universidade federal do rio grande do norte … · arquitetura e urbanismo. banca examinadora _____...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
CCOONNFFIIGGUURRAANNDDOO AA CCIIDDAADDEE CCOONNTTEEMMPPOORRÂÂNNEEAA EEMM NNAATTAALL::
OOss pprroocceessssooss eessppaacciiaaiiss eemm PPoonnttaa NNeeggrraa
Eleika Rochelle de Carvalho Bezerra Fechine
Natal/RN Setembro/2009
ELEIKA ROCHELLE DE CARVALHO BEZERRA FECHINE
CCOONNFFIIGGUURRAANNDDOO AA CCIIDDAADDEE CCOONNTTEEMMPPOORRÂÂNNEEAA EEMM NNAATTAALL::
OOss pprroocceessssooss eessppaacciiaaiiss eemm PPoonnttaa NNeeggrraa Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – UFRN, para fins de obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________ Professor Dr. Márcio Moraes Valença - UFRN
(Orientador)
____________________________________________ Professora Drª. Françoise Dominique Valéry - UFRN
____________________________________________
Professor Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - UFRN
____________________________________________ Professora Drª Regina Dulce Barbosa Lins - UFAL
Natal/RN
Setembro/2009
AGRADECIMENTOS Ao Dr. Márcio Moraes Valença, pela liberdade que me proporcionou para
adentrar na interdisciplinaridade, sob a visão generosa e abrangente do
professor orientador, de quem recebi as chaves que me abriram as portas da
economia, das ciências sociais e da geografia, conhecimentos imprescindíveis
à compreensão do todo complexo que é a cátedra urbanismo. A sua
inteligência foi um leitmotiv para o meu desenvolvimento intelectual.
Aos membros do Núcleo de Pesquisa sobre a Habitação e o Espaço
Construído, especificamente, Thereza, Gilene, Felipe, Vaneska, Ana Cândida,
Águeda, Ivana e Camila.
A todos aqueles professores e colegas que conheci durante minha
caminhada de descobrimento científico pelo enriquecimento intelectual que
cada um deles me proporcionou. Meu agradecimento especial à professora
Dra. Maria do Livramento Clementino, pela generosidade acadêmica e pelo
constante sorriso no rosto.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo.
A professora Sylvia Abbott, pela excelente revisão de linguagem.
A Walkiria, pelo carinho e pela notável competência profissional com que
me ajudou, em momentos de grande dor pessoal, e ainda me ajuda na
contínua descoberta do meu eu.
A minha família, por acreditar em mim.
A Glauber Fechine, pelo amor e respeito, pela paciência, pelo estímulo,
pelas discussões sobre os caminhos do meu trabalho e por me prover de foco!
Ele me inspira a querer ser sempre melhor.
E, por fim, agradeço a Stefano Aragona, um irmão adotado por mim, por
fazer-me olhar para o mundo, ver além da inteligibilidade.
Verdade
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Drummond
RESUMO
A presente dissertação trata da configuração do espaço contemporâneo em Natal e os processos espaciais de Ponta Negra. O bairro de Ponta Negra sofreu, com a emergência do turismo, mudanças espaciais e sociais a partir da década de 1990, em particular considerando a intensificação de investimentos imobiliários a partir do marco temporal de 2000, devido ao início do funcionamento do novo terminal de passageiros do aeroporto Augusto Severo. Ponta Negra configura-se então como maior ponto de recepção, de lazer e alocação de investimentos públicos de Natal. Assim, produzem modificações no bairro, novos agentes da produção do espaço. O presente estudo tem por objeto os novos processos espaciais no bairro de Ponta Negra. Aqui, analisar-se a configuração resultante dos novos investimentos imobiliários, públicos e privados, realizados no bairro nos últimos anos, identificando a existência de áreas que, embora homogêneas, são diferenciadas entre si. Três grandes discussões teóricas – Produção do Espaço Capitalista, Desenvolvimento Urbano Contemporâneo e Dinâmica Espacial – dão suporte ao trabalho, além da pesquisa documental e de campo (levantamento de uso e ocupação do solo e levantamento fotográfico), transportada para mapas temáticos interpretativos e tabelas. Concluímos a pesquisa, com a análise detalhada dos processos espaciais do bairro de Ponta Negra sob a influência de processos globais contemporâneos.
Palavras-chave: Desenvolvimento Urbano, configuração urbana, processos espaciais, Natal, Ponta Negra.
ABSTRACT
This dissertation is about the spatial configuration in Natal and processes in the Ponta Negra neighborhood today. Ponta Negra has undergone a number of critical social and spatial changes due to tourism development after the 1990s. It is of special interest to consider the intensification of real estate investment after 2000, when the new airport terminal, located in the neighboring municipality of Parnamirim, was in use. Ponta Negra is the place where most tourists go to, so attracting considerable public investments. New agents of transformation have produced change in the neighborhood as well. The present study aims at analysing the spatial processes in this part of the city. Here, the spatial configuration that resulted from extended real estate investments, both public and private, in recent years, is analysed in detail. The study identifies the multually differentiated, however internally homogenous areas. The concepts of production of space, contemporanean urban development and spatial dynamics are discussed. The research is based on document analysis and field work. Results were plotted to maps and tables. A detailed analysis of the spatial processes in the Ponta Negra neighborhood is undertaken as a conclusion, considering the contemporanean global scenario.
Keywords: Urban Development, urban configuration, spatial processes, Natal, Ponta Negra.
LLIISSTTAA DDEE SSIIGGLLAASS
ECOCIL Empresa de Construção Civil Ltda
PRODETUR
SEMURB
Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste
Secretaria Municipal de Urbanismo
S.O.A.I
ZPA
Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária
Zona de Proteção Ambiental
LLIISSTTAA DDEE FFOOTTOOGGRRAAFFIIAASS
FOTOGRAFIA 01 Vila de Ponta Negra
FOTOGRAFIA 02 Pousada e residência empobrecida
FOTOGRAFIA 03 Impacto visual das novas construções
FOTOGRAFIA 04 Apartamentos voltados exclusivamente para público europeu
FOTOGRAFIA 05 Vilas na vila de Ponta Negra
FOTOGRAFIA 06 Vilas na vila de Ponta Negra
FOTOGRAFIA 07 Vilas na vila de Ponta Negra
FOTOGRAFIA 08 Vista aérea da vila
FOTOGRAFIA 09 Igrejas (dentro da vila de Ponta Negra)
FOTOGRAFIA 10 Igrejas (dentro da vila de Ponta Negra)
FOTOGRAFIA 11 Conjunto Ponta Negra no começo da década de 1980
FOTOGRAFIA 12 Exemplo de residência reformada, com tipologia edilícia
dispare da construção original
FOTOGRAFIA 13 Exemplo de processo de coesão na Avenida limítrofe entre
os bairros de Ponta Negra e Capim Macio
FOTOGRAFIA 14 Exemplo de processo de sucessão no Conjunto Ponta Negra
FOTOGRAFIA 15 Exemplo de coesão das bordas do Conjunto Ponta Negra
FOTOGRAFIA 16 Exemplo de coesão comercial
FOTOGRAFIA 17 Exemplo de coesão comercial perto da feira de artesanato
FOTOGRAFIA 18 Exemplo de rua (Rua Barra de Grossos) com processo
espacial de estabilidade
FOTOGRAFIA 19 Exemplo de pequeno comércio da Rua Praia de Búzios
FOTOGRAFIA 20 Exemplo de “restaurante de bairro” na Rua Praia de Búzios
FOTOGRAFIA 21 Exemplo de estabilidade espacial quanto ao uso e de
conservação da tipologia edilícia de quando em sua origem.
Na Rua Barra de Cunhaú.
FOTOGRAFIA 22 Exemplo de conservação da tipologia edilícia de quando em
sua origem.
FOTOGRAFIA 23 Feira de artesanato de Ponta Negra
FOTOGRAFIA 24 Condomínio Sports Park
FOTOGRAFIA 25 Estádio do ABC
FOTOGRAFIA 26 Corais de Ponta Negra
FOTOGRAFIA 27 Pool de condomínios: da esquerda para direita, Estrela do
Atlântico, dois condomínios da construtora Delphi, Studio
Praia e Varandas de Ponta Negra, Sports Park e um flat.
Processo espacial de Segregação
FOTOGRAFIA 28 Condomínio da construtora Delphi e logo a frente, o processo
de enobrecimento da área, valorizando o imóvel
FOTOGRAFIA 29 Condomínio Horizontal. Rua limítrofe do bairro
FOTOGRAFIA 30 Exemplo de enobrecimento do entorno. Rua Dr. Múcio Vilar
Ribeiro Dantas. Entrada do Condomínio Horizontal
FOTOGRAFIA 31 Verticalidade e evidência quanto a escala dispare em relação
ao entorno
FOTOGRAFIA 32 Vista da Vila de Ponta Negra. Skyline do “Paredão”
FOTOGRAFIA 33 A verticalidade, a coesão e a segregação
FOTOGRAFIA 34 A verticalidade, a coesão e a segregação
FOTOGRAFIA 35 Esgoto em frente ao Beach Resort/ Beach Resort
FOTOGRAFIA 36 Esgoto em frente ao Beach Resort/ Beach Resort
FOTOGRAFIA 37 Orla 1. Morro do Careca
FOTOGRAFIA 38 Processo espacial de degradação
FOTOGRAFIA 39 Coesão e Enobrecimento espacial (atmosfera) e restaurante
Camarões
FOTOGRAFIA 40 Coesão e Enobrecimento espacial (atmosfera) e restaurante
Camarões
FOTOGRAFIA 41 Residências de alto padrão. Exemplos de tipologias edilícias
FOTOGRAFIA 42 Residências de alto padrão. Exemplos de tipologias edilícias
FOTOGRAFIA 43 Hotéis da Orla 2
FOTOGRAFIA 44 Hotéis da Orla 2
FOTOGRAFIA 45 Área non aedificandi
FOTOGRAFIA 46 Vista aérea do Conjunto Alagamar
FOTOGRAFIA 47 Praça do Conjunto Alagamar – Gentrificação
FOTOGRAFIA 48 Apartamentos no Conjunto Alagamar
FOTOGRAFIA 49 Apartamentos no Conjunto Alagamar
FOTOGRAFIA 50 Ruas largas/Torres gêmeas
FOTOGRAFIA 51 Ruas largas/Torres gêmeas
FOTOGRAFIA 52 Coesão – Comércio voltado para o entretenimento
FOTOGRAFIA 53 Coesão – Comércio voltado para o entretenimento
FOTOGRAFIA 54 Coesão – Comércio voltado para o entretenimento
FOTOGRAFIA 55 Coesão – Comércio voltado para o entretenimento
FOTOGRAFIA 56 Exemplo de gentrificação na área de Alagamar
FOTOGRAFIA 57 Vistas de Alagamar com suas ladeiras
FOTOGRAFIA 58 Vistas de Alagamar com suas ladeiras
IIMMAAGGEENNSS
IMAGEM 01 Bairro de Ponta Negra
IMAGEM 02 Área da Pesquisa
IMAGEM 03 Roteiro Fotográfico da vila de Ponta Negra
IMAGEM 04 Roteiro Fotográfico do conjunto Ponta Negra
IMAGEM 05 Roteiro Fotográfico do alto de Ponta Negra
IMAGEM 06 Roteiro Fotográfico do Paredão
IMAGEM 07 Roteiro Fotográfico da Orla 1
IMAGEM 08 Roteiro Fotográfico da Orla 2
IMAGEM 09 Roteiro Fotográfico do conjunto Alagamar
IMAGEM 10 Roteiro Fotográfico de Alagamar
MMAAPPAASS
MAPA 01 A cidade de Natal e localização do bairro de Ponta Negra
MAPA 02 Mapa temático da legislação vigente no período de 2000 à
2007 da área da pesquisa
MAPA 03 Mapa de uso e ocupação do solo da área da pesquisa em
Ponta Negra
MAPA 04 Áreas dinâmicas do mercado imobiliário.
MAPA 05 Processos espaciais na vila de Ponta Negra
MAPA 06 Processos espaciais do conjunto Ponta Negra
MAPA 07 Dinâmica imobiliária do conjunto Ponta Negra
MAPA 08 Processos espaciais do alto de Ponta Negra
MAPA 09 Processos espaciais da Orla 1
MAPA 10 Processos espaciais da Orla 2
MAPA 11 Processos espaciais do Paredão
MAPA 12 Processos espaciais do conjunto Alagamar
MAPA 13 Processos espaciais de Alagamar
MAPA 14 Processos espaciais do bairro de Ponta Negra
QQUUAADDRROOSS
QUADRO 01 Evolução histórica de Ponta Negra
QUADRO 02
Esquema-pensamento dos processos (supostos) de
urbanização do bairro de Ponta Negra no momento
contemporâneo
LLIISSTTAA DDEE TTAABBEELLAASS
TABELA 01
TABELA 02
TABELA 03
TABELA 04
TABELA 05
TABELA 06
TABELA 07
TABELA 08
TABELA 09
Situação imobiliária da Vila de Ponta Negra
Situação imobiliária do Conjunto Ponta Negra
Situação imobiliária do Alto de Ponta Negra
Situação imobiliária do Paredão de Ponta Negra
Situação imobiliária da Orla 1
Situação imobiliária da Orla 2
Situação imobiliária do Conjunto Alagamar
Situação imobiliária Alagamar
Situação imobiliária do Bairro de Ponta Negra
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................... 16 2. PRODUÇÃO DO ESPAÇO CAPITALISTA E O DESENVOLVIMENTO URBANO CONTEMPORÂNEO ............................................................... 23 2.1 A produção do espaço capitalista ..................................................... 23 2.2 Renda da terra ................................................................................... 30 2.3 Agentes produtores do espaço .......................................................... 37 2.4 O desenvolvimento urbano contemporâneo ...................................... 45 3. A DINÂMICA E OS PROCESSOS ESPACIAIS .................................... 51 3.1 Teoria dos circuitos do capital de Harvey .......................................... 51 3.2 Processos espaciais .......................................................................... 62 3.3 Caracterização da área e a metodologia da pesquisa ...................... 76 4. OS PROCESSOS ESPACIAIS E A DINÂMICA IMOBILIÁRIA EM PONTA NEGRA ...................................................................................... 89 4.1 Caracterização dos processos espaciais e da dinâmica imobiliária em Ponta Negra ....................................................................................... 90 4.2 A Vila de Ponta Negra ....................................................................... 92 4.3 O Conjunto Ponta Negra ..................................................................... 103 4.4 O Alto de Ponta Negra ....................................................................... 119 4.5 O “Paredão” - A área verticalizada da avenida Engenheiro Roberto Freire ........................................................................................................ 130 4.6 A Orla 1 ............................................................................................... 139 4.7 A Orla 2 ................................................................................................ 146 4.8 O Conjunto Alagamar ........................................................................ 154 4.9 A área de Alagamar ........................................................................... 161 4.10 Análise geral das tabelas .................................................................. 168 4.11 Sobre a legislação urbanística .......................................................... 170 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 175 REFERÊNCIAS ....................................................................................... 180
16
1 INTRODUÇÃO
A atividade imobiliária é hoje um dos símbolos da economia
globalizada. No recorte temporal dos anos 1980/1990 e no começo do novo
século, houve uma intensificação dessa atividade no Nordeste brasileiro. Muito
dessa intensificação surge a partir da implementação de políticas de
desenvolvimento voltadas para o turismo, o que fortaleceu a economia das
cidades litorâneas nordestinas.
A partir de meados dos anos 1990, o evidente desenvolvimento
do turismo transformou Ponta Negra, um dos bairros de Natal, RN, em
mercadoria nobre ─ no início da década, os empreendimentos ali implantados
eram para fins de serviços e comércio. Com a intensificação da atividade
turística, no novo século, surgiu uma nova modalidade, o turismo residencial ou
turismo de segunda residência. Em conseqüência disso, observaram-se
modificações socioespaciais do lugar e o surgimento de novos agentes
produtores do espaço e de novos processos espaciais.
O bairro de Ponta Negra tem-se configurado, cada vez mais,
embora com diferentes intensidades, como um ponto de recepção, de lazer e
de alocação de investimentos públicos, como no caso específico do
PRODETUR/NE e de investimentos imobiliários. Os investimentos localizam-se
17
basicamente no fortalecimento do setor de serviços, no mercado imobiliário e,
consequentemente, na construção civil.
“Vender a cidade” tornou-se uma das principais funções
econômicas do governo local e em um dos principais campos de negociação
público-privada, mediante a oferta de infraestrutura viária (acessibilidade para
chegar até os pontos turísticos), de serviços turísticos (centros de convenções,
hotéis, restaurantes, equipamentos de lazer) e de serviços turísticos de
negócios1, muitos deles voltados para o setor imobiliário. Nesse caso
específico, o produto dos negócios é o espaço, o lugar, a paisagem de sol e
mar.
Identificado o espaço como o produto a ser vendido, é
imprescindível recorrer-se ao movimento city marketing para explicar como se
dá a transformação do espaço propício ao turismo por intermédio da venda do
imaginário paraíso natural com toda a infraestrutura informacional à disposição
do indivíduo contemporâneo. Esse novo processo é resultante da necessidade
de o governo local encontrar uma alternativa econômica por meio do
investimento privado face à crise do setor público advinda da globalização da
economia. A percepção de que o turismo seria a “tábua de salvação” para
1 De acordo com Andrade (1997, p.73-74 apud ANSARAH, 1999, p. ), constitui “o conjunto de atividades de viagem, de hospedagem, de alimentação e de lazer praticado por quem viaja a negócios referentes aos diversos setores da atividade comercial ou industrial ou para conhecer mercados, estabelecer contatos, firmar convênios, treinar novas tecnologias, vender ou comprar bens ou serviços” grifo nosso.
18
muitas cidades tem levado administrações municipais a adotarem estratégias
competitivas para atrair empresas, turistas e investidores, na inserção dos
fluxos econômicos globais.
O processo de turistificação do bairro de Ponta Negra permite
apontar a emergência de alguns fenômenos, como novos processos sociais e
espaciais; novos equipamentos, como pousadas, hotéis, resorts, condomínios
fechados, flats, segundas residências, entre outros; e nova dinâmica de
emprego e renda nessas localidades.
No movimento city marketing, o turismo de negócios e o turismo
de eventos são elementos adicionais dessa “receita de bolo” junto com a
criação da “cidade espetáculo”, muito característica do urbanismo pós-
moderno. Segundo Sánchez (1999), o city marketing constitui-se na orientação
da política urbana à criação ou ao atendimento das necessidades do
consumidor, seja este empresário, turista ou o próprio cidadão.
No caso da cidade de Natal, esse movimento de vender a cidade
tornou-se uma das principais funções econômicas do governo local e em um
dos principais campos de negociação público-privada, mediante a oferta de
infraestrutura viária (acessibilidade para chegar até os pontos turísticos), de
serviços turísticos e de serviços turísticos/imobiliários (turismo de negócios). No
caso específico do turismo imobiliário, o produto dos negócios é o espaço, o
lugar, a paisagem, a idéia do paraíso: “o turismo é a única prática social que
19
consome elementarmente o espaço” (CRUZ, 2003). Assim, a atividade do
turismo entra como “pano de fundo” para compreendermos as lógicas
estruturantes do espaço urbano em estudo.
A atividade do turismo é considerada, por muitos autores
contemporâneos de variadas áreas, como uma das principais formas de
domínio capitalista por parte dos países ricos em países e regiões de periferia
do capitalismo. Embutidas nesse processo estão as articulações de poder dos
grandes grupos econômicos e seus interesses, uma vez que as modificações
realizadas nas cidades visam concretizar os interesses de grupos ligados ao
turismo. Neste momento em que as cidades, com o objetivo de desenvolver
sua economia, caem na armadilha do turismo como solução, surgem, então, os
processos historicamente conhecidos de apropriação espacial movidos por
outra dinâmica, de relações ligadas ao setor imobiliário e ao turismo. Supõe-se
que esse novo processo se dê em consequência da imbricação do turismo de
negócios mais negócios imobiliários, processo chamado empiricamente de
turismo imobiliário2 (FERREIRA, 2008).
2 O chamado turismo imobiliário é aqui tomado como uma nova forma que o mercado imobiliário encontra para reestruturar-se, sem depender, diretamente, do financiamento público e sem depender das especificidades da economia local, isto é, da renda local. Essa modalidade de produção imobiliária está relacionada com a segmentação de espaços (em práticas sociais de lazer, ócio, descanso, alimentação etc.) e a possibilidade de novos capitais, advindos de investidores externos, sejam estes grupos ou indivíduos.
20
Para Cruz (2000), a urbanização turística diz respeito ao processo
de reestruturação do espaço urbano ou de produção de novas áreas urbanas
decorrentes da refuncionalização turística e da turistificação do lugar, o
equivalente à urbanização para o turismo. A urbanização turística é voltada
para a qualificação do lugar mediante as correções em sua infraestrutura para
a implantação adequada dos “fixos” vinculados à atividade turística. Cruz
(CRUZ, 2000, p.12) explica a turistificação do lugar como a “criação de uma
infra-estrutura de suporte, indiretamente ligada ao turismo”.
Para Sánches (1991, p. 127 ),
[...] o aumento da demanda por espaços de lazer e turísticos viabiliza investimentos por parte do setor imobiliário, que atua no sentido de requalificar o espaço e promover sua re-funcionalização, possibilitando a produção de unidades residenciais num espaço em processo de valorização, onde se destaca a produção de segundas residências.
Diante dessas observações, surgem algumas questões: Quais
são os processos espaciais em curso no bairro de Ponta Negra? Quais são as
características que diferenciam entre si as áreas estudadas em função de sua
dinâmica imobiliária, sua tipologia e uso do solo e seu número de pavimentos?
Em face dessas questões e da intensificação dos investimentos
imobiliários a partir do marco temporal de 2000, devido à implementação do
novo terminal de passageiros do Aeroporto Augusto Severo, apresentamos
duas hipóteses:
21
1. os investimentos no setor imobiliário, com capital investidor estrangeiro
no bairro de Ponta Negra, têm características advindas dos processos
contemporâneos de desenvolvimento urbano influenciados pelo sistema
capitalista global;
2. os novos processos econômicos em curso em Ponta Negra, no período
estudado, contribuem para uma nova produção do espaço e uma
mudança dos processos espaciais internos na qual evidenciam-se novas
formas de segregação espacial.
O presente estudo tem por objeto a produção do espaço e os
novos processos espaciais no bairro de Ponta Negra. Desse modo, busca-se
compreender, considerando a intensificação de investimentos imobiliários, no
período de 2000 a 2008, os processos espaciais em curso no bairro de Ponta
Negra.
Vinculados a esse intento, encontra-se o objetivo específico do
estudo, que é analisar a espacialização desses investimentos no bairro em
função da dinâmica do mercado imobiliário a fim de identificar a existência de
áreas que, embora homogêneas, são diferenciadas entre si.
Diante da complexidade que envolve os estudos referentes ao
urbanismo, a composição deste estudo exigiu um diálogo com teóricos das
diversas áreas do conhecimento, buscando o entendimento dos processos de
produção do espaço, em face do desenvolvimento urbano contemporâneo,
22
relacionado diretamente com os mecanismos do sistema capitalista e a
globalização. Como contribuição empírica, o trabalho contribui para o
aprofundamento do saber sobre as especificidades dos processos espaciais
advindos da atividade imobiliária desenvolvida no bairro de Ponta Negra.
O presente estudo está dividido em cinco partes. Na primeira,
apresentamos a introdução. Na segunda, explicitamos o corpo teórico
fomentador do entendimento sobre a complexidade do tema, caminho em que
percorremos os principais conceitos sobre o espaço e a sua produção e a
renda da terra e os agentes produtores do espaço capitalista, além de
iniciarmos uma discussão sobre o desenvolvimento urbano contemporâneo. Na
terceira, aproximamos a teoria da dinâmica espacial, considerando a teoria dos
circuitos do capital e os processos espaciais, além de descrevermos a
metodologia utilizada no estudo empírico. Na quarta parte, estabelecemos o
diálogo entre a superfície factual das realidades que observamos e as frentes
teóricas do estudo acerca dos processos espaciais de desenvolvimento
urbano, a partir da análise dos dados coletados durante as pesquisas de
campo no bairro de Ponta Negra. E, por fim, na quinta e última parte,
apresentamos as considerações finais, seguidas das referências.
23
2 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO CAPITALISTA E O DESENVOLVIMENTO URBANO CONTEMPORÂNEO
2.1 A produção do espaço capitalista
Os caminhos teóricos deste trabalho principiam-se pela produção
do espaço capitalista, na intenção de compor uma abordagem apropriada para
o entendimento do tema. Os postulados de Henry Lefebvre (1974), em seu livro
La production de l´espace, servem de base teórica para a compreensão da
produção desse espaço. Devido à fluidez e à abertura de seu pensamento, não
temos a pretensão de proceder a reflexões conclusivas sobre sua obra.
Apropriamo-nos, portanto, de alguns fragmentos desta para construir o
referencial instrumental da pesquisa.
Em sua teoria do espaço, Lefebvre fundamenta uma economia do
espaço ou, como nos estudos mais recentes, economia urbana ou da
urbanização. Esta última, aprimorada com a análise urbana realizada pelos
chamados “neomarxistas” e baseada na produção do ambiente construído
comandada pela lógica da acumulação, foi realizada por autores como David
Harvey e Manuel Castells, cujas contribuições teóricas serão utilizadas no
decorrer deste trabalho. Com a mesma intenção, recorreremos aos trabalhos
de Luiz César de Queiroz Ribeiro e Roberto Lobato Corrêa, dentre outros.
24
De acordo com Castells (1983, p. 192),
[...] não existe teoria específica do espaço, mas simplesmente desdobramento e especificação da teoria da estrutura social, para prestar conta das características de uma forma social particular, o espaço, e de sua articulação a outras formas e processos dados historicamente.
Congraçando com essa afirmação, procuramos seguir a linha
acadêmica do materialismo histórico começando com uma breve revisão de
seus conceitos fundamentais.
Para Castells (apud SOJA, 2006, p.953),
Espaço não é um “reflexo da sociedade", é a sociedade... Portanto, formas espaciais, ao menos no nosso planeta, serão produzidas, como todos os outros objetos o são, pela ação humana. Elas expressam e representam os interesses da classe dominante de acordo com o modo de produção e com um específico modo de desenvolvimento. Elas expressam e fomentam as relações do poder estatal historicamente definidas na sociedade. Ao mesmo tempo, formas espaciais são marcadas pela resistência das classes exploradas, oprimidas e
3 “Space is not a "reflection of society," it is society ... Therefore, spatial forms, at least on our planet, will be produced, as all other objects are, by human action. They will express and perform the interests of the dominant class according to a given mode of production and to a specific mode of development. They will express and implement the power relationships of the state in an historically defined society. At the same time, spatial forms will be earmarked by the resistance from exploited classes, from oppressed subjects, and from dominated women. And the work of such a contradictory historical process on the space will be accomplished on an already inherited spatial form, the product of former history and the support of new interests, projects, protests, and dreams. Finally, from time to time, social movements will arise to challenge the meaning of spatial structure and therefore attempt new functions and new forms”. (CASTELLS apud Soja, 2006, p. 95).
25
pelas mulheres. E o trabalho como um processo histórico contraditório no espaço é consumado por uma forma espacial herdada,o produto do precedente histórico e o suporte para novos interesses, projetos, protestos e sonhos. Finalmente, de tempos em tempos, surgem movimentos sociais para desafiar o significado da estrutura espacial e portanto empreendem novas funções e novas formas.
Esse autor entende que toda sociedade ─ e, portanto, toda forma
social ─ pode ser compreendida por intermédio da articulação histórica de seus
modos de produção, “matriz particular de combinação entre as ’instâncias’
[sistemas de práticas] fundamentais da estrutura social: econômica, político-
institucional e ideológica, essencialmente” (CASTELLS, 1983, p. 193).
Portanto, analisar o espaço implica estudar seu processo formador,
considerando os elementos do sistema econômico, do sistema político e do
sistema ideológico. Esses três sistemas se imbricam para a realização dos
seus objetivos.
Assim, Castells (1983, p. 193) explica o sistema econômico:
[...] o sistema econômico organiza-se em torno das ligações entre a força de trabalho, os meios de produção e o não-trabalho, que se combinam segundo duas relações principais: a relação de propriedade [apropriação do produto] e a relação de apropriação real [processo técnico de trabalho]. A expressão espacial destes elementos pode ser encontrada através da dialética entre dois elementos principais: produção [expressão espacial dos meios de produção], consumo [expressão espacial das forças de trabalho], e um elemento derivado, a troca, que resulta da especialização das transferências entre a produção e o consumo, no interior da produção e no interior do consumo.
26
Sobre o sistema político-institucional, Castells (1983, p.195)
acredita que esse sistema se organiza pela relação de dominação-regulação e
pela relação de integração-repressão, nas quais sua expressão espacial se
constitui ora como simples divisão do espaço, ora, mais complexamente, como
ação sobre a organização econômica do espaço.
Sobre o sistema ideológico, Castells, como Lefebvre, acredita em
uma rede de signos rebatidos em formas espaciais e de significados com
conteúdo ideológico.
Lefebvre (1974) considera o capitalismo como um processo,
assim como o espaço o seu produto, não separando as dimensões políticas e
econômicas. Conforme esse autor,
O espaço (social) assim como o tempo (social), não mais como fatos da natureza mais ou menos modificada, nem como simples fatos de cultura, mas como produtos. O que acarretava uma modificação no emprego e no sentido desse último termo. A produção do espaço (e do tempo) não os considerava como objetos e coisas insignificantes, saindo das mãos ou das máquinas, mas como os aspectos principais da segunda natureza, efeito da ação da sociedade sobre a primeira natureza 4.
Desse modo, Lefebvre cria e difunde o termo produção do
espaço, salientando que a “ciência do espaço” indagada
4 LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Trad. Grupo “As (im)possibilidades do urbano na metrópole contemporânea”, do Núcleo de Geografia Urbana da UFMG (do original: La production de l’espace. 4e éd. Paris: Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão: início - fev. 2006. No prelo.
27
1. Representa o uso do saber político, do qual se sabe que ele se integra às forças produtivas de uma maneira cada vez mais “imediata”, e de maneira “mediata” às relações sociais de produção; 2. implica uma ideologia designada a mascarar esse uso [...] ideologia que não carrega seu nome e se confunde com o saber para os que aceitam essa prática; 3. contém, no melhor dos casos, uma utopia tecnológica, simulação ou programação do futuro, ou do possível, com a infra-estrutura do real, isto é, do modo de produção existente. O ponto de partida de um saber integrado/integrador no modo de produção. Essa utopia tecnológica, que povoa os romances de ficção científica, se reencontra em todos os projetos concernentes ao espaço: arquiteturais, urbanísticos ou planos sociais. (LEFEBVRE, 1992, p. 8-9, tradução nossa).
Noutro ponto importante de sua teoria, Lefebvre (1992) afirma
que o espaço social contém: 1. relações sociais de reprodução (relações
biofisiológicas) e 2. relações de produção (a divisão do trabalho e sua
organização). Concatenadas, produção e reprodução, onde assim como a
divisão do trabalho repercute na família e aí se apóia; inversamente, a
organização familiar interfere na divisão do trabalho. Lefebvre (2006) entende
que, “com o capitalismo, e, sobretudo com o neo-capitalismo [moderno], a
situação se complica. Três níveis se imbricam, o da reprodução biológica (a
família) – o da reprodução da força de trabalho (a classe operária como tal) – o
da reprodução das relações sociais de produção”, ou seja, a progressão das
relações constitutivas da sociedade capitalista.
Em suma, para esse autor, a produção do espaço capitalista
relaciona-se com a reprodução das relações sociais, atendendo à reprodução
28
da família, à reprodução da força de trabalho e à reprodução dos bens de
produção, construindo um encadeamento presente em diferentes momentos da
reprodução social de produção. Lefebvre acredita que o espaço social contém
representações específicas dessa dupla ou tripla interação entre as relações
sociais de produção e reprodução: as práticas espaciais, as representações do
espaço e os espaços de representação.
As práticas espaciais abarcam a produção e a reprodução social
das relações de produção e as localizações específicas e conjuntos espaciais
específicos de cada formação social. As representações do espaço, por sua
vez, estão ligadas às relações de produção e à ordem que estas impõem a
serviço de uma estratégia hegemônica (elite) e, portanto, ao conhecimento, a
um sistema de signos e códigos. Já os espaços de representação, que
materializam complexos simbolismos ─ por vezes codificados, por vezes não ─,
ligados aos aspectos não hegemônicos ou clandestinos da vida social,
encontram-se no domínio do imaginário.
Em seu livro Condição pós-moderna, Harvey sintetiza a
complexidade do pensamento lefebvreano evidenciando a relação da tripla
dimensão: o vivido, o percebido e o imaginado.
1. As práticas espaciais materiais referem-se aos fluxos, transferências e interações físicos e materiais que ocorrem no e ao longo do espaço de maneira a garantir a produção e a reprodução social. 2. As representações do espaço compreendem todos os signos e significações códigos e conhecimentos que permitem falar sobre essas práticas materiais e compreendê-Ias, pouco importa se
29
em termos do senso comum cotidiano ou do jargão por vezes impenetrável das disciplinas acadêmicas que tratam de práticas espaciais (a engenharia, a arquitetura, a geografia, o planejamento, a ecologia social etc.). 3. Os espaços de representação são invenções mentais (códigos, signos, "discursos espaciais", planos utópicos, paisagens imaginárias e até construções materiais como espaços simbólicos, ambientes particulares construídos, pinturas, museus etc.) que imaginam novos sentidos ou possibilidades para práticas espaciais. (HARVEY, 2005, p. 201)5.
O geógrafo marxista David Harvey, trabalha o tema do
materialismo histórico juntamente com Castells desde os anos 80, porém
seu enfoque é centrado muito mais especificamente na lógica do capital,
ou seja, sobre o sistema econômico:
Capital representa em si, sob a forma de uma paisagem física criada em sua própria imagem, criada como valor de uso para reforçar a progressiva acumulação de capital. A paisagem geográfica que resulta na coroação da glória do passado capitalista desenvolvido. Mas, ao mesmo tempo que expressa o poder do trabalho morto ao longo do trabalho que vivem do trabalho e, como tal, aprisiona e inibe o processo de acumulação por um conjunto de constrangimentos físicos ... O desenvolvimento capitalista tem, portanto, de negociar pelo caminho uma faca de pontas entre a preservação do intercâmbio de valores do passado de investimentos capitalista no ambiente construído e destruindo o valor destes investimentos, a fim de abrir espaço para nova acumulação. Sob o capitalismo, há então uma luta permanente em que o capital constrói uma paisagem física adequada à sua própria condição em um momento específico no tempo, só para ter que destruí-lo, normalmente no decurso de crises, em um subseqüente ponto do tempo. A resolução espaçiotemporal escoa e o
5 Ver a grade das práticas espaciais elaboradas por Harvey (2005, p. 203). Harvey ainda relaciona quatro outros aspectos da prática espacial sob a perspectiva de compreensões mais convencionais, tais como: acessibilidade e distanciamento, apropriação e uso do espaço, domínio e controle do espaço e a produção do espaço.
30
fluxo de investimento no ambiente construído pode ser entendido apenas em termos de um processo como esse. (HARVEY apud SOJA, 2006, p. 95, tradução nossa).
Certamente Harvey constitui nosso mentor intelectual para o
desenvolvimento da teoria do espaço, mais precisamente sobre a produção do
espaço capitalista. No entanto, antes de mergulharmos em seu pensamento,
necessitamos retomar os conceitos basilares da referida teoria, iniciando
novamente com Lefebvre, conjuntamente com Harvey e Ribeiro, com a
explicitação dos conceitos de renda da terra.
2.2 Renda da terra
Para a introdução do tema renda da terra e economia do espaço,
utilizamos novamente Lefebvre (2001). Em seu livro A cidade do capital, o
autor faz uma releitura da obra de Marx e Engels relativa à cidade e à
problemática urbana. No capítulo 5, Lefebvre faz uma série de reflexões acerca
do discurso teórico de Marx sobre o capital e a propriedade da terra. Inicia com
o tema mercadoria para explicar o valor de uso “correspondente à
necessidade, à expectativa, a desejabilidade” e o valor de troca
“correspondente à relação dessa coisa com as outras coisas, com todos os
objetos e com todas as coisas, no mundo da mercadoria” (LEFEBVRE, 2001, p.
135).
31
Lefebvre (2001) afirma que a mais valia possui três níveis
básicos: primeiro, o do trabalhador individual, nível em que o que este produz
excede ao que ele recebe sob a forma de salário; segundo, o da empresa ou
do ramo da indústria, nível em que os capitalistas “recebem sua parte da mais-
valia global, proporcionalmente ao capital investido”; e terceiro, o da sociedade
inteira, isto é, nível em que o Estado, retentor importante da mais valia global,
age como base para a sociedade burguesa.
Segundo os estudos de Lefebvre (2001), o capital estuda,
sucessivamente, a formação da mais valia pelo trabalho e pelo sobretrabalho
por variados meios como a extensão da jornada de trabalho, causando
problemas de superprodução; da realização da mais valia, através do circuito
vicioso D-M-D (dinheiro-mercadoria-dinheiro) e da distribuição da mais valia,
em que a classe capitalista explora “o conjunto da sociedade, inclusive os não
proletários, camponeses, empregados etc.[...] A massa da mais valia se
distribui entre suas diversas frações, inclusive os proprietários da terra, os
comerciantes, as profissões ditas liberais etc.”
Em suas asserções, Harvey (1980) comunga com Lefebvre ao
considerar que o solo e suas benfeitorias são mercadorias, mas não
mercadorias quaisquer. Assim, somados aos aspectos da mercadoria, os
significados de valor de uso e valor de troca assumem significado especial.
32
Harvey explora seis aspectos dessa intrincada relação. O
primeiro aspecto é a imobilidade, ou seja, o solo e suas benfeitorias não podem
deslocar-se, diferenciando-se das outras mercadorias por sua fixidez. A isso
Harvey chama de localização absoluta, conferindo-lhe privilégios de monopólio
de localização, atributo que institucionaliza a propriedade privada.
O segundo é a imprescindibilidade: o solo e as benfeitorias são
mercadorias indispensáveis devido ao fato de que não se pode existir sem
ocupar espaço.
O terceiro é a pouca frequência de troca. O solo e as benfeitorias,
para sua realização, requerem grandes somas de capital fixo em infraestruturas
urbanas e setores estáveis de moradia:
[...] o solo e as benfeitorias assumem a forma mercadoria com muito pouca freqüência. A interpenetração dialética do valor de uso e do valor de troca na forma mercadoria não se manifesta no mesmo grau nem ocorre com a mesma freqüência em todas as seções da economia urbana”. (HARVEY, 1980, p.135).
O quarto é a indestrutibilidade do solo: este e seu direito de uso
trazem a oportunidade do acúmulo de riquezas. “Numa economia capitalista
um indivíduo tem duplo interesse na propriedade, ao mesmo tempo como valor
de uso atual e futuro e como valor de troca potencial ou atual, tanto agora
como no futuro” (HARVEY, 1980, p. 136).
33
O quinto é a longevidade do consumo, ou seja, “[...] a proporção
da freqüência de troca em relação à duração do uso é peculiarmente baixa”
(HARVEY, 1980, p.136).
O sexto e último aspecto é a multiplicidade de usos. A casa, por
exemplo, pode ter sete modos de uso diferentes:
1. abrigo; 2. uma quantidade de espaço exclusivo [...]; 3. privacidade; 4. uma localização relativa acessível [...]; 5. uma localização relativa que é próxima de fontes de poluição, áreas de congestionamentos [...]; uma localização de vizinhança que tem características físicas, sociais e simbólicas (status); 7. um meio para lucrar e aumentar riqueza. (HARVEY, 1980, p.136).
Harvey (1980) concebe o termo sistema de sustentação da vida
para explicar que os valores de uso refletem um misto de necessidades e
significações não por capricho da soberania do consumidor, mas sim formados
relativamente a um sistema de sustentação da vida do indivíduo,
permanecendo fora da esfera econômica e política. Para tanto, as análises da
teoria do uso do solo urbano “[...] se concentram, tipicamente, quer nas
características do valor de uso (através do estudo do sistema de sustentação
da vida) ou nas características do valor de troca (o sistema do mercado de
troca)” (HARVEY, 1980, p. 137).
Ribeiro (1997), que estudou especificamente a produção
capitalista da moradia, defende a tese de que a produção do espaço é
34
subordinada ao capital de circulação, havendo uma sobreposição entre os
mecanismos de valorização e propriedade de terra. O autor entende que a
teoria da renda da terra “[...] se constitui, então num conjunto articulado de
conceitos que têm como finalidade dar conta das relações especiais que se
estabelecem entre capitalistas e proprietários da terra no interior da sociedade
capitalista” (RIBEIRO, 1997, p. 52).
Iniciamos aqui a explicitação de uma série de conceitos extraídos
da teoria da renda da terra, esboçados por Ribeiro (1997), com base no Livro III
de O capital, de Marx. São eles: propriedade fundiária, renda fundiária, preço
da terra, renda diferencial, renda absoluta e renda do monopólio.
A propriedade fundiária representa para o capital o monopólio
sobre uma condição necessária à produção (terra), não reprodutível, e pelo
qual o seu detentor pode cobrar um tributo.
Sobre a renda fundiária, diz o autor (RIBEIRO, 1997, p. 55):
[...] para compreender a renda fundiária no modo de produção capitalista é necessário pensar que as mercadorias são vendidas sempre ao seu preço de produção. Assim, a renda somente pode sair da diferença entre os preços de produção e preço de custo.
O preço da terra, de acordo com Ribeiro (1997, p.57), “[...] é
somente um reflexo da disputa entre os diversos capitalistas pelo controle das
condições que permitem os surgimentos dos sobrelucros de localização”. Em
outras palavras,
35
A tese que esposamos é que a terra urbana somente adquire um preço porque o seu uso permite aos agentes econômicos obterem ganhos extraordinários nos investimentos que realizam na cidade. (RIBEIRO, 1997, p. 40).
A renda da terra, embora única, pode se dividir, para fins
analíticos, em três tipos: renda diferencial, renda absoluta e renda do
monopólio.
A renda diferencial “[...] tem como origem a maior produtividade
do trabalho realizado em condições de 1. maior fertilidade da terra (no caso da
terra rural); 2. melhor localização em relação ao mercado consumidor; e 3.
aplicação de maior quantidade de capital” (RIBEIRO, 1997, p. 58). Em
decorrência dessas condições privilegiadas, o processo de produção espacial
demanda menor esforço de trabalho em relação a processos que não possuam
estes privilégios peculiares. Desse modo, as vantagens permitem: “[...] o
surgimento de um lucro suplementar em relação ao lucro médio, transformado
em renda fundiária” (RIBEIRO, 1997, p. 58). Esse tipo de renda apresenta as
seguintes características:
(a) o preço de mercado é regulado pelo produtor colocado na pior condição de produção; entretanto, é importante assinalar que a regulação depende 1. da demanda solvável e 2. dos valores diferenciais de produção em cada terreno; (b) o volume do suplemento de lucro depende da posição do produtor no gradiente de condições diferenciais de produção; a entrada de um produtor, situado em condições piores, altera a posição de cada capitalista; (c) a magnitude do sobrelucro que se transforma em renda depende da relação de força entre capitalistas e proprietários; quanto maior a concorrência entre capitalistas para obter o uso de um terreno, maior
36
será o poder do proprietário para impor um nível de renda que se iguale ao sobrelucro; ao contrário, quanto menor a concorrência, menor este poder, pois o proprietário fundiário, sendo um agente econômico vivendo da apropriação da renda, não terá interesse em manter seu terreno sem produção por longo período, esperando que as condições econômicas aumentem a competição entre capitalistas; (d) esta situação depende do grau de concentração da propriedade privada da terra; (e) o valor que se transforma em renda não é produzido na agricultura, mas no conjunto da economia; esta transferência acontece porque os produtos agrícolas, que compõem a alimentação da população operária, têm seus preços de mercado fixados pelo preço de produção do pior terreno, e não pelas condições médias de produtividade. (RIBEIRO, 1997, p. 60-61).
A renda absoluta, conforme Ribeiro (1997), resulta da diferença entre o
preço de produção e o valor das mercadorias agrícolas, mantendo-se como
fenômeno efetivo devido à propriedade fundiária. A “[...] parcela da diferença
entre preço de produção e valor das mercadorias agrícolas que se transforma
em renda absoluta depende de alguns fatores, fundamentalmente 1) da relação
entre oferta e procura, 2) da extensão das terras cultivadas” (RIBEIRO, 1997,
p.66 ).
Por fim, a renda de monopólio é aquela que tem “como fonte a diferença
entre o preço de produção regulador do mercado e o valor das mercadorias [...]
o preço de monopólio nasce quando tem-se um bem não-reprodutível ou
parcialmente reprodutível” (RIBEIRO, 1997, p. 66/). Ou seja, o preço de
monopólio apoia-se na condição da não reprodutibiliadde de um valor de uso,
tornando-o, assim, valor de uso especial devido à sua singularidade.
37
Completando o pensamento desenvolvido por RIBEIRO, citamos
(LIMONAD e BARBOSA, 2003)6:
Na cidade a renda da terra realiza-se na utilização do solo tanto para fins industriais, comerciais, quanto em atividades intrínsecas à reprodução simples da força de trabalho, e articula-se ao próprio desenvolvimento da economia. Na produção do espaço urbano a terra não só como espaço físico da produção, mas também como insumo, necessita de intermediários, empreendedores, capazes de incorporar essa "mercadoria" monopolizável e impulsionar o processo de construção.
Apesar de sucinta, essa explanação sobre a renda da terra
mostrou-se essencial ao revelar a necessidade de entendermos quem são os
agentes produtores do espaço e de que forma eles atuam. Continuamos o
nosso embasamento teórico seguindo Harvey (1980) e Ribeiro (1997).
2.3 Agentes produtores do espaço
Ribeiro (1997, p. 80) defende a idéia de que “[...] a convivência
numa mesma sociedade de diferentes formas de produção e de circulação de
moradia significa que encontramos racionalidades distintas de fixação e
transformação do uso do solo urbano”. Para ele, são quatro os agentes
produtores do espaço para moradia: o incorporador, o construtor, as
instituições de crédito imobiliário e os proprietários rentistas.
6 Artigo extraído da internet: http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/Geousp/Geousp13/Geousp13_Limonad_Barbosa.htm.
38
Já para Harvey (1980), há numerosos e diversos atores no
mercado da moradia, tendo cada grupo um modo distinto de determinar o valor
de uso e o valor de troca. Sob essa ótica relacional dos valores, intentamos
compreender as operações do mercado de moradia, de acordo com as
asserções de Harvey (1980) somadas às contribuições de Ribeiro (1997). Por
pertinência didática, adotaremos a categorização sugerida por Harvey: usuários
de moradia, corretores de imóveis, proprietários ou proprietários rentistas e
incorporadores.
Os usuários de moradia ou usuários proprietários são relacionados mais
com o valor de uso, contudo os usuários tendem a considerar o valor de troca
basicamente devido a dois fatores: na efetivação da compra e no momento de
reforma (quando são forçados a pensar suas restrições orçamentárias). Harvey
(1980, p. 140) enfatiza: “todos os usuários de moradia têm um objetivo similar
─ obter valores de uso através dos valores de troca”.
Os corretores de imóveis, que exercem ação no mercado para obtenção
do valor de troca, são considerados intermediários de compra e venda de
imóveis ou através da cobrança da intermediação das transações. A obtenção
do lucro por intermédio do valor de uso reside no volume de transações para a
obtenção do valor de troca.
Os proprietários ou proprietários rentistas objetivam, como os corretores
de imóveis, a obtenção do valor de troca. Para tanto, atuam com duas
39
estratégias: comprar e alugar (com rapidez) o imóvel para o retorno do capital
investido maximizando a renda corrente; comprar a propriedade por meio de
financiamento hipotecário visando ao aumento do valor líquido e, em
conseqüência, à maximização da riqueza do proprietário.
Os incorporadores objetivam a criação de novos valores de uso a fim de
realizar valores de troca para si próprios. Sobre esses atores, comenta Harvey
(1980, p. 141): “A compra do solo, sua preparação (particularmente a provisão
de utilidades públicas) e a construção de moradia requerem considerável
desembolso de capital em adiantamento à troca”. As empresas envolvidas
nesse processo, que participam de grande concorrência para obtenção do
lucro, têm forte interesse em proporcionar os valores de uso necessários para
obter benefícios em valor de troca. “Há numerosas maneiras (legais ou ilegais)
para atingir isso, e certamente esse grupo no mercado de moradia tem forte
interesse empregado no processo de suburbanização e, em menor grau, no
processo de reabilitação e re-desenvolvimento” (HARVEY, 1980, p.141).
Por entendermos que um dos grandes protagonistas desse
processo de produção do ambiente construído no período em análise, em
Natal, é o incorporador, procuramos aprofundar o conhecimento acerca desse
ator nas ideias desenvolvidas por Ribeiro (1997). Ele acredita que o
incorporador é o gestor dos complexos processos produtivos desde o seu
começo, com as primeiras negociações com os proprietários fundiários,
40
passando pelas construtoras e finalizando com o setor imobiliário ao assumir a
comercialização. O incorporador compra o terreno, obtém o financiamento para
a construção do empreendimento e a sua comercialização, além de escolher a
tipologia do imóvel a ser construído, como, por exemplo, as características
arquitetônicas, econômico-financeiras e de localização.
Ribeiro classifica os agentes presentes na realização de um
empreendimento imobiliário em três tipos, a saber: agentes promotores,
agentes financeiros e agentes instrumentais. Nas palavras do autor:
Agentes promotores – são os que mobilizam e coordenam a constituição dos fatores de produção necessários a edificação do imóvel e à sua comercialização. Agentes financeiros – São os que proporcionam o suporte financeiro as operações de construção e compra e venda de imóveis, suporte originário de recursos próprios ou de terceiros. Agentes instrumentais – São aqueles que proporcionam aos promotores os meios necessários à produção das unidades. (RIBEIRO, 1997, p. 92).
O incorporador é um agente que dá suporte financeiro para a
produção e à comercialização do espaço, conferindo-lhe certa particularidade
que o diferencia de um simples agente do capital. No ato de compra do terreno,
o incorporador assume também um controle sobre uma condição que permite o
surgimento de um sobrelucro de localização e transformação do uso do solo.
Ribeiro (1997) explica a relação que o incorporador estabelece
com o proprietário fundiário como uma relação dupla, em que, num mesmo
momento temporal, as relações são de capitalista comercial/proprietário
41
fundiário e de proprietário fundiário/proprietário fundiário. Essa duplicidade
determina práticas que visam ao lucro e ao sobrelucro na comercialização, por
intermédio de técnicas de otimização da realização do negócio e o sobrelucro
de localização. Uma segunda relação dupla que o incorporador estabelece é
com o construtor, relação de proprietário/capitalista e de capitalista
comercial/capitalista “industrial”.
A superposição de funções gera consequências historicamente
problemáticas para o surgimento de um capital de circulação capaz de criar
condições de superar dois obstáculos ao investimento do capital. São eles: o
problema fundiário e o problema de insolvabilidade. A intervenção do agente
incorporador impossibilita a acumulação de altos níveis de capital para o
agente construtor.
Para esclarecer melhor esses dois fatores, transcrevemos abaixo
as afirmações de Ribeiro.
Sobre o problema fundiário, explicita o autor:
Isso se dá, em primeiro lugar, em razão de cada processo de construção implicar na necessidade de um novo terreno, já que a moradia fixa-se no espaço, enquanto que nos outros ramos, uma vez localizado o empreendimento, adquirindo a empresa o terreno, para sempre ou por um longo período através do aluguel, o processo reproduz-se sem que a propriedade privada se recoloque como obstáculo. Para a construção de moradias este obstáculo é recorrente, o que implica na necessidade de aplicação de uma certa quantidade de capital na formação de um estoque de terrenos que garanta a continuidade da valorização do capital empregado na construção. Este “investimento fundiário” pesará negativamente na
42
rentabilidade da construção, uma vez que significa a imobilização improdutiva de uma parte do capital empregado na produção. Em segundo lugar, a construção está condicionada a existência de terrenos que possuam características de construtibilidade [...] Em terceiro lugar [...] muitos dos terrenos “construtíveis” servem como suportes de atividades “não-capitalistas” que conferirão conteúdos sociais à propriedade privada contraditórios com as leis que regem a produção capitalista de mercadorias [...] Por último, a propriedade privada da terra vai significar um enorme parcelamento do uso do espaço, dificultando ao capital o acesso a grandes extensões contínuas de terras. (RIBEIRO, 1997, p. 87/88/89).
Acerca do problema da solvabilidade, discorre o autor:
O “problema de solvabilidade” é definido pelo alto valor relativo de mercadoria moradia, comparativamente ao poder de compra do conjunto da população. [...] a propriedade privada do solo tem um importante papel na determinação do caráter manufatureiro e artesanal da construção. Mas, por outro lado, a demanda solvável tende a ser reduzida também na medida em que o desenvolvimento da produção capitalista leva à proletarização do conjunto de população, fazendo com que o salário seja a forma predominante de acesso aos bens necessários à reprodução da força de trabalho. Assim o salário contempla as necessidades imediatas de consumo: a moradia desta noite e não a do próximo ano. A conseqüência é que o valor da moradia somente pode ser realizado [...] na medida do seu consumo, isto é, a comercialização da moradia deve realizar-se necessariamente ao longo de um largo período de tempo. (RIBEIRO, 1997, p. 89/90).
As instituições financeiras têm a finalidade de obtenção de valores de
troca por meio de financiamentos de oportunidades para a criação ou aquisição
de valores de uso. As organizações de financiamento envolvem todos os
43
aspectos do desenvolvimento do patrimônio real (industrial, comercial e
residencial). (HARVEY, 1980, p. 141).
As instituições governamentais, “usualmente surgidas de processos
políticos, apoiadas na carência de valores de uso disponíveis para os
consumidores de moradia, frequentemente, interferem no mercado de moradia”
(HARVEY, 1980, p. 142). As intervenções realizadas pelos órgãos
governamentais são oportunizadas de forma direta (a produção de valores de
uso com a provisão de moradias públicas) e de forma indireta (por meio de
subsídios a instituições de financiamento, incorporadores e construtores) para
a obtenção de valores de troca, provendo isenção de impostos, e,
consequentemente, garantindo o lucro e minimizando os riscos da produção do
espaço. Outra finalidade das instituições governamentais é mediar os
interesses dos agentes promotores da produção do espaço.
Para Limonad e Barbosa (2003), as práticas espaciais que
abrangem os conjuntos espaciais específicos de cada formação e as infra-
estruturas correspondem, no caso, a vários circuitos produtivos que envolvem
diferentes agentes com distintos papéis, superpostos ou complementares.
Dentre eles, se destacam:
e) a produção “ilegal” de habitações referente às favelas, as invasões, etc... – onde se defrontam proprietários fundiários e trabalhadores sem poder aquisitivo”. a) a produção de infra-estruturas e de habitações pelo Estado – onde os agentes são as instituições governamentais e o sistema de crédito e financiamento habitacional;
44
b) a produção imobiliária de grande e médio porte viabilizada pela captação de financiamento pelo empreendedor – cujos agentes são os promotores imobiliários, os grandes proprietários fundiários, os empreendedores imobiliários, o sistema de financiamento habitacional;
c) a produção dos pequenos construtores, de potencial relativamente reduzido se considerados isoladamente, que por vezes realizam trabalhos por empreitada para os empreendedores – onde os agentes principais são os pequenos construtores e empreiteiros, os pequenos proprietários imobiliários e por vezes sistemas de financiamento privados;
d) a produção “informal” de habitações auto-construídas, que responde às necessidades de parcelas da classe trabalhadora com poder aquisitivo suficiente para adquirir seja um terreno, seja uma casa auto-construída – cujos agentes são os proprietários fundiários, os loteadores, os auto-construtores e eventualmente aqueles que adquirem estas habitações.
Por fim, a produção do espaço e o estudo sobre a renda da terra
e sobre os agentes produtores do espaço serviram de base para uma melhor
compreensão dos estudos empíricos no Bairro de Ponta Negra.
Como a produção do espaço não se dá sem receber influências
de fatores de desenvolvimento urbano globais, damos sequência à nossa
explanação, considerando agora o desenvolvimento urbano contemporâneo e
suas principais tendências. Para essa fundamentação, utilizaremos as teorias
expoentes de David Harvey, Edward Soja, Manoel Castells e Saskia Sassen.
Completaremos nosso estudo discutindo a contribuição de Carlos Vainer em
sua análise sobre o planejamento estratégico de cidades.
45
2.4 O desenvolvimento urbano contemporâneo
Vivemos um momento de passagem histórica para um novo
modelo de desenvolvimento difundido pela globalização. Esse fenômeno é
apontado como uma “oportunidade de progresso” para as cidades que alçam a
classificação de polos ou nós na rede global. Para Veltz (1999), trata-se de um
modelo desterritorializado de desenvolvimento. Nesse modelo, as grandes
cidades continuam na dianteira, concentrando o poder econômico e político,
como, por exemplo, os três principais polos ─ Tóquio, Londres e Nova York ─,
que concentram dois terços das transações mundiais. Ligadas a redes
eletrônicas de comunicação, funcionam como “redes arquipélagos”, em que
prevalecem as relações horizontalizadas de negociação e parceria,
estabelecendo uma certa segurança contra as instabilidades econômicas. Além
da idéia do arquipélago, outra importante contribuição da obra de Veltz é sua
compreensão sobre a realidade social, o poder relacional, colocada na
conclusão de seu livro:
É tempo de compreender que a coesão social no sentido mais amplo do termo é a condição mesma da eficácia; que os países que melhor souberem preservar essa coesão são os que conhecem menos a pobreza e o desemprego, os que conhecem as disparidades de renda menos denunciadas, e não os que têm os mais baixos custos salariais e desmontam ou recusam a proteção social. (VELTZ,1999, p. 247).
Veltz (1999) apresenta o poder relacional como a força da sociedade
capaz de enfrentar as fragilidades e incertezas do novo sistema que acelera a
46
acumulação do capital. Este poderá assim passar a não depender
exclusivamente das forças de mercado, e passar a depender também das
forças sociais, cujas características mais importantes são a solidariedade e o
civismo.
Procurando demarcar as características dessa globalização à luz do
pensamento de Sassen (1998), podemos afirmar que existem três tipos de
locais para a implantação dos processos globais: as zonas de produção, os
centros de turismo e os grandes centros comerciais. Como elucida o autor,
A globalização econômica tem exercido inúmeros impactos sobre as cidades e os sistemas urbanos da América Latina e do Caribe. Em alguns casos, contribuiu para o desenvolvimento de novos pólos de crescimento situados fora das grandes aglomeraçãoes urbanas. Tendo sido com frequência, o caso do desenvolvimento de zonas de exportação de manufaturas, agricultura voltada para exportação e turismo. (SASSEN, 1998, p. 57).
Os novos processos globais geram uma nova espécie de
assimetria interurbana, diferenciada das formas antecedentes há muito
presentes nas cidades e nos sistemas urbanos nacionais. Tal assimetria resulta
da implantação de uma dinâmica global, voltada para a internacionalização da
produção e das finanças ou para o turismo internacional. A dispersão global
das atividades voltadas para a economia e a integração global por meio de um
crescente domínio econômico e da propriedade são consequências do
desenvolvimento estratégico de cidades denominadas global cities. Essas
47
cidades globais exercem a função de pontos de comando na gestão econômica
global; são cidades que ocupam lugar de destaque nas funções financeira e de
serviços de ponta (altamente especializados); são locais de inovações
tecnológicas voltadas para as indústrias (SASSEN, 1998).
Ribeiro (2004) analisa os processos contemporâneos de
planejamento urbano em que a diferença entre a atualidade e o período dos
“anos eufóricos” 7 está no fundamento que legitima tais intervenções. O atual
urbanismo, considerado de embelezamento e melhoramento, e, outrora, o
higienismo cederam lugar ao planejamento estratégico, que utiliza a imagem da
cidade ressignificada como vantagem competitiva na atração dos fluxos globais
do capital.
É visando a esses novos processos globais que as cidades estão
“perseguindo” o desenvolvimento econômico por intermédio de um novo
modelo de empreendedorismo urbano, entendido como gestão da política
urbana, voltada para a criação ou o atendimento das necessidades do
consumidor, seja este empresário, turista ou o próprio cidadão. Cria-se, assim,
a cidade espetáculo, muito característica do urbanismo pós-moderno, cujo
exemplo paradigmático é a cidade de Barcelona. Nesta, segundo Vainer
(2000), houve uma preparação para a aplicação desse novo modelo:
primeiramente, incutiu-se na população a cultura da crise iminente da
7 Refere-se à expressão “anos eufóricos”, de Olavo Bilac.
48
economia com a manipulação da incerteza; em seguida, evidenciou-se a
necessidade da equalização dos conflitos de classe e a evidente unificação
política, como solução da crise. A partir dessas primeiras investidas
ideológicas, cria-se um planejamento para alavancar a cidade e alçá-la aos
espaços de fluxos globais. O city marketing, os planos estratégicos e o
urbanismo-espetáculo são os principais elementos formadores do chamado
“novo planejamento urbano”, que determina os novos modelos de gestão da
cidade e consolida a tendência para a internacionalização das cidades.
Esses processos globais localizam-se no capitalismo tardio, aqui
entendido como parte do processo do pós-modernismo em que novas formas
de reprodução do capital são baseadas no uso intensivo de alta tecnologia e
nos avanços no campo da comunicação. O pós-modernismo seria a lógica
cultural do capitalismo na fase em que este teria ampliado seu escopo
territorial, estabelecendo-se na imensa maioria dos países por todo o mundo.
Harvey (2005) defende a tese de que houve uma mudança de modelo gestor
da governança urbana. Dentre suas estratégias para a governança, esse novo
modelo de gestão, por meio do empreendedorismo, apresenta as seguintes:
A região urbana também pode buscar melhorar sua posição competitiva com respeito à divisão espacial do comsumo. É mais do que tentar atrair recursos financeiros para a região urbana por meio do turismo [...] (incluindo a mudança para estilos pós modernistas de arquitetura e design urbano), atrações para consumo (estádios esportivos, centros de convenção, shopping centers, marinas, praças
49
de alimentação exóticas) e entretenimento (a organização de espetáculos urbanos em base temporária e permanente) se tornam facetas proeminentes das estratégias para a regeneração urbana. (HARVEY, 2005, p. 176).
Os processos globais de desenvolvimento das economias no
capitalismo tardio produzem uma dinâmica da organização assimétrica do
espaço e da acumulação capitalista flexível e novas nomenclaturas. Esses
novos processos de gestão urbana incluem o city marketing, por se tratar de
uma competição entre cidades, na qual cada uma busca uma porção que lhe
seja mais vantajosa no cenário econômico global. Como bem ressalta Vainer
(2000), a cidade não deve permitir que o “espaço objeto” e sujeito de negócios
se imponha sobre o “espaço do encontro” e do confronto de cidadãos ─ afinal,
esta é a finalidade única de ser e de existir da cidade.
Após o exposto, reportamo-nos, mais uma vez, a Veltz (1999)
para congraçar com seu pensamento quando afirma existir um imenso campo
onde se trabalhar, que é o do Estado, onde reinventar e manter a solidariedade
deveriam ser a égide da ação pública.
Após essa exploração do tema desenvolvimento urbano
contemporâneo, continuaremos nosso percurso abordando, a seguir, a
dinâmica e os processos espaciais, sob a perspectiva da teoria de Harvey,
extraída de alguns fragmentos de seu livro The urban experience (1989), e com
a contribuição de Valença (2008), fornecida pela sua análise desenvolvida em
50
A dinâmica do imobiliário em Harvey. Entendemos como Harvey, que a
dinâmica imobiliária não se concentra somente na questão intraurbana; ela
também se move em razão das oscilações macroeconômicas do capital
globalizado.
51
3 A DINÂMICA E OS PROCESSOS ESPACIAIS
Neste capítulo, faremos, inicialmente, um passeio pela teoria
harveyana acerca das leis da acumulação e pela teoria dos circuitos do capital,
pa5ra, em seguida, prosseguirmos com os processos ecológicos, assim
denominados por Castells (2006), aqui chamados de processos espaciais, ou
seja, expressões espaciais que moldam o espaço.
3.1 Teoria dos circuitos do capital de Harvey
Para introduzir a teoria de Harvey sobre a dinâmica imobiliária do
capital, faz-se necessário, em primeiro lugar, analisar o que ele denominava de
“destruição criativa8” inscrita na paisagem da geografia histórica da
acumulação do capital. Harvey (2004) explica objetivamente que
8 Termo marxista, introduzido na economia por Shumpeter. Apontamentos sobre a teoria do autor: SHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro, 1984. Zahar Editores. Para complemento do entendimento acerca da destruição criativa, cf. SCHUMPETER, Joseph A. Os economistas. A teoria do desenvolvimento econômico.. São Paulo, 1982 Abril Cultural.. Com o tema: O fenômeno fundamental do desenvolvimento econômico. “O desenvolvimento, no sentido que lhe damos, é definido então pela realização de novas combinações. Esse conceito engloba os cinco casos seguintes: 1 Introdução de um novo bem ou de uma nova qualidade de um bem; 2 Introdução de um novo método de produção [...] pode consistir também em nova maneira de manejar comercialmente uma mercadoria; 3 Abertura de um novo mercado [...] quer esse mercado tenha existido antes ou não; 4 Conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semi-manufaturados; 5 Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como criação de uma posição de monopólio ou a fragmentação de uma posição de monopólio”. (p. 48-49)
52
[...] o capital busca perpetuamente criar uma paisagem geográfica para facilitar suas atividades num dado ponto do tempo simplesmente para ter de destruí-la e construir uma paisagem totalmente diferente num ponto ulterior do tempo a fim de adaptar sua sede perpétua de acumulação interminável do capital. (HARVEY, 2004, p.88 )
Harvey serviu-se do termo “destruição criativa” reelaborado por
Schumpeter (1984), para quem o capitalismo é um processo evolutivo. Assim
este autor explica sua teoria:
[...] O Capitalismo, então, é, pela própria natureza, uma forma ou método de mudança econômica, e não apenas nunca está, mas nunca pode estar estacionário [...] O impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria [...] que incessantemente revoluciona a estrutura econômica [...] incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial acerca do Capitalismo”. (SCHUMPETER, 1984, p.112).
A partir desse entendimento, passamos para a teoria,
propriamente dita, de Harvey e, logo ao final do capítulo, à explicação da
importância da destruição criativa no imobiliário. Harvey (1989), em seu livro
The urban experience, expõe, de forma clara, que o objetivo da análise da
dinâmica do capital é compreender o processo urbano sob o capitalismo,
abordando dois temas gêmeos imbricados e intrinsecamente relacionados
(acumulação e luta de classes). O autor coloca a classe capitalista no comando
53
do processo de dominação sobre o trabalho, no qual o excesso laboral gera o
lucro, afirmando que a acumulação não pode, consequentemente, ser isolada
da luta de classes.
Harvey (1989) considera a forma capitalista promotora de
superávit/acumulação e exploração do trabalho para a obtenção do lucro, como
uma violência infligida à classe trabalhadora, processo em que o trabalhador
não tem forças para lutar de forma individual e encontra como caminho a luta
de classes. Em função da importância do entendimento das leis de
acumulação, Harvey (1989), baseado no livro O capital, de Marx, aborda o
tema, fazendo uma incursão breve no pensamento marxista. Para explicar a
lógica do processo de acumulação, são considerados três circuitos do capital: o
primário, o secundário e o terciário.
Harvey (1989) escreve sobre a urbanização do capital, a qual se
relaciona com a mobilização, a produção, a apropriação e a absorção de
excedentes econômicos. Parte da idéia de que a cidade é produzida como
mercadoria: “[…] a urbanização promove a circulação do capital através do uso
do espaço construído, favorecendo a produção, o consumo e a reprodução da
força de trabalho ─ o comando do capital sobre o espaço” (HARVEY, 1980, p.
). Trata-se da urbanização do capital. Para solidificar esse conceito de
produção da cidade como motriz do modus operandi capitalista de expansão,
54
esse autor cria o termo spatial fix, traduzido por Valença (2008) como
“resolução espacial”. Valença explica que a resolução espacial de Harvey
[...] é um atributo de todas as atividades humanas. Estas têm de estar em algum lugar, o que requer investimentos em capital fixo no espaço construído (geralmente, edificações, equipamentos e infra-estruturas) que não podem ser transferidos sem que sejam destruídos total ou parcialmente. (VALENÇA, 2008, p. 244).
De acordo com Harvey (apud Valença, 2008), essa maneira ou
qualidade expansionista do espaço não se dá, sobremaneira, de forma
consensual, em que imperativamente ocorrem perdas com investimentos do
passado em detrimento dos novos investimentos do presente.
Complementando esse entendimento:
[...] sob o capitalismo, as crises deixam de ser produtos de circunstâncias externas, como desastres naturais e guerras, e passam a ser produto das manifestações das contradições internas do próprio sistema. Trata-se da tensão entre produzir e absorver excedentes de capital e trabalho. Essa tensão está na raiz da dinâmica capitalista e é associada à história da urbanização do capital. (HARVEY apud VALENÇA, 2008, p.246).
Feita a exposição de parte da teoria de Marx, continuamos a
pesquisa com a visão de Harvey sob jugo daquela teoria. Por entender que a
noção fundamental das crises do capital explica a recorrente “destruição
criativa” do espaço urbano.Para elucidar de forma clara o referido tema,
procuramos seguir a sequência estipulada por Harvey.
55
• Circuito primário do capital (produção de mercadorias em geral)
O autor sustenta a tese de que o sistema de acumulação
capitalista, em reprodução ampliada, é o causador dos problemas de
realização que causam a desproporcionalidade entre os meios de produção e
os meios de consumo. Amparado por Marx, Harvey escolhe o volume três de O
capital para fazer uma síntese das contradições internas do capitalismo,
discorrendo sobre o tema da sobreacumulação. Afirmando que a tendência da
sobreacumulação se manifesta nas taxas de queda de lucros, no capital
excedente e no excedente de trabalho (desemprego em elevação) e/ou na taxa
de exploração da força de trabalho.
Harvey (1989) defende como “solução” dos problemas de
excedentes, a absorção parcial pelos seguintes fatores: o deslocamento
temporal mediante investimentos em projetos de capital de longo prazo ou
gastos sociais (como a educação e a pesquisa) onde uma combinação dessas
manifestações pode ocorrer simultaneamente. É o que se denomina de spatial
fix:, como podemos observar no fragmento que segue:
Nós temos visto como as contradições internas da classe capitalista geram uma tendência para a acumulação excedente dentro do circuito preliminar do capital. [...] esta tendência pode ser superada, temporariamente pelo menos, transferindo o capital para o circuito secundário e para o circuito terciário. (HARVEY, 1989, p. 66-68)
56
• Circuito secundário do capital (produção no imobiliário)
Sobre esse aspecto, explicita Harvey (2004, p. 94): “No interior do
circuito secundário do capital, os fluxos se dividem em capital fixo para a
produção (instalações fabris e equipamentos, capacidade de geração de
energia, entroncamentos ferroviários, portos etc.) e a produção de um fundo de
consumo (habitação, por exemplo).
Ao abordar o tema do ambiente construído para o consumo,
Harvey afirma que
[...] o capital fixo do ambiente construído é imóvel no espaço, no sentido de que o valor incorporado nele, não pode ser movido sem ser destruído. O investimento no ambiente construído envolve conseqüentemente a criação de uma paisagem física inteira para finalidades da produção, da circulação, da troca, e do consumo. (HARVEY, 1989, p. 64).
Por essa razão,
Deve obviamente haver um “excesso” de capital de trabalho com relação às necessidades atuais da produção e do consumo a fim facilitar o movimento de capital na formação de bens em longo prazo, particularmente aqueles que constituem o ambiente construído. (HARVEY, 1989, p. 64).
O problema da sobreacumulação no circuito primário encontra
como solução a mudança dos fluxos de capital do circuito primário para os
circuitos secundário e terciário. Para Ferreira,
57
Trata-se do fenômeno de transferência de capitais para o setor imobiliário quando há crise de superprodução, o que David Harvey denominou de “transferências entre circuitos do capital”. Quando se inicia uma crise, da qual decorre uma queda nas taxas de lucros, o congelamento dos investimentos e uma sobra de capital ocioso, o setor imobiliário serve como escoadouro para os investimentos. (FERREIRA, 2003) ANAIS
Conforme explica Harvey (1989), uma condição geral para o fluxo
de capital no circuito secundário é, conseqüentemente, a existência de um
mercado importante funcionando e de um Estado querendo financiar e garantir
projetos em longo prazo, em grande escala com respeito à criação do ambiente
construído. Essas mudanças dos recursos não podem ser realizadas sem uma
fonte de dinheiro e um sistema de crédito que crie capital fictício9 adiantado da
produção e do consumo reais. Isso se aplica tanto ao fundo do consumo (daí a
importância do crédito de consumidor, abrigando hipotecas, o débito municipal)
quanto como faz com o capital fixo. O Estado, portanto, serve de mediador das
relações entre o circuito primário e o secundário (HARVEY, 1989).
Assim, a natureza das instituições financeiras, do Estado e das
políticas que são adotadas podem jogar papéis importantes para realçar fluxos
de capital no circuito secundário do capital ou em determinados aspectos
específicos dele (tais como transporte, facilidades públicas, entre outros).
9 Ativos em títulos ou notas promissórias desprovidos de suporte material, mas que podem ser usados como dinheiro (a categoria “capital fictício” foi desenvolvida por Marx e estudada por Harvey no livro Limits to capital, cap.10)
58
• Circuito terciário do capital (produção da educação, cultura, ciência e
tecnologia)
De acordo com o autor, o circuito terciário do capital compreende,
em primeiro lugar, investimento em ciência e tecnologia (aproveitar a ciência
para a produção e para contribuir nos processos que revolucionem as forças
produtivas na sociedade); em segundo, investimentos sociais em educação e
cultura que se relacionam com os processos da reprodução da força de
trabalho; e, em terceiro, investimentos dirigidos para a melhoria qualitativa da
força de trabalho do ponto de vista do capital (investimento em instrução e
saúde, com o realce na capacidade dos trabalhadores no processo do
trabalho).
Harvey (1989, p. 69) atenta para o fato de que “os capitalistas
como uma classe têm relações com o Estado, onde investem na produção das
circunstâncias que esperam serão favoráveis à acumulação [...] continuando
com sua dominação”. Um outro problema é a determinação de preços nos
circuitos secundários e terciários. Muitas das mercadorias para o segundo e o
terceiro circuitos não podem ser valoradas de forma simples, enquanto ações
coletivas pelo Estado não podem ser examinadas por critérios normais de
lucratividade.
59
Esse movimento (transferência de capital) pode começar com um filete d´água até tornar-se uma enchente [...] mas a tendência para a sobreacumulação não é eliminada. É transformada em super investimento no segundo e terceiro circuitos. O super investimento está relacionado exclusivamente com as necessidades do capital e não com as reais necessidades das pessoas [...] (HARVEY, 1989, p. 70).
Segundo esse mesmo autor (HARVEY, 1989), há diferentes tipos
de crises nessas relações do capital: parciais, de comutação (switching:
redireção dos fluxos de capital de um espaço para outro), setoriais,
geográficas10 e, por fim, globais.
Resumindo: existe um momento em que o ambiente construído
entra em desvalorização do capital, quando esta, não necessariamente, destrói
o valor de uso, quando os “recursos físicos” são usados como capital
desvalorizado, com função de recuperar as bases para a acumulação. Harvey,
amparado em Marx, solidifica a idéia de que essas desvalorizações periódicas
do capital fixo suprem as necessidades de formação de um novo capital
estimulando a “destruição criativa” do espaço urbano.
Posteriormente, em seu livro O novo imperialismo, Harvey elabora o
que seria, para Valença (2008), a tentativa de atualização do conceito de
“acumulação primitiva”, pontuando-a como expansões geográficas,
10 “nós notamos que essa forma de crise é particularmente importante em relação aos investimentos no ambiente construído porque o fim é imóvel no espaço e requer fluxos de capitais inter-regionais ou internacionais para facilitar sua produção”. (p.71);
60
[...] nitidamente associadas à urbanização e às novas formas de regionalização advindas da globalização atual. A expansão do capital em áreas onde o capitalismo ainda não havia se desenvolvido requer não só significantes investimentos em infra-estruturas físicas e sociais de longa duração, como em transportes e comunicações, como também a produção de um espaço reconfigurado para servir à acumulação. (VALENÇA, 2008, p.247).
Harvey comunga com o pensamento de Rosa Luxemburgo ao
afirmar que a acumulação do capital apresenta duplo aspecto: como processo
econômico puro, relacionado com o mercado de bens e ao lugar onde é
produzida a mais valia, e como relações entre o capitalismo e os modos de
produção não capitalistas, nas quais predominam a política colonial com um
sistema internacional de empréstimos, uma política de esferas de interesse e a
guerra. Em outras palavras, há o entendimento corrente entre os estudiosos do
capitalismo de que o este necessita, perpetuamente, de soluções externas para
suas crises.
Em continuidade ao desenvolvimento de sua teoria, Harvey
aborda os processos de acumulação por espoliação como uma das soluções
externas à crise. Trata-se de processo efetivo de exclusão social e segregação
socioespacial, com a criação de estoques de ativos desvalorizados em um lado
do mundo e estoques que podem receber uso lucrativo dos excedentes de
capital em outro lugar do mundo. O que Marx chamou de acumulação
“primitiva”, Harvey intitula de “acumulação por espoliação” ou “acumulação por
61
despossessão”. E essa “solução” para a sobreacumulação revela-se por
inúmeros processos, como descritos no fragmento abaixo:
Estão aí a mercadificação e a privatização da terra e a expulsão violenta de populações camponesas; a conversão de várias formas de direitos de propriedade (comum, coletiva, do Estado etc.) em direitos exclusivos de propriedade privada; a supressão dos direitos dos camponeses às terras comuns; [...] processos coloniais, neocoloniais e imperiais de apropriação de ativos (inclusive de recursos naturais); a monetização da troca e a taxação, particularmente de terras [...] (MARX apud HARVEY, 2004, p.121).
Por fim, a “destruição criativa” de Harvey explica, de forma
metafórica, como se dá esse processo de “correção do capital” no espaço
construído sob o modo de produção capitalista. Finalizamos com algumas
conclusões de Valença (2008) acerca do tema:
Há inúmeras implicações da discussão de Harvey sobre os três circuitos, as persistentes crises de sobreacumulação e a idéia de resolução espaciotemporal (“spatio-temporal fix”) para a análise de situações concretas, inclusive em cidades terceiromundistas. Uma delas, por exemplo, é analisar, no contexto contemporâneo da globalização, as conseqüências que deve ter – diante de persistente crise – o deslocamento de capitais excedentes, do circuito primário, em particular para o secundário. Se Harvey aponta, para países em desenvolvimento, que tal deslocamento implica expansão geográfica (de várias ordens) associada ao que denominou de acumulação por espoliação (parte do processo mais geral de desenvolvimento desigual e combinado e, mais especificamente, também do que denomina novo imperialismo), isso quer dizer que restam cada vez menos recursos para o fundo de consumo (“consumption fund”) e
62
para os demais investimentos em infra-estrutura. Se antes era predominantemente o Estado e agora passa a ser o capital a ter maior peso nos investimentos voltados para o circuito secundário, cada vez mais será restrito o acesso aos novos espaços públicos, já que são maiores as chances de se ter um custo regulado pelo mercado. Exacerba-se, assim, o problema da justiça social na cidade, em particular nos países menos desenvolvidos onde o sistema de welfare é também menos desenvolvido. (VALENÇA, 2008, p. 244).
3.2 Processos espaciais
Harvey (2005, p.69) afirma que no momento pós-modernista,
portanto atual, o tecido urbano é necessariamente fragmentado, semelhante a
um “palimpsesto de formas passadas superpostas umas às outras e uma
colagem de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros”. Ou seja,
apesar dos novos processos da produção do espaço, a cidade constitui-se
continuamente em forma de camadas espaciais (cristalizadas) somadas no
tempo. “Na verdade, paisagem e espaço são sempre uma espécie de
palimpsesto onde, mediante acumulações e substituições, a ação das
diferentes gerações se sobrepõe” (SANTOS, 1999, p. 103).
Corrêa inicia seu texto sobre processos espaciais influenciado
pela afirmativa de Harvey de que a cidade pode ser considerada como
expressão concreta de processos sociais na forma de um ambiente físico
construído sobre o espaço geográfico. “Tais processos sociais produzem
forma, movimento e conteúdo sobre o espaço urbano, organizando a
63
organização espacial da metrópole” (CORREIA, 2005), organização que se
caracteriza por usos da terra extremamente diferenciados. Assim se estabelece
o processo espacial, como elemento mediador entre a organização espacial e
os processos sociais: tornando exequíveis a forma, o movimento e o conteúdo
sobre o espaço através de um pool11 de forças atuantes nas localizações,
relocalizações e permanência das atividades e população sobre o espaço
urbano. O autor segmenta esses processos em seis: centralização,
descentralização, coesão, segregação, invasão – sucessão e inércia.
Para alargar o conhecimento teórico sobre o tema, a partir da
sólida introdução de Corrêa, somamos os conhecimentos de Castells e Villaça.
Mas seguiremos, por pertinência didática, a divisão sugerida por Corrêa,
apenas acrescentando um sétimo processo, o de gentrificação/enobrecimento.
• Centralização
Partindo do pressuposto de que a centralidade é um tema que
conota questões-chave da estrutura urbana, Castells (1983) afirma que
[...] o termo de centro urbano designa ao mesmo tempo um local geográfico e um conteúdo social. [...] Para o urbanista médio, o centro é a partida da cidade que, delimitada espacialmente, por exemplo situada na confluência de um esquema radial das vias de comunicação, desempenha um papel ao mesmo tempo integrador e simbólico. (CASTELLS 1983, p. 311).
11 Proprietários dos meios de produção, proprietários de terras, empresas imobiliárias e de construção, associadas ou não ao grande capital, e o Estado (ator e árbitro dos conflitos).
64
Nas palavras de Corrêa (2005), “uma das características comuns
da metrópole moderna é a existência de uma área onde se concentram as
principais atividades comerciais e de serviços, bem como os terminais de
transportes”. A partir da revolução industrial, a emergência da centralidade é
uma das resultantes das mudanças espaciais da época. Outro marco
importante para a centralidade seriam as ferrovias, que, a partir da segunda
metade do século XIX, garantem a fluidez das trocas da produção. A partir
desse momento, forma-se uma grande oferta no mercado de trabalho, fazendo
com que, assim, as áreas centrais colham os frutos dessa dinâmica e da
acessibilidade dentro do espaço urbano, acessibilidade responsável pelos altos
valores da terra urbana. Para Villaça (2005), não é possível prescindir de um
centro, pois, sem a atração do centro, a cidade se evaporaria.
Para esse autor (VILLAÇA, 2005, p. 330), “Nossas cidades foram
se estruturando sob o impacto de forças poderosas atuantes sobre a estrutura
urbana: o domínio, pelas burguesias, das condições de deslocamento espacial
do ser humano enquanto consumidor”. Em suas próprias palavras:
Os requisitos locacionais da residência, do secundário e do terciário12 disputam proximidade ao centro urbano pela acessibilidade. A luta pela localização entre as classes sociais é uma luta em torno de condições de consumo, não em torno de condições de produção. O espaço intra-urbano, no entanto, é estruturado sob a dominação dos interesses do consumo. (VILLAÇA, 2005, p. 329).
12 Indústria, comércio e serviço.
65
• Descentralização
Corrêa (2005) aborda o tema da descentralização, afirmando que
esse processo é mais recente do que o da centralização, aparecendo em
decorrência de ajustes às deseconomias de aglomeração. Sobre a controvérsia
do desaparecimento dos centros, constata Castells:
É verdade que a concentração de certas atividades de troca num espaço em relação simétrica com as diversas zonas urbanas está cedendo o lugar a uma estrutura multinuclear ou uma espécie de difusão urbana. [...] em resumo, esta nova centralidade pode operar através de outras formas espaciais. (CASTELLS, 1983, p. 315).
As metrópoles tendem a desenvolver o que popularmente se
chama de um “centro novo”; e o centro tradicional vem sendo tomado pelas
camadas populares. Villaça entende este centro novo como:
[...] parte de um movimento que é fruto da interação de forças, o centro principal se deslocou e se transformou, os subcentros se formaram em função da inacessibilidade socioeconômica das camas populares ao centro principal; certas regiões das metrópoles se tornaram maciçamente populares, o centro principal “decaiu”; o sistema viário se aprimorou em determinada região (...) Enfim, foi-se formando e transformando o sistema de localizações que define o que é “bom ponto” e o que é “fora de mão”(...) As burguesias revolucionam o centro principal, produzem “centros expandidos”, o “seu” centro e o centro “dos outros”. A pulverização dos novos centros é a manifestação de expedientes das camadas de mais alta renda para trazer para mais próximo delas os equipamentos de
66
centros mais adaptados a seu meio predominante de locomoção: automóvel [...] Surgem daí os centros novos espacialmente atomizados. (VILLAÇA, 2005, p. )
Esse processo se dá também devido ao próprio crescimento da
cidade tanto demográfica como geograficamente. Segundo Colby13 (apud
Corrêa, 2005), para a descentralização ocorrer, é necessário que haja um novo
fator atrativo a essas áreas, que se apresentam com características quase
opostas às da centralidade, tais como: valor baixo da terra, amenidades
espaciais e sociais e o threshold (mercado mínimo) capaz de suportar a
localização de uma atividade descentralizada.
• Coesão
De acordo com Corrêa (2005, p.60), a coesão foi descrita por
Hurd14 em 1903, que considerava ter o comércio a tendência à aglomeração
como garantia de atração maciça de consumidores: “O processo de coesão ou
economias de aglomeração tende, em realidade, a gerar conjuntos de
atividades espacialmente coesas [...]”. Para Corrêa, a aglomeração gera
alternativas de escolha, complementaridade de atividades, áreas
especializadas, entre outros benefícios.
“É preciso, portanto, notar que o processo de coesão pode-se verificar simultaneamente com os processos de centralização e
13 C.C. Colby – Centripetal and centrifugal forces in urban geography. 14 Toward and understanding of the Metropolis.
67
descentralização, gerando o aparecimento de áreas especializadas dentro do espaço urbano, tornando assim sua organização espacial mais complexa. Como modo através do qual a relação custo-benifício tende a favorecer a reprodução do capital, o processo de coesão insere-se na linha de acumulação (CORRÊA, 2005, p. 60).
• Segregação
O termo segregação surge nos estudos acadêmicos da Escola de
Chicago, por intermédio de seu maior representante, Robert Ezra Park, em
artigo publicado em 1916, integrante os estudos norte-americanos sobre
conflitos étnicos e sociais.
[...] o isolamento das colônias raciais e de imigrantes nos assim chamados guetos e as áreas de segregação populacional tendem a preservar e, onde existia preconceito racial, a intensificar a intimidade e a solidariedade dos grupos locais e de vizinhança. Onde indivíduos da mesma raça ou da mesma vocação vivem juntos em grupos segregados, o sentimento de vizinhança tende a se fundir com antagonismos de raça e interesses de classe. (PARK apud VELHO, 1967, p. 34).
Para Castells:
A distribuição dos locais residenciais segue as leis gerais da distribuição dos produtos e, por conseguinte, opera os reagrupamentos em função da capacidade social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas rendas, de seus status profissionais, de nível de instrução, de filiação étnica, da fase do ciclo
de vida etc. (CASTELLS, 1993, p. 249).
68
Castells compreende que, na composição do espaço residencial,
existe uma interação entre economia, política e ideologia. Sob sua perspectiva,
segregação urbana constitui parte de uma estratificação urbana na qual a
distância social tem uma expressão espacial forte, na qual existe
[...] a tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de diferença, como também de hierarquia. (CASTELLS, 1983, p. 250).
Discorrendo sobre a segregação, Villaça a define como
[...] um processo segundo o qual, diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da metrópole [...] o que determina, em uma região, a segregação de uma classe é a concentração significativa dessa classe mais do que em qualquer outra região da metrópole. (VILLAÇA, 2005, p.142 ).
De acordo com Villaça (2005), a segregação urbana é um
processo que está longe de ser uma particularidade das décadas recentes e de
uma eventual atuação do capital imobiliário ou das leis de zoneamento
contemporâneo. Ele vem se constituindo no Brasil há mais de um século.
Como explicita Corrêa (2005, p. 132), “[...] a segregação parece
constituir-se em uma projeção espacial do processo de estruturação de
classes, sua reprodução, e a produção de residências na sociedade
capitalista”.
69
Harvey denomina segregação de diferenciação residencial:
[...] a diferenciação residencial deve ser interpretada em termos de reprodução das relações sociais dentro da sociedade capitalista; significa acesso diferenciado a recursos escassos necessários para se adquirir oportunidades de ascensão social e significa diferencial de renda real. Proximidade às facilidades da vida urbana como água, esgoto, áreas verdes, melhores serviços educacionais, e ausência da proximidade aos custos da cidade [...] (HARVEY apud CORRÊA, 2005, p. 134). [esse recorte final está meio solto]
Para Villaça (2005), as camadas de alta renda nem sempre
moram em terra cara, e, além disso, não é rigorosamente verdadeiro que o
preço da terra determine a distribuição espacial das classes sociais. Lojkine
apud Villaça (2005) distingue três tipos de segregação urbana: 1. uma
oposição entre o centro, onde o preço do solo é alto, e a periferia; 2. uma
separação crescente entre as zonas e moradias reservadas as camadas
sociais mais privilegiadas e as zonas de moradia popular; 3. um esfacelamento
generalizado das funções urbanas disseminadas em zonas geograficamente
distintas.
E complementa o autor (VILLAÇA, 2005, p.350): “[...] a
segregação é um processo dialético, em que a segregação de uns provoca, ao
mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros [...]”. Para ele,
portanto, a segregação é um processo necessário para as dominações social,
econômica e política por meio do espaço, compreende que os preços do solo
70
são frutos da segregação e acredita na relação entre a segregação e a
possibilidade de apropriação de vantagens econômicas. Nesse sentido, acorda
que a distribuição espacial das classes determina a distribuição espacial dos
serviços tanto privados como públicos. Fundamentando a hipótese de que a
disputa pelas localizações urbanas mais convenientes, Villaça (2005) defende
a ideia de que a tendência a otimizar tempo de deslocamento e energia é uma
característica inata dos seres humanos, ou seja, existe em todas as formações
sociais.
Sendo a disputa pelas localizações uma disputa pela otimização
dos gastos de tempo e energia, ela determina a estrutura intraurbana em
qualquer modo de produção. Villaça cita as investigações de Homes Hoyt, em
1959, nas quais este expõe as tendências das camadas de alta renda nas
cidades americanas. Hoyt considera nove tendências, das quais Villaça
destaca três, que podem ser aplicadas às metrópoles brasileiras: 1. as cidades
progredirem em direção a terrenos altos, livres de riscos de inundações e se
espalhar ao longo das bordas dos lagos, baías, rios ou oceanos, nos locais
onde tais bordas não são ocupadas por indústrias; 2. o crescimento das áreas
residenciais de alta renda permanecer numa mesma direção por um longo
período de tempo; 3. as áreas de apartamentos de luxo estabelecerem-se
próximas ao centro, em antigas áreas residenciais.
71
Nas palavras de Villaça, o termo dominação é o processo
segundo o qual a classe dominante comanda a apropriação diferenciada dos
frutos, das vantagens e dos recursos do espaço urbano. Dentre essas
vantagens, a mais decisiva é a otimização dos gastos de tempo despendido
nos deslocamentos dos seres humanos, a acessibilidade às diversas
localizações urbanas, especialmente ao centro urbano.
Na visão do autor, o padrão espacial dominante da segregação é
segundo setores de círculo. Isso ocorre porque o padrão por setores possibilita
melhor controle, pela classe dominante, do espaço urbano do que o de círculos
concêntricos, uma vez que permite controlar com mais eficiência os
deslocamentos espaciais, o mercado imobiliário, o Estado e a ideologia sobre o
espaço urbano. As camadas de mais alta renda controlam a produção do
espaço urbano por meio do controle de três mecanismos: um, de natureza
econômica – o mercado imobiliário; outro, de natureza política ─ o controle do
Estado, e, finalmente, o da ideologia.
Para Castells (1983), a estrutura do espaço residencial sofre as
seguintes condicionantes: nível econômico, nível político-institucional, nível
ideológico e nível da luta de classes.
A segregação social no espaço é, portanto, a expressão específica dos processos que visam à reprodução simples da força de trabalho, mas estes processos estão sempre inseparavelmente articulados com o conjunto das instâncias da estrutura social. (CASTELLS, 1983, p. ).
72
Sobre o mercado imobiliário, as burguesias interagem com o
centro principal, fazendo com que este se transforme e, simultaneamente, se
desloque no sentido em que o fazem aquelas classes, revolucionando-o
segundo seus interesses e produzindo os centros expandidos ou os novos
centros.
No controle sobre o Estado, suas localizações se comportam
exatamente como se estivessem sujeitas às leis do mercado, o que,
supostamente, não deveria ocorrer. O segundo mecanismo é a produção da
infraestrutura. A burguesia exerce controle sobre o Estado na implantação de
infraestrutura urbana. O Estado atua por intermédio da legislação urbanística,
que é feita pela e para as burguesias.
Neste segmento do estudo, Villaça (2005) faz um levantamento
das muitas conceituações da palavra “ideologia”, abalizado por autores como
Chauí, Marx e Engels e Gramsci. Abordando a ideologia como uma versão da
realidade social dada pela classe dominante com vistas a facilitar a dominação,
apresenta como exemplo de dominação ideológica mecanismos de
naturalização dos processos sociais. Palavras como “deterioração” e blight 15
são claramente colocadas para formar a ideia do natural e manter a visão da
15 Tradução literal: parasita que mata e seca ou impede o crescimento das plantas.
73
população de camadas de baixa renda de que a burguesia não tem
responsabilidade sobre as “causas naturais”.
Nesse sentido, “[...] a ideologia inculca nas mentes da maioria a
idéia de que a cidade é aquela parte construída por onde estão os dominantes.
Essa ideologia facilita a ação do Estado, que privilegia essa parte” (VILLAÇA,
2005, p.350). E complementa o autor:
Há um conflito de tempos: um que se quer reduzir e outro que se quer ampliar. O tempo do desgaste, o tempo perdido (em deslocamentos) deve ser reduzido, mas o tempo de lazer e o tempo de repouso devem ser ampliados. Mais um fator que faz predominar o tempo de deslocamento do ser humano sobre os demais. [...] O setor imobiliário, representando os interesses das burguesias, escolhe uma determinada localização para um empreendimento, ele pesa os vários prós e contras envolvidos nessa escolha. Dentre os primeiros, destaca-se o meio ambiente e, dentre os segundos, os deslocamentos envolvidos. A infra-estrutura vem depois; ela é trazida pelas burguesias. (VILLAÇA, 2005, p. 354-355).
Por fim, Villaça conclui:
Segregação é uma determinada geografia, produzida pela classe dominante, e com a qual essa classe exerce sua dominação através do espaço urbano. Trata-se, portanto, de um caso de efeito do espaço sobre o social. Evidentemente esse espaço produzido é ele próprio, social. Só o social pode constranger ou condicionar o social. (VILLAÇA, 2005, p.360 , grifos nossos).
• Invasão-sucessão
74
A implicação do processo invasão-sucessão reside no
caráter mutável do conteúdo social das áreas residenciais que constituem a
cidade. Corrêa (2005) assim enfatiza o surgimento do processo espacial:
Entretanto a segregação nem sempre é rígida, e, por meio da imagem que certos bairros projetam e da especulação imobiliária, é possível que não apresentem forte caráter de segregação. Mas é possível que esta reduzida segregação já esteja indicando a ação de outro processo, o de invasão – sucessão”. [...] “Foi verificado empiricamente que, no espaço urbano, há bairros que são habitados, durante um certo período de tempo, por uma classe social, e que a partir de um certo momento verifica-se a [invasão] de pessoas de outra classe social, via de regra, de classe inferior àquela que ocupa o bairro. Inicia-se então a saída da população preexistente e a chegada de novo contingente, ou o processo de invasão-sucessão. (CORRÊA, 2005, p.134-136).
• Inércia
Eis um processo espacial que nos leva a pensar em uma outra
lógica, fora da econômica. “A implicação do processo de inércia sobre a
organização do espaço intra-urbano é a de cristalização de certos usos da terra
que aparecem como não-racionais” (CORRÊA, 2005, p.137). Seria então a
preservação simultânea da forma e do conteúdo espacial. Corrêa (2005) lista
algumas razões para o processo de inércia, mas a que consideramos de maior
importância para o estudo é a força de sentimentos e simbolismos que se
75
atribui as forma espaciais e ao seu conteúdo. Com base em estudos de Firey16
sobre a área central da cidade de Boston, o autor argumenta que
símbolos e sentimentos são variáveis que afetam o uso da terra, e que o espaço não tem apenas atributos econômicos como acessibilidade e amenidades, mas que possui um outro atributo, o de ser em certas circunstâncias, símbolo de determinados valores culturais que ali se acham associados. (CORRÊA apud FYREI, 1974, p77)
De acordo com os estudos de Firey, realizados na década de 40,
o impacto de sentimentos estéticos, históricos e familiares aparece na sua
preservação através de três modos: retenção – um bairro se diferencia dos
outros quando o aumento do número de habitantes de alto status é substancial
em somente um bairro central em comparação com o baixo status e a
degradação dos outros; atração – moradores do bairro compram casas do
mesmo bairro, com intenção de reforma (interior) e revenda para famílias de
alto status; e resistência – criam-se organizações ou associações com o intuito
de impedir a mudança de uso do solo (como para prédios de apartamentos ou
de uso comercial). Nos estudos de Firey, observamos a forte influência desse
processo de inércia pelo sentimento de representação de poder das classes
dominantes em manterem seus símbolos do passado.
16 In: Theodorson, G. A., 1974. Citado por Corrêa (2005) p.77.
76
• Gentrificação e enobrecimento
Entendemos a palavra gentrificação como em um primeiro sentido
espacial de enobrecimento de um espaço, mas para ser gentrificado, terá de
ter passado por um processo de substituição de classes. O que não acontece
no processo de enobrecimento pura e simples. Essa é a diferença.
Como diz Cavalcante (2006. p. 62), “A origem do termo
gentrificação é associada à redefinição espacial pela “expulsão” de moradores
de menor poder aquisitivo que pode ser por remoção ou operada através do
mercado, no processo de compra e venda, em benefício daqueles que
possuem uma renda maior”.
3.3 Caracterização da área e a metodologia da pesquisa
Feitas as reflexões teóricas, passamos agora a caracterizar o
bairro onde foi realizada a pesquisa e a definir a metodologia empregada no
decorrer desta. O bairro de Ponta Negra compõe a região administrativa sul de
Natal, a capital do estado do Rio Grande do Norte, Natal. Seus limites são: ao
norte, o bairro de Capim Macio e a área de preservação do Parque das Dunas;
ao sul, o município de Parnamirim; ao leste, o oceano Atlântico, e, ao oeste, o
bairro de Neópolis.
77
A lei de criação do bairro de Ponta Negra, de n. 4.328/93, foi
publicada no Diário Oficial do estado, em 07 de setembro de 1994. O referido
bairro possui uma área de 707,16 hectares, e, conforme os dados obtidos no
censo 2000, uma população residente de 23.600 habitantes, com 6.227
domicílios particulares permanentes, com estimativa de população residente
em 2005 de 30.212 habitantes, de acordo com estimativas feitas pelo mesmo
censo demográfico.
Ponta Negra compõe a Zona de Adensamento Básico, para a qual
o Plano Diretor de Natal, em suas Leis Complementares n. 07/94 e n. 22/99,
determinou a densidade máxima de 225 hab/ha e o coeficiente de
aproveitamento de 1,8. Ainda incidem sobre este bairro (segundo a Lei n.
3.607/87, que dispõe sobre uso e prescrições urbanísticas da Zona Especial
Turística 1, mantida através do artigo 62 do PDN/94) duas áreas consideradas
frágeis, do ponto de vista ambiental, denominadas ZPA–5 e ZPA–6, ainda não
regulamentadas. A ZPA–5 refere-se à área de associação de dunas e de
lagoas, e a ZPA–6 refere-se ao Morro do Careca e dunas associadas.
Em 2000, foi aprovada a Lei Complementar n. 027 que criou a
Zona Adensável de Ponta Negra, estabelecendo novos parâmetros de
densidade e aproveitamento, em função de melhorias implantadas na
infraestrutura do bairro.
78
Quadro da evolução histórica de Ponta Negra
PERÍODO MARCOS HISTÓRICOS DESDOBRAMENTOS
Final do ano de 1631
Entrada das naus flamengas no litoral norte-rio-grandense
Pode-se supor a localidade apenas como ponto de apoio estratégico: “Sabe-se que, em 1635, o processo de ocupação começa oficialmente. Vagarosamente, os habitantes começaram a chegar, pois até 1930, as construções só circundavam a igreja ou estavam na praia”.
1823 Construção da igrejinha da vila
As ruas mais antigas são a Manoel Coringa de Lemos (considerada a principal via de acesso), a Rua do Corrupio e a Rua da Floresta.
1940... A partir da Segunda Guerra Mundial
Nota-se a chegada de equipamentos urbanos, como a luz elétrica e o arruamento, com o objetivo de proporcionar lazer.
Fim dos anos 50 Contenda jurídica entre Fernando Pedrosa e os moradores da vila
Questão finalizada com a doação, por Fernando Pedrosa, de parte da área da vila à Arquidiocese de Natal e uma grande parte para a Aeronáutica (Barreira do Inferno).
Anos 70 A elite da capital toma gosto pelo veraneio e elege Ponta Negra como ponto de referência para a nova praxe.
Urbanização da orla, que, anteriormente, só era possuidora de casas de pescadores. Mudança na tipologia edilícia das novas construções e novos usos. Substituição ou consolidação da área.
1978 Marco da entrega do conjunto Ponta Negra à cidade de Natal
Entrega de 1.839 unidades para uso exclusivamente residencial.
79
PERÍODO MARCOS HISTÓRICOS DESDOBRAMENTOS
Anos 80 Consolidação do bairro como grande área residencial, com a chegada dos conjuntos.
Problemas com a falta de equipamentos de infraestrutura para os novos moradores, tais como transporte público e pontos de comércio (quase inexistentes).
Fim dos anos 90 PRODETUR-NE
Impulso na conformação do bairro como área turística da cidade. Turistificação do lugar. Fator causador do boom imobiliário, da grande valorização dos imóveis.
Anos 2000
Construção de grandes empreendimentos imobiliários, superaquecimento imobiliário. Tipologia imobiliária voltada para o público estrangeiro (segundas residências)
Mudanças na tipologia de uso do solo e na qualidade construtiva, enobrecimento, gentrificação, segregação e coesão em pontos do bairro.
2008 Crise econômica mundial, crise no mercado imobiliário
Pontos de degradação, prédios sem moradores e, ainda, “esqueletos” (construções paradas ou em ritmo lento).
2009 Nova administração municipal
Plano para geração de emprego e desenvolvimento do setor imobiliário, como medida em resposta à crise do setor imobiliário. Para Ponta Negra, definição das regras para a mudança de tipologia de uso (de hotéis/flats/pousadas/2ªs residências) para apartamentos residenciais com aumento também das áreas. Adequação à nova realidade.
QUADRO 01: Evolução histórica de Ponta Negra. ELABORAÇÃO: Compilação de históricos de Ângelo Silva e Gilene Moura Cavalcante, por Rochelle Bezerra.
80
Para a elaboração da pesquisa, iniciamos um levantamento dos
usos do solo em todo o bairro de Ponta Negra. Nesse mapa, feito em AutoCAD
(ver mapa 01), havia informações sobre a tipologia dos usos (residencial, misto,
comercial ou serviço, vazio, em construção, em fase de demolição,
abandonado e institucional) o número de pavimentos de cada lote e a sua
dinâmica imobiliária. Este estudo de campo e a sua respectiva coleta de dados
foram realizados, em um primeiro momento, em julho de 2007, com o
levantamento das áreas do conjunto Ponta Negra, Orlas 1 e 2 e o Paredão de
Ponta Negra. Em um segundo momento, em dezembro de 2008, concluiu-se
todo o mapeamento de campo da pesquisa com as áreas da Vila de Ponta
Negra, do Alto de Ponta Negra, do Conjunto Alagamar e de Alagamar. Houve
então a necessidade de um ajuste, e um novo levantamento foi feito no
Conjunto Ponta Negra para não haver defasagem quanto aos processos
espaciais no intervalo de tempo.
Estabelecemos que não seria relevante incorporar toda a
extensão do bairro de Ponta Negra pelo fato de a parcela oeste do bairro,
viizinha ao bairro Neópolis, não pertencer à mesma lógica estruturante voltada
ao turismo e à mesma dinâmica imobiliária voltada à imagem do Morro do
Careca, vigente em sua parcela estudada na pesquisa.
Completada a primeira coleta de dados primários, digitalizamos e
qualificamos a pesquisa em mapas temáticos de uso do solo e em planilhas
81
para quantificar estatisticamente os dados. A terceira fase foi de percepção e
análise das áreas dinâmicas do bairro, onde se observa uma homogeneidade
de usos e de dinâmicas imobiliárias particulares. Ressaltamos que as referidas
áreas pertencem a uma mesma lógica estruturante, mas se diferenciam como
unidades. A partir desse momento, elaboramos um mapa das áreas dinâmicas
do mercado imobiliário.
O bairro de Ponta Negra, por sua formação e características, não
constitui um bairro homogêneo, pois nele se observa uma diferenciação de uso
e de ocupação do solo que demarca, espacial e socialmente, oito áreas com
dinâmica imobiliária, tipologias edilícias e perfil socioeconômico distintos. Essas
oito áreas são uma construção metodológica cujo objetivo é pormenorizar a
compreensão das diferenciações que vêm ocorrendo no bairro nas últimas
décadas. Analisaremos especificamente a dinâmica imobiliária e as tipologias
edilícias e/ou arquitetônicas das seguintes áreas: 1. Vila de Ponta Negra, 2.
Conjunto Ponta Negra, 3. Alto de Ponta Negra, 4. Paredão, 5. Orla 1 6. Orla 2,
7. Conjunto Alagamar e 8. Alagamar (ver Mapa 02).
Em seguida, fez-se um exercício de abstração para compreender,
sob a ótica teórica estabelecida, os dados postos, mediante a projeção dos
mapas dos processos espaciais diferenciados. Para a realização dessa
atividade, apropriamo-nos de alguns conceitos dos processos espaciais e
criamos outros específicos para o bairro. Finalizamos o item empírico com o
82
produto final da pesquisa, o mapa dos processos espaciais de todo o bairro de
Ponta Negra, e traçamos um esquema-pensamento com o intuito de entender
as lógicas específicas que aportam no bairro de Ponta Negra, fazendo uma
relação com a cidade de Natal e com o mundo.
89
4. OS PROCESSOS ESPACIAIS E A DINÂMICA IMOBILIÁRIA EM PONTA NEGRA
90
4.1 Caracterização dos processos espaciais e da dinâmica imobiliária em
Ponta Negra
Para nortear a análise, identificamos alguns processos espaciais
diferenciados para cada área decomposta, os quais se hibridizam em algumas
áreas e são bem pontuais e íntegros em outras. No bairro de Ponta Negra,
observam-se os seguintes processos espaciais: coesão, segregação,
enobrecimento, gentrificação, sucessão, degradação, estabilidade e fragilidade.
Eles serão dispostos em forma de imagem circular, que revela
onde eles se apresentam de forma mais intensa, o que não significa que, em
suas bordas e até em alguns pontos externos, não possamos encontrar
fragmentos da mesma tipologia espacial identificada nos círculos. Um outro
processo que permeia, ou seja, passa, de forma transversal, por todos esses
processos espaciais em Ponta Negra é a turistificação de todo o bairro. O
turismo é um fator importante na sua conformação atual.
Entendemos coesão como uma coalescência, ou seja, o
crescimento de uma tipologia ou de um uso, com uma força atrativa decorrente
de sua homogeneidade, dando forma a determinada área. Nos casos
específicos de coesão dos espaços diferenciados de Ponta Negra, a
homogeneidade prevalece sob a força do comércio e dos serviços.
A segregação é aqui entendida em conformidade com a idéia de
Villaça (2005, p. 360): “[...] segregação é uma determinada geografia,
91
produzida pela classe dominante, e com a qual essa classe exerce sua
dominação através do espaço urbano”. Trata-se, como avalia Villaça, de um
efeito do espaço sobre o social, complementando a afirmação de Castells
(1983, p. 250) de que é “[...] a tendência à organização do espaço em zonas de
forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade social entre elas
[...]”. A segregação também constitui, em alguns casos específicos, uma
autossegregação.
Com relação ao enobrecimento, entendemos esse processo como
tornar nobre algum espaço que já estava urbanizado ou não. Preferimos não
usar a palavra gentrificação em alguns dos casos porque esta tem sentido de
mudança para uma camada social de renda mais elevada. No nosso estudo,
este pode não ser o caso. Há não só casos de mudança de uso (serviços
voltados para hotelaria a restaurantes), como um enobrecimento em
decorrência de uma primeira urbanização da área, não chegando, portanto, a
caracterizar uma substituição. Verifica-se também, no entanto, a gentrificação
no bairro.
Para o termo sucessão, concordamos com a linha de pensamento
de Correa, mas suprimimos a palavra invasão por entendermos que, no caso
em estudo, existiu, sim, uma substituição pressionada pelo mercado. Esta,
porém, não é considerada uma invasão, por ter sido permitida e não espoliada.
92
Acerca do processo espacial de degradação, observamos que a
própria palavra se explica. Refere-se a espaços onde se verificam processos
de degeneração edilícia e do arruamento (calçadas), de falta de conservação,
de descaso com áreas públicas e de queda da atividade econômica e social.
O termo estabilidade foi assim designado para caracterizar os
espaços onde se percebe certa constância no uso do solo, mantendo-se como
em sua gênese.
Por fim, fragilidade foi o termo eleito para explicar a tipologia
edilícia vulnerável, “favelizada” e com explícitos problemas sociais e de
infraestrutura.
4.2 A Vila de Ponta Negra
A Vila de Ponta Negra é onde aconteceu a gênese do bairro.
Nessa área se instalaram os primeiros moradores, e, por essa razão, suas
ruas, vielas e vilas apresentam um mosaico orgânico. Não houve nessa área
planejamento algum. A construção do seu tecido foi sendo criada de acordo
com as necessidades dos moradores. Por suas características peculiares, suas
quadras irregulares, grandes lotes vazios, entremeados de vilas geminadas, foi
necessária maior atenção na consideração dos dados da pesquisa.
Quanto ao fator dinâmica imobiliária, a área da Vila de Ponta
Negra passou recentemente por uma dinâmica agressiva de mudança de uso
93
do solo, por mudanças na valorização dos seus lotes imobiliários. Como
consequência, ocorreu o que empiricamente se chama de “expulsão branca”,
ou seja, seus antigos moradores venderam seus imóveis, seduzidos por ofertas
atraentes (a um preço especulativo). Os percentuais da pesquisa (Tabela 1)
informam pouca atividade imobiliária (1,28%), mas pode haver uma pequena
distorção quanto a esses dados pelo fato de os tamanhos das glebas da Vila
de Ponta Negra serem irregulares e muitas delas possuírem vilas internas.
Quanto ao uso do solo, 74,79% é residencial, mas observa-se
uma acentuada ação do uso misto e de comércio (12.26%). Os lotes mistos e
de comércio concentram pequenas lojas, mercadinhos, padarias, lanchonetes,
e, em algumas ruas do principal eixo de acesso à Vila, como a Rua Manoel
Coringa de Lemos, o comércio de peixarias é bem tradicional. Outra
característica pujante da área é o seu sentimento de comunidade, muito
fortalecido pela oferta de inúmeros serviços institucionais, com a prevalência de
igrejas. São, ao todo, 27 instituições, número equivalente a 1,32% dos lotes
(Fotografias 9 e 10).
Os lotes vazios ─ em sua maioria, de grande extensão ─
representam 10,69% de toda a extensão da Vila. Não se trata de terrenos
convencionais, mas de grandes glebas com grande potencial construtivo.
Quanto à sua escala de pavimentos, a Vila mantém-se horizontalizada em
quase toda a sua área (Fotografia 8).
94
Em decorrência de uma nova dinâmica voltada para a venda de
lotes também para remembramento, houve um processo espacial de sucessão
e de gentrificação. Esse processo, no entanto, só se verifica nas vias principais
e nas bordas, junto à Orla 1, devido à vista privilegiada do mar. A construção
de novos empreendimentos ─ como edifícios de apartamentos, flats,
condomínios de casas, pousadas, hotéis e também casas de maior porte ─
provocou uma mudança no uso do solo da área. Com relação a esse aspecto,
nota-se um aumento do número de lotes voltados ao comércio (muitos
mercadinhos) ou serviços (muitas pousadas e flats) e também lotes de uso
misto. Um fator que merece maiores cuidados diz respeito à infraestrutura,
ainda muito incipiente, apenas com as vias principais asfaltadas. Por se
constituir numa área pobre em relação ao todo do bairro, são perceptíveis
muitos problemas, tais como ruas estreitas com pouca iluminação, vilas com
falta de saneamento, ruas sem calçamento (ainda de areia). Um outro
problema sério são suas vias de entrada e saída, consideradas insuficientes,
tendo em vista a tendência expansionista de contingente de novos moradores.
Quanto à tipologia edilícia das casas, percebe-se ainda uma
maior quantidade de residências com características construtivas tradicionais,
ou seja, casas de alvenaria, de pequeno porte (30m² a 100m²), com quadro de
esquadrias de madeira, além de vilas em que predominam residências
geminadas, com pouca ventilação e insalubres. Em nossa análise dos
95
processos espaciais, essa situação enquadra-se no processo de fragilidade
espacial. Já nos novos empreendimentos, veem-se mudanças nos quesitos de
uso e de qualidade construtiva e também na escala da construção em relação
à área total das edificações. Outro detalhe perceptível é que os novos
empreendimentos verticalizaram-se, e a existência de grandes construções ao
lado de menores causa um certo estranhamento visual e social.
As diferenciações não são só espaciais. É visível a mudança
súbita de edificações de melhor padrão de qualidade construtiva, vizinhas das
ocupadas por moradores mais antigos e de menor renda. Isso significa que
houve uma substituição de antigos moradores por outros de uma nova classe
social mais abastada ou até por imigrantes estrangeiros que vieram morar em
Natal por diferentes razões. A essa situação, chamamos de processo espacial
de sucessão e gentrificação (Fotografia 4).
A Vila de Ponta Negra ainda possui uma peculiaridade em relação
ao todo do bairro no seu entorno: a existência da ZPA-6, que percorre toda a
área do Morro do Careca até as imediações do condomínio horizontal de casas
Ponta Negra Boulevard. As mudanças da Vila de Ponta Negra também atingem
a condição social dos que ali residem, pelas novas formas e pelo acesso ao
mercado de trabalho com as múltiplas construções e empreendimentos e
também novos postos de trabalhos voltados ao setor turístico.
96
A seguir, apresentamos os produtos da pesquisa na área do Alto
de Ponta Negra (TABELA 1, IMAGEM 3, FOTOGRAFIAS e MAPA 5), que
sintetizam os processos espaciais já discutidos, observando-se
detalhadamente a sua localização.
97
VILA DE PONTA NEGRA
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS
DINÂMICA
IMOBILIÁRIA
N° LO
TE
Residencial
Misto
Com
ercial /
Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III
IV
V
VI
X
XXI
S.O.A.I
Vende
Aluga
Vende ou
Aluga
Fechado
Abandonado
Total
2039
1537
157
94
218
7 1
10
27
367
1441
220
11
3 1 0 0 1
2003
26
6 0 0
11
% TO
TAL
75,38%
7,70%
4,61%
10,69%
0,34%
0,05%
0,49%
1,32%
18,00%
70,67%
10,79%
0,54%
0,15%
0,05%
0,00%
0,00%
0,05%
98,23%
1,28%
0,29%
0,00%
0,00%
0,54%
TABELA 01 – Situação Imobiliária da Vila de Ponta Negra (Resumo). * S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária.Diagramação: Felipe Fernandes
99
Fotografia 1: Vila de Ponta Negra Fonte :Rochelle Bezerra
FOTOGRAFIAS 2 E 3: Pousada e residência empobrecida./ Impacto visual das novas construções (com vista da vila de Ponta Negra). FONTE: Acervo da autora.
100
Fotografia 4: Apartamentos voltados exclusivamente para público europeu. Fonte: Rochelle Bezerra
FOTOGRAFIAS 5, 6 e 7: Vilas na vila de Ponta Negra.
101
FONTE: Acervo da autora. FOTOGRAFIA 8: Vista aérea da vila. Aprimoramento: Rochelle bezerra Fonte: Alex Fernandes. http://picasaweb.google.com/SOS.Ponta.Negra/PontaNegraEmAbril... Fotografias 9 e 10: Igrejas (dentro da vila de Ponta Negra) Fonte: Rochelle Bezerra.
103
4.3 O Conjunto Ponta Negra
O Conjunto Ponta Negra originou-se em 1978, a partir da iniciativa do
governo federal para a construção de conjuntos habitacionais, financiada pelo Banco
Nacional de Habitação-BNH e promovida pelo Instituto de Orientação às
Cooperativas Habitacionais-INOCOOP (SILVA, 2003). Na época de sua construção,
o Conjunto Ponta Negra localizava-se fora da malha urbana da cidade e suas
unidades eram destinadas exclusivamente para o uso residencial. Não havia
comércio ─ como mercados, padarias etc. ─ nem serviços, e, além disso, os
transportes eram precários (Fotografia 11).
Quanto à tipologia edilícia, as residências do Conjunto Ponta Negra, em sua
fase inicial, possuíam padrão construtivo voltado à classe média, com construções
em alvenaria e com esquadrias de madeira. O telhado era de cerâmica (telha canal)
em parte do conjunto; em outro setor (na frente do conjunto), o telhado era de
amianto (Fotografia 11). Com o passar do tempo, alguns moradores do conjunto
reformaram as casas, fugindo do padrão de comportamento dos conjuntos
habitacionais brasileiros. Transformaram as suas casas de maneira individual e
peculiar, diferenciado-as umas das outras e assim melhorando o seu padrão
construtivo e aumentando a área das residências (Fotografia 12).
Ao longo das últimas décadas, esse conjunto, assim como todo o bairro
de Ponta Negra, passou por transformações que foram intensificadas com a
atividade turística no local. Na área do conjunto, no geral, essas transformações
104
aconteceram predominantemente nas bordas limítrofes e nos seus eixos principais
de acesso (Fotografias 13 a 17, 19 e 20).
Quanto ao uso do solo, de acordo com a pesquisa de campo realizada
em dezembro de 2008 (Mapa 7 e Tabela 2), 87,4% dos 1.839 lotes ainda
permanecem como de uso residencial. Houve, entretanto, uma significativa
modificação no padrão construtivo das residências em relação ao modelo
originalmente construído, o que foi percebido pela observação sistemática da área
do conjunto. Essas transformações são relativas a reformas, mudanças na tipologia
edilícia e em seu padrão construtivo. Investigando 40 moradores do Conjunto, essa
mesma pesquisa revelou os seguintes dados: com a intensificação da valoração
imobiliária, o valor médio do aluguel é de R$ 790,00; em média, os moradores vivem
no conjunto 21,4 anos, notando-se a constante prevalência dos moradores quanto
ao uso e ocupação do solo; 72,5% dos moradores moram em casas próprias, 17,5%
vivem em casas alugadas e 10% em imóveis cedidos.
Analisando os dados da pesquisa (mapa de uso do solo, mapa de
áreas diferenciadas, mapa fragmentado das áreas e seus respectivos processos
espaciais, tabela referencial do mapa de uso do solo de sua área e o roteiro
fotográfico), tipificamos os processos espaciais em curso do Conjunto Ponta Negra.
Como eixo condutor, utilizamos a Tabela 2 e o roteiro fotográfico da área (Imagem 4)
e, por fim, o Mapa 7.
De acordo com as nossas observações, verifica-se, em primeiro lugar,
uma tendência inicial nas mudanças de uso das residências para edificações de uso
105
misto e destinadas a estabelecimentos comerciais ou prestação de serviços, o que
perfaz um total de 11,62%. No caso de uso misto, trata-se de salões de beleza,
mercadinhos, marmitarias, restaurantes, lanchonetes, chaveiros, enfim, pequenos
comércios ou serviços destinados aos moradores do próprio conjunto. As fotografias
19 e 20 exemplificam o processo de coesão comercial que acontece internamente
no conjunto, em particular nos seus eixos viários principais internos, nas ruas Praia
de Búzios e Praia de Tibau. Os estabelecimentos de comércio ou serviços voltados,
em particular, para o turismo estão localizados nas bordas do conjunto, na avenida
Praia de Genipabu, formando o que chamamos de processo de coesão espacial
(Fotografias 13, 15 a 17 e Mapa 7) .
A coesão existente nas bordas entre o Conjunto Ponta Negra e seu
principal eixo viário, avenida Engenheiro Roberto Freire, dá-se por quase toda a sua
extensão, mas intensifica-se entre o Praia Shopping e a feira de artesanato
(Fotografia 23), espraiando-se pelo seu entorno (Fotografias 15 a 17 e Imagem 4).
Nesse espaço, encontram-se o prédio de estacionamento do Praia Shopping,
restaurantes, academia de ginástica, casa de câmbio, serviços de aluguel de carros,
comércio de pranchas de surf, clínica médica, entre outros.
Verificando o Mapa 7, observa-se que a mudança de uso do solo para
comércio e serviços ocorre nas bordas e nos principais eixos de acesso ao
Conjunto, enquanto as edificações de uso misto encontram-se no seu interior. O
processo espacial de coesão existente na área do entorno da feira de artesanato
106
conflui objetivamente para o comércio e os serviços voltados para a atividade
turística.
Existe ainda outro ponto de coesão espacial ao norte do Conjunto que
se estende por metade da avenida Praia de Genipabu (Fotografia 13), processo
espacial híbrido, objeto de análise posterior.
Em segundo lugar, o processo espacial de maior extensão e evidência
na área do Conjunto de Ponta Negra é o de estabilidade (Fotografias 19 a 21). Essa
estabilidade foi favorecida por intermédio do controle exercido pela legislação
urbanística decretada como zona de controle de gabarito e adensamento básico
(Mapa 1). Esse espaço do Conjunto, por não possuir elementos atraentes à
atividade turística, ainda se encontra em estado de dormência imobiliária em relação
à grande atividade existente em suas bordas (Mapa 7). Verifica-se, no entanto, que
a dinâmica imobiliária distribui-se por todo o conjunto, indicando que, no futuro, essa
dinâmica poderá se intensificar de acordo com as necessidades do mercado.
Podemos constatar a manutenção de residências e, em alguns casos, no seu
modelo original (Fotografias 21 e 22), com tipologia edilícia preservada.
107
A horizontalidade espacial do Conjunto Ponta Negra é observada
de forma categórica com 89,79% de suas edificações com um pavimento;
quanto à sua dinâmica imobiliária, o fator de maior importância é que 96,63%,
ou seja, quase sua totalidade, não tem ocorrência de atividade imobiliária
(Tabela 2), o que reforça ainda mais a sua estabilidade espacial.
Em terceiro lugar, ao norte do Conjunto, observamos também a
sucessão, processo espacial que surge com a entrada de novos moradores e
substituição de nova tipologia edilícia, como no exemplo da Fotografia 14. Esse
processo de sucessão deu-se pela proximidade com o principal eixo viário e o
Praia Shopping e pela chegada de novos moradores ao bairro. O conjunto
Ponta Negra se beneficia também pela proximidade com o bairro de Capim
Macio que dispõe de outras infraestruturas e serviços, tais como
supermercados, postos de gasolina, padarias, cinemas etc. Em suma, a área
ao norte do Conjunto é um híbrido, em se falando de processos. Verifica-se
tanto a sucessão de moradores quanto uma coesão comercial e de serviços,
como no seu vértice e em parte da avenida Praia de Genipabu, limite entre os
bairros Ponta Negra e Capim Macio (Fotografia 13). Essa coesão existente na
avenida limítrofe entre os bairros relaciona-se com o processo de coalescência
impulsionado a partir da inauguração do Praia Shopping, em 1997, trazendo
para essa área bares, lanchonetes e serviços como salões de beleza,
restaurantes, padarias etc. Essa avenida adquiriu tanta importância pelas
108
inúmeras melhorias implantadas relativas à urbanização, que a configuração do
próprio shopping center foi redesenhada para ser voltada para essa via. Antes,
não existiam lojas voltadas para a avenida; recentemente, no entanto, observa-
se a abertura de uma lanchonete (do shopping). Verifica-se que esse trecho é
uma área instável quanto ao tempo de permanência dos comércios e serviços,
sendo constante a troca de proprietários ou de locatários.
Apresentamos, a seguir, os produtos da pesquisa na área do
Conjunto Ponta Negra (Tabela 2, Imagem 4, Fotografias e Mapas 5 e 6), que
sintetizam os processos espaciais já discutidos da área, observando-se
detalhadamente a localização dos referidos processos. Neste mapas,
procuramos fornecer informações como principais ruas em que se evidenciam
os processos e de manchas em camadas sob o mapa.
109
CONJUNTO PONTA NEGRA
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS DINÂMICA IMOBILIÁRIA
N° LO
TE
Residencial
Misto
Com
ercial /
Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III
IV
V
VI
X
S.O.A.I.*
Vende
Aluga
Vende ou Aluga
Fechado
Abandonado
Total
1842
1610
130
84
4 2 7 0 5 13
1654
149
12
9 1 1 3
1780
35
20
1 5 1
% TO
TAL
87,40%
7,06%
4,56%
0,22%
0,11%
0,38%
0,00%
0,27%
0,71%
89,79%
8,09%
0,65%
0,49%
0,05%
0,05%
0,16%
96,63%
1,90%
1,09%
0,05%
0,27%
0,05%
TABELA 02 – Situação Imobiliária do Conjunto Ponta Negra (Resumo). * S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária. Diagramação: Felipe Fernandes
111
Fotografia 11: Conjunto Ponta Negra no começo da década de 1980. Fonte: http://grito-verde.blogspot.com/2008/08/o-que-fizeram-com-ponta-negra.html
FOTOGRAFIA 12: Exemplo de residência reformada, com tipologia edilícia dispare da construção original. FONTE: Acervo da autora.
112
FOTOGRAFIA 13: Exemplo de processo de coesão na Avenida limítrofe entre os bairros de Ponta Negra e Capim Macio. FONTE: Acervo fotográfico da autora.
FOTOGRAFIA 14: Exemplo de processo de sucessão no Conjunto Ponta Negra. FONTE: Acervo da autora.
113
FOTOGRAFIA 15: Exemplo de coesão das bordas do Conjunto Ponta Negra. FONTE: Acervo da autora.
FOTOGRAFIA 16: Exemplo de coesão comercial. FONTE: Acervo da autora.
FOTOGRAFIA 17: Exemplo de coesão comercial perto da feira de artesanato. FONTE: Acervo da autora.
114
FOTOGRAFIA 18: Exemplo de rua (Rua Barra de Grossos) com processo espacial de estabilidade. FONTE: Acervo fotográfico da autora.
FOTOGRAFIA 19: Exemplo de pequeno comércio da Rua Praia de Búzios. FONTE: Acervo da autora.
FOTOGRAFIA 20: Exemplo de “restaurante de bairro” na Rua Praia de Búzios.FONTE: Acervo da autora.
115
FOTOGRAFIA 21: Exemplo de estabilidade espacial quanto ao uso e de conservação da tipologia edilícia de quando em sua origem. Na Rua Barra de Cunhaú. FONTE: Acervo fotográfico da autora.
FOTOGRAFIA 22: Exemplo de conservação da tipologia edilícia de quando em sua origem. FONTE: Acervo fotográfico da autora. Na Rua Praia de Alagamar.
116
FOTOGRAFIA 23: Feira de artesanato de Ponta Negra. FONTE: Acervo da autora.
119
4.4 O Alto de Ponta Negra
A área referente ao Alto de Ponta Negra está localizada em um
plano mais alto em comparação a todo o bairro, possibilitando uma vista
privilegiada do Morro do Careca e suscitando rendas de monopólio. O nome
dessa área ─ que faz fronteira com o Conjunto Alagamar, o Alagamar e a Vila
de Ponta Negra ─ originou-se da necessidade de enobrecê-la para valorizá-la.
Uma parcela dessa área fez parte de uma grande gleba do ABC
Futebol Clube, que passou a pertencer à empresa construtora ECOCIL. A
construção do estádio do ABC, um dos marcos espaciais de referência dessa
área, foi uma negociação de permuta em troca dos terrenos para a edificação
do Condomínio Sports Park e do Condomínio Estrela do Atlântico (Fotografias
23 e 24).
Os primeiros edifícios construídos foram duas torres residenciais
com 30 andares da Construtora Capuche (Fotografia 26), as quais dispõem de
apartamentos com aproximadamente 100 m2. No seu lançamento, ainda não
existia a intensa demanda do público estrangeiro, porém, com o passar do
tempo, ocorreram a revenda dos apartamentos e a substituição do antigo perfil
de morador por um novo, formando o que chamamos de turismo de segunda
residência.
Em seguida, a ECOCIL construiu quatro torres, de 23 andares
cada, privilegiando, de início, o público natalense; mas, como o momento de
120
sua construção estava envolto no boom imobiliário voltado para os
estrangeiros, as torres foram ocupadas por um misto de moradores brasileiros
e estrangeiros. Contudo a sua tipologia não se assemelha à tipologia edilícia de
imóveis construídos para estrangeiros, por possuir 109 m2 de área, metragem
bem acima do tamanho vendido para o público de segundas residências.
Nessa mesma época, é lançado o empreendimento do condomínio horizontal,
chamado Ponta Negra Boulevard (Fotografia 29), na rua Dr. Múcio Vilar
Ribeiro Dantas, limítrofe entre a ZPA–6 e o bairro de Ponta Negra. Embora
tenha sofrido, como os outros empreendimentos, uma valorização imobiliária
especulativa, o condomínio ainda não se encontra totalmente consolidado, isto
é, com todos os seus lotes construídos. Ele possui características diferenciadas
dos demais condomínios da área, por não ter tido captação de capital quase
que exclusivamente estrangeiro [???], tal como ocorreu com os demais
condomínios vizinhos. Voltados para a área do Conjunto Alagamar, existem
ainda dois condomínios de apartamentos, que ficam de frente para uma praça
requalificada pela construtora Delphi (Fotografias 27 e 28).
Quanto à sua dinâmica imobiliária (Tabela 3), os dados não são
muito reveladores, dado que a pesquisa de campo verifica apenas a ocorrência
de placas anunciadas de venda e aluguel. Como predominam as altas torres de
apartamentos ─ muitos ainda à venda pelos próprios construtores ─, esses
dados não condizem com a realidade de um bairro que, ainda hoje, é
121
predominantemente horizontal. De acordo com a análise estatística de uso do
solo, 47,92% das glebas são residenciais e 37,50% ainda são de lotes vazios,
ou seja, há ainda grande potencial construtivo. Verificamos intensa valorização
da área, que se estabelece, inclusive, por conta de um contínuo processo
espacial de enobrecimento (Fotografia 30). Há, pelo menos, dois fatores que
explicam tamanha valorização: a pujança do setor imobiliário à época, em
razão da grande entrada de capital estrangeiro, gerando especulação, e, além
disso, a sua posição bastante peculiar, em platô com vista para o mar e para o
Morro do Careca.
Um outro fator relevante é a verticalidade da área (Tabela 3), a
qual possui 10,40% de suas edificações acima de três pavimentos. Esse já
seria, por si só, um percentual significativo, mas convém destacar aqui que
esses 10,40% ocupam grande parcela da área do Alto de Ponta Negra. Nessa
contagem, não se consideram os empreendimentos individualizados dos
edifícios. Um dos destaques dessa verticalidade são as duas torres de 45
pavimentos (Fotografia 24, Tabela 3) que compõem o Condomínio Estrela do
Atlântico, cuja tipologia é voltada ao público para investimentos imobiliários de
capital externo.
Quanto à tipologia edilícia, observa-se alta qualidade nos
materiais construtivos para as residências de condomínio horizontal e grandes
estruturas verticais em concreto. Comportam, talvez, o maior gabarito (altura)
122
de toda a cidade (Condomínio Sports Park, com 23 pavimentos; Condomínio
Corais de Ponta Negra, com 30 pavimentos, e Condomínio Estrela do Atlântico,
com 45 pavimentos).
Quanto às características de processo espacial, identificamos
segregação, enobrecimento ou autossegregação. A segregação verifica-se até
no transporte público, por só existir uma rota (uma linha) que percorre as
referidas áreas. A segregação observada nessa área opera no sentido de
agrupamento em função da capacidade social dos moradores, do status social,
do nível de instrução e, mais especificamente, em função de ser de outra
cidade ou de outro país (por ser uma área turística). O enobrecimento se dá
devido à mudança de uso da área: onde antes eram lotes vazios, figuram
faustosos condomínios residenciais, espraiando suas melhorias espaciais no
entorno (Fotografia 30). A autossegregação está presente nessa área como
nas formas de construção do espaço, em forma de condomínios fechados
verticais e horizontais.
A seguir, apresentamos os produtos da pesquisa na área do Alto
de Ponta Negra (Tabela 3, Imagem 5, Fotografias e Mapa 7), que sintetizam os
processos espaciais já discutidos, observando-se detalhadamente a
localização dos referidos processos.
123
ALTO DE PONTA NEGRA
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS DINÂMICA IMOBILIÁRIA
N° LO
TE
Residencial
Misto
Com
ercial / Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III
VII
XXIII
XXX
XLV
S.O.A.I*
Vende
Aluga
Vende ou Aluga
Fechado
Abandonado
Total 48 23 0 4 18 2 0 1 0 21 13 9 1 1 1 1 1 47 1 0 0 0 0
% TO
TAL
47,92%
0,00%
8,33%
37,50%
4,17%
0,00%
2,08%
0,00%
43,75%
27,08%
18,75%
2,08%
2,08%
2,08%
2,08%
2,08%
97,92%
2,08%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
TABELA 03 – Situação Imobiliária do Alto de Ponta Negra (Resumo). * S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária. Diagramação: Felipe Fernandes.
125
Fotografia 25: Estádio do ABC. Fonte: Acervo da autora.
Fotografia 24: Condomínio Sports Park. Fonte: www.ecocil.com.br
126
FOTOGRAFIA 26: Corais de Ponta Negra. FONTE:http://media.photobucket.com/image/corais%20de%20Ponta%20Negra/pedromotta/Ponta%20Negra/DSC04431.jpg
FOTOGRAFIA 27: Pool de condomínios: da esquerda para direita, Estrela do Atlântico, dois condomínios da construtora Delphi, Studio Praia e Varandas de Ponta Negra, Sports Park e um flat. Processo espacial de Segregação. FONTE: Acervo da autora.
127
FOTOGRAFIA 28: Condomínio da construtora Delphi e logo a frente, o processo de enobrecimento da área, valorizando o imóvel.
FOTOGRAFIA 29: Condomínio Horizontal. Rua limítrofe do bairro.
128
FOTOGRAFIA 30: Exemplo de enobrecimento do entorno. Rua Dr. Múcio Vilar Ribeiro Dantas. Entrada do Condomínio Horizontal.
130
4.5 “Paredão” - Área verticalizada da Avenida Engenheiro Roberto Freire
A área verticalizada da Avenida Engenheiro Roberto Freire, a que
chamamos de “paredão”, está contida entre a da Avenida Engenheiro Roberto
Freire e a Avenida Praia de Ponta Negra. Sua principal característica é a sua
escala construtiva, com volumetria díspare de todo o platô do Conjunto Ponta
Negra, (Fotografias 31 e 32), verticalidade essa e tipologias voltadas para
segundas residências, flats e hotéis.
Esta é a área de maior valorização imobiliária de todo o bairro,
devido à proximidade e visão privilegiada da praia, do mar, e de todo o bairro,
em particular do Morro do Careca. Sua tipologia edilícia se diferencia das
demais construções do bairro, através de grandes estruturas construtivas e
estilo arquitetônico contemporâneo. Referimos a esta área como formada por
processos espaciais de intensa auto-segregação, enobrecimento e coesão. Ou
seja, esta área apresenta um complexo e híbrido processo espacial, com um
processo fundindo-se ao outro de forma simultânea.
Quanto à tipologia edilícia, percebem-se construções
verticalizadas de concreto armado em conformidade com o padrão construtivo
da mesma, com esquadrias envidraçadas, alvenaria e concreto. Segundo
informação obtida através de conversas informais com corretores imobiliários
locais, uma característica da tipologia da área do paredão é quanto ao tamanho
exíguo das áreas dos apartamentos: uma média de 45 a 70 metros quadrados.
131
Esse fato relaciona-se ao público-alvo das construtoras, no caso, capital
estrangeiro, através de investidores em segundas-residências. Uma peculiar
observação quanto à real presença de moradores ou turistas é evidente. Neste
momento presente, observa-se à noite todo um conjunto de apartamentos
vazios, com as luzes sempre apagadas, indicando que esses imóveis são um
evidente investimento financeiro, não sendo validada a sua primeira função
residencial.
A análise estatística dos dados evidencia que 45,24% do uso é
classificado como comercial ou de serviços, ou seja, quase sua metade voltada
para a atividade turística, através dos serviços de flat, hotéis e restaurantes. Da
mesma forma que na análise do Alto de Ponta Negra, observa-se que essas
referências são das glebas, dos edifícios, e não dos apartamentos individuais.
A área possui 30,95% de lotes residenciais, uma grande verticalidade em
relação ao todo do bairro de Ponta Negra e tem 47,62% das edificações acima
de três pavimentos, com seis torres acima de 21 andares. Quanto à dinâmica
imobiliária, 92,86% não representa a ocorrência de atividade, apresentando o
mesmo problema de mensuração dessa dinâmica observada no Alto de Ponta
Negra por não se conhecer precisamente as quantidades de imóveis a venda
ou para alugar no interior dos edifícios. O índice de 7,14% verificado é, mesmo
assim, alto em relação ao bairro, podendo esse percentual ser bem maior.
Outro importante fator de destaque quanto a sua dinâmica imobiliária é o
132
número de lotes vazios (14,29%), indicando a tendência a crescimento
contínuo da valorização da área, ou seja, da especulação imobiliária.
A auto-segregação vigente nesta área, como o próprio prefixo já
explica, é uma intenção própria dos moradores, turistas ou comércio de em
primeiro momento se porem diferentes, acima (melhores), através do status
visual (arquitetura) e construtivo. Outro fator desta mesma auto-segregação
existente na área do “paredão” é a necessidade de exclusividade e proteção.
Então, percebem-se muros altos e seguranças privados. Os muros, neste
sentido, não são somente materiais, nesta área, a atmosfera é de exclusividade
e de intimidação quanto aos que não pertencem ao círculo coeso de ricos,
estrangeiros e trabalhadores fardados (para distinção), neste caso, os muros
são feitos de barreiras sociais invisíveis, contudo, perceptíveis.
O enobrecimento aqui posto limita-se à área por estar envolta
pela Avenida Engenheiro Roberto Freire, em seu mais valorizado ponto,
possuir ampla arborização, sempre bem cuidada, calçadas acompanhado a
mesma padronização do calçadão da orla do bairro (com pedras portuguesas),
cercado por restaurantes de qualidade, comércio (padarias sofisticadas,
farmácias, academias de ginástica etc), insigne símbolo de área nobre do
bairro. O enobrecimento espacial da área está contido também no “cartão
postal” da cidade, onde a área é tida como vitrine das políticas públicas do
turismo da cidade de Natal.
133
A coesão deve-se à convergência do comércio e serviços
voltados quase que exclusivamente a atividade turística (restaurantes, hotéis,
apart-hotéis e prédios inteiros voltados para as segundas-residências)
Fotografia 31.
A seguir, os produtos da pesquisa na área do Paredão, TABELA
03, IMAGEM 06, FOTOGRAFIAS e MAPA 09, que sintetiza os processos
espaciais já discutidos da área, observando-se detalhadamente a localização
dos referidos processos.
134
PAREDÃO DE PONTA NEGRA
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS DINÂMICA IMOBILIÁRIA
N° LO
TE
Residencial
Misto
Com
ercial / Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III
IV
VI
VIII
X
XII
XIII
XVI
XVII
XXI
XXII
XXIV
S.O
.A.I*
Vende
Aluga
Vende ou Aluga
Fechado
Abandonado
Total
40 13
1
19
4 2 0 0 1 4
13
3 3 1 1 1 4 1 1 1 1 2 1 2 37
2 1 0 0 0
% TO
TAL
30,95%
2,38%
45,24%
14,29%
4,76%
0,00%
0,00%
2,38%
19,05%
26,19%
7,14%
7,14%
2,38%
2,38%
2,38%
9,52%
2,38%
2,38%
2,38%
2,38%
7,14%
2,38%
4,76%
92,86%
4,76%
2,38%
0,00%
0,00%
0,00%
TABELA 03 – Situação Imobiliária do Paredão de Ponta Negra (Resumo). * S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária. Diagramação: Felipe Fernandes.
136
FOTOGRAFIA 31: Verticalidade e evidência quanto a escala dispare em relação ao entorno. FONTE: Acervo da autora.
FOTOGRAFIA 32: Vista da Vila de Ponta Negra. Skyline do “Paredão”. FONTE: Acervo Particular da autora.
137
FOTOGRAFIAS 33 e 34: A verticalidade, a coesão e a segregação.
139
4.6 A Orla 1
A orla foi subdividida em duas porções pelas suas dinâmicas
imobiliárias díspares. A Orla 1 caracteriza-se pela parte à beira-mar, originada
conjuntamente com a Vila de Ponta Negra. Está localizada entre o Morro do
Careca e a rua Tívole (acesso de saída da praia), limitando-se a oeste com a
avenida Engenheiro Roberto Freire.
Quanto ao fator dinâmica imobiliária, nota-se, no final dos anos
1990, uma tentativa de enobrecimento do lugar com a urbanização do espaço
por intermédio da construção do calçadão e da retirada de ambulantes e
barracas de praia, as quais foram relocadas em barracas estilizadas. Contudo,
o fato de a manutenção do espaço não ter ocorrido de forma adequada causou
a sua degradação espacial. Observa-se também um ponto de coesão espacial
através do grande resort à beira-mar, o Beach Resort, e de pousadas e
comércio voltados para os turistas.
Quanto à tipologia edilícia, verificam-se ainda, na parte próxima
ao Morro do Careca, algumas construções dos anos 1970, como casas de
veraneio que posteriormente viraram pousadas e bares, com construções
simples de alvenaria e esquadrias de madeira. Logo em seguida às primeiras
edificações da orla, o Beach Resort ─ uma grande área, com tipologia edilícia
em alvenaria, arquitetura de estilo rústico ─ utiliza sofisticados materiais nas
esquadrias e tem um parque aquático em vários níveis. No resort, envolto por
140
jardins e árvores (mantidas) frutíferas de grande copa e porte, constata-se uma
preocupação com a vegetação O partido arquitetônico aproveita os níveis do
terreno, com camadas orgânicas (deixando uma atmosfera de naturalidade
topográfica), mas sua estrutura construtiva (apartamentos/suítes) permanece
ortogonal.
Por toda a Orla 1, verificamos uma coesão no uso do solo em
relação à sua tipologia comercial e de serviços e, ao mesmo tempo, uma
degradação desses mesmos pontos. Outro fator de degradação é o seu
arruamento e as calçadas (calçadão) sem manutenção, com as pedras
portuguesas soltas formando crateras (Fotografia 38).
Quanto à análise estatística, 31,40% dos lotes da Orla 1 têm uso
residencial, possuindo uma relativa paridade com a porcentagem de lotes
comerciais, 32,78%, e de lotes vazios ainda em grande oferta, 33,07%, ou seja,
indicando possibilidades construtivas e de negócios imobiliários futuros.
A seguir, os produtos da pesquisa na área da Orla 1 (Tabela 5,
Imagem 7, Fotografias e Mapa 10), que sintetizam os processos espaciais já
discutidos da área, observando-se detalhadamente a localização dos referidos
processos.
141
ORLA 1
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS DINÂMICA IMOBILIÁRIA
QU
ADR
A
N° LO
TE
Residencial
Misto
Com
ercial /
Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III
IV
V
VI
VIII
S.O.A.I.*
Vende
Aluga
Vende ou Aluga
Fechado
Abandonado
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS DINÂMICA IMOBILIÁRIA
Total
363
114
6
119
120
3 1 0 0
136
46
92
55
11
5
12
6
331
24
7 1 0 0
% TO
TAL
31,40%
1,65%
32,78%
33,06%
0,83%
0,28%
0,00%
0,00%
37,47%
12,67%
25,34%
15,15%
3,03%
1,38%
3,31%
1,65%
91,18%
6,61%
1,93%
0,28%
0,00%
0,00%
TABELA 05 – Situação Imobiliária da Orla 1. (Resumo) * S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária. Diagramação: Felipe Fernandes.
143
Fotografias 35 e 36: Esgoto em frente ao Beach Resort/ Beach Resort Fonte: sospontanegra.com.br
Fotografia 37: Orla 1. Morro do Careca. Fonte: Folder do Beach Resort.
144
Fotografia 38: Processo espacial de degradação. Fonte: Rochelle Bezerrra.
146
4.7 A Orla 2
A Orla 2 começa a partir da rua Tívole até o começo da Via
Costeira, limitando-se, a oeste, com a avenida Engenheiro Roberto Freire e, ao
norte, com a avenida Senador Dinarte Mariz (começo da Via Costeira). Essa
orla de Ponta Negra era, épocas atrás, uma área de veraneio com terrenos
superiores, em tamanho, aos da Orla 1. O espaço pesquisado tem sido
enobrecido pela iniciativa pública (calçadas, arruamentos etc) e por
investimentos privados, como a intensa mudança de uso do solo com a
construção de hotéis. A área possui uma boa infraestrutura, com desnível
elevado, que se estende da área considerada não edificante até o limite da
praia. É composta por grandes residências de alto padrão, pontos comerciais
voltados para o turismo, um grande pool de restaurantes e hotéis, além de
pontos de serviços diversos, causando uma coesão espacial.
Quanto à tipologia edilícia, verificamos uma rica variedade de
padrões e estilos arquitetônicos. A área é possuidora de grandes residências
com estilos arquitetônicos, em sua maioria, contemporâneos e com alta
qualidade de materiais construtivos (Fotografias 41 e 42). Na análise das
tipologias edilícias dos hotéis, observamos a maioria de alto padrão construtivo
e de estilos rústicos/contemporâneos, procurando efeito estilizado da
rusticidade de edificações à beira mar, com a ambiência natural do lugar. Um
147
expoente exemplo desse estilo arquitetônico é a edificação do restaurante
Camarões.
A análise estatística da área revelou a dimensão real do nível de
coesão de comércio e serviços, com 45,59% de sua totalidade voltado para os
serviços do turismo. Esse índice demonstra a intensidade e a força dessa área,
como um dos maiores processos de coesão, em porcentagem, de todo o
bairro. A área possui 13,24% de residências, salientando que estas residências
em sua grande maioria são grandes e possuidoras de qualidade quanto à
tipologia edilícia (Fotografias 41 e 42). [informações repetidas do parágrafo
anterior] Quanto à verticalidade, possui [a área / as residências/?] até cinco
pavimentos, mantendo o gabarito prescrito do Plano Diretor de Natal. Quanto à
dinâmica imobiliária, com 10,29% dos imóveis para vendas e 1,47%, para
aluguel, verificamos como constitui uma área de grande valorização imobiliária,
devido à sua posição espacial na praia.
Os processos espaciais identificados na Orla 2 são os seguintes:
coesão, enobrecimento e estabilidade. Possuidora de grandes lotes à beira
mar, reúne um pool de hotéis em uma coesão espacial linear (Fotografias 43 e
44). Um dos pontos mais marcantes dessa área é justamente a não edificante,
cujo objetivo é manter o potencial cênico, no caso, do mar e do Morro do
Careca, um dos ícones representativos da identidade de toda a cidade de Natal
─ essa situação caracterizando-se como processo espacial de estabilidade.
148
Mas essa mesma área, mantida estática sob o aspecto construtivo pela
legislação, sofre de incorreções espaciais pelo fato de, “a olhos vistos”, possuir
algumas edificações (Fotografia 45). O processo espacial de enobrecimento
que permeia toda a extensão da Orla 2 ─ com seus hotéis, seus restaurantes
requintados, sua atmosfera agradável ─ causa a sensação de uma ilha voltada
ao turista.
A seguir, analisamos os produtos da pesquisa na área da Orla 2
(Tabela 6, Imagem 8, Fotografias e Mapa 11) que sintetizam os processos
espaciais já discutidos, observando-se detalhadamente a localização dos
referidos processos.
.
149
ORLA 2
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS DINÂMICA IMOBILIÁRIA
QU
ADR
A
N° LO
TE
Residencial
Misto
Com
ercial /
Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III
IV
V
S.O.A.I.*
Vende
Aluga
Vende ou
Aluga
Fechado
Abandonado
Total
68 9
11
31
6 4 3 2 2 9
12
15
16
9 7 57
7 1 0 1 2
% TO
TAL
13,24%
16,18%
45,59%
8,82%
5,88%
4,41%
2,94%
2,94%
13,24%
17,65%
22,06%
23,53%
13,24%
10,29%
83,82%
10,29%
1,47%
0,00%
1,47%
2,94%
TABELA 06 – Situação Imobiliária da Orla 2. (Resumo) * S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária. Diagramação: Felipe Fernandes.
151
FOTOGRAFIAS 39 e 40: Coesão e Enobrecimento espacial (atmosfera) e restaurante Camarões FONTE: Acervo da autora.
FOTOGRAFIAS 41 e 42 Residências de alto padrão. Exemplos de tipologias edilícias. FONTE: Acervo da autora.
FOTOGRAFIAS 43 e 44 : Hotéis da Orla 2. FONTE: Acervo da autora
152
FOTOGRAFIA 45: Área non aedificandi. FONTE: www.tribunadonorte.com.br
154
4.8 O Conjunto Alagamar
O Conjunto Alagamar tem sua origem logo após a formação do
conjunto Ponta Negra, em 1979. Localizado do lado leste do Conjunto Ponta
Negra e vizinho à Vila de Ponta de Negra, também foi promovido pelo
INOCOOP, para uso residencial, mas apresentava diferenças no tamanho dos
lotes e das residências, que eram maiores em relação aos do Conjunto Ponta
Negra.
Quanto à dinâmica imobiliária, percebe-se em todo o bairro uma
valorização da área, menor, no entanto, do que a do Alto de Ponta Negra, do
Paredão e da Orla de Ponta Negra. Uma mudança pungente foi a substituição
de uso do solo de residências para comércio e serviços em duas ruas
paralelas, a Doutor Manoel A. B. de Araújo e a Aristides Porpino Filho, e,
consequentemente, nas transversais, proporcionando o processo de coesão
espacial. Atualmente a área está voltada para o comércio de bares e
restaurantes, sendo considerada um dos principais pontos de entretenimento
tanto de natalenses quanto de turistas. Outro fator importante é a tendência
verificada de uso do solo voltado para flats e condomínios nessa área.
O processo espacial de gentrificação é notório, havendo uma
substituição dos antigos moradores de classe social mais baixa por novos
moradores de classe mais alta e também por indivíduos de outras
155
nacionalidades. A gentrificação é também percebida pelos aspectos concretos
do bairro, tais como as novas residências de alto padrão.
Quanto à tipologia edilícia, percebe-se uma diferenciação para
melhor em relação ao padrão construtivo do Conjunto Ponta Negra, além da
presença de alguns edifícios voltados também a segundas residências. Um
marco visual da referida área são as duas torres gêmeas construídas na
esquina das avenidas Engenheiro Roberto Freire e Antônio Florêncio de
Queiroz (Rota do Sol) (Fotografia 26). Nas bordas do Conjunto Alagamar,
existe uma área intermediária entre o referido conjunto e a Orla 1 (nas
imediações da avenida Engenheiro Roberto Freire). Há, nesse espaço, uma
verticalização e alguns prédios voltados tanto para residências quanto para
flats ou segundas residências (consideramos, nesta pesquisa, que a área da
Vila de Ponta Negra tem seu limite nas ruas Poeta Jorge Fernandes e a dos
Golfinhos).
A seguir, os produtos da pesquisa na área do Conjunto Alagamar
(Tabela 7, Imagem 9, Fotografias e Mapa 12), que sintetizam os processos
espaciais já discutidos, observando-se detalhadamente a localização dos
referidos processos.
156
CONJUNTO ALAGAMAR
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS DINÂMICA IMOBILIÁRIA
QU
ADR
A
N° LO
TE
Residencial
Misto
Com
ercial / Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III
IV
VII
VIII
X
XVI
XXI
XXXII
S;O.A.I.
Vende
Aluga
Vende ou Aluga
Fechado
Abandonado
Total
199
145
14
19
7 2
11
1 0 7
170
12
2 1 1 1 1 1 1 2
154
18
4 1 0 0
% TO
TAL
72,86%
7,04%
9,55%
3,52%
1,01%
5,53%
0,50%
0,00%
3,52%
85,43%
6,03%
1,01%
0,50%
0,50%
0,50%
0,50%
0,50%
0,50%
1,01%
77,39%
9,05%
2,01%
0,50%
0,00%
0,00%
TABELA 07 – Situação Imobiliária do Conjunto Alagamar (Resumo). * S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária. Diagramação: Felipe Fernandes.
158
FOTOGRAFIA 46: Vista aérea do Conjunto Alagamar
FOTOGRAFIA 47: Praça do Conjunto Alagamar – Gentrificação.
159
FOTOGRAFIAS: 48 E 49: Apartamentos no Conjunto Alagamar
FOTOGRAFIAS 50 e 51: Ruas largas/Torres gêmeas. FONTE: Acervo da autora.
161
4.9 A área de Alagamar
A área a que convencionamos chamar Alagamar está contida
entre a Rua da Lagosta, Rua Dr. Manoel de Araújo, Avenida Engenheiro
Roberto Freire, Rua Poeta Jorge Fernandes e a Rua do Golfinhos. Sua
principal característica é o processo de gentrificação que sofreu nestes anos
recentes (Fotografia 52).
Outra característica importante; quanto aos usos e dinâmicas
imobiliárias é a quantidade de lotes vazios: 13,37%, um percentual alto em
comparação com o todo do bairro. Possui 57,56% de residências (maior
percentual), 18,02% de comércio e serviços. Em suas bordas, onde estão a
Rua da Lagosta e Av. Eng. R. Freire, estabelecem-se os comércios e serviços.
Possui 95,35% de lotes sem atividade imobiliária e 4,65% de imóveis à venda.
Mas uma vez, talvez estes referidos dados não sirvam referência real, porque
devido a elevada quantidade de lotes vazios, mesmo não identificando placas
de ocorrência imobiliária, significam que existe um potencial maior do que os
4,65% de dinâmica. Porque considera-se que se um lote está vazio, ainda
continua neste estado muito provavelmente porque espera e especula por um
valor de troca.
A área de Alagamar possui um fator diferenciador: é dona de
desníveis topográficos acentuados, proporcionado áreas mais valorizadas (no
162
alto) e áreas menos valorizadas (nas partes baixas), em se falando de
valorização imobiliária (Fotografias 53 e 54).
A seguir, os produtos da pesquisa na área do Conjunto Alagamar,
TABELA 08, IMAGEM 10, FOTOGRAFIAS e MAPA 13, que sintetiza os
processos espaciais já discutidos da área, observando-se detalhadamente a
localização dos referidos processos.
163
ALAGAMAR
USO DO SOLO N° DE PAVIMENTOS DINÂMICA IMOBILIÁRIA
QU
ADR
A
N° LO
TE
Residencial
Misto
Com
ercial /
Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III
IV
XIV
XVII
XIX
XXXV
S.O.A.I
Vende
Aluga
Vende ou
Aluga
Fechado
Abandonado
Total
172
99
8
31
23
3 0 5 3 32
113
19
1 3 1 1 1 1
164
8 0 0 0 0
% TO
TAL
57,56%
4,65%
18,02%
13,37%
1,74%
0,00%
2,91%
1,74%
18,60%
65,70%
11,05%
0,58%
1,74%
0,58%
0,58%
0,58%
0,58%
95,35%
4,65%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
TABELA 08 – Situação Imobiliária de Alagamar * S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária. Diagramação: Felipe Fernandes.
165
FOTOGRAFIAS 52. 53. 54, 55 : Coesão – Comércio voltado para o entretenimento. FONTE: Acervo da autora.
FOTOGRAFIA 56: Exemplo de gentrificação na área de Alagamar.
166
FOTOGRAFIAS 57 e 58: Vistas de Alagamar com suas ladeiras. FONTE: Acervo da autora.
168
4.10 Análise geral das tabelas
Deixamos aqui as principais tendências avaliadas em cada área.
Como já explanado na análise detalhada dos processos espaciais, na Vila de
Ponta Negra, as grandes glebas, com o índice de 10,69% de uso de solo,
considerados como vazios, ou seja, terrenos disponíveis, possibilitam a
tendência forte da verticalização futura. Na área do Conjunto Ponta Negra,
verificamos o processo de coesão em sua forma linear nas bordas do Conjunto.
A tendência verificada, tanto no Alto de Ponta Negra quanto no Paredão, são
de segregação e verticalização suscitados por meio da valoração pela renda de
monopólio. Pontos de observação da Orla 1 indicam o alto índice de vazios e
comércio e serviços, com tendência à maior potencial construtivo voltado ao
turismo. Quanto em função dos pontos de degradação, como parte do ciclo já
estudado por Harvey. Já na Orla 2, identificamos uma “consolidada” área
voltada quase que exclusivamente ao turismo e com grandes glebas ainda para
serem ocupadas, muito provavelmente por hotéis ou flats. No Conjunto
Alagamar, verifica-se, com grande potencial de negócios imobiliários, distinto
do Conjunto Ponta Negra por possuir ruas mais largas e lotes maiores. Na área
que chamamos de Alagamar, uma peculiaridade fornece valorização em suas
ruas: os desníveis topográficos.
N de Lotes
Residencial
Misto
Com
ercial / Serviço
Vazio
Construção
Dem
olição
Abandonado
Institucional
0 I II III IV V VI
VII
VIII
X XII
XIII
XIV
XVI
XVII
XIX
XXI
XXII
XXIV
XXIII
XXX
XXXII
XXXV
XLV
S.O.A.I
Vende
Aluga
Vende ou Aluga
Fechado
Abandonado
Vila de Ponta Negra
2039
75,38%
7,70%
4,61%
10,69%
0,34%
0,05%
0,49%
1,32%
18,00%
70,67%
10,79%
0,54%
0,15%
0,05%
0,05%
98,23%
1,28%
0,29%
0,00%
0,00%
0,54%
Conjunto Ponta Negra
1842
87,40%
7,06%
4,56%
0,22%
0,11%
0,38%
0,00%
0,27%
0,71%
89,79%
8,09%
0,65%
0,49%
0,05%
0,05%
0,16%
96,63%
1,90%
1,09%
0,05%
0,27%
0,05%
Alto de Ponta Negra
48
47,92%
0,00%
8,33%
37,50%
4,17%
0,00%
2,08%
0,00%
43,75%
27,08%
18,75%
2,08%
2,08%
2,08%
2,08%
2,08%
97,92%
2,08%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
Paredão
40
30,95%
2,38%
45,24%
14,29%
4,76%
0,00%
0,00%
2,38%
19,05%
26,19%
7,14%
7,14%
2,38%
2,38%
2,38%
9,52%
2,38%
2,38%
2,38%
2,38%
7,14%
2,38%
4,76%
92,86%
4,76%
2,38%
0,00%
0,00%
0,00%
Orla 1
363
31,40%
1,65%
32,78%
33,06%
0,83%
0,28%
0,00%
0,00%
37,47%
12,67%
25,34%
15,15%
3,03%
1,38%
3,31%
1,65%
91,18%
6,61%
1,92%
0,28%
0,00%
0,00%
Orla 2
68
13,24%
16,18%
45,59%
8,82%
5,88%
4,41%
2,94%
2,94%
13,24%
17,65%
22,06%
23,53%
13,24%
10,29%
83,82%
10,29%
1,47%
0,00%
1,47%
2,94%
Conjunto Alagamar
199
72,86%
7,04%
9,55%
3,52%
1,01%
5,53%
0,50%
0,00%
3,52%
85,43%
6,03%
1,01%
0,50%
0,50%
0,50%
0,50%
0,50%
0,50%
1,01%
77,39%
9,05%
2,01%
0,50%
0,00%
0,00%
Alagamar
172
57,56%
4,65%
18,02%
13,37%
1,74%
0,00%
2,91%
1,74%
18,60%
65,70%
11,05%
0,58%
1,74%
0,58%
0,58%
0,58%
0,58%
95,35%
4,65%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
N Total de Lotes 4771
* S.O.A.I - Sem Ocorrência de Atividade Imobiliária. Diagramação: Felipe Fernandes.
USO DO SOLO DINÂMICA IMOBILIÁRIAN° DE PAVIMENTOSBAIRRO DE PONTA NEGRA
TABELA 09 – Situação Imobiliária do bairro de Ponta Negra
170
4.11 Sobre a legislação urbanística
Apresentamos aqui um esforço de estabelecer o diálogo entre as
frentes teóricas do estudo e a superfície factual das realidades por nós
observadas ─ os processos espaciais em desenvolvimento no bairro de Ponta
Negra e suas ligações com o desenvolvimento contemporâneo. Neste trabalho
são analisados os dados coletados durante as pesquisas de campo,
procurando-se entender e tipificar os processos espaciais no bairro e analisar
os dados obtidos referentes à dinâmica imobiliária, à verticalidade (leia-se
número de pavimentos) e ao uso do solo.
Para um fechamento dessas questões de produção do espaço,
mesmo que parcial, não nos furtamos de compreender que todos esses
processos estão sob o julgo de seus agentes, já abordados na pesquisa
teórica. No entanto, um dos mediadores contundentes desse processo são as
instituições municipais e públicas que regulam os processos de
desenvolvimento urbano.
Aqui veremos o período entre 2000 a 2007, em que o bairro de
Ponta Negra foi sujeito a uma revisão do plano diretor da cidade, mais
especificamente mediante o plano setorial17, ou seja, um plano de bairro.
17 O plano setorial é um instrumento legal de planejamento urbano e ambiental que têm como objetivo detalhar o ordenamento do uso e ocupação do solo urbano de duas ou mais unidades territoriais contíguas da cidade, podendo ser de uma unidade territorial dependendo da área,
171
Ponta Negra congrega uma diversidade de situações relativas à
legislação urbana de Natal não só por ser um bairro considerado de elite, onde
o turismo encontra a sua expressão maior, mas por ser considerado, no
imaginário da população, como um patrimônio natural e definidor da identidade
cênica da cidade de Natal. São pontos importantes para a sua legislação:
Zona de adensamento básico e as Zonas de Proteção Ambiental (ZPA-5, associação de dunas e lagoas do bairro Ponta Negra – região da Lagoinha – e ZPA-6 do Morro do Careca e dunas associadas), além da Zona Especial Turística (ZET-1) e Área Especial de Interesse Social (AEIS da Vila de Ponta Negra). São, ainda, encontrados no bairro problemas de ordem social e ambiental, com destaque para os relacionados com a paisagem, e infra-estrutura de saneamento e sistema viário. (SILVA, 2007).
O referido plano setorial manteve o coeficiente de aproveitamento
de 1,2, ou seja, retornando a área dos parques habitacionais do Conjunto
Ponta Negra e do Conjunto Alagamar a ser uma área de adensamento básico,
evitando-se ou “contendo-se” a especulação imobiliária e a descaracterização
dos referidos conjuntos. Outro fator de mediação para o bairro é a AEIS18
(ainda não formalizada) que se configura na área da Vila de Ponta Negra, além
densidade populacional e complexidade do lugar, com vistas a otimizar a função sócio-ambiental da propriedade e compatibilizar o seu adensamento `a respectiva infraestrutura de suporte (SILVA, 2007). 18 Configuram-se a partir da dimensão socioeconômica e cultural da população, com a focalização de renda predominante de até 3 (três) salários-mínimos, definida pela Mancha de Interesse Social (MIS), e pelos atributos morfológicos dos assentamentos, consonante com a Política de Habitação de Interesse Social para Natal. (SILVA, 2007).
172
do controle exercido por intermédio do gabarito na área a que chamamos de
Orla 1 e 2.
A seguir, apresentamos o Mapa 14, síntese de todo o trabalho
aqui desenvolvido com os referidos processos espaciais, e o mapa da
legislação do bairro de Ponta Negra, com seus referenciados pontos de
interesse para a legislação urbana no Mapa 2. A junção sobreposta desses
dois mapas (no momento em que uma parcela dos dois conjuntos virou
adensável e a atual retorna a ser não adensável) explica muito dos processos
que iriam se desenvolver para o futuro do bairro.
Analisando, por exemplo, a área de maior verticalidade e de maior
valorização imobiliária do bairro de Ponta Negra, encontra-se a área a que
chamamos de “Paredão” logo atrás da área não edificante. Esse é só um dos
muitos exemplos de que a legislação é de fundamental importância para
“pintar” o quadro de mosaico urbano não só em Ponta Negra mas em todas as
cidades em que existem Planos Diretores.
175
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O começo do ano 2000 marca em definitivo a conformação da
cidade de Natal em relação com seu modo de desenvolvimento urbano, com o
boom imobiliário-turístico. Seu auge se deu entre os anos de 2000 a 2007,
provocando a reconfiguração da tipologia de usos do bairro de Ponta Negra,
como efeito das políticas de empreendedorismo urbano de “vender” a cidade
como mercadoria . Ao concluirmos esta pesquisa, registramos que, durante
todo o estudo, balizamo-nos em um esquema-pensamento ou hipótese que
norteou todo o caminhar teórico e empírico, sintetizado no Quadro 2 e
explicado a seguir.
QUADRO 2: Esquema-pensamento dos processos (supostos) de urbanização do bairro de Ponta Negra no momento contemporâneo.
176
O empreendedorismo urbano a que nos remetemos está voltado
para o marketing de cidades, uma gestão política voltada à demanda dos
consumidores, sejam eles turistas, investidores ou cidadãos comuns. Essa
ação política de transformação do espaço gerou processos espaciais pontuais
e evidenciou algumas tendências já advindas de outras camadas temporais da
urbanização do bairro de Ponta Negra, criando um mosaico de processos
espaciais ─ às vezes, puros e íntegros em sua tipologia e, às vezes, híbridos.
Outro fator paralelo a esse fenômeno foram as transferências de
capital para o setor imobiliário, talvez impulsionadas por uma crise do setor
produtivo base (1º circuito do capital), que migrou, depois, para o 2º circuito do
capital (imobiliário). Esses investimentos tiveram um rebatimento no espaço. As
demandas empreendedoras das políticas públicas e dos investimentos
privados, ou seja, as demandas capitalistas e resoluções de suas crises
internas, explicam, em parte, o fenômeno pesquisado no bairro de Ponta Negra
na atualidade.
As implicações desse fenômeno, seguindo o modelo
desterritorializado de desenvolvimento, são rebatimentos no espaço urbano de
desigualdades econômicas e sociais. O maior peso atribuído à transformação
do espaço do bairro de Ponta Negra como palco de interesses capitalistas
desconsidera a necessidade de atribuir o mesmo peso à justiça social dos que
ali vivem. Esses rebatimentos no espaço evidenciam principalmente, os
177
processos espaciais de segregação, isto é, uma maior disparidade espacial e
social no bairro.
As estratégias de desenvolvimento urbano da cidade de Natal
elegem agentes do espaço tendo em vista o desenvolvimento econômico da
cidade. Mas de que tipo de desenvolvimento estamos falando? Essas
expressões da forma urbana são a reprodução dos interesses hegemônicos
de acordo com o modo de produção e com um específico modelo de
desenvolvimento, reproduzindo as relações do poder historicamente
estabelecidas.
Em contrapartida, existem agentes sociais de defesa da
equidade social, que contêm e são mediadores dessas transformações do
espaço ao defenderem as classes exploradas e transformarem o
palimpsesto urbano mais equilibrado, dando-lhe suporte, mestria e
equilibrando as forças opostas de intenções aos novos interesses.
Ciclicamente surgem movimentos sociais para desafiar o significado da
estrutura espacial e, portanto, empreender novas funções e novas formas
espaciais. Exemplo disso são os movimentos sociais de resistência, não
considerados nesta dissertação, os quais, no caso do bairro de Ponta
Negra, são bem atuantes.
Confirma-se assim o pensamento de Harvey (2006) quanto
ao desenvolvimento capitalista, esse fenômeno estudado do boom
178
imobiliário-turístico na cidade de Natal e especificamente no bairro de
Ponta Negra. Os caminhos percorridos haverão sempre de considerar o
conflito entre a manutenção de valores do passado (investimentos capitalistas
no ambiente construído) e a destruição desses investimentos, processo a que
chamamos de destruição criativa a fim de abrir espaço para nova acumulação.
Como o próprio Harvey indica,
Sob o capitalismo, há então uma luta permanente em que o capital constrói uma paisagem física adequada à sua própria condição em um momento específico no tempo, só para ter que destruí-lo, normalmente no decurso de crises, em um subseqüente ponto do tempo. A resolução espaço-temporal escoa e o fluxo de investimento no ambiente construído pode ser entendido apenas em termos de um processo como estes. (HARVEY, 2006 p. 95).
Para entender a Ponta Negra dos dias atuais, foi necessário
compreender as lógicas de produção do espaço sob a vigência do capitalismo,
as nuances econômicas que envolvem esse processo, quais as ligações entre
a globalização, a economia e o desenvolvimento urbano dos e os específicos
fatores locais. Confirmamos aqui que esses processos continuam servindo a
mecanismos de fragmentação do tecido urbano através das suas soluções
sociais rebatidas no plano espacial.
A emergência do turismo na cidade de Natal e no bairro de Ponta
Negra, em particular, é apenas mais um componente desse complexo
emaranhado de fatores que se sobrepõem para a produção do espaço no
bairro. Não deixamos de considerar que muito do que está posto materialmente
179
no referido bairro é um signo do que as elites da cidade de Natal objetivam,
seguindo um movimento maior do que o da atividade turística da cidade.
Entendemos que o palimpsesto, que o mosaico urbano que se
põe à nossa frente, é fruto de uma série de camadas ou de movimentos de
consumo do espaço, submetida, em algum momento, a variáveis tangíveis
(como a economia, o modo de produção, a política, os modelos econômicos de
desenvolvimento urbano) e variáveis intangíveis (os sonhos, as utopias etc).
180
REFERÊNCIAS:
CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CAVALCANTE, Gilene Moura. Vende-se uma vila. Análise intra-urbana das vilas na vila de Ponta Negra e no bairro de Nova descoberta – Zona Sul de Natal. 2006. CORRÊA, R.L. Tragetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. CRUZ, R. C. Política de turismo e território. São Paulo: Contexto, 2000. CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Introdução a geografia do turismo. São Paulo. Roca, 2003. FERREIRA, Angela Lúcia A. ; SILVA, Alexsandro F. C. . Para além do muro alto: turismo imobiliário e novas configurações socioespaciais na região metropolitana de Natal. In: VALENÇA, Márcio Moraes; BONATES, Mariana Fialho. (Org.). Globalização e Marginalidade: o Rio Grande do Norte em foco. 1 ed. Natal: EDUFRN, 2008, v. 2, p. 457-468. FERREIRA, João Sette Whitaker. São Paulo, o mito da cidade-global: ideologia e mercado na produção da cidade. Anais do VIº Seminário Internacional de Desarrollo Urbano, Unidad Temática de Desarrollo Urbano de la Red de Mercocuidades, (Buenos Aires, 3 e 4 de julho de 2003), Editado pela Prefeitura de Rio Claro, 2003. HARVEY, David. A justica social e a cidade. São Paulo. Hucitec, 1980. HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.. São Paulo. Loyola, 2005. HARVEY, David. The urban process under capitalism: a framework for analisis. In: HARVEY, David. The urban experience. Oxford: Basil Blackwell, 1989, p. 59-89. HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo. Loyola, 2004. LEFEBVRE, Henri. La production de l´espace. Paris. Anthropos,1974. LEFEBVRE, Henri. The production of space. Traduzido por Donald Nicholson Smith. 1ª edição 1992. Editora Jonh Wiley Professio. 464p. LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. 2ª ed. Rio de Janeiro. DP&A, 2001.
181
LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Trad. Grupo “As (im)possibilidades do urbano na metrópole contemporânea”, do Núcleo de Geografia Urbana da UFMG (do original: La production de l’espace. 4e éd. Paris: Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão: início - fev.2006. No prelo. LIMONAD, Ester e BARBOSA, Jorge Luiz. Entre o ideal e o real rumo a sociedade urbana - algumas considerações sobre o “Estatuto da Cidade” . 2003.INTERNET:http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/Geousp/Geousp13/Geousp13_Limonad_Barbosa.htm MARX, Karl. O capital. Crítica da economia política: livro I. Volume 1. 16º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. OURIQUES, Helton Ricardo. A produção do turismo: Fetichismo e dependência. São Paulo. Alínea, 2005. PARK Robert E. A Cidade: Sugestões para a Investigação do Comportamento Humano no Meio Ambiente Urbano - Cap. 2 (págs. 29-72) de Octávio Guilherme VELHO - O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro. Zahar, 1967. (Publicado originalmente no American Journal of Sociology, March 1915, e reproduzido com algumas alterações in: PARK, BURGESS & McKENZIE 1925, Cap. 1, págs. 1-46.) SANTOS, Milton. A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1999. 273 p. SASSEN, Saskia. As cidades na economia mundial. Coleção Megalópoles. São Paulo: Studio Nobel, 1998. SÁNCHEZ, J.E. Espacio, economia y sociedad. Madrid : Siglo Vientiuno,1991. SÁNCHEZ, Fernanda. Políticas Urbanas em renovação: uma leitura dos modelos emergentes. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Campinas, n.1, p.115-132, 1999. SCHUMPETER, Joseph A. Os economistas. A teoria do Desenvolvimento Econômico.. São Paulo. Abril Cultural, 1982. SHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e Democracia. Rio de Janeiro. Zahar, 1984. SILVA, Ângelo Magalhães. Os objetos imobiliários e a produção do espaço na zona sul de Natal/RN. Dissertação. (Mestrado em Ciências Sociais).
182
Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003. SILVA, Heitor de Andrade. Entrevista concedida ao Portal do Meio Ambiente da UFRN. Portal do Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, www.meioambiente.ufrn.br, 15 jun. 2007. SOJA, Edward. Postmetropolis: critical studies of cities and regions. Oxford: Blackwell, 2006. VAINER, Carlos B. Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. (75-103). In: Otília ARANTES, Carlos VAINER e Ermínia MARICATO.(orgs.) A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis. Vozes, 2000. VALENÇA, Márcio Moraes. Cidades ingovernáveis? Ensaio sobre o pensamento Harveyano acerca da urbanização do capital. In: SILVA, José Borzacchiello da, org.; LIMA, Luiz Cruz, org.; ELIAS, Denize, org. Panorama da geografia brasileira. São Paulo: Annablume, 2006. VALENÇA, Márcio Moraes. Ensaio sobre a dinâmica do imobiliário em Harvey. In: VALENÇA, Márcio Moraes, org. Cidade (i) Legal. Rio de Janeiro. Mauad, 2008. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo. Studio Nobel. FAPESP, Lincon Institute, 2001.