendendo a todos, conseguiram ainda ser vitoriosos.

Na conferência de Genebra, há 15 anos, ficou decidido que o Vietnã seria dividido entre Norte e Sul. Isso aconteceu até dois anos mais tarde, quando houve uma votação para a unificação do país. O Norte, liderado por Ho Chi Minh, man-teve uma posição socialista; enquanto o Sul, lide-rado por Ngo Dinh-Diem se opôs, ao declarar-se capitalista.

Convencidos de que o Norte venceria as elei-ções, e desprovidos de qualquer tipo de altruís-mo, os EUA resolveram apoiar Dinh-Diem a im-plantar uma ditadura no país, unificando-o e per-seguindo comunistas e nacionalistas. Com isso então, os EUA enviaram armamentos, militares e dinheiro para o antigo Vietnã do Sul lutar contra os recém-formados grupos de oposição à ditadura implantada. Com as poderosas armas, os sulistas atacaram os oposicionistas por muito tempo. O conflito, porém, intensificou-se há quatro anos, quando os EUA de fato entraram na Guerra.

Entretanto, no ano passado, as tropas de oposição finalmente conseguiram invadir a em-baixada americana em Saigon, e desde então, os americanos vem sofrendo várias derrotas para os até o momento desacreditados lutadores pela in-dependência.

A guerra, para a infelicidade dos que lutam por um mundo melhor, permanece. Mas parece perto do fim. A mídia, pela primeira vez na histó-ria, transmite uma guerra televisivamente. Mas seria isso motivo de orgulho pelo desenvolvimen-to, ou repúdio pelo conteúdo distorcido?

Nós somos jovens tachados de alienados por buscarmos outros padrões de comportamento. Enganam-se. Nós buscamos outros padrões não por alienação, mas por uma pequena palavra-cha-ve que está em falta neste século: paz. j

O mundo assiste à guerra Nós lutamos contra

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No início desse ano, em Ohio (EUA), muitos de nós protestamos contra a permanência dos EUA na guerra e a recente invasão ao Camboja. O pro-testo terminou com luta, e com a infeliz morte de quatro pessoas. Porém,

não podemos desistir. Somos a voz ativa da política que luta verdadeiramente pelo bem e por sua implementação. Pratique essa ideia e informe-se mais sobre os nossos pilares a partir do manifesto abaixo. É preciso melhorar a vida em sociedade. Em busca desse objetivo exigimos:

1. O fim da Guerra do Vietnã e de toda e qualquer outra guerra, tal como a abolição de tropas militares;

2. O fim da exclusão de pessoas negras da sociedade e a liberdade a todos que lutaram por essa causa;

3. O fim do monopólio cultural por parte de uma minoria;4. Um sistema de ensino baseado na liberdade de escolha do estudante e

que promova uma forma de aprendizado focada no mundo ao redor do aluno, sendo possível aprender diretamente através dos problemas exis-tentes na vida da comunidade que o cerca;

5. A legalização da maconha e de qualquer outra droga psicodélica;6. O desarmamento de todas as pessoas, começando pela polícia;7. Um sistema de prisão baseado na recuperação de detentos e não na pu-

nição;8. Um programa ecológico que prevê a descentralização das cidades, lota-

das, encorajando a saída para o meio rural;9. A utilização da mídia para promoção de um pensamento livre a aberto;10. O fim do dinheiro e a liberdade de trabalho através da adoção de um sis-

tema no qual as máquinas trabalham mais que os homens;11. O fim de toda forma de censura;12. A promoção e difusão de qualquer forma de arte, tornando as pessoas

mais criativas e a vida a nossa volta menos sem graça;13. O amor, a liberdade e a paz como princípio na vida de todo indivíduo.

A revolução aqui proposta deve se iniciar no interior de cada ser pensante para, só então, prolongar-se à toda a sociedade. Deve-se viver colocando-se no lugar do outro e prezando pela vida plena de cada ser vivo e do planeta. Entre nessa onda de paz e nos ajude a mudar o mundo. Não deixe morrer essa ideia. Divulgue-a. j

LOVER UTION

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Formada em Londres no início do ano de 1967, a banda é liderada pelo guitarrista Jeff Beck (que a dá nome), tendo ainda Rod Stewart

nos vocais, Ronnie Wood no baixo, e Tony Newman na bateria. O grupo ainda não estourou completamente no cenário da música mundial, mas já esteve no “top 15” dos singles do seu país de origem. Este single em questão conta com par-ticipação dos músicos Keith Moon, do The Who e Jimmy Page, do Led Zeppelin.

Há duas semanas lançaram o LP “Beck-Ola”, que deve finalmente emplacar a banda como um dos maiores sucessos da Inglaterra na atualida-de. Porém, mesmo com a promessa de sucesso no ramo, o grupo parece passar por problemas entre seus integrantes. Recentemente, eles deixaram de tocar no festival de Woodstock, mesmo estan-do confirmados para o evento, devido a desenten-dimentos entre os membros; o que levou a boatos de que Ron e Rod poderiam deixar a banda, ou que ela pudesse até mesmo acabar.

Apesar dos problemas com seus integrantes, The Jeff Beck Group possui um estilo singular. Jeff é um músico bastante talentoso, que deve decolar no mundo musical. Por isso a tendência é que os membros rebeldes reconsiderem a ideia de deixar o grupo agora e sigam em direção ao panteão do rock ao lado de Beck.

No último mês tivemos o lançamento do ál-bum Led Zeppelin II. Como o título suge-re, esse é o segundo trabalho da banda in-

glesa, que traz em sua composição um som mais pesado, possuindo riffs mais poderosos do que o primeiro disco da banda.

Feito em parceria com o produtor Eddie Krammer, ele foi gravado em diversas locações - tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos. As gravações ocorreram entre shows e outros compromissos do grupo.

O processo criativo também se deu durante a rotina de shows. Inclusive, segundo a banda, muitos dos arranjos e riffs usados no LP são frutos das improvisações do guitarrista Jimmy Page durante o tempo vago das turnês. Com um som mais forte do que nas canções anteriores a esse lançamento, a banda abusa de solos de ba-teria épicos e guitarras bem marcantes, além da maestria dos vocais de Robert Plant. A obra-pri-ma de Page é candidata a ser um dos melhores álbuns do ano, e nele se destacam músicas como Whole Lotta Love e Heartbreaker. j

Led Zeppelin - Led Zeppelin II

Pra ficar de olho Álbum em destaque

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Nos últimos anos o aumento do consumo cres-ceu 78%, enquanto o aumento populacional foi de 22%. Mas por que o consumo teve um

aumento tão maior? A mídia, cada vez mais vista como entidade incontestável, teve um papel muito importante nesse fato. A sociedade pós-modernis-ta em que vivemos estimula a compra de maneira desenfreada. E, ainda pior, nos faz acreditar que isso deve ser uma forma de felicidade.

Um lugar para ser exemplo

Indo contra essa onda, nos últimos nove anos surgiram nos arredores de cidades como San Die-go, San Francisco, Los Angeles e até do Rio de Janeiro, comunidades que auto-intitulam seu esti-lo de “Vida Verde”. Para eles, reutilizar – mesmo que para outros fins - é quase regra. E os pro-dutos consumidos se retêm apenas aos orgânicos, que são cultivados em hortas caseiras na parte de trás de todas as casas.

Comunidades Vida Verde

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- Escolhemos viver assim, pois achamos que este é o futuro. Meus filhos estão tendo acesso apenas à comidas orgânicas. Estão crescendo em um meio muito mais saudável do que onde cresci. – explicou Cristal Duarte, de 33 anos, uma das fundadoras da comunidade pioneira.

-Por que vou gastar dinheiro comprando um short, se posso cortar uma antiga calça que não uso mais? Aqui não existe “dinheiro”. Trabalho para receber o que eu mesmo produzo. Sou mais feliz assim, encontrei minha paz interior. – com-pletou Pedro Duarte, companheiro de Cristal.

Alguns críticos comparam as comunidades Vida Verde à comunidades comunistas. A diferen-ça se dá, porém, no fato de que na Vida Verde as casas são todas diferentes, cada uma de acordo com os ideais, mesmo que estéticos, do próprio dono. Além disso, a produção dentro da comuni-dade é feita individualmente. Cada pessoa produz o que consome, e não há regra geral para isso.

Muitas casas têm o revolucionário sistema de captação de água das chuvas para consumo – seja no chuveiro e torneiras, seja até mesmo filtrada para beber. Marcelo Moreira (48), engenheiro do governo do Rio de Janeiro, explica:

- O governo já pensou em implantar esse siste-ma, mas são obras grandes, que requerem conhe-cimento especifico. Além disso, para que o siste-ma funcione, os consumidores teriam que ter cla-ras noções de racionamento. Não considero que a população, em um âmbito geral, esteja preparada para isso. Na Vida Verde isso funciona porque to-dos eles têm grande consciência ecológica.

Qualquer visita à comunidade é bem-vinda, mesmo que a título apenas de curiosidade. Para os que não aderem a esse estilo de vida, vale a pena conferir. Encontrar a paz interior é uma virtude de todos; cabe a cada um saber onde procurá-la. j

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Ao contrário do que se esperaria de um evento voltado para a arte de vanguar-da, a Bienal de São Paulo financiada, em

grande parte, por recursos do governo federal, não se posicionou frente às decisões políticas atuais, o que lhe custou a antipatia de críticos e artistas de várias partes do mundo. Dos artistas convidados, 80% não compareceram a exemplo de Carlos Vergara, Rebens Gerchman, Burle Marx, Sérgio Camargo e Hélio Oiticica. No ex-terior, expositores dos Estados Unidos, México, Holanda, Suécia, Argentina e França juntaram-se ao protesto. Com a ausência de mostras de peso, a 10ª Bienal expôs o que foi possível trazer ao Brasil.

O filme Easy Rider (Sem Destino), dirigi-do por Dennis Hopper e lançado neste ano ainda, colhe frutos do seu sucesso.

Um marco na filmografia de contracultura, e a “pedra-de-toque de uma geração que capturou a imaginação nacional”, a produção explora as paisagens sociais, assuntos e tensões na Améri-ca da década de 1960, tal como o movimento hi-ppie, o uso de drogas e o estilo de vida comunal; o que o aproximou dos cinegrafistas adeptos da arte moderna. Fontes confirmam que serão lan-çados pelo menos três filmes no próximo ano que também utilizam a vida hippie como cenário. Se-ria esse o inicio da ascensão da nossa cultura paz e amor? j

X Bienal de São Paulo é alvo de boicote

“Easy Rider” ultrapassa fronteiras

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Tropicália:Morte, vida e legado

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Aqui Jaz o Tropicalismo, dizia uma placa no cenário do primeiro programa “Divino, Ma-ravilhoso”, apresentado por Gilberto Gil e

Caetano Veloso durante o ano passado na Tv Tupi. O programa de abertura contou ainda com a par-ticipação marcante d’Os Mutantes, fazendo uma espécie de enterro do movimento. Para quem não acreditava que isso pudesse acontecer, a confirma-

ção veio da boca do próprio Caetano, que em agos-to desse ano afirmou em um programa, em Lisboa, que “Já não há o Tropicalismo como movimento”.

Para toda uma geração, as palavras de Cae-tano concordam com o momento atual do nosso país. No modelo de governo vigente, é impossí-vel que um movimento, que tem como principal alicerce a liberdade, consiga perdurar. A prisão de Gil e Caetano, em dezembro do ano passado, e o exílio de ambos, no início desse ano, apenas comprovam isso.

Todavia, mais importante que chorar a morte da Tropicália, é celebrar seus momentos de vida e seu legado para a música brasileira. O Brasil foi capaz de produzir um movimento com caracterís-ticas até então não exploradas, transformando o gosto da população em relação ao comportamento, à moral, ao corpo e ao sexo. O vestuário utilizado pelos tropicalistas também chamava a atenção,

uma vez que eles exploraram um visual baseado na cultura hippie, utilizando roupas escandalosamen-te coloridas e cabelos grandes, o que gerou certo choque para um público acostumado a assistir can-tores sempre alinhados.

A Tropicália, influenciada pela Jovem Guarda brasileira e pelo som mundialmente popular dos Beatles, buscou incentivar a universalização da nossa música. Para isso, misturou o som das gui-tarras elétricas com a música nacional, e mesclou diferentes estilos, como pop-rock, samba, música

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de vanguarda e frevo. A curta duração do Tropica-lismo não representou escassez de sucessos e po-demos, definitivamente, destacar alguns marcos:

Primeiramente, a conhecidíssima “Tropicá-lia” de Caetano Veloso. Lançada ano passado, deu início e nome ao movimento. Na letra da canção, cheia de metáforas, o compositor baiano critica o governo e o sistema brasileiro, trazendo a imagem do povo como judiado e aquém da esfera política. A obra, assim, é repleta de acusações e deixa claro o sentimento de revolução pulsante nas veias de quem a compôs, divulgando essa ideia ao resto do mundo.

Também é impossível esquecer “Domingo no Parque”, cantada por Gilberto Gil e Os Mutantes, e “Alegria, Alegria”, cantada por Caetano e os Beat Boys, durante o III Festival da Música Popular Brasileira na Tv Record. Conquistando o segundo e quarto lugares, respectivamente, na edição do festival daquele ano (1967), inauguraram a utiliza-ção de guitarras elétricas na MPB e marcaram a entrada da Tropicália no gosto popular.

Entretanto, nem todas as músicas agradaram. “É proibido proibir” de Caetano e Os Mutantes, cantada no III Festival Internacional da Canção, realizado pela TV Globo no ano passado, foi marca-

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da por uma sucessão de escândalos. Durante a introdução da música, o público já atirava tomates e madeiras ao palco. Caetano, em resposta, entrou em cena rebolando e fazendo gestos obscenos. A plateia deu as costas para o palco e Os Mutantes continuaram a tocar, porém de costas para o público. Caetano, exal-tado, realizou um discurso inflamado, no qual criticava a juventude ali presente e as vaias só aumentaram.

Escândalos a parte, todo o disco “Tropicá-lia ou Panis et Circencis”, lançado no final do ano passado, pode ser considerado uma bela coletânea. Reunindo Gilberto Gil, Caetano Veloso, Nara Leão, Os Mutantes, Gal Costa e Tom Zé, conta ainda com arranjos de Rogério Duprat. Com doze faixas que não possuem ne-nhuma ligação estética, a obra é considerada um marco sonoro do movimento tropicalista. Dentre as canções, destaca-se “Panis et Cir-cencis”, que em sua letra busca retratar as di-ferenças entre uma juventude revolucionária e a vida daqueles que se encontram na “sala de jantar”, ou seja, que vivem de forma acríti-ca. Sonoramente, a canção inicia-se de forma harmonicamente sutil, mas evolui para um psicodelismo absoluto, que é interrompido pelo som de talheres, recriando o cenário de uma sala de jantar, dessa vez caótica, cercada por sons de copos quebrando e vozes entrela-çadas, o que representa o rompimento com os costumes tradicionais.

Com a morte da Tropicália, para onde ca-minha a produção musical brasileira? É cer-to que com o Ato Institucional número 5 as composições estão repletas de limitações, mas o brasileiro sempre consegue dar um jeito. O cenário musical esse ano foi marcado por pro-testos disfarçados, como “Sinal Fechado” de Paulinho da Viola, que conseguiu com maes-tria fundir concertos modernos com a música brasileira e trazer na melodia a tensão vivida atualmente, além de sabiamente incorporar o silêncio à canção.

Para a década que vem, fica o desejo por uma música nacional de qualidade e atrelada à ideologias de liberdade e paz. O brasileiro já se mostrou criativo e capaz de produzir obras de qualidade sonora e com letras primorosas, basta apenas que o cenário nacional torne-se mais aberto a uma produção cultural livre. j

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E aí bichos? Acabei de passar duas semanas vi-vendo um lance jóia que merece ser compar-tilhado! Vi e convivi com os índios das tribos

Tenharin e Katuena, me incorporei à realidade, aos costumes, à religião dos nativos e a tudo que me desafiaram a participar. Mas, primeiro quero contar o que me levou a esse lugar, que não era o meu destino inicial.

Estava numa quebrada em Manaus, dando um tempo. Como todo bom hippie sabe, as quebradas são o reduto da malucada, lugares belíssimos e de muita liberdade. Sempre frequentei pra trabalhar nos artês, ou simplesmente para curtir ao som das gaitas, flautas e violas. Maconha, cogumelos, paz e amor. O que mudou dessa vez foi a minha von-tade de experimentar coisas novas. Tava afim de mergulhar em uma realidade diferente, distante do caos que tem se tornado tão frequente nessas épocas. E foi nesse momento que me perguntei: Que lugar melhor pra me aventurar na Amazônia que uma tribo genuinamente indígena? Peguei mi-nhas coisas e botei o pé na estrada, na esperança de que algo no caminho me chamasse a atenção e me fizesse tomar um rumo.

Depois de dois dias andando por aí, consegui fazer um contato com um irmão de fé que prome-teu me levar a um mundo que eu nunca tinha visto antes. Foi aí que consegui o que tanto buscava: Viajamos por vários caminhos desconhecidos, an-dei por florestas, rios e tive o contato mais profun-do com a natureza que já pensei que um dia teria. O cheiro do verde, o calor das matas, a vida que mora em cada uma das mil espécies de animais que vivia naquele lugar... É tudo rico demais!

A primeira tribo que visitamos foi a tribo dos TENHARIN, não muito distante da quebrada (100km ao sul de Manaus). Os índios de lá pintam o corpo, sua cerâmica e seus tecidos com um estilo bem peculiar, extremamente abstrato. Observam a natureza, mas não a desenham, o que, ao contrá-rio do que se pensa, não classifica essa arte como

primitiva, já que eles partem do elemento natural para torná-lo geométrico. Eles também costumam construir seus próprios acessórios, como suas armas. Fabricam arcos perfeitos, instrumentos cortantes feitos com bicos de aves e enfeites de plumas.

No fim da nossa visita tivemos que pedir per-missão pro pajé Ynanbá, o coroa que é o mestre da tribo deles, pra podermos frequentar os rituais religiosos dos caras, que são interessantíssimos. Esses índios, fetichistas, possuem em sua religião os senhores maiores, ou seja, temem ao mesmo tempo um bom Deus – Tupã – e um espírito ma-ligno, tenebroso, vingativo – Anhangá.

A tribo dos KATUENA já se apresentou de maneira diferenciada. Seus índios têm o hábito da luta mais presente no cotidiano devido à localiza-ção mais próxima de rios e de focos de bandos de animais selvagens, o que fez com que eles fossem um pouco menos amigáveis e abertos a “trocas cul-turais”. Mas o que mais surpreendeu nessa tribo foi, sem dúvida, a espiritualidade deles, que não foi perdida apesar das várias interrupções bran-cas nessa rotina. A crença nas forças da natureza e nos espíritos dos antepassados transmite uma paz e uma onda enorme, que eu nunca tinha viven-ciado, mesmo estando acostumada a isso.

A experiência durou pouco, mas o suficiente para serem passados ricos ensinamentos e mudar minha cabeça quanto àquele índio nativo e frágil brasileiro. Cada ação e novidade oferecida a mim só fizeram me apegar àquela cultura tão bonita e tão diferente da que estamos habituados. No fim daquilo tudo me perguntava o motivo de eu ter me identificado tanto com essa maneira de viver... Agora entendi que a vida hippie é uma extensão da vida indígena e que eles, assim como nós, vi-vem em intenso contato com a natureza e o que ela oferece. Podes crer que se aqui na capital as coisas continuarem barras como estão, vou dar um giro na Amazônia de vez. j

Coluna da Araribóia

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Brasil

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Coluna Brasil HojeÉ certo que já nos encontramos nesse quadro

há mais de cinco anos. Fato é, porém, que o povo achou que não pudesse piorar. Estáva-

mos enganados. Costa e Silva subiu ao poder mi-litar do nosso país, que um dia foi democrático, há dois anos e sem nenhum apoio popular. Pelo con-trário, com oposição. Muitos, assim como quem vos escreve, pensam “Isso não vai acabar?” Pelo visto não. O que antes era uma ditadura militar disfarçada, ou ao menos branda com o governo de Castelo-Branco, agora já se escancarou.

Ano passado, porém, os oposicionistas cresce-ram. As lutas ainda são pequenas perto do que o Brasil vive, mas já chegam a assustar os mili-tares. A Frente Ampla, liderada por Jango, JK e Lacerda, tenta promover comícios e passeatas para conscientizar a população e despertar o intui-to de mudança mais forte. Apenas o povo, unido de forma jamais vista, será capaz de reverter essa situação. Mas isso, infelizmente, ainda parece lon-ge de acontecer.

E pra quem sentia falta da presença dos estu-dantes, esses voltaram a se organizar ano passado contra as forças autoritárias. Apesar de persegui-dos, juntam suas forças para tentar fazer a dife-rença. Afinal, as ações da extrema direita estão tão ditatoriais que até certas pessoas das Forças Armadas começaram a apoiar a esquerda em seus protestos. E com o relativo sucesso da última ação do Mr-8, as guerrilhas estão procurando um espa-ço cada vez maior para agir e pedir mudanças por meio da luta. E, assim, com muitas e diferentes abordagens, todos esses grupos buscam um único ideal comum: a volta da democracia perdida.

Costa e Silva, porém, não deu passos atrás. Pelo contrário, chocou o país ao fechar o Congres-so e editar o AI-5. Como um instrumento jurídico que suspende todas as liberdades democráticas e direitos constitucionais, o AI-5 permite que a po-lícia efetue investigações, perseguições e prisões de cidadãos sem necessidade de mandato judicial. Ou seja, a ditadura encontra-se mais instaurada do que nunca, e o povo fica livremente preso.

Porém, o mais cômico é que enquanto nós so-mos encurralados por um regime que luta para pôr algemas em nossos braços, ouve-se nos rá-dios Wilson Simonal cantando que vive “num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Irônico talvez? Apesar de nada disso ser mentira - ou nada exceto o “abençoado por Deus”- esse talvez seja o mais claro exemplo da alienação pretendida pela mídia que nos cerca, ou da maquiagem produzida ao redor do caos que nos é imposto diariamente.

Não se deve fechar os olhos, portanto, às vá-rias manobras que o governo vem criando de modo a anular a ameaça na qual o povo unido pode se transformar. Lembramos aqui que nossa revista não tem a pretensão de denunciar o que todos já sabem, mas de lutar pela paz que nos falta. Esse artigo, escrito anonimamente, visa conscientizar a população de que está na hora de se juntar à oposição e lutar. Não há outra forma de fugir da situação desagradável que vivemos. A Junta Militar está no poder e outro presidente está por vir. É a hora de mudanças. Queremos uma liberdade verdadeira, sem máscaras ou mi-litares tentando retê-la! j

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Woodstock

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500 mil pessoas. 3 dias. 32 shows. Tudo isso resume o evento mais alucinante da história.O homem pode ter acabado de completar um grande passo chegando a Lua com sua famosa nave Apollo 11, mas Artie Kornfeld, Michael Lang, John Roberts e Joel Rosenman conseguiram

apenas um mês depois dar um passo muito maior. Os 4 organizadores do festival de Woodstock abalaram o mundo conseguindo o impossível: em uma fazenda na pequena cidade de Bethel que esperava apenas 200 mil pessoas reuniram-se mais de 500 mil para apreciar o maior evento de música visto até hoje. Apesar dos intensos congestionamentos que bloquearam a Via Expressa de Nova Yorque, os carros abandonados no meio das estradas e das cercas derrubadas (que tornaram o evento gratuito), o ideal de “3 dias de paz, amor e música” predominou, e o espírito pacífico reinou no evento. E pra todos aqueles que não puderam presenciar esse fenômeno mundial, nós trazemos aqui todos os detalhes do festival contados diretamente por quem esteve lá e pelos produtores, além de uma entrevista super exclusiva com um deles. Vale a pena conferir.

WOODSTOCK

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“Um festival que tinha tudo pra dar errado”

Apesar da visão pessimista contida na frase acima, esta não é mais que uma verdade. Embora considerado um sucesso após seu

término, Woodstock Music & Art Fair (nome ori-ginal) enfrentou muitos problemas para se con-cretizar. O festival, como sugere o nome, deveria ocorrer originalmente na pequena cidade de Woodstock, em Nova Yorque, exatamente porque muitos músicos, como Bob Dylan e Jimi Hendrix, possuíam casas no local, que era ainda de excelente localização. Após a escolha do lugar, começaram-se os anúncios já em abril, com a divulgação da ven-da antecipada de ingressos e das primeiras ban-das contratadas. Porém, um mês antes do evento, e após muita luta dos moradores locais contra o que eles consideravam “um bando de hippies ma-lucos”, leis foram baixadas proibindo a realização do festival na cidade, criando um grande problema para os organizadores. “As lojas que vendiam os ingressos começaram a se recusar a vendê-los, al-guns artistas que ainda estavam em processo de negociação começaram a desistir e alguns clientes começaram a pedir reembolso. Entramos em pâni-co” disse Michael Lang quando perguntado sobre a repercussão da proibição para o evento. Porém, a salvação veio dentro de uma semana, na forma da fazenda de 600 acres de Max Yasgur em Bethel, ali mesmo no estado de Nova Yorque.

Mesmo com a sorte de achar a nova locação, os problemas ainda estavam só começando. Com a mudança do local, alterou-se todo o cronograma do evento. Novos contratos precisaram ser feitos em cima da hora e teve-se que correr para construir toda a infraestrutura necessária (palcos, estaciona-mento, área dos artistas, de comida, parquinho de crianças e etc) a tempo, o que resultou em algumas instalações mal construídas e que suportes essen-ciais, como as bilheterias e os portões, não conse-guissem ser finalizados até o dia do festival, o que só facilitou a entrada no evento de forma gratuita. Além disso, como o evento a princípio fora pensado só para 50 mil pessoas, mas foram vendidos 200 mil ingressos, precisaram-se arrumar mais ba-nheiros e maior fornecimento de água e comida, levando a fornecedora de alimentos a ameaçar can-

celar o contrato até alguns dias antes do evento. Com todos esses problemas a serem resolvidos, surgiu ainda mais um na véspera: os policiais da região que iam trabalhar no festival foram proi-bidos de fazê-lo.

Entretanto, apesar de todas as dificuldades para sua realização, o plano se tornou realidade, e no dia 15 de agosto abriam-se as portas para o começo do festival. Uma multidão de pessoas cau-sou um verdadeiro congestionamento na cidade e na Via Expressa de Nova Yorque, mas nada que as impedisse de chegar ao local a pé. Incapazes de controlar a entrada de tantas pessoas, os produto-res liberaram o evento para todos, sendo as cercas logo derrubadas e desaparecendo entre os grama-dos. Logo se há de pensar que em um lugar com infraestrutura para 200 mil pessoas e aparecendo 500 mil, o caos se instalaria. Mas não foi isso que aconteceu. Apesar do racionamento de comida, da falta de água, da chuva, das longas filas para o ba-nheiro e da desorganização na ordem dos shows, o festival foi de um sucesso nunca visto antes. O clima de paz reinou, as pessoas conviveram harmo-nicamente e a música foi simplesmente fenomenal, revelando-se artistas e tendo-se shows com perfor-mances memoráveis, reunindo-se o melhor do cená-rio musical atual. “A música causa um efeito incrí-vel nas pessoas, ela inspira uma aura de liberdade, paz e amor que nada mais consegue provocar da mesma maneira. E Woodstock é exatamente a tradução disso.”. Foram com estas sábias palavras que Jimi Hendrix fechou o festival de Woodstock. E ele não poderia estar mais certo.

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“Foram os 3 dias mais alucinantes e diver-tidos da minha vida”. Foi assim que Be-atriz Aguiar, uma das poucas brasileiras

que teve o privilégio de participar de Woodstock, definiu sua experiência no festival. Esta jovem re-belde, contrariando a vontade dos pais e acompa-nhada do irmão, Arthur Aguiar, resolveu no come-ço de agosto viajar para a casa de sua tia, em Nova Yorque, de onde, alguns dias depois, partiria rumo a Bethel para participar do evento. Levando comi-da, água e uma muda de roupa em uma trouxa, os dois partiram de carro ainda de madrugada no dia 15 rumo ao grande evento. “Adoro a Janis Jo-plin e tava super ansioso pra chegar logo. Saímos ás 3 da manhã, mas mesmo assim ainda pegamos muito trânsito na Via Expressa de lá. Chegamos a um ponto já perto do festival que era impossível continuar de carro, o abandonamos em um pedaço da estrada e continuamos a pé mesmo. O mais im-pressionante foi que, quando fomos embora no dia 18 de manhã, ele continuava lá no mesmo lugar, intacto” disse Arthur.

Perguntados sobre como foi o dia-a-dia de lá, os dois concordaram que foi um pouco difícil, mas to-dos eram solidários e no fundo valeu a pena. “As

3 dias de paz e músicafilas para o banheiro eram de no mínimo uma hora e a de água de meia hora mais ou menos. Muitos acabavam fazendo as necessidades no matinho em volta e bebendo a água de um rio ali perto, que era onde a gente tomava banho. Mas o pessoal era bem maneiro: quem tinha trazido comida de casa dividia com o pessoal em volta. A gente esten-dia várias cangas e ficava lá, dividindo as pílulas e curtindo os shows. Era mó vibe.” conta Bia. E na questão das pílulas, muito elas causaram. Fo-ram registrados mais de 400 atendimentos por “bad trips”, e uma das pílulas, chamada de “Chip Monkey”, foi responsável por tantos casos médicos que os produtores subiram no palco para pedir que as pessoas parassem de usá-la. “Eu lembro disso. No intervalo do show do The Who, um dos caras que tavam organizando veio falar isso. Ainda bem que não tomei essa aí, disseram que era material ruim. Outra coisa engraçada que eu presenciei foi o nascimento de um menino ali do meu lado, mui-to bizarro.” recordou Arthur. E apesar de espan-toso, esse não foi o único nascimento registrado: outro bebê nasceu dentro de um carro, além dos 4 abortos que ocorreram. Além destas crianças que nasceram em Woodstock, muitas outras também

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foram geradas lá. Inclusive a de Beatriz, que vol-tou para o Brasil com esta novidade. Pressente-se que uma futura geração de “bebês Woodstock” está por vir.

Além de Arthur e Beatriz, também tivemos contato com Lucy Hennin, uma nova yorkina que participou do festival e está agora de férias no Brasil. Perguntada sobre os shows, Lucy disse que ficou decepcionada com a apresentação do The Grateful Dead, que teve uma performance curta por problemas técnicos. “Adoro a banda e estava muito empolgada com a apresentação, foi uma pena. Mas posso dizer que tive uma adorável surpresa com o Santana, não conhecia a música dele, mas o show foi sensacional, um dos melho-res com certeza. Amei também o show da Joan Baez, gosto muito da forma como ela consegue pegar uma letra de cunho político e fazer uma ótima música a partir daí.” ressaltou ela. Unani-midade entre todos, o show de Jimi Hendrix foi tido como espetacular, e, tanto Beatriz e Arthur, como Lucy, tiveram o privilégio de ver este últi-mo show com as poucas pessoas que ainda resis-tiam ali na manhã de segunda. Porém, no geral, todos concordaram que não houve nenhum show que pudesse ser considerado ruim e, em questão musical, não tem nada do que reclamar.

Entretanto, outra questão que desperta curio-sidade foi como se manteve o clima pacífico por tanto tempo com tantas pessoas. Com apenas duas mortes registradas, uma por overdose e ou-tra causada por um atropelamento com um trator, a paz se manteve e o caos foi evitado. Mas como Lucy me informou, apesar da falta de polícia local, uma espécie de “polícia hippie” ajudou a manter o controle do evento. “Lá existia um grupo circen-se psicodélico, a Hog Farm, que ajudava a servir comida, dava aulas de ioga e zelava pela paz, fun-cionando como uma polícia do evento. Frequen-tei uma das aulas, que era liderada por um cara muito engraçado e carismático, Wavy Gravy se não me engano, que era o líder deles. Foi muito divertida, meditamos e acendemos uns incensos. E ainda pude ouvir a palavra secreta de identifi-cação entre eles: esqueci. Cômico, não?” contou ela. Outra diversão para os presentes foi o banho de lama. Apesar da corrente de pessoas gritando “no rain” na manhã de sábado, uma chuva torren-cial castigou os presentes e levou muitos a irem embora. Para os corajosos que ficaram, sobraram verdadeiras poças de lama, que viraram fontes de brincadeiras para muitos. “Foram definitivamen-te 3 dias de muita paz, amor e música” definiu Lucy. E não há quem discorde. j

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Greateful dead: Os californianos de Palo Alto não tiveram muita sorte em sua performance. O show estava previsto

para as 22:30 do sábado. Já a chuva torrencial que descia dos céus nesse exato horário, não. O palco inundou em questão de minutos, e a ban-da corria risco de choques elétricos. Mas como dizem os sábios: “rock conquers all” e, portan-to, o grupo subiu ao palco mesmo que sob forte tempestade. Iniciado o show, a chuva, a banda e o público se entrosaram numa espécie de tri-ângulo amoroso. A multidão, ébria da energia serena que pairava no ar, nem pareceu notar o problema técnico no amplifi-cador do baixista Phil Lesh, que passou -acidentalmente- a transmissão de rádio de um helicóptero que cobria o festi-val. O ritmo psicodélico e úni-co do grupo embalou o públi-co numa espécie de transe. O Greateful Dead fechou o show com uma longa e penosa des-pedida, o hit “Turn on your lovelight”.

Santana: O jovem Santana foi possivelmente o maior des-taque do festival. Certamente não haviam grandes expec-tativas em relação à perfor-mance do músico até então desconhecido, habituado a tocar em bares pequenos de São Francisco, que Bill Graham convidou para o evento. Santana, apesar da falta de experiência com multidões e de álbuns lançados, não se deixou intimidar pela platéia de 650.000 pessoas. Subiu ao palco de-sinibido, como um leão, e conquistou o público com sua fusão impecável de rock e ritmo latino. Ao fim de sua apresentação, foi euforicamente ovacionado, como merecido. O jovem pisou no palco como desconhecido e saiu como uma lenda. Não restam dúvidas de que ainda iremos ouvir muito esse nome por aí.

Jimi Hendrix: Jimi Hendrix fez uma perfor-mance memorável em Woodstock. Jimi prepa-rou uma formação de banda especial para sua apresentação. Expandiu sua pegada para além

do clássico trio da guitarra, baixo e bateria; con-tratando o guitarrista rítmico Larry Lee e os tocadores de conga Juma Sultan e Jerry Vélez. O artista exigiu ser o último a tocar no festival. Hendrix não contava com os atrasos e a preca-riedade logística do evento. Sua performance, programada para a noite de domingo, foi trans-ferida para a manhã de segunda. Das 650.000 pessoas que estavam presentes no festival, 35.000 permaneceram para assistir ao show dos “Gipsy Sun and Rainbows”. Só 35.000 pessoas tiveram a sorte de presenciar Hendrix tocando o hino nacional dos Estados Unidos intercalado

com barulhos de bombas explo-dindo. Jimi fez uma crítica afia-da às decisões políticas de LBJ e a presença do Tio Sam nas terras Vietnamitas. O músico criou um momento de reflexão, e tornou sua performance ines-quecível. Hendrix fechou o fes-tival com chave de ouro.

Janis Joplin: A rainha do rock, Janis Joplin, era uma das “headliners” do festival. Devido aos incalculáveis atrasos, Janis só subiu ao palco as 02:00 ho-ras da manhã. A musa do soul não irradiou sua vibração elé-trica como o esperado. A falta de entrosamento com a recém-formada banda foi notável. A

cantora estava visivelmente cansada, e cometeu alguns deslizes vocais. Apesar de não ter sido seu melhor show, sua performance de “Work me, Lord” e “Kozmic Blues” provocou arrepios no público, que estava extasiado com a presença da emblemática artista.

The Who: Apesar do grupo britânico ter dado início à sua apresentação às 04:00 horas da ma-nhã, tiveram uma das performances mais empol-gantes de todo o evento. O The Who é conhecido pela dinamicidade de suas apresentações, e não deixou a desejar nesse quesito. A banda eletri-zou a platéia com seu estilo único opera rock. O show só foi terminar depois dos ingleses terem tocado todo o seu disco “Tommy”, às 06:00 horas da manhã , e com gostinho de “quero mais”... j

Os shows

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Maria Joana: Boa Tarde Michael, como vai? Participei da cobertura do evento e só tenho uma coisa a dizer: foi sensacional! Mas a pergunta que não quer calar é: de onde surgiu essa ideia?

Primeiramente, boa tarde e obrigado. Bom, na verdade a ideia começou comigo e com o Artie (Kornfield, produtor). Somos amigos há algum tempo, ambos trabalhando com música, ele na Capi-tol Records e eu como promotor de shows. Tinha feito outro festival em janeiro desse ano que foi um sucesso. Resolvemos então, realizar outro festival, agora juntos, mas precisávamos de financiamen-to. Foi aí que nosso advogado nos apresentou Roberts e Roseman, em fevereiro. A partir daí come-çamos a trabalhar na ideia de montar uma gravadora e realizar um evento de dois dias, inicialmente para 50 mil pessoas. Vendemos quase 200 mil ingressos e considerávamos já um sucesso. Qual foi a nossa surpresa quando apareceram quase 500 mil pessoas derrubando a cerca. “O caos se instalou” era o que pensávamos. Mas a grande atitude de paz e amor da população fez tudo correr tranquilo,e apesar das enormes dificuldades que tivemos pra dar conta do dia pra noite de um festival com mais que o dobro esperado de pessoas, tudo deu certo no final. Com a qualidade musical excepcional que tiveram os shows, ninguém prestou atenção em mais nada. Posso dizer que apesar do prejuízo, con-sidero Woodstock nosso sucesso!

Maria Joana: Os shows com certeza foram um sucesso em todos os sentidos! Mas algumas bandas fizeram falta, como os Beatles e o The Doors. Vocês tentaram entrar em contato com eles?

Claro, afinal são grandes bandas e apreciadas pelo público hippie. Mas tivemos alguns proble-mas. Os Beatles, por exemplo, disseram que só tocariam se a banda da Yoko Ono, a Platic Ono Band, também tocasse no festival. Mas nós achamos que o som dela não combinava com o público e não tinha relação com o espírito do evento ou com as outras bandas, então fomos obrigados a recusar a proposta. Já o The Doors inicialmente concordou em tocar, mas só porque eles achavam que seria no Central Park. Quando eles viram que seria em um local mais isolado, desistiram, porque o Morrison (vocalista) achava que quando entrasse no palco alguém atiraria nele e o mataria. Apesar disso, o Joe (Densmore, baterista) apareceu por lá pra assistir alguns shows. Tivemos mais algumas recusas também como o Led Zeppelin, que estava em turnê, Bob Dylan e The Birds. Mas acho que depois do sucesso que foi o evento eles devem ter se arrependido, né? (risos).

Maria Joana: Com certeza! Mas em relação a projetos futuros, vocês têm algo em mente?

Bom, temos algumas ideias ainda em andamento. A que está mais perto de ser concretizada é o documentário sobre o festival, que está sendo dirigido pelo Michael Wadleigh, e deve ser lançado no começo do ano que vem. Também estamos fechando contratos pra produção de CDs, como o da Ja-nis Joplin gravado lá, e mais alguns outros. Mas acho que a ideia que provavelmente todos querem, outro festival, já vai ser muito mais difícil de acontecer. Afinal, tivemos um grande prejuízo nesse com a invasão do público, que estamos tentando reverter com esses outros projetos. j

Entrevista com Michael Lang

E como toda revista que se preze, a Maria Joana não podia ficar de fora dos detalhes do backsta-ge. Conversando com um dos produtores, Micha-

el Lang, conseguimos detalhes exclusivos que vocês só veem aqui! Aproveitem.

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Mundo Paralelo

"Eu acredito que esta nação deve com-prometer-se em alcançar a meta, antes do final desta década, de pousar um

homem na Lua e trazê-lo de volta à Terra em segurança". Com essa frase o presidente estadu-nidense J. F. Kennedy marcava um gol de placa ao assumir um compromisso, que oito anos e al-guns bilhõezinhos de dólares depois, seria reali-zado com pompa e maestria.

Mais uma vez o povo do Tio Sam mostrou a sua superioridade sobre o resto do mundo. Apa-rentemente o governo americano não conhece o ditado que diz que "o céu é o limite" e tratou de cruzar a atmosfera para colocar o seu emblemáti-co mastro na mais nova aquisição ianque: a Lua.

E apesar da guerra silenciosa que rola aqui na Terra entre nossos queridos americanos e a URSS,essa missão veio para mostrar ao mundo que a grandiosa nação dos EUA aparentemente já não vê desafios aqui em baixo. Até porque eles já conquistaram tudo que poderiam conquistar ainda dentro dessa órbita. Então, a essa altura da história, difundir a justiça e exterminar as ameaças à paz através de um massivo poder bé-lico e da opressão sobre países agrícolas subde-senvolvidos (mesmo que estes estejam do outro

lado do planeta) não confere glória suficiente aos paladinos da liberdade norte-americanos. Eles precisavam de mais.

Assim, logo se encarregaram de colocar Neil Armstrong para dar “um passo gigantesco para humanidade”, ao ser o primeiro homem a pisar no nosso cobiçado satélite natural. Mas tão im-portante quanto o passo dado não é a direção à que ele leva? Ao mesmo tempo que ele pode gui-á-lo a um objetivo, ele não poderia desviar dele? De que adianta a capacidade de dar grandes pas-sadas se ao fazer isso vai se tropeçar nos proble-mas igualmente grandes que estão sendo ignora-dos por se estar olhando fixamente para o alto?

Sem querer jogar água no chopp dos ameri-canos, essas perguntas servem para promover uma reflexão. Por mais que a conquista espacial não deva ser uma questão mais urgente do que os males que assolam a humanidade, o princi-pal aqui é mostrar que estamos falando de uma nação que não mede esforços ou consequências para demonstrar o seu poder. Essas coisas, en-tre muitas outras, levantam a possibilidade de que o grande passo de Armstrong está sendo dado,na verdade,por uma sociedade à beira do abismo. j

No mundo da Lua

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Assistindo hoje ao filme “2001 Uma Odisseia no Espaço” fui tomado por uma sensação diferente, e comecei a imaginar um novo

futuro. Se pensarmos que estamos só em 1969 e o homem já conseguiu chegar à Lua (não, não acre-dito que os passos de Neil Armstrong tenham sido uma farsa), imagine agora o que seremos capazes de fazer em 31 anos e quanta coisa pode ter muda-do nesse nosso planetinha azul.

Assim, considerando que devo estar vivo nos anos 2000, me sinto no direito de pensar minha vida futura. Viajando aqui no meu jardim, parei para imaginar esse novo mundo. Como a nossa querida Terra deve estar superpopulosa, a resi-dência em outros planetas será um caminho, de certa forma, óbvio. Afinal, já pensou que onda se-ria viver em Marte? Criar um verdadeiro mundo paralelo, só de paz, amor e altas viagens: uma co-munidade hippie no espaço. Finalmente podería-mos estar (literalmente) no mundo da Lua.

Mas como estes astros ainda ficam meio longe da Terra, novos meios de transportes obviamen-te seriam necessários. Imagino que ficaria a car-go das mentes brilhantes que vivem nas terras do Tio Sam a construção de potentes carros vo-adores, os quais com certeza farão mais sucesso que as cabines de tele transporte, que, convenha-mos, lembram demais o desenho dos Jetsons. A propósito, creio que a noção de dinheiro também se modificará, com a extinção das cédulas e a criação de algum mecanismo que torne o dinhei-ro “imaterial”.

Porém, vivendo em planetas diferentes, tere-mos ainda um pequeno probleminha a se resolver: o da comunicação. Com cada conhecido morando em um canto diferente do Universo, será impres-cindível a criação de um programa que permita que a imagem e a fala de cada indivíduo possam ser projetadas em qualquer lugar, criando, ima-gem só, conferências interespaciais! Afinal, só as-sim será possível manter um contato direto com os amigos distantes que não possam, ou simplesmen-

te não curtam muito, viajar por tele transporte. Mas apesar dessas projeções inovadoras, uma

única coisa que não abro mão é a comida como ela é hoje. A ideia de me alimentar por pílulas since-ramente não me agrada e soa americana demais. Defenderia, isso sim, uma nova alimentação cheia de plantas e cogumelos, pra deixar todo mundo re-laxado e já na onda da Lua. Se inventarem então algo em que possamos levar nossas músicas para ouvirmos em qualquer lugar ia ser muito jóia.

Apesar de toda essa viagem ao futuro muito alucinante, preciso voltar a realidade. Por fim, re-almente espero que as comunidades de puro amor se espalhem pelo mundo, e deixo aqui um apelo para que as tecnologias futuras sejam desenvol-vidas apenas para o bem. É bastante triste pen-sar que estamos só em 1969 e já existem tantas armas capazes de dizimar comunidades inteiras. Quero um futuro que nos reserve uma sociedade com uma verdadeira ideologia de paz e respeito, em que o homem finalmente comece a compreen-der que as técnicas devem ser usadas apenas para nos ajudar. Se já começarmos a praticar essa ideia hoje, o nosso futuro intergaláctico será só de amor e altas viagens. Rezemos por isso, bichos! j

A vida depois dos anos 2000

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