marcos alexandre de souza resumo

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7 Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 7 n. 1/3 jan. / dez. 2007 RESUMO: O angico (Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan) é uma planta encontrada nas drogarias de produtos naturais, usada pela população como adstringente, depurativa, hemostática, no tratamento de leucorréia e gonorréia, tendo um emprego maior no tratamento da tosse, bronquite e coqueluche. O objetivo do presente trabalho foi estudar a hepatotoxicidade da planta, adminis- trada em dose excessiva na forma de infusão. Para tal foram utilizados camun- dongos Swiss machos pesando 30 g em média. Durante 19 dias os camundongos receberam angico no bebedouro sob a forma de infusão (10 g/L de água). Após a eutanásia pelo Pentobarbital sódico a 3%, foram colhidos fragmentos de fígado, os quais foram fixados em solução fixadora de Bouin, durante 24 horas. Após a desidratação, diafanização e inclusão em parafina, as peças foram seccionadas com 6 μm de espessura e os cortes foram corados com hematoxilina e eosina e PAS. A estrutura hepática foi analisada ao microscópio de luz e avaliada ca- riometricamente e estereologicamente. Ao exame histopatológico, o fígado do camundongo tratado com angico mostrou hepatócitos volumosos e claros, pro- vavelmente repletos de glicogênio, vasos dilatados, sinusóides amplos e focos de inflamação crônica. Os núcleos dos hepatócitos e colangiócitos não mostraram diferenças. Cariometricamente, os núcleos dos hepatócitos e colangiócitos não apresentaram diferenças significativas. Estereologicamente, os hepatócitos eram mais volumosos e menos numerosos. Palavras-chave: angico; fígado; camundongo; morfometria. ABSTRACT: Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan is an herbal medicine found in all medicinal plant drugstores, used by the population as astringent, depura- tive, haemostatic, in the treatment of leucorrhea and gonorrhea; cough, bronchi- tis and whooping cough. The objective of this work was to study the hepatotox- icity of the plant administered in excessive dosages as an infusion. It was used male Swiss mice with a mean weigh of 30 g. During 19 days the mice received angico in a drinking place infusion (10 g/L water). After the mice euthanasia by 3% sodium pentobarbital injection, it was collected fragments of the liver, which were fixed in Bouin fluid during 24 h. After dehydration, diafanization and inclusion in paraffin, the material was cut with 6 μm of thickness, and sec- tions were stained with hematoxilin and eosin and PAS. The hepatic structure was analyzed by a light microscope and evaluated karyometric and stereologi- cally. Histopathologically, it was observed clear and voluminous hepatocytes, probably full with glycogen, dilated vessels and chronic inflammatory foci. Karyometrically, the hepatocytes and cholangiocytes nuclei were similar in both groups of animals. Stereologically, the hepatocytes were more voluminous and less numerous. Key words: angico; liver; mice; morphometry. Marcos Alexandre de Souza 1 Ruberval Armando Lopes 2 Ana Gabriela Urbanin Batista 3 Ariane Kasai 4 Paulo Eduardo V.P. Lopes 5 Simone Cecílio Hallak Regalo 6 Miguel Angel Sala 7 Sérgio Olavo Petenusci 8 Hepatotoxicidade de plantas medicinais. L. Ação da infu- são de Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan no camun- dongo Hepatotoxicity of medicinal plants. L. Action of Anade- nanthera colubrina (Vell.) Brenan infusion in mice 1, 3, 4 Graduandos do curso de Biomedicina da Universi- dade de Franca (Unifran). 2 Professor emérito da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP) e Assessor de Patologia da Universidade de Franca (Unifran). 5 Pós-graduando em Educação da Universidade Esta- dual Paulista (Unesp), geógrafo. 6 Professor associado da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP). 7, 8 Professores titulares da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP). Recepção: 18/05/2006 Aprovação: 22/09/2006 p. 7–13 ORIGINAL

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Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 7 n. 1/3 jan. / dez. 2007

RESUMO: O angico (Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan) é uma planta

encontrada nas drogarias de produtos naturais, usada pela população como

adstringente, depurativa, hemostática, no tratamento de leucorréia e gonorréia,

tendo um emprego maior no tratamento da tosse, bronquite e coqueluche. O

objetivo do presente trabalho foi estudar a hepatotoxicidade da planta, adminis-

trada em dose excessiva na forma de infusão. Para tal foram utilizados camun-

dongos Swiss machos pesando 30 g em média. Durante 19 dias os camundongos

receberam angico no bebedouro sob a forma de infusão (10 g/L de água). Após a

eutanásia pelo Pentobarbital sódico a 3%, foram colhidos fragmentos de fígado,

os quais foram fixados em solução fixadora de Bouin, durante 24 horas. Após a

desidratação, diafanização e inclusão em parafina, as peças foram seccionadas

com 6 μm de espessura e os cortes foram corados com hematoxilina e eosina

e PAS. A estrutura hepática foi analisada ao microscópio de luz e avaliada ca-

riometricamente e estereologicamente. Ao exame histopatológico, o fígado do

camundongo tratado com angico mostrou hepatócitos volumosos e claros, pro-

vavelmente repletos de glicogênio, vasos dilatados, sinusóides amplos e focos de

inflamação crônica. Os núcleos dos hepatócitos e colangiócitos não mostraram

diferenças. Cariometricamente, os núcleos dos hepatócitos e colangiócitos não

apresentaram diferenças significativas. Estereologicamente, os hepatócitos eram

mais volumosos e menos numerosos.

Palavras-chave: angico; fígado; camundongo; morfometria.

aBSTRaCT: Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan is an herbal medicine found

in all medicinal plant drugstores, used by the population as astringent, depura-

tive, haemostatic, in the treatment of leucorrhea and gonorrhea; cough, bronchi-

tis and whooping cough. The objective of this work was to study the hepatotox-

icity of the plant administered in excessive dosages as an infusion. It was used

male Swiss mice with a mean weigh of 30 g. During 19 days the mice received

angico in a drinking place infusion (10 g/L water). After the mice euthanasia

by 3% sodium pentobarbital injection, it was collected fragments of the liver,

which were fixed in Bouin fluid during 24 h. After dehydration, diafanization

and inclusion in paraffin, the material was cut with 6 μm of thickness, and sec-

tions were stained with hematoxilin and eosin and PAS. The hepatic structure

was analyzed by a light microscope and evaluated karyometric and stereologi-

cally. Histopathologically, it was observed clear and voluminous hepatocytes,

probably full with glycogen, dilated vessels and chronic inf lammatory foci.

Karyometrically, the hepatocytes and cholangiocytes nuclei were similar in both

groups of animals. Stereologically, the hepatocytes were more voluminous and

less numerous.

Key words: angico; liver; mice; morphometry.

Marcos Alexandre de Souza1

Ruberval Armando Lopes2

Ana Gabriela Urbanin Batista3

Ariane Kasai4

Paulo Eduardo V.P. Lopes5

Simone Cecílio Hallak Regalo6

Miguel Angel Sala7

Sérgio Olavo Petenusci8

Hepatotoxicidade de plantas medicinais. L. Ação da infu-são de Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan no camun-dongo Hepatotoxicity of medicinal plants. L. Action of Anade-nanthera colubrina (Vell.) Brenan infusion in mice

1, 3, 4 Graduandos do curso de Biomedicina da Universi-dade de Franca (Unifran).2 Professor emérito da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP) e Assessor de Patologia da Universidade de Franca (Unifran).5 Pós-graduando em Educação da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp), geógrafo. 6 Professor associado da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP). 7, 8 Professores titulares da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP).

Recepção: 18/05/2006Aprovação: 22/09/2006

p. 7–13

originAL

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Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 7 n. 1/3 jan. / dez. 2007

inTRODUÇÃO

Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan (Legumi-

nosae mimosoideae), conhecida popularmente como

angico, angico branco, cambuí-angico, goma-de-angi-

co e angico-de-casca, é uma árvore com altura de 12 a

15 m que ocorre do Maranhão até o Paraná e Goiás na

floresta pluvial situada em altitudes superiores a 400

m. A madeira é pesada (densidade 0,93 g/cm3), com-

pactada, bastante dura, composta de fibras grossas e

reversas, de grande durabilidade quando exposta. A

madeira é útil para a construção civil, obras hidráu-

licas, confecção de dormentes, tabuados, carpintaria,

etc. É ótima para lenha e carvão. A árvore floresce exu-

berantemente, conferindo-lhe grande beleza. Pode ser

aproveitada para arborização de pequenas praças e

para plantio de florestas mistas destinadas à recompo-

sição de áreas degradadas de preservação permanente.

As flores melíferas de cor branca estão dispostas em

inflorescência do tipo panículas de espigas globosas.

Os frutos são legumes (vagens) achatados, rígidos,

glabros, brilhantes, deiscentes, de cor marrom, de 10 a

20 cm de comprimento, contendo de 5 a 10 sementes

lisas e escuras (LORENZI, 1992; AGRA, 1996; LO-

RENZI; ABREU MATOS, 2002).

Análises fitoquímicas de sua casca isolaram o alca-

lóide indólico óxido de N, N-dimetiltriptamina (FISH;

JOHNSON; HORNING, 1956), esteróides (palmitato

de β-sitosterol, β-sitosterol, glicosídeo), f lavonóides,

triterpenóides (luperona, lupenol), componentes

fenólicos (dalbergina, 3,4,5-dimetroxidalbegiona,

kuhimannina) (MIYAUCHI; YOSHIMOTO; MINAMI,

1976). Nas sementes foram encontrados 2,1% bufote-

nina (PACHTER; ZACHARIAS; RIBEIRO, 1959).

As cascas são muito ricas em taninos, sendo utili-

zada na indústria de curtume (LORENZI, 1992). Sua

casca é também empregada na medicina popular em

muitas regiões do Brasil. É considerada amarga, ads-

tringente, depurativa, hemostática, sendo utilizada

contra leucorréia e gonorréia (MORS; RIZZINI; PE-

REIRA, 2000). Os frutos são considerados venenosos

(AGRA, 1996). Um estudo clínico com esta planta

concluiu possuir atividade alucinógena e hipnótica

(PARIS; MOYSE, 1981). O decocto e o xarope da casca

do caule são empregados contra a tosse, bronquite e

coqueluche (AGRA, 1996). O ferimento de sua casca

libera uma goma-resina usada na fabricação de goma-

de-mascar e no tratamento de problemas respiratórios

(MORS; RIZZINI; PEREIRA, 2000). É usada também

para o tratamento de debilidades, diarréias, disen-

terias, escrófulas, hemorragias e inapetência (BAL-

BACHAS, 1956). Tem ação sobre as fibras do útero

(MOREIRA, 1996).

É uma planta melífera; o mel produzido pelas

abelhas que se alimentam de suas f lores é claro, de

superior qualidade. Sua goma é utilizada como espes-

sante na estamparia de tecidos de seda, como colóide

e emulsionante na indústria farmacêutica, como aglu-

tinante na produção de briquetes de carvão mineral, e

ainda no preparo de chapas fotográficas, sensibiliza-

das com bicromato de potássio (MOREIRA, 1996).

Os holandeses e franceses levam o angico da

Guiana Holandesa e da Guiana Francesa para a Euro-

pa, onde a revendem como se fosse a legítima goma-

arábica (CRUZ, 1995).

O objetivo do presente trabalho é estudar os efei-

tos da administração de Anadenanthera colubrina (Vell.)

Brenan, na forma de infusão, no fígado do camundon-

go, sob o ponto de vista histopatológico e sob o ponto

de vista histométrico (cariometria e estereologia).

MaTERial E MÉTODOS

As cascas de Anadenanthera colubrina (Vell.) Bre-

nan foram adquiridas em São Paulo na Casa das Ervas

(Santosflora Com. Ervas Ltda.).

Foram utilizados dez camundongos Swiss ma-

chos, mantidos no biotério da Universidade de Franca

(Unifran), com ciclo claro/escuro de 12/12 horas, com

início do período claro às 7 horas, temperatura am-

biente 22º ± 2 ºC e umidade relativa do ar de 60%.

Os animais foram mantidos em caixas de poliestireno

e tiveram acesso livre à ração comercial e água ou in-

fusão de angico no bebedouro, ad libitum.

Os animais com 30 g de peso médio corporal fo-

ram divididos em dois grupos:

Grupo I: cinco animais receberam a infusão de

casca de angico (10 g/L de água) no bebedouro ad libi-

tum durante 19 dias. A infusão foi preparada da mes-

ma maneira que é feita pela população, adicionando-

se água fervente sobre a casca da planta ao natural e,

após resfriamento, servida sob a forma de chá.

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Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 7 n. 1/3 jan. / dez. 2007

Grupo II: cinco animais que receberam água no

bebedouro ad libitum durante 19 dias e serviram de

controle para os animais do grupo I.

Após o período experimental, os camundongos

foram eutanasiados por sobredosagem anestésica

(injeção de pentobarbital sódico a 3%). Após a aber-

tura ampla da parede abdominal, foram colhidos

fragmentos do fígado, os quais foram imediata-

mente imersos em solução fixadora de Bouin, onde

permaneceram durante 24 horas à temperatura am-

biente. Após a fixação, desidratação e diafanização,

as peças foram incluídas em parafina. Foram obti-

dos cortes seriados, com intervalo de dez secções,

e espessura de 6 μm, os quais foram corados com

hematoxilina e eosina e com a técnica do ácido peri-

ódico-Schiff (PAS).

Cariometria – Utilizando-se um microscópio

óptico Nikon, com objetiva de imersão (100×), mu-

nido de uma câmara clara, foram determinados os

diâmetros maior (D) e menor (d) dos núcleos dos

hepatócitos e colangiócitos projetados sobre papel

(aumento final de 1000×), utilizando-se uma escala

milimetrada. Uma vez determinados os diâmetros,

foram calculados os seguintes parâmetros cario-

métricos: diâmetro médio, relação D/d, perímetro,

área, volume e relação V/A, com o objetivo de esti-

mar o tamanho do núcleo, e a excentricidade, coefi-

ciente de forma e índice de contorno, para avaliar a

forma do núcleo, de acordo com Sala et al. (1994).

Estereologia – Usando-se uma grade idealizada

por Merz (1968) com 100 pontos, foi contado o nú-

mero de pontos que coincidiram nos hepatócitos e

sinusóides; a partir daí calculou-se a relação núcleo/

citoplasma (N/C) de acordo com Delesse (1848),

Chalkley (1943) e Weibel (1969), inclusive corri-

gindo-se o “efeito Holmes” (WEIBEL, 1969) com a

equação proposta por Hennig (1957). Além da rela-

ção N/C foram calculados os volumes citoplasmáti-

co e celular dos hepatócitos e colangiócitos, como

também a densidade numérica dos hepatócitos

(número de hepatócitos por mm3) (SALA; LOPES;

MATHEUS, 1992).

O confronto estatístico dos dados foi determina-

do pelo teste não-paramétrico de Wilcoxon-Mann-

Whitney (CONOVER, 1999).

RESUlTaDOS

Histopatologia – As células do fígado dos animais

controles são as seguintes: hepatócitos, células hema-

topoiéticas, colangiócitos (células dos ductos biliares),

células que formam os capilares sinusóides, células de

Kupffer, células armazenadoras de gordura (células de

Ito) e as células pit (em fossa).

Os hepatócitos estão arranjados em lâminas ou

cordões verticais à veia centrolobular com canalícu-

los biliares entre hepatócitos adjacentes no cordão.

Os cordões têm a espessura de uma célula e formam

anastomoses. Os sinusóides são formados por uma

camada contínua de células endoteliais fenestradas

e estão presentes entre os cordões de hepatócitos,

enquanto o espaço perisinusoidal (espaço de Disse)

localiza-se entre os hepatócitos e a parede dos sinu-

sóides (Figura 1).

Figura 1. Aspecto histológico do fígado de camundongo controle. Notar os hepatóci-tos, os capilares sinusóides e canalícula biliar. HE (400 ×)

Os hepatócitos são células poliédricas, com núcleo

arredondado de tamanho variável. O núcleo apresen-

ta um ou mais nucléolos proeminentes. O citoplasma

é eosinofílico e granular, dependendo do estado fun-

cional, gordura ou glicogênio que podem dar-lhe um

aspecto vacuolar. Embora 80% dos hepatócitos sejam

morfologicamente homogêneos, aqueles que cercam

a veia centrolobular são menores.

As células de Kupffer são macrófagos fixos e cons-

tituem cerca de 10% das células do fígado do camun-

dongo. Estas células estão situadas próximas das célu-

las endoteliais sinusoidais e cerca de 40% das células

de Kupffer estão nas áreas periportais.

As células de Ito ou células armazenadoras de

gordura, células perisinusoidais, lipócito ou célula es-

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trelada, apresentam gotas de lipídios citoplasmáticos

em número variável. O espaço-porta contém vasos e

ductos biliares em estroma de tecido conjuntivo, limi-

tando os lóbulos hepáticos.

Os fígados dos camundongos tratados com a

infusão de angico mostraram-se estruturalmente

semelhantes aos do grupo controle, porém foram

observados alguns focos de inflamação crônica, va-

sos sanguíneos dilatados e congestos. Os hepatócitos

eram maiores, granulosos, com numerosos vacúolos

de glicogênio no interior do seu citoplasma e com

núcleos semelhantes entre si. Os sinusóides em al-

gumas áreas eram mais amplos. Alguns hepatócitos

apresentavam-se com o núcleo em lise. Observou-se,

ainda, a presença de focos de inflamação. Os núcleos

dos colangiócitos eram semelhantes entre os dois

grupos de animais (Figura 2). Após a coloração de

PAS, observou-se uma maior concentração de grâ-

nulos de glicogênio no interior do citoplasma dos

hepatócitos.

Figura 2. Aspecto histológico do fígado de camundongo tratado com angico. Notar hepatócitos mais volumosos e focos de inflamação crônica. HE (400×)

Cariometria – Analisando-se a Tabela 1, verificou-

se que os valores numéricos dos núcleos dos hepatóci-

tos eram semelhantes tanto no tamanho (diâmetros

maior, menor e médio, relação D/d, perímetro, área,

volume e relação V/A) quanto na forma (excentricida-

de, coeficiente de forma e índice de contorno). O mes-

mo pode ser observado com relação aos colangiócitos.

p. 7–13

PARÂMETRO Hepatócitos Colangiócitos

C T C T

Diâmetro maior (μm) 7,55 7,38 5,62 4,94

Diâmetro menor (μm) 6,28 6,36 2,16 2,18

Diâmetro médio (μm) 7,07 6,93 3,42 3,22

Perímetro (μm) 21,75 21,31 12,99 11,73

Área (μm2) 37,83 36,72 9,89 8,90

Volume (μm3) 181,83 175,89 26,02 22,35

Relação V/A 4,57 4,62 2,28 2,15

Relação D/d 1,30 1,22 2,94 2,58

Excentricidade 0,47 0,46 0,88 0,86

Coeficiente de forma 0,98 0,98 0,71 0,75

Índice de contorno 3,58 3,58 4,34 4,17

Tabela 1 – Valores cariométricos médios dos hepatócitos e colangiócitos de camundongos controles (C) e tratados com infusão de angico (T). Teste de Wilcoxon-Mann-Whitney

Não-significantes

Estereologia – Ao se observar a Tabela 2, onde estão

expressos os parâmetros estereológicos dos hepató-

citos, foi possível notar valores significativamente

maiores para os volumes citoplasmático e celular,

além de valores menores para a relação N/C e para a

densidade numérica dos hepatócitos.

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Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 7 n. 1/3 jan. / dez. 2007

DiSCUSSÃO

Histopatologicamente, os fígados dos camundon-

gos tratados com infusão de angico mostraram-se

estruturalmente semelhantes aos do controle, porém

com vasos dilatados e congestos; os hepatócitos eram

mais volumosos, granulosos e com numerosos vacúo-

los de glicogênio; os núcleos eram semelhantes entre

si. Os sinusóides em algumas áreas estavam mais am-

plos. Algumas células apresentaram núcleos em lise.

Observou-se ainda que houve focos de inf lamação

crônica. Os núcleos dos colangiócitos eram seme-

lhantes nos dois grupos de animais.

As alterações estruturais observadas no fígado

dos camundongos tratados com infusão de angico

receberam apoio nos dados estereológicos já que os

valores para os volumes celular e citoplasmático eram

maiores quando comparados aos do grupo controle.

Os valores para a densidade numérica, por outro lado,

eram menores nos camundongos do grupo tratado.

Quando foram aplicadas técnicas cariométricas,

foi possível observar que os núcleos dos hepatócitos e

dos colangiócitos eram semelhantes nos dois grupos

de animais.

Pouco se sabe sobre as contra-indicações, os

efeitos colaterais, efeitos durante a prenhez e lacta-

ção. Entretanto, há de se lembrar que os frutos são

considerados venenosos (AGRA, 1996) e que estas

plantas possuem atividades alucinógenas e hipnóti-

cas (PARIS; MOYSE, 1981).

Dentre as leguminosas, deve-se ter em mente que

duas delas são consideradas tóxicas para animais de

criação. São elas:

1) Piptadenia macrocarpa Benth. (Anadenanthera

macrocarpa [Benth.] Brenan), pertencente à família

Leguminosae Mimosoideae, é uma árvore denomi-

nada popularmente de “angico negro” e se encontra

distribuída por todo o Nordeste. Suas folhas, de

acordo com Braga (1960), são tóxicas para o gado

quando murchas. Os criadores informaram que as

intoxicações em bovinos ocorriam após a derrubada

dessas árvores ou após a queda de galhos durante

temporais, quando os animais comiam as folhas

murchas e quentes. Outros experimentos utilizando

as folhas de P. macrocarpa apresentaram resultados

negativos (CANELLA; TOKARNIA; DÖBEREINER,

1966; TABOSA, 1980). Porém, Tokarnia, Peixoto e

Döbereiner (1994) conseguiram reproduzir as into-

xicações com a planta procedente do Piauí. Em um

dos animais utilizados no experimento foi possível

observar necrose de coagulação em áreas focais ou

localmente extensivas do córtex cerebral. Não con-

seguiram demonstrar diferenças na toxicidade entre

as folhas frescas e murchas quentes. As folhas deram

sinais positivos para o ácido cianídrico, porém as

reações foram lentas e variáveis. A planta dessecada

manteve parte de sua toxicidade.

2) Piptadenia viridiflora (Kunth.) Benth., da famí-

lia Leguminosae Mimosoideae, conhecida popular-

mente como “espinheiro” e “surucucu”, é uma árvore

cujas folhas, quando murchas, causam intoxicações

em bovinos, de acordo com criadores da região oeste

da Bahia. Em uma experimentação semelhante aos

da P. macrocarpa, esta planta demonstrou toxicidade

(TOKARNIA; PEIXOTO; DÖBEREINER, 1994, co-

municação pessoal). Também deram sinais positivos

para o ácido cianídrico, com reações lentas e variáveis.

A P. viridiflora dessecada administrada um mês após a

coleta ainda continuava tóxica.

Trabalhando bioquimicamente o sangue de ca-

mundongo tratado com Anadenanthera colubrina (Vell.)

Brenan, foi possível observar valores aumentados para

fosfatase alcalina (RODRIGUES et al., 2004).

p. 7–13

Tabela 2 – Valores estereológicos médios dos hepatócitos de camundongos controles e tratados com infusão de angico. Teste de Wilcoxon-Mann-Whitney

Parâmetro Controle Tratado

Volume citoplasmático (μm3) 3011,36 4432,03*

Volume celular (μm3) 3193,19 4607,91*

Relação N/C 0,058 0,039*

Densidade numérica (n/mm3) 327462,5 238234,1*

(*) p < 0,05

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Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 7 n. 1/3 jan. / dez. 2007

COnClUSÃO

Nas condições do presente trabalho, foi possível

concluir que a Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan,

administrada na forma de infusão, provocou no fíga-

do de camundongo as seguintes alterações:

1 – Histologicamente, o fitoterápico provocou um

quadro muito semelhante ao do grupo controle, po-

rém com vasos dilatados e congestos; os hepatócitos

eram mais volumosos, granulosos e com vacúolos

de glicogênio; os núcleos semelhantes entre si. Os

sinusóides em algumas áreas apresentaram-se mais

amplos. Algumas células apresentaram-se com nú-

cleos em lise. Observou-se ainda a presença de focos

de inflamação crônica. Os núcleos dos colangiócitos

eram semelhantes nos dois grupos de animais.

2 – Cariometricamente, os hepatócitos mostra-

ram núcleos semelhantes tanto no tamanho quanto

na forma nos dois grupos de animais estudados. Da

mesma forma, os colangiócitos apresentaram-se se-

melhantes entre si.

3 – Estereologicamente, os hepatócitos mostraram

volumes citoplasmático e celular maiores, com a relação

N/C diminuída e menor densidade numérica celular.

Em suma, o fitoterápico provocou no fígado de

camundongo o aumento do volume citoplasmático e

celular, com relação N/C e o número de células/mm3

diminuídos, além de focos de inflamação crônica.

agRaDECiMEnTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro da Uni-

versidade de Franca. Monografia (TCC) apresentada

pelo primeiro autor como exigência parcial para obten-

ção do grau no curso de Biomedicina da Universidade

de Franca (Unifran).

REFERÊnCiaS

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