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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES Marcelo Rocha dos Passos Márcio Montarroyos e a construção de seus solos improvisados no disco Stone Alliance Campinas, 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

Marcelo Rocha dos Passos

Márcio Montarroyos e a construção de seus solos

improvisados no disco Stone Alliance

Campinas, 2016

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Marcelo Rocha dos Passos

Márcio Montarroyos e a construção de seus solos

improvisados no disco Stone Alliance

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da

Universidade Estadual de Campinas como parte

dos requisitos exigidos para a obtenção do título de

Mestre em Música, na área de concentração:

Música, Teoria, Criação e Prática

Orientador: Prof. Dr. Paulo Adriano Ronqui.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE

ÀVERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELO ALUNO MARCELO

ROCHA DOS PASSOS, E ORIENTADA

PELO PROF. DR. PAULO ADRIANO

RONQUI

Campinas, 2016

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

MARCELO ROCHA DOS PASSOS

ORIENTADOR(A): PROF. DR. PAULO ADRIANO RONQUI

MEMBROS:

1. PROF. DR. PAULO ADRIANO RONQUI

2. PROF(A). DR(A). JOSÉ ALEXANDRE LEMOS LOPES CARVALHO

3. PROF(A). DR(A). MAICO VIEGAS LOPES

Programa de Pós-graduação em Música na área de concentração Música:

Teoria, Criação e Prática do Instituto de Artes da Universidade Estadual de

Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca

examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

DATA: 05.07.2016

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Dedico este trabalho à memória do trompetista

Márcio Montarroyos e a todos que

compartilham do mesmo amor e dedicação

pela música.

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Agradecimentos

Ao Professor Paulo Ronqui pela confiança, compromisso e pontuais orientações ao

longo desse processo. Aos Professores “Zé” Alexandre de Carvalho e “Budi” Garcia por

apontamentos essenciais e direcionamento deste trabalho.

Aos grandes amigos e músicos Raphael Ferreira e Rodrigo Vicente pelos valiosos

conselhos musicais e acadêmicos.

Aos familiares e amigos de Márcio Montarroyos: Dona Nail Cavalcanti, Beth

Lucas, Cristina Cordeiro, Christina Menezes e Léo Gandelman, por toda atenção dada e por

me receberem com muito carinho.

Aos grandes amigos e trompetistas Walmir Gil, “Bidinho”, Chico Oliveira e

Klesley Brandão, por compartilharem suas experiências e conhecimentos. E, em especial, ao

“Gê” Ribeiro, por todos esses anos de estudos de trompete, conselhos, amizade e por ter me

apresentado o disco Stone Alliance em 1997. Ao amigo e trombonista Felipe Brito, pelas

pontuais traduções de textos, por compartilhar suas ideias, por me fazer acreditar e almejar

novas conquistas, sempre. Ao amigo e trombonista Gláucio Santana, por ter me ajudado

diversas vezes ao longo deste trabalho. Ao Professor e amigo Jaime Barbosa, por sempre

compartilhar seus conhecimentos musicais.

Aos entrevistados: Chiquinho de Moraes, Sérgio Dias, Gene Perla e Randy

Brecker, por compartilharem suas valiosas informações.

Aos amigos e músicos Thiago “Thito” Camargo e o Murilo “Gil” que me

auxiliaram na gravação dos exercícios contidos no Apêndice desta dissertação. Aos amigos e

músicos Fábio Augustines, Vinicius Corilow, Ramon Del Pino, Adriel Job e Thiago Camargo

pela participação no meu recital de defesa.

À Carla Fiori, por me acompanhar de perto ao longo desses nove anos.

À minha família, pelo respeito, admiração, amor e carinho.

À Sibila Carvalho e família, pela confiança, amor e carinho.

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Resumo

Este trabalho teve por finalidade elaborar uma biografia e investigar a performance

do trompetista Márcio Montarroyos no disco Stone Alliance gravado em 1977. Para tanto,

foram transcritos quatro solos improvisados e posteriormente analisados de acordo com

material bibliográfico proveniente dos estudos do jazz, no intuito de demonstrar a existência

de elementos que explicitem de forma mais apropriada a relação de Montarroyos com a

improvisação de cunho jazzístico. A escolha do disco Stone Alliance se justifica pela utilização

de recursos tecnológicos na manipulação em tempo real do timbre do trompete, prática que

abriu caminho para a exploração de novas sonoridades e possibilidades expressivas no

instrumento no cenário nacional e, em especial, na música popular brasileira.

Palavras-chave: Montarroyos, Márcio; trompete; improvisação; música instrumental; jazz;

jazz latino.

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Abstract

The main purpose of this research was to elaborate a biography and investigate the

performance of the Brazilian trumpet player Márcio Montarroyos on his album Stone Alliance

recorded in 1977. In order to achieve this goal, four improvised solos were transcribed and

analyzed. The research looked for elements that could elucidate more properly the relation

between Márcio Montarroyos improvised solos and the improvisation in jazz. The album was

selected due to the manipulation of trumpet timbres in real time through technological devices.

The use of technological devices brought new sonorities and increased the possibilities of

musical expressions for the trumpet on the Brazilian popular music scene.

Keywords: Montarroyos, Márcio; trumpet; improvisation; instrumental music; jazz; latin jazz.

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Sumário

Introdução ..............................................................................................................................11

1 Trompetistas brasileiros: suas obras e respectivas performances registradas em

fonogramas .............................................................................................................................13

1.1 Joaquim Luiz de Souza...............................................................................................14

1.2 Albertino Inácio Pimentel...........................................................................................15

1.3 Casemiro Gonçalves da Rocha...................................................................................16

1.4 Paulino Sacramento....................................................................................................17

1.5 Bonfiglio de Oliveira..................................................................................................18

1.6 Napoleão Tavares.......................................................................................................20

1.7 Sebastião Cirino.........................................................................................................21

1.8 Carmelindo Verissimo de Oliveira.............................................................................23

1.9 Porfírio Alves da Costa...............................................................................................25

1.10 Geraldo Medeiros dos Santos............................................................................26

1.11 José Luis Pinto..................................................................................................27

2 Márcio Montarroyos e o disco Stone Alliance.................................................................29

2.1 Formação Musical......................................................................................................29

2.2 Carreira profissional...................................................................................................37

2.3 O grupo Stone Alliance...............................................................................................43

2.3.1 Os músicos......................................................................................................44

2.3.1.1 Gene Perla...............................................................................................44

2.3.1.2 Don Alias.................................................................................................45

2.3.1.3 Steve Grossman.......................................................................................46

2.3.2 Músicos Convidados ......................................................................................47

2.3.2.1 Erasto Vasconcelos..................................................................................48

2.3.2.2 Hermeto Pascoal......................................................................................49

2.4 O disco Stone Alliance................................................................................................51

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2.4.1 Processadores sonoros: utilização de equipamentos acoplados ao

trompete..........................................................................................................54

2.4.2 A eletrificação do trompete no disco Stone Alliance por Márcio

Montarroyos...................................................................................................58

3 A performance, os recursos técnico/interpretativos e a construção dos solos

improvisados de Márcio Montarroyos no disco Stone

Alliance..............................................................................................................................62

3.1 Sobre a performance...................................................................................................62

3.1.1 Delay e wah-wah: influência direta ou indireta durante a

performance....................................................................................................62

3.1.2 Recursos interpretativos: articulações e inflexões no disco Stone

Alliance...........................................................................................................65

3.2 Os solos improvisados de Montarroyos no disco Stone Alliance: uma breve

contextualização acerca do termo improvisação..........................................................69

3.2.1 Ferramentas analíticas.....................................................................................70

3.2.1.1 Estrutura harmônica.................................................................................71

3.2.1.2 Relação escala/acorde..............................................................................74

3.2.2 Desenvolvimento melódico.............................................................................82

3.2.2.1 Repetição..................................................................................................82

3.2.2.2 Sequência.................................................................................................83

3.2.2.3 Deslocamento métrico..............................................................................85

3.2.2.4 Ornamentação melódica: Notas de passagens (aproximações cromáticas,

diatônicas e interpolação) ........................................................................86

Considerações finais...............................................................................................................90

Referência bibliográfica.........................................................................................................95

Apêndice................................................................................................................................101

Anexos...................................................................................................................................113

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Introdução

O objetivo central deste trabalho foi estudar a performance do trompetista Márcio

Montarroyos através da transcrição e análise de seus solos improvisados no disco Stone Alliance

(1977), investigando a construção desses solos, identificando e organizando os materiais de

improvisação recorrentes para melhor compreendê-lo.

Márcio Montarroyos nasceu em uma família da classe média carioca em que a

música instrumental se manteve como tradição ao longo de cinco gerações. Estudou em um

Colégio Militar durante alguns anos e, posteriormente, no início da década de 1970, ganhou

uma bolsa de estudos em uma renomada instituição musical norte-americana. Sua carreira

profissional foi de intensa atividade, dividindo-se entre gravações com os mais variados artistas,

produção de jingles, trilhas sonoras para novelas, shows e festivais de cunho nacional e

internacional. Dentre as variadas fases às quais Montarroyos se inseriu ao longo de sua carreira,

o disco Stone Allinance representou um período marcado por experimentações desprendidas de

questões de ordem identitária e/ou cultural por parte do trompetista.

A gravação do disco Stone Alliance reuniu músicos brasileiros e norte-americanos

com referências e experiências musicais diversificadas. A representatividade deste disco para o

trompete na música popular instrumental brasileira foi evidenciada pelo uso de equipamentos

eletrônicos acoplados ao trompete, inaugurando um novo contexto musical para o instrumento

naquele período.

Este trabalho é constituído de três capítulos. O primeiro capítulo, de ordem

biográfica, foi realizado para justificar a importância do disco supracitado para a pesquisa sobre

o trompete na música popular brasileira. Para isto, foi realizada uma investigação acerca dos

fonogramas gravados por trompetistas na cidade do Rio de Janeiro até a data da gravação do

disco Stone Alliance, que compreendeu um levantamento histórico em acervos digitais, livros,

encartes de discos e trabalhos acadêmicos. Realizado esse processo investigativo, teve-se uma

ideia cronológica parcial sobre os trompetistas brasileiros contemporâneos e anteriores a

Márcio Montarroyos que atuavam no cenário da música popular brasileira e tiveram suas

performances registradas em fonogramas.

O segundo capítulo reúne informações biográficas sobre o trompetista Márcio

Montarroyos, dispostas em diversas fontes de mídia impressa, digital e na internet. Tal

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levantamento, juntamente com as entrevistas concedidas pelos familiares e amigos de

Montarroyos, foram fundamentais para o entendimento de como se deu sua formação musical

e sua carreira profissional. Este capítulo também contempla súmulas biográficas dos músicos

que integram o trio homônimo ao disco e também dos músicos convidados, além de tratar

sucintamente do uso de pedais e processadores sonoros acoplados por Montarroyos ao seu

instrumento.

O terceiro capítulo, de ordem analítica, discute a performance de Márcio

Montarroyos por meio de seus solos improvisados. Para isso, o capítulo foi dividido em dois

seguimentos. Primeiramente, primeiramente foi investigada a maneira como o trompetista

manipulava os efeitos de delay e wah-wah e as influências exercidas por esses dispositivos

sonoros em seus solos improvisados. Em seguida, foram realizadas as transcrições e as

respectivas análises desses solos. Também foram observados elementos técnicos e

interpretativos inerentes ao trompete, tais como articulações e inflexões, as análises do material

harmônico de cada um dos quatros solos escolhidos, as relações escala/acorde adotadas e o

desenvolvimento melódico desses solos.

Como referencial teórico e metodológico, recorreu-se substancialmente às

publicações de Alves (1997), Baptista (2010), Bergonzi (1994), Berliner (1994), Cocker (1991),

Hickman (2006), Lawn e Hellmer (1993), Levine (1995), Liebman (2001), Ligon (2001), Lopes

(2012), Martins (2013), Miller (1996), Russel (1953), Sabatella (2000) e Silva (2009).

O presente trabalho traz como resultado um relato histórico dos trompetistas que

tiveram suas performances gravadas em fonogramas anteriores ao disco Stone Alliance, uma

biografia concisa de Márcio Montarroyos e alguns apontamentos sobre o processo de gravação

do disco supracitado, a utilização dos efeitos de delay, wah-wah e a captação sonora através do

sistema Barcus Berry, os elementos técnicos e interpretativos adotados por Montarroyos, além

das transcrições e análises dos solos.

O trabalho conta ainda com um Apêndice em que se encontram algumas

configurações de estudos voltadas para a prática de improvisação em contextos modais,

elaboradas a partir de elementos musicais recorrentes nos solos de Márcio Montarroyos e que

tem como objetivo auxiliar no desenvolvimento de ideias musicais para improvisação.

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Capítulo

1 Trompetistas brasileiros - obras populares e performances registradas em

fonogramas

O procedimento adotado para a elaboração do presente capítulo foi norteado pelo

questionamento sobre a relevância do disco Stone Alliance e quais foram os “produtos” trazidos

por esse disco para o trompete no âmbito da música popular instrumental no Brasil no ano de

1977.

Desta forma, fez-se um levantamento histórico em acervos digitais, livros, encartes

de discos e trabalhos acadêmicos, que consistiu em investigar o que se produziu na cidade do

Rio de Janeiro no cenário da música popular brasileira até a data da gravação do disco Stone

Alliance por parte de trompetistas contemporâneos e anteriores a Márcio Montarroyos. Como

produto desta investigação, tem-se uma ideia cronológica parcial sobre os trompetistas

encontrados e sobre suas respectivas produções e performances musicais registradas em

fonograma.

Ao que se pôde levantar, foram relacionados onze trompetistas, a saber: Joaquim

Luís de Souza (1862-1922); Albertino Inácio Pimentel (1874-1929); Casemiro Gonçalves da

Rocha (1880-1912); Paulino Sacramento (1880-1926); Bonfiglio de Oliveira (1891-1940);

Napoleão Tavares (1892-1965); Sebastião Cirino (1902-1968); Carmelino Veríssimo de

Oliveira (1913-?); Porfírio Alves da Costa (1913); Geraldo Medeiros dos Santos (1917-1978)

e José Luís Pinto (1932) (PASSOS e RONQUI, 2015).

Como critério metodológico, foram elaboradas súmulas biográficas abordando

questões referentes à contextualização histórica de cada um desses trompetistas.

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1.1 Joaquim Luís de Souza - “Luís de Souza” 1

Luís de Souza nasceu em Fortaleza - CE, em 1865, e atuou no cenário musical

nacional como compositor e trompetista. Deu início aos estudos de trompete em sua cidade

natal sob a orientação de José Soares Barbosa (s/d), mestre da Banda da Fortaleza de São João,

situada na cidade de Fortaleza. Foi integrante da Banda do Corpo de Bombeiros, da Banda do

23° Batalhão da Infantaria, ambas na capital do Estado do Ceará, além da Banda do Arsenal de

Guerra na cidade do Rio de Janeiro. (MOTA, 2011).

Imagem 1: Joaquim Luís de Souza “Luís de Sousa”2.

Em meados de 1904, costumava frequentar a “Casa Cavaquinho de Ouro”, na Rua

do Ouvidor, centro do Rio de Janeiro e reduto de importantes “chorões” da época, dentre eles,

o maestro Anacleto de Medeiros3 (1866/1907). Foi integrante do “Rancho Ameno Resedá” e

diretor do Grupo “Luís de Souza”, com o qual gravou vários discos pela Odeon4 no início do

século XX. Foi considerado um dos maiores trompetistas de sua geração5.

1 As indicações entre aspas referem-se sempre ao nome artístico e/ou apelido de cada um dos músicos pesquisados. 2 Imagem de Luís de Sousa. Disponível em: http://cifrantiga2.blogspot.com.br/2010/09/luis-de-souza.html.

Acesso em: 20/03/2015. 3 Saxofonista, compositor e regente. Foi fundador e organizador de várias Bandas na cidade do Rio de Janeiro,

dentre elas a Banda do Corpo de Bombeiros (CAZES, 1998). 4 Gravadora estrangeira que inaugurou a fase gravação elétrica no Brasil. Sua instalação no território nacional se

deu em 1913, numa associação com Frederico Figner, pioneiro da indústria fonográfica no país. (VICENTE, 2002). 5 Biografia sobre Joaquim Luís de Souza. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/luis-de-

sousa/dados-artisticos. Acessado em: 12/06/14.

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Em suas composições encontram-se chorinhos, valsas, xotes, modinhas e polcas.

Dentre suas obras destacam-se as composições “Carroca”, “Georgina”, “Mimo e Missa de

amor”, “Ilusão”, “2 de setembro” e “Clélia”, essa última, gravada pela Banda da Casa Edison,

Banda da Casa Faulhaber e pelo cantor Mário Pinheiro, com letra de Catulo da Paixão Cearense

e renomeada como “Ao desfraldar da vela”. Na década de 1940, “Clélia” recebeu arranjos para

orquestras escritos por Radamés Gnattali e Alexandre Gnattali, fazendo parte da programação

da Rádio Nacional.

São poucos os registros encontrados sobre o trompetista Luís de Souza. Sua

importância se dá ao fato de ter sido um dos primeiros trompetistas brasileiros, se não o primeiro

a ter suas obras musicais gravadas em fonogramas. Entretanto, foram encontradas apenas

digitalizações de duas versões da música “Clélia”, sendo uma delas interpretada pelo cantor

Gilberto Alves (1915-1992) e outra gravada pelo bandolinista “Jacob do Bandolin” (1918-

1969).6

1.2 Albertino Inácio Pimentel - “Carramona”

Carramona, como era conhecido o trompetista Albertino Inácio Pimentel, nasceu

na cidade do Rio de Janeiro – RJ, em 1874. Iniciou seus estudos musicais no “Asilo dos

Meninos Desvalidos de Vila Izabel”, instituição destinada à educação de crianças

desamparadas, pobres e/ou abandonadas (CAZES, 1998). Albertino Pimentel foi um músico de

prestígio em seu tempo, destacando-se ao trompete desde sua adolescência. Atuou como

instrumentista, compositor, professor e regente, tendo tocado em diversas bandas, dentre elas a

Banda do Corpo de Bombeiros na cidade do Rio de Janeiro, sob a regência de Anacleto de

Medeiros (MOTA, 2011).

Carramona foi integrante da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e da

Banda da Casa Edison, ambas regidas por Anacleto de Medeiros. Após a morte deste regente,

em 1907, Carramona assumiu o posto de maestro, permanecendo até a data de seu falecimento

em 1929 (PINTO, 1978).

6 Biografia sobre Joaquim Luís de Souza. Disponível em: http://www.mis.rj.gov.br/blog/a-valsa-celia-escrita-

por-luiz-de-souza/. Acessado em: 25/07/2014.

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Imagem 2: Albertino Inácio Pimentel7.

Sua produção musical compreende um total de setenta composições, divididas em:

chorinhos, polcas, dobrados e lundus8, registrados em fonogramas de 78 rpm9, sendo destacadas

as músicas:10 “Carolina”; “Fantasia do Luar”; “Memórias de Anacleto”; “Faiscando”;

“Pernóstico”; “Carnavalesca”; “Albertina”; “Saudade de Luísa” e “Ameno Resedá”, executadas

pela Banda do Corpo de Bombeiros e pela Banda da Casa Edison.

1.3 Casemiro Gonçalves da Rocha - “Casemiro Rocha”

Casemiro Rocha nasceu na cidade do Rio de Janeiro - RJ em 1880. Atou como

trompetista na Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, sob a regência do maestro

Anacleto de Medeiros. Além de instrumentista, Casemiro trabalhou como compositor e diretor

musical do “Rancho das Camélias” e “Flor de Abacate”11.

Suas obras correspondem a chorinhos e polcas, as quais destacam-se: “Adelina”;

“Desprezo de uma noiva”; “Juppe coulotte”; “O melro”, “Rato-rato”; “Tropeiro alegre” e

“Tudo virou”, registrados em fonogramas de 78 rpm. Não se tem uma data precisa, mas entre

7 Imagem retirada do acervo de fotografias da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Disponível em:

http://www.banda.cbmerj.rj.gov.br/index.php/galeria-dos-ex-maestros/165-albertino-ignacio-pimentel.

Acesso em: 20/03/2015. 8 Biografia sobre Albertino Inácio Pimentel. Disponível em:

http://www.dicionariompb.com.br/carramona/dados-artisticos. Acesso em: 12/06/2014. 9 78 rotações por minuto. 10 Algumas gravações de “Carramona” foram digitalizadas e disponibilizadas na internet em blogs como:

http://cifrantiga2.blogspot.com.br/2007/11/carramona.html. Acesso em: 20/03/2015. 11 Biografia sobre Casemiro Rocha. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/casimiro-rocha.

Acessado em: 26/08/2014.

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1907 e 1912, o próprio compositor gravou sua obra de maior popularidade, a música Rato-Rato

(MOTA, 2011). A composição foi inspirada na campanha de combate à peste bubônica,

promovida por Oswaldo Cruz (1972-1917). Para retratar essa campanha, Casimiro explorou

uma técnica denominada “frulato”, típica em instrumentos de sopro, que produz um efeito

cômico no trompete, resultante da tremulação da língua durante a emissão do som

(CASCAPERA, 1992).

Figura 1: Uso do frulato

1.4 Paulino Sacramento

Paulino Sacramento nasceu em 1880 na cidade de Niterói - RJ. Iniciou seus estudos

musicais na Banda do Asilo de “Meninos Desvalidos de Vila Izabel”. Posteriormente, aos 16

anos, juntamente com outros músicos, participou de um concurso para a escolha do maestro da

Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, perdendo a vaga para Anacleto de Medeiros12.

Imagem 3: Paulino Sacramento13.

12 Biografia sobre Paulino Sacramento. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/paulino-

sacramento/biografia. Acessado em: 12/06/2014. 13 Imagem de Paulino Sacramento. Disponível em: http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/07/paulino-

sacramento.html. Acesso em: 20/03/15.

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Além de trompetista e compositor, Paulino dirigiu a Orquestra do Teatro Rio

Branco14, tendo sido o primeiro maestro a reger o músico Pixinguinha, então com 14 anos de

idade (CAZES, 1998).

Sacramento dedicou-se ao teatro de revista, produzindo partituras para revistas,

operetas e burletas, a primeira delas nomeada “O Rio civiliza-se”. Suas composições de maior

destaque foram os tangos “Pierrot”, “O Vatapá”, e “Bebé”, a última, gravada pela Banda da

Casa Edison. O único registro fonográfico encontrado de Paulino Sacramento foi o tango

“Bebé”. Foi encontrada também uma edição da partitura de “Bebé” escrita para piano.

Figura 2: Trecho da partitura para piano do tango carnavalesco “Bebé”.

São poucas as informações acerca de vida e obra do trompetista Paulino

Sacramento. Sobre sua obra musical, foi possível encontrar oito de suas composições editadas

para piano, que estão disponíveis para consulta na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

1.5 Bonfiglio de Oliveira

Bonfiglio de Oliveira nasceu em 1891, na cidade de Guaratinguetá - SP. Sua

iniciação musical foi ao contrabaixo, ensinado por seu pai, Feliciano Oliveira (MOTA, 2011).

Em 1918 transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro - RJ, atuando como compositor e

instrumentista. Foi integrante da Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro, Orquestra da

Companhia Arruda, Companhia Jardel Jércolis, Orquestra do Cinema Ouvidor. Integrou

14 Nos levantamentos realizados não foi possível encontrar registros sobre o período de atuação de Paulino

Sacramento como regente da Orquestra do Teatro Rio Branco.

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diversos cinemas e teatros cariocas, participou também das primeiras formações do grupo “Os

oito batutas”, liderado pelo músico Pixinguinha (1897-1973).

Imagem 4: Bonfiglio de Oliveira15

Como integrante do grupo “Os oito batutas”, obteve reconhecimento nacional e

internacional, tido pelos críticos europeus em 193316, como um dos maiores trompetistas do

mundo de sua geração. Além disso, homenageado pelo então Presidente Washington Luís,

recebeu um trompete de prata com uma placa em ouro dizendo: “Ao maior pistonista do Brasil,

Bonfiglio de Oliveira - homenagem do Governo de Washington Luís”17.

A produção musical de Bonfiglio é constituída por chorinhos, valsas e maxixes,

registrados em discos de 78 rpm. A catalogação da obra de Oliveira corresponde a um total de

vinte e quatro composições, destacando-se a valsa intitulada “Glória” e o choro “Flamengo”

(MOTA, 2011).

Além de ter atuado no cenário da música popular brasileira como trompetista,

Oliveira trabalhou como contrabaixista acústico, transitando também pela música de concerto.

Estudou no Conservatório Musical do Rio de Janeiro e tocou na Orquestra Sinfônica do Teatro

Municipal do Rio de Janeiro, regida pelo então maestro Francisco Braga (MOTA, 2011).

15 Imagem de Bonfiglio de Oliveira. Disponível em:

http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/search?q=bonfiglio+de+oliveira. Acesso em: 20/03/15. 16 Biografia sobre Bonfiglio de Oliveira. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/bonfiglio-de-

oliveira/discografia. Acessado em: 11/05/14. 17 Idem.

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20

1.6 Napoleão Tavares

Napoleão Tavares foi trompetista, compositor, regente e arranjador. Nasceu em

1892, na cidade de Ubá - MG, e transferiu-se em 1910 para a cidade do Rio de Janeiro - RJ18.

Tavares teve uma participação ativa no mercado fonográfico da época em função

de seu domínio técnico ao trompete, favorecendo sua participação em diversas orquestras. Foi

integrante da Orquestra de Cícero Meneses em apresentações no Cine Avenida. Em 1918

formou a Orquestra Apolo Jazz e, nos anos de 1920 formou a Orquestra Colbáz (grupo de

estúdio da Gravadora Colúmbia). Por volta de 1930, formou sua própria Orquestra, apelidada

de “Napoleão Tavares e seus soldados musicais”. Sua Orquestra alcançou grande sucesso nas

décadas de 1930 e 1940, atuando por vários anos na “Rádio Clube do Brasil” (MOTA, 2011).

Imagem 5: Napoleão Tavares19.

A obra musical de Napoleão Tavares compreende um total de seis composições,

algumas em parcerias com João Castilho, Jaime Redondo e Arsênio Palácios. Seus registros em

fonogramas correspondem a cinco discos de 78 rpm, gravados pela RCA Victor, Columbia e

Favorite Record entre os anos de 1912 e 1941.

18 Biografia sobre Napoleão Tavares. Disponível em:

http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/AAGS8T7NNX/disserta_ao_pedro_m

ota.pdf?sequence=1. Acessado em: 15/06/14. 19 Imagem de Napoleão Tavares. Disponível em: http://jornalggn.com.br/blog/laura-macedo/o-competente-

maestro-gao-por-laura-macedo. Acesso em: 21/03/2015.

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1.7 Sebastião Cirino

Sebastião Cirino nasceu em 1902 na cidade de Juiz de Fora - MG, transferindo-se

em 1913 para a cidade do Rio de Janeiro - RJ, onde foi morador de rua, trabalhando como

engraxate e vendedor de jornais para sobreviver20.

Cirino teve uma vida conturbada, envolvendo-se frequentemente em arruaças e

tento sido preso por diversas vezes. Chegou, inclusive, a tentar se atirar dos Arcos da Lapa em

desespero por falta de emprego. Ainda, sem atingir a maioridade, foi detido e encaminhado para

a colônia penal “Dois Rios”, da Ilha Grande, no Estado do Rio de Janeiro. Nesse período,

começou a estudar trompete e a integrar a banda dos presidiários21.

Tempos depois entrou para o Exército, servindo no 56º Batalhão de Caçadores na

Praia Vermelha, na cidade do Rio de Janeiro, dando baixa como músico de 3ª classe em 1920

para empregar-se como trompetista no Cine Guanabara, em Botafogo22.

Imagem 6: Sebastião Cirino23

Cirino atuou como trompetista e violonista, além de maestro e compositor. Foi

integrante do grupo “Os Oito Cotubas”, do conjunto “Brazilian Jazz”, do conjunto “Carlito’s

Jazz Band” e na Jazz Band “Os Oito Batutas”24.

20 Biografia sobre Sebastião Cirino. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/sebastiao-cirino/dados-

artisticos. Acessado em: 02/09/14. 21 Idem. 22 Idem. 23 Imagem de Sebastião Cirino. Disponível em: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/sebastiao-cirino-de-

minas-para. Acesso em: 21/03/15. 24 Idem.

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Em excursão com o conjunto “Carlito’s Jazz Band”, Sebastião Cirino se apresentou

em alguns países europeus, dentre eles Portugal e França. Nesse período, o trompetista

desligou-se do conjunto e decidiu ficar em Paris, permanecendo por quatorze anos no país,

estudando violino e realizando recitais com números franceses e brasileiros, além de ministrar

aulas de violão para a princesa Maria Thereza d’Orleans e Bragança (VIANNA, 2007). Recebeu

do governo francês a Cruz de Honra de Cavalheiro de Educação Cívica por exibições gratuitas

em espetáculos beneficentes, além de ser admitido como membro da sociedade arrecadadora

de direitos autorais Generale Internacionale de L'Édition Phonographique et

Cinematographique de Paris25.

Sua obra musical compreende um total de doze composições, variando em choros,

sambas, maxixes e músicas para espetáculos. Boa parte de sua obra foi composta em parceria

com outros músicos. Sebastião Cirino teve algumas músicas premiadas em concursos

carnavalescos, como a composição “Cristo nasceu na Bahia” (1925), sua obra de maior

sucesso26. Foram encontradas duas gravações de épocas distintas dessa composição. A primeira

gravada pelo cantor Arthur Castro, acompanhado pela Banda da Casa Edison e a segunda

gravada pela Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e coro.

Figura 3: Trecho da partitura para piano do samba “Cristo Nasceu na Bahia”

25 Biografia sobre Sebastião Cirino. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/sebastiao-cirino/dados-

artisticos. Acessado em: 02/09/14. 26 Idem.

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1.8 Carmelino Veríssimo de Oliveira - “Pedroca”

Pedroca nasceu na cidade do Rio de Janeiro - RJ, em 1913. Porém, há divergências

nas fontes pesquisadas com relação ao dia e mês de seu nascimento. No verso de seu disco “As

garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston”, consta o dia trinta e um de janeiro, dia de

São Pedro Nolasco, motivo pelo qual foi apelidado de “Pedroca”27. Entretanto, na segunda fonte

pesquisada, a data de seu nascimento consta como dia cinco de abril28.

Autodidata, sua iniciação musical deu-se aos oito anos, tocando “cavaquinho”. Aos

treze anos empenhou-se em estudar teoria e solfejo, e oito meses depois apresentou sua primeira

composição, com a qual, tempos depois, foi premiado como primeiro colocado em um concurso

no colégio em que estudava29.

Imagem 7: Carmelino Veríssimo de Oliveira “Pedroca”30.

As obras musicais de Pedroca compreendem um total de trinta e três músicas que

variam entre choros, boleros, mambos, baiões e beguins. Suas primeiras gravações iniciaram-

se no ano de 1950 e se estenderam até o ano de 1959 somando um total de vinte e três

fonogramas, sendo dezoito de 78 rpm e cinco Lps: “Pedroca e seu quinteto”, lançado pela

gravadora Sinter em 1956; “Pedroca e seu Piston”, lançado pela gravadora Sinter em 1956; “As

garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston”, lançado pela gravadora Sinter em 1958;

27 OLIVEIRA, C. V. As garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston. Rio de Janeiro: Sinter, 1958. Lp. 28 Biografia sobre Carmelino Veríssimo de Oliveira. Disponível em:

http://www.dicionariompb.com.br/pedroca. Acesso: em 27/05/2014. 29 Ibidem. 30 Imagem de Carmelino Veríssimo de Oliveira “Pedroca”. Disponível em:

http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/02/o-piston-de-pedroca.html. Acesso em: 21/03/15.

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“Pedroca em ritmos diversos”, lançado pela gravadora Todamérica em 1958 e “Atendendo a

pedidos”, lançado pela gravadora Sinter em 195931.

Figura 4: Lps gravados por “Pedroca”.

Figura 5: Lps gravados por “Pedroca”.

“Pedroca” foi um trompetista de destaque nacional em sua época, deixou diversos

registros fonográficos de suas composições e interpretações de outros compositores.

31 Biografia sobre Carmelino Veríssimo de Oliveira. Disponível em:

http://www.dicionariompb.com.br/pedroca. Acesso em: 27/05/2014.

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1.9 Porfírio Alves da Costa - “Porfírio Costa”

Porfírio Costa nasceu em 1913, na cidade de Campina Grande - PB. Começou seus

estudos musicais aos treze anos de idade com o maestro Severino Lima. Em 1931, transferiu-

se para a cidade do Recife - PE. Nesse mesmo ano foi registrada sua primeira composição, o

choro “Diplomacia” (MOTA, 2011).

Porfírio Costa foi integrante da Orquestra da Rádio Clube de Pernambuco,

Orquestra do Maestro “Fon-fon”, Orquestra Tabajara, Orquestra Carioca e Orquestra do

Maestro Osmar Milani, trabalhando também ao lado de outros talentosos músicos, como K-

Ximbinho (1917-1980), Zé Bodega (1923-2003), Geraldo Medeiros (1917-1978), dentre outros

(MOTA, 2011).

Imagem 8: Porfírio Costa32

Suas composições compreendem um total de cinco músicas, a saber, “Açude

velho”, primeira composição, gravada em 1946; “Primeirão”, gravada em 1946, “Peguei a reta”,

gravada em 1948; “Passou”, gravada em 1950; e “Diplomacia” (s/d), tendo sido as três

primeiras gravadas pela Orquestra Tabajara. Em 2002, o trompetista Joatan Nascimento gravou

algumas composições de Porfírio Costa, como: “Emplaquei os 60”, “Passou”, “Bizoquinha” e

“Peguei a reta” no disco “Eu choro assim”, 200233.

32 Imagem de Porfírio Alves da Costa. Disponível em:

http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/10/porfirio-costa.html. Acesso em: 21/03/15. 33 NASCIMENTO, J. (2002). Eu choro assim. Maianga Discos (CD digital estéreo).

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1.10 Geraldo Medeiros dos Santos - “Geraldo Medeiros”

Geraldo Medeiros nasceu em 1917, na cidade de Areia - PB. Iniciou seus estudos

com seu avô, João Clementino dos Santos (s/d), o “Joca”, maestro de banda em inúmeras

cidades do interior da Paraíba. Em 1933, mudou-se para João Pessoa, onde teve um

envolvimento direto com a música. O serviço militar obrigatório trouxe uma influência

importante para a definição da carreira. Ao apresentar-se no quartel, foi designado a integrar a

Banda da Polícia (COURAÚCCI, 2009).

Imagem 9: Geraldo Medeiros34.

Medeiros atuou como pianista em um breve período, trabalhando em diversas

emissoras de rádio e televisão como, por exemplo, a “Jazz Tabajara”, na Rádio Tabajara, cidade

de João Pessoa - PB35. Ao assumir a regência da “Jazz Tabajara”, Severino Araújo (1917-2012)

transferiu-o para primeiro trompete de sua Orquestra, assumindo a cadeira por quarenta anos

(COURAÚCCI, 2009).

Além de pianista e trompetista, Geraldo Medeiros atuava como compositor, tendo

boa parte de sua obra gravada pela Orquestra Tabajara. Suas composições variam entre frevos,

choros e cocos, somando um total de aproximadamente dezesseis músicas. Em 1946, na cidade

do Rio de Janeiro - RJ, em parceria com Benedito Lacerda, Arlindo Marques, Ary Barroso e

34 Imagem de Geraldo Medeiros. Disponível em: COURAUCCI (2009). 35 Biografia sobre Geraldo Medeiros dos Santos. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/geraldo-

medeiros/biografia. Acessado em: 16/09/14.

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Marino Pinto, ajudou a fundar a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de

Música (SBACEM), tornando-se membro vitalício da sociedade (COURAÚCCI, 2009).

1.11 José Luís Pinto - “Formiga”

Formiga nasceu em 1932, na cidade de Nova Friburgo - RJ36. Aos quatorze anos de

idade iniciou seus estudos musicais na “Banda de Música Campesina”, sob a regência do

maestro Joaquim Naegele (1899-1985). Em 1947, deu sequência aos seus estudos no

Conservatório do Distrito Federal, na cidade do Rio de Janeiro, onde estudou com o professor

Arthur Pades Y Terry (s/d), graduando-se em harmonia, trompete e contraponto (PINTO, 1959).

Imagem 10: José Luis “Formiga”37.

Foi integrante de diversas Orquestras, entre elas a “Napoleão Tavares e seus

soldados musicais”, Orquestra do maestro “Cipó”, Orquestras de Gentil Guedes, Orquestra

Marajoara do maestro Peruzzi na Rádio Mayrink Veiga e Orquestra de Ary Barroso.38

A produção fonográfica de Formiga compreende os Lps: Piston em Alta Fidelidade

(1958); Tudo é Bossa (1960); Trompete Espetacular (1962); Caminhos e melodias (1963);

Formiga in Love (1964); Big Parada: Formiga e sua Orquestra (1970) e Purcell - Concerto para

36 Biografia sobre José Luís Pinto “Formiga”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/formiga-4.

Acesso em: 31/07/2014. 37 Imagem de José Luis “Formiga”. Disponível em: http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/03/o-

trompetista-formiga.html. Acesso em: 21/03/2015. 38 Idem.

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trompete em Ré e orquestra (1977)39, contendo interpretações de Formiga sobre diversos

compositores, além de algumas composições próprias.

Figura 5: Capas dos Lps gravados por “Formiga”

Além da sua produção autoral, Formiga teve uma colaboração ativa no mercado

fonográfico brasileiro. Participou de diversas gravações de discos dos mais variados artistas

nacionais, somando aproximadamente cento e sessenta e quatro músicas concentradas em

sessenta e sete fonogramas.

Parte dos nomes relacionados neste capítulo podem ser desconhecidos por grande

parte dos trompetistas brasileiros e possivelmente também não eram de conhecimento de

Márcio Montarroyos, com exceção dos trompetistas de gerações mais próximas a ele. Diante

disso, reconhece-se que boa parte desses trompetistas não exerceram influência sobre a

musicalidade de Montarroyos. Entretanto, deve-se salientar que esses músicos tiveram uma

importância considerável em suas épocas. Esses trompetistas destacaram-se por suas

habilidades musicais, pela participação ativa no mercado fonográfico e em diversas situações

musicais, sendo que alguns transitavam também pela música de concerto. Vale ressaltar que

essas características também foram recorrentes em Márcio Montarroyos, e serão tratadas no

próximo capítulo.

39 Biografia sobre José Luis Pinto “Formiga”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/formiga-4.

Acessado em 31/07/2014.

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Capítulo

2 Márcio Montarroyos e o disco Stone Alliance

2.1 Formação musical

Márcio Cavalcante Montarroyos, filho do General do Exército Brasileiro, João

Augusto Montarroyos Filho e da pianista Neida Cavalcante Montarroyos, nasceu na cidade do

Rio de Janeiro - RJ, em 08 de setembro de 1948. Márcio Montarroyos pertenceu à quarta

geração de músicos da família, tradição iniciada por sua bisavó, herdada pela avó e,

posteriormente, pela mãe e pela tia do trompetista, como afirma a pianista Nail Cavalcante:40

A tradição musical na família vem desde minha avó, que foi aluna de Arthur Napoleão.

Depois foi minha mãe, que foi aluna de Henrique Oswaldo, depois foi a vez da mãe

dele, que foi aluna de Góes. Esses professores deram aula na Universidade, ou melhor,

no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro.

Montarroyos cresceu em um ambiente familiar onde a música clássica era

considerada prioridade e a escola formal era considera um complemento para a formação do

indivíduo41. Seu primeiro contato direto com a música se deu aos quatro anos de idade por

influência de sua mãe, então professora de piano na Escola de Música Nacional da Universidade

do Brasil, conforme afirmou o trompetista em entrevista concedida para a revista Werill: “Nasci

em uma família onde a música esteve muito presente. Aos quatro anos, já comecei a aprender piano,

influenciado por minha mãe, que tocava o instrumento” (LOURENÇO; GONÇALVES;

PAULINO, 2000).

40 CAVALCANTE, N. Entrevista concedida ao autor em 07/11/2014. 41 Ibidem.

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Imagem 11: Márcio Montarroyos ao piano.42

Destaca Bittencourt (1971) que por volta dos treze anos, o pai de Montarroyos o presenteou

com um trompete americano da marca “King”, incentivando-o a praticar o instrumento. Sua prima Beth Lucas

(pianista) relata que o interesse pelo trompete se deu ao ingressar no Colégio Militar do Rio de Janeiro, local

onde lhe foi apresentado o instrumento, como afirma a pianista:43

O Márcio estudou uma época no Colégio Militar, você imagina o caos que não era, né

[risos]? Volta e meia, meu tio, que era militar, tinha que comparecer ao Colégio porque

o Márcio não tinha ido às aulas, mas tinha presença e não sabiam o porquê disso. Daí

eles descobriram que o Márcio fugia das aulas para tocar na banda. E foi assim que

ele começou a tocar trompete, nisso o meu tio deu um trompete para ele de presente.

Seus primeiros anos de estudo ao trompete foram voltados para a música de concerto,

possibilitando o aperfeiçoamento técnico do instrumento. O saxofonista Léo Gandelman afirma que a

sonoridade de Montarroyos era sua principal característica, destacando-o em relação aos demais

trompetistas de sua época:44

O Márcio teve uma formação na escola clássica muito importante. Tanto é que você

pode ver pelo toque dele, pela articulação, pela afinação, pela sonoridade, que ele tem

toda uma história de trompete clássico. O Márcio estudou concertos de música

clássica no trompete, ele desenvolveu toda uma escola clássica e mais tarde foi estudar

Jazz. O que marca o Márcio, mais do que qualquer outra coisa é o touché dele. Ele

tinha uma forma muito elegante de produzir o som no trompete. O acabamento do

42 Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista). 43LUCAS, M. E. Entrevista concedida ao autor em 07/11/2014. 44 GANDELMAN, L. Entrevista concedida ao autor em 11/05/2014.

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som dele é inigualável, de nível internacional. O timbre, a afinação, a articulação,

todos os elementos básicos. Ele tinha uma forma extremamente musical de produzir

os fundamentos do instrumento como ninguém. No mundo clássico, no mundo

popular, com ou sem efeito, o acabamento sonoro dele é inigualável.

Imagem 12: Márcio Montarroyos ao trompete em “C”45.

Montarroyos chegou a realizar concertos para trompete e piano profissionalmente.

Em certa ocasião, foi convidado a executar o concerto Lovelock (1968)46 para uma cena de

novela exibida pela TV Globo em 1975, gravada na Casa de Rui Barbosa, na cidade do Rio de

Janeiro - RJ, como afirma Nail Cavalcante47:

Minha filha tocou com ele várias vezes! Eles tocaram aqui o concerto em primeira

audição de Lovelock, ninguém conhecia. Ela tocou com ele se apresentando numa

novela da TV Globo [O Bravo] tocando esse concerto de Lovelock. Isso foi gravado

na Casa de Rui Barbosa.

45 Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista). 46 Concerto para trompete composto por William Lovelock (1899-1986). 47 Ibidem.

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Imagem 13: Márcio Montarroyos e sua prima Maria Elizabeth Lucas48.

Gandelman (2014) afirma que além dos estudos técnicos de trompete e da música de concerto,

a sonoridade adquirida por Montarroyos também se deu por diversas influências musicais, dentre elas, as de

alguns trompetistas brasileiros que, assim como Montarroyos, tiveram formação musical erudita49:

Aqui no Brasil, eu posso dizer que ele como músico de estante ou de naipe, teve uma

influência muito grande de toda uma geração que pertenceu às Big Bands brasileiras,

como o Hamilton Cruz e Maurílio Santos. Ele gostava do Maurílio, eu me lembro!

Quem mais que eu posso dizer? O “Formiga”... Eram trompetistas que fizeram

também a escola clássica, que tinha aquele som de lead play, de primeiro trompete.

Ele gostava desse pessoal, mas eu acho que a maior influência dele foi do Miles Davis,

entendeu? O Márcio adorava o Miles... e o Freddie Hubbard!

Os primeiros contatos de Márcio Montarroyos com o jazz se deram na adolescência

por meio da escuta de discos norte-americanos, tendo sido influenciado por diversos músicos,

dentre eles os trompetistas Dizzy Gilespie, Lee Morgan, Freddie Hubbard e principalmente por

Miles Davis. A escuta fonográfica foi incorporada por Montarroyos como ferramenta de estudo

e exploração da linguagem jazzística, visto que, segundo o trompetista, não existia no Brasil

uma escola de trompete ou de instrumento de sopro algum voltada para música popular ou, no

caso, para o jazz (MONTARROYOS, 1971 apud BITTENCOURT, 1971).

48 Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista). 49 Ibidem.

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Sobre seu aprendizado na música popular brasileira e no jazz, afirmava

Montarroyos50:

Você tem que ter vocabulário para tocar música, para tocar jazz, você tem que ser

muito rico em vocabulário musical naquele estilo. Agora, como é que faz para ter

vocabulário? Aí, é um estudo de vida, você vem e sofre influência de outros músicos,

de outros solistas, de música erudita, de samba... Aí você consegue um estilo. Um

estilo é o que todo mundo tem que procurar... É o estilo.

Montarroyos, aproveitando a oportunidade intermediada por uma bolsa de estudos,

mudou-se em 1972 para Boston, nos EUA, estudando durante um ano na instituição Berklee

School of Music. Esse período foi fundamental para o aprimoramento técnico do instrumento,

para a percepção auditiva e estudo da linguagem de improvisação jazzística, como afirmou

Montarroyos51:

Eu tocava todo o tempo que podia. Lá eu tive um estudo intenso de técnica do

trompete, harmonia, ear training e aulas práticas de solista principal em pequenos e

grandes grupos. Improvisava ao meu gosto, com total liberdade. Não se ensina Jazz e

nem samba a ninguém, apenas se ajuda a desenvolver.

Márcio Montarroyos pertenceu a uma das primeiras gerações de músicos brasileiros

que estudaram jazz nos EUA. Entre esses músicos estavam também o pianista Nelson Ayres, os

saxofonistas Vitor Assis Brasil, Roberto Sion e o trompetista Claudio Roditi, dentre outros. A

Berklee School of Music possuía uma representatividade importante para os músicos que

quisessem aprender e desenvolver a linguagem jazzística, visto que foi a primeira instituição a

sistematizar o ensino da improvisação nesse estilo, como afirma Gandelman52:

A Berklee era uma escola pioneira nesse tipo de ensino. Eu precisava, para ter certeza

do que eu estou te falando, porque na New Englad School of music e outras escolas

grandes de música nos EUA, já existiam algumas coisas nesse gênero do ensino da

música, digamos assim, improvisada. Mas a Berklee ficou famosa mundialmente

como sendo “a escola de jazz” porque foi realmente o primeiro centro que

50 MONTARROYOS, M. entrevista para TV Senado. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=4u3wb7ygGnU. Acessado em 14/08/2014. 51 Para o jazzista brasileiro Pixinguinha é o caminho. O Globo, 19 de abril de 1973. 52 Ibidem.

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sistematizou em método o ensino de jazz, isso foi sem dúvidas. A New Englad School

of music em Boston, tem um departamento de música popular que se chama Third

Stream Departament, pouco mais aberta que Jazz em termos de abrangência, mas a

Berklee foi uma escola que se fixou no idioma Jazz, e na análise do que é que acontece

na música do Jazz harmonicamente e a questão do improviso analisada

profundamente. Então, acredito que o motivo que ele foi pra Berklee, foi em busca

desse tipo de conhecimento específico que não tinha no Brasil na época, não tinha

bibliografia, não tinha nada, que você era obrigado a cruzar mares para ter, que levou

o Márcio a estudar fora do país.

Montarroyos referia-se ao seu período de vivência nos EUA dizendo que levaria

dez anos no Brasil para aprender o que lhe foi oferecido em um ano de Boston. Paralelo à busca

pelo conhecimento musical naquele período, o trompetista justificava a saída de tantos

instrumentistas brasileiros do país devido à falta de mercado, à falta de oportunidade, à falta de

investimentos na formação de público para a música instrumental, à falta de orquestras e grupos

de experimentação musical53:

No Brasil, quando se tem sorte, um instrumentista ganha a vida conseguindo pequenos

bicos. Não há orquestras, grupos experimentais ou alguém que esteja disposto a ouvi-

lo. Por isso a tendência é deixar o país. Nossos melhores músicos estão ganhando a

vida no estrangeiro. Isso é uma necessidade não apenas econômica, mas também

profissional.

Após um ano morando nos EUA, mesmo com propostas de trabalhos para ingressar

em grupos como “Blood Sweat & Tears”54, Montarroyos retornou ao Brasil ciente da sua

responsabilidade em divulgar a música instrumental brasileira e lutar por melhores condições

de trabalhos. Segundo o trompetista55:

Eu poderia ter ficado lá, tive convites bons para trabalhar com muita gente, como o

“Blood Sweat & Tears”, por exemplo. Mas isso não faz sentido. Do que adianta eu

ficar lá? Meu trabalho é aqui, tenho uma responsabilidade aqui. Cada músico que fica

e trabalha aqui, está ajudando a divulgar a música instrumental brasileira, a melhorar

as condições de trabalho. Se eu não ficar aqui, não der concertos, quem vai divulgar

o trompete entre a garotada, quem vai mostrar como é? Eu tenho uma responsabilidade

perante essa meninada, o público todo, os meus alunos. Tenho só três alunos de

trompete, aí você vê como o instrumento é desconhecido no Brasil.

53 BITTENCOURT, S. Instrumento, métodos caros e revistas especializadas. O Globo, 28 de dez. 1971. Matutina,

Cultura, p. 5. 54 Banda norte-americana de rock and roll formada em 1967 na cidade de Nova Iorque, EUA. 55 Para ele, o melhor de tudo é o Pomoja. E música brasileira. O Globo, 12 de novembro de 1977. Cultura, p. 35.

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Naturalmente, após seu período de estudos e vivência na Berklee, Montarroyos

colocou em prática sua bagagem adquirida nos EUA. Segundo Chiquinho de Moraes56, Márcio

Montarroyos foi um dos músicos que melhor se utilizou desses conhecimentos por ter

sintetizado e adaptado essas informações para a música popular brasileira. Afirma o maestro:

Olha, eu tenho quase oitenta anos e muita água já passou embaixo da minha ponte

[risos]! No meu tempo de jovem arranjador não se falava em estudar numa escola,

quase não existiam escolas de música no Brasil. Mas eu me formei no Conservatório.

Estudar nos Estados Unidos era uma coisa que nem se falava. Tempos depois, o

pessoal aqui do Brasil descobriu a Berklee, começaram a ir lá para estudar. Eu comecei

a perceber que quando eles retornavam ao Brasil, tantos os instrumentistas quanto os

arranjadores, voltavam cheios de teorias e cheios de planos, mas ainda estavam na

fase embrionária da coisa. Eles pensavam como americanos e tentavam executar como

americanos, mas não conseguiam encaixar toda essa cultura para a nossa música, para

música popular. Então, ficavam todos escrevendo e tocando iguais uns aos outros, mas

depois eles encontraram seus próprios caminhos! Aí entra a história do Márcio, ele foi

para lá, estudou e voltou, mas não como um trompetista de jazz, mas como um

trompetista brasileiro, assim como o Edu Lobo, que também estudou fora e voltou

como arranjador brasileiro. Essas foram as duas únicas pessoas que foram lá estudar,

assimilaram, mas não copiaram.

Em contrapartida, Márcio Montarroyos influenciou diversos músicos de diferentes

gerações ao longo de sua carreira, dentre eles, destacam-se o saxofonista Leo Gandelman e o

trompetista Walmir Gil. Segundo Gandelman (2014), Montarroyos foi uma das principais

pessoas que o incentivou a investir na carreira de músico, em especial, na música instrumental,

como afirma o próprio saxofonista57:

O Márcio influenciou muita gente. Inclusive a mim. Não só pela forma de tocar

trompete, mas porque ele foi um pioneiro abrindo caminhos nessa praia da música

instrumental brasileira. Eu, quando conheci o Marcio e adentrei ao trabalho dele como

compositor e tal, e vi o que ele estava fazendo e como ele estava fazendo, eu acreditei

que era possível fazer. Sabe, o Márcio foi o cara que me mostrou que era possível

fazer um trabalho de música instrumental no Brasil.

56 MORAES, F. Entrevista concedida ao autor em 05/05/2014. 57 Ibidem.

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Imagem 14: Léo Gandelman e Márcio Montarroyos58.

Para o trompetista Walmir Gil, na década de 1970, a televisão brasileira foi umas

das principais vias de divulgação do trabalho de Márcio Montarroyos. Por conta das gravações

de trilhas sonoras para novelas e aparições em programas de televisão, Montarroyos atingiu o

status de “trompetista artista” e, consequentemente, conseguiu influenciar uma geração de

músicos no país59:

Na década de 1970, tinha uma novela na TV Globo [Carinhoso] que a gente assistia

todo dia só para ouvir o trompete do Montarroyos. Ele tocava a música “Carinhoso”

na abertura da novela. Isso foi um arranjo do Chiquinho de Moraes que o Márcio

tocava lindamente! Só que eu não sabia que ele tocava aquilo ali no FlugelHorn! Para

mim era trompete. Tempos depois, toquei muito aquele solo em conjuntos de baile.

Eu tocava aquele solo com introdução, as frases e tudo, sempre procurava imitá-lo.

Agora, ao meu ver, o pioneirismo do Márcio não se deve só ao fato dos equipamentos

eletrônicos. Ele realmente foi um trompetista artista, entende? Ele aparecia na

televisão em rede nacional. Todos os dias, por causa da novela “Carinhoso”, ele era

ouvido. Ele influenciou muitos outros músicos, assim como influenciou a mim

também.

Imagem 15: Walmir Gil, Márcio Montarroyos e Lea Freire em São Paulo60.

58 Imagem do acervo pessoal de fotografias de Neida Cavalcante Montarroyos (mãe do trompetista). 59 GIL, W. A. Entrevista concedida em 25/08/2015. 60 Imagem do acervo pessoal de fotografias de Wlamir Gil.

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Chiquinho de Moraes destaca que no ambiente da música popular, copiar alguém

era o modus operandi do músico brasileiro. Em outras palavras, a influência musical exercida

por determinado músico sempre foi algo muito recorrente na música popular, sobretudo no jazz,

tornando-se parte do aprendizado do músico brasileiro61.

2.2. Carreira profissional

A carreira profissional de Montarroyos se iniciou alguns anos antes da sua ida aos

EUA, trabalhando em diversos conjuntos de baile, tocando repertórios nacionais e

internacionais como, por exemplo, músicas de Stevie Wonder, O. C. Smith, Beatles, Tijuana

Brass, Kool & The Gang, James Brown, Blood Sweat & Tears, entre outros.62 Dentre os grupos

que Márcio trabalhou, o primeiro foi a Banda “Fórmula 7” e, posteriormente, o conjunto “A

Turma da Pilantragem”, ambos na segunda metade da década de 1960 e início de 1970.63

Contratado como músico da casa na boate “Number One” em 1970, acompanhou importantes

nomes do cenário jazzístico internacional, tais como Carlos Santana, Ella Fitzgerald e Sarah

Vaughan.64

O trabalho de maior projeção no início de sua carreira foi a gravação da trilha sonora

para a novela “Carinhoso”, exibida no início da década de 1970 pela TV Globo. Segundo

Montarroyos, a exibição diária de sua interpretação sobre a música “Carinhoso” na abertura da

novela, juntamente com suas participações em programas de televisão, como por exemplo, o

programa “Globo Gente”, transmitido pela TV Globo na década de 1970, inseriu o trompete em

uma posição de destaque na música popular brasileira e também popularizou seu nome65.

61 Ibidem. 62 Informações retiradas de um release de autoria desconhecida encontrado em acervo pessoal da mãe de

Montarroyos, Neida Cavalcante Montarroyos. 63Biografia sobre a Banda “Turma da Pilantragem”. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/a-

turma-da-pilantragem/dados-artisticos. Acessado em 14/01/15. 64 De Pixinguinha a Hermeto Pascoal, na Sala Funarte. O Globo, 04 de julho de 1979. Matutina, Cultura, p. 37. 65 “Para o jazzista brasileiro Pixinguinha é o caminho”. O Globo, Matutina, Geral. Rio de Janeiro, 19 de abril de

1973. p. 3.

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Figura 6: Lp “Carinhoso” – capa e contra capa.

Além do Lp “Carinhoso”, seguindo a mesma proposta, Montarroyos e seu grupo

lançaram um segundo disco, chamado “Sessão Nostalgia”. Segundo o jornal “O Globo” de

197366, o Lp apresenta músicas que marcaram época no cinema, sendo elas: “Storm Weather”,

“As Time Goes By”, “Tenderly”, “Stardust”, “I’ve Got Under My Skin”, dentre outras. Tempos

depois, ao contrário do que se sucedeu no início de sua carreira, com as gravações dos Lps

supracitados, Montarroyos investiu em outras possibilidades musicais, como afirmou o

trompetista em uma entrevista concedida para o jornal “O Globo” de novembro de 1977:

Não nego que foi bom para mim, porque foi, em termos de popularidade, dinheiro e

tal. Mas eu, hoje, não faria mais aquilo de jeito nenhum. Não estou mais afim de

nostalgia, dessas coisas. Tá certo tem que ter lugar para o choro, mas não entendo ficar

tocando como se ainda estivéssemos em 1932. É bom ter os músicos da antiga

trabalhando e tudo, tem que ter lugar para choro, para tudo, mas tem que ter lugar para

a música de vanguarda também, para a música instrumental brasileira. Eu não conto

aqueles outros discos. Um era a trilha da novela “Carinhoso”, o outro se chama

“Sessão Nostalgia”. Sabe, não posso considerar como meus discos que eu nem

aguento colocar na vitrola (MONTARROYOS, 1977 apud BAHIANA, 1977).

66 O som que vem da televisão. O Globo, 16 de dez. 1973. Matutina, Tele Semana, p. 2.

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Figura 7: Lp “Sessão Nostalgia” – capa e contra capa.

Márcio Montarroyos atribui a existência desses dois discos à falta de experiência

no início de sua carreira e à vontade de trabalhar em um estúdio profissional, como afirmou o

trompetista: “Eu era muito inexperiente, com muita vontade de gravar, sem uma concepção

musical forte, definida, então me deixava levar pelos produtores e o resultado foi esse”

(MONTARROYOS, 1977 apud BAHIANA, 1977).

Entretanto, Montarroyos manteve uma participação ativa na indústria fonográfica

brasileira por aproximadamente quarenta anos, realizando gravações de jingles, trabalhos como

sideman67 ou solista convidado, tendo sido um músico bastante admirado e requisitado por

diversos artistas. Dentre as suas participações em gravações, destacam-se nomes como: Tom

Jobim, Edu Lobo, Chico Buarque, João Bosco, Milton Nascimento, Djavan, Gal Costa, Maysa,

Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Fafá de Belém, João Donato, Dori Caymi, Ivan Lins, Sarah

Vaughan, entre outros68. Segundo informações do site “Discos do Brasil”, suas participações

contabilizam o total de trezentos e setenta e seis músicas, concentradas em cento e sessenta e

quatro discos69. Evidentemente, esses números podem sofrer alterações, visto que o site se

apresenta em constante atualização.

A partir do levantamento bibliográfico realizado, pôde-se concluir que Montarroyos

era considerado uma exceção na indústria fonográfica brasileira da época, por ser um dos

poucos instrumentistas no país a ser contratado como artista principal da gravadora “Som

67 Músico profissional que é contratado para se apresentar ou gravar com grupos aos quais não é integrante. 68Pesquisa discográfica sobre Márcio Montarroyos, acesso em 27/01/2015. Disponível em:

http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/consulta/detalhe.php?Id_Musico=MA000229. 69 Pesquisa discográfica sobre Márcio Montarroyos, acesso em 25/08/2015. Disponível em:

http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/consulta/detalhe.php?Id_Musico=MA000229.

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Livre”70, contrato este iniciado em 1974 (BAHIANA, 1977). O motivo para tal exceção,

obviamente, além da sua competência musical como performer e band leader, se deu em função

de seu bom relacionamento com os artistas com quem trabalhava e, principalmente, com o então

chefe da direção de programação e produção da TV Globo, Bonifácio de Oliveira Sobrinho

“Boni”, admirador da música instrumental brasileira e do jazz (BAHIANA, 1977).

Já para Chiquinho de Moraes, a tamanha produtividade e inserção de Márcio

Montarroyos no mercado fonográfico brasileiro se deu em função da qualidade musical do

trompetista, como afirma o maestro71:

O Márcio realmente teve uma presença marcante no mercado fonográfico e com cachê

diferenciado, eu sabia disso. Os produtores pagavam sem pestanejar. Eu pedi o Márcio

muitas vezes, porque felizmente, as gravações que eu fazia eram de alto nível e a verba

não era como as destinadas às produções normais. Eu me lembro de até ter adiado

gravação por causa da agenda do Márcio. Ele se destacava por causa da qualidade do

trabalho dele. Agora vou levantar uma questão: Se o Márcio tivesse nascido mais tarde

e tivesse produzido o mesmo acervo que ele teve, ele se destacaria como se destacou?

Eu penso que não, porque até aquela época ainda se dava valor a solistas. Hoje não

mais, infelizmente.

Sobre esse assunto, destaca Walmir Gil72:

Além do Márcio ter sido um músico altamente competente, como eu já te disse, ele

era um artista. Bem, na verdade eles tiveram uma época de ouro nesse mercado

fonográfico, entendeu? Dizem que a época em que ele e alguns músicos do Rio mais

trabalharam foi na época do Lincoln Olivetti. Mas o Márcio trabalhava um pouco mais

por ser um solista diferenciado. Ele estava sempre fazendo alguma coisa na TV Globo,

fazendo alguma participação em shows ou no disco de algum cantor, sempre alguma

coisa assim. Ele viveu a época de ouro da Som Livre, junto com o “Bidinho”,

“Paulinho trompete”, Léo Gandelman, Oberdan Magalhães, Zé Carlos “bigorna” e o

“Serginho trombone”. Esse era o grupo que tinha lá no Rio. Eles trabalharam muito

por anos, bem remunerados e acima da média dos demais músicos. Ele também tinha

o grupo dele, que sempre estava viajando em turnê. Ele era bem relacionado fora do

país, andou trabalhando com vários músicos, sempre bem articulado e gerenciando

seu próprio trabalho. Eu vejo por esse lado, entendeu?

70 Gravadora musical brasileira fundada em 1969 com a finalidade de desenvolver e comercializar trilhas sonoras

de novelas produzidas pela Rede Globo de televisão. 71 Ibidem. 72 Ibidem.

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Imagem 16: Naipe de metais da gravadora Som Livre73.

O respeito e a admiração pelo trompetista Márcio Montarroyos podem ser

observados nos depoimentos de alguns amigos com os quais trabalhou. Dentre esses músicos

destacam-se os cantores Ney Matogrosso (1941), João Donato (1934), Fafá de Belém (1956) e

Marcos Valle (1943).

Em uma festa realizada em 2007, alguns desses músicos fizeram declarações em

apoio a Montarroyos em função de um tratamento médico ao qual o trompetista se submetia.

Segundo Ney Matogrosso:

Montarroyos é um velho amigo, foi ele quem montou minha primeira banda depois

que saí dos Secos e Molhados. Ele quem fez a seleção dos músicos e tocou comigo.

Tocamos juntos várias vezes. Ele é um grande amigo e fiz essa homenagem com maior

prazer.

Para João Donato, “o prazer de tocar para o Márcio Montarroyos é imenso! Ele tem

sido meu colega de gravações e de vários trabalhos. É um prazer enorme tocar para o Márcio!”.

De acordo com Fafá de Belém, “o Márcio é uma pessoa muito querida e generosa. O resto nem

precisa ser falado porque está tudo aí, ele é o cara! Juntar um naipe de gente como o que está

aqui hoje é só para alguém muito especial, agregar todas essas pessoas”.

Sobre Montarroyos, afirmou Marcos Valle:

73 Imagem do acervo pessoal de Alcebíades Espínola “Bidinho”. Da esquerda para direita: “Bidinho”, “Serginho

Trombone” e Márcio Montarroyos. Ao fundo: Oberdan Magalhães e Léo Gandelman.

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É um dos maiores músicos brasileiros, merece todas as homenagens! Ele já gravou

diversas músicas minhas, ele já participou de vários shows meus. A minha

participação aqui hoje é, logicamente, com muita alegria. Eu estou apenas retribuindo

o que ele merece.

Ao longo de sua carreira, paralelo ao mercado fonográfico, Montarroyos manteve

sua produção artística realizando shows de música instrumental, participações em festivais

nacionais e internacionais como o New Orleans Jazz Festival, nos EUA, o Free Jazz e o Rock

in Rio, os dois últimos no Brasil (LOURENÇO; GONÇALVES; PAULINO, 2000). Walmir Gil

(2015) afirma que além das habilidades musicais, Montarroyos soube gerenciar bem sua

carreira musical, não se limitando apenas a determinados setores da música popular brasileira,

diferenciando-se por isso dos demais trompetistas de sua época74:

Como eu já havia dito a você, o Márcio me influenciou muito, eu aprendi muita coisa

com ele, inclusive administrar os meus trabalhos. Nisso eu acho que ele era um cara

bem ousado para época. Isso é um ponto que eu acho que o diferenciava de outros

trompetistas da época, a capacidade dele administrar sua carreira. Ele era um cara

muito inteligente, bem criado, teve a oportunidade de estudar fora do país e de

conviver com outras pessoas. A meu ver, ele não foi uma pessoa que trabalhou muito

em determinados setores da música, como o pessoal que trabalhou anos fazendo baile

e tocando em gafieiras, justamente porque ele soube administrar isso. Pra mim, esse

foi o grande diferencial dele em relação aos demais músicos da geração dele.

Márcio Montarroyos gravou também quatorze discos autorais, lançados por

gravadoras nacionais e internacionais, dentre elas a Som Livre (citada anteriormente), PM

Records, CBS, Black Sun, Capuri Records e EMI Music, com obras autorais e interpretações

de obras de outros compositores75. O primeiro disco a inaugurar essa fase de lançamentos no

exterior foi o Lp Stone Alliance (1977), que será discutido nas próximas páginas.

74 Ibidem. 75 Biografia sobre Márcio Montarroyos. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/marcio-

montarroyos. Acessado em 27/01/2015.

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2.3 O grupo Stone Alliance

O grupo Stone Alliance foi formado no ano de 1964 na cidade de Boston - EUA.

Nessa época, o contrabaixista Gene Perla foi convidado a integrar o grupo “Los Muchachos”,

do qual o baterista Don Alias era integrante. Posteriormente, na cidade de Nova Iorque - EUA,

Perla e Alias começaram a trabalhar com a cantora Nina Simone (1933-2003) e com baterista

Elvin Jones (1927-2004). No mesmo período, conheceram o saxofonista Steve Grossman

(1951), com quem formaram o trio Stone Alliance76.

Ao longo da existência do Stone Alliance, diversos músicos realizaram trabalhos

com o trio. Dentre esses músicos destacam-se os pianistas Mark Gray (1952), Kenny Kirkland

(1955-1998) e Kenny Werner (1951), os saxofonistas Jerry Bergonzi (1947) e Bob Mintzer

(1953) e o guitarrista Mitch Stein (s/d). As influências musicais do Stone Alliance eram

diversas, por consequência, o estilo do grupo definia-se na fusão de gêneros como o jazz, a

música afro-cubana, o rock e o pop77.

O Stone Alliance realizou diversas excursões pelos EUA, Europa e Américas

Central e do Sul, sendo as duas últimas em 1977 e 1978. Durante a turnê brasileira, os músicos

do grupo mostraram-se impressionados com a musicalidade dos brasileiros, como afirmou Don

Alias78:

Todos aqui são bateristas. Ontem saímos com duas moças que mostraram suas

habilidades com garfo e um prato enquanto esperávamos a comida. Nos Estados

Unidos alguns cubanos e porto-riquenhos tocam na rua, mesmo assim nos seus

bairros, áreas específicas da cidade. Aqui, todo mundo batuca em qualquer lugar, canta

em qualquer lugar, eu vejo os mesmos sentimentos no pessoal que faz a percussão

afro/cubana/porto-riquenha lá e no samba das escolas de samba daqui, ou mesmo nos

ritmos do candomblé.

76Biografia sobre o trio Stone Alliance. Disponível em: http://www.stonealliance.com/History.shtml. Acessado

em 04/08/2014. 77 O Stone Alliance no MAM: Os sons da América do Norte encontram os da América do Sul. O Globo, 08 de

janeiro de 1977. Matutina, Cultura, p. 34. 78 Idem.

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Segundo Gene Perla, “nos Estados Unidos nós ouvimos falar de samba, mas quando

estivemos num ensaio de uma escola de samba vimos que é outra coisa, os ritmos são mais

fortes e mais envolventes” 79.

O Stone Alliance permaneceu no Brasil durante três meses, tendo em seu roteiro de

apresentações as seguintes cidades: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife e

São Paulo, seguindo para países, como Argentina, Chile, Venezuela, Colômbia e alguns países

da América Central, retornando ao Rio de Janeiro em 1978 para o lançamento do Lp Stone

Alliance, no teatro “Clara Nunes”80.

2.3.1 Os músicos

A formação, a experiência profissional e a vivência musical de cada músico que

integra um determinado grupo, podem dizer muito sobre sua produção, o que envolve escolhas

estéticas e concepções musicais. Por esse motivo, súmulas biográficas de cada um dos membros

que compuseram o grupo em 1977 serão apresentadas nas próximas páginas.

2.3.1.1 Gene Perla81

Instrumentista (pianista e contrabaixista) e compositor, Gene Perla nasceu em 1940

em Nova Jersey - EUA. Seus primeiros contatos musicais se deram aos cinco anos, estudando

piano erudito. Posteriormente, na adolescência, começou a estudar trombone e a cantar em

corais. Teve como primeira influência jazzística o pianista Nat “King” Cole (1919-1945).

Chegou a frequentar o curso de Engenharia de Negócios na Universidade de Toledo,

abandonando-o tempos depois para ingressar na Berklee School of Music na cidade de Boston

- EUA. Inspirado pelas gravações do contrabaixista Charlie Haden (1937-2014) começou a se

dedicar ao contrabaixo.

79 Idem. 80 Biografia sobre o trio Stone Alliance. Disponível em: http://www.stonealliance.com/History.shtml. Acesso

em: 04/08/2014. 81 Biografia Sobre Gene Perla. Disponível em: www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.

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Em 1966, mudou-se novamente para a região de Nova Iorque começando a atuar

profissionalmente. Dentre os músicos que Perla acompanhou, destacam-se Willie Bobo (1934-

1983), Elvin Jones (1927-2004), Thad Jones (1923-1986), Mel Lewis (1929-1990) e Sarah

Vaughan (1924-1990). Nesse período, fundou o selo PM Records e, juntamente com o pianista

e compositor tcheco Jan Hammer (1948), fundaram o Red Gate Recording Studio82.

Imagem 17: Gene Perla (contrabaixista)83.

2.3.1.2 Don Alias84

Instrumentista (percussionista/baterista), filho de imigrantes caribenhos, Charles

Donald Alias nasceu em 1939 na cidade de Nova Iorque - EUA. Cresceu no Harlem, nos redutos

de cubanos e porto-riquenhos, influenciando-se pelas músicas que eram ouvidas no bairro.

Durante sua adolescência, Alias começou a tocar congas acompanhando a cantora Eartha Kitt

(1927-2008), participando da edição de 1957 do Newport Jazz Festival. Tempos depois,

interrompe temporariamente suas atividades musicais para ingressar no curso de bioquímica no

Carnegie Institute, em Boston - EUA. Nesse período, Alias costumava entrar clandestinamente

em clubes de jazz em companhia de estudantes da Berklee School of Music, dentre eles o

percussionista Bill Fitch (1941-?) e o contrabaixista Gene Perla.

82 Idem. 83 Imagem de Gene Perla. Disponível em http://www.raypirre.com/portfolio/gene-perla/. Acesso em

06/06/2015. 84 Biografia sobre Don Alias. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.

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Imagem 18: Don Alias (baterista)85.

Retomando as atividades musicais, Alias foi convidado a integrar a banda da

cantora Nina Simone como percussionista, acompanhando-a durante aproximadamente três

anos. Após esse período, o trompetista Miles Davis contratou Alias também como

percussionista para as gravações do Lp Betches Brew (1969). Dentre os músicos com quem

Alias trabalhou, destacam-se o saxofonista David Samborn (1945), a banda Weather Report

(1970-?), a cantora Joni Mitchel (1943), com o pianista Herbie Hancock (1940), com a banda

Brecker Brothers (1970-2007), com o contrabaixista Jaco Pastorius (1951-1987), com o

guitarrista Pat Metheny (1954), dentre outros.

2.3.1.3 Steve Grossman86

Steve Grossman nasceu em 1951 no Brooklyn, na cidade de Nova Iorque - EUA.

Iniciou seus estudos musicais ao saxofone alto durante o primário, mais tarde, por volta dos

quinze anos de idade, começou a estudar saxofone soprano e, aos dezesseis, inseriu o saxofone

tenor em suas rotinas de estudo. O interesse pelo jazz veio na adolescência, influenciado pelo

Bebop, em especial pela música de Charlie Parker (1920-1955), em menor proporção, por

músicos como Jackie McLean (1931-2006), Cannonball Adderly (1928-1975) e Sonny Stitt

(1924-1982).

85 Imagem de Don Alias. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015. 86 Biografia sobre Steve Grossman. Disponível em www.stonealliance.com. Acesso em: 02/02/2015.

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Imagem 19: Steve Grossman87.

Seu primeiro trabalho profissional foi aos dezesseis anos, tocando ao lado de Wilbur

Ware (1923-1979), Elvin Jones (1927-2004) e Billy Green (s/d). Ao longo de sua carreira,

Grossman trabalhou com muitos músicos, dentre eles Woody Shaw (1944-1989), Kenny

Dorham (1924-1972), Charles Tolliver (1942), Kenny Barron (1943), Gary Bartz (1940), Philly

Jo Jones (1923-1985), Miles Davis (1926-1991), Jimmy Garrison (1934-1976), David Williams

(1971), Hank Jones (1918-2010), Tommy Flanagan (1930-2001), Frank Foster (1928-2011),

Joe Farrell (1937-1986), Junior de Cook (1934-1992) e Dave Liebman (1946). No final da

década de 1970, Steve Grossman começou a arregimentar seus próprios grupos, participando

de diversos festivais pelo mundo.

2.3.2 Músicos convidados

Além de Márcio Montarroyos, outros músicos brasileiros participaram da

gravação do disco Stone Alliance. Dentre eles, Hermeto Pascoal e os percussionistas Erasto de

Holanda Vasconcelos, Dom Bira e David Sion.

Uma particularidade do Lp Stone Alliance foi a quantidade de percussão utilizada

durante a gravação do disco. Márcio Montarroyos justifica a existência de tantos percussionistas

ao fato da sessão rítmica ter assumido um papel importante nas músicas desse disco, como

afirmou o trompetista: “Sabe como é, o melhor mesmo é quando entram os músicos brasileiros!

87 Imagem de Steve Grossman. Disponível em:

http://www.nytimes.com/2009/11/23/arts/music/23gross.html?_r=0. Acesso em 06/06/2015.

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O ritmo tem um papel importante nesse disco, por isso chamei tantos percussionistas para

participarem” (MONTARROYOS, 1971 apud BAHIANA, 1977).

Apesar da importância atribuída por Márcio Montarroyos à quantidade de

percussionistas existente no disco Stone Alliance, não foi possível encontrar informações sobre

os percussionistas Dom Bira e David Sion.

2.3.2.1 Erasto Vasconcelos88

Erasto de Holanda Vasconcelos é natural de Sítio Novo, Olinda - PE. Iniciou seus

estudos musicais com seu pai (s/i). Não exerceu a carreira de imediato, trabalhou como

vendedor em uma relojoaria em Olinda. Com uma carta de recomendação de seu chefe,

transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro no início da década de 1960. Trabalhou no Teatro

Opinião89 ao lado de João do Vale (1934-1996), Nara Leão (1942-1989), Zé Keti (1921-1999),

dentre outros. Erasto trabalhou com importantes nomes da música popular brasileira e

internacional, como Ney Matogrosso, Gilberto Gil (1942), Caetano Veloso (1942), Stan Getz

(1927-1991), dentre outros.

No início da década de 1970, Vasconcelos mudou-se para os EUA ingressou em um

curso de Sociologia da Música, onde teve contato com as disciplinas de história da arte, história

da dança, história do cinema e história da música. Neste período, ainda nos EUA, Erasto

Vasconcelos montou uma escola de música, ensinando ritmos brasileiros e instrumentos de

percussão. Indicado por um professor da Columbia University, Vasconcelos foi convidado a

ministrar aulas de ritmos brasileiros para uma classe de aproximadamente vinte estudantes

naquela universidade.

88 Biografia sobre Erasto de Holanda Vasconcelos. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=qQNe0GViI2U. Acesso em 17/05/2015. 89 Teatro de protesto e resistência, núcleo de difusão e estudos da dramaturgia nacional e popular. Disponível em:

http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo399366/grupo-opiniao. Acesso em 17/05/2015.

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Imagem 20: Erasto Holanda Vasconcelos90.

Após dez anos morando na cidade de Nova Iorque - EUA, por conta de problemas

de saúde, retornou ao Brasil, onde vive até os dias de hoje, trabalhando como músico e

compositor. No disco Stone Alliance (1977), Vasconcelos atuou como percussionista nas faixas

“Rua da boa hora”, “Risa” e em “The greeting”.

2.3.2.2 Hermeto Pascoal91

Hermeto Pascoal nasceu no povoado de Olho D’água, perto do distrito de Lagoa da

Canoa, no Estado de Alagoas. Autodidata, iniciou seus estudos musicais aos sete anos, tocando

flautas feitas do caule da mamona e abóbora; aos oito anos iniciou-se na sanfona de oito baixos

e, posteriormente, na de trinta e dois baixos. Saiu de casa aos quatorze anos e transferiu-se para

o Recife - PE, onde trabalhou como percussionista na banda de Jackson do Pandeiro (1919-

1982), quando Jackson iniciava suas incursões como cantor. Em 1958 transferiu-se para o Rio

de Janeiro, acompanhando seu irmão José Neto, que já estava na Rádio Tupi. Em 1961 mudou-

se para São Paulo, onde integrou os grupos Som Quatro, Sambrasa Trio e Quarteto Novo.

90 Imagem de Erasto Holanda Vasconcelos. Acessado em 03/12/2015. Disponível em:

http://vejario.abril.com.br/blog/solta-o-som/solta-o-som/erasto-irmao-de-nana. 91 Biografia extraída de SILVA (2009).

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Imagem 21: Hermeto Pascoal92.

Em 1970, convidado por Airto Moreira e Flora Purim, Hermeto Pascoal viajou para

os EUA, no intuito de escrever arranjos e composições para dois discos da dupla: Natural

Feelings e Seeds on the ground. Nesta oportunidade, surgiram diversos convites, e Hermeto

Pascoal iniciou sua discografia solo. Como compositor, arranjador e instrumentista, gravou

dezesseis discos autorais: “Hermeto Pascoal: Brazilian Adventure” (Coblestone/1971),

“Hermeto” (Buddah/1972), “A Música Livre de Hermeto Pascoal” (CBS/1973), “Hermeto

Pascoal” (RCA/1975), “Slaves Mass” (CBS/1977), “Zabumbê-bum-á” (WEA/1978), “Hermeto

Pascoal ao vivo em Montreaux” (WEA/1979), “Cérebro Magnético” (WEA/1980), “Hermeto

Pascoal & Grupo” (Som da Gente/1982), “Lagoa da Canoa Município de Arapiraca” (Som da

Gente/1984), “Brasil Universo” (Som da Gente/1986), “Só não toca quem não quer” (Som

Livre/1987), “Por Diferentes Caminhos” (Som da Gente/1989), “Festa dos Deuses”

(Polygram/1992), “Eu e Eles” (Rádio MEC/1999), “Mundo Verde Esperança” (Rádio

MEC/2003) e “Chimarrão com Rapadura” (Independente/2006).

Atualmente, Hermeto Pascoal se divide entre apresentações com seu grupo e shows

e projetos com Big Bands e orquestras por todo o mundo.

92 Imagem de Hermeto Pascoal. Acesso em 03/12/2015. Disponível em:

http://www.uiadiario.com.br/evento/hermeto-pascoal-e-grupo/.

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2.4 O disco Stone Alliance

Durante a turnê do trio Stone Alliance realizada no Brasil, em 1977, surgiu a

possibilidade da gravação de um Lp entre os músicos americanos e o trompetista brasileiro

Márcio Montarroyos, um acordo entre a gravadora brasileira “Som Livre” e o selo norte

americano “PM Records” (BAHIANA, 1977). Contratado como artista solo da gravadora “Som

Livre” desde 1974, a condição para a realização do Lp foi a de ceder o trompetista gratuitamente

para a “PM Records”, tendo como contrapartida o lançamento do disco pela gravadora

americana nos EUA.

O disco é composto de oito faixas, sendo sete músicas autorais e um arranjo da

música “A Child is Born” (Thad Jones). As músicas “On the foot peg” e “Rua da boa hora” são

composições de Montarroyos; “Risa” e “The Greeting”, composição de Don Alias; “Hey bicho,

vamos nessa” e “Libra rising”, de Steve Grossman; “Menina Ilza”, composição de Hermeto

Pascoal. Além das composições, os músicos se revezaram nas instrumentações. Montarroyos

gravou os trompetes, flugelhorn, mellophone, piano, moog sintetizador, voz e percussão; Steve

Grossman gravou saxofone tenor, saxofone soprano e piano; Gene Perla gravou contrabaixo

elétrico, piano elétrico e Arp string; Don Alias gravou bateria, congas, cabaça, cow bell, guitarra

e voz; Hermeto Pascoal gravou piano e flauta transversal; Dom Bira gravou conga e cow bell;

Erasto de Holanda Vasconcelos e David Sion gravaram percussão93.

Figura 8: Lp “Stone Alliance” – capa e contracapa.

93 MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp.

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O processo de gravação do Lp se deu em três etapas. Inicialmente, na cidade do Rio

de Janeiro - RJ no estúdio Level, em janeiro de 1977, depois em São Paulo, no estúdio Vice-

Versa, em março de 1977 e, por fim, foi concluído em Nova Iorque por Gene Perla em agosto

do mesmo ano no Red Gate Studio e Bearsvile94, com o processo de mixagem durando

aproximadamente um mês, como afirma Christina95:

O disco terminou de ser mixado lá na fazenda do Gene Perla e do Jan Hammer, que

tinha um estúdio fabuloso no meio do mato. Era um lugar chamado Peterson, uma

cidadezinha ao norte de Manhattan. Ficamos lá, acho que um mês inteiro na casa deles

mixando esse disco e ficou realmente um trabalho muito interessante.

A gravação do disco Stone Alliance marcou um novo momento na carreira de

Márcio Montarroyos. Segundo Gandelman (2014), o início da década de 1970 foi o período em

que Montarroyos iniciou sua fase de experimentações musicais, e o Lp Stone Alliance marca o

período mais intenso dessas experimentações, como afirma o saxofonista96:

O Marcio teve uma fase de sucesso intenso com os discos Carinhoso e o Sessão

Nostalgia. Ambos foram produzidos pela TV Globo e foram a entrada dele no

mercado de trabalho. Esse foi o disco de sucesso dele! Quando ele estourou com

“Carinhoso” na abertura da novela o nome dele se popularizou. Mas a questão não é

nem a Globo, mas o momento comercial do Márcio, digamos assim. Agora tiveram

outros momentos. Teve o momento que ele pegou pesado com o lance de música

eletrônica. Nesse festival de 1978 que você citou, ali, inclusive teve algum momento

que o Márcio foi vaiado, eu me lembro que teve essa história. Pois é, eu não sei

exatamente, é arriscado falar porque eu não me lembro direito, mas teve alguma coisa

dessas dele aparecer com o trompete ligado em pedaleira de efeito e não ser muito

bem recebido pela plateia. Uma coisa assim do cara ser ousado dentro da época dele,

né? Mas vamos dizer que o Márcio foi questionado justamente por ser um pioneiro

nessa onda de utilização dos pedais eletrônicos.

Gil (2015) relata ter assistido ao respectivo show de Montarroyos pela televisão e,

que em um dado momento as transmissões do áudio do palco foram interrompidas, suscitando

vaias, como afirma o trompetista:

94 MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp. 95 MENEZES, C. Entrevista concedida ao autor em 12/11/2014. 96 Ibidem.

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Eu soube dessa história, eu não estava presente. Mas eu me lembro de ter assistido

isso na televisão. Quem transmitia esses shows era a TV Cultura. Eu me recordo de

estar assistindo ao show e o som do palco parar de repente. Anos depois, eu fui gravar

um trabalho em Miami, quem produziu esse trabalho lá foi um cara chamado César

Castanho. Fiquei bastante amigo dele e certo dia, ainda nos Estados Unidos, nós

estávamos conversando sobre esse festival e ele me disse que tinha feito a produção

desse evento e me contou que foi ele quem puxou a tomada do Márcio naquele dia.

Justamente porque tanto o Hermeto quanto o Márcio não obedeceram ao tempo de

show estipulado pela produção do festival.

Gil (2015) também destaca que a década de 1970 foi marcada pela ditadura, pela

repressão e pela censura. Os festivais de música eram sinônimos de liberdade, as pessoas se

sentiam no Woodstock, onde se consumiam bebidas e drogas e, evidentemente, a vaia era uma

situação comum nesses ambientes, relata o trompetista97.

Segundo Claudio Roditi, o Lp Stone Alliance teve uma representatividade

importante para música popular instrumental brasileira da época, como afirmou o trompetista98:

Quando Márcio me convidou para escrever a contracapa de seu novo disco fiquei

muito contente por várias razões. Em primeiro lugar, nós somos amigos há muitos

anos e eu o considero um dos trompetistas mais importantes no atual cenário musical

brasileiro. Depois, esse disco é uma colaboração muito importante entre músicos

brasileiros e americanos. Eles trabalharam para conseguir o que eu considero um dos

discos de cross-over music mais importantes produzidos atualmente.

O Lp Stone Alliance também representou um momento ímpar para a história do

trompete na música popular brasileira, notadamente o processo de eletrificação do instrumento

por meio de pedais e processadores de efeitos sonoros de montagem em rack, que possibilitaram

diferentes tipos de alterações tímbricas em tempo real, informações abordadas no subitem a

seguir.

97 Ibidem. 98 MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre, 1977. Lp.

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2.4.1 Processadores sonoros: a utilização de equipamentos eletrônicos acoplados ao

trompete

Os processadores de efeitos sonoros têm a propriedade de realizar mudanças

tímbricas no som original dos instrumentos musicais e são utilizados tanto em performances ao

vivo quanto em estúdios de gravações. Com o desenvolvimento contínuo da tecnologia, novos

parâmetros de controle e processamento sonoros se desenvolveram, gerando uma diversidade

de efeitos e timbres na atualidade. Historicamente, na década de 1970, os processadores eram

divididos em duas principais vertentes: os pedais e os aparelhos de montagem em rack. Os

efeitos produzidos por esses equipamentos eram agrupados quanto ao tipo de alteração

provocada no sinal original, a saber: efeitos dinâmicos, de reverberação e de modulação.

Evidentemente, em função do escopo dessa pesquisa, deu-se atenção aos efeitos utilizados por

Montarroyos no disco Stone Alliance.

Ao que se pôde investigar, um dos primeiros trompetistas a realizar essas

experiências com processadores de efeitos sonoros acoplados ao seu instrumento foi Miles

Davis. Durante as sessões de gravação do disco Bitches Brew (1969), o som de seu trompete

foi captado por um microfone conectado a uma caixa Echoplex e a um pedal de wah-wah ligado

a um captador acoplado ao seu bocal99, como exemplificado nas imagens a seguir:

Imagem 22: Caixa Echoplex100.

99 DAVIS, M. Bitches Brew. Nova Iorque: Columbia Records, 1969. CD. 100 Caixa Echoplex: Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Echoplex. Acesso em 24/05/2015.

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Imagem 23: Pedal de Wah-wah utilizado por Miles Davis101.

O tipo de captação utilizado por Miles Davis em suas performances ao vivo durante

a década de 1970 se dava através de um furo adaptado na “garganta” do bocal, denominado

como sistema Barcus Berry.

Imagem 24: Sistema Barcus Berry de captação.

O sistema funcionava como um microfone de contato que capitava as “impurezas”

do som no instrumento. Segundo Gil (2015), o respectivo sistema não era fabricado para

utilização ao trompete, mas era adaptado pelos instrumentistas.

101 Imagem de Miles Davis utilizando um pedal de Wah-wah. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=vdGUKhI5I1k. Acesso em: 05/10/2015.

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Imagem 25: Bocal com furo adaptado para captador.

Posteriormente, a partir de 1972, Davis aderiu ao uso do sistema de captação Barcus

Berry também em estúdio, como nas gravações dos discos On The Corner (1972) e Get Up With

It (1974)102.

No início da década de 1970, o trompetista Randy Brecker (1945) também adotou

o uso de processadores de efeitos em seu instrumento durante suas performances ao vivo e em

sessões de gravação. Segundo o trompetista, os equipamentos utilizados por ele ao longo de sua

carreira foram: pitch shift, auto wah, volume pedal, delay, equalizer e dpa mic103. Na entrevista

concedida a este autor, Brecker não entrou em detalhes sobre as datas de uso desses

equipamentos e nem o que o motivou a se enveredar pela eletrificação do trompete.

Além dos respectivos equipamentos relacionados por Randy Brecker, em diversos

shows disponibilizados em vídeos na internet, é possível observar o uso do sistema Barcus

Berry ou captação semelhante adotado pelo trompetista, como na imagem a seguir:

Imagem 26: Sistema Barcus Berry104.

102 Ibidem. 103 BRECKER, R. Em entrevista ao autor via e-mail em: 09/09/2015. 104 Utilização do sistema Barcus Berry em performance ao vivo. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=r2pGTqbEYqU. Acesso em 09/10/2015.

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Atualmente, por conta dos avanços tecnológicos, do surgimento e desenvolvimento

dos diversos tipos de pedais de efeitos, o sistema Barcus Berry deixou de ser utilizado pelos

trompetistas, abrindo espaço para a captação por microfones de lapela ou de pedestal ligados

em dois canais: um para captar o timbre natural do instrumento e outro para processar o som

com os efeitos que o músico achar adequado.

Imagem 27: Microfone de lapela para trompete.

As imagens a seguir correspondem aos equipamentos utilizados atualmente pelo

trompetista Walmir Gil (GIL, 2015) em suas performances ao vivo, sendo eles o Vocal

Performer - modelo VE 20 da marca BOSS, um Space Echo - modelo RE 20 da marca BOSS

em um pedal de Wah-Wah da marca Cry Baby.

Imagem 28: Vocal Performer. Imagem 29: Space Echo.

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Imagem 30: Pedal de Wah-Wah.

Através das entrevistas realizadas durante esta pesquisa, verificou-se que alguns

trompetistas brasileiros chegaram a utilizar o sistema Barcus Berry e pedais de efeitos sonoros

em suas performances ao vivo, como Maurílio Santos, Walmir Gil e Chico Oliveira.

2.4.2 Eletrificação do trompete no disco Stone Alliance por Márcio Montarroyos

Ao que se pôde levantar, Márcio Montarroyos foi um dos primeiros trompetistas

brasileiros a utilizar esses equipamentos no Brasil, tanto em performances ao vivo quanto em

estúdios de gravação, como afirma Gandelman (2014)105:

Miles Davis foi o primeiro trompetista a eletrificar publicamente, notoriamente o

trompete, e o Márcio, que era fã dele e de tecnologia, virou pesquisador dessa questão

do trompete com pedais de efeitos. O Márcio dedicou boa parte de seu trabalho a essa

pesquisa. Isso foi logo no início da década de setenta. No Brasil, ele foi um dos

pioneiros nessa questão de eletrificar o trompete, mas isso aí, com toda certeza ele foi

na cola de seu ídolo, Miles Davis. Ele era fã do Miles, e assim que surgiu a hipótese

ele abraçou e se destacou dos jazzistas, digamos assim, tradicionais. Dentre os

equipamentos que ele teve, posso dizer que foram o harmonizer, space echo, delay e

reverb. Basicamente, ele adorava echos, reberbs e harmonizers. Era o que ele gostava

e essa era a praia dele.

Além dos diferentes tipos de processadores e pedais de efeitos adotados,

Montarroyos também trabalhou com diferentes tipos de microfones e com o sistema Barcus

Berry, como afirma o trompetista Chico Oliveira106:

Eu cheguei ao Rio em 1989, bem depois desse período que você está estudando. Ele

já estava bem adiantado, já havia usado muita coisa. Ele tinha um rack, que era o

105 Ibidem. 106 OLIVEIRA, F. Em entrevista concedida para o autor em 14/09/2015.

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equipamento que se usava na época. Ele já estava usando um microfone da Shure de

pedestal, mas não me recordo da numeração. Depois ele passou a usar um Electro

Voice e também DHP 55 da Digitec. Mas antes disso, ele havia usado o Barcus Berry

e um microfone de campana.

Imagem 31: Microfone da marca Shure (sem identificação de modelo) utilizado por Márcio Montarroyos e Chico

Oliveira.

Imagem 32: Sistema Barcus Berry107.

Vale ressaltar que não foram encontrados registros sobre os equipamentos utilizados

por Márcio Montarroyos durante o processo de gravação do disco Stone Alliance. De acordo

com o contrabaixista Gene Perla, o grupo Stone Alliance não registou os equipamentos

específicos utilizados durante as seções de gravação. Contudo, Perla declara que é possível

fazer uma inferência auditiva108:

Eu não tenho nenhuma documentação sobre o que o Márcio usou para as gravações,

mas meu ouvido me diz que ele tinha pelo menos um divisor de oitavas, um wah-wah

e algum tipo de dispositivo de delay ou looping. Além disso, eu não tenho nenhuma

lembrança do que poderíamos ter processado as faixas no estúdio, mas com certeza

ele tinha esses três equipamentos mencionados.

107 Márcio Montarroyos em performance ao vivo no São Paulo International Jazz Festival 1978. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=hgxNQbE8b20. Acesso em 09/10/2015. 108 PERLA, G. Em entrevista concedida via e-mail ao autor em 06 de fevereiro de 2015.

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Com relação aos três efeitos apontados por Gene Perla, apenas dois deles foram

percebidos no respectivo disco, sendo eles o efeito de delay e o wah-wah.

Segundo Sérgio Dias (1951)109, que participou como guitarrista no show de

lançamento do Lp Stone Alliance em 1978 no Rio de Janeiro, naquele período Montarroyos

utilizava um Digital Delay da marca MXR e um pedal de wah-wah da marca Cry Baby110:

Imagem 33: Delay digital MXR111.

Imagem 34: Pedal de Wah-wah Cry Baby112.

O efeito de delay tem como função criar uma ou mais repetições do som original

captado, produzindo um atraso semelhante ao eco. O som processado, ou seja, a saída do delay,

é enviado novamente para a entrada do dispositivo com um certo atraso, como demonstrado a

seguir:

109 Sérgio Dias é guitarrista, compositor e cantor. O músico conhecido nacionalmente por seu trabalho junto ao

grupo “Os Mutantes”. 110 DIAS, S. Em entrevista concedida ao autor via e-mail em 09/10/2015. 111 Digital Delay. Disponível em: http://www.ebay.com/itm/MXR-113-M-113-Digital-Delay-System-Vintage-

Rack-for-Repair-/170722038727. Acesso em: 09/10/2015. 112 Pedal de wah-wah. Disponível em: http://www.bestguitareffects.com/dunlop-original-cry-baby-wah-

pedal-review-best-wah/. Acesso em: 09/10/2015.

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Figura 9: Diagrama de funcionamento do delay.

Normalmente, os parâmetros de ajustes em um dispositivo de delay resumem-se ao

time - que ajusta o tempo de retardo entre o som original e as repetições, variando normalmente

de 10 milissegundos a 2 segundos; o feedback - que ajusta o número de repetições; e o level -

que ajusta o volume das notas repetidas113. O wah-wah, por sua vez, é um filtro de frequências

que ao ser acionado realiza um corte entre 500hz e 2khz114, produzindo um som característico

semelhante à junção das vogais “ua”. Este efeito, na maioria das vezes, é acionado por pedais,

que dispõem de potenciômetros reguláveis para produzir o respectivo efeito115.

Além da investigação sobre os referidos processadores sonoros e seus parâmetros

de funcionamento, foram averiguadas suas possíveis influências nos solos de Márcio

Montarroyos e relacionados alguns pontos que caracterizaram a manipulação do trompetista

com o uso desses dispositivos em seus solos improvisados, assunto que será discutido no

Capítulo 3.

113 Funcionamento do dispositivo de delay. Disponível em: http://maquinasdemusica.com/sem-

categoria/08/como-usar-o-efeito-delay/. Acesso em: 26/03/2016. 114 O efeito de wah-wah. Disponível em: http://www.marcelonaudi.com.br/guitar/licks-mainmenu-145/269-

dicas/833-filtros-wah-wah-auto-wah-talkbox. Acesso em: 28/03/2016. 115 Sobre o wah-wah. Disponível em: http://maquinasdemusica.com/pedals/02/wah-wah-pedal-history/.

Acesso em: 26/03/2016.

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Capítulo

3 A performance, os recursos técnicos e interpretativos e a construção dos solos

improvisados de Márcio Montarroyos no disco Stone Alliance

3.1 Sobre a performance

O estudo sobre a performance de Márcio Montarroyos no Lp Stone Alliance

dividiu-se em dois segmentos. No primeiro momento, investigou-se as influências e a

manipulação dos efeitos de delay e wah-wah por parte do trompetista em seus solos

improvisados apoiando-se no trabalho de Martins (2013). Para as observações sobre os

elementos técnicos e interpretativos, adotando-se como referência os trabalhos de Baptista

(2010), Berliner (1994), Hickman (2006) e Lopes (2012).

No segundo momento, foram análisados os elementos harmônicos e melódicos

tendo como referênciais teóricos as publicações de Alves (1997), Bergonzi (1994), Boothroyd

(2011), Cocker (1991), Kerfeld (1994), Lawn e Hellmer (1996), Levine (1995), Liebman

(2001), Ligon (2001), Miller (1996), Sabatella (2000) e Silva (2009).

3.1.1 Delay e wah-wah: influência direta ou indireta durante a performance

Segundo Martins (2013), qualquer comunicação entre músicos e seus dispositivos

(pedais de efeitos individuais como delays, pitch-shifters, pedalboards, unidades de loop em

tempo real, entre outros) passa a ter valor interativo. Para este autor, ao acionar uma unidade de

delay, o instrumentista passa a executar seus solos de forma a agregar o sinal compartilhado

pelo efeito de eco ou, quando utilizando um pedal de wah-wah, o solista pode executar

estruturas rítmicas visando a incorporação e a valorização do respectivo efeito.

Moraes (2014) relata que Márcio Montarroyos conduzia seus solos e suas

interpretações de forma a melhor usufruir de seus equipamentos:

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Eu não tenho a menor dúvida a respeito da interação do Márcio com os equipamentos

que ele usava. Isso influenciou tanto na sonoridade quanto em seu fraseado

improvisando ou tocando uma melodia. Digo isso baseado na minha experiência

pessoal. Porque interagimos o tempo todo com o nosso instrumento.

O diferencial de Montarroyos em relação aos demais trompetistas brasileiros

adeptos dos equipamentos eletrônicos estava na maneira como isso era manuseado e agregado

à sua musicalidade, como afirma Gandelman (2014):

O Márcio soube tirar partido desses equipamentos. É claro que ele simplesmente não

tocava usando esses efeitos. Você vê nitidamente em diversos solos dele que existem

frases construídas em função do efeito que ele adotou naquele momento, entendeu?

Ele não colocava o delay no trompete, ele usava o delay para tocar trompete. Essa era

a diferença.

De acordo com uma declaração do próprio Montarroyos, para que haja um melhor

aproveitamento por parte do solista em relação aos referidos dispositivos sonoros em uma

situação de gravação, é necessário que o músico execute seu solo tendo como retorno o som já

processado com os efeitos:

Se você quer que eu use efeito de delay, a gente tem que gravar já com ele. Assim eu

posso já tocar na onda dele. E esse negócio de delay quando eu uso, eu não dou bola

pra sincar116 o BPM não. Eu até prefiro as quiálteras fora do tempo 117.

Diante das informações atribuídas por Léo Gandelman, Chiquinho de Moraes e pelo

próprio Márcio Montarroyos, buscou-se identificar elementos que evidenciem a forma como o

trompetista manipulava os efeitos de delay e de wah-wah utilizados em seus solos no disco

Stone Alliance.

O uso do efeito de delay nos solos de Montarroyos foi observado nas seguintes

situações:

116 Relativo a sincronizar. 117 Utilização do efeito de delay por Márcio Montarroyos. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=G_AfDgRYjdQ. Acesso em 28/03/2016.

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No registro agudo do instrumento com alternância entre notas de maior e

menor duração de tempo;

Em figuras rítmicas que concentram grandes quantidades de nota por tempo;

Em “Hey bicho, vamos nessa”, uma forma de manipulação do efeito de delay foi o

de finalizar as frases com figuras rítmicas de curta duração, precedidas por figuras de duração

mais longa, visando o efeito de eco, como representados na figura a seguir:

Figura 10: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 58 ao 61.

Em ambas as demonstrações (Figuras 10 e 11), o colchete na cor vermelha destaca a figura

rítmica enfatizada pelas repetições do efeito de delay durante o solo.

Figura 11: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 56.

Outra particularidade de interação do uso do delay é encontrada na execução de um

ostinato rítmico que explora diferentes dinâmicas. O ostinato em questão se trata da repetição

da nota dó 4, formando grupos de seis semicolcheias que configuram uma sextina. Esses grupos

de sextinas foram executadas com uma ligadura de frase. O resultado foi alcançado por meio

de um recurso técnico do trompete denominado digitação auxiliar, termos esses que serão

abordados no subitem 3.2.2 desta dissertação.

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Figura 12: O uso de efeito de delay. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 68 ao 70.

Em três dos quatros solos analisados, observou-se também o uso do efeito de wah-

wah. Tal recurso se mostrou evidente nos compassos 17 e 18 no solo de “Hey bicho, vamos

nessa”, como demonstrado na figura 13:

Figura 13: O uso do pedal de wah-wah. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 17e 18.

3.1.2 Recursos técnico-interpretativos: articulações e inflexões no disco Stone Alliance

Segundo Lopes (2012), para se entender a importância da articulação, é necessário

atribuir uma definição ao termo. No âmbito da linguagem verbal, articular refere-se ao

pronunciamento das palavras, que têm começo, meio e fim. As palavras se relacionam entre si,

formando orações, separadas por vírgulas e por pontos, os quais inserem o silêncio entre essas

orações.

Referente às análises que contemplaram as articulações e as inflexões118 recorrentes

nos solos improvisados de Márcio Montarroyos, também foi utilizado como referencial teórico

a catalogação proposta por Berliner (1994). Dentre os materiais encontrados nos solos de

Montarroyos e que se enquadram nesse referencial, destacamos o Staccato, o Heavy Accent, o

118 De acordo com o Dicionário Grove da Música, inflexão em música é definida como desvio de altura. Os desvios

de alturas são utilizados com fins expressivos, como forma de ornamentação.

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Tenuto, o Scoop, o Bend, o Gliss/rip, o Short fall, o Pitch closed sound e o Ghost note119, como

demosntrado na figura 14:

Figura 14: Tipos de articulações e inflexões recorrentes nos solos improvisados de Márcio Montarroyos.

Staccato é a execução de sons curtos e separados, indicado com um ponto grafado

abaixo ou acima da cabeça das notas.

Figura 15: Exemplo de Staccato. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 39.

Heavy Accent é a execução de notas articuladas com maior intensidade no início e

um decrescendo no final, mas ainda assim, sustentadas com o valor integral. Sua representação

gráfica se dá por meio de um acento grafado abaixo ou acima da nota.

Figura 16: Exemplo de Heavy accent. Música Hey bicho, vamos nessa

(Steve Grossman) - “Stone Alliance”, 1977. Compasso 37.

Tenuto é a execução de notas articuladas com suavidade e sustentadas com o valor

integral. Sua representação gráfica se dá por um pequeno traço grafado abaixo ou acima da

cabeça de cada nota.

119 Por ser de uso comum entre os músicos, os nomes de cada articulação e inflexão não serão traduzidos, visto

que seus respectivos significados são apresentados de forma subsequente no texto.

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Figura 17: Exemplo de Tenuto. Música Hey bicho, vamos nessa

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 47.

O Scoop é a execução de notas que são iniciadas com a afinação mais baixa em

relação ao seu centro, porém, terminada em sua afinação central. O sinal correspondente ao

scoop é similar ao de uma vírgula, localizado antes e um pouco abaixo da nota.

Figura 18: Exemplo de Scoop. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 10.

Bend é a alteração de afinação de uma nota tanto para cima quanto para baixo de

sua posição central, retornando novamente ao seu centro. O bend é indicado por um sinal similar

a um pequeno arco acima da nota.

Figura 19: Exemplo de Bend. Música Libra Rising

(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 43.

Glissando ou Rip é a execução de um “deslizamento” entre duas notas. Geralmente

é realizado por uma leve pressão sobre as válvulas, e por um sopro de intensidade um pouco

maior. Pode ocorrer de forma ascendente, descendente ou conectando duas notas. Sua

representação gráfica se dá por uma linha ondulada, partindo ou chegando no início da nota.

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Figura 20: Exemplo de Glissando ou rip. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 64.

Short fall é a execução de um glissando descendente com um diminuendo após a

nota. É representado graficamente com uma linha curva logo após a nota e sua duração pode

ser curta ou longa.

Figura 21: O uso do Short fall. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 2.

Pitch closed sound: é a execução de notas com digitações auxiliares. É representa

por um símbolo similar à letra “x”, substituindo a cabeça da nota. Normalmente a digitação é

indicada por extenso na partitura.

Figura 22: Exemplo de Pitch closed sound. Música Libra Rising

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 1.

Ghost note são notas com alturas indefinidas. Sua representação se dá por um

símbolo similar à letra “x” e ao simbolo correspondente ao pitch closed sound, substituindo-se

a cabeça da nota pelo referido sinal “x”120.

Figura 23: Exemplo de Ghost note. Música Libra Rising

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 12.

120 Os referidos sinais gráficos aqui utilizados correspondem aos disponíveis no software Sibelius 7.

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As ligaduras em frases de maior duração de tempo também é uma característica

recorrente nos solos improvisados de Montarroyos. A figura 24 demonstra o emprego da

referida ligadura.

Figura 24: Exemplo de ligaduras em frases mais longas. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compassos 13 e 14.

3.2 Os solos improvisados de Montarroyos no disco Stone Alliance: uma breve

contextualização acerca do termo improvisação

Em função da variedade de significados relacionados ao termo improvisação, se fez

necessário uma delimitação do assunto. Para esta pesquisa, a improvisação foi compreendida

como um estudo acerca das atividades ligadas à construção rítmico-melódica sobre uma

progressão harmônica ou sequência de acordes pré-estabelecida, onde sua construção deve

acontecer em tempo real (KENNY e GELLRICH, 2002). Um solo bem construído não é

totalmente improvisado, mas constituído de motivos herdados da tradição musical que são

entrelaçados com conexões (frases) de fato improvisadas, variando a cada performance (LAWN

e HELLMER, 1996).

O verbete improvisação no The New Grove Dictionary of Jazz foi dividido em duas

categorias distintas, a saber, “improvisação estereotipada” e “improvisação motívica”. Segundo

o dicionário, “improvisação estereotipada é a construção de um novo material a partir de um

conjunto diversificado de ideias fragmentadas (quer seja em resposta a um tema ou

independentemente deste)”. Já a improvisação motívica é a construção de um novo material

através do desenvolvimento de uma única ideia fragmentada (quer seja em resposta a um tema

ou independentemente deste)” (KERNFELD, 2002). Diante das informações relacionadas,

acreditou-se que a categoria à qual melhor se enquadra os solos de Montarroyos foi a

improvisação estereotipada.

Para melhor compreensão dos elementos musicais recorrentes nos solos

improvisados de Márcio Montarroyos, os próximos subitens tratarão de analisar as estruturas

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harmônicas e as relações escala e acordes adotadas por Montarroyos durante os seus

improvisos.

3.2.1 Ferramentas analíticas

A ferramenta analítica adotada para realização deste trabalho foi a de observar o

discurso musical recorrente nos solos improvisados do trompetista Márcio Montarroyos por

meio da transcrição121 e análise dos referidos solos. Os áudios foram a fonte primária para a

realização das análises musicais, e a transcrição o passo posterior à escuta atenta desse material

fonográfico.

A transcrição é uma ferramenta de grande utilidade para se aprender a improvisar.

Entretanto, algumas questões devem ser colocadas, por exemplo: Por que transcrever? O que

transcrever? Quanto? Como? O que é feito após a transcrição? Com essas questões em mente,

o estudo de improvisação pode ser dividido em três etapas122:

1. A apreciação fonográfica;

2. A transcrição;

3. A análise de solos improvisados.

Frente ao reduzido número de métodos de análises destinados à música brasileira e

devido ao contexto musical em que o disco Stone Alliance se encontra, adotaram-se referenciais

de abordagens jazzísticas, e em alguns casos recorreu-se aos métodos de música erudita. Lawn,

Hellmer (1996), Levine (1995), Liebman (2001), Ligon (2001) e Sabatella (2000) são alguns

dos autores utilizados como referência.

Das oito faixas existentes no disso Stone Alliance, apenas quatro delas apresentam

solos improvisados de Márcio Montarroyos, sendo elas “Hey bicho, vamos nessa”, “On the

foot peg”, “Risa” e “Libra Rising”. A estratégia de observação adotada dividiu-se em duas

121 Como recursos de apoio para as transcrições dos solos com andamentos mais rápidos, foi utilizado o software

Transcribe, que possibilitou a redução do andamento musical sem que houvesse alterações nas alturas das notas.

Para as edições dos áudios, como por exemplo, o corte de trechos específicos e sua disposição nos anexos deste

trabalho, foi utilizado o software Audacity. 122 Sugestões atribuídas por Ligon (2001), que visam resultados qualitativos e não apenas quantitativos.

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etapas, tendo como primeiro passo a transcrição das harmonias de cada um desses solos e a

realização das respectivas análises. Posteriormente, realizou-se a transcrição e a análise do

material melódico, visando identificar os procedimentos de improvisação adotados.

3.2.1.1 Estrutura Harmônica

As estruturas harmônicas compreendidas nas quatro faixas analisadas para esta

dissertação são caracterizadas por um ritmo harmônico lento ou inexistente, proporcionado pela

longa duração dos seus respectivos acordes e por não possuírem relação funcional entre si.

Essas características são recorrentes no Modal Jazz norte americano. Para a definição do termo

“modal”, em função do escopo desta pesquisa, concentramo-nos em sua aplicação ao ambiente

de improvisação jazzística, tomando como referência as publicações de Boothroyd (2010),

Coelho (2008), Miller (1996) e Lawn e Hellmer (1996).

Resumidamente, o termo modal foi adotado no ambiente jazzístico, associado a

uma nova forma de expressão musical durante a década de 1950, tendo o trompetista Miles

Davis e o saxofonista John Coltrane como os seus principais representantes. Entretanto,

segundo Boothroyd (2010), foi a partir das ideias sobre tonalidade do pianista, compositor e

teórico de jazz estadunidense George Russel, apresentadas em seu trabalho intitulado Lydian

Chromatic Concept of Tonal Organization (1953), que deram suporte para o pensamento modal.

Coelho (2008) atribui as seguintes definições acerca do jazz modal:

Em contraste com os estilos do jazz que o precederam, o Modal Jazz caracterizou-se

pelo distanciamento da tonalidade e da funcionalidade da harmonia a partir da

redefinição do conteúdo melódico e harmônico. A harmonia no Modal Jazz é

composta geralmente de poucos acordes em que não se privilegia a relação funcional

entre eles, enquanto que a melodia tende a ser composta de notas que caracterizam os

modos.

De acordo com o pianista, compositor e educador Ron Miller, no livro Modal Jazz

Composition & Harmony (1996), o conteúdo harmônico no jazz moderno está organizado em

quatro principais grupos: tonal, modal, cromático e não modal. Dentre eles, destacamos o grupo

modal, no qual o autor atribui as seguintes características:

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a) Centro tonal não definido.

b) Relações cromáticas entre as fundamentais.

c) Movimento das fundamentais, ritmo harmônico e contorno modal

determinado arbitrariamente pelo compositor.

No livro Jazz: Theory and Practice de Lawn e Hellmer (1996), os autores apontam

quatro características distintas de estruturas modais, dividindo-as em:

a) Músicas baseadas em um único modo.

b) Músicas baseadas em um único modo com transposição do mesmo.

c) Músicas baseadas em diferentes modos.

d) Músicas baseadas em modos, mas com seções de harmonia funcional.

Tomando como base as referências supracitadas, a primeira estrutura harmônica

observada, na música “Hey bicho, vamos nessa”, compreende dois diferentes tipos de acordes,

sendo eles o de fá menor com sétima (Fm7) e o de sol bemol com sétima maior e décima

primeira aumentada (Gbmaj7#11). Os acordes foram organizados em um ciclo de doze

compassos, divididos em três períodos de quatro compassos para cada acorde. Os quatro

primeiros compassos em Fm7, os próximos quatro em Gbmaj7(#11) e os quatro últimos em

Fm7, novamente, como demonstrado no exemplo a seguir123:

Ebm7 Fm7

/ / / / / / / / / / / /

Emaj7(#11)

Gbmaj7(#11) / / / / / / / / / / / /

Ebm7

Fm7 / / / / / / / / / / / /

123 As cifras em cor vermelha foram transpostas para instrumentos em C.

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Em “On the foot peg”, de acordo com as informações contidas na partitura extraída

do songbook do grupo Stone Alliance124 e através da escuta, a seção destinada ao improviso de

trompete se sucedeu sobre o acorde de ré com sétima (D7):

C7

D7 / / / /

O chorus de trompete foi realizado sem acompanhamento harmônico, apenas com

uma condução de bateria em rock beat e um ostinato de contrabaixo com dois compassos de

duração, como demonstrado na figura a seguir:

Figura 25: transcrição da linha de contrabaixo na música “On the foot peg”.

A estrutura harmônica da música “Libra Rising” foi configurada em três diferentes

tipos de acordes, sendo eles o fá sustenido maior com sétima maior, mi maior com sétima maior

e o ré sustenido maior com sétima maior. Os acordes foram organizados em um ciclo de nove

compassos, distribuídos como no modelo a seguir:

Emaj7

F#maj7 C#maj7

D#maj7 Emaj7

F#maj7 C#maj7

D#maj7

Emaj7

F#maj7 Dmaj7

Emaj7 / / / / Dmaj7 C#maj7

Emaj7 D#maj7

Dmaj7 C#maj7

Emaj7 D#maj7

A estrutura harmônica da música “Risa” apresenta quatro diferentes tipos de

acordes, sendo eles o mi bemol com sétima (Eb7), o fá menor com sétima (Fm7), o ré com

sétima (D7) e o sol menor com sétima (Gm7). Os acordes foram organizados em um ciclo de

124 Songbook do grupo Stone Alliance. Disponível em: http://www.pmrecords.com/StoneSongbook.shtml.

Acessado em: 05/02/2016.

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vinte e oito compassos, divididos em quatro compassos para cada acorde, como demonstrado

no exemplo a seguir:

C7(#11)

D7(#11) / / / / / / / / / / / /

Fm7

Gm7 / / / / / / / / / / / /

Db7

Eb7 / / / / / / / / / / / /

C7

D7 / / / / / / / / / / / /

Fm7

Gm7 / / / / / / / / / / / /

Db7

Eb7 / / / / / / / / / / / /

C7

D7 / / / / / / / / / / / /

As estruturas harmônicas aqui relacionadas apresentam como características um

ritmo harmônico lento, algumas apresentam relações cromáticas entre as fundamentais ou

foram baseadas em único modo, todos atributos destacados pelos autores Miller (1996) e Lawn

e Hellmer (1996), citados anteriormente.

3.2.1.2 Relação escala/acorde

O jazz modal abandonou o conceito de improvisação pautado nas progressões II-V

e mudanças harmônicas frequentes, que evidenciam o movimento harmônico, para concentrar-

se em favor de harmonias simples125, com longa duração de tempo, possibilitando ao solista

pensar em modos ao invés de acordes, favorecendo a execução completa de uma dada escala,

125 “Simples” talvez em quantidade de acordes, mas o fato de um acorde não “conversar” com o outro torna a

harmonia modal complexa em termos qualitativos, pois a ausência de tonalidade dá autonomia e independência a

cada acorde, podendo dificultar a construção de linhas melódicas dotadas de unidade.

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deixando de focar nas notas dos acordes que definem uma harmonia em particular

(BOOTHROYD, 2010).

A estratégia adotada neste estágio da análise visou uma abordagem de forma

horizontal, sugerido por Levine (1995). Segundo esse autor, entre as décadas de 1950 e 1960,

o conceito de improvisação no jazz começou a ser moldado por uma forma de pensamento

horizontal intermediado pelas relações escalas/acordes. Lawn e Hellmer (1996), define a

relação escala/acorde como improvisação escalar, estruturando-a da seguinte maneira:

a. Escalas diatônicas (maiores, menores e modos).

b. Escalas simétricas (diminutas, aumentada e tons inteiros).

c. Escalas híbridas/sintéticas (pentatônicas e blues).

De acordo com Miller (1996), as escalas ou modos são determinados pela divisão

assimétrica de uma oitava em sete alturas distintas. As escalas geradas a partir dessa divisão

estabelecem o que o autor denomina “harmonic pallet”, um compêndio de notas características

responsáveis por definir a qualidade do modo ou da escala.

O modo jônio, por exemplo, possui em sua estrutura os intervalos de segunda maior,

terça maior, quarta justa, quinta justa, sexta maior e sétima maior, todos em relação a sua

fundamental126.

Figura 26: modo jônio127.

Esse modo está relacionado aos acordes maiores que não possuem alterações no

quinto e nono grau (b5, #5 e #9), possuindo as seguintes configurações:

126 Em função do escopo deste trabalho, nos concentramos apenas em relacionar as escalas e modos adotados por

Montarroyos em seus respectivos solos. 127 Os exemplos referentes aos modos e escalas foram escritos em som real.

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Figura 27: Configurações de acordes onde pode se empregar o modo jônio128.

A aplicação do modo jônio por Montarroyos foi observada em duas situações

diferentes na música “Libra Rising”. No compasso 12, sobre o acorde de fá sustenido maior

com sétima maior (F#maj7) e no compasso 24, sobre o acorde de mi maior com sétima maior

(Emaj7), como demonstrado a seguir:

Figura 28: Aplicação do fá# jônio sobre o acorde de F#maj7. Música Libra Rising

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 12.

Figura 29: Aplicação do mi jônio sobre o acorde de Emaj7. Música Libra Rising

(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1997. Compasso 24.

O modo dórico possui em sua configuração os intervalos de segunda maior, terça

menor, quarta justa, quinta justa, sexta maior e sétima menor, todos em relação à fundamental

do modo.

Figura 30: modo dórico.

Esse modo está relacionado aos acordes menores que não possuem alterações no

quinto e nono grau (b5, o #5 e o #9), possuindo as seguintes configurações:

128 Os símbolos M7 e M7(9) referem-se a acordes maiores com sétima maior.

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Figura 31: Configurações de acordes onde pode se empregar o modo dórico.

A aplicação do modo dórico pode ser observada no compasso 15 sobre o acorde de

fá menor com sétima (Fm7), na “Hey bicho, vamos nessa!”, como no exemplo a seguir:

Figura 32: Aplicação do modo dórico por Márcio Montarroyos. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 15.

O modo lídio é estruturado sobre os intervalos de segunda maior, terça maior, quarta

aumentada, quinta justa, sexta maior e sétima maior, todos em relação à fundamental do modo,

Figura 33: modo lídio.

O modo lídio é relacionado a acordes maiores, sobretudo, quando possuírem a

décima primeira aumentada, apresentando as seguintes configurações:

Figura 34: Configurações de acordes onde pode se empregar o modo lídio.

A aplicação do modo lídio foi observada na música “Hey bicho, vamos nessa!”,

entre os compassos de 5 a 7, sobre o acorde de sol bemol maior com sétima maior e décima

primeira aumentada (Gbmaj7#11), e na música “Libra Rising” no compasso 24, sobre o acorde

de mi maior com sétima maior (Emaj7), como demonstrado a seguir:

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Figura 35: Aplicação do modo de sol bemol lídio. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 5 ao 7.

Figura 36: Aplicação do modo de mi lídio. Música Libra Rising

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 24.

O modo eólio é estruturado sobre os intervalos de segunda maior, terça menor,

quarta justa, quinta justa, sexta menor e sétima menor, todos em relação à fundamental do modo.

Figura 37: modo eólio.

Assim como o modo dórico e o modo frígio, o modo eólio pode ser tocado sobre

um acorde menor com sétima, mas geralmente é aplicado sobre acordes menores com sétima

menor e com a décima terceira menor:

Figura 38: Configurações de acordes onde pode se empregar o modo eólio.

A aplicação do modo eólio foi observada nos solos das músicas “Hey bicho, vamos

nessa”, no compasso 28, sobre o acorde de fá menor com sétima, e na música “On the foot

peg”, no compasso 10, sobre o acorde de ré com sétima:

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Figura 39: Aplicação do modo eólio. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 28.

O uso de escalas não-diatônicas foi explorado por Márcio Montarroyos em seus

solos, adotando especificamente as escalas pentatônicas maiores e menores, além da escala de

blues menor.

As escalas pentatônicas são agrupamentos de cinco notas que apresentam diversas

configurações (SABATELLA, 2000 apud BRANDIT, 2005). Além de seu estado fundamental,

a escala pentatônica pode ser executada em quatro inversões, iniciando em cada uma de suas

notas (ALVES,1997). Dentre as variadas configurações da referida escala, este trabalho

concentrou-se apenas nas escalas pentatônicas maiores e menores, ambas utilizadas por

Montarroyos em seus solos improvisados.

Derivada do modo jônio, a escala pentatônica maior possui em sua configuração os

intervalos de segunda maior, terça maior, quinta justa e sexta maior, todos em relação a

fundamental da escala, como demonstrado a seguir:

Figura 40: Escala pentatônica maior de dó.

Uma mesma escala pentatônica maior pode ser utilizada sobre diferentes tipos de

acordes. Por exemplo, a escala pentatônica maior de dó, apresentada na figura 40, pode ser

aplicada sobre os acordes Cmaj7, C7, D7sus, Dm7, Fmaj7, G7sus, Gm7 ou Am7

(SABATELLA, 2000 apud BRANDIT, 2005).

Em dois dos quatros solos analisados, Montarroyos fez uso da escala pentatônica

maior sobre acordes maiores com sétima maior, porém, ambas as escalas foram executadas um

tom acima da fundamental dos acordes em questão. Este tipo de aplicação possibilita o uso de

diferentes “coloridos sonoros”, ou seja, permite a exploração das tensões disponíveis do acorde

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vigente, sendo elas a nona, a terça, a décima primeira aumentada e a décima terceira, todas em

relação à fundamental do acorde, notas características do modo lídio (LIGON, 2001), como

demonstrado nas figuras 41 e 42:

Figura 41: Escala pentatônica maior de lá bemol sobre o acorde de Gbmaj7(#11).

Música Hey bicho, vamos nessa! (Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 31.

Figura 42: Escala pentatônica maior de fá# sobre o acorde de Emaj7. Música Libra Rising

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977.Compassos de 8 a 10.

Outra configuração de escala pentatônica recorrente nos solos improvisados de

Márcio Montarroyos foi a escala pentatônica menor. Essa escala é uma derivação da escala

menor natural ou o sexto modo da escala maior (modo eólio). Sua estrutura intervalar, em

relação a sua fundamental, compreende os intervalos de terça menor, quarta justa, quinta justa

e sétima menor, como no exemplo a seguir:

Figura 43: Escala pentatônica menor de dó.

A aplicação da escala pentatônica menor foi observada nos compassos 20 e 21 da

música “Hey bicho, vamos nessa” sobre o acorde de fá menor com sétima (Fm7), como

demonstrado a seguir:

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Figura 44: Aplicação da escala pentatônica menor de fá. Música Hey bicho, vamos nessa!

(Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 20 e 21.

A escala de blues, assim como a escala pentatônica, apresenta mais de uma

configuração e diferentes nomenclaturas, gerando algumas confusões sobre seu entendimento.

De acordo com Ligon (2001), a escala de blues comumente usada é estruturada sobre o

primeiro, o terceiro, o quarto, o quinto e o sétimo grau, apresentando um cromatismo entre o

quarto e o quinto grau, sendo uma derivação da escala pentatônica menor, definida por esse

autor como escala de blues menor.

Figura 45: Escala de blues menor.

Dentre as possibilidades de aplicação da escala de blues menor, foi verificado neste

trabalho o seu uso sobre o acorde de ré maior com sétima menor (D7). Em um primeiro

momento, a utilização da escala de forma integral como demonstrado na figura 46. Uma

fragmentação desse conteúdo é observável nos compassos seguintes do mesmo solo, o qual

Montarroyos se valeu das blue notes fá natural e lá bemol, como demonstrado nas figuras 41 e

42:

Figura 46: Aplicação da escala de ré blues menor. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 1, 2 e 3.

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Figura 47: Aplicação de blue note. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compassos 4 e 5.

Além da aplicação dos referidos modos e escalas, os solos improvisados de Márcio

Montarroyos são constituídos de diversas informações ou fragmentos musicais identificados

por sua natureza rítmica e intervalar. Essas informações ou fragmentos são normalmente

conhecidos como “ideias”, “figuras”, “gestos”, “fórmulas”, “motivos”, entre outros

(KERFELD, 2004). Diante disso, as próximas linhas deste trabalho destinaram-se a discutir as

particularidades desses fragmentos musicais.

3.2.2 Desenvolvimento motívico: repetição, sequência, deslocamento métrico e

ornamentação melódica

Diante da variedade de nomenclaturas acerca dos fragmentos musicais recorrentes

em um solo improvisado, adotou-se na presente pesquisa o termo “motivo”. Segundo a

definição atribuída pelo Dicionário Grove de Música (1994), motivo é uma ideia musical curta,

podendo ser melódica, harmônica, rítmica, ou as três simultaneamente. Em determinadas

situações, o contexto rítmico de um dado motivo é tão importante quanto a sua estrutura

intervalar (LIGON, 2001).

Existem vários dispositivos para o desenvolvimento de um motivo. Dentre esses

dispositivos, foram destacados a repetição, a sequência, a ornamentação melódica e o

deslocamento métrico nos solos analisados na presente dissertação.

3.2.2.1 Repetição

Esse elemento trata da repetição exata de um dado motivo. A repetição fornece

continuidade a uma melodia, além de propiciar ao ouvinte uma oportunidade de antecipar o

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próximo acontecimento musical (Lawn e Hellmer, 1996). Foram listados a seguir alguns

exemplos de repetição recorrentes nos solos de Márcio Montarroyos:

Figura 48: Exemplo de repetição. Música On the foot peg

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 1 e 3.

Figura 49: Exemplo de repetição. Música Hey bicho, vamos nessa

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 36 e 37.

Figura 50: Exemplo de repetição. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 26.

Figura 51: Exemplo de repetição. Música Risa

(Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 22.

3.2.2.2 Sequência

A repetição imediata de um dado motivo, mas com ocorrência de uma ou mais

variações em sua construção, é definida como sequência (COCKER, 1991). Essas variações

podem ser tanto de ordem rítmica como intervalar, ou de ambas as formas. De acordo com Silva

(2009), “a prática de se usar sequências em música, sendo ela escrita ou improvisada, é bastante

difundida e soa natural devido ao fato de que, uma vez apresentado um novo motivo, a tendência

do ouvinte é esperar sua repetição, seja ela exata ou uma variação”. Para exemplificar o uso

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dessa ferramenta, foram relacionadas algumas sequências extraídas dos solos de Márcio

Montarroyos:

Figura 52: Exemplo de sequência. Música Libra Rising

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos 14 e 15.

Figura 53: Exemplo de sequência sobre o acorde de Fm7. Música Hey bicho, vamos nessa

(Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compassos do 47 ao 49.

Figura 54: Exemplo de sequência. Música Risa (Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977.

Compassos do 33 ao 35.

Figura 55: Exemplo de sequência. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 14.

De acordo com Silva (2009):

... alternativamente, é comum que o improvisador foque na parte rítmica de uma frase,

destinando toda uma seção de desenvolvimento para seu tratamento, como um

ostinato rítmico; enquanto isso é possível criar variações, produzindo formas

imitativas.

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Observa-se a aplicação dessa ideia na figura 56:

Figura 56: Exemplo de sequência. Música On the foot peg

(Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance” 1977. Compassos do 15 ao 18.

3.2.2.3 Deslocamento métrico

No âmbito do ritmo, deslocamento métrico é definido como uma “superposição” de

elementos rítmicos, ou seja, a capacidade de um elemento musical soar sobre o outro

simultaneamente (LIEBMAN, 2001). Esse artifício musical foi observado em dois dos quatros

solos improvisados de Márcio Montarroyos. Ambos os trechos apresentam configurações

rítmicas semelhantes, apresentando o mesmo efeito sonoro como resultado. A seguir, uma

exemplificação rítmica sobre a superposição desses elementos:

Figura 57: Exemplo de deslocamento métrico.

Figura 58: Deslocamento métrico a cada seis semicolcheias.

Música Risa (Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 9 e 10.

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Figura 59: Deslocamento métrico a cada seis semicolcheias.

Música Libra Rising (Steve Grossman) – “Stone Alliance” 1977. Compassos 21 e 22.

3.2.2.4 Ornamentação melódica: Notas de passagens (aproximações cromáticas,

diatônicas e interpolação)

Notas de passagens ou “Passing Tones” é uma técnica de ornamentação melódica

referente às passagens cromáticas, diatônicas e interpoladas entre as notas estruturais de um

dado acorde (fundamental, terça e quinta) ou entre as notas de um dado modo ou escala

denominadas notas alvo ou “target notes” (LIGON, 2001), como demonstrado a seguir:

Figura 60: Exemplo de notas de passagens.

Jerry Bergonzi, em sua publicação “Developing a jazz language”129 fez uso desse

recurso de ornamentação melódica também sobre a sétima, a nona, a décima primeira e a décima

terceira de um dado acorde, sendo estas as tensões disponíveis, como demonstrado a seguir:

Figura 61: Exemplo de aproximações cromáticas e diatônicas em Dm7.

Como afirma Cocker: “Essas passagens ou aproximações são fragmentos melódicos

onde uma nota almejada pelo improvisador é alcançada meio tom acima e meio tom abaixo, um

tom acima e meio tom abaixo, ou ainda a possibilidade de meio tom acima ou um tom abaixo”

129 Bergonzi (1994).

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(COCKER, 1991). Esse autor afirma que todo fragmento melódico inclui notas de passagem,

que podem ser notas derivadas de um cromatismo. Em determinados casos, o cromatismo

decorre de um problema métrico que resulta em adicionar uma ou mais notas à frase para que

ela se encaixe no número de tempos do compasso. Em outros casos, o improvisador pode

simplesmente usar a escala cromática, ou parte dela (SILVA, 2009).

Ambas as aproximações cromáticas e diatônicas também podem aparecer de forma

interpolada, como representado na figura a seguir. O colchete na cor azul destaca uma

aproximação de ordem diatônica entre as notas ré e dó, o colchete na cor vermelha e pontilhado

na cor vermelha destaca uma aproximação de ordem cromática entre as notas si natural e dó, e

o colchete na cor roxa destaca uma interpolação entre as notas si bemol e dó, como ilustrado na

figura 62:

Figura 62: Exemplo de interpolação baseado em Ligon (2001).

Foram destacadas a seguir algumas aproximações cromáticas, diatônicas e

interpolações utilizadas por Montarroyos:

Figura 63: Exemplos de aproximações sobre o primeiro grau de Fm7.

Música Hey bicho, vamos nessa (Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977.Compasso 15.

Figura 64: Exemplos de aproximações sobre o quinto grau de Fm7.

Música Hey bicho, vamos nessa (Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977.Compasso 34.

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Figura 64: Exemplos de aproximações sobre o primeiro grau de D7. Música On the foot peg (Márcio

Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compasso 6.

Figura 65: Exemplo de aproximações sobre o primeiro grau de Gm7.

Música Risa (Dom Alias) – “Stone Alliance” 1977. Compasso 15.

Os recursos de ornamentação melódica utilizados por Montarroyos não se resumem

apenas às notas estruturais dos acordes em seus respectivos solos, mas também às tensões

disponíveis, como por exemplo, nas figuras 65 e 66. No compasso 10 da figura 65, o nono grau

do fá dórico, a nota sol, recebe aproximações de ordem diatônica por parte da fundamental (fá)

e cromática por parte da terça menor do acorde (lá bemol), como demonstra o exemplo a seguir:

Figura 65: Exempols de aproximação cromática e diatônica sobre notas não estruturais em Fm7. Música Hey

bicho, vamos nessa (Steve Grossman) - “Stone Alliance” 1977. Compasso 8.

Durante o compasso 7 da música “On the foot peg”, as aproximações de ordem

cromática e diatônica se sucederam sobre as notas não estruturais do acorde de D7, sendo elas

a nona aumentada (nota mi#/fá), décima primeira aumentada (nota sol#) e a decima terceira

menor (nota sib), como demonstrado na figura 66:

Figura 66: Exempols de aproximação cromática e diatônica sobre notas não estruturais em D7.

Música On the foot peg (Márcio Montarroyos) – “Stone Alliance”, 1977. Compasso 8.

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A fim de explorar os elementos e procedimentos extraídos dos solos de Márcio

Montarroyos, no Apêndice desta dissertação encontram-se algumas configurações de estudos

voltadas para a prática de improvisação em contextos modais a partir dos recursos musicais

apresentados e discutidos no presente capítulo. A didática adotada para a elaboração dos estudos

sugeridos reflete o desenvolvimento pessoal e amadurecimento profissional do autor,

alinhando-se a trabalhos de trompetistas de relevância no âmbito acadêmico nacional e

estrangeiro, além de utilizar publicações estrangeiras como referência.

Dos referidos estudos, foram extraídos 5 fragmentos melódicos definidos como

células melódicas130, divididas em três categorias: células escalares, células de ornamentação

diatônica/cromática e células de pentatônica. Foram sugeridas variadas possibilidades de

estudos sobre cada fragmento relacionado, visando a prática em todas a tonalidades e em ciclos

de cromático, tons inteiros, terças menores, terças maiores, quartas justas, quartas aumentadas

e quintas justas, respectivamente.

130 Vide Steinel (1995).

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Considerações finais

A divisão deste trabalho em seguimentos distintos trouxe-nos uma compreensão

mais ampla do objeto de estudo pesquisado.

O primeiro seguimento, de ordem biográfica, foi uma investigação sobre os

trompetistas brasileiros que atuavam no cenário da música popular do país, sendo eles

contemporâneos ou anteriores a Márcio Montarroyos, e também uma tentativa de organizar, de

forma cronológica e parcial, os nomes relacionados.

É sabido que boa parte desses trompetistas não exerceram influências musicais

sobre Montarroyos, mas o que se observou como característica comum entre eles foi o destaque

por suas habilidades musicais, a participação ativa no mercado fonográfico e em diversas

situações profissionais, e também, o fato de terem transitado pela música de concerto.

O levantamento biográfico sobre Montarroyos junto às entrevistas aqui

apresentadas, foi fundamental para refletirmos sobre a sua atuação profissional. Foi observado

que algumas conjunções de fatores colaboraram para seu êxito artístico como trompetista.

Influência musical por parte da família, talento, dedicação, competência musical e sua busca

por inovações foram pontos chave para que estivesse apto a desempenhar papeis relevantes nos

diversos trabalhos que realizou. Por outro lado, encontrava-se numa cidade que concentrou boa

parte da produção artística do país.

Como resposta à investigação realizada, verificou-se que Márcio Montarroyos

inaugurou no país o uso de pedais, processadores sonoros e o sistema Barcus Berry acoplados

ao seu instrumento. Entretanto, não foi possível saber ao certo quais eram as marcas e os

modelos dos equipamentos que o trompetista utilizou durante a gravação do disco supracitado.

De acordo com a entrevista do guitarrista Sérgio Dias, na data de lançamento do Lp

Stone Alliance, Márcio Montarroyos utilizava um delay digital de montagem em rack da marca

MXR e um pedal de wah-wah da marca Cry baby. Os trompetistas Walmir Gil e Chico Oliveira,

nas entrevistas concedidas ao autor, também relataram a utilização do sistema Barcus Barry de

captação por parte de Montarroyos.

Consequentemente, adotou-se como estratégia de pesquisa investigar e observar a

maneira como Márcio Montarroyos interagiu com os referidos dispositivos durante os seus

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solos improvisados, independentemente da falta de informações que contemplasse com

exatidão modelos e marcas.

No caso do delay os elementos que evidenciaram a forma de interação durante os

solos do trompetista, foram destacados quanto à utilização do registro agudo do instrumento

com alternância entre notas de maior e menor duração de tempo, finalizando suas frases com

semínima ou semicolcheias, visando valorizar a repetição da última figura de cada frase

executada. Outra particularidade de interação do uso do delay encontrada foi a execução de um

ostinato rítmico sobre uma única nota em que se explorou diferentes dinâmicas.

O efeito de wah-wah, por sua vez, foi utilizado em três dos quatro solos analisados,

mas o aproveitamento mais eficiente e evidente desse efeito foi observado nas situações em que

Montarroyos realizou ostinatos em semicolcheias sobre uma mesma nota executada por meio

de dedilhado alternativo entre as notas.

O segundo segmento, de ordem analítica, compreendeu as transcrições e análises

dos solos selecionados. O processo analítico compreendeu três etapas, sendo a primeira etapa

concentrada nos elementos técnicos/interpretativos, a segunda no material harmônico de cada

solo, e a terceira voltada para a identificação dos elementos melódicos contidos nesses solos.

Como produto das investigações acerca dos elementos de ordem técnica e

interpretativa, foram encontradas as seguintes articulações e inflexões: o Scoop, o Bend, o

Gliss/rip, o Short fall, o Pitch closed sound e o Ghost note, além de variadas acentuações como

o Staccato, o Heavy Accent e o Tenuto.

O fraseado de Márcio Montarroyos apresenta clareza e boa articulação de ideias

melódicas em trechos articulados e ligados. Por outro lado, em trechos maiores e com maior

concentração de notas por tempo, as ideias melódicas foram executadas de forma “enrolada”.

Este fato é bastante recorrente no cenário jazzístico, sendo definido como slurred.

Verificou-se que as estruturas harmônicas dos solos selecionados apresentam um

ritmo harmônico lento ou inexistente, proporcionado pela longa duração dos acordes e por não

possuírem relação funcional entre si, características recorrentes no Modal Jazz.

No solo da música “Hey bicho, vamos nessa”, por exemplo, a estrutura harmônica

foi organizada em um ciclo de doze compassos, divididos em três períodos de quatro compassos

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para cada acorde, sendo os quatro primeiros compassos em Fm7, os próximos quatro em

Gbmaj7(#11) e os quatro últimos em Fm7, novamente.

Em “On the foot peg”, a sessão destinada ao improviso de trompete se sucedeu de

forma livre (open solo) sobre o acorde de D7. No solo da música “Libra Rising” a estrutura

harmônica foi configurada em três diferentes tipos de acordes (F#maj7, Emaj7 e D#maj7) e

organizados em um ciclo de nove compassos.

A estrutura harmônica da música “Risa” apresenta quatro diferentes tipos de

acordes (Eb7, Fm7, D7 e Gm7) organizados em um ciclo de vinte e oito compassos, divididos

em quatro compassos para cada acorde.

Verificadas as estruturas harmônicas de cada solo, o passo seguinte foi o de

identificar as relações escala/acorde adotadas por Montarroyos. Como produto, foram

identificados o uso de escalas diatônicas, sendo elas os modos jônio, dórico, lídio e eólio, além

das escalas não diatônicas (híbridas/sintéticas), como a escalas pentatônicas maiores e menores

e a escala de blues menor.

Montarroyos manipulou esse material melódico de duas formas, ora valorizando as

tensões disponíveis nos acordes relacionados, ora valorizando as notas estruturais dos referidos

acordes. A valorização das tensões disponíveis foi evidenciada em situações em que o

trompetista se utilizou das escalas pentatônicas maiores sobre acordes maiores com sétima

maior (Xmaj7) tocadas um tom acima. Este tipo de aplicação possibilitou a exploração da nona,

da décima primeira aumentada e da décima terceira.

Além dos modos e das escalas relacionados anteriormente, através das análises

foram identificadas diversas informações ou fragmentos musicais, aqui destacadas como

“motivo”, recorrentes nos solos de Montarroyos. Dentre os vários tipos de dispositivos para o

desenvolvimento de um motivo, foram observados os recursos de repetição, de sequência, de

deslocamento métrico e os recursos de ornamentações melódicas.

A dificuldade em avaliar, classificar ou mesmo adjetivar o disco Stone Alliance, em

especial a construção dos solos improvisados de Márcio Montarroyos nesse disco, se mostrou

presente ao longo deste trabalho, considerando que esse material representa basicamente o

início de um processo de investigação e estudo de improvisação que percorreu

aproximadamente quarenta anos.

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Tento aqui me esquivar de deslizes classificando ou adjetivando esse material como

“moderno” ou “inovador”. Entretanto, entende-se que a originalidade é um critério fundamental

para se avaliar a contribuição de um artista para a música improvisada.

O disco Stone Alliance, analisado em uma perspectiva “macro”, representa uma

fusão de elementos oriundos da música popular brasileira e de elementos jazzísticos. Essas

“trocas” culturais não eram inéditas em 1977. Embora alguns autores se refiram à década de

1970 como um “processo de efervescência cultural”, ou como uma época de

“internacionalização da cultura”, esse processo já se sucedera anteriormente, com a bossa nova,

por exemplo.

Márcio Montarroyos estudou e conviveu com diversos músicos norte-americanos,

e teve contato direto com a linguagem jazzística que se estudava naquela época (1972), em

especial o jazz rock ou fusion. Os solos aqui apresentados trazem a assimilação de alguns desses

elementos, que foram discutidos anteriormente.

Em uma perspectiva “micro”, os elementos musicais recorrentes nos solos

improvisados de Montarroyos, comparados às produções musicais dos demais trompetistas

brasileiros apontados no primeiro capítulo desta Dissertação, destacam-se enquanto novas

contribuições para o trompete no cenário da música popular brasileira.

Especialistas definem que imitação, assimilação e inovação são os principais

estágios do desenvolvimento artístico do improvisador. No caso de Márcio Montarroyos,

entende-se que os estágios relacionados se mostrarão evidentes somente quando houver uma

avaliação de toda a sua produção artística, o que implicará em um novo trabalho de pesquisa.

Entretanto, a característica mais importante que o disco Stone Alliance apresenta,

avaliada por este trabalho, é a inauguração do processo de eletrificação do trompete no Brasil,

por meio dos dispositivos eletrônicos relacionados anteriormente. Com um “delay” de apenas

oito anos em relação ao trompetista norte-americano Miles Davis, tomando como referência o

disco Bitches Brew (1969). Montarroyos mostrou que os recursos tecnológicos não são meros

aparatos adicionados a posteriori ao instrumento, mas elementos estruturais na construção de

uma sonoridade e de um estilo de improvisação específicos.

Diante das considerações aqui apresentadas, espera-se que o presente estudo possa

contribuir para a compreensão dos processos criativos implicados na improvisação de Márcio

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Montarroyos e seja considerado ponto de partida para futuras pesquisas envolvendo o trompete

e a música popular instrumental brasileira.

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GANDELMAN, L. (Léo Gandelman). Entrevista I (03 de fevereiro de 2014). Entrevistador:

Marcelo Rocha dos Passos. Via Skype, 2014. Arquivo em mp3.

MORAES, F. (Chiquinho de Moraes). Entrevista II (05 de maio de 2014). Entrevistador:

Marcelo Rocha dos Passos. Via Skype, 2014. Arquivo em mp3.

GANDELMAN, L. (Léo Gandelman). Entrevista III (11 de maio de 2014). Entrevistador:

Marcelo Rocha dos Passos. Via Skype, 2014. Arquivo em mp3.

CORDEIRO, C. (Cristina Cordeiro). Entrevista IV (06 de novembro de 2014). Entrevistador:

Marcelo Rocha dos Passos. Rio de Janeiro, 2011. Arquivo em mp3.

CAVALCANTE, N. (Dona Nail); LUCAS, M. E. (Beth) Entrevista V (07 de novembro de

2014). Entrevistador: Marcelo Rocha dos Passos. Rio de Janeiro, 2014. Arquivo em mp3.

MENEZES, C. (Christina). Entrevista VI (12 de novembro de 2014). Entrevistador: Marcelo

Rocha dos Passos. Via Skype, 2014. Arquivo em mp3.

PERLA, G. (Gene PERLA). Entrevista VII (06 de fevereiro de 2015). Entrevistador: Marcelo

Rocha dos Passos. Via Facebook.

GIL, W. (Walmir Gil). Entrevista VIII (25 de agosto de 2015). Entrevistador: Marcelo Rocha

dos Passos. Campinas, 2015. Arquivo em mp3.

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BRECKER, R. (Randy Brecker). Entrevista IX (08 de setembro de 2015). Entrevistador:

Marcelo Rocha dos Passos. Via e-mail, 2015.

OLIVEIRA, F. (Chico Oliveira). Entrevista X (14 de setembro de 2015). Entrevistador: Marcelo

Rocha dos Passos. São José dos Campos, 2015. Arquivo em mp3.

DIAS, S. (Sérgio Dias). Entrevista XII (09 de outubro de 2015). Entrevistador: Marcelo Rocha

dos Passos. Via Facebook, 2015.

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DAVIS, M. Bitches Brew. Nova Iorque: Columbia Records, 1969. CD.

MONTARROYOS, M. Carinhoso. Rio de Janeiro: Som Livre, 1973. Lp.

MONTARROYOS, M. Seção Nostalgia. Rio de Janeiro: Som Livre, 1973. Lp.

MONTARROYOS, M. Márcio Montarroyos Stone Alliance. Rio de Janeiro: Som Livre,

1977. Lp.

NASCIMENTO, J. (2002). Eu choro assim. Maianga Discos (CD digital estéreo)

OLIVEIRA, C. V. Pedroca e seu Quinteto. Rio de Janeiro: Sinter, 1956. Lp.

OLIVEIRA, C. V. Pedroca e seu Piston. Rio de Janeiro: Sinter, 1956. Lp.

OLIVEIRA, C. V. As garotas gostam de dançar com Pedroca e seu Piston. Rio de Janeiro:

Todamérica, 1958. Lp.

OLIVEIRA, C. V. Atendendo a Pedidos. Rio de Janeiro: Sinter, 1959. Lp.

PINTO, J. L. Piston em alta fidelidade. Rio de Janeiro: Copacabana discos, 1959. Lp.

PINTO, J. L. Formiga in Love. Rio de Janeiro: Polydor, s/d. Lp.

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http://www.dicionariompb.com.br/carramona/dados-artisticos

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http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo399366/grupo-opiniao

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http://en.wikipedia.org/wiki/Echoplex

http://www.ebay.com/itm/MXR-113-M-113-Digital-Delay-System-Vintage-Rack-for-Repair-

/170722038727

http://www.bestguitareffects.com/dunlop-original-cry-baby-wah-pedal-review-best-wah/

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100

https://www.youtube.com/watch?v=4u3wb7ygGnU

http://www.dicionariompb.com.br/marcio-montarroyos

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http://www.dicionariompb.com.br/a-turma-da-pilantragem/dados-artisticos

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http://www.dicionariompb.com.br/marcio-montarroyos

http://www.uiadiario.com.br/evento/hermeto-pascoal-e-grupo/

http://www.stonealliance.com/History.shtml

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Apêndice

1 Estudos para a prática de improvisação a partir de elementos observados nos solos

selecionados

Os estudos aqui apresentados estão voltados para auxiliar no desenvolvimento de

ideias musicais para improvisação e que compreendem variações melódicas sobre os elementos

musicais extraídos dos solos pesquisados, a prática de diferentes tipos de articulações e a

transposição em tonalidades variadas desses estudos.

Recorreu-se ao termo “célula melódica”, adotado por Steinel (1995), para definir

os fragmentos melódicos extraídos dos solos de Márcio Montarroyos. Segundo esse autor,

células melódicas são pequenos agrupamentos de notas contidos em uma melodia ou solo

improvisado, sendo classificados basicamente em cinco unidades básicas, sendo elas células de

acorde, células escalares, células de ornamentação cromática e células de pentatônica, como

destacado a seguir:

Acorde Escalar Escalar Cromática Pentatônica

Exemplo 1: Células melódicas proposto por Steinel (1995).

As células apresentadas no exemplo 1 possuem caráter único e relacionam-se entre

si formando frases ou sentenças musicais. Possuem também diversas variações que podem ser

aplicadas sobre variados contextos harmônicos, sendo necessário ajustes de ordem intervalar

para melhor se adequarem. Dentre as suas possibilidades de aplicação, destacam-se as escalas

maiores e escalas menores (harmônicas e melódicas) e seus respectivos modos; escalas

diminutas e seus respectivos modos; escalas de tons inteiros; escalas cromáticas; escalas

pentatônicas e seus respectivos modos (STEINEL, 1995).

1.1 Células melódicas nos solos de Márcio Montarroyos

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Dentre as células melódicas propostas por Steinel (1995), foram destacadas abaixo

três configurações celulares distintas recorrentes nos solos de Márcio Montarroyos, dividindo-

se entre células escalares, células de ornamentação diatônica/cromática e célula de pentatônica.

Como demonstrado no exemplo 2:

Exemplo 2: Células melódicas nos solos de Márcio Montarroyos.

Para cada uma das células destacadas acima, foram criadas algumas variações

melódicas agrupadas de quatro em quatro notas, podendo ser empregadas sobre todos os graus

de um determinado modo ou escala. Ressalta-se que os exemplos a serem destacados referem-

se aos modos jônio, dórico, lídio, eólio e as escalas pentatônicas, assunto discutido no capítulo

3 desta dissertação. Visando maior absorção das sugestões aqui apresentadas, destaca-se que os

exemplos relacionados a seguir encontram-se registrados também em arquivos de áudio nos

anexos desta dissertação.

1.2 Células melódicas com três notas:

Exemplo 3: Células melódicas com três notas.

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103

1.2.1 Células melódicas com três notas aplicadas em sequência sobre os modos jônio,

dórico, lídio e eólio:

Faixa 1.

Faixa 2.

Faixa 3.

Faixa 4.

Faixa 5.

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104

1.3 Células melódicas com quatro notas:

Exemplo 4: Células melódicas com quatro notas.

1.3.1 Células melódicas com quatro notas aplicadas em sequência sobre os modos jônio,

dórico, lídio e eólio:

Faixa 6.

Faixa 7.

Faixa 8.

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105

Faixa 9.

1.4 Células de ornamentação cromática e diatônica:

Exemplo 5:Células de ornamentação cromática e diatônica.

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106

1.4.1 Células de ornamentação cromática e diatônica aplicadas em sequência sobre as

notas estruturais e as tensões disponíveis dos acordes de Cmaj e Cm7:

Faixa 10.

Faixa 11.

Faixa 12.

Faixa 13.

Faix 14.

Faixa 15.

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107

Faixa 16 .

1.4.2 Células de ornamentação cromática e diatônica aplicadas de forma interpolada:

Faixa 17.

Faixa 18.

1.4.3 Células de ornamentações cromáticas e diatônica interpoladas:

Exemplo 6: Células de ornamentações cromáticas e diatônica interpoladas.

1.4.4 Células de ornamentação cromática e ditônica interplolada aplicadas sobre a tétrade

de Cm7:

Faixa 19 .

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108

Faixa 20.

Faixa 21.

Faixa 22.

1.5 Células de pentatônica maior:

Exemplo 7: Células de pentatônica maior.

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109

1.5.1 Células melódicas de pentatônicas aplicadas em sequência:

Faixa 23.

Faixa 24.

Faixa 25.

Faixa 26.

Faixa 27.

Faixa 28.

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1.6 Células de pentatônica menor:

Exemplo 7: Células de pentatônica maior.

1.6.1 Células de pentatônica menor:

Faixa 29.

Faixa 30.

Faixa 31.

Faixa 32.

Faixa 33.

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Além das variações melódicas e dos variados tipos de articulações propostas

anteriormente, destacam-se também diferentes ciclos harmônicos que podem auxiliar na rotina

de estudo sobre improvisação, sendo eles os ciclos cromáticos, os de tons inteiros, os de terças

menores, os de terças maiores, os de quartas justas, os de quartas aumentadas e quintas justas,

respectivamente. Como demonstrado a seguir:

Cromático

Tons inteiros

Terças menores

Terças maiores

Quartas justas

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Quartas aumentadas

Quintas justas

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Anexo 1 transcrições

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Anexo 2 – Entrevistas

1. Entrevista concedida pelo saxofonista Léo Gandelman. A entrevista foi

realizada no dia 3 de fevereiro de 2014, via Skype.

Marcelo: Léo, quando e como foi o seu primeiro contato com o Montarroyos?

Léo Gandelman: Bom, eu, como parte da minha formação musical, eu estudei na Berklee.

E quando eu voltei da Berklee eu cheguei aqui no Rio já com a ideia de correr atrás de

trabalho, né? Eu não me formei lá, eu fiz lá quatro semestres, voltei e comecei a procurar

os músicos que estavam na ativa naquela época, né? E comecei a fazer substituição para

vários deles que trabalhavam na época na orquestra da Globo e em outras orquestras, mas

era uma época, eu tô falando de 79, era uma época que tinha várias Orquestras em

atividade aqui no Rio. Então, além de eu fazer substituições na orquestra da Globo e

substituições na orquestra do Maestro Cipó, pra orquestra do Marko Rupe, pra orquestra

do Maestro Carioca, enfim, na verdade eu fazia substituição para o Aurino Ferreira, pro

Macaé, pro Zé Bodega, pro Jaime Araújo, quem quisesse, porque eu tocava sax alto, tenor

e barítono, então eu estava sempre disponível. Uma das minhas idas na Som Livre, para

fazer substituição na Globo, eu encontrei o Márcio. Eu era fã do Márcio, é.... No tempo

em que eu estudei na Berklee eu transcrevi o solo dele do Vamos nessa, bicho, do disco

do Stone Alliance, e.... pô, eu estava louco para conhecer ele para poder entregar esse

trabalho, para mostrar esse trabalho à ele, porque o Marcio é.... Desde essa época já era

uma referência pra gente que estava começando, pra gente que queria alguma coisa. O

Márcio, ele me mostrou que era possível, né? Ele me fez acreditar que era possível viver

de música instrumental no Brasil, ele tinha um trabalho de excelência, né? Um trabalho

que realmente eu fiquei fã desde o início, né? Então, quando eu encontrei ele na escada,

ali na Som Livre, eu falei: “pô, Márcio eu sou Léo, toco soprano, alto, tenor, barítono e

tô à sua disposição, ó, tá aqui meu telefone, se quiser me liga, eu estou afim de tocar

contigo!” Tempos depois, eu vim realmente a tocar com ele, ele me falou: “Quando eu te

conheci, eu achei que você era maluco, cara! Como é que você chegou pra mim se

apresentando e dizendo que queria tocar comigo? Achei aquilo... Ou você devia ser

maluco ou tocar muito. Porque do jeito que você chegou eu não acreditei” [risos]. O

Márcio era uma figura muito engraçada, e.... não só engraçada, mas uma figura muito

típica, né? É.... prefiro até nem adjetivar muito não, mas enfim, foi essa reação dele e a

gente acabou tocando juntos tempos depois a convite do Lincoln Olivetti, que é.... Antes

de tocar com o Márcio formei um naipe junto com o Bidinho trompete, o Serginho

trombone e o Zé Carlos. A gente tinha um conjunto que chamava Avenida Brasil, isso

também em 79, né? E aí, a gente começou a fazer algumas gravações também na Odeon

e quando o Lincoln ouviu o nosso som, ele acrescentou no nosso naipe o Oberdan

Magalhães, que ficou no sax alto, Zé Carlos no tenor e eu no barítono, e acrescentou

também o Márcio Montarroyos que ficou no trompete junto com o Bidinho.

Continuação da entrevista, dia 11 de maio de 2014.

Marcelo: Você conheceu os pais do Márcio?

Léo Gandelman: Eu conheci a mãe dele, Dona Neida.

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M: Ela foi musicista também?

L: Era, foi Professora da Escola de Música. Pianista clássica, assim como a minha mãe.

M: Além do Márcio e da mãe, Léo, existiam outros músicos na família?

L: Não, eu acho que não. Eu conheci o irmão dele, o João, mas não é músico... Acho que

era ele mesmo.

M: Tem uma apresentação que você faz, acho que para o FreeJazz, você faz uma

introdução, certo?

L: É.

M: A repórter que estava apresentando junto com você diz que ele foi filho, neto e bisneto

de pianistas...

L: Rapaz, essa parte da linha de descendência dele eu não sei. Isso aí seria bom você falar

com o irmão dele, o João.

M: Você tem o contato do João?

L: Outro dia eu falei com ele no facebook... Espera aí, deixa eu ver se eu acho ele aqui.

Ó, te mandei o link aí.

M: Ah, chegou aqui!

L: Igualzinho, né?

M: Sim.

L: Engraçadão, né [risos]?

M: Sim [risos]. O João é mais velho ou mais novo?

L: Mais velho, esse aí é mais velho. Inclusive, dá a sensação que tá com a barba pintadona,

né?

M: O pai do Márcio tinha uma ligação militar, não tinha?

L: Ah, o pai do Márcio era militar, a família toda. O Márcio estudou no Colégio Militar

também.

M: Você saberia me dizer, Léo, onde o Márcio estudou música?

L: Cara ele estudou no conservatório... não, espera aí, eu não sei se ele estudou na escola

de música... Esses detalhes assim, com certeza eu não sei te falar. Será que não tem isso

no Wikipedia?

M: Alguma coisa tem sim.

L: É, seria legal falar isso com o João. Ele poderia elucidar uma série de coisas. Porque

eu era amigo do Márcio e ele me falava essas coisas, mas às vezes entrava por um ouvido

e saia pelo outro. Eu sei que ele tem negócio de Escola de Música... Ele estudou na

Berklee também.

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M: Você saberia me dizer com precisão o período em que ele estudou na Berklee?

L: Com precisão, não. Também, era tal negócio, era bom falar com o irmão dele ou com

a viúva.

M: Como chama a viúva?

L: Cristina Cordeiro. Você poderia entrevistar também pra sua tese, ela é gente boa,

poderá ajudar mais nesse sentido do que eu.

M: Pode ser que ele tenha ido logo depois da turma do Vitor Assis Brasil, né?

L: É, eu acho que foi por ali, cara.

M: Você saberia me dizer o que levou o Márcio a estudar fora do país, Léo?

L: Olha, esse é um papo assim em especial que eu vou falar a minha interpretação dos

fatos. Antigamente, os músicos no Brasil.... Já conversei isso com o Nivaldo Ornelas e

com outros músicos, a formação do músico popular, digamos assim, improvisador, era

uma coisa muito pessoal. Não tinha uma metodologia, uma escola... Não era só aqui no

Brasil, na verdade isso acontecia no mundo inteiro. Até meados da década de 60, a

questão toda do aprendizado do improviso era uma coisa muito intuitiva. As pessoas

procuravam caminhos próprios para aprender essa questão da ciência do improviso. Não

existia uma organização, uma metodologia de ensino e de aprendizado dessa questão do

improviso. Eu acho que quem organizou inicialmente, um dos pioneiros nessa questão de

organização do improviso, do ensino do improviso, foi o Mr. Lee Berk, que é o criador

da Berklee. Ele é quem veio com esse papo, com a história do chord scale, a questão da

análise harmônica e da escala relativa àquele acorde, né? E quando ele instituiu isso como

ensino, enfim, quando ele metodizou o ensino do improviso, ele criou a escola Berklee e,

nessa altura do campeonato, existe um momento de mudanças, né? A geração do Vitor e

do Márcio, foi a primeira geração que saiu do Brasil em busca desse tipo de

conhecimento, entendeu? E o Márcio e o Vitor quando voltaram, eles já tinham um

preparo diferente dos restantes dos músicos populares, digamos assim, né? Ou dos

músicos improvisadores, entendeu? Eles adquiriram esse conhecimento de chord scale,

né? Da escala certa do acorde e de análise harmônica que era ensinado na Berklee. Então,

acredito que o motivo que ele foi pra Berklee, foi em busca desse tipo de conhecimento

específico que não tinha no Brasil na época, não tinha bibliografia, não tinha nada,

entendeu? A Berklee era uma escola pioneira nesse tipo de ensino, né? Eu precisava, para

ter certeza do que eu estou te falando, com exatidão, porque na New Englad School of

Music e outras escolas grandes de música nos EUA, já existia alguma coisa nesse gênero

do ensino de música, digamos assim, improvisada. Mas a Berklee ficou famosa

mundialmente como sendo “a escola de jazz”, entendeu? Porque foi realmente o primeiro

centro que trabalhou a metodização do ensino de jazz, isso é sem dúvida. Porque mesmo

assim, a England School of music em Boston, ela tem um departamento de música popular

que chama Third Stream Departament, você já ouviu falar disso?

M: Sim.

L: O Third stream é como se fosse um World Stream Departament, entendeu? É uma

coisa um pouco mais aberta que Jazz em termos de abrangência, né? Agora a Berklee foi

uma escola que se fixou no idioma Jazz, e na análise do que é que acontece na música do

Jazz harmonicamente e a questão do improviso analisada profundamente. Então, com

toda certeza, o Márcio, que era um aficionado do Jazz, ele teve a oportunidade de estudar

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nessa escola e foi em busca desse tipo de conhecimento, que você era obrigado a cruzar

mares pra ter. Eu fui mais tarde pra Berklee, eu fui pra lá em 77, nessa altura, o Márcio

já tinha voltado pra cá há muito tempo e era um caminho a ser trilhado. Era na verdade a

única opção, digamos assim, prática de você entrar numa escola de Jazz, porque a Berklee

além de ser uma escola de Jazz, existiam uns cursos profissionalizantes, que não eram

cursos tão exigentes a papéis formais pra você poder entrar numa escola, ele não te exigia

diploma disso e nem daquilo, eram cursos profissionalizantes de ensino do improviso.

Mas quando eu fui lá, por exemplo, nessa época obviamente não tinha internet, um monte

de livros que eu trouxe para estudar aqui de paterns, de livros sobre improvisos, eram

coisas que você tinha que buscar lá fora. Aqui você não tinha acesso nenhum a esse tipo

de informação. Até então, aqui no Brasil existia um mito, né? Como lá fora também, mas

lá fora a coisa foi desvendada antes, porque a coisa aqui no Brasil sempre demorou um

pouquinho para chegar, principalmente numa época que não se tinha comunicação, a

questão do improviso era tratada como uma coisa mitológica, entendeu? O cara era

talentoso, ou o cara era inspirado... Entendeu?

M: Como o Márcio era visto na Berklee?

L: Olha, eu não sei se o Márcio foi uma figura marcante na escola, eu não sei exatamente

o tempo que ele ficou lá, a duração que ele fez na escola, eu não sei... O Vitor, por

exemplo, me parece que lá se desenvolveu mais que o Márcio. O Marcio eu não sei ele

se formou lá, se ele ficou dois, três ou quatro semestres. Eu não sei exatamente quanto

tempo ele ficou. Eu sei que ele teve uma passagem pela escola e, uma passagem que foi

marcante na forma dele ver música, dele improvisar, o Márcio sabia direitinho esses

preceitos aí de harmonia e escalas, ele não era um músico, digamos, só intuitivo, ele era

um músico estudado, tanto na escola clássica quanto na de Jazz. O Márcio teve uma

formação na escola clássica muito importante, tanto é que você vê pelo toque dele, pela

articulação, pela afinação, pela sonoridade, que ele tem toda uma história de trompete

clássico, né? O Márcio estudou concertos de música clássica no trompete, ele

desenvolveu toda uma escola clássica e mais tarde foi estudar Jazz, que é mais ou menos

a minha história também e da onde a gente se identificava, entendeu?

M: Quais foram as influências musicais nacionais e internacionais do Márcio que você

saberia me dizer?

L: Bom, aqui no Brasil eu posso dizer que ele como músico de estante ou de naipe, ele

teve uma influência muito grande de toda uma geração que pertenceu às Big Bands

brasileiras, como o Hamilton, Maurílio, ele gostava do Maurílio, eu me lembro... Quem

mais que eu posso dizer...? o Formiga. Eram trompetistas que fizeram também a escola

clássica, que tinha aquele som de lead play, de primeiro trompete. Ele gostava desse

pessoal, mas eu acho que a maior influência dele foi do Miles Davis, entendeu? O Marcio

adorava o Miles... E o Freddie Hubbard, talvez...

M: E outros instrumentistas?

L: O Márcio gostava de muita coisa, gostava do Jeff Lorber, pianista, é, gostava de Jazz,

cara... É difícil pra mim nomear alguma coisa exclusiva, ele era um amante do Jazz, não

só amante, mas um conhecedor, ele era um cara que falava com propriedade do assunto.

Não que ele tenha sido um estudante, mas ele foi um apaixonado do Jazz.

M: Qual a proporção da influência de Miles Davis exercida sobre o Márcio?

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L: O Miles era um artista em constante transformação, né? O Miles foi o primeiro cara a

eletrificar publicamente, notoriamente o trompete, e o Márcio era fã desse negócio, ele

virou pesquisador dessa questão do trompete eletrônico, ele adorava sons, pedal, os

efeitos, sabe? O Márcio dedicou boa parte do trabalho dele a essa pesquisa. Isso foi logo

no início da década de setenta, se eu não me engano, aqueles primeiros festivais de Jazz

que tiveram no Brasil, se eu não me engano isso tem até no youtube, ele já estava usando.

Ele foi um dos pioneiros nessa questão de eletrificar o trompete, mas isso aí, com toda

certeza ele veio na cola do Miles. Ele era fã, e assim que surgiu a hipótese ele abraçou e

ele se destacou dos jazzistas, digamos assim, tradicionais porque ele era um inovador, o

Márcio gostava de novidade, de inovação. Ele não gostava de tocar coisas antigas, não

gostava de tocar chorinho, ele não gostava de tocar coisas, digamos assim, tradicionais.

Ele gostava de inovar, de criar, de romper barreiras. Ele sempre teve uma atitude

desafiadora.

M: Essa eletrificação do trompete, ao que tudo indica se deu no ano de 1969 por conta do

Miles no disco Bitches Brew, mas na década de 1970, logo na sequência surgiu o grupo

Brecker Brothers. O Márcio teve algum tipo de ligação com o Randy Brecker?

L: Teve, ele era amigão do Randy, ele se amarrava no Randy. Ele, assim como o Randy,

eles eram seguidores do Miles, né? O Randy é um cara mais ou menos da idade dele, eles

se falavam, digamos que era o Marcio aqui e o Randy lá, né? [risos]

M: Léo, você saberia me dizer alguma marca ou modelo desses equipamentos que o

Marcio possuiu?

L: O Márcio teve tudo, harmonizer, space echo... o Márcio adorava basicamente echos,

reverbs e harmonizers, era o que ele gostava. Ele nunca usou esse negócio de envelope,

quem usou mais envelope, essas coisas, foi o Randy Breker. O Márcio era delay, ele

adorava delay. Delay com reverb e harmonizer. Essa era a praia dele.

M: Outros trompetistas no Rio chegaram a trabalhar com equipamentos desse tipo, Léo?

L: Rapaz, olha, que marcasse presença, não. Hoje o Paulinho Trompete tá usando.

Paulinho Trompete lançou essa onda aí de seguir esse lance do Márcio [risos]. Mas me

parece que o Paulinho não pesquisa esse lance com a mesma intensidade que o Márcio.

Paulinho comprou um pedal aí que já vem com tudo pronto, não posso dizer que ele é um

usuário. O Marcio não, ele pesquisava a fundo os modelos dos produtos, a sonoridade de

um, a sonoridade de outro efeito, e a possibilidade de outro. O Márcio era realmente um

pesquisador nesse assunto. Mais tarde, o Márcio comprou um P.A, equipamento de luz e

fumaça, né? E ele operava tudo sozinho, no pé dele. Ele fazia luz, fazia aquela fumaça

especial, criava todo clima, né? Às vezes eu brincava com ele: “pô, Márcio, cadê você?

Você desapareceu!” [risos]. Ele tinha um tapete que ele colocava ali e dizia: “esse aqui é

meu palco!” O Márcio era ligado na cena como um todo, né? Ele tinha essa coisa também,

como posso dizer... como o Miles, né? Ele era um artista completo, não era um músico

que tocava o trompete dó, ré, mi, fá, sol... Não era isso, ele tinha toda uma coisa voltada

pro som, do aspecto cênico, da qualidade, do tipo, do processamento, disso e daquilo, ele

criava também luz. Ele gostava de todo um ambiente cênico pro trompete dele.

M: Quando se usa esses equipamentos, o referencial sonoro pode sofrer alterações, isso

teria influenciado na maneira de tocar do Márcio?

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L: Ele tirava partido dos efeitos, é claro que ele não simplesmente tocava usando o efeito.

Ele tirava partido e se ele se influenciava é claro, né? Tem milhões de frases que ele faz

nos discos dele e tal, que você vê nitidamente que ele faz utilizando os recursos que ele

estava usando, entendeu? Ele não colocava o delay no trompete, ele usava o delay para

tocar trompete, você tá entendendo a diferença?

M: Sim.

L: Ele realmente se utilizava dos efeitos para poder criar a música dele. Então, com toda

a certeza, isso tinha uma ação sobre a música dele.

M: Sempre na busca de explorar novas possibilidades sonoras e musicais...

L: É.

M: Entendi.

L: Você entendeu legal? Isso aí é importante você entender. O Márcio criava os sons dos

efeitos e, ele trabalhava com os efeitos, explorando aquilo. Então, isso ia acontecendo

durante a música, durante o improviso dele. Ele adorava o delay, ele não ficava tocando

e o delay acontecendo. Ele usava o delay. A frase boa é essa: ele não tocava com os

efeitos, ele usava os efeitos.

M: Além dessa perspectiva de pesquisa sonora, existiu outro cunho de influência para a

utilização desses equipamentos? Como, por exemplo, interesse comercial, demanda de

trabalho e etc.

L: Não, não, de forma alguma. Isso aí era uma coisa de pesquisa dele como artista, como

intérprete do trabalho dele. Ele jamais utilizou isso aí como recurso comercial ou para se

destacar ou aparecer, de forma alguma. Isso era uma pesquisa artística dele.

M: O que tornava o Márcio tão diferente dos trompetistas contemporâneos a ele?

L: O que marca o Márcio, mais do que qualquer outra coisa é o touché dele. O Márcio

tinha uma forma muito elegante de produzir o som no trompete. O acabamento do som

dele é inigualável. A nível internacional. O timbre, a afinação, a articulação, todos os

elementos básicos. Ele tinha uma forma extremamente musical de produzir os

fundamentos do instrumento como ninguém. No mundo clássico, no mundo popular, com

ou sem efeito, o acabamento sonoro dele é inigualável.

M: O Márcio influenciou muita gente?

L: Pô, o Márcio influenciou muita gente, cara. Inclusive a mim. Não só pela forma de

tocar trompete, mas porque ele foi um pioneiro abrindo caminhos nessa praia da música

instrumental brasileira. Eu quando conheci o Márcio e adentrei no trabalho dele como

compositor e tal, e vi o que ele estava fazendo e como ele estava fazendo, eu acreditei que

era possível fazer. Sabe, o Márcio foi o cara que me mostrou que era possível fazer um

trabalho de música instrumental no Brasil. Eu posso dizer que teve o Márcio, o Cesar

Camargo Mariano e o Azimuth, foram os três que me levaram a acreditar que eu deveria

fazer o meu trabalho também. Até mesmo o Egberto Gismonti, mas o Egberto era uma

coisa mais pontual no sentido que o Egberto era um virtuose que sempre viveu em função

de um extremo talento e virtuose e tal. No caso do Márcio não, ele não colocava o trabalho

dele com uma coisa inacessível, o Márcio tocava bonito e fazia um trabalho um trabalho

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acessível, um trabalho popular. É claro que ele passou por muitas fases, mas eu acho que

ele foi um pioneiro no sentido de abrir caminhos pra música instrumental de hoje.

M: Quais foram essas fases passadas pelo Marcio?

L: O Márcio teve uma fase de sucesso intenso com o Carinhoso e aqueles discos de

Orquestras que foram a entrada dele no mercado de trabalho. Você tem o disco dele com

Orquestras?

M: Sessão Nostalgia?

L: É aquele produzido pela Globo, se eu não me engano. Eu posso ver isso aqui agora,

espera aí... Eu não sei se o título é Sessão Nostalgia, isso realmente eu não sei. Eu acho

que é Márcio Montarroyos e Orquestra. Esse foi o disco de sucesso dele, quando ele

estourou com Carinhoso na abertura da novela o nome dele se popularizou aí. Mas a

questão não é nem a Globo, mas o momento comercial do Márcio, digamos assim. Agora

tem outros momentos. Teve o momento que ele pegou pesado com o lance de música

eletrônica, que é aquele festival que você citou. Ali, inclusive, teve algum momento que

o Márcio foi vaiado, eu me lembro que teve essa história. Você sabe dessa história?

M: Não.

L: Pois é, eu não sei exatamente, é arriscado falar porque eu não me lembro direito, mas

teve alguma coisa dessas dele aparecer com o trompete todo eletrificado e não ser muito

bem recebido pela plateia. Uma coisa assim do cara ser ousado dentro da época dele, né?

Mas vamos dizer que o Márcio foi questionado justamente por ser um pioneiro nessa onda

de utilização dos pedais eletrônicos, né? Quando eu conheci o Márcio já foi depois dessa

fase comercial, já consagrado com o Carinhoso e etc., o Márcio desenvolveu um trabalho

com um grupo que ele tinha, um quarteto, que às vezes ele usava duas guitarras, baixo e

batera, que foi realmente um trabalho de consagração. O Márcio era um cara

extremamente bem organizado, ele estava com as coisas muito bem definidas na cabeça

dele e ele fez nessa época aquele disco Magic Moment. Ele teve uma fase de uma boa

produção bem objetiva que foi o Magic Moment, tem o Terra Mater também, tem o

Carioca, enfim, foi uma fase bem produtiva do Márcio com todos esses lançamentos. Nos

últimos anos, o Márcio já tinha uma cabeça muito diferente, ele deixou de ser um cara tão

organizado assim, produtivo, detalhista, né? Ele se soltou muito, ficou um cara sem

objetivo na produção dele. Ele estava interessado em tocar, ele gostava de performance

ao vivo, sabe? Ele parou de se interessar pelo sucesso, parou de perseguir um lugar ao

sol, digamos assim. Ele se entregou realmente ao que ele gostava de fazer que era

performance, de ligar os efeitos no trompete, as luzes, a fumaça e ficar ali dentro daquele

clima que ele criou e ponto. Ele perdeu, digamos assim, o compromisso com o sucesso.

Não é perdeu, ele não quis mais o compromisso do sucesso. Eu notei nitidamente isso no

Márcio, ele parou de buscar o sucesso, esse compromisso era uma coisa cansativa pra ele,

entendeu? Ele estava afim era de ficar tocando o trompete dele. Ele criava esse ambiente

especial pra ele, entrava ali dentro daquele círculo que ele traçava e começou a viver

dentro disso. Tanto é, que no final da vida dele, quando eu vi que ele estava já com os

dias contados, como terapia, eu comecei a trabalhar as coisas que tinha no computador

dele, que eram mais de dez anos de tentativas de discos, ele estava sempre fazendo disco

e nunca acabava, entendeu? Foram mais de dez anos isso. Então, eu comecei a levantar

junto com ele as coisas que estavam no computador. Tinha muita coisa que o trompete já

estava gravado, mas que faltava isso ou faltava aquilo... Eu comecei a anotar música por

música, o que é que ele tinha e o que é que ele gostaria de fazer. Conversando sobre isso,

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o tempo foi passando até que ele morreu. Quando ele morreu eu clonei o computador

dele, trouxe pra casa e comecei a refazer o caminho todo que ele tinha feito, incluindo

Reason, você conhece o Reason?

M: Sim.

L: Ele tinha feito muita coisa com programação MID, o Márcio quando descobriu o MID,

achou que tinha descoberto a pólvora [risos]. Ele ficava feliz pra caramba com as novas

possibilidades tecnológicas, porque justamente ele foi um cara muito ligado na questão

da tecnologia da música, né? Então, ele começou a ficar cada vez mais em casa

pesquisando essa nova forma de fazer música. Inclusive, pra mim isso é muito engraçado

porque quando ele descobriu isso aí tudo eu já estava no capitulo dez e ele vinha falar pra

mim todo entusiasmado do capitulo um. Mas enfim, a gente sentou e começamos a

desenhar o disco ideal que ele queria fazer e, eu prometi pra ele que esse disco ia ser

acabado. E foi o disco que eu fiz depois que ele morreu, que, aí eu peguei todas as nossas

conversas, estavam ali tudo escrito, cara, estava tudo já mapeado, quem ia fazer isso ou

aquilo, quem nós íamos chamar, já estava tudo pré-produzido. Eu fiz uma pré produção

com ele, entendeu? E aí, voltei à estaca zero, eu tive que remontar os sons do MID que

ele estava procurando. Porque aí que tá, o Márcio já estava trabalhando de uma forma

completamente desorganizada, então, ele não chegava aos finais dos projetos dele. Ele

estava mais interessado na pesquisa do que nos resultados, é isso. O Márcio sempre falava

ironicamente desse negócio com compromisso com o sucesso, numa coisa que ele

ironizava, sabe? Ele não estava nem um pouco interessado no sucesso social, no sucesso

comercial, ele ironizava dizendo: “A corrida pelo sucesso!”.

M: Se o Márcio tivesse tido pouco trabalho ou não tivesse uma condição financeira

favorável para se viver de música ele pensaria diferente?

L: Olha, esse será aí não existe. Não existe esse tipo de questionamento porque o cara já

morreu, entendeu? Talvez se ele tivesse vivido mais ele tivesse produzido de outra forma.

Porque a verdade é que ele era um cara também em constante mudança. O Márcio não foi

um cara acomodado, você não pode dizer que ele foi um profissional de música que pegou

um cargo na orquestra sinfônica e ficou lá recebendo salário, não era nada disso. O Márcio

era um pesquisador livre, entendeu? E ele nunca assumiu compromissos de família, filhos

e tal, coisas que fizessem ele ter obrigações financeiras, sabe?

M: Léo, muito obrigado pela atenção e colaboração para esse trabalho, possivelmente no

decorrer do mesmo, eu possa lhe procurar novamente. Mais uma vez, muito obrigado!

L: Eu só queria dizer mais uma coisa, o Márcio pra mim, ele foi também um mestre, né?

Porque o mestre não é aquele que te ensina, é com quem você aprende. Eu aprendi muito

com o Márcio, foi o que eu te falei, ele foi o cara que me fez acreditar que era possível

criar um caminho meu dentro da música instrumental brasileira, foi uma inspiração no

sentido de organizar. O Márcio tinha uma capacidade também de montar bandas, grupos

espetaculares, ele era um grande capitão de equipe, entendeu? Era um grande

comandante, ele conseguia passar toda a intenção musical dele pra banda, ele tinha um

poder muito carismático sobre os músicos, entendeu? Então, o trabalho dele era um

trabalho assim muito bem feito até um determinado ponto, um trabalho que influenciou a

mim e a maioria dos músicos que estão em atividade hoje, ele influenciou todo mundo.

Influenciou justamente com a organização, com a liberdade, com as mudanças, ele foi o

cara que abriu as portas, sabe? Ele abriu caminhos largos pra música instrumental de hoje,

eu acho que ele é um pioneiro.

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2. Entrevista concedida por Cristina Cordeiro no dia 6 de novembro de 2014,

em sua residência, localizada em São Conrado, Rio de Janeiro.

Marcelo: Cristina, como foi seu primeiro contato com o Márcio?

Cristina: Eu conheci Márcio no final de 1992, ele foi fazer um show em Brasília. Eu era

cantora, quando ele ia pra lá, ele tocava com os garotos que tocavam comigo, o Marco

Brito, o “Nema” Antunes baixista, o Herivelto... Nós tínhamos essa banda lá, então ele

foi tocar lá, fazer um show e os meninos me apresentaram a ele e ele me disse que iria

dar uma canja com eles lá no outro dia. Eu fiquei perturbada pra caramba [risos], imagina?

O cara é meu ídolo! Eu até queria fugir da canja, mas os meninos diziam: “não, vai ter

que ir... O Comandante...”, porque o chamavam de “Comandante”. Aí, eu terminei indo

e dei a canja, porque também era minha banda, né? E eu me senti super confortável [risos],

aí foi assim, eu conheci ele nessa situação.

M: Ele ia bastante pra lá?

C: Ele ia. Lá tinha ou ainda tem um Pub que é pra música instrumental, que é o Gates,

mas cantores também fazem. As pessoas de Brasília adoravam ele! Mas eu, foi a primeira

vez que tive contato com ele foi dessa vez, que ele foi fazer esse show. Aí terminou que

a gente se conheceu e eu fiquei assessorando ele lá em Brasília e ele me convidou para

vir pro Rio e eu já fiz as malas e vim [risos]!

M: Você chegou a conhecer os pais do Márcio?

C: O pai não. O pai dele morreu faz bastante tempo, mas eu conheci a mãe e a tia, que

foram pessoas importantíssimas na vida dele. Super pianistas, as mulheres tocam pra

caramba [risos]! A mãe, nossa, ela tinha uma pegada de piano impressionante.

M: Voltada pra música popular ou música erudita?

C: Não, música erudita.

M: Ela chegou a tocar ou dar aulas aqui no Rio?

C: Ela dava aula na escola de música. A tia também, sempre deu aula.

M: Ah, foram professoras as duas?

C: Foram.

M: Como se chamava a mãe do Márcio?

C: Era Neida Cavalcante Montarroyos.

M: E a tia?

C: É Nail, não é Montarroyos, mas tem o sobrenome do marido dela. É Lucas.

M: Montarroyos era por parte da família do pai?

C: Do pai. O pai do Márcio era um General do Exército. E ele começou tocando trompete

na Banda do Exército, assim com uns sete anos de idade ele já começava...

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M: O Márcio?

C: É, o Márcio.

M: No regimento onde o pai trabalhava?

C: É.

M: O Márcio teve formação militar?

C: Eu acho que não. O Márcio desde pequeno ele já era... Quer dizer, isso eu não sei

direito não. Eu acho que ele estudou no Colégio Militar mas não seguiu carreira de militar

não. Ele já era músico mesmo. Com quatorze anos ele fez o seu primeiro show

profissional.

M: Como trompetista?

C: Como trompetista. Ele começou como pianista por causa da tradição da família que

era piano, mas aí ele logo se interessou pelo trompete.

M: Existe uma gravação de um programa de televisão sobre o Free Jazz, no qual o Léo

Gandelman faz uma apresentação onde ele diz que o Márcio era filho, neto e bisneto de

músicos. Você tem alguma história sobre essa genealogia musical?

C: Não, eu sei que a avó, como eu te disse, todas as mulheres da família dele sempre

foram musicistas. Tem uma prima dele que também toca piano, é professora de piano.

M: Mora aqui no Rio?

C: Mora, ela também mora no Grajaú. Mora com a mãe dela, a Dona Nail.

M: O Márcio chegou a comentar alguma coisa desse primeiro show profissional dele?

Por exemplo, onde foi, com quem foi e etc.

C: Não. Ele só dizia que com quatorze anos estava fazendo o primeiro concerto dele.

M: Ele começou com o piano e passou para o trompete, mas como se sucedeu isso?

C: Menino, isso a Dona Nail vai saber te dizer melhor!”

M: Mas ele chegou a comentar com você se ele estudou com alguém ou alguma escola

aqui no Rio?

C: Ele estudou na Berklee, né? Eu só sei a partir daí. Mas aqui no Brasil a Dona Nail vai

saber te dizer com mais propriedade.

M: O que incentivou o Márcio a ir estudar fora do país?

C: Foi assim, ele foi fazer uma apresentação e o “Boni” quando ouviu ele tocando, ele

pirou [risos], e aí, o “Boni” ofereceu essa bolsa pra ele, ajudou ele, parece que deu a

passagem e tudo. O “Boni” disse que quando viu aquele cara tocando ele ficou tão louco

que o chamou e disse que o ajudaria. Aí ele abriu todas as portas pra ele estudar em

Berklee, então ele foi e acho que ele estudou dois anos lá. O “Boni” até diz no blog dele

que quando o Márcio chegou de volta, foi fazer um show ele deu um espetáculo maior

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ainda exibindo todas aquelas lindas notas como se fosse gratidão, agradecendo tudo o que

ele tinha feito, porque foi uma grande oportunidade pra ele.

M: Você sabe em que época ele foi?

C: Não sei te dizer exatamente, mas isso não será difícil de descobrir. Eu acho até que eu

tenho algum release que eu posso te dar, com detalhes mais preciso sobre isso.

M: O Márcio teve apoio da família na escolha da profissão?

C: A família dava todo apoio. Porque elas eram musicistas, né? Uma vez, quando ele era

criancinha, ele estava no carro com a mãe e tocou uma música no rádio e ele começou a

cantar, nisso a mãe já ligou aquele “ouvidão” e já pensou: “Nossa! É afinadíssimo”! Pra

ela isso foi um presente, né? Tanto que ela adora, o Márcio foi um filho muito querido,

porque além de músico, ele era uma pessoa muito especial. Ele sempre foi uma pessoa

fora do comum mesmo.

M: O pai também o apoiava pela escolha da profissão?

C: Eu acho que sim. E não o conheci, mas parece que o pai era bem gente boa, porque ele

amava o pai. Mas o pai faleceu muito cedo, ele faleceu montado num cavalo. A família

tem uma tradição da cavalaria e o pai tinha essa relação com cavalo. Isso faz muitos anos,

mas me lembro de que isso foi um choque pro Márcio, porque ele tinha uma relação com

o pai muito interessante. A família toda, a mãe, a tia, a família da tia são um pessoal muito

bacana e todo mundo tinha o Márcio assim como um ídolo, porque ele era um músico

fantástico.

M: Ao longo do período de convivência de vocês, como era a rotina dele de estudos?

C: Olha, o Márcio tocava todos os dias, todos os dias! O estudo dele era uma música, pra

mim pelo menos [risos]. O Márcio fazia questão de ser o melhor. Ele era considerado o

terceiro melhor do mundo, mas pra mim ele era o primeiro, porque eu andei vendo o

primeiro e o segundo e.... [risos]. Aí eu disse, não dá! Porque um tinha aquele trompete

muito agudo e o jeito, o estilo do Márcio era muito próprio, ele fazia uma música que

qualquer um podia entender. Apesar da complexidade de que ele tocava, ele fazia pra ser

ouvido, entendeu? Qualquer um se emocionava com ele, qualquer pessoa totalmente

leiga. Tudo porque ele sabia comunicar. E isso era uma coisa incrível que eu acho. Eu

acho porque tinha um sentimento, a música dele tem sentimento, é uma coisa quase

falada, é uma coisa que você entende, sabe? Eu achava isso impressionante, como ele era

um incrível comunicador musical e como pessoa também. O Márcio não tinha um show

para músico, ele tinha um show para as pessoas.”

M: Como era a dinâmica dele de ensaio, você chegou a acompanhar alguma coisa?

C: Eu assisti muitos ensaios e ele era severo com os músicos, era uma coisa incrível como

ela era General mesmo, as pessoas tinham medo dele, mas era... O André Neiva é um cara

que se você quiser conversar com ele, ele vai saber te dizer várias interessantes histórias,

né? Um dia ele me disse isso: “Cris, um dia nós estávamos ensaiando e a música estava

assim tão elevada, estava uma coisa absurda o quanto nós estávamos conseguindo uma

sintonia do conjunto, né? De repente, todo mundo de olho fechado e viajando, quando o

Márcio gritou: Para tudo. Não é possível, vocês estão acabando com a minha música.

Vamos fazer outra vez!” E o André me disse: “Cris, a gente foi pra um lugar muito mais

incrível! Eu não imaginei que pudesse ter esse lugar, eu imaginei que estava perfeito, mas

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o Márcio não gostou [risos]”. Mas depois disse que ele fez algumas considerações, mas

ele não poupava palavras, mas tudo isso para sugar o máximo do músico. O Márcio tinha

uma frase que ele sempre dizia: “É muito bom ver uma pessoa fazer o que ela sabe de

melhor! Eu sempre sugo do músico o máximo que eu posso tirar”. Ele dizia: “Quando ele

acha que tá no máximo, eu consigo mais ainda!” O Márcio era um cara absurdamente

exigente mesmo com as pessoas, mas isso tudo porque ele também era exigente com ele

também. Ele tinha que ser o melhor.

M: Cristina, com relação à prática diária do Márcio, ao que você pôde observar, existia

uma sequência lógica, como por exemplo, aquecimento, estudos de escalas, músicas e

etc?

C: O Márcio era muito técnico, né? Ele tinha esse sentimento, mas tinha uma precisão.

Eu acho que tinha muita lógica sim, uma lógica matemática sim no que ele fazia, era uma

coisa muito brilhante.

M: Ele tinha muitos materiais, métodos?

C: Tinha, ele tinha muita coisa. Ele tinha um guarda-roupa lotado de coisas e logo quando

ele morreu, eu dei algumas coisas para um trompetista que era muito amigo do Márcio.

Algumas coisas eu guardei e outras eu dei para esse meu amigo de Brasília para ele

digitalizar e colocar nesse livro.

M: Como o Márcio compunha?

C: Ele compunha ao piano. Ele sabia tocar piano. Ele tinha um teclado, tinha um

tecladinho de brinquedo que ele chamava de “perereca”, tinha o piano e o trompete.

Então, na performance dele, além dele ter um pianista, ele levava o piano dele. Agora ele

sempre estava compondo uma coisa ou outra. Depois que nós nos casamos, ele fez esse

disco, fez esse outro disco que o Léo Gandelman produziu e devem ter ficado algumas

coisas pelo caminho.”

M: Ele comentava sobre fonte de inspiração?

C: Ele gostava muito do mar de Angra, então, Angra, barco, essas coisas eram a grande

inspiração dele. Ele dizia: “Quando eu morrer, podem me jogar no mar de Angra”. Então

ele ia pra lá e levava o trompete. O trompete ele carregava pra cima e para baixo [risos].

M: O Márcio teve uma participação muito ativa na indústria fonográfica, gravando com

diversos cantores. Dentre todos eles, teve algum cantor muito próximo dele?

C: Eu sei que todos os cantores queriam tocar com ele, né? Queriam que tivesse uma

“canja” do Márcio. Primeiro porque quando ele chegava aos estúdios para gravar,

enquanto ele fazia assim, o pessoal já estava gravando e muitas das vezes já era aquilo,

não precisava mais nada. E o Márcio, ele só ouvia um pedacinho da música, só o trecho

que ele iria gravar e já era. Por isso que ele gravava com todo mundo. Gravou com muita

gente.

M: Qual teria sido a maior influência do Márcio, uma pessoa que ele admirasse muito

musicalmente?

C: Isso eu não vou saber lhe dizer direito, mas quando eu cheguei de Brasília pra cá, eu

tinha meus ídolos e logo quando eu cheguei ao Rio eu disse pra ele que eu gostaria de

conhecer fulano, beltrano e tal... E ele me disse assim: “Você tem certeza que você quer

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conhecer?” Não queria conhecer os seus ídolos. Porque ele disse que o ídolo dele ele

conheceu nos Estados Unidos, foi lá, fez a maior confusão para ir ao show, depois foi ao

camarim falar com o tal do ídolo, que eu não me lembro quem é, e me disse que fez um

convite, convidando-o para vir ao Brasil e tal, mas o homem foi tão estúpido que o Márcio

deixou de ser fã dele. A partir daí, o Márcio lançou um provérbio assim: primeiro a pessoa

tem que ser gente fina e depois tocar pra caralho [risos].

M: Cristina, conseguimos avançar bastante aqui, porém, existem umas coisas bem

específicas que eu terei de conversar com alguns músicos com quem o Márcio trabalhou,

mas de qualquer forma, muito obrigado por disponibilizar o seu tempo e me receber em

sua casa. Seria possível tirar algumas fotografias dos instrumentos do Márcio, caso vocês

ainda os tenha guardado?

C: Sim, claro! Aliás, o Márcio cuidava desses instrumentos, vivia limpando e lavando!

3. Entrevista concedida por Nail Cavalcante “Dona Nail”, em 7 de novembro

de 2014, na cidade do Rio de Janeiro. A entrevista conta a participação de

sua filha, Maria Elizabeth Lucas “Beth”.

Após apresentar os objetivos do trabalho a Dona Nail, ela começou a falar...

Dona Nail: Minha filha tocou com ele várias vezes, tocaram aqui o concerto em primeira

audição de “Lovelock”, ninguém conhecia. Ela tocou com ele se apresentando numa

novela da TV Globo (O Bravo) tocando esse concerto de Lovelock. Isso foi gravado na

Casa de Rui Barbosa. Minha filha decorou o concerto para se apresentar, o preparou em

três dias. Eu havia perguntado a ela se ela o tinha decorado para fazer a filmagem e ela

me respondeu dizendo que não era pra eu me preocupar porque eles só seriam filmados e

mais nada. Mas eu disse a ela para ver se realmente ela havia decorado. Sabe o que

aconteceu? Roubaram a partitura, porque não havia aqui a partitura, foi uma amiga que

me trouxe de lá, e o Marcinho tinha a dele, porque ele veio dos EUA e trouxe e, uma

amiga trouxe pra ela estudar, mas sumiu. Aí, o Márcio disse: “por isso que eu não gosto

de tocar com quem não é profissional. É por isso, você me perde a partitura”. Roubaram

a partitura. Ela havia deixado em cima do piano de calda e foi conversar com os artistas.

Na hora da gravação, o Márcio disse a ela: “se você errar eu não repito. Eu não repito

cena”. Aí, menino, eu tive uma dor de estomago terrível, mas ela tocou tudo de memória.

Ela não sabia se sabia se conseguiria, mas tocou. Depois que acabou que ele havia dado

um esculacho nela ele me disse: “Titia, ela é formidável!”

Ele foi um inovador. Isso, você sabe que o inovador nasce com uma visão muito

acima do que o homem normal, como no caso de Villa-Lobos, eu fui aluna de Villa-

Lobos! E ele foi muito mal aceito, as obras dele não faziam parte do currículo da Escola

Nacional de Música. Quando eu prestei concurso, não poderia se tocar Villa-Lobos,

porque ele era considerado músico popular. Atualmente ele é reconhecido mundialmente,

mais no exterior que aqui no Brasil. Ele nunca saiu daqui à custa do governo brasileiro,

nunca. Ele saiu daqui a convite do estrangeiro. Eu tive o prazer de conviver com ele e

tenho grandes recordações! Mas por isso, eu vejo que o meu sobrinho realmente era um

criador. Você precisava vê-lo tocar comigo no piano e dizer assim: “Titia, você toca com

a mão esquerda...” Então, você conhece “Congadas Mignone”? É uma peça de um

compositor brasileiro. Então, eu tocava com a mão esquerda e ele tocava o solo. Aí, ele

me disse: “Sabe que ninguém faz isso Titia?” Eu disse a ele: “Meu filho, essa mão está

tocando, mas a outra também está! Ela não toca no instrumento, mas está tocando aqui!”

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Você já ouviu falar no Klein? Foi um grande músico! Ele tinha uma admiração

pelo meu sobrinho. Ele dizia assim: “Você vai da música erudita ao jazz”. O jazz é muito

difícil, é muito difícil!

O Márcio tocou muito também com o Nelson Freire, considerado o maior

pianista mundial. O Márcio dizia assim: “O Nelsinho, Titia... O Nelsinho tem a piscina

dele e aqui o piano, ele vai à piscina e vem pro piano, vai à piscina e vem pro piano”. Eles

são fanáticos pelo trabalho que realizam. É o que o meu sobrinho era. O Marcinho era

muito admirado e respeitado! E como ele respeitava o bom músico! Nas apresentações

em que eu estive presente, ele sempre fazia uma alusão a nós, né?

Beth: O Marcinho foi fazer escola de música, né? Minha tia era professora lá na Escola

Nacional de Música. Naquela época só existia um professor de trompete, o professor

Rubens Brandão. Mas o Rubens não aguentou com o Márcio [risos]. A preocupação da

minha tia era de que o Márcio tivesse um diploma, sabe como é que é, né? A gente fica

preocupada, ainda mais nesse país... O professor Rubens disse que não tinha nada a

ensinar ao Márcio! E realmente, o Márcio estava anos luz na frente do Rubens. Isso foi

depois que ele voltou da Berklee, porque minha tia cismou que ele tinha que ter um

diploma de qualquer jeito. Ela enchia o saco dele, mas ninguém podia com o Márcio, né?

Ele estudou um pouco na Escola Nacional, mas não chegou a completar, não.

O Márcio estudou uma época no Colégio Militar, você imagina o caos que não

era né [risos]? O meu tio era militar, então, volta e meia ele era chamado no Colégio

porque o Márcio fugia das aulas para tocar na Banda. E foi assim que ele começou a tocar

trompete. Aí meu tio deu um trompete pra ele. O Sargento colocava presença pra ele...

Na escola não entendiam, porque que ele tinha presença se não tinha comparecido às

aulas, por isso, o meu tio era chamado na escola [risos]. Aí, desistiram de Colégio Militar

pro Márcio! Não era o perfil dele, não adianta.

Marcelo: Dona Nail, como se iniciou a trajetória musical na família?

N: Desde minha avó, que foi aluna de Arthur Napoleão. Depois foi minha mãe, que foi

aluna de Henrique Oswaldo, depois foi a mãe dele que foi aluna de Góes, todos

professores da Universidade. Mas naquele tempo não era Universidade, era Instituto

Nacional de Música e depois Escola de Música. Aqui em casa era assim, aniversariou, as

pessoas tocam, cantam e recitam. Um toca violino, outro toca violão, outro toca piano,

outro toca acordeom, aqui festa era assim, não era só comer e bater papo, não, tinha que

ter o sarau. Pra você ter uma ideia, eu tive aqui em casa tocando sabe quem? Pixinguinha.

Comendo feijoada! Mamãe tocava e tinha um ouvido maravilhoso, ouvia todas as notas!

Ela tocou no cinema mudo, vendo o Carlitos e tocando [risos]! Ela sempre incentivou

música, pra você ter uma ideia, no colégio poderia tirar cinco, mas na escola de música

tinha que se tirar dez. Música pra ela era o principal e o resto era complemento de

educação.

B: Eu acho que a grande responsável pela música foi a minha avó, minha bisavó tocava

também, mas minha avó era uma pessoa que incentivava, achava lindo e ela ficava

pegando no nosso pé pra gente tocar. Ela foi a grande responsável por nós termos feito

música. Só eu e o Márcio seguimos carreira, todos os outros irmãos dele tocaram e

gostavam muito de música, mas não seguiram. Pra você ter uma ideia, toda festa aqui em

casa a minha avó ficava ali e dizia para gente ir tocar, ficava nos chamando! Agora, de

onde vem eu não sei, porque eu já conheci minha bisavó tocando [risos]!

M: Dona Nail, o pai do Márcio o apoiava?

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N: Sim, existia uma aceitação total! Mas quando ele era menino, não, ele queira que o

Márcio fizesse colégio militar, mas ele fugia como eu acabei de contar [risos]. Ele chegou

a ser reprovado. Os outros dois irmãos terminaram o colégio militar, mas ele não.

M: O Márcio manteve o estudo do piano?

N: Não, ele não estudou piano, ele tocava, estudou um pouco, mas não se interessou. Ele

tocava um pouco de tudo, o que você desse a ele, ele tocava. Pra você ter uma ideia, um

dia fizemos uma viagem até Manaus, toda a família. Lá ele viu um berimbau e disse que

conseguia tocar o instrumento. Quando chegamos aqui no Rio, meu marido deu um

berimbau a ele e disse que iria trabalhar, disse também que daria cinquenta cruzados ao

Márcio se ele tocar o berimbau quando meu marido retornasse. Quando o Márcio voltou

do trabalho ele pediu à minha mãe para tocar alguma coisa no piano que ele iria

acompanha-la no berimbau. Não é que ele tocou e ganhou os cinquenta cruzados! Na

viagem ele tocava toda noite, mamãe tocava piano, meu filho tocava bateria, Márcio no

trompete, ele ganhou do comandante uma estrela com o símbolo da marinha.

M: Quantos anos o Márcio morou na casa da senhora?

N: Ele sempre morou aqui conosco, ele saiu daqui para fazer Berklee, nos EUA, quando

voltou ele se casou e foi morar com a Cristina.

M: Foi uma bolsa que ele teve para estudar fora do país ou teve um custeamento de vocês?

N: Os pais o ajudavam, não tenha dúvida. Eu nunca precisei ajudar, porque minha irmã

era professora da UFRJ e meu cunhado era Coronel, então, eles tinham condições de

ajudar o filho.

M: Dona Nail, caminhamos bastante em nossa conversa, daqui pra frente são questões

muito específicas do instrumento que eu encontrarei através das análises dos solos do

Márcio. Agradeço muito a sua atenção em nos receber em sua casa. Muito obrigado!

N: Obrigada você, meu filho! Que você possa realizar um bom trabalho!

4. Entrevista concedida por Christina Menezes em 12 de novembro de 2014, via

skype.

Marcelo: Christina, qual a era a sua ocupação no momento em que você conheceu o

Márcio?

Christina: Bom, nós nos conhecemos muito jovens, fomos muito amigos e até ele ir aos

EUA e eu ir também, lá nos nós nos juntamos, nunca fomos casados legalmente, aliás,

ele nunca foi casado legalmente com ninguém [risos]. Ainda éramos estudantes quando

nós nos conhecemos, ele estudava no Colégio Militar, então, eu ainda não tinha formação

nenhuma. Depois eu fui fazer outras coisas e tal... Quando eu viajei para os EUA, eu

larguei o trabalho, larguei o que eu tinha, para viver esse sonho de morar fora com ele e

tal. Ele ia estudar na Berklee e, coisas que a gente faz quando é jovem [risos], eu larguei

um excelente emprego, mas foi muito útil, porque hoje eu ganho a vida muito pelo que

eu aprendi lá e pelo nível que meu inglês chegou, porque eu aprendi morando lá. Isso já

tem bastante tempo, hoje em dia eu sou tradutora tem quase vinte anos. Ele também nessa

época tinha uma relação com a Célia Maira Vaz, que é guitarrista e violonista, que

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também é minha amiga hoje em dia, e estudaram juntos na Berklee. Essa época é muito

rica, porque o Vitor Assis Brasil estava lá, o Claudio Roditi estava lá, o Vitor tinha uma

orquestra muito legal, um bandão de jazz, enfim, isso foi em 1972, foi uma época muito

rica. Eu não tenho muito certeza, você terá de verificar isso, mas quando a gente ouviu a

primeira vez pedais de wah-wah, essas coisas todas, eu acho que foi com o Miles Davis

que tocou lá. Boston tinha muitos músicos, o Weather Report se apresentou lá.. Espere!

me deixa achar aqui meu e-mail... Então, muita coisa moderna apareceu lá. Então, eu não

me lembro direito se foi a primeira vez que a gente ouviu aquela coisa ao vivo com o

Miles Davis ou não. Isso você vai ter que ver se em 1972 ele já usava essas coisas ou não.

Aí voltamos pro Brasil e eu comecei a trabalhar com o Márcio, porque como ele começou

a tocar na noite, fazer gravações, essas coisas todas, não dava pra ele ter uma vida muito

comum de escritório e de trabalho. Então daí, eu ter produzido shows e produzido as

músicas, produzido os discos, sempre mais ou menos aparecendo, mais ou menos não. E

o Stone Alliance, esteve aqui, como eu te mandei por e-mail, eles foram convidados, eu

não me lembro se foi pelo consulado, não me lembro nem quem levou a gente lá, acho

que foi o Salomão, mas não tenho muita certeza, que era um agente que trabalhava numa

gravadora, acho que na CBS, não tenho muita certeza. E a gente foi assistir num lugar,

acho que em Copacabana, não era nem no Teatro... E aí, eles se apaixonaram, o Gene

Perla meio que já conhecia alguma coisa e resolveram fazer esse disco. Como na época o

Márcio tinha tocado com o Hermeto, ou ainda tocava, então chamou o Hermeto, e outra

rapaziada. Então, eles ficaram encantados uns com os outros e combinaram essa gravação,

foi tudo uma coisa muito rápida e muito criativa. Eram pessoas muito criativas. Eles

ficaram aqui um tempão, eu esqueci quanto tempo, eles foram ficando... Depois, esse

disco terminou de ser mixado lá na fazenda do Gene Perla e do Jan Hammer, que tinha

um estúdio fabuloso no meio do mato, era um lugar chamado Peterson, uma micro

cidadezinha ao norte de Manhattan. Ficamos lá, acho que um mês inteiro na casa deles

mixando esse negócio e ficou realmente um disco muito interessante. Eles precisavam de

uma foto pra capa e eu tirei a foto lá mesmo. Pra minha surpresa, puseram crédito pra

mim [risos]! Foi um disco autoral deles todos, porque eram todos muito novos. O Perla e

o Don Alias são mais velhos, o Steve Grossman tinha a idade da gente, mais ou menos.

Depois ele acabou indo pra Argentina, casou-se com uma moça lá que eu acho que

chamava Graziela ou coisa assim, mas era uma época muito de Rock and roll e drogas e

tudo mais e então Steve Grossman meio que se perdeu um pouco, foi o que pegou mais

pesado deles todos. E assim foi feito o disco, quer dizer, todo mundo topou o convite, foi

um disco feito... Eu nem me lembro quem estava bancando isso porque... Bom, realmente

eu não me lembro. Eu sei que todo mundo topou, todo mundo tocou e ficou um trabalho

excelente, muito adiantado pra época.

M: Christina, o Márcio falava inglês já?

C: Sim, falava.

M: Houve uma bolsa pro Márcio ir estudar nos EUA?

C: Houve uma bolsa na época, é comum, era uma bolsa de estudos, na época... Bom, eu

não me lembro dos detalhes todos, mas ele vendeu o fusca que ele tinha e já trabalhava

bem aqui, já se trabalhava bastante, teve também um pouco da ajuda do pai, no caso dos

pais, e depois do meu pai também um pouco, mas basicamente, ele trabalhava um pouco,

fez alguns shows, fez alguns conjuntos, algumas poucas apresentações que dava para

fazer e vivemos, quer dizer, era uma vida possível naquele tempo. Não se tinha carro, era

bicicleta!

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M: Christina, há uma matéria do jornal “O Globo” em que o Márcio se refere ao Boni

como sendo uma pessoa que gosta muito de música instrumental e ajudava diversos

músicos. Como era essa relação entre o Márcio e o Boni?

C: Ajudou sim e eu vou te dizer como. Nós tivemos um problema no lançamento do disco.

Os Stones Alliance quiseram vir ao Rio fazer o lançamento. Até eu achei no Youtube um

pedacinho de uma das músicas que aparece o Sérgio Dias de guitarra, que participou do

show no Teatro Clara Nunes. Então, nós fizemos o lançamento, é.... Nos programamos

para lançar o disco. Era um sete de setembro, uma data meio esquisita, porque no Rio de

Janeiro todo mundo saia, mas, é... O conjunto viria. Só que o Don Alias, que estava

namorando na época a Joni Mitchell, resolveu vir mais cedo para passear no Brasil. E os

outros vieram. Resultado, nós não tínhamos uma permissão de trabalho para poder fazer

o show, eles não esperaram a carta convite pra nós conseguirmos a documentação pra

eles conseguirem fazer o show. Então, de repente nós ficamos com um prejuízo, uma

conta imensa para pagar, porque eles tinham que sair do Brasil pra voltarem de novo, pra

esperarem a carta, tínhamos que pagar um despachante, temos que lembrar que isso era

ditadura e era tudo muito mais difícil, o teatro estava fechado já, quer dizer, já tínhamos

um monte de propagandas, divulgação, enfim, aí, o Boni ajudou bastante porque ele

colocou à disposição toda a infraestrutura, advogados e despachantes da Globo. Isso

realmente existiu e se não fosse isso, nós realmente não conseguiríamos. Pedimos

dinheiro emprestado para todo mundo, irmão, pai, mãe, qualquer um. E Sérgio Dias cedeu

todo equipamento que ele tinha, na época eram equipamentos fantásticos e também tocou.

Os músicos brasileiros toparam. Aí sim, os Stone Alliance resolveram que queriam ser

pagos e não era pouco dinheiro. Antes, o combinado era tocar pela bilheteria. De repente,

nós precisávamos de muito dinheiro e não se tinha muito dinheiro nessa época. Então,

tivemos ajuda de irmão, pai, amigo, de Sérgio Dias, dos outros músicos, do técnico de

som, todo mundo se juntou e o Boni, realmente nesse ponto foi fantástico porque ele

colocou toda aquela estrutura, mas ainda sim, nós tivemos que pagar alguma coisa, mas

foi ridículo o que a gente pagou, porque ele era muito poderoso na época e bancou uma

grande parte. Não só bancou uma grande parte da coisa, como deu o caminho que a gente

nem tinha ideia qual era. Nós não sabíamos lidar com essas coisas, não tínhamos agente,

não tínhamos empresário, o empresário era eu, então, não adiantava grande coisa. Aí, com

tudo organizado, eu acho que eles foram até o Uruguai ou Argentina, não sei, foi a viagem

mais barata que se conseguiu, e voltaram dentro da lei, tocaram, fizeram um fim de

semana de show, eu não me lembro quantos dias, mas foi um sucesso estrondoso de

público, deu pra pagarmos nossas dívidas, não deu para fazer dinheiro, mas também não

deu prejuízo. Tivemos também a ajuda luxuosa do Sérgio Dias, dos Mutantes, que não

cobrou pela aparelhagem. Essa coisa foi muito linda, ele era muito amigo do Márcio,

enfim, houve uma ação entre amigos.

M: Christina, qual foi o motivo que levou o Márcio a estudar fora do país?

C: Só existia a Berklee na época para se estudar arranjo, jazz, etc. Não existia Unirio,

Unicamp, nada disso. Estudo de música no Rio era só a Escola Nacional de Música, onde

se estudava só erudito, onde ele estudou também, mas ele conhecia bem aquilo, não tinha

nenhuma possibilidade de música popular e de jazz, era o que ele gostava. E a Berklee

era o lugar pra se estar, a “Meca”, além do que era um sonho de consumo passar um

tempo nos EUA, principalmente, para ouvir as pessoas, né? Lá foi que se conseguiu ouvir,

imagina! Miles Davis mais de uma vez, Weather Report em sua primeira formação e

todos os outros que passaram por lá. Ele tinha um amigo nessa época que era sobrinho do

Roy Eldridge, que nasceu no mesmo dia, mês e ano, estudaram juntos na Berklee, é meu

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amigo até hoje. Então, foi isso, não tinha aqui no Brasil nada que pudesse suprir essa

necessidade. Isso foi em 1972, não tinha outra opção, ou era Berklee ou era Berklee

[risos].

M: Como era o relacionamento do Márcio com os colegas estrangeiros?

C: Muito bom! O Márcio sempre teve muita facilidade de comunicação, um senso de

humor extraordinário, então, tinha de tudo um pouco. Tinha uns brasileiros, estavam lá o

Zeca Assumpção, tinha o Claudio Caribé, a Celinha, o Vitor, que nós víamos quase todos

os dias, o Claudio Roditi, que já era amigo dele. Então era assim, um bando de gente

jovem, sem grana e ouvindo música o tempo todo, ouvindo os melhores! Então, acho que

foi isso, o chamado de estar onde o jazz acontecia e, depois, era lá ou lá!

M: Você saberia me dizer as principais influências musicais do Márcio?

C: Com certeza Freddie Hubbard, Charlie Parker, esses caras todos da antiga. Ele

respeitava muito o Louis Armstrong. Eram esses caras todos. Ele decorava esses solos,

ele tirava esses solos todos. Além da vantagem de que ele toca piano muito bem e violão,

aliás, ele tocava qualquer coisa.

M: Desses ídolos todos, ele chegou a conhecer alguém pessoalmente?

C: Sim, conheceu! Conheceu Freddie Hubbard um pouco, encontramos o Dizzy,

conhecemos o Art Blakey, conhecemos o Roy Eldridge, fomos a casa dele, inclusive ele

estava sem poder tocar por conta de um infarto, ah, um monte... Eu não me lembro. Agora

os mais novos ficaram muito amigos. Ele era muito amigo do Randy Brecker, que ainda

é meu amigo. O Randy manteve a amizade até o fim da vida do Márcio. Eu estive com o

Randy na última vez que fui à Nova Iorque, isso já tem dois anos. Conhecemos muita

gente por causa de um amigo do Márcio que tocava trombone, ele sempre gravava com

esse pessoal todo e sempre convidava o Márcio para assistir.

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Anexo 3 - Cd