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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

MARCELO DA SILVA LINS

OS VERMELHOS NAS TERRAS DO CACAU: a presena comunista no sul da Bahia (1935-1936)

SALVADOR-BAHIA 2007

Marcelo da Silva Lins

OS VERMELHOS NAS TERRAS DO CACAU: a presena comunista no sul da Bahia (1935-1936)

Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Histria da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da UFBA, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Histria Social.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Muniz Gonalves Ferreira

SALVADOR-BAHIA 2007

As minhas mes, exemplos de vida e dignidade: Alzenira Lins, Ndia Lins Tourinho Costa, Marilene Madalena da Silva Lins. Sem elas eu no chegaria a lugar algum. Aos meus filhos Victor Sena Barra Lins e Thales Paixo Lins que representam a minha esperana no futuro. A Neli Ramos Paixo, companheirismo e incentivo constante para a vida. A todos que acreditam na possibilidade de construo de um mundo mais junto. E acima de tudo, aos que lutam por isso.

AGRADECIMENTOS

Nos momentos conclusivos da elaborao dessa dissertao refletimos sobre as dificuldades que atravessamos no decorrer do curso e da pesquisa e como diversas pessoas foram fundamentais para sua concluso e quero aqui registrar minha sincera gratido. Agradeo aos professores do Programa de Ps Graduao da UFBA pelas contribuies nas discusses ocorridas em sala de aula: Prof. Dr. Antnio Fernando Guerreiro de Freitas, Prof. Dr. Valdemir Zamparoni, Prof. Dra. Maria Hilda Baqueiro Paraso. Sou grato a profa. Dra. Lina Maria Brando de Aras pela atenciosa disposio em contribuir. E a coordenao e equipe de funcionrios da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas pela disponibilidade e competncia em servir, especialmente s queridas Marina e Soraia Ariane. Obrigado a Profa. Dra. Maria Ceclia Velasco e Cruz e Prof. Dr. Eurelino Coelho pelas preciosas sugestes oferecidas durante a Banca de Qualificao, que contriburam para a execuo desse trabalho. Tambm as colaboraes de Carlos Zacarias de Sena Jnior, Andr Rosa Ribeiro, Prof. Antonio Pereira, Aldrin Castelucci. Sou grato tambm a competente e precisa orientao do Prof. Dr. Muniz Gonalves Ferreira que soube de forma brilhante dosar indicaes, sugestes, dilogo, e correes, de maneira a me sentir muito tranqilo e concentrado na construo desse trabalho. Nos diversos lugares por que passei na trajetria do curso e da pesquisa Salvador, So Paulo e Rio de Janeiro - contei com a tima acolhida dos amigos inesquecveis: Edvaldo Pitanga e Vanusa Lopes Pitanga; Neleu e Lcia, um belo casal de comunistas que me ajudou nas andanas pela selva de pedra. Agradeo ao atendimento impecvel dos funcionrios dos arquivos e instituies em que pesquisei em especial Ktia Borges do Arquivo

Nacional,Luiz Zimbarg do CEDEM- UNESP, e UESC.

Joo Cordeiro do CEDOC-

No poderia esquecer dos incentivos e contribuies, cada um a sua maneira, dos amigos: Ilton Cndido, Indaiara Clia, Indinia Paixo, Ivaneide Almeida, Terezinha Marcis, meus queridos irmos Aquilino Jnior e Alene Lins. Tambm aos comunistas Elvio Magalhes e Edson Pimenta pelo apoio. E a todos os colegas do Mestrado, companheiros de angstias, anseios e realizaes.

LISTA TABELAS

I II III IV V VI VII VIII

Exportao de cacau do municpio de S. Jorge dos Ilhus (Sculo XIX) Crescimento demogrfico do sudeste da Bahia nos anos 1872 e 1907 Exportao de cacau e impostos cobrados na Bahia (18651930) Populao de alguns municpios da regio cacaueira da Bahia Filiados ao PCB em 1925 Relao de comunistas identificados na Inspetoria de Ordem Pblica e Social Indiciados pelo TSN Relao de suspeitos da Inspetoria de Ordem Pblica e Social

p.33 p.36 p.40 p.59 p.118 p.186 p.230 p.253

LISTA DE ILUSTRAES

I II III IV V VI

Mapa da regio cacaueira da Bahia em 1940 Mapa da regio cacaueira da Bahia em 1980 Foto Samuel Genez Artigo de Adonias Aguiar Filho no Jornal Dirio da Tarde Foto caboclo Marcellino A Priso de Caboclo Marcellino

p.56 p.57 p.132 p.147 p.171 p.211

LISTA DE ABREVIATURAS UTILIZADAS

AEL/UNICAMP

Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas

ANL AN APEB APERJ BOC BP BPN BSA CC CEDEM/UNESP

Aliana Nacional Libertadora Arquivo Nacional Arquivo Pblico do Estado da Bahia Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro Bloco Operrio e Campons Bureau Poltico Bureau Poltico Nacional Bureau Sul Americano Comit Central Centro de Documentao e Memria da Universidade Estadual Paulista

CL do LS CPDOC/FGV

Comit Local do Litoral Sul Centro de Pesquisa e Documentao em Histria Contempornea da Fundao Getlio Vargas

CR FUP IBGE IC ISV LASP LSN PCB POSDR PSD SB da IC SPI SEA SN TSN

Comit Regional Frente nica Proletria Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Internacional Comunista Internacional Sindical Vermelha Liga de Ao Social e Poltica Lei de Segurana Nacional Partido Comunista do Brasil Partido Operrio Social Democrata Russo Partido Social Democrtico Seo Brasileira da Internacional Comunista Servio de Proteo ao ndio Sindicato dos Empregados Agrcolas Secretariado Nacional Tribunal de Segurana Nacional

SUMRIO

LISTA DE TABELAS LISTA DE ILUSTRAES LISTA DE ABREVIATURAS UTILIZADAS RESUMO ABSTRACT INTRODUO

6 7 8 11 12 13

CAPTULO I 1. A REGIO CACAUEIRA DA BAHIA: PALCO DOS ACONTECIMENTOS 1.1. O papel do cacau na transformao do espao e das relaes scio-econmicas 1.2. Alguns aspectos do poder local 1.3. A Sociedade cacaueira 1.4. Os trabalhadores do cacau 1.5. Ilhus e Itabuna aps 1930 30 30 47 52 59 64

CAPTULO II 2. O CARTER DA REVOLUO BRASILEIRA E O PAPEL DOS CAMPONESES 2.1. Os camponeses e a revoluo na tradio marxista 2.2. O Partido Comunista do Brasil. PCB (SB da IC) 2.3. O anti-integralismo, o surgimento da ANL e os levantes de 1935 2.4. O PCB, os camponeses e os assalariados agrcolas 75 75 93 101 109

CAPTULO III 3.AS ATIVIDADES DOS COMUNISTAS NO SUL DA BAHIA 3.1. O PCB na Bahia, origens e desenvolvimento 3.2. A ANL e a construo da frente na Bahia 3.3. Os vermelhos nas terras do cacau: O PCB na regio cacaueira 117 117 125 129

3.4. Comunistas no campo: O Sindicato dos Empregados Agrcolas de Ilhus/ Pirangy 134

3.5. Integralismo e anti-integralismo no sul da Bahia 3.5.1. Atentado bomba e atividades de agitao e propaganda 3.5.2. Os sindicatos e a luta anti-integralista 3.6. Os comunistas vo tribo: O PCB entre os indgenas de Olivena 3.6.1. Os ndios na Revoluo brasileira 3.6.2. O PCB em busca do Caboclo Marcellino

145 161 165 168 171 174

3.7. O setor Antimil no Batalho da Polcia Militar de Ilhus e os levantes de novembro de 1935 178

CAPTULO IV 4.APS NOVEMBRO: A REVOLUO COMUNISTA DO POSTO 191 191 199 208 227

INDGENA PARAGUAU 4.1. A trajetria do Posto Indgena e os conflitos pelas terras 4.2. Os comunistas no Posto Indgena Paraguau 4.3. A priso do Caboclo Marcellino e a invaso das terras indgenas 4.4. Eplogo

CONSIDERAES FINAIS FONTES BIBLIOGRAFIA ANEXOS

235 240 247 252

RESUMO

O presente trabalho objetiva discutir a trajetria do Partido Comunista do Brasil (PCB) no eixo Ilhus Itabuna, sul da Bahia, entre 1935-1936. Compreendemos esse trabalho como parte da histria nacional do PCB que precisa buscar as experincias ocorridas fora do sudeste do pas para ser construda. Essa pesquisa utilizou-se de fontes da represso, notadamente os inquritos policiais que deram origem aos processos do Tribunal de Segurana Nacional depositados no Arquivo Nacional- RJ, assim como fontes do PCB consultadas atravs dos microfilmes da Internacional Comunista disponveis para pesquisa no Centro de Documentao e Memria (CEDEM-UNESP). Alm dessas fontes, utilizamos jornais do PCB A Classe Operria e jornais da grande imprensa. A discusso proposta compreende que a Histria de um partido tambm a Histria da sociedade em que ele est inserido, portanto tentamos estabelecer relaes entre as elaboraes ideolgicas do PCB, suas aes em mbito nacional, o contexto socioeconmico regional e as atividades dos comunistas no eixo Ilhus - Itabuna.

Palavras

-

chaves:

Comunistas;

Ilhus

Itabuna;

PCB;

Indgenas;

Camponeses; sul da Bahia; anti-integralismo.

ABSTRACT

This work intends to discuss the trajectory of Brazil Communist Party (PCB) in the axis Ilhus Itabuna, Bahia South, between 1935 1936. We understand it like part of the national history of the PCB that needs to find the experiences happened out of the country southeastern to be made. This research used repression sources, especially the police inquiries that gave rise to the National Security Court cases, deposited in the Nacional File Rio de Janeiro, like PCB sources looked in the Communist International microfilms, available to reasearch at the Memory and Documentation Center (CEDEM UNESP). Besides, we used PCB newspapers A Classe Operria and newspapers of the large press. The discussion proposed understands that the history of a Party is the history of the society in that it is inserted, too. Therefore, we tried to note relationships between the PCB ideological elaborations, their actions in Brazil, the regional social and economic context and the communists activities in axis Ilhus Itabuna.

KEYWORDS: communists, Ilhus Itabuna, PCB, indigenous, peasants, South Bahia, anti-integralismo.

INTRODUO

Fundado em 1922, o Partido Comunista do Brasil Seo Brasileira da Internacional Comunista (PCB), 1 atravessou o sculo XX participando ativamente da poltica nacional, apesar de na grande maioria desse perodo situar-se na clandestinidade. Pela sua longevidade muito j se escreveu a seu respeito sob diversos prismas. Seguindo o rastro da caminhada traada por Cludio Batalha no seu artigo A Historiografia da Classe Operria no Brasil: Trajetria e Tendncias, 2 podemos dizer que durante longo tempo a histria dos partidos, organizaes de esquerda e do movimento operrio no Brasil foi escritas por seus militantes ou ex-militantes nos espaos de produo e divulgao partidrio, ou seja, longe do interesse da academia. a chamada produo militante que, assim como em outros pases, marcou a origem dos estudos sobre classe operria no Brasil, e que em muitos aspectos pode ser estendida trajetria da historiografia dos Partidos Comunistas. possvel dizer que tal modelo no ficou circunscrito ao passado, e que at os dias atuais so escritos trabalhos que utilizam tal modelo. Especificamente no caso brasileiro existe extensa produo desse teor, notadamente grande nmero de memrias, escritas em diferentes momentos, onde seus autores, Everardo Dias, Heitor Ferreira Lima, Lencio Basbaum, Octvio Brando e vrios outros, entremeiam histrias de vida e do Partido. 3 Essa produo tem o mrito de preservar informaes preciosas que se perderiam caso no tivessem sido registradas em tais relatos.

Usaremos a sigla adotada na poca para denominar o Partido Comunista do Brasil. BATALHA, Cludio H. M. A Historiografia da Classe Operria no Brasil: Trajetria e Tendncias. In: FREITAS, Marcos Cezar de. (Org) Historiografia Brasileira em Perspectiva. So Paulo: Contexto, 2005. 6 Edio. 3 LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos Percorridos: memrias de militncia. So Paulo, Brasiliense, 1982., BRANDO, Octvio. Combates e batalhas. Memrias. vol.1. So Paulo, Alfa-mega, 1978., BASBAUM, Lencio. Uma vida em seis tempos: memrias. So Paulo, Alfa-mega, 1976., DIAS, Everardo. Histria das lutas sociais no Brasil. 2 Edio. So Paulo, Alfa-mega, 1977.2

1

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Claro que essas obras possuem caractersticas que no podem ser esquecidas: tem a funo legitimadora, da classe, da poltica sindical, da corrente ideolgica ou partido, ou ainda, do individuo militante. 4 A mesma caracterstica pode ser atribuda a alguns trabalhos que no se encaixam na categoria de memrias, mas que seguem o mesmo padro, e estabelecem os marcos cronolgicos a partir da verso da histria assumida pelo Partido. No caso do PCB, trabalhos como os de Astrojildo Pereira, Moiss Vinhas, Jover Telles: 5 dividem a histria da classe em dois momentos: uma pr-histria inconsciente; e uma verdadeira histria que s tem incio com a fundao do Partido Comunista em 1922 (...). 6 E descartaram toda a experincia ligada ao movimento anarquista, do qual a maioria dos fundadores do PCB foram oriundos.Todo o mov ime n to re vo luc ion rio no Br asil te m s o fr ido s a inf lu nc ia qu as e ex c lus iv a do s an arqu is ta s. As sim, e n tr e n s, a cr is e te m s ido e u ma c r is e de an arqu is mo . E s ta cr ise , la ten te de sd e o a dven to do bo lchev ismo , ch eg a a u m d es fe cho lg ic o, co m a constitu io do p ar tido co mu nista co mp osto , em su a qu ase t o t a l id ad e, d e e le me n tos d e f o r ma o anarq u i s ta . 7

A partir dos anos 1960 ocorreu uma produo relativa ao movimento operrio elaborada na academia feita por socilogos preocupados em formular grandes snteses, que estabeleciam teorias explicativas do

movimento operrio e de suas opes ideolgicas. S a partir do final dos anos 1970 e incio dos anos 80, a historiografia acadmica assumiu o espao at ento ocupado pela sociologia ou pela cincia poltica, com contribuio decisiva dos brasilianistas, os norte-americanos Ronald Chilcote e John Foster Dulles, 8 - que utilizaram de quantidade excepcional de fontes que at ento no estavam disponveis aos pesquisadores brasileiros - e dos programas de ps-graduao, por uma srie

BATALHA, Cludio. Op. cit. p.147. TELLES, Jover. O Movimento Sindical no Brasil. Rio de Janeiro, Vitria, 1962., PEREIRA, Astrojildo. A Formao do PCB. Rio de Janeiro, Editorial Vitria, 1962., VINHAS, Moiss. O Partido: A luta por um partido de massas. So Paulo, Hucitec. 1982. 6 BATALHA. Cludio. Op. cit. p.147. 7 PEREIRA, Astrojildo. No nos assustemos com o debate. Movimento Comunista I (3): 69-70, maro/ 1922. Posteriormente reunidos na coletnea de textos: PEREIRA, Astrojildo.(Org. Michel Zaidan) Construindo o PCB (1922-1924), So Paulo: Hucitec. 1980. p. 22. 8 DULLES, J. F. Anarquistas e comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1973., DULLES, J. F. O Comunismo no Brasil (1935-1945). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985., CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro: conflito e integrao (1922-1972). Rio de Janeiro: Graal, 1982.5

4

15

de motivos que vo desde a diminuio da represso que marcou aquele perodo da ditadura implantada em 1964, at o prprio crescimento do movimento operrio com as grandes greves do ABC paulista. Tambm a partir desse perodo que foi facilitado o acesso a diversos acervos documentais e fontes judiciais e policiais com a organizao e disponibilizao de arquivos, como o Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) vinculado a UNICAMP e o Arquivo Histrico do Movimento Operrio Brasileiro (ASMOB) criado em Milo na Itlia em 1977 por diversos militantes e dirigentes do PCB que se encontravam exilados em razo da ditadura militar brasileira, cujo acervo originalmente correspondia aos documentos do Comit Central do PCB, e hoje se encontra disponvel no Centro de Documentao e Memria (CEDEM) vinculado a Universidade Estadual Paulista (UNESP). Alm desses acervos, tornaram-se disponveis tambm os documentos produzidos pelos rgos da represso, especialmente nos arquivos pblicos estaduais do Rio de Janeiro e de So Paulo ou no Arquivo Nacional. Podemos ento afirmar que atualmente existe um nmero considervel de produes a respeito da histria do PCB, sob diversas abordagens. Anlise do processo de construo da memria e identidade do PCB, como foi o caso de Dulci Pandolfi; 9 as mudanas na posio ttica do partido, no trabalho de Anita Prestes; 10 a nfase nos momentos iniciais da vida do PCB (1922-1929) e suas relaes com a Internacional Comunista, preocupaes demonstradas por Michel Zaidan; 11 a relao do PCB com o movimento sindical. 12 Registrase ainda alguns trabalhos escritos sob a influncia da histria cultural, ou com base na anlise do discurso; alguns estudos sobre imaginrio, seja atravs da imprensa, como no trabalho de Bethnia Mariani ou do imaginrio anticomunista, na pesquisa de Carla Rodeghero. 13

PANDOLFI, Dulce Chaves. Camaradas e companheiros: memria e histria do PCB. Rio de Janeiro, Relume-Dumar: Fundao Roberto Marinho, 1995. 10 PRESTES. Anita Leocdia. Da insurreio armada (1935) Unio Nacional (1938-1945): a virada ttica na poltica do PCB. So Paulo: Paz e Terra, 2001. 11 ZAIDAN FILHO, Michel. PCB (1922- 1929): na busca das origens de um marxismo nacional. So Paulo: Global, 1985., e ZAIDAN FILHO, Michel. O PCB e a Internacional Comunista: 1922-1929. So Paulo: Vrtice, Editora Revista dos Tribunais, 1988. 12 SANTANA, Marco Aurlio. Homens Partidos: comunistas e sindicatos no Brasil. Boitempo. 2001. 13 MARIANI, Bethnia. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginrio dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro: Revan; Campinas, SP. UNICAMP, 1998., RODEGHERO, Carla Simone. O diabo vermelho:

9

16

No se trata de um levantamento bibliogrfico ou de um balano na historiografia existente sobre o PCB, afinal pelo seu volume, seria

impossvel realiz-lo nesse limitado espao. Mas uma tentativa de demonstrar que muito j se escreveu sobre esse partido, atravs de teses, dissertaes, artigos, livros, que, conforme demonstrado, trataram do PCB sob diferentes enfoques, em perodos e espaos determinados e sob diversas abordagens terico-metodolgicas. Com relao atuao do PCB no Estado da Bahia no constatamos o mesmo volume de produo que existe em relao ao sudeste do pas. Os trabalhos existentes foram frutos do desenvolvimento dos cursos de psgraduao, especialmente o Mestrado em Cincias Sociais da UFBA que posteriormente se subdividiu com a criao do Mestrado em Histria. Petilda Serva Vazquez 14 tratou do sindicalismo no perodo (1942-1947) entre a crise do Estado Novo e os dois anos de legalidade do PCB, enfocando os embates travados pelos comunistas no perodo; Sonia Serra 15 escreveu sobre a trajetria do jornal O Momento, rgo oficial do PCB na Bahia entre 19451957; Maria Victria Espieira 16 se pautou na atuao de duas agremiaes comunistas junto s associaes de moradores de Salvador nos contextos dos anos 1940 (o PCB) e 1980 (PC do B); o objeto de estudo de Andra Cristiana Santos foi a construo do PC do B na Bahia. 17 Todas essas dissertaes de mestrado citadas tiveram o mrito de tratar, direta ou indiretamente, dos comunistas. Devemos ainda acrescentar nesse rol algumas pesquisas que no tinham os comunistas como centro das suas investigaes, mas que de certa maneira fornecem alguns indicativos da sua histria no Estado, e de forma mais especfica, nas suas relaes com algumas categorias de trabalhadores. Franklin Oliveira Jnior 18 estudou o

imaginrio anticomunista e Igreja Catlica no Rio Grande do Sul (1945-1964). 2 Ed. Passo Fundo: UFP, 2003. 14 VAZQUEZ, Petilda Serva. Intervalo Democrtico e sindicalismo- Bahia 1942/1947. Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais), UFBA, Salvador, 1986. 15 SERRA, Sonia . O Momento: Histria de um jornal militante. Dissertao de Mestrado. UFBA, 1987. 16 ESPINEIRA, Maria Victria. O partido, a Igreja, e o Estado nas Associaes de bairro. Salvador: Edufba; Assemblia Legislativa do Estado da Bahia, 1997. 17 SANTOS, Andra Cristina. Ao entre amigos histria da militncia do PC do B em Salvador (19651973). 2004. Dissertao (Mestrado em Histria) UFBA, Salvador, 2004. 18 OLIVEIRA Jr., Franklin. A Usina dos sonhos: sindicalismo petroleiro na Bahia: 1954-1964. Salvador: Empresa Grfica da Bahia, 1996.

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sindicalismo petroleiro entre 1954-1964; Joaci Cunha 19 analisou o movimento sindical dos trabalhadores da cana de acar e a atuao do PCB; e por ltimo aquele que na academia foi pioneiro em estudar o movimento operrio baiano, Jos Raimundo Fontes 20 que escreveu sua dissertao de mestrado sobre os movimentos grevistas entre 1888-1930 e que, como um

prolongamento desse seu trabalho inicial, na sua tese de Doutorado pela USP ampliou seu enfoque e elaborou um estudo desde a gnese da classe trabalhadora e do movimento operrio na Bahia at o seu relacionamento com outros setores da poltica, com o Estado, e o conjunto das suas aes reivindicatrias entre 1930-1947. Alm dessas produes acadmicas no poderamos deixar de registrar os trabalhos do ex-militante e dirigente Joo Falco que relatou suas memrias a respeito do perodo em que foi atuante no PCB (1938-1957) e escreveu a biografia de Giocondo Dias, baiano que teve participao ativa na sublevao de Natal em 1935 e desempenhou papel de destaque nas direes do PCB at chegar ao cargo de secretrio-geral em 1980; 21 a biografia do lder comunista Fernando Santana, escrita por Antonio Risrio; 22 e o livro organizado por Maria Schaun, reunindo material escrito por Nelson Schaun, um dos principais dirigentes do PCB de Ilhus, e alguns depoimentos de pessoas que o conheceram. 23 Apesar de reconhecer que muito j se escreveu sobre o PCB, cremos que ainda h muito que se escrever. A produo sobre os comunistas baianos nos permite afirmar que em muitos aspectos essa ainda uma histria a ser escrita. Com relao produo dita nacional, acreditamos que se trata de equvoco considera-la de tal forma, quando de fato trata-se da histria das aes desenvolvidas no eixo Rio de Janeiro e So Paulo.CUNHA, Joaci de Souza. Amargo acar: Aspectos da histria do trabalho e do capital no Recncavo aucareiro da Bahia (1945-1964). Dissertao de Mestrado em Histria. Salvador, UFBA, 1995. 20 FONTES, Jos Raimundo. Manifestaes Operrias na Bahia: O movimento grevista (1888-1930). Dissertao de Mestrado. Salvador, UFBA.1982. __________, A Bahia de todos os trabalhadores: classe operria, sindicato e poltica (1930-1947). Tese de Doutorado. USP. 1997. 21 FALCO, Joo da Costa. O Partido Comunista que eu conheci: 20 anos e clandestinidade. 2 ed., Salvador, Contexto & arte, 2000. __________, Giocondo Dias, a vida de um revolucionrio: meio sculo de histria poltica do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro, Agir, 1993. 22 RISRIO, Antonio. Adorvel Comunista: histria poltica, charme e confidncias de Fernando Santana. Rio de Janeiro, Versal, 2002. 23 SCHAUN, Maria. (org.) Nelson Schaun, merece um livro... Ilhus: Editus, 2001.19

18

Para

referendar

nossas

afirmaes

poderamos

lanar

alguns

questionamentos: o que se sabe sobre a atuao dos comunistas em Pernambuco, local onde, depois do Rio de Janeiro e So Paulo, havia maior nmero de filiados? O que se sabe sobre os comunistas na Bahia na dcada de 1930, Estado que forneceu grande nmero de quadros que atuaram no processo de reorganizao partidria no perodo do declnio da ditadura do Estado Novo, entre 1943-1945? O que j se produziu sobre esses e outros baianos que, mais tarde, ocuparam espaos importantes na direo nacional ou na vida do partido, a exemplo de Armnio Guedes, Mario Alves, Milton Cayres de Brito, Aydano do Couto Ferraz, Oswaldo Peralva, Jacob Gorender, Aristeu Nogueira, Jorge Amado, Giocondo Dias, Carlos Marighela, e vrios outros? Algumas verdades estabelecidas sobre a histria dos comunistas, como por exemplo, a de que at a dcada de 1920 houve um predomnio dos anarquistas no movimento operrio e que parte desses migrou para o movimento comunista, certamente no ocorreu da mesma forma em todas as partes do pas. O que provocaria outros questionamentos: na Bahia a origem dos comunistas foi o movimento anarquista? Quando comeou a atuao dos comunistas no Estado? Por isso a deciso de estudar as aes do PCB no sul do Estado da Bahia, e para ser mais exato, no eixo Ilhus-Itabuna, acreditando que nessa rea do Estado, as atividades dos comunistas possuam densidade e significado muito singular se comparadas com o resto do Estado. Nossa pesquisa no pretende responder todas essas questes lanadas anteriormente, alis, a nenhuma delas, mas se debruar sobre algumas e lanar outras mais diretamente ligadas ao espao escolhido como o lcus privilegiado para a ateno. Ao nos debruarmos diante dos processos da represso provenientes do Tribunal de Segurana Nacional referentes ao perodo posterior s

sublevaes ocorridas em novembro de 1935, que ficaram conhecidas como Intentona Comunista, constatamos que, entre os que tratavam da atuao de baianos, existiam um total de onze. Destes, sete referiam-se s atividades comunistas nas cidades de Ilhus e Itabuna, um referia-se a Maragogipe, e apenas trs tratavam de acontecimentos da capital do Estado. Isso nos levou

19

a levantar a hiptese que nessas cidades a dinmica das atividades dos comunistas tinham caractersticas que as distinguiam do restante do Estado. 24 O enfoque regional nos possibilita um resgate da dinmica da prtica social dos homens, a partir de anlises das condies histricas objetivas num espao determinado. 25 Ela nos oferece algumas possibilidades, como uma nova tica sobre estudos de cunho pretensamente nacional, ao lidar com as diferenas, multiplicidade e apresentar o concreto e o efetivamente vivenciado. Tambm oferece elementos para a histria comparada, podendo construir ou revisar interpretaes e teorias, apontando para a complexidade de focos. Compreende-se regio aqui, no como algo fixo, esttico, mas como algo historicamente vivo e em constante transformao. 26 Portanto, apesar de priorizar os municpios de Ilhus e Itabuna, at pela forma que assumia a poltica na regio, a presente pesquisa remeter-se- a outras localidades prximas que no perodo estudado existiam enquanto distritos dessas duas cidades e que posteriormente se emanciparam, constituindo-se em novos municpios. Quanto aos estudos que tratam da regio cacaueira da Bahia,

acreditamos que excetuando a Capital do Estado e seu entorno - o Recncavo Baiano - trata-se da rea do Estado que possui um maior volume de produo, seja em abordagens histricas, sociolgicas ou de outras reas de

conhecimento. Contudo, acreditamos que os trabalhos existentes at ento no refletem os conflitos polticos e ideolgicos ocorridos no perodo. Portanto, compreendemos que existem lacunas tanto no que se refere histria do PCB como na histria da regio, e que o presente estudo pretende contribuir para melhor compreenso a respeito. Apesar de se concentrar em um espao delimitado, acreditamos que nossa pesquisa no pode ser vista apenas como histria regional, mas como parte da histria nacional do PCB que precisa buscar as experincias ocorridas fora do sudeste do pas, em outros cenrios e com outros atores para ser construda.24 25

Esses processos encontram-se disponveis para pesquisa no Arquivo Nacional RJ. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Histria Regional e Transformao Social. In: SILVA, Marcos A. da (org) Repblica em Migalhas: Histria Regional e Local. So Paulo: Marco Zero, 1990. 26 SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Regio e Histria: Questo de mtodo. In SILVA, Marco A. da (org) Repblica em Migalhas: Histria regional e local. So Paulo: Marco Zero/MCT/CNPq, 1990.

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Foi grande a tentao de escrever contemplando um perodo maior, mas pelas limitaes que uma dissertao requer, nesse trabalho estabelecemos o ano de 1935 como o perodo inicial, porque foi o perodo em que notadamente o PCB conseguiu ganhar visibilidade na sociedade cacaueira, seja por causa da luta anti-integralista, em alguns momentos atravs da Aliana Nacional Libertadora, seja pelas lutas das diversas categorias de trabalhadores, especialmente os trabalhadores rurais, aspectos que trataremos como elementos centrais da prtica dos comunistas por acreditar que eram os pontos priorizados nas suas aes. O perodo estudado se estendeu at o final de 1936 quando alguns comunistas estavam imbudos da tentativa de organizar os posseiros que se concentravam na rea da reserva Indgena Paraguau e acabaram envolvidos no episdio que ficou conhecido atravs da imprensa como A Revoluo Comunista do Posto dos ndios. Esse o perodo que delimita o foco das nossas atenes, mas que em alguns momentos fugimos dele, por exemplo, para tentar explicar a origem das atividades comunistas na Bahia, assim como para acompanhar o desenrolar dos processos judiciais que tinham como acusados os militantes envolvidos nos episdios estudados. Desde a sua fundao em 1922 at o perodo que pretendemos estudar, o PCB atravessou apenas alguns meses de atividade na legalidade, o que levava os militantes a atuarem na clandestinidade, em alguns casos usando de artifcios como codinomes, apelidos, documentos falsos, ou ainda, no assumindo sua posio ideolgica ou a sua vinculao partidria. Por isso a impossibilidade de dispor de arquivos institucionais, no entanto, as fontes da represso trazem rico acervo, justamente porque necessitava dispor da maior quantidade possvel de dados com o intuito de incriminar os envolvidos. Utilizamos parte do acervo do Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro, onde se encontra depositada a documentao da Comisso Nacional de Represso ao Comunismo, criada no incio de 1936, assim como os documentos da Polcia do Rio de Janeiro, que na poca era sede do governo Federal. Tal documentao demonstra que a polcia carioca estabeleceu ligao com as polcias estaduais e montou um banco de informaes que consta de listagens de membros, suspeitos e fichados, clulas, diretrios,

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dossis sobre atividades dos partidos, organizaes de esquerda e movimento sindical de vrios Estados, inclusive da Bahia. Conforme j citado, utilizamos documentos do Tribunal de Segurana Nacional depositados no Arquivo Nacional no Rio de Janeiro e nos concentramos em sete processos que se referem s atividades do eixo IlhusItabuna. Os processos iniciaram-se a partir de inquritos policiais levados a cabo pela polcia militar do Estado. Um material que rene cerca de 3.000 pginas de depoimentos de suspeitos e acusados de desenvolverem atividades no PCB ou na ANL, testemunhos, relatrios policiais, circulares e panfletos do partido, de alguns sindicatos e de organizaes anti-integralistas,

exemplares do jornal A Classe Operria apreendidos, correspondncias. Fomos levados a algumas reflexes sobre o modo que deveramos escrever a histria do PCB a partir de algumas notas levantadas por Eric Hobsbawm ao realizar um balano dos trabalhos existentes:O es tudo ac ad mic o do mov ime nto co mun ista (. ..) g era lme n te r ealizado por me mb ro s de duas esco las: a do s sectr ios e a dos c a ad o r e s d e b r u x as. ( . . . ) O s ca ad o r e s d e b r u x as eru d i t o s , cuj a or todox ia s fo i p len amen te fo r mu lada no per odo da gu err a fr ia , c ons id er avam o s p ar tido s co mun is ta s co mo org an iz a es s in is tr as , coercitiv as, po tencialmen te on ipresen tes, me ta de relig io e me tad e consp ir a o, as qu ais no pod er iam ser r acion alme n te exp licad as j qu e no existia qu alquer r azo sen sata para se d esej ar d estru ir a s o c i edad e p l u r a l is t a l ib e r a l . Con s equ en te me n te , e s t as o r g an iz a e s d ev iam ser analisad as sob a luz da p s ico log ia so cial de ind iv duos d es ajus tados e d e uma te o r ia c onsp ir a tr ia d a h is t r ia . (. ..) esclarecendo mu ito ma is sobr e qu em a d ef ende do qu e sobre o c o mun is mo e m s i. 27

Acreditamos que esse tipo histria para a qual Hobsbawm aponta, referenda a verso apresentada pelos rgos de represso e devem ser vistos apenas como uma verso dos fatos. uma preocupao pertinente principalmente quando estudamos um perodo como 1935, e o momento imediatamente posterior, quando foi comum um acirramento dos debates ideolgicos e a explorao do discurso anticomunista para justificar a represso e as medidas autoritrias adotadas pelo governo de Getlio Vargas para permanecer e se fortalecer no poder.

HOBSBAWM, Eric J. Revolucionrios. Traduo de Joo Carlos Victor Garcia e Adelngela Saggioro Garcia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. p.23.

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Escrever a respeito do PCB, e especialmente no perodo 1935 significa ter que tomar posio poltica diante de alguns fatos. Algumas questes marcaram as produes que trataram das sublevaes ocorridas em 1935 que dariam uma extensa discusso, vamos nos limitar a apenas dois aspectos. Em primeiro lugar a compreenso do carter dos acontecimentos, que a prpria nomenclatura escolhida: Intentona Comunista, sublevaes, Revoltas ou revoluo; j fornece pistas sobre as possveis interpretaes. No nosso caso, por entender que os acontecimentos de novembro se inserem no quadro das manifestaes tenentistas, que no transcorrer de 1935 se fundiram as propostas e aes do PCB, prefiro a designao de sublevaes ou insurreies, at porque o alcance que teve ficou restrito aos quartis, assim como a deciso da sua deflagrao de certa forma fugiu inclusive do alcance da direo partidria. Outro aspecto refere-se concepo que privilegia os fatores externos como determinantes dos acontecimentos. Nesse caso, os adeptos dessa vertente compreendem que a deciso para a ecloso dos movimentos foi da Internacional Comunista (IC), e a linha poltica adotada pelo partido foi uma mera transposio das resolues da IC. 28 Concordamos com as opinies de Marly Gomes de Oliveira Viana, que acredita que a IC teve papel

coadjuvante com relao as insurreies que no planejou nem sugeriu. Afinal de contas: Na segunda metade de 1935 houve uma total dissonncia entre as posies polticas do PCB (com constantes chamamentos luta armada) e a poltica preconizada pela IC a partir de seu VII Congresso (de amplas frentes populares). 29 Com isso no queremos levantar a idia que a IC no teve influncia na trajetria poltica do PCB. Acreditamos que no referente s elaboraes que classificavam os pases da Amrica Latina e da sia como colnias e semicolnias, e que nesses casos deveriam adotar o modelo de revoluo democrtico-burguesa, implementadas principalmente a partir do VI

Congresso da IC (1928), essas teses tiveram influncia direta na forma como28

DULLES, J. F. Anarquistas e comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1973., CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro: conflito e integrao (1922-1972). Rio de Janeiro: Graal, 1982., SILVA, Hlio. 1935: a revolta vermelha. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1969. 29 VIANNA, Marly de Almeida Gomes, Revolucionrios de 35: sonho e realidade. So Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.18,19.

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o PCB compreendia a realidade brasileira e consequentemente, como elaborou seu projeto de revoluo. No restante compreendemos como preponderantes as questes nacionais. A esse respeito seguimos os conselhos de Eric Hobsbawm: Os historiadores, todavia, devem tambm distinguir entre os elementos nacionais dos partidos comunistas e os internacionais, inclusive aquelas correntes dos movimentos nacionais que puseram em prtica a linha internacional, no porque tivessem que faz-lo, mas porque estavam realmente de acordo com ela. 30 A partir dessas observaes a respeito do perodo, ao nos depararmos com as fontes documentais encontradas nos arquivos dos rgos de represso, alguns cuidados se fizeram necessrios. A vasta quantidade de informaes que dispomos foi analisada a partir de duas perspectivas. Primeiro, enquanto um conjunto de materiais que nos fornece indcios para tentar desvendar os acontecimentos, as aes dos militantes comunistas e compreender o papel que desempenharam na sociedade local. A segunda perspectiva foi observar que nos inquritos policiais encontram-se documentos produzidos pelo partido e pela represso. E nesse sentido so carregados de parcialidade. No que acreditamos que possa existir alguma documentao que no seja, mas nesse caso, at os depoimentos prestados pelos comunistas precisam ser analisados com ressalvas, pois desconfiamos sob que condies foram extrados. Isso nos levou a tentar, na medida do possvel, cruzar as informaes dos processos judiciais com as existentes em outras fontes, e para esse fim priorizamos os documentos partidrios que de alguma forma nos forneceram pistas do pensamento e das aes do PCB, com destaque para os arquivos da Internacional Comunista que durante sua existncia recebeu grande

quantidade de material produzido pelo PCB, informes, relatrios, teses e resolues dos congressos, correspondncias, atas de reunies, e muitos outros. Graas a isso essa documentao foi conservada e aps o fim da Unio Sovitica esse material foi microfilmado e atualmente existem cpias disponveis para pesquisa no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da UNICAMP

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HOBSBAWM, Eric J. Op. cit. p. 18.

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e no Centro de Documentao e Memria (CEDEM) da Universidade de So Paulo (UNESP), onde pesquisamos. Consultamos vrios exemplares do jornal A Classe Operria, rgo oficial do PCB, e alguns jornais locais, O Intransigente, de Itabuna, que era propriedade de Henrique Alves, um lder poltico local que fazia oposio a Juracy Magalhes e Getlio Vargas e durante 1935 abriu espaos para os integralistas, e os jornais situacionistas ligados ao Partido Social

Democrtico, A poca, de Itabuna, ligado a Gileno Amado, e Dirio da Tarde de Ilhus, ligado ao prefeito Eusnio Lavigne. Da capital do Estado consultamos os jornais O Estado da Bahia, ligado ao PSD estadual, e O Momento, rgo oficial do PCB, que comeou a circular em 1945, perodo diferente dos nossos marcos, mas que contm informaes importantes. Tambm pesquisei no CPDOC da Fundao Getlio Vargas, que contm documentos importantes do governador da Bahia na poca, Juracy Magalhes, inclusive documentos referentes a Ilhus e correspondncias com o prefeito de Ilhus, Eusnio Lavigne. Pensar na elaborao de uma histria do PCB pensar na histria da sociedade na qual ele se insere. Nesse sentido foi de extrema valia algumas consideraes elaboradas por Antnio Gramsci a respeito da histria de um partido:a h is tr ia de u m p ar tido no pod er d e ix ar d e s er , a h is tria d e u m d e ter min ado grupo social. Ma s, este grupo n o iso lado ; tem amig os af ins, adv er sr io s, in imigos. S do qu adro co mp lexo de todo o co n j u n to s o c i a l e e s ta t a l ( e f r eq en te me n t e, c o m i n t er f e r n c i as in ternacionais) resu ltar a h istria d e u m d e ter min ado p ar tido . A ssim, pode- se d izer que escrev er a h istr ia d e u m p ar tido sign if ica e x a t a me n te e s cr ever a h is t r ia g er a l d e u m p a s, d e u m p o n to d e v ista mo nogr f ico, d estacando seu asp ecto car acter stico . 31

No pretendemos escrever a Histria do Partido Comunista que acompanhasse apenas as retricas da sua histria oficial. Antes de qualquer coisa, buscamos elaborar uma narrativa que refletisse, pelo menos em parte, a sua dinmica e a sua relao com o contexto socioeconmico da regio. Tentamos seguir tambm alguns conselhos deixados por Eric Hobsbawm a

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a poltica e o Estado moderno. 2 ed. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1976. p.24.

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esse respeito. Tratando do que considerou como comum nas histrias dos partidos comunistas afirmou:T ra ta- se d a h is t r ia da po ltic a do p ar tido e de sua s a tiv idad es po lticas de seus d eb a te s ideo lg icos, d e su as lideranas e p er ip c ias , de sua s r e la e s co m o Co mite rn (In tern ac iona l Co mun is ta) , e d e toda sor te de as sun tos imp or ta n te s e in ter es san te s. Ma s sua v is o p anor mic a : s o ca s ion a lme n te v is lu mb ramo s o que p en s ava m a s b as e s mil i t a n te s o u o s s i mp a t iz an t es, o u como a mb o s conceb iam o mov ime n to. Pou co no s d ito sobr e quem eram esses me mb ro s e s imp a tizan tes, qu a is e ra m s u as r e la e s co m o s militan tes n o co mun istas ou com o s n o militan tes, ou sobre o p ape l e a fun o do mov ime n to e do p ar tido e m c id a de s e r eg ie s d e ter min ad as . 32

A partir dessas perspectivas apontadas por Gramsci e Hobsbawm, buscamos construir uma histria do PCB que tomasse por base no apenas seus litgios ideolgicos, nem com grupos rivais que disputaram a hegemonia nos movimentos sindical e de esquerda, tampouco entre seus membros em momentos que levaram s disputas internas que, em alguns casos,

consumaram cismas. Tampouco buscamos escrever a histria do PCB apenas a partir das alteraes na sua linha poltica, atravs das resolues dos seus congressos, ou documentos oficiais, apesar de considerar que so importantes referenciais para decifrar parte da elaborao terica ou da forma como interpretavam a realidade e formulavam seu projeto de sociedade; contudo, no so suficientes para retratar as suas aes, para perceber como, na prtica de seus militantes ou de seus atores sociais, tais elaboraes foram implementadas. Portanto, na tentativa de estabelecer as relaes entre o que foi pensado, elaborado e como isso se refletiu ou no na interveno social e poltica do PCB em mbito regional, levamos em conta a trajetria que o partido percorreu no que se refere s suas concepes: a relao com o movimento comunista internacional, a interpretao da realidade brasileira, o projeto de revoluo, o papel das classes sociais nesse projeto

especialmente os camponeses e assalariados rurais, devido a estrutura da regio cacaueira da Bahia ser essencialmente agrcola e utilizar

principalmente mo de obra assalariada. Para pensarmos a insero dos32

HOBSBAWM, Eric. Histria operria e ideologia. In: Mundos do trabalho. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1987. p.21-22.

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comunistas nesse contexto se faz necessrio entender suas concepes a esse respeito. Tambm fundamental refletir sobre essa regio, que no apenas um espao geograficamente definido do ponto de vista de seus aspectos fsicos, mas, sobretudo possuidora de uma dinmica que foi resultado de um processo histrico que esteve e continua em constante transformao pela ao das relaes sociais estabelecidas. Da juno desses elementos expostos resultou a atividade dos

integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) nas cidades de Ilhus e Itabuna. A priori, no buscamos estabelecer determinantes para suas aes, o que no significa um abandono a qualquer teoria da histria, mas tentamos evitar a relao base-superestrutura enquanto uma frmula. No prefcio de Para a Crtica da Economia Poltica, Marx escreveu que:n a p roduo so cial da su a v id a, o s ho me n s con tr aem r e la es d e ter min ad as , n ec e ss r ia s e ind ep end en te s d a s ua von tad e, re la e s d e p roduo estas que co rrespondem a u ma etap a determin ad a d e d esenvo lv imen to d as suas for as produ tiv as ma ter iais. A to talidade d es sa s r e la e s d e p r o d u o f o r ma a e s tru tu r a eco n mic a d a s o c i edad e, a b a se r ea l so b r e a q u a l se l ev an t a a sup er es tr u tu r a jurd ica e po ltica e qu al correspondem d etermin adas formas d e conscin cia social. O mo do de p rodu o da vid a ma ter ial cond icion a o pro cesso em g e ral da v id a so cial, po ltica e esp iritual. No a conscin cia do s ho me n s qu e d e ter min a o seu se r, ma s , ao con tr r io, o s eu s er soc ia l q u e d ete r mi n a a sua co n s c in c ia . 33

Marx apontou para uma relao de totalidade e dialtica para a compreenso da histria. Mas a anlise da histria sem levar em conta a dialtica acabou por consolidar um modelo de interpretao esttico.O ma te r ia lis mo h is tr ic o fo i h ab itu a lme n te d ef in ido s v e ze s a t p o r ma r x i sta s co mo d e te r min ismo e co n m i c o ( . . . ) a i n f lu n c i a ma r x i s ta e n t r e o s h is to r i a d o r e s f oi id en tif ica da co m u ma s p ouc a s i d ia s r e l a t iv a me n te s imp l e s , a in d a q u e v ig o r o sa s , q u e , d e u m mo do ou d e ou tro, for a m asso ciad as a Marx (...) ma s qu e n o so n ec es s ar ia m e n te ma r x i st a s, o u q u e, n a f o r ma e m q u e f o r a m ma i s i n f lu en te s, n o s o n ec e ss ar i a me n t e r ep r e sen ta n te s d o p e n s a me n to ma d uro d e Ma rx. 34

Esse economicismo a que Eric Hobsbawm se referiu foi fruto de uma apropriao mecanicista da relao base-superestrutura, que entendia queMARX, Karl. Manuscritos econmico-filosficos e outros textos escolhidos. Traduo de Jos Carlos Bruni. So Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores). p.129-130. 34 HOBSBAWM, Eric J. O que os historiadores devem a Marx. In: Sobre a Histria. Traduo Cid Knipel Moreira. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.158,159.33

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praticamente todos os fenmenos decorrentes da existncia humana seriam explicados e determinados pelo aspecto econmico. Engels chegou a refutar tal idia e argumentou como exemplo que, apesar da explorao a que os homens so submetidos, isso no acarreta obrigatoriamente a formao da conscincia de classe. E no mesmo escrito, de maneira ainda mais direta:

O f a tor q u e, e m l t i ma i n stn c ia , d et e r mi n a a h is t r ia a p r o d u o e a r ep r o d u o d a v id a r e a l . N e m M a r x n e m e u a f ir ma mo s, u ma v e z sequ er, algo ma is do que isso. Se algu m o mo d if ica, af irma n do qu e o f a tor econ mico o n ico fato r d e ter min an te conv er te aquela te se n u ma f r as e v az i a, abs tr a t a e ab sur d a . A s i tu a o eco n mic a a b a s e, ma s o s d ifer en te s f ato re s d a sup ere s tru tur a que s e lev an ta sobr e e la as, as formas po lticas d a lu ta d e classe e seus resultado s, as c o n s t i tu i es q u e , u ma v ez v en c ida u ma b a t a lha , a c la ss e t r iu n f an t e r ed ig e e t c, a s f o r ma s j u r d i ca s, f i lo sf ic as , a s i d ia s r e lig ios a s e o d esenvo lv imen to u lte rior qu e as le va a conv er ter- se nu m sistema de dog ma , ta mb m ex er cem s u a in f lu nc ia sobre o cu rso d as lu ta s h is t r ic as e, e m mu i t o s ca sos d ete r mi n a m sua f o r ma c o mo f a tor d e ter min an te . 35

Acreditamos que se faz necessrio pensarmos a histria a partir das contradies existentes, sem determinismos ou esquematismos, levando em considerao as foras produtivas, as relaes de produo, os processos sociais vividos, sem nos afastarmos das pessoas reais, e da complexidade das relaes sociais, com o cuidado para que a ao humana no parea simples voluntarismo, como nos preveniu Marx: Os homens fazem a sua prpria histria, mas no a fazem segundo a sua livre vontade; no a fazem sob circunstncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. 36 O objetivo principal foi pesquisar as atividades dos comunistas no sul do Estado entre 1935 e 1936, sua relao com a sociedade regional, compreendendo que tais atividades estiveram relacionadas principalmente aos seguintes setores de atuao: 1- A organizao dos trabalhadores do campo - Tarefa que envolveu aes junto a diversas categorias, com destaque para o movimento sindical dos assalariados rurais e ao movimento campons, inclusive com a tentativa

Carta de Engels a Bloch. In: MARX, Karl e ENGELS, Friederich. Obras escolhidas. V.3. So Paulo: Alfamega. (s.d.). p.284. 36 MARX, Karl. O dezoito Brumrio de Lus Bonaparte. In: Manuscritos econmico-filosficos e outros textos escolhidos. Traduo de Jos Carlos Bruni. So Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores). p.329.

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de organizao dos indgenas de Olivena e o episdio que ficou conhecido como Revolta Comunista no Posto dos ndios, que na verdade se tratou de um conflito entre posseiros e os fazendeiros ricos da regio pela posse de terras. 2Combate aos integralistas Atividade que permitiu maior

envolvimento dos comunistas com a sociedade local. Propiciou maior interveno e aglutinao junto ao movimento sindical de diversas categorias de trabalhadores. E transformou algumas bandeiras de luta dos comunistas em temas comuns no debate regional, permitindo maior visibilidade das suas aes. Para cumprir esses objetivos a dissertao foi organizada com os seguintes captulos: Captulo I: A Regio Cacaueira da Bahia: O palco dos acontecimentos Aqui tratei de descrever a regio cacaueira como o cenrio dos acontecimentos. O processo histrico que levou ocupao e o papel do cacau na estruturao da sociedade regional, se constituindo na principal atividade econmica da regio. Assim como tentar estabelecer uma relao entre produo de bens materiais e a estrutura social, desvendando as relaes de produo, a organizao da sociedade cacaueira, a luta de classes, a poltica local e sua relao com a poltica estadual. Nesse captulo buscamos perceber as especificidades regionais que propiciaram o desenvolvimento das

atividades dos comunistas nessa rea do Estado mais que em qualquer outra.

Captulo

II:

O

Carter

da

Revoluo

brasileira

e

o

papel

dos

camponeses. Nesse captulo busquei discutir como o PCB interpretava a sociedade brasileira e como construiu seu projeto de transformao, ou seja, o carter da revoluo brasileira, bem como o papel a ser desempenhado pelos camponeses e assalariados rurais, categorias fundamentais para entender algumas aes do partido no sul da Bahia.

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Captulo III: As atividades dos comunistas no sul da Bahia Tentei desvendar as origens do partido na Bahia e no sul do Estado estabelecendo uma relao com as primeiras manifestaes de organizao dos trabalhadores, e nos concentramos nas atividades desenvolvidas pelo partido na regio. Buscamos reconstituir a trajetria de seus membros, dos setores que organizou, e que priorizou as suas atividades: os trabalhadores do campo, sejam assalariados, pequenos produtores e indgenas, com constantes chamamentos luta armada; e a luta anti-integralista, atravs da qual o partido conseguiu se inserir em diversos setores: no movimento

sindical, na criao de ncleos de organizaes anti-integralistas nos distritos e vilas da regio, na Aliana Nacional Libertadora (ANL), na clula criada na polcia militar, nos embates com os integralistas tendo ocorrido inclusive um atentado a bomba na sede da Ao Integralista Brasileira (AIB), tendo desenvolvido diversas atividades de agitao e propaganda, pichaes, panfletos, bandeiras. Alm disso, buscamos compreender a relao com a direo estadual e nacional.

Captulo IV: Aps novembro: A Revoluo comunista do Posto Indgena Paraguau Nesse captulo tratamos das atividades desenvolvidas durante 1936, quando persistiu no partido a esperana na ecloso de movimentos

revolucionrios, e apostava no surgimento de guerrilhas camponesas no nordeste. Nesse sentido o PCB do sul da Bahia investiu na organizao dos posseiros nas reas da reserva indgena Paraguau onde eram constantes os conflitos com os fazendeiros da regio que tentavam invadir as terras. E finalmente, tratamos dos impactos das atividades dos comunistas, as prises, os processos as sentenas.

CAPTULO I

1. A REGIO CACAUEIRA DA BAHIA: O PALCO DOS ACONTECIMENTOS.

1.1. O papel do cacau na transformao do espao e das relaes scioeconmicas

Quando foi criado o sistema de Capitanias Hereditrias pelo governo portugus em 1534, o Brasil foi dividido em 12 partes, visando povoao e colonizao das terras. A capitania de Ilhus foi concedida por D. Joo III a Jorge de Figueiredo Correia, escrivo da Fazenda Real, que enviou como seu preposto Francisco Romero que inicialmente instalou a sede da capitania na ilha de Tinhar, onde fica o Morro de So Paulo, parte do atual municpio de Cair, logo transferida para onde at hoje existe a cidade de Ilhus. Engenhos foram construdos para a insero da capitania na economia colonial. A lavoura aucareira foi introduzida na rea com base no trabalho escravo dos ndios Tupinikin, definidos como mansos e cooperativos, como afirmava o padre Manoel da Nbrega. 37 Porm as relaes entre colonos e ndios foram profundamente abaladas em razo das constantes violaes dos territrios indgenas, da escravizao e das variadas formas de violao da sua cultura, o que provocou inmeras revoltas, fugas e ataques dos Tupinikin. Os ndios da regio tiveram boa parte da sua populao dizimada pelos conflitos e por epidemias. Parte dos sobreviventes foram aldeados pelos jesutas e utilizados para implantao de lavouras na regio da Vila de Ilhus e em outras reas do sul do Estado onde atuavam. Apesar da utilizao da sua mo de obra no incio da colonizao, em razo dos conflitos, os ndios foramNBREGA, P. Manoel da. Carta ao Padre Simo Rodrigues de Azevedo, Porto Seguro, 06/01/1550 In: NBREGA, Manoel da. Cartas do Brasil (1549-15600; Belo Horizonte, Itatiaia, So Paulo, Edusp, 1988. p.106. Apud: GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando., PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Caminhos ao encontro do mundo: a capitania, os frutos de ouro e a princesa do sul Ilhus, 1534-1940. Ilhus: Editus, 2001.p.14.37

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constantemente indicados como os responsveis pelo baixo rendimento do empreendimento colonial que levaram a capitania de Ilhus falncia. Consideramos que outros fatores devem ser includos: a debilidade em instalar uma agricultura para exportao, a debilidade financeira dos

donatrios, e ainda: a densidade e dimenso dilatada da floresta e as caractersticas do seu litoral (...), a inexistncia de portos naturais com condies de segurana de atracao para embarcaes de maior porte. 38 Sendo assim, apesar de alguns plantios de cana de acar e da existncia de alguns engenhos com nmero razovel de escravos negros, com a falncia da Capitania parte dos colonos e moradores migraram para outras reas despovoando parcialmente a regio. At o incio do sculo XIX as atividades econmicas na regio no obtiveram maiores avanos e concentraram-se na pesca, no corte de madeira, na agricultura de subsistncia e um insipiente comrcio de farinha, arroz, caf, aguardente, madeira e algum cacau. 39 Nos registros deixados por cronistas, notcias dos viajantes que visitaram a regio, ou estudiosos, ficaram registrados o atraso e a pobreza das populaes que viviam na rea. 40 O cacau teve papel destacado no desenvolvimento regional. Para alguns estudiosos o cacaueiro, espcie nativa da Amrica entre o Peru e o Mxico, chegou ao Brasil atravs da floresta amaznica onde encontrou ambiente favorvel ao seu desenvolvimento. Para outros, a origem do cacau est vinculada a Bacia Amaznica. Como em ambas as reas se encontra o cacau nativo fica a polmica sem soluo. 41 Pelo seu alto teor energtico, era utilizado pelos maias e astecas em uma verso de chocolate bastante rudimentar, como alimento e em rituais sagrados. Foi batizado com o nome cientfico de theobroma cacao, ou seja, manjar dos deuses.

GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando., PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Op.cit. p. 20-21. AIRES DE CASAL ( 1976. p.226) Apud. GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando., PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Op.cit. p. 54. 40 VILHENA, Lus dos S. A Bahia no sculo XVIII. Salvador. Itapu.1969. , MARTIUS, Von & Spix, Von. Atravs da Bahia. Salvador, Imprensa Oficial do Estado, 1916., MAXIMILIANO, Prncipe de Wied Neuwied, Viagem ao Brasil. So Paulo, Ed. Nacional, 1940. CASAL, Aires de. Corografia Braslica. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1947., CAMPOS, Joo da Silva. Crnica da Capitania de So Jorge dos Ilhus. 3 ed. Ilhus, Ba: Editus, 2006. 41 AGUIAR, Manuel Pinto de. (Coord.) A Zona Cacaueira. Salvador, Instituto de Economia e Finanas da Bahia, 1960. p.14539

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No Brasil, inicialmente o cacau era mais um dos produtos cuja explorao se dava atravs de puro e simples extrativismo vegetal, juntamente com outras denominadas drogas do serto. A partir de 1740 teve incio o plantio, no Par, e logo em 1760 foram exportadas cerca de 64.000 arrobas, ou seja, 960.000 quilos. 42 Faz muito tempo que existe a controvrsia a respeito da introduo do cacau no sul da Bahia, e no pretendemos elimin-la, mas apenas relatar aqui algumas verses. Certamente a mais difundida baseada nas informaes do Pe. Joaquim da Silva Tavares segundo o qual o colono francs Louis Frederic Warneaux teria trazido algumas sementes do Par e dado de presente a Antnio Dias Ribeiro que as plantou nas margens do rio Pardo, no atual municpio de Canavieiras em 1746, e essas plantaes teriam chegado at Ilhus em 1752. 43 Uma outra verso baseada em relatrio apresentado por Matheus da Cunha durante a Exposio Nacional de 1861, onde afirmou que em 1780, quando o governador da Bahia era o Marqus de Valena, por iniciativa deste e por intermdio de Ferreira da Cmara, se introduziu a cultura do cacau em Ilhus. 44 Em uma verso que tende a suscitar ainda mais polmica, a brasilianista Mary Ann Mahony aponta que a chegada do cacau Bahia se deu atravs dos escravos negros trazidos da frica, apesar de reconhecer a inexistncia de evidncias documentais e que tal afirmao se sustenta na tradio oral.45

Nenhuma dessas verses apresentadas defende a tese que o cacau teria se desenvolvido em bases comerciais j no sculo XVIII. A implantao da lavoura cacaueira transformou a face da regio, mas esse processo ocorreu de maneira lenta, gradual, e demorou bastante at se consolidar enquanto principal produto agrcola dessa rea da Bahia. At meados do sculo XIX o cacau conviveu junto a outros produtos constitutivos de uma policultura baiana.Idem p.147 Idem ibdem 44 AGUIAR, Manuel Pinto de. (Coord.) op.cit. p.147, e GARCEZ, Angelina Nobre Rolim e GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando. Histria Econmica e Social da Regio Cacaueira. Rio de Janeiro: Cartogrfica Cruzeiro do Sul, 1975 (Coleo Diagnstico Scio Econmico da Regio Cacaueira, vol. 8.). p. 15. 45 MAHONY, Mary Ann. Instrumentos Necessrios: Escravido e posse de escravos no sul da Bahia no sculo XIX, 1822-1889. Afro-sia, n 25-26, Salvador: Centro de Estudos Afro-Asiticos. p.95-139. 2001. p.9543 42

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Outra polmica sustentada por Mahony a importncia dada pela autora ao papel da mo de obra escrava para o estabelecimento da economia cacaueira da Bahia e para a sociedade que se desenvolveu a partir dela. Segundo a autora, os jesutas foram os primeiros a introduzir,

sistematicamente, o cacau na regio, em suas propriedades em Camamu e Ilhus, durante o sculo XVIII. 46 Alguns fazendeiros comearam a plantar cacau no incio do sculo XIX, especialmente imigrantes alemes e suos, assim como membros das primeiras colnias estrangeiras instaladas na regio. Em Ilhus a primeira foi criada por Pierre Weyll, em 1822, formada por alemes de diversas profisses e localizada no antigo aldeamento dos ndios Grn, na antiga Sesmaria do Almada. A falta de estrutura e investimentos levou tal iniciativa ao fracasso: Entre outras coisas a falta de alimentos e de material para trabalho, fez com que estes tivessem que se deslocar para Ilhus, onde a Comarca local os abrigou. 47 O Estado concedeu auxlio financeiro e estes colonos foram instalados no distrito do Banco da Vitria, s margens do rio Cachoeira, onde transformaram-se em pequenos proprietrios, plantando cacau e culturas de subsistncia. Os nmeros abaixo servem para acompanhar o crescimento da

exportao de cacau no perodo.

Tabela 1: Exportao de cacau do municpio de S. J. dos Ilhus (Sculo XIX) ANO TONELADAS INCREMENTO % 1830 26 ---------------1840 103 296 1850 299 190 1860 570 91 1870 1.196 110 1880 1510 26 1890 3.503 131FONTE: Mahon y , M. A. Th e world cacao ma d e; so ciety, po litics and h istory in sou thern Bah ia, Br azil (1822-1919). Tese de dou to rado ap resen tada a Un iversid ade d e Y a le EUA, 1996. p. 19 0 . Ap u d . RI BE I RO , An d r Lu is Ros a . F a m l i a , p o d e r e mi t o : o mun ic p io d e S o Jorge de I lhus (1880- 1912). I lh us: Ed itu s, 2001. p.153

Os dados acima confirmam a expanso da lavoura cacaueira, e j na dcada de 1830, o sul da Bahia exportava 26 toneladas anualmente, passando46 47

Idem. p. 106 AGUIAR, Manuel Pinto de. Op.cit. p.149.

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para 13.000 toneladas em 1900 quando se tornou um dos principais produtores mundiais, o que demonstra o crescimento contnuo durante todo o sculo XIX e de maneira mais acelerada a partir das ltimas dcadas. Alm dos colonos europeus, foram responsveis por esse crescimento, migrantes de outras reas do nordeste brasileiro, fazendeiros descendentes dos colonizadores de Ilhus, ndios pacificados, escravos africanos e negros libertos, e aristocrticos plantadores de acar do Recncavo Baiano, que a partir da crise dessa cultura passaram a investir em cacau no sul do Estado. 48 Entre esses, apenas alguns colonos europeus, e mais os plantadores de acar do Recncavo e alguns poucos fazendeiros possuam capital para maiores investimentos e para possurem escravos para trabalhar na lavoura cacaueira. A posse desses escravos serviu tambm como garantia para obterem crdito agrcola e negociarem com comerciantes da capital do estado, prtica comum em reas remotas como o sul da Bahia. 49 Por isso, esses proprietrios de escravos tornaram-se os fazendeiros e comerciantes mais bem sucedidos da regio, pois monopolizavam o comrcio com Salvador, tornaram-se os principais compradores e vendedores de cacau, e tinham acesso e concediam parte do crdito agrcola para outros fazendeiros. Entre esses proprietrios de escravos estavam os membros de famlias que marcaram a histria e a vida poltica da regio: os S, os Homem del Rei, os Adami de S, os Lavigne de Lemos, os Cerqueira Lima, os Amaral. 50 Em 1850 foi criada a Lei de Terras, como ficou conhecida a lei n. 601 de 18 de setembro de 1850. Anteriormente as terras eram doadas atravs das sesmarias, mecanismo que acabou com a independncia em 1822. Com a nova lei criaram-se os mecanismos para a regularizao fundiria das posses doadas desde o perodo colonial e legalizar as terras ocupadas sem autorizao, ao mesmo tempo reconheceu as terras devolutas pertencentes ao Estado, e estabeleceu mecanismos de acesso propriedade da terra. Tal acontecimento teve relao com o fim do trfico de escravos africanos e o incentivo imigrao estrangeira, visando o estabelecimento de colonos, e abriu a perspectiva de tornarem-se proprietrios. Dessa forma o estado

48 49

MAHONY, Mary Ann. Instrumentos necessrios... Op.cit. p. 107 Idem. p. 116. 50 Idem. p. 117.

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imperial brasileiro tentava intervir de forma a propiciar as condies para um modelo de desenvolvimento que precisava sanar uma de suas principais debilidades que era a falta de mo de obra e, ao mesmo tempo, o governo estabelecia os parmetros para a utilizao do principal meio de gerar riqueza na poca, a terra. Estabeleceu a proibio de aquisio das terras devolutas que no fosse atravs de compra. A simples posse tornou-se ilegal, ou seja, s poderiam ter acesso a terra aqueles que tivessem condies de pagar por elas. Essa lei atendia muito bem aos interesses dos grandes proprietrios que procuraram dificultar o acesso terra para as pessoas de poucos recursos. Preocupados com o fim do trfico negreiro e prevendo que o fim da escravido estava prximo, se a terra fosse facilmente adquirida, os fazendeiros ficariam sem mo-de-obra, pois, dificilmente encontrariam quem se dispusesse a trabalhar para eles. A Igreja teve papel de destaque na divulgao e aplicao das novas medidas pelas suas relaes com o Estado imperial e como uma das poucas instituies que exercia ao por todo o pas. Os Vigrios foram encarregados de receber as declaraes para o registro das terras e os incumbidos de proceder a esse registro dentro de suas Freguesias. A partir da dcada de 1860 observa-se uma acelerao no crescimento da lavoura cacaueira, a populao regional crescia vertiginosamente e, com o aumento no consumo, o cacau era exportado para fbricas de chocolate na Europa, o que garantia um mercado consumidor para a produo baiana. Tambm a partir de 1860 houve a introduo de novos tipos de cacaueiro, o cacau Par e Maranho, originrio da Amaznia, considerados mais rsticos e menos exigentes quanto a condies climticas e umidade do solo, o que possibilitou a sua expanso por toda a regio. Foi levado do litoral para o interior, permitindo o plantio no apenas nas margens dos rios e riachos como acontecia anteriormente. Em meados da dcada de 1870 o governo autorizou a alienao das terras dos aldeamentos indgenas extintos e sua venda pelo preo de mercado aos foreiros ou a outros, como fosse mais vantajoso para a Fazenda

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Nacional. 51 Com isso abriu-se a possibilidade de ocupao de reas at ento reservadas, constituindo-se em novos espaos para o crescimento da lavoura cacaueira em espaos que j contavam com certas benfeitorias. nesse contexto que os ndios foram sendo descartados como trabalhadores inadequados s novas perspectivas, pela preferncia dada grande leva de imigrantes (...). 52

Tabela 2: Crescimento demogrfico do sudeste da Bahia nos anos 1872 e 1907. Municpios Populao 1872 Popu lao livr e Popu lao Total 1907 TOTALe s cr ava

Alcobaa Areia Barcelos Barra do Rio Contas Belmonte Camam Canavieiras Caravelas Ilhus Mara Nova Boipeba Porto Seguro Prado Una Valena TOTAL

de

2.916 -------1.556 3.102 3.861 8.065 2.933 3.826 4.631 2.399 -------3.004 2.008 ------14.625 52.966

543 -------460 510 462 964 189 205 1.051 362 ---------124 218 --------1.521 6.609

3.459 -------2.016 3.612 4.323 9.029 3.122 4.031 5.682 2.761 -------3.168 2.226 --------16.146 59.575

7.462 26.486 4.391 13.515 24.759 18.871 20.450 6.719 36.563 13.900 14.416 3.761 6.664 7.005 11.056 216.018

FONTE: Fundao de Pesquisa CPE. Cacau. In: A insero da Bahia na evoluo nacional: 1 etapa: 18501889, Salvador, 1978. p.175. Apud. VIANNA. Ialmar Leocdia. A Estrada de Ferro Ilhus-Conquista e a lavoura do cacau na Bahia. Dissertao de Mestrado. UFPE. Recife. 1986. p. 56.

Apesar de em 1872 Ilhus dispor de percentual to alto de escravos entre a sua populao, alguns estudiosos da regio do cacau preferiram ignorar ou desconsiderar tal dado e construram narrativas que afirmam que desde o seu incio a lavoura cacaueira utilizou-se somente do trabalho livre. Em um desses casos, acreditou-se que na fase inicial de ocupao pioneira da regio tal tarefa foi desempenhada por um quase-campesinato, que se configuraria pela deteno da posse, mas no da propriedade da terra e, em geral, por uma vinculao instvel com ela. 53 Em outro caso temos uma51 52

GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando., PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Op.cit.p.97. Idem p.89. 53 FALCN, Gustavo. Os coronis do cacau. Salvador: Ianam/Centro Editorial e Didtico da UFBA, 1995. p.26-27.

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verso que acredita que desde o incio da lavoura do cacau em meados do sculo XVIII contou com mo de obra assalariada onde: Recebendo adiantamento do capital comercial, o desbravador contratava fora de trabalho no escrava para suas expedies, construo de infra-estrutura e plantio do cacau. 54 Entre o final do sculo XIX e incio do XX gradativamente houve a diminuio da produo familiar em virtude do fortalecimento da produo comercial. Consolidou-se a monocultura e o estabelecimento da relao de trabalho predominantemente assalariada. No que isso tenha representado a clssica transio, com a penetrao do capitalismo no campo, que teria levado ao fim da pequena propriedade baseada na produo familiar. Ela subsistiu concomitantemente produo capitalista e a ela subordinada, apesar de ter diminudo substancialmente em razo do processo de

acumulao das terras. Foi nesse contexto de crescimento econmico e populacional, e graas a ele, que a Vila de Ilhus foi elevada categoria de cidade em 1881. A expanso esteve diretamente relacionada ao aumento do mercado

internacional, ao alto preo do produto no exterior e disponibilidade de terras devolutas ocupadas com a chegada de grandes contingentes que se transformaram em produtores. Desde o final do sculo XIX que o Governo e as elites econmicas intensificaram o estimulo migrao para a regio com promessas de progresso para quem se dispusesse a trabalhar na imensido de terras disponveis. Contudo essa possibilidade de enriquecimento rpido e fcil e o acesso ilimitado s terras eram muito mais uma manipulao das informaes visando atrair um grande contingente populacional e atender aos interesses dos grandes proprietrios rurais j existentes, que tinham dificuldades com a falta de braos para trabalhar na expanso da lavoura. A maioria desses imigrantes era oriunda do norte da Bahia e dos Estados de Sergipe e Alagoas. Destes, parte considervel se instalou em terras devolutas situadas na fronteira oeste da regio e, geralmente, no tinham a situao fundiria regularizada.BAIARDI, Amlcar. Subordinao do trabalho ao capital na lavoura cacaueira da Bahia. So Paulo: Hucitec, 1982. p.53.54

38

Com

a

proclamao

da

Repblica

a

responsabilidade

pela

regulamentao fundiria passou a ser atribuio dos Estados. Na Bahia em 1897 foi criada a Lei 198 que estabelecia a forma como isso ocorreria, criaram-se as Delegacias de Terras, e foi permitida a legitimao das posses ocorridas at dois de julho de 1891 e estabeleceu os prazos para a entrada dos pedidos de regularizao, contudo, tais prazos foram prorrogados vrias vezes at 1921, 55 e ainda em 1928 a Associao Comercial de Itabuna encaminhou ao governador do Estado nova solicitao para prorrogao desse prazo. 56 Entre a implantao da Lei estadual de regularizao das terras em 1898 e 1930 o sul do Estado concentrou mais de 68% dos processos referentes a compras de glebas do Estado cerca de 10.355. 57 Os migrantes que chegaram regio nesse perodo se estabeleceram como pequenos produtores, geralmente utilizavam mo de obra familiar, no tinham acesso ao crdito agrcola e no controlavam os mecanismos de comercializao do produto, por ser voltado exportao. E como do plantio ao incio da efetiva produo do cacau leva em mdia entre quatro e seis anos, acabavam por endividar-se junto aos comerciantes exportadores, ou junto aos grandes fazendeiros, que atuavam como financiadores. Em alguns casos, o endividamento ocorria desde o ato de adquirir e se instalar na terra e, na maioria das vezes, no investimento da produo. Assim, esses pequenos produtores viam parte da renda gerada ser destinada a pagar as altas taxas de juros cobradas pelo capital usurrio. Em muitos casos viram-se forados a trabalhar como assalariados dos grandes fazendeiros como forma de

incrementar a renda familiar, ou ento, na pior das hipteses, foram obrigados a desfazer-se das terras perdendo-as justamente para os agentes que serviram como seus financiadores. Sendo assim percebe-se como as dificuldades do acesso ao crdito teve papel importante na formao e concentrao da propriedade fundiria na regio.

Bahia. Lei de Terra do Estado da Bahia. SEPLANTEC./ CAR-INTERBA. Mestrado em Direito Econmico da UFBA. Salvador. 1985. p.30-37 e 60-62. apud. OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recncavo sul: terra, homens, economia e poder no sculo XIX. Salvador: UNEB, 2002. p.33. 56 GARCEZ, Angelina Nobre Rolim, e GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando. Bahia Cacaueira: um estudo de histria recente. Salvador: Centro Editorial e Didtico da UFBA, 1979. p.32. 57 Seplantec-CPE, A insero da Bahia na evoluo nacional; 2 etapa:1889-1930, p.81. Apud. FALCN, Gustavo. Op.cit. p.42

55

39

Se no incio do sculo XIX o papel de concentrar as atividades mercantis de comercializao e ao mesmo tempo atuar como agente

financiador estava nas mos dos antigos proprietrios de escravos, com o rpido crescimento da lavoura cacaueira, no final do sculo e incio do sculo XX, estes j no tinham condio de suprir toda a demanda existente. Inmeras casas exportadoras passaram a atuar na zona cacaueira e a exercer esse papel de maneira bastante eficiente para os seus propsitos. Com o tempo passaram a atuar em diversos setores: representantes de Bancos e companhias nacionais e estrangeiras, companhias de navegao, empresas de transportes, seguradoras e atuando como agente financeiro. Atuavam tambm como fornecedores de produtos alimentcios necessrios para o abastecimento local que praticamente s produzia cacau e por isso essa demanda s tendia a aumentar. A Companhia Baiana de Navegao atuava na regio desde 1870 atravs de uma linha mensal, que no atendia a demanda. S a partir da dcada de 1890 passou a atuar regularmente na rea com embarcaes de pequeno porte que serviam aos comerciantes vinculados s casas exportadoras que

utilizavam o meio de transporte para levar mercadorias necessrias subsistncia dos produtores e buscar o cacau. Nesse perodo ficou bastante evidenciado o papel desempenhado pelo capital comercial no financiamento da lavoura e como ele foi fundamental para o processo de formao e concentrao da propriedade da terra na regio. Parte desses comerciantes eram oriundos da capital do Estado; outros, os maiores, subordinados ou representantes de empresas estrangeiras,

inicialmente europias e posteriormente norte-americanas, interessadas na dupla possibilidade de ganho, no financiamento da produo e no comrcio, assegurado atravs do controle da produo exercido pela dependncia financeira a que estava submetido o produtor, transformando, dessa forma, a renda camponesa em lucro mercantil. 58 Em 1904 o cacau ultrapassou o valor das exportaes de fumo e tornouse o principal produto na pauta de exportaes do Estado da Bahia, desempenhando importante papel na arrecadao de tributos e gerao de

58

Gustavo Falcn. op. cit. p.55

40

divisas. Nesse perodo, foram constantes os anncios na imprensa colocados pelo governo baiano no sentido de atrair interessados em se lanar na aventura do cacau, onde se oferecia, alm das promessas de acesso a terra, transporte gratuito atravs da Companhia de Navegao Baiana, o que atraiu grandes levas de sergipanos e alagoanos. 59 A economia baiana de fins do sculo XIX e incio do XX continuava estruturada tendo por base a agricultura voltada para exportao, extremamente dependente de fatores externos que interferiam nas cotaes. Por isso atravessava a crise na lavoura aucareira e do algodo e, na medida em que crescia a lavoura cacaueira, o Estado passou a depender cada vez mais da exportao desse produto, o que aumentou o papel do cacau no percentual de exportao do Estado e tambm na arrecadao do Estado atravs de impostos e taxas, conforme indicado na tabela abaixo.

Tabela 3: EXPORTAO DE CACAU E IMPOSTOS COBRADOS NA BAHIA (1865-1930)

ANOS

Quantidade em Kilos

CONTOS DE RIS Valor Oficial Impostos Cobrados 10 15 93 658 1.599 6.388 8.468 10.640 6.250 11.636 16.034 12.769 10.251 Renda Estadual Total ---------2.308 2.566 8.769 8.218 22.363 30.182 54.289 50.257 68.853 75.373 67.572 57.938

Porcentagem Fornecida pelo Cacau ----------0,65 3,65 7,50 19,45 28,56 28,03 19,46 12,50 18,50 21,07 18,89 17,67

1865 1875 1885 1895 1905 1915 1920 1925 1926 1927 1928 1929 1930

811.995 931.628 ---------6.732.469 17.152.476 37.124.603 51.576.653 62.643.000 52.598.000 73.762.000 70.941.000 63.183.000 37.556.000

173 248 1.563 4.388 8.885 37.144 47.964 67.800 45.147 84.019 113.951 81.908 61.664

FONTE: BAHIA. Dirio Oficial. Mensagem do Governador, 1931. Mensagem. 1905-17.152.476. In: As exportaes da Bahia durante a Repblica Velha. In:VIANNA, Ialmar Leocdia. Op. cit. Anexo 1.

Cabe salientar que houve considervel aumento da rea plantada, nico meio vislumbrado pelos produtores para aumentar a produtividade, o que foi favorecido com a melhoria do sistema de transporte visando o escoamento da produo, inclusive com a criao da estrada de ferro Ilhus Conquista em59

GONALVES, Oscar Ribeiro. O Jequitib da Taboca. Salvador: Oficinas Grficas da imprensa Oficial da Bahia, 1960, pp.23, 32, e 122). Apud. GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando., PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Op. cit. p. 112.

41

1913. Tal obra foi um empreendimento do capital ingls atravs da concesso obtida pela The State of Bahia South Western Railway Company Limited, e tinha relao direta com a diviso internacional do trabalho na medida em que facilitava o acesso matria prima para os pases industrializados. Como a produo era quase que exclusivamente destinada ao mercado externo, era bastante vulnervel s oscilaes desse mercado consumidor e das variaes na produo da concorrncia internacional dos pases africanos, notadamente a partir da dcada de 1910, pois em 1913 Gana assumiu a liderana da produo mundial, lugar at ento ocupado pelo Brasil. Nos anos 1920 a regio atravessou uma de suas maiores crises, pois enquanto em 1919 a tonelada de cacau valia 90 libras, em 1921 caiu para 39 libras. 60 Nessa ocasio a crise foi causada pela baixa do preo no mercado externo e por enchentes nos rios Pardo e Jequitinhonha que destruiu parte das plantaes existentes nas reas ribeirinhas. A alta especulao levou ao estabelecimento de tensas relaes entre produtores e comerciantes exportadores de cacau que trocavam acusaes pela responsabilidade da crise. Nesse momento houve um aumento da procura pelas terras frteis e da violncia dos fazendeiros e comerciantes que se aproveitaram do momento de crise e conseqente impossibilidade dos pequenos produtores, que utilizavam o crdito concedido pelos comerciantes ou pelos grandes proprietrios, de saldarem suas dvidas para, das mais variadas formas, expropriarem suas terras. A partir da dcada de 1920 ocorre o que Antonio Fernando Guerreiro de Freitas chamou de formao da burguesia cacaueira, quando ocorreu a aproximao dos interesses de uma elite de fazendeiros muito ricos que passou a comprar e em vender cacau, e e comerciantes exportadores que

transformaram-se

proprietrios

consequentemente

produtores,

estabelecendo certa unidade nos interesses do que antes constituam-se em classes distintas e at antagnicas e que passaram a formar um grupo misto tendendo a se constituir como uma s classe. 61 Concordamos que tal processo aconteceu, contudo importante

salientar que isso no eliminou algumas contradies internas inerentes a essa60 61

GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando., PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Op.cit. p.110. Idem p.p. 111; 118.

42

burguesia cacaueira. Uma delas advm do fato de que parte considervel desses comerciantes exportadores que se tornaram produtores eram

investidores estrangeiros e, por isso, tinham interesses especficos. Alm disso, alguns outros eram comerciantes advindos de antigas culturas

tradicionais da Bahia como o fumo ou o acar e que, por isso, estabeleciam relaes privilegiadas com os detentores do poder do Estado. E, por ltimo, deve ficar claro que nem todo produtor de cacau ou grande proprietrio tornou-se comerciante ou financiador e por isso continuavam a existir fraes com interesses distintos entre os fazendeiros e comerciantes. Como exemplo desse conflito de interesses, podemos apontar a reivindicao de parte dos produtores em aparelhar o porto de Ilhus, que no tinha boas condies porturias e constantemente ocasionava atrasos nos embarque para Salvador, nica via para a exportao de cacau para o exterior. A inteno era capacitar o porto para que os navios estrangeiros pudessem atracar na cidade e com isso exportar diretamente sem precisar da

intermediao da capital. Manifestaram-se a favor dessa iniciativa o Sindicato dos Agricultores de Cacau e a Associao Comercial da Bahia, ambos com sede em Salvador, enquanto as casas exportadoras tencionavam ao contrrio para no perderem o controle do comrcio. A alternativa encontrada foi buscar o apoio do Governo Federal, obtido atravs do Ministrio da Viao, com o incio da obra em 1923 e sua concluso em 1926. 62 Aps as melhorias no porto de Ilhus, as casas exportadoras, preocupadas com a possibilidade de perder essa fatia no comrcio, passaram a atuar de maneira mais direta na regio, eliminaram alguns intermedirios e estabeleceram filiais espalhadas nas vrias localidades e, ao mesmo tempo, ofereceram melhores preos aos produtores e trataram de aumentar a dependncia atravs do financiamento, difundindo a prtica da compra antecipada das safras. 63 Com relao burguesia cacaueira, os elementos que possibilitaram a formao e fortalecimento desse grupo foram justamente as dificuldades encontradas no desenvolvimento da economia cacaueira, a precria infraestrutura de transporte e comunicaes, a distncia do mercado consumidor do

62

DINIZ, Jos Alexandre Felizola e Duarte, Aluzio Capdeville. A Regio Cacaueira da Bahia Srie Estudos Regionais. Recife, SUDENE, 1983. p.54. 63 Idem p.149.

43

cacau, a dependncia do produtor diante do comerciante exportador, a dependncia do mercado externo, a falta de armazns, e ainda as cheias, pragas e principalmente a falta de crdito. Tudo isso levou os setores que compuseram a burguesia cacaueira a se aproveitar dessas dificuldades para atuar como financiadora da produo e intermediria do comrcio. Quanto maior as dificuldades, mais obtinham vantagens nas suas relaes com os pequenos e mdios produtores. Com relao ao crdito, apenas em 1905 foi instalado em Ilhus o Banco de Crdito Hipotecrio e Agrcola, com atuao limitada e em 1917 foi criada a primeira agncia do Banco do Brasil de Ilhus e, em 1924, a de Itabuna. 64 Em 1925, o Banco Econmico passou a atuar na regio. Apesar disso as complexas exigncias, principalmente a referente documentao de posse da terra, dificilmente apresentada, no alteraram muito a situao no que tange dificuldade dos pequenos produtores na obteno de crdito. Estes continuaram a utilizar o crdito especulativo, que cobrava taxas de juros exorbitantes que em muitos casos no conseguia ser saldado, conferindo ao crdito importante papel na concentrao da propriedade. Para esclarecer essa discrepncia, enquanto os juros cobrados pelos Bancos giravam em torno de 8%, o crdito usurrio chegava a 48% ao ano. 65 Alguns grandes proprietrios, por disporem das condies necessrias para obterem crdito formal, adquirido nos poucos bancos existentes, se aproveitaram dessa condio para conseguir crdito a melhores juros e prazos e emprestavam aos pequenos produtores a juros exorbitantes. Um exemplo marcante dessa prtica foi o detentor de uma das maiores fortunas da regio, Manuel Misael Tavares da Silva, que era o maior tomador de emprstimos do Banco de Crdito Hipotecrio, e ao mesmo tempo era o maior emprestador da cidade. 66 Se em 1914 possua cerca de dezoito fazendas e empregava cerca de quatrocentos trabalhadores, em 1930 possua, alm de um banco, milhares de aes, inmeros imveis urbanos e nada menos que setenta e sete fazendas,

GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando., PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Op. cit p. 120. GARCEZ, Angelina Nobre Rolim, e GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando. Bahia Cacaueira...Op. cit. p.25,26. 66 FALCN, Gustavo. Op. cit. p.5965

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com um total aproximado de um milho e trezentos mil cacaueiros, produzindo quase sessenta e cinco mil arrobas. 67 Sendo assim, percebe-se que o mesmo capital passou a atuar nas diversas reas, desde a produo, comercializao e financiamento, ou seja, houve uma metamorfose no capital empregado na regio. Fazendeiros tornaram-se comerciantes e financiadores, e comerciantes financiadores transformaram-se em fazendeiros, e ambos, ao mesmo tempo passaram a obter lucro e renda. Nos respectivos casos o processo de expropriao dos pequenos produtores foi o elemento essencial. Cabe destacar que alguns dos maiores empreendimentos que atuavam dessa forma era formado a partir de capital estrangeiro, a exemplo da Steveson &Cia e a Wildberger & Cia, que acabavam por remeter parte significativa do capital excedente para seus pases de origem. Para se ter uma idia do processo de acumulao dessas empresas:qu ando se org an izou a fir ma So ciedade Ann ima Co mp anh ia Agr co la C a c au e i r a d a B ah ia , c u j o s s c io s er a m a s e mp r es as co me r c i a is W ildb erger e Cia. e Ra po ld, Manz & Cia., te ndo co mo obj etivo a co mpr a de propr ied ades agr co las, o s do is prin cipais acion is tas j apresen tav am, en tr e seu s b ens imv eis, 118 f azend as, todas situ ad as n a r eg io ca c au e ira , se ndo 9 e m I lh us , 78 e m Be l mo n te, 28 e m Can av ieiras, 2 em Una e u ma em I tabuna. Elas to ta lizav a m u ma superf cie d e ap roximadame n te 14.643 h a., co m 2.774 .876 p s d e c a c au p lan ta d o s. 68

Outro fator importante a ser levado em conta ao analisarmos o processo de acumulao de terras na regio era a dificuldade de regularizao fundiria e ainda o desrespeito aos posseiros e mesmo queles que detinham ttulos das terras ocupadas. Muitos desses foram expulsos das terras por no terem condies de regularizar a posse, ou por no conseguir defender seus direitos legalmente junto aos rgos judiciais existentes que eram controlados pelos grandes fazendeiros e comerciantes que tinham ligaes polticas com escales superiores e que nomeavam os ocupantes dos cargos pblicos na regio.

GARCEZ. Angelina Nobre Rolim. Mecanismos de Formao da Propriedade Cacaueira no Eixo Itabuna/Ilhus 1890-1930. (Dissertao de Mestrado) UFBA. Salvador. 1977. pp.132-161. Apud. FALCN, Gustavo. Op. cit. p.66. 68 GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando., PARAISO, Maria Hilda Baqueiro.op.cit. p. 122.

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Tal processo foi incrementado pelo que na regio era chamado de caxixes, termo usado na poca para referir-se ao que atualmente chamado de grilagem, procedimento de indivduos que procuram apossar-se de terras alheias mediante falsas escrituras de propriedade. O termo grilagem nasceu a partir da prtica de colocar os documentos falsificados em uma caixa com alguns grilos, para que aps algumas semanas passasse a ter aparncia envelhecida em funo dos excrementos do inseto. No caso do sul da Bahia no havia essa preocupao em maquiar os documentos com insetos, e assim o termo foi cunhado: O caxixe um macaquinho que ri o cacau por dentro, voc passa na roa o cacau est bom, voc derrubou, no tem nada, ento o caxixe um negcio que tem todo aspecto legal, mas no (...). 69 Alguns fazendeiros, com a conivncia de agentes pblicos que atuavam nos cartrios, se aproveitavam do fato de a grande maioria dos pequenos posseiros no possurem a documentao de suas terras, para forjarem documentos que possibilitavam a expulso de antigos ocupantes das terras. Geralmente esse procedimento era acompanhado de formas de presso mais violentas.(...) forj avam- s e do cu me n tos par a apo ssame n to ou vend a d as terr as a terceiro s, in clu indo nisso a fr eq en te qu eima d e Car tr io s d e r eg is tro s de propr ied ad e d a r eg i o (n a tur a lme n te c o m r e la o s terras titu lad as ou reg istrad as); realizava-se a inv aso de terras e o roubo d e safr as co mo meio de p resso para expu ls ar o roceiro d e suas p lan ta es; as to caias crimino s as, as guerras en tr e famlias ou en tr e v izinhos, tudo isso fo i po sto a servio d e f azer cr escer a propr ied ade, d e e me nda r as p lan ta es ou a s fa z end as, de con stru ir o s conjun tos. 70

Processo parecido ocorria tambm com a participao dos responsveis pelas Delegacias de Terras. Editais eram publicados dando aos pequenos proprietrios alguns dias para pagarem impostos supostamente necessrios legalizao de suas terras. Tais editais eram publicados em locais que pouca gente via, ou em jornais que a maioria da populao e consequentemente os interessados no tinham acesso, e mesmo quando tomavam conhecimento nem sempre dispunham de dinheiro para pagar tais obrigaes, e

consequentemente, suas terras eram confiscadas, aps o vencimento do prazo69 70

GUERREIRO DE FREITAS, Antonio Fernando. (Org.) S Barreto, Ilhus: Editus, 2001. p. 52,53. GARCEZ. Angelina Nobre Rolim. Op.cit. p. 135.

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determinado. Em geral, e de acordo com a estratgia engendrada, essas eram, logo a seguir, adquiridas pelo grande fazendeiro. 71 No exemplo acima observamos que o processo de expulso dos pequenos conivncia proprietrios e e posseiros de pelos grandes fazendeiros inspetores de tinha a

colaborao

agentes

pblicos,

terras,

responsveis por legalizar a ocupao e a propriedade das terras pblicas. Essas tticas mostraram-se bastante eficientes at porque eram travestidas de processos supostamente legais e executadas por elementos que exerciam cargos ou funes pblicas importantes. Por vezes esse processo de

expropriao no teve tanta preocupao de travestir-se de legalidade, sendo muito comum na regio a ao dos jagunos e pistoleiros na eliminao fsica de ocupantes de terras para posteriormente serem legalizadas pelos grandes fazendeiros, no chamado caxixe. Sem dvida, um aspecto da histria regional imortalizado pela literatura atravs das obras de Jorge Amado. 72 Importante salientar a importncia do controle dos rgos estatais para a concretizao dessas prticas excludentes, e como esse controle se efetivava a partir das relaes polticas nitidamente coronelistas. tambm

significativo destacar que, diferente da idia tradicional de latifndio, quando se trata da concentrao fundiria na regio cacaueira, formaram-se alguns grandes proprietrios de inmeras pequenas propriedades que juntas

formavam grandes extenses de terra, constituindo o que Angelina Garcez chamou de conjunto. 73 Ao descrever esse processo de expropriao e concentrao fundiria, devemos deixar claro que, apesar da consolidao das relaes de trabalho assalariadas, no houve uma total extino da pequena propriedade baseada na produo familiar. E, ainda, que apesar da sua sobrevivncia, no significa que estava fora do modo de produo capitalista, pois este comportou formas patronais e familiares de produo. Como afirma Amlcar Baiardi:

Alcino Drea a Juracy Magalhes, Ilhus, 25 de julho 1934, SA/ AEBa, Doc. 1108. Apud. SAMPAIO, Consuelo Novais. Poder e representao: o legislativo da Bahia na Segunda Repblica, 1930-1937. Salvador: Assemblia Legislativa, 1992. p. 53. 72 Terras do Sem Fim, So Jorge dos Ilhus, Tocaia Grande, so exemplos de romances escritos por Jorge Amado que descrevem o uso da violncia pelos Coronis do cacau. 73 GARCEZ. Angelina Nobre Rolim. Op. cit. p.135.

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E m f a c e d e o c ap it a l i s mo se r o p r o ce s so h eg e m n i co n a r eg i o e d e a produ o familiar reprodu zir-se sob a g ide do cap ital e d e acordo co m a sua lg ica exp ansiv a, torn a-