maria do carma d. mendom;a - cienciamao.usp.br · mou, utilizando a antiga solul;:ao 22 +21 +...+2...
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Maria do Carma D. Mendom;a-FUNBEC=
e Grupo de Estudosde Resoluc;ao de Problemas
Marcelo LellisColegio Ugo Sarmentoe Grupo de Estudos
de Resoluc;ao de Problemas
Rodolfo era um professor experiente. Gostavade seu trabalho e tinha um prazer especial ensinan-do na 8a sarie. Conseguia cumprir os conteudos doana e ainda recordava pontos importantes das sa-ries anteriores.
Muitos de seus alunos continuavam achando aMatematica um aborrecimento. No entanto, reco-nheciam a seguranc;:a e organizac;:ao do professor eo respeitavam. Todos diziam que Rodolfo era agarantia para nao terem dificuldades com a Mate-matica do 10 Colegial.
Apesar dessa estima, um certo dia Rodolfoentrou em uma 8a sarie e foi completamente ignora-do. A sala estava meio desordenada. as alunos,reunidos em grupos, discutiam, falavam alto, rabis-cavam papais. a que se passava?
as alunos tratavam da organizac;:ao de umcampeonato de pingue-pongue. A principal dificul-dade era a durac;:ao do campeonato: tinham medoque se prolongasse muito, mas nao conseguiamsaber quanto.
Era natural a dificuldade. Havia 23 inscritosno campeonato. as alunos queriam que cada parti-cipante jogasse uma s6 vez contra cad a um dosoutros. Quantos seriam os jogos? Certamente se-riam muitos.
E claro que Rodolfo reconheceu imediatamen-te que 0 "problemao" dos alunos era um simplesexercicio de analise combinat6ria. Para saber 0numero de jogos, bastaria combinar os participan-tes 2 a 2. Aplicando a f6rmula conhecida, terfamoso seguinte numero de jogos:
23!2! (23-2)!
Poram, analise combinat6ria estava no progra-ma do 20 colegial. Seria complicado, talvez ataimpossivel, deduzir a f6rmula com alunos de 8a
sarie. Alam disso, a aula tinha que ser dada. a analetivo estava no final e era urgente cumprir osconteudos da 8a sarie. Por isso, Rodolfo resolveuser enargico e par ordem na classe.
Nesse momento, um aluno falou:- Professor, esse a um problema de Matemati-
ca. Por que nao 0 resolvemos na aula?Rodolfo hesitou. as alunos, em coro, reforc;:a-
ram 0 pedido.Ele voltou a considerar a situac;:ao. Havia a
interesse da classe (coisa rara!), por outro lade eraprecise cumprir 0 programa e 0 problema nao seencaixava, pertencia ao Colegial. Mas quem sabe 0problema nao pudesse ser resolvido por outrosmeios? Isso era um desafio, tambam para Rodolf9!
- Esta bem, disse Rodolfo. Vamos resolver 0problema. Talvez assim esta classe volte ao normal.
A satisfac;:ao foi geral. Mas, antes que a ordem
voltasse, Joao, um menino do fundo da sala, semanifestou.
- Professor, eu tenho uma idaia! Posso mos-trar?
E, sem esperar resposta, 0 menino foi para alousa.
- S6 que parece tao facil ... Olhe, sac 23 joga-dores. Um jog a contra todos, entao cada um jog a22 partidas. Nao a s6 fazer 23 x 22 ?
Rodolfo percebeu 0 erro no raciocinio. S6 queo erro nao era facil de explicar. E, depois, Rodolfoconsiderou que a soluc;:ao poderia nascer exata-mente dessa idaia. Portanto, resolveu ser diploma-tico:
- Bem, para ter certeza deverfamos fazer umteste com numeros menores. Por exemplo: umcampeonato s6 com 9 participantes ...
. .A paz durou men os de dez segundos porqueMano, um dos melhores da classe em Matematica,correu para a lousa.
- Olha, se sac 5 jogadores, 0 primeiro joga 4partidas. Mas 0 segundo nao joga 4 tambam, por-que eu ja contei a partida dele com 0 primeiro! S6conto tres partidas do segundo.
Mario desenhou na lousa:
Quase toda a classe prestava atenc;:ao a Mariomas nao era facil acompanhar a velocidade daexplicac;:ao. Rodolfo percebeu isso e decidiu inter-vir, fazendo apenas um desenho:
1
..•.•....•" ..•.•....•" ..•.•....•..•.•....•..•.•....•" ...•...... .." ...•........" ..",... ..•.•.....
•••••••••••••3 4
Como Mario ja estava com todas as idaiasbasicas na cabec;:a, aproveitou instantaneamente asugestao.
- Isso que eu pensava professor! Olha aqui,turma!
E Mario anotou:partidas do jogador 1: foram 4 (com 2,3,4 e 5)partidas do jogador 2: foram 3 (com 3,4 e 5)
com 0 1 ja conteipartidas do jogador 3: foram 2 (com 4,5)partidas do jogador 4: foi 1 (com 5)
De repente, uns cinco alunos queriam falar,mas Laura ganhou a palavra. Era habitual menteHio calada que deve ter surpreendido os colegasquando se ouviu sua voz.
- Entao, com 23 jogadores a a mesma coisa. 0primeiro joga com os outros 22. Sao 22 jogos. 0segundo joga com todos, mas ja contamos seujogo com 0 primeiro. Sao 21 jogos. No terceiro,contamos s6 20 jogos e assim por diante.
Um instante atras Rodolfo estava incomodadocom 0 barulho, embora percebesse que era umbarulho criador. Poram, agora, estava maravilhado.Laura ele conhecia desde a 7' sarie, sempre alheiae desinteressada. Gostava dela, tentava tirar suasduvidas, mas nao acontecia nada; a menina conti-nuava com notas um pouquinho abaixo da madia.Os colegas chamavam-na de "satalite" porque "es-tava sempre em 6rbita". Que segredo havia desper-tado essa inteligelncia?
Enquanto Rodolfo refletia, Laura, muito se-gura, terminava a sua explicac;:ao:
- A gente resolve assim: a s6 fazer a soma ...22 -I- 21 -I- 20 -I- 19 -1- ... -I- 4 -I- 3 -I- 2 -I- 1. Professor,o senhor tem uma calculadora?
Rodolfo nao gostava de calculadoras mas naoreclamou. Na verdade, ele queria aplaudir. Come-c;:oua elogiar Laura, quando Joao, 0 primeiro a semanifestar, voltou a interrompeHo.
Nesse momento, a situac;:ao da classe era aseguinte: alguns alunos estavam satisfeitos com asoluc;:ao de Mario e Laura, mas reclamavam daconta 22 + 21 -1- ... -I- 2 -I- 1,que achavam trabalhosa;outros queriam a palavra final do professor, que osacostumara a suas explicac;:oes claras; os restan-tes, discutiam ainda suas pr6prias idaias sobre 0problema.
Joao, que agora retornava a lousa, estiveradiscutindo com tres colegas.
- Dessa vez eu acertei. E 0 meu jeito a maisfaci!o
- Nosso jeito, nao a? -interrompeu um co-lega.
- E, concordou Joao. Olha, se 0 torneio tives-se 5 jogadores, cad a um jogando 4 partidas, eufazia 5 x 4 que da 20.
- Mas ja vimos que com 5 jogadores s6 acon-
tecem 10 partidas, observou 0 professor.- Pois a, mas eu estava contando cada partida
duas vezes.- Ah! E isso!, interveio Laura. Olha 0 desenho:
- De cada jogador saem 4 linhas. Sao 4 parti-das. Mas cada partida envolve 2 jogadores!
- Isso, disse LUIs, la do fundo. Por isso, eu e 0Joao fizemos 4 x 5 e dividimos por 2. Da 10 parti-das, que a 0 certo!
- Mas dil certo sempre? -perguntou umamenina.
Rodolfo estava interessadlssimo nessa novasoluc;:ao, que ele tinha suspeitado no comec;:o. En-tao, estimulou a duvida e elogiou a pergunta damenina.
S6 que Joao estava preparado dessa vez. Mos-trou um novo desenho:
3 4A classe contou com alguma dificuldade as
partidas representadas no desenho (eram 15) eJoao explicou:
- Aqui, sac 6 jogadores. Cada um joga comoutros 5. Entao, 6 x 5, que da 30. Mas, cada partidafoi contada 2 vezes. Entao 30 -:-2, que da 15.
- A gente tem sempre que fazer 0 numero dejogadores vezes 0 numero "um a menos" e depois
dividir por dois, apoiou Laura.A explical;:ao era confusa; mesmo assim, obte-
ve aproval;:ao porque era justamente a linguagemdeles, alunos.
Enquanto isso, um aluno fazendo23 x 22
2obteve e anunciou 0 resultado 253. Outro confir-mou, utilizando a antiga solul;:ao 22 + 21 + ...+2 +1 = 253 que, alias, nao era tao trabalhosa.
o problema estava resolvido. Rodolfo achouque poderia aproveitar 0 momento introduzindoalguma linguagem algebrica. Obteve silencio e as-sumiu 0 comando.
- Quantas partidas em um torneio de 100jogadores?
- Cem vezes noventa e nove, dividido por 2,respondeu Laura.
- E se tivessemos x jogadores?- Qual e 0 numero antes de x, perguntou
Laura?Mas Mario ja estava na lousa registrando
x (x-1)2
A animal;:ao aumentou outra vez. Um achavaque 0 problema estava relacionado com as funl;:oesque estudavam; outro lembrava algo ligado ao nu-mere de diagonais de um poligono.
Rodolfo nao respondeu nem concluiu nada: 0sinal bateu.
Rodolfo saiu cansado. Nao estava acostumadoaquela efervescencia. Entretanto, a recompensaestava no rosto contente dos alunos. So que, ago-ra, 0 professqr experiente enfrentava mil duvidas.
Lamentava que 0 problema estivesse fora doprograma da 8a serie. Mas no colegial, apos asaulas de combinatoria, tudo nao passaria de um
exercicio comum, de simples aplical;:ao de for-mula?
Sentia tambem que ensinara pouco e os alu-nos tinham aprendido muito. Porem, isso era in-coerente. Como pensar em muita aprendizagemcom pouco ensino?
Havia gostado de sua atual;:ao. Falara pouco,mas nos momentos certos. Os alunos e que haviamconduzido a aula, discutindo, trocando ideias. 1550parece bom, mas nao acaba gerando muita ba-gunl;:a?
Valeu a pena trabalhar com um problema pro-posta pelos alunos? E a materia da 8a serie, comofica?
Talvez pudesse aproveitar a deixa para recor-dar a formula do numero de diagonais de um poll-gono ou, quem sabe, ate tratar de funl;:oes. (Imagi-nava a funl;:ao
f(n) = n (n-1)2
sugerida pelo problema).Seria possivelligar os as-suntos?
Quanta coisa para pensar! Rodolfo considerouainda aquele instante de excel;:ao: alunos motiva-dos com um problema de Matematica. Isso se repe-tiria algum dia?
Bem no intimo, ele achava que sim. Afinal, elemesmo poderia apresentar um problema motiva-dor. E havia mais: apresentar 0 problema talvezfosse secundario. Sera que 0 segredo nao estariaem outro lugar?
Quando Rodolfo explicava a teoria e 0 proble-ma era apenas aplical;:ao, tudo era monotono. Nes-sa aula, por acaso, Rodolfo deixara 0 desafio paraos alunos e a resposta fora surpreendente. Estarianesse ponto 0 segredo?
De qualquer forma, depois dessa aula, Rodolfonao era mais 0 mesmo.
EMAS CURIOSOS (fJ PROBLEMAS CURIONa revista numero 17 anunciamos que a seCfaode problemas
sofreria modificaCfoes. Nao vamos mais nos Iimitar a propor uma Iistade problemas curiosos e suas soluCfoes no numero seguinte darevista. Pretendemos, daqui para frente, fornecer mais elementospara que 0 professor possa trabalhar com resoluCfaode problemas nasala de aula. 0 artigo A HORA E A VEZ DO PROFESSOR RODOlf 0inaugura este novo carc~terda seCfao.Estaremos sempre propondo eresolvendo urn ou mais problemas de matematica em cada numero darevista.