marcelo assafin ov/ufrj - home - if - instituto de física...

53
Marcelo Assafin OV/UFRJ Apresentação......................................................................................................................3 1. Introdução........................................................................................................................4 2. Posições de Objetos Astronômicos.................................................................................5 2.1. Sistema de Coordenadas Equatorial Celeste e Altazimutal .....................................7 2.1.1 A Esfera Celeste ....................................................................................................7 2.1.2 Sistema de Coordenadas Altazimutais.................................................................10 2.1.3 Sistema de Coordenadas Equatoriais Celestes....................................................11 2.2 Variação de Coordenadas Devido a Rotação da Terra ...........................................13 2.2.1 Marés .....................................................................................................................15 2.3 Variação de Coordenadas Devido a Precessão e Nutação .....................................16 2.4 Variação de Coordenadas Devido ao Movimento do Polo ......................................18 2.5 Variação de Coordenadas Devido ao Movimento Orbital da Terra...........................19 2.5.1 Paralaxe Anual .......................................................................................................20 2.5.2 Aberração Anual .....................................................................................................21 2.6 Movimento do Sol na Galáxia....................................................................................22 2.6.1 Sistema de Coordenadas Galácticas......................................................................23 2.7 Relação entre Sistemas de Coordenadas .................................................................24 3. Tempo..............................................................................................................................27 3.1 Tempo Solar ..............................................................................................................28 3.1.1 Fusos Horários .......................................................................................................29 3.2 Tempo Sideral ...........................................................................................................31 3.3 Tempo das Efemérides e Tempo Dinâmico................................................................32 3.4 Tempo Atômico...........................................................................................................32 3.5 Tempo Universal Coordenado....................................................................................33 3.6 Calendários.................................................................................................................34 4. Catálogos Astrométricos ..................................................................................................35 4.1 Catálogos de Posição - Histórico................................................................................35 4.2 Catálogos de Posição Modernos................................................................................39 4.3 Os Novos Catálogos Astrométricos na Era HIPPARCOS..........................................41 4.4 Catálogos Astrométricos: como se apresentam e como acessá-los?........................44 4.5 Catálogos das Futuras Missões Espaciais: Astrometria Aplicada a Astrofísica.........45 4.5.1 A Missão SIM...........................................................................................................45 4.5.1.1 Populações Galácticas.........................................................................................47 4.5.1.2 Estrutura da Galáxia.............................................................................................48 4.5.1.3 Astronomia Extragaláxia.......................................................................................48 4.5.2 A Missão GAIA.........................................................................................................49 ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq... 1 of 53 22/02/2010 10:46

Upload: votram

Post on 09-Nov-2018

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Marcelo Assafin OV/UFRJ

Apresentação......................................................................................................................3 1. Introdução........................................................................................................................42. Posições de Objetos Astronômicos.................................................................................5 2.1. Sistema de Coordenadas Equatorial Celeste e Altazimutal.....................................7 2.1.1 A Esfera Celeste ....................................................................................................7 2.1.2 Sistema de Coordenadas Altazimutais.................................................................10 2.1.3 Sistema de Coordenadas Equatoriais Celestes....................................................11 2.2 Variação de Coordenadas Devido a Rotação da Terra ...........................................13 2.2.1 Marés .....................................................................................................................15 2.3 Variação de Coordenadas Devido a Precessão e Nutação .....................................16 2.4 Variação de Coordenadas Devido ao Movimento do Polo ......................................18 2.5 Variação de Coordenadas Devido ao Movimento Orbital da Terra...........................19 2.5.1 Paralaxe Anual.......................................................................................................20 2.5.2 Aberração Anual.....................................................................................................21 2.6 Movimento do Sol na Galáxia....................................................................................22 2.6.1 Sistema de Coordenadas Galácticas......................................................................23 2.7 Relação entre Sistemas de Coordenadas .................................................................24 3. Tempo..............................................................................................................................27 3.1 Tempo Solar ..............................................................................................................28 3.1.1 Fusos Horários .......................................................................................................29 3.2 Tempo Sideral ...........................................................................................................31 3.3 Tempo das Efemérides e Tempo Dinâmico................................................................32 3.4 Tempo Atômico...........................................................................................................32 3.5 Tempo Universal Coordenado....................................................................................33 3.6 Calendários.................................................................................................................344. Catálogos Astrométricos ..................................................................................................35 4.1 Catálogos de Posição - Histórico................................................................................35 4.2 Catálogos de Posição Modernos................................................................................39 4.3 Os Novos Catálogos Astrométricos na Era HIPPARCOS..........................................41 4.4 Catálogos Astrométricos: como se apresentam e como acessá-los?........................44 4.5 Catálogos das Futuras Missões Espaciais: Astrometria Aplicada a Astrofísica.........45 4.5.1 A Missão SIM...........................................................................................................45 4.5.1.1 Populações Galácticas.........................................................................................47 4.5.1.2 Estrutura da Galáxia.............................................................................................48 4.5.1.3 Astronomia Extragaláxia.......................................................................................48 4.5.2 A Missão GAIA.........................................................................................................49

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

1 of 53 22/02/2010 10:46

Page 2: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Rio – Março, 2004

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

2 of 53 22/02/2010 10:46

Page 3: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

APRESENTAÇÃO

Este texto abrange o conteúdo de 4 horas de aula do tema Astronomia Fundamental eAstrometria da disciplina “Fundamentos da Astronomia”, oferecida na Física.

São apresentados o cenário passado e atual da área, e as idéias básicas, acessíveispara estudantes do segundo grau e do primeiro ano de cursos universitários nas áreas defísica, matemática, astronomia ou cursos correlatos.

O objetivo é apresentar os conceitos básicos de posição dos astros, sistemas dereferência de espaço e de tempo, mostrar a importância dos catálogos de posição, dadeterminação de distâncias, a relação da Astronomia Fundamental e da Astrometria com asdemais ciências astrofísicas, a descrição de fenômenos astronômicos e terrestres relacionadosaos movimentos da Terra no espaço, aplicações da Astronomia Fundamental à vida civil(principalmente o tempo). Para tanto, reforçamos alguns conceitos básicos de astronomia jáintroduzidos, e introduzimos sucintamente novos.

O texto está estruturado de forma que as idéias centrais estão no texto principal, que ésubdivido em seções, algumas delas com subseções. No meio do texto, alguns exercícios sãoapresentados, quando necessário, as vezes com sugestões e roteiros para seremsolucionados. Eles devem ser examinados, analisados cuidadosamente e resolvidos pelosestudantes interessados em bem assimilar o conteúdo do curso. A dificuldade destesexercícios é variável e muitos deles apresentam resultados interessantes. Não são dadasrespostas, os alunos devem trazer os exercícios resolvidos e discutí-los em sala.

Algumas das figuras foram tiradas de textos na Internet e em textos de astronomiaapresentados na forma de CD. Muitas aparecem em vários textos diferentes, o que dificulta ouimpossibilita a definição clara de sua origem. Algumas das figuras, porém, creditamos aqui anotas de aula eletrônicas gentilmente cedidas pelos Profs. Roberto Boczko e Prof. Gastão B.Lima Neto do IAG/USP, e Prof. Alexandre H. Andrei do ON/MCT-OV/UFRJ-GEA. Parasimplificação, os créditos de todas as figuras foram omitidos.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

3 of 53 22/02/2010 10:46

Page 4: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

1. INTRODUÇÃO

Fig. 1.1 – Observatório do Valongo/UFRJ.

Na figura 1.1 vemos o campus do Observatório do Valongo (OV), da UFRJ. Ele estálocalizado no alto de um morro, bem próximo ao centro financeiro da cidade do Rio de Janeiro.A partir da Rua Marechal Floriano, segue-se a pé (pela calçada) ou de carro (pelo asfalto),seguindo o sentido do trânsito, por uma rua secundária, a Rua Senador Pompeu, até chegarao No. 43 da Ladeira do Pedro Antônio. Veja abaixo, na fig.1.2, o mapa da região, que mostracomo chegar ao OV, para fazer Astronomia.

Fig. 1.2 – Mapa da região do entorno do Observatório do Valongo, UFRJ. Repare no conjunto de regras, convenções e nomenclaturas usadas para designar alocalidade, o endereço do Observatório, e as vias de acesso ao mesmo, ou seja, o mapa daregião. Falamos em ruas e calçadas, falamos em sentidos, falamos em nomenclaturas

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

4 of 53 22/02/2010 10:46

Page 5: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

específicas (Rua, números, etc), representamos esses elementos com símbolos específicos, ecom regras específicas. Com a Astronomia Fundamental, dá-se o mesmo. É a AstronomiaFundamental a ciência responsável pela cartografia do Universo, isto é, pela definição desistemas de referência espaciais e temporais, segundo um conjunto de convenções e normasde valor universal. É seu papel realizar o censo de todos os corpos celestes, isto é, determinarsuas posições espaciais no tempo. 2. POSIÇÕES DE OBJETOS ASTRONÔMICOS É essencial o conhecimento da posição, em qualquer instante de tempo, dos corposcelestes na investigação do Cosmos. Isto é, saber em que direção no céu se encontram, qual asua distância até nós, de onde e para onde se movem. A medida em que o Curso avança, vaificando mais claro que tipo de conhecimento se busca, a partir da informação da posiçãoespacial dos corpos celestes em função do tempo.

Do ponto de vista do conhecimento científico atual, devemos definir de formamatematicamente fundada, um sistema de referência de forma que, considerando o próprioobservador e o astro sendo observado, esse sistema possa descrever da forma mais simples ecoerente a posição e movimento do astro. Uma vez estabelecido o sistema de referência,passamos a definir o sistema de coordenadas, que igualmente deve ser escolhido de forma atornar mais simples e adequada a descrição da posição e movimento do astro dentro dosistema de referência escolhido. Um exemplo muito familiar é o sistema de coordenadascartesiano, com seus 3 eixos ortogonais x, y e z. Mas há outros: cilíndricos, esféricos, etc.

Em Astronomia, é muito comum usar o sistema de coordenadas esférico. Você já

conhece esse sistema: lembre-se das coordenadas geográficas da Terra, latitude e longitude.Apenas os sistemas de coordenadas astronômicos mais importantes, serão apresentadosneste Curso, e mesmo assim sucintamente, pois uma abordagem mais profunda foge ao nossoescopo. Apesar de conceitualmente diferentes, em geral costuma-se empregar indistintamenteos termos “sistema de referência” e “sistema de coordenadas”. Por motivos de simplificação,faremos o mesmo aqui, porém ressaltando a diferença, caso seja importante.

De um ponto de vista mais conceitual, não é qualquer sistema de referência que nos

permite acessar a posição, distância e movimento de um corpo celeste, rigorosamente deacordo com a Mecânica Newtoniana. Neste caso, o sistema de referência a ser adotado deveser inercial e a medida do tempo associada a medida de movimento, deve ser uniforme. Emoutras palavras, um corpo se movendo no espaço tendo sobre ele a ação de uma forçaresultante nula, deve ter uma trajetória descrita como sendo igual a de uma linha reta, ondedistâncias iguais são cobertas em intervalos de tempos iguais nesse referencial. A trajetória docorpo pode ainda ser descrita por um ponto fixo, no caso particular de velocidade nula. Sendoassim, há dois tipos de referenciais astronômicos que precedem a própria MecânicaNewtoniana, um espacial, outro temporal. Eles devem estar previamente disponíveis, paraque o movimento dos corpos celestes possa ser descrito e interpretado de forma coerente naMecânica Newtoniana. São eles o referencial inercial, ligado ao espaço propriamente dito, eao qual nós vínhamos nos referindo, e o referencial de tempo uniforme, mais comumentereferido em termos de escalas de tempo.

A Astronomia Fundamental, sendo o ramo que idealiza e estuda os referenciais em

Astronomia, tem como tema chave a concepção e a materialização dos referenciais inerciaisespaciais e das escalas de tempo uniforme. Na verdade, hoje em dia, apenas a tarefa daconcepção de uma escala uniforme de tempo e sua interrelação com as demais escalas é

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

5 of 53 22/02/2010 10:46

Page 6: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

efetivamente da responsabilidade da Astronomia Fundamental, posto que a materializaçãomais precisa e prática é hoje feita com relógios atômicos, e faz parte do “universo” daengenharia eletrônica. Falaremos mais sobre escalas de tempo no Capítulo 3.

A materialização dos eixos de um referencial inercial depende de direções baseadas nas

posições aparentes observadas de corpos celestes, como estrelas, por exemplo. Pergunta:pode, do ponto de vista conceitual, existir uma materialização perfeita de um referencialinercial? (responda com suas palavras, como exercício).

Materializar um referencial inercial significa estabelecer eixos, ou ainda planos, cujas

direções no espaço sejam conhecidas no tempo, e possam ser reproduzidas. Essamaterialização traduz-se em catálogos de objetos celestes, cuja posição e movimento (entreoutras informações, como brilho, etc) são listados de acordo com um sistema de coordenadasconveniente. Catálogos criados com o fim de representarem ou materializarem sistemas dereferência são ditos catálogos astrométricos.

A percepção dos planos fundamentais e do sistema de coordenadas mais adequado foi

mudando com o passar do tempo, e mesmo na antiguidade, quando registram-se os primeiroscatálogos estelares da história, ainda era bem remota a idéia de inercialidade e dauniformidade do tempo, até porque a Mecânica Newtoniana ainda nem havia nascido. Naépoca atual, os catálogos com posições óticas mais precisas originam-se de missões espaciais,como a do Satélite HIPPARCOS. Há também os catálogos de posições rádio, obtidas a partirde medidas simultâneas de quasares, com antenas rádio espalhadas em todo o globo, usandotécnicas de interferometria.

Fig. 2.1. Evolução da precisão das posições de catálogos representativos de cada época.

Na faixa ótica do espectro eletromagnético, via de regra os catálogos listam posições emovimento de estrelas, já que esses são os objetos celestes visíveis mais comuns de nossaGaláxia e, uma vez podendo ser acessadas de qualquer ponto da Terra, e uma vez sendo

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

6 of 53 22/02/2010 10:46

Page 7: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

relativamente abundantes, tornam-se pontos fiduciais ideais para representar um dado sistemade referência. No Capítulo 4, damos um histórico da evolução dos catálogos, desde aantiguidade até os dias atuais.

A medida que o tempo passa, mais estrelas, de brilho mais fraco, vão sendo incluídas

nos catálogos, com precisão cada vez melhor. Pergunta: você sabe o que é “precisão”?(responda como exercício).

Tendo em vista levar o sistema inercial a objetos de brilho cada vez menor,

modernamente tem sido levado a cabo programas de construção de catálogos astrométricosde virtualmente milhões de estrelas. É o caso do catálogo UCAC (do inglês “USNO CCDAstrograph Catalog”) do United States Naval Observatory (USNO), de 40 milhões de estrelascom precisão de 20mas a 70mas (1mas = 0”,001 ou 1 mili-segundo de arco), e do USNO-B1de 500 milhões de estrelas com precisão de 200mas.

Quanto melhor a precisão na medida da posição e do movimento de um astro,

melhor será a qualidade da informação da cinemática desse corpo, seja qual for a estrutura noUniverso da qual ele faça parte (sistema solar, aglomerado, Galáxia, etc). A Fig. 2.1 dá umaidéia da evolução da precisão da medida da posição dos astros ao longo da história. Em geral,ao conjunto de técnicas envolvidas na determinação precisa da posição dos astros, dá-se onome de Astrometria. Em grande parte, a evolução da precisão das medidas astrométricasvem da evolução dos instrumentos de observação utilizados, em particular a partir daintrodução dos telescópios desde Galileu (1609), e agora com o advento de missões espaciaisastrométricas como a missão HiPParCoS (High Precision Paralaxis Collecting Sattelite). Apalavra paralaxe está associada a determinação de distância, tema que veremos mais adiante(Seção 2.5.1). Estude a Fig. 2.1. Pergunta: qual deve ser a precisão da posição para daqui a 30anos? (responda como exercício). 2.1 Sistema de Coordenadas Equatorial Celeste e Altazimutal Um sistema de coordenadas esféricas muito importante em Astronomia foi concebido epela primeira vez apresentado por Hevelius, já em 1690. Ele consiste basicamente emestender o nosso conhecido Sistema de Coordenadas Geográficas para o céu. É o chamadoSistema de Coordenadas Equatoriais Celestes. Antes, porém, vamos definir algunselementos básicos. 2.1.1 A Esfera Celeste

No Universo, os astros se distribuem em um espaço tridimensional. Contudo, devido aimensa distância que separa estes astros da Terra, ao observarmos o céu nos temos aimpressão que todos estes astros se encontram em uma esfera, a que denominamos EsferaCeleste. A Esfera Celeste não tem um raio definido, assim consideramos este raio comoinfinito. Como a distância entre um observador qualquer e o centro da Terra (cerca de 6400km) é muito menor que a distância aos astros (a Lua está, em média a 380.000 km, o Sol a 150milhões de km ou 1U.A., e as estrelas estão muito alem do sistema solar) o erro que se faz é,na maioria dos casos, desprezível.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

7 of 53 22/02/2010 10:46

Page 8: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.2 – A Esfera Celeste.

A Fig. 2.2 ilustra a visão da Esfera Celeste, para um observador situado na superfície daTerra. O ponto imediatamente a sua cabeça recebe o nome de Zênite. O Plano do Horizonte,ou simplesmente Horizonte, é o plano perpendicular a linha imaginária que liga o observadorao Zênite. Todos os elementos descritos estão envolvidos pela Esfera Celeste. É em suasuperfície que descrevemos a posição aparente dos astros no céu.

A Esfera Celeste pode estar centrada no observador, porém as vezes é maisconveniente admitirmos que o centro esteja em algum outro ponto, no centro da Terra ou nocentro do Sol, ou mesmo ainda no baricentro do sistema solar (veja a Fig. 2.3). Pergunta: ascoordenadas dos corpos celestes mudam se mudamos o centro da Esfera Celeste?(responda como exercício).

Fig. 2.3a – Centrando a Esfera Celeste.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

8 of 53 22/02/2010 10:46

Page 9: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.3b – Vista do céu projetada numa Esfera Celeste, de dentro para fora, centradaem um observador na superfície terrestre.

A Fig. 2.3b apresenta a Esfera Celeste, com algumas das principais estrelas,

constelações, o equador terrestre e o Pólo Sul projetados, mais a indicação da trajetóriaaparente do Sol (linha tracejada, que passa pelas chamadas Constelações do Zodíaco).Apesar de parecer à mesma distância, por um efeito de perspectiva, as estrelas dasconstelações estão na verdade distribuídas tridimensionalmente em regiões distintas noespaço, como mostra a Fig. 2.3c.

Fig. 2.3c – Constelações: efeito deperspectiva.

A posição de um astro qualquer na

Esfera Celeste pode ser definida semambiguidadeatravés de dois ângulos em relação aosistema de coordenadas adotado, que porsua vez é definido a partir de um pontocentral. A escolha precisa de um sistema decoordenadas ligado à Esfera Celeste vaidepender sobretudo da análise ou problemaque se queira resolver. Para uma esfera(qualquer uma em princípio), os sistemas dereferências utilizados são definidos por umplano principal, que divide a esfera em duas

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

9 of 53 22/02/2010 10:46

Page 10: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

partes iguais, definindo-se assim um grande círculo (Ex: o Horizonte na Fig. 2.2; veja a Fig.2.4 abaixo). Definimos arbitrariamente um ponto de origem neste círculo principal, por ondepassa o meridiano principal, outro grande círculo perpendicular ao grande círculoprecedente. Os (pequenos) círculos paralelos ao círculo principal definem as latitudes daesfera, enquanto que os grandes círculos perpendiculares ao círculo principal definem aslongitudes. Estes ângulos são similares ao que utilizamos para localizar um ponto nasuperfície terrestre, a longitude e a latitude.

Fig. 2.4 – Esquema de elementos gerais de umSistema de Coordenadas Esféricas

2.1.2 Sistema de Coordenadas Altazimutais

Fig. 2.5 – Sistema de Coordenadas Altazimutais. Antes de introduzir o Sistema de Coordenadas Equatoriais, iremos introduzir umoutro importante sistema, o Sistema de Coordenadas Altazimutais. Este sistema (Fig. 2.5)tem um valor prático de destaque, por ser o ideal para descrever o movimento diurnoaparente dos astros na Esfera Celeste, do ponto de vista do observador. O movimentodiurno aparente dos astros refere-se a trajetória aparente dos astros no céu, conforme a

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

10 of 53 22/02/2010 10:46

Page 11: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Terra gira em torno do seu eixo de rotação.

O plano principal do sistema de coordenadas horizontais é definido como sendo o planoque contem o Horizonte do observador. Os dois ângulos que definem a posição de um astroqualquer são a altura, h, e o azimute, A, como mostra a figura. O horizonte do observadordeve ser definido corretamente. O horizonte visível ou aparente é sujeito às irregularidadestopográficas, não definindo necessariamente desta forma um grande círculo e,consequentemente, não servindo como base para a definição de um sistema de coordenadas.Assim, definimos o horizonte astronômico como sendo o círculo centrado no observador,perpendicular a sua vertical (definida como paralela ao campo gravitacional),independentemente de acidentes geográficos. A intersecção desta mesma vertical com aesfera celeste, define o Zênite e o Nadir (ponto oposto ao Zênite). A altura de um astro émedida a partir do horizonte astronômico, sendo positivo quando o astro está acima dohorizonte e negativo no caso contrário. Assim o zênite tem por definição uma altura de 900 e onadir, -900. O azimute é por definição medido a partir do meridiano Sul (00) do observador e osângulos são contados no sentido ® Oeste (900) ® Norte (1800) ® Leste (2700). Por ser umadefinição arbitrária, o meridiano de origem do azimute é as vezes localizado no Norte, ao invésdo Sul.

Devemos notar ainda que neste sistema, as coordenadas de um astro variam com otempo devido sobretudo ao movimento diário (rotação da Terra). De fato, o azimute de umastro sempre aumenta durante o decorrer de um dia (exceto pela descontinuidade a 3600). 2.1.3 Sistema de Coordenadas Equatoriais Celestes Este sistema é uma realização muito boa de um referencial inercial, motivo pelo qual éna prática muito utilizado até hoje. No sistema equatorial, o plano principal é a projeção doEquador Terrestre na esfera celeste, chamado Equador Celeste (Fig. 2.5). As projeções dospólos terrestres na esfera celeste definem os Pólos Celestes Norte e Sul. A origem do sistemade coordenadas é definido pela intersecção do Equador Celeste com a Eclíptica (a trajetóriaaparente do Sol na esfera celeste durante um ano). Este ponto é chamado Equinócio Vernalou Primeiro Ponto de Áries (usamos o símbolo g ). Quando o Sol está neste ponto, temos oinício do outono no hemisfério Sul, e da primavera no Norte. Veja a Fig. 2.6a.

A Declinação, d, de um ponto M é a distância angular medida sobre o meridiano quepassa por este ponto a partir do Equador Celeste. Quando medido na direção do pólo norteceleste d > 0, caso contrário a declinação é negativa. A Ascensão Reta, a, é o ângulo entre oPonto Vernal e o meridiano do astro M. A ascensão reta á medida na direção Leste. Note que aascensão reta cresce no sentido oposto ao azimute das coordenadas horizontais e que aascensão reta aumenta no sentido do movimento anual do Sol e do movimento direto doplanetas.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

11 of 53 22/02/2010 10:46

Page 12: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.6a – Sistema de Coordenadas Equatoriais Celestes. O astro M tem coordenadasascensão reta (a) e declinação (d). A inclinação do equador celeste em relação à Eclíptica é de

aproximadamente e = 230 26’ 21”.

Por convenção, a ascensão reta é medida um horas, minutos e segundos como otempo (ao invés de graus, minutos e segundos de arco). A relação é simplesmente 1h=150. Aascensão reta e a declinação de uma estrela não se altera devido ao movimento diurno derotação da Terra. Isto não significa que no sistema equatorial não haja uma variação dascoordenadas com o tempo, mas esta variação é muito mais lenta que no caso dascoordenadas altazimutais. Desde 1998, a União Astronômica Internacional (UAI), adotou um novo sistema dereferência, que é na verdade uma continuidade do Sistema de Coordenadas EquatoriaisCelestes. É o ICRS (do inglês “International Celestial Reference System”, ou SistemaInternacional de Referência Celeste). Ele é materializado pela posição de longínquosquasares, cuja lista com 608 objetos (ver Fig. 2.6b) é denominada de ICRF (do inglês“International Celestial Reference Frame”, ou Rede Internacional de Referência Celeste). Essasposições, com precisão de 1mas ou melhor, foram obtidas por milhões de observaçõesinterferométricas na faixa rádio, usando radiotelescópios espalhados por todo o planeta.

Nas próximas seções deste Capítulo, mostraremos de forma superficial, sem entrar emgrandes detalhes, fenômenos ligados ao movimento da Terra no espaço que têm, entre outrasconsequências, a de causar importantes variações nas coordenadas dos astros. Aqui, éimportante ter a noção da ordem de grandeza dessas variações, e criar uma idéia da relaçãodessa ordem de grandeza com a ordem de grandeza das escalas de distância envolvidas.Paralelamente, algumas noções de Tempo irão sendo naturalmente introduzidas, antes detomarmos efetivamente este tema, já no próximo Capítulo 3.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

12 of 53 22/02/2010 10:46

Page 13: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.6b – O ICRS e o ICRF.

2.2 Variação de Coordenadas Devido a Rotação da Terra A rotação da Terra pode ser constatada por vários fenômenos, como por exemplo pelomovimento diurno aparente do Sol ao longo do dia, que nasce no horizonte a leste e se põe aoeste, ou pelo movimento aparente das estrelas a noite, no mesmo sentido. Aliás, essemovimento aparente que todos os astros compartilham no céu recebe o nome indistinto demovimento diurno.

Constata-se que leva um certo período de tempo para que a rotação da Terra secomplete para que ela dê uma volta completa em torno de seu eixo de rotação. Esse períodopode ser medido tomando-se como referência um corpo celeste qualquer e a própria Terra. Sequeremos escolher um ponto fixo como referência, podemos escolher uma estrela, já que noperíodo de rotação da Terra, podemos considerar que para todos os efeitos práticos umaestrela, pela sua distância a Terra, está parada no espaço (o que, a rigor, não é verdadeiro).Por outro lado, se queremos escolher um astro de fácil reconhecimento, de importância namarcação do tempo na vida civil, podemos escolher o Sol. Dependendo de qual desses astrosé tomado como referência, medimos o mesmo período de rotação da Terra em escalas detempo diferentes, cada uma arbitrada em 24hs. Assim, tomando a estrela como referência,temos que o período de rotação da Terra é de “24 horas siderais”. Tomando o Sol comoreferência, temos que o período de rotação terrestre é de “24 horas solares”. Em outraspalavras, o período de rotação da Terra define o dia sideral (24 horas siderais) ou o dia solar(24 horas solares), conforme o astro de referência seja respectivamente uma estrela ou o Sol.O importante aqui é perceber que a medida do tempo, do ponto de vista da Astronomia, é feitaassociando-se a passagem do tempo com configurações de astros (no caso, o alinhamento docentro da Terra e do observador, com uma estrela ou com o Sol). Essas duas escalas detempo, sideral e solar, apresentam uma marcha de tempo diferente, pois as configurações(alinhamento) dos astros estrela ou Sol repetem-se em intervalos diferentes de tempo, comomostra a Fig. 2.7.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

13 of 53 22/02/2010 10:46

Page 14: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig 2.7 – Dia sideral e dia solar.

Se definimos como sendo 24hs solares ou um dia solar, o intervalo de tempo decorrido entredois alinhamentos sucessivos entre o centro da Terra, o observador e o Sol, fica fácil perceberque o intervalo de tempo decorrido para que haja o alinhamento com a estrela é mais curto,devido ao movimento orbital da Terra em torno do Sol e devido ao sentido da rotação da Terraem torno se seu eixo (ambos dando-se no sentido trigonométrico, i.e., contrário ao ponteiro dosrelógios, quando vistos de cima). Assim, o dia sideral que tem 24hs siderais, quando medidoem horas solares mede 23h 56m 04s. O alinhamento com o Sol dá-se 3m 56s solares depoisde a Terra alinhar-se com a estrela. Do mesmo modo, 1 dia solar medido em horas sideraisleva 24hs 03m 56s. Se dois relógios, um marcando horas siderais outro marcando horassolares, forem deixados funcionando, ao fim de 1 dia solar o relógio sideral estará marcandomais 0hs 3m 56s, enquanto que ao fim de 1 dia sideral o relógio solar estará marcando 23h56m 04s. O movimento diurno dos astros é realmente prova da rotação da Terra? Não poderia aTerra estar de fato parada e toda a abóboda celeste estar afinal, girando ao nosso redor? Aprova definitiva de que é a Terra que de fato gira foi dada por Galileu Galilei, ao aplicar aexperiência do Pêndulo de Foucalt em um ponto bem ao norte da Europa. Já era sabido que oplano de oscilação do Pêndulo de Foucalt muda quando o ponto de apoio do pêndulo ésubmetido a uma força externa, como o atrito por exemplo, e vice-versa, na ausência de forçasexternas, o plano permanece invariante. Galileu idealizou um experimento. Construiu umPêndulo de Foucalt o mais próximo que podia do polo norte, garantindo dentro da capacidadetecnológica da época que não houvesse atrito no ponto de sustentação, e garantindo umperfeito alinhamento do prumo na vertical, em repouso. Também montou um sistema precisode medição da orientação do plano de oscilação. Sua hipótese era a de que, na ausência deforças externas, a constatação de uma eventual mudança na orientação do plano de oscilaçãoseria a prova do giro da Terra. E foi o que de fato aconteceu. A explicação era a de que o planode oscilação de fato ficava parado, mas era o próprio chão que girava, e no sentido coerentecom o movimento de rotação da Terra. Evidentemente, seria no polo que o efeito seriamaximizado. O esquema da experiência é mostrado na Fig. 2.8.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

14 of 53 22/02/2010 10:46

Page 15: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.8 – Experiência com o Pêndulo de Foucault no polo: prova da rotação da Terra. 2.2.1 Marés As marés marítimas de nosso planeta são causadas pelo desbalanço da força dagravidade, principalmente devido à presença da Lua e em menor grau do Sol. Isto ocorrequando consideramos as forças atuantes na metade de trás e na metade da frente da Terra,voltada à Lua (ou Sol), lembrando que a força da gravidade é proporcional as massas, masinversamente proporcional a distância (veja a Fig. 2.9). Mas não são só os oceanos os únicosconstituintes de nosso planeta que podem ser deformados devido ao desbalanço gravitacionalcausado pela atraçao de Lua e Sol. A crosta terrestre não é inteiramente rígida e deforma-setambém em até cerca de 15cm de altura com o efeito. O interior da Terra, sendo constituído deum magma pastoso, com certeza também sofre os efeitos de maré.

Fig. 2.9 – As marés, como resultado da atração Gravitacional da Lua.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

15 of 53 22/02/2010 10:46

Page 16: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Devido a órbita da Lua em torno da Terra, e mesmo pela órbita da Terra em torno doSol, as marés tem uma natureza cíclica. O resultado é que as marés causam atrito em todosos constituintes da Terra: magma, crosta, oceanos. Com esse atrito há dissipação de energiacinética de rotação, resultando na diminuição da taxa de rotação da Terra em torno de seu eixocomo um todo, a uma taxa de 1,5 milisegundos/dia/século. O mesmo aconteceu com a Lua,que foi diminuindo a sua taxa de rotação até que o seu período de rotação ficasse igual aoperíodo de revolução em sua órbita em torno da Terra, de cerca de 28 dias. De fato, numfuturo distante, o período de rotação da Terra tenderá a igualar-se com o período orbital daLua, e ambos tenderão a diminuir ainda mais a sua taxa de rotação, igualando no final seuperíodo de rotação com o período orbital da Terra em torno do Sol, devido a maré causadapelo Sol. 2.3 Variação de Coordenadas Devido a Precessão e Nutação Assim como os constituintes de nosso planeta apresentam um caráter até certo ponto“fluido”, resultando no fenômeno da marés, não podemos esquecer que o planeta acima detudo apresenta características de um corpo rígido. Assim, o mesmo desbalanço gravitacionalresponsável pelo fenômeno das marés, aplicado a um corpo rígido em rotação causa umtorque que faz com que o eixo de rotação, antes fixo, gire. Quando consideramos as atraçõesgravitacionais de vários corpos, como o Sol, a Lua e os planetas, percebemos que o resultadofinal no giro do eixo de rotação no espaço é a soma dos vários torques. Esse resultado final,entretanto, costuma ser apresentado na forma de um somatório de várias componentes, cadauma com amplitudes e períodos cada vez menores.

A Terra orbita o Sol num plano denominado de Eclítica. A projeção para cima, de umanormal a Eclítica, define o polo norte da Eclítica (PNE). O eixo de rotação da Terra forma umângulo de aproximadamente 230 27’ com o PNE. Este ângulo é chamado de obliquidade daEclítica. É o mesmo ângulo formado entre a Eclítica e o Equador da Terra, projetado noespaço. As componentes mais importantes do torque gravitacional gerado por Sol, Lua eplanetas no eixo de rotação da Terra, são chamadas de Precessão e de Nutação. As Figs.10a,b ilustram de forma qualitativa o giro do eixo de rotação, segundo a Precessão, e o efeitoassociado a Nutação. Na precessão, o eixo de rotação da Terra gira em relação ao PNE, deforma a descrever um cone completo com ângulo de vértice igual a obliquidade da eclítica, acada 26 mil anos. Se imaginarmos uma linha representando a interseção entre a Eclítica e oEquador, esta linha dá um giro completo de 26 mil anos devido a precessão, movendo-se auma velocidade de 51” por ano. É a Linha dos Equinócios.

Fig. 2.10a – O fenômeno da Precessão. Aqui, PN = polo norte.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

16 of 53 22/02/2010 10:46

User
Highlight
User
Highlight
User
Highlight
Page 17: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.10b – Nutação. PNE = polo norte da eclítica (plano orbital da Terra ao redor do Sol)

A nutação tem como período principal o de 18,6 anos, com amplitude máxima de 9”,2

em relação ao PNE, e de 17”,2 de atraso ou adiantamento na direção da precessão.

Fig. 2.11 – Hiparco de Nicea e a descoberta da Precessão.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

17 of 53 22/02/2010 10:46

User
Highlight
User
Highlight
Page 18: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

A existência da precessão foi primeiramente levantada por Hipparcos, em 129 A.C. A Fig. 2.11 ilustra como. A técnica mais precisa da época, para medir a posição de uma estrela,era usar eclipses lunares e determinar a distância angular entre a estrela e a Lua. Usandocomo origem do sistema de coordenadas a linha dos equinócios, media-se com facilidade alongitude do Sol no plano da Eclítica (deduzida pela época da observação no ano). A longitudeda estrela era deduzida a partir das medidas entre a Lua e estrela, porque nos eclipseslunares, a longitude da Lua era dedutível: igual a do Sol mais 1800. E mais, para astros fixoscomo estrelas, a longitude teria que ser sempre a mesma. Timocharis havia medido com essatécnica a longitude de Spica, e encontrou em 273 A.C., L=1720. Hipparcos, remedindoobservações daquele astrônomo grego, encontrou L=1740. A diferença de 2 graus não podiaser explicada por movimento próprio da estrela, erros de medida ou de cálculo. A únicaconclusão plausível era a de que a Linha dos Equinócios retrocedeu 2 graus em 144 anos.Era constatada a existência da precessão. Somente em 1748, o astrônomo inglês Bradleyconstatou a Nutação ao observar variações comuns nas coordenadas aparentes das estrelas.A Fig. 2.12 ilustra um exemplo desse efeito na ascensão reta e declinação de Gama Draconis.

Fig. 2.12 – Bradley e a descoberta da Nutação. 2.4 Variação de Coordenadas Devido ao Movimento do Polo Devido a movimentos e deformações da crosta terreste, a longitude e latitude terrestresou geográficas de um lugar podem sofrer variações. Visualmente, o fenômeno tem o efeito defazer parecer com que o eixo de rotação da Terra, apesar de fixo em relação ao espaço(aproximação válida para curtos períodos de tempo), parecer “furar” o solo em pontosdiferentes, como se estivesse a deriva. Somente a posteriori a magnitude do efeito pode serconstatada e corrigida. O efeito é importante na relação entre sistemas de coordenadasterrestres (ou geográficos) e sistemas de coordenadas celestes. A Fig. 2.13 exemplifica ofenômeno.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

18 of 53 22/02/2010 10:46

User
Highlight
User
Highlight
User
Highlight
Page 19: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.13 – Movimento dos polos. 2.5 Variação de Coordenadas Devido ao Movimento Orbital da Terra

Fig. 2.14 – Representações do plano orbital da Terra, a Eclítica, no espaço ena representaçãoem Esfera Celeste (ver mais tarde uma definição de Esfera Celeste).

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

19 of 53 22/02/2010 10:46

Page 20: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

A Terra orbita o Sol, a uma distância média de 1 U.A., numa trajetória aproximadamente

circular (é, a rigor, uma elipse), num período de aproximadamente 365,25 dias solares, isto é,passam-se aproximadamente 365,25 dias solares para a Terra completar uma volta em tornodo Sol em relação a um ponto fixo. O plano orbital da Terra em sua órbita em torno do Sol échamado de Plano da Eclítica, ou simplesmente, Eclítica. A linha resultante da interseção doplano da Eclítica com o Plano do Equador, é chamada Linha dos Equinócios. Essa linhaaponta para dois sentidos. Um deles é o chamado Primeiro Ponto de Aires ou Equinócio Vernal(g). Veja a Fig 2.14.

As estações do ano, ao contrário do que é muitas vezes propalado erroneamente em

alguns livros texto, não são causadas pela variação na distância da Terra ao Sol. A causa é oresultado da conjugação do movimento de translação da Terra em torno do Sol com ainclinação do eixo de rotação da Terra em relação a Eclítica (Obliquidade da Eclítica, deaproximadamente 230,5. As configurações para Verão, Inverno, Primavera e Outono sãoauto-explicativas, conforme mostrado na Fig. 2.15.

Fig. 2.15 – Estações do ano. Que provas temos de que o movimento orbital é efetivamente da Terra ao redor do Sol,e não o contrário? Há duas constatações que provam que de fato é a Terra que orbita o Sol.São efeitos mensuráveis, causados por esse movimento orbital, que ocasionam variações naposição aparente das estrelas. Esses efeitos recebem o nome de paralaxe anual e deaberração anual. 2.5.1 Paralaxe Anual De fato, se considerarmos a posição de uma estrela vista da Terra em um dadoinstante, e 6 meses depois, verificamos que ela não é a mesma, em relação a um ponto fixo(ponto fixo que pode ser, por exemplo, outra estrela bem mais distante). Isto não poderiaacontecer se fosse a Terra o centro do Sistema Solar, com o Sol girando em torno dela.Somente a órbita da Terra ao redor do Sol explica essa variação. A diferença angular na

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

20 of 53 22/02/2010 10:46

Page 21: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

posição da estrela num dado instante e 6 meses depois recebe o nome de paralaxe anual.Falaremos sobre isso de novo no Capítulo 5, pois é com medidas de paralaxe anual que sedetermina de forma a mais independente possível, a distância de um astro. Nenhuma estrelapossui paralaxe maior que 1”, sendo o valor típico em geral bem menor. O efeito é ilustrado naFig. 2.16.

Fig. 2.16 – Distância de uma estrela medida pela paralaxe. 2.5.2 Aberração Anual Em 1728, o astrônomo Inglês Bradley observou outro tipo de variação na posição dasestrelas, que dependia da época do ano em que fossem observadas. O efeito fazia com que aposição de todas as estrelas aparentemente se deslocassem na direção de um mesmo pontono espaço, que era, na verdade, a direção para a qual a Terra se movia. O efeito é análogo aoque observamos dentro de um carro em movimento, quando chove. Os pingos pareceminclinados, mas se paramos o carro, verificamos que os pingos caem na horizontal. Mudançade ventos? Não. A explicação está na relação da direção de um ponto observado, quando nosencontramos em um referencial parado e em um referencial em movimento.

Fig. 2.17a – O fenômeno da Aberração anual.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

21 of 53 22/02/2010 10:46

Page 22: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Novamente, aqui, se a Terra estivesse imóvel, tal fenômeno não poderia ser observado. Alémdisso, conforme Bradley demonstrou, a direção do desvio relacionava-se diretamente com adireção da velocidade orbital que a Terra teria em uma órbita ao redor do Sol. A essefenômeno de variação na posição aparente dos astros, dá-se o nome de aberração anual. Oefeito é tal que as estrelas, em verdade, parecem descrever no céu, durante o ano, um círculocom a forma perfeitamente proporcional a órbita da Terra (elas descrevem, a rigor, uma elipse,já que a órbita da Terra ao redor do Sol não é perfeitamente circular). As Figs. 2.17a,b ilustramo efeito. Seu tamanho é da ordem de 0”,3.

Fig. 2.17b – Efeito da Aberração anual na posição aparente de uma estrela. 2.6 Movimento do Sol na Galáxia Todas as estrelas de nossa Galáxia orbitam o centro de massa, localizado em algumponto próximo ao centro geométrico da Via-Láctea. O Sol não é exceção. Distante cerca de8Kpc do centro galáctico, estima-se que ele dê uma volta completa ao redor da Galáxia a cada250 milhões de anos, próximo ao plano galáctico.

Fig. 2.18 – O Sol orbitando nossa Galáxia.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

22 of 53 22/02/2010 10:46

Page 23: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

A velocidade orbital das estrelas da Galáxia segue um padrão tal que é mais intensano bojo (seu centro) em menos pronunciada nos braços, havendo um ponto máximo, a partirdo qual se distingue o bojo do disco.

Fig. 2.19 – Rotação diferencial da Galáxia. É preciso lembrar que o movimento da Terra “não pára por aí”. A nossa Galáxia estáinserida, e orbita o centro de massa, de um grupo local de Galáxias, compreendendodistânicas da ordem de Mpcs. Este grupo, por sua vez, orbita o centro de massa de um super-aglomerado bem maior, compreendendo dezenas de Mpcs, e assim sucessivamente. A medidadesses movimentos torna-se menos precisa, a medida em que as variações nas posiçõesdesses objetos é cada vez menor, forçando o emprego de métodos indiretos de detecçãodesses movimentos. 2.6.1 Sistema de Coordenadas Galácticas

Para as coordenadas galácticas, o plano principal é definido pelo plano do disco da ViaLáctea (nossa Galáxia é uma espiral, provavelmente barrada). A origem é dada pela direção docentro galáctico, que se encontra na Constelação de Sagitário (veja Fig. 2.20). Este sistema éutilizado normalmente em Astronomia Extragaláctica (como no estudo do grupo local degaláxias, no qual a Via Láctea e a Galáxia de Andrômeda são seus membros principais) ou emproblemas ligados à nossa Galáxia como um todo (por exemplo, o movimento das estrelas dodisco da Via Láctea).

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

23 of 53 22/02/2010 10:46

Page 24: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.20 – Sistema de Coordenadas Galácticas. O astro M tem coordenadas longitudegaláctica (l) e latitude (b). O ponto N é a intersecção do plano galáctico com o equador celeste(o nodo), C.G. é a direção do centro da Galáxia (que fica na constelação de Sagitário) e i é a

inclinação do plano galáctico em relação ao equador celeste.

2.7 Relação Entre Sistemas de Coordenadas Como dissemos, existem outros sistemas de coordenadas, mais úteis que os aquiapresentados, de acordo com o problema astronômico abordado. Por exemplo, existe oSistema de Coordenadas Elípticas, onde o plano fundamental é, no lugar do Equador Celeste,o plano da Eclíptica. Este sistema é particularmente útil no estudo do movimento dos planetase de corpos do sistema solar que orbitam o Sol. Outro é o Sistema Horário de Coordenadas,muito similar ao Equatorial Celeste, mas onde no lugar da Ascensão Reta, a posição é medidaem função do chamado Ângulo Horário, que mede a distância angular do astro ao meridianodo observador. Na maioria dos telescópios de hoje, para apontá-lo em direção ao objeto que se querobservar, basta introduzir as coordenadas Ascensão Reta e Declinação nos círculos graduadosdo instrumento, ou eventualmente o Ângulo Horário. Muitos telescópios, automatizados,dispensam uma interferência direta do observador no instrumento, bastando fornecer porcomputador as coordenadas (a,d), que o mesmo se encarrega de acionar os motores e apontaro telescópio na direção desejada. Foge ao nosso escopo neste Curso, demonstrar, e mesmo mostrar, as relaçõesmatemáticas, ou fórmulas, que relacionam as coordenadas de um astro, dadas segundo doisou mais distintos sistemas de coordenadas. Essas relações são obtidas por TrigonometriaEsférica, ou ainda, de forma mais intuitiva, por Rotação de Matrizes. Por outro lado, falemos de um importante aspecto que relaciona o Sistema deCoordenadas Geográficas (latitude e longitude terrestres), o Sistema Altazimutal e o Sistemade Coordenadas Equatoriais Celestes.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

24 of 53 22/02/2010 10:46

Page 25: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 2.21a – Movimento diurno e a visibilidade das estrelas. N = ponto cardeal norte, S = pontocardeal Sul, Z = Zênite, PN = polo norte, PS = polo sul. O plano da figura é o plano do

meridiano do lugar.

A Fig. 2.21a ilustra o movimento diurno de estrelas para um observador no HemisférioSul. Podemos tecer interessantes conclusões a respeito dessa figura, que relaciona diversosaspectos ligados aos 3 sistemas de coordenadas supracitados. Por exemplo, se medirmos aaltura h do polo sul (PS), obtemos a latitude geográfica f do observador. O PS é o poloelevado porque o observador encontra-se no Hemisfério Sul. Polo elevado é um pontorelativamente simples de ser caracterizado, pois o movimento diurno faz com que todos osastros movam-se ao seu redor na esfera celeste (veja a Fig. 2.21b).

Fig. 2.21b – Visão da cúpula do telescópio de 1.60m do LNA, Itajubá, MG.A foto foi feita a noite, com horas de tempo de exposição.

O plano da Fig. 2.21a é o plano do meridiano do lugar, ou simplesmente meridiano do

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

25 of 53 22/02/2010 10:46

Page 26: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

lugar, pois contém o Zênite e o polo elevado. Se medirmos a altura h de um astro quandoesse cruza o meridiano do lugar, em seu movimento diurno, obtemos a Declinação d doastro. Pergunta: qual é a fórmula que relaciona a altura h do astro, a latitude geográfica f ea Declinação d do astro na sua passagem pelo meridiano do lugar? (Resolva comoexercício). Mais ainda, o próprio meridiano do lugar define os pontos cardeais Norte, Sul, Lestee Oeste de um observador. Os pontos cardeais norte e sul resultam da intersecção doMeridiano do Lugar e do Horizonte com a Esfera Celeste, sendo o ponto Norte aquelevoltado para o lado do Polo Norte, e o ponto Sul aquele voltado para o lado do Polo Sul. Ospontos Leste e Oeste são definidos a partir de linhas perpendiculares a linha Norte-Sul.Pergunta: o Sol sempre nasce no ponto cardeal Leste e sempre põe-se no ponto cardealOeste? (responda como exercício). Ainda analisando a Fig. 2.21a, podemos notar que, para um dado observador a umadada latitude geográfica f qualquer, nem todas as estrelas ficam visíveis. No exemplo dafigura, a partir de uma dada declinação d, nenhuma estrela ao norte do equador é visível. Poroutro lado, dentro de uma certa faixa de declinações, no Hemisfério Sul Celeste, próximas aopolo elevado, no caso o polo Sul, todas as estrelas dessa faixa ficam visíveis: são as estrelascircumpolares. Numa situação intermediária, há ainda aquelas estrelas que permanecemvisíveis por um determinado período, e invisíveis no outro. Pergunta 1: Dada a latitudegeográfica f de um local, deduza expressões para determinar quando uma estrela écircumpolar, e quando é invisível, em função de sua declinação d. Pergunta 2: comodeterminar a latitude f de um lugar observando a passagem meridiana de estrelascircumpolares? (dica: use a altura h no problema). (Responda como exercício).

Fig. 2.21c – Duração do dia claro.

É interessante notar o movimento diurno do Sol, no decorrer do ano. Em função dainclinação do eixo de rotação da Terra, o Sol cruza o meridiano do lugar em diferentes pontosao longo do ano. A Fig. 2.21c ilustra isso, para o Verão, Inverno e estações da Primavera eOuntono. O fato de o Sol cruzar o meridiano do lugar em pontos distintos, faz com que a

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

26 of 53 22/02/2010 10:46

Page 27: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

duração do dia claro (Sol acima do Horizonte) seja diferente. No Verão, é maior o período deiluminação, ao passo que no inverno, é maior a noite. Para saber se uma estrela é ou nãoobservável em uma data e instante qualquer, é fundamental saber se ela está acima doHorizonte, à noite. Isso é possível, usando as expressões de visibilidade que você deduziu noproblema anterior, estabelecendo os instantes de nascer e ocaso da estrela para a data, efinalmente, descobrindo se o Sol está abaixo do Horizonte no instante dado. 3. TEMPO Evitaremos falar aqui de Tempo como conceito filosófico. Em Astronomia, o Tempo valemais pela sua materialização em escalas, de preferência uniformes, dentro do escopo daMecânica Newtoniana. Em relação a essas escalas, medimos outras grandezas de interesseastrofísico. Cada escala de tempo é definida segundo as características de seus elementospadrão: origem, época, data, instante, intervalo de tempo, unidade, mecanismos decontagem. A Fig. 3.1 descreve de forma intuitiva a relação entre esses elementos.

Fig. 3.1 - Escalas de tempo e seus elementos padrão: origem, época, data, instante, intervalode tempo, unidade, mecanismo de contagem.

Um simples relógio com seus ponteiros é um exemplo de elemento de contagem.Porém, em Astronomia, o mecanismo clássico de contagem é fornecido pela observação dasposições aparentes das estrelas e do Sol no céu. Em particular, o Sol e a noção do dia claro edo dia escuro, fornecem a primeira unidade de tempo que a Humanidade adotou. Veja asvárias definições de dia na Fig. 3.2.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

27 of 53 22/02/2010 10:46

Page 28: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 3.2 – Várias definições de dia. Nas seções seguintes, serão apresentadas agora, de forma sucinta, as maisimportantes escalas de tempo usadas na Astronomia. Alguns elementos relativos a suadefinição, como dia solar e dia sideral, já foram dadas e serão reforçadas. O estudante deveter em mente que, como objetivo final, essas escalas de tempo buscam ser uniformes namedida do possível, e ser reproduzíveis em quaisquer condições de observação astronômica.Em geral, elas estão associadas ao movimento de rotação da Terra, em relação a algum pontode referência, como estrelas ou Sol. Para torná-las práticas ou compatíveis com a cultura civil,muitas vezes convenções artificiais são adotadas. Veremos ao final que, devido a precisão domecanismo de contagem, hoje em dia o melhor padrão uniforme de tempo é o dado pelosrelógios atômicos. 3.1 Tempo Solar Essa escala de tempo depende da rotação da Terra, e tem como referência o Sol. Aunidade de tempo, o dia solar, é definido pelo intervalo de tempo entre duas passagensconsecutivas do Sol pelo meridiano de um lugar (ver Fig. 3.3a).

O tempo civil como o conhecemos está de forma indireta relacionada a essa escala detempo, usando-se um Sol médio como ponto de referência, isto é, um Sol artificial que, seexistisse, equivaleria a uma Terra ideal orbitando esse Sol num círculo perfeito. Quando o Solmédio passa pelo meridiano do lugar, é meio dia. À diferença entre o tempo solar verdadeirolocal (TQVL) e o tempo solar médio local (TQML) dá-se o nome de Equação do Tempo (Fig.3.3b). A forma dela reflete as diferenças na velocidade orbital da Terra em sua órbita ao redordo Sol, e a inclinação do eixo de rotação com o plano orbital (Eclítica).

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

28 of 53 22/02/2010 10:46

Page 29: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig 3.3a – Tempo Solar

Fig. 3.3b – Equação do Tempo. 3.1.1 Fusos Horários A Hora Legal, também denominada Tempo Legal (TL) está baseada no padrão detempo solar médio. Ela é igual ao TQML de meridianos bem definidos, distribuídos de modo aformar os 24 fusos horários da Terra (veja as Fig. 3.4a e b). Ela vem da necessidade de ospaíses estabelecerem sua hora de acordo com sua conveniência, mas respeitando convençõesque viabilizam, entre outras coisas, o transporte aéreo, marítimo e terrestre entre as nações.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

29 of 53 22/02/2010 10:46

Page 30: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 3.4a – Hora Legal e Fusos horários.

Fig. 3.4b – Hora Legal e Fusos horários nomundo e no Brasil.

O Tempo Universal (UT, de “UniversalTime” em inglês), assim chamado, é a HoraLegal, ou Tempo Legal TL, exatamente nomeridiano de Greenwhich, de modo que emoutro fuso horário qualquer, UT=Fuso+TL.3.2 Tempo Sideral

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

30 of 53 22/02/2010 10:46

Page 31: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 3.5a – Tempo Sideral.

Fig. 3.5b – Relação entre Tempo Sideral e Tempo (Hora) Legal O Tempo Sideral também é baseado na rotação da Terra, mas tendo como ponto dereferência um ponto fixo no espaço. No lugar de uma estrela, que pode ter movimento próprio,esse ponto fixo é o Ponto Vernal (veja a Fig. 3.5a). Da mesma forma que com o Tempo Solar,aqui temos o tempo sideral verdadeiro (TSV) e o tempo sideral médio TSM. Porém, ossignificados mudam: o TSV está associado ao Ponto Vernal propriamente dito, que na verdademove-se no espaço por causa da Precessão e Nutação, principalmente, ao passo em que oTSM é associado a um ponto que corresponde a direção do Ponto Vernal, se apenas o termoconstante da Precessão fosse considerado. Se o Meridiano local for o de Greenwhich, temosTSVG e TSMG, analogamente a nomenclatura do Tempo Solar. A Fig. 3.5b mostra a relaçãolinear que existe entre a marcha de Tempo Solar e a de Tempo Sideral médios (veja a

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

31 of 53 22/02/2010 10:46

Page 32: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

discussão de dia solar e dia sideral na página 14, Fig. 2.7). 3.3 Tempo das Efemérides e Tempo Dinâmico

Já nos anos 20 ficou claro que a escala de tempo baseada no dia solar ( e mesmo nodia sideral) sofria de muitas irregularidades, devido à rotação terrestre, principalmente devido àdiminuição progressiva da velocidade de rotação da Terra, causada pelos efeitos de maréluni-solar. A necessidade de uma escala mais uniforme levou ao desenvolvimento do Tempodas Efemérides (ET) nos anos 40 e sua adoção em 1952, baseada nas equações demovimento dos planetas e da Lua. Para tanto, foi introduzido um fator de conversão entre oTempo Universal UT e o Tempo das Efemérides ET (do inglês “Ephemeris Time”), tal queDET = ET-UT, valor esse de ano em ano publicado.

O Tempo Dinâmico (TD) é a variável independente que aparece nas equações demovimento dos corpos celestes. Na Física Newtoniana, a escala de Tempo Dinâmico éabsoluta, invariante para qualquer observador, e confunde-se com o Tempo das EfeméridesET. Contudo, segundo a teoria da relatividade, o Tempo Dinâmico depende do sistema decoordenadas utilizado. Assim, defini-se o Tempo Dinâmico Terrestre, TDT, referente à Terra, eo Tempo Dinâmico Baricêntrico, TDB, referente ao baricentro do sistema solar(aproximadamente o centro do Sol). A menos que se queira uma precisão muito alta (melhorque um milisegundo), podemos admitir que TDT = TDB = TD. 3.4 Tempo Atômico

A definição do sistema de Tempo Atômico (TAI, de Tempo Atômico Internacional) nãoestá relacionado à Astronomia, mas sim à Física atômica. O tempo atômico é baseado em umatransição hiperfina do Césio-133 (veja o esquema da Fig.3.6). Desde 1972, o TAI é utilizadooficialmente como escala de tempo padrão, a partir da qual as outras escalas de tempo podemser derivadas. A grande vantagem do TAI sobre o Tempo Dinâmico é que o TAI não dependeda análise das observações dos movimentos dos astros e pode ser obtido imediatamente. Alémdisso, o TAI é determinado com uma precisão de 10-12 segundos, podendo num futuropróximo chegar a 10-14 segundos. Em 1972, quando foi introduzido, a relação entre o TAI e oTempo das Efemérides, ET, foi fixada da seguinte forma: ET = TAI + 32s,184 (atualmente,utilizamos TD = TAI + 32s,184). Desta forma, a escala ‘TAI + 32,184’ pode ser consideradacomo uma extensão da escala baseada no Tempo das Efemérides. Finalmente, é importantenotar que o segundo do tempo atômico foi definido de forma a ser idêntico a fração1/31.556.925,9747 do ano trópico de 1900. Isto é, um segundo do TAI foi fixado de forma a seridêntico ao segundo médio medido em 1900, de acordo com a definição do segundo doSistema Internacional feita em 1956. Esta definição do segundo tem uma consequênciaimportante quando comparado com o segundo baseado na rotação da Terra (em TempoUniversal), como veremos a seguir.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

32 of 53 22/02/2010 10:46

Page 33: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 3.6 – Padrão de frequência de relógio atômico, baseado no átomo de Césio. 3.5 Tempo Universal Coordenado

Fig. 3.7 – Relações entre as escalas de tempo uniformes TE, TD, TAI e UCT.

A partir do Tempo Atômico Internacional, definiu-se o Tempo Universal Coordenado,UTC (do inglês “Universal Time Coordenated”). UTC é simplesmente TAI mais um númerointeiro de segundos, de modo a que a diferença entre UTC e UT1 (UT1 = UT + correções domovimento do polo que afetam a taxa do UT), não seja nunca superior a um segundo. Adiferença entre UT1 e UTC (ou TAI) é simplesmente devido a frenagem da rotação da Terra edas definições de segundo no TAI e no UT. Como vimos, esta desaceleração é de 1,5milissegundos por dia por século, atualmente. Este efeito é muito pequeno e só tem um efeitonotável em intervalos de tempo geológicos. Pergunta: quantos anos levaria para que a Terra

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

33 of 53 22/02/2010 10:46

Page 34: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

girasse em torno do seu eixo no mesmo período de tempo que a Lua leva para orbitar aTerra, isto é, 28 dias? (Resolva este exercício).

Além do mais, é muito provável que a frenagem era mais importante no passado, que

hoje. Contudo, atualmente o dia medido em Tempo Universal ganha cerca de 0,002 segundos(de TAI) por dia. Este efeito é cumulativo e a cada 400–500 dias (ou um ano e meio)aproximadamente, a diferença entre UT1 e UTC chega a um segundo. Disto, vem anecessidade da introdução de um segundo a mais no ano. Este segundo é chamado segundointercalar (em inglês, “leap second”). Por convenção, o segundo intercalar é sempre somado aoúltimo segundo do mês de Junho ou Dezembro, quando necessário (ver Fig. 3.7).Curiosamente, não temos “leap second” desde 1999, como era de se prever, o que significaque as irregularidades na taxa de rotação da Terra foram mínimas. 3.6 Calendários

O primeiro conceito de tempo do homem, e o mais natural de todos, é o passar dos diase noites. Também é dos primórdios da humanidade o conhecimento do mês lunar, que se dácom o retorno sucessivo das fases lunares. Mais tarde, em função de necessidades religiosassurgiu o conceito de semana. O conhecimento do ano solar foi uma necessidade do homem,quando se tornou sedentário e passou a cultivar a terra. Precisava, então, prever as estaçõesde chuva de seca, frio e calor, para corretamente plantar e colher.

Assim, foram então estabelecidos os calendários. Dentre os calendários históricos, osmais importantes foram o do Egito, o da Babilônia e o da Grécia. O calendário egípcio erasomente solar, já que as preocupações desta nação eram em estabelecer corretamente asépocas de inundação do Nilo, de semeadura e de colheita. O calendário babilônico eraluni-solar, tendo 12 meses regidos pelas fases da lua e um décimo terceiro mês em algunsanos para se manter a correspondência com as estações do ano. O calendário grego eratambém luni-solar e a inclusão do décimo terceiro mês se dava baseada nos estudos deMeton, que viveu em Atenas por volta de 430 AC, e que verificou por meio de observações queem 19 anos solares a lua nova voltava a ocorrer nas mesmas datas.

Os calendários modernos são o calendário Juliano e o Gregoriano. O Juliano foiestabelecido por Julio César em Roma no ano 46 AC e estabelecia o ano de 365 dias com ainclusão de um dia a mais a cada quatro anos, o chamado ano bissexto. O Gregoriano foiestabelecido pelo Papa Gregório XIII em 1582, para acertar a data da páscoa em relação aoano tropical, uma vez que o ano tropical tem 365,242199 dias solares, sendo ligeiramenteinferior a 365,25 que é o valor médio do ano Juliano. Assim, houve uma correção de dez diasem outubro de 1582. Isto é, ao dia 4, uma quinta-feira, seguiu-se a sexta-feira dia 15. Alémdisto, a partir de então, ficou estabelecida a diminuição de três dias a cada quatro séculos daseguinte forma: o ano final dos séculos, cujo número for divisível por quatro, será ainda assimconsiderado normal, em vez de bissexto, exceto na virada dos milênios. O ano Gregoriano temem média 365,2425 dias, sua diferença para o ano tropical é de um dia a cada 3322,2 anos.

Como os anos não tem sempre o mesmo tamanho, para se fixar instantes separadospor grandes intervalos de tempo, os astrônomos, por sugestão de Joseph Scaliger (1540 –1609), introduziram o chamado Período Juliano. O período juliano tem seu início fixado às 12horas do dia 1o de janeiro de 4713 AC. A partir de então, é calculada dia a dia, a Data Juliana.A Data Juliana 2.451.545 tem seu início às 12 horas do dia 1o de janeiro de 2000. O séculoJuliano é um período de 36.525 dias julianos.

Os egípcios dividiram o dia, do nascer ao ocaso, inicialmente em quatro partes e mais

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

34 of 53 22/02/2010 10:46

Page 35: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

tarde em doze horas. A noite não era dividida. Os romanos dividiram a noite em quatro vigíliasde modo a estabelecer as trocas de guarda. Na medida em que os relógios foram adquirindoprecisão, foi que se tornou possível dividir a hora em minutos, e mais tarde, no segundominuto, ou simplesmente em segundos, como hoje o designamos. Essa notação hexadecimalpara o tempo, que já era adotada para as coordenadas angulares, vem dos Babilônios. 4. CATÁLOGOS ASTROMÉTRICOS Desde que a Humanidade se reconhece como tal, isto é, há mais de pelo menos 10 milanos, o Homem necessitou de referências geográficas e de maneiras para contar a passagemdo tempo, para sobreviver no seu dia a dia. Com a necessidade de exploração de novosterrenos e rotas de migração, pelos nossos ancestrais primatas, o Homem aprendeu aassimilar aspectos do relevo, por exemplo, e aprendeu a contagem do tempo pela noção dedia claro e da noite. Aos poucos e continuamente, foi desenvolvendo e aprimorando seusmapas com a concepção de sistemas de referência espaciais e temporais, cada vez maisabstratos. O grau de sofisticação dos mesmos era suficiente para atender as necessidades decada época do desenvolvimento de cada civilização. Interessante notar que, nesse contexto, o uso do céu como sistema de referência, foiuniversal, aparecendo em todas as civilizações da História, independentemente do grau decomplexidade das mesmas (Fig. 4.1). Com suas configurações de estrelas tão familiaresquanto eternas, acessíveis em qualquer lugar do globo, do polo norte ao polo sul, não era océu um mapa perfeito? Um perfeito sistema de referência? Para onde quer que o Homemmigrasse, principalmente nas longas distâncias, a atenção à localização no céu dasconstelações, ou mesmo à estrelas em particular, sempre seria um guia seguro. No decorrerdo ano, a mesma atenção permitia ao Homem prever a chegada das estações, conferindo-lheentão um sistema de contagem de tempo cíclico de escala mais longa – os primórdios denosso calendário.

Fig.4.1 – Registros de sistemas de referência baseados na observação do céu,presentes em diversas civilizações antigas, no oriente e no ocidente.

4.1 Catálogos de Posição - Histórico Na Fig. 4.1, mapas rudimentares, representativos de objetos celestes como Lua, Sol eplanetas, ilustram as primeiras tentativas de registrar a localização de astros no céu. Assimcomo os mapas geográficos do Homem moderno, as representações das estrelas pelasconstelações, um dia representaram um elemento importante na História da Civilização (Fig.4.2).

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

35 of 53 22/02/2010 10:46

Page 36: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig.4.2 – Ilustração de carta celeste “Uranometria” de Bayer, 1603.

Cerca de 4mil anos A.C., começaram a ser produzidas as primeiras tabelas composições de estrelas, planetas, Sol e Lua, pelas civilizações da China, da Arábia e pelosGregos. Essas tabelas eram grifadas em pedras ou material durável, e representam um marco.Pela primeira vez o Homem explicitamente demonstra a importância na perpetuação edisseminação dos registros da posição de astros no céu. Essas tabelas são os primórdios doque hoje chamamos de catálogos astrométricos de posição. A Tabela 4.1 resume essasprimeiras tentativas bem sucedidas de registro da posição de corpos celestes.

Tabela 4.1 - Primeiras tentativas de registro de posição de corpos celestes.Britânicos – 4000 AC (Stonehenge)Assírios – 3000 ACBabilônios – 3000 AC (movimento da Lua e planetas, sistema sexagesimal)Egípcios – 3000 AC (posição de Polaris)Chineses – 700 AC (cometas, meteoros e meteorítos)Gregos – 650 AC (Timocaris,Tales, Pitagoras, Aristoteles, Heraclides, Aristarco)Hiparco – 150 AC – 850 estrelasPtolomeu – 150 (DC) – Almagesto – 1030 estrelasChineses – 185, 393, 1006, 1054, 1181, 1572, 1604 (supernovas)Hindus – 700 (sistemas de coordenadas)Maias – 750 (calendários)Árabes – 1000 (efemérides de planetas)Astecas – 1300 (Vênus)Persas – 1400 (Beg Ulugh, observações meridianas – Al Sufi, catálogo sul)Firmicus – 1499 – Aidus Manutius Com relação a Tabela 4.1, é digno de nota a introdução do sistema sexagesimal dosBabilônios, seguido pelos Gregos e até hoje empregados nos sistemas de medida angulares ede tempo, em particular nos sistemas de coordenadas espaciais e de medida de tempoastronômicos.

A contribuição de Hiparco de Nicea, cerca de 150AC, é também reconhecida. Ele fez

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

36 of 53 22/02/2010 10:46

Page 37: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

muitas contribuições no sentido de estabelecer elementos padrão para facilitar a descrição daposição das estrelas no céu. Por exemplo, demonstrou a utilidade do uso de um elemento quefica relativamente fixo no céu, uma linha imaginária definida pela trajetória aparente do Sol edos planetas no céu. Também descobriu a Precessão dos Equinócios. (Veremos estesfenômenos, e a definição de outros elementos geométricos projetados no céu, mais adiante). Finalmente, Ptolomeu em 150DC publica o Almagesto, um compêndio que tem comomaior valor a tentativa do ilustre pensador em sintetizar e sistematizar o conhecimento daépoca. A posição de cerca de 1000 estrelas as mais brilhantes do céu, já era conhecida comprecisão da ordem do grau. Esta pouca precisão devia-se ao uso de instrumentos muitorudimentares e à pouca sistematização das observações, mas era suficiente para as demandasda época. Curiosamente, como mostra a Tabela 4.1, muitas civilizações orientais tambémtrabalharam no sentido de valorizar o registro da posição de estrelas em tabelas, e mesmocivilizações na América produziram artefatos que serviam como registro astronômico e comocalendário. A partir dos anos 1300, com as primeiras sementes do Renascentismo sendoplantadas na Europa, e com os primeiros passos sendo dados em direção a Era das GrandesNavegações, a Astronomia deu um grande salto no sentido de produzir tabelas de posiçõescada vez mais precisas, e instrumentos cada vez melhores. Isso era necessário, para senavegar grandes distâncias até um porto seguro, sem errar muito na sua localização. A partirdaí, a demanda por posições de estrelas mais precisas nunca parou. Ela resultou não só nodesenvolvimento de instrumentos cada vez mais robustos e mais precisos, como tambémacarretou em toda uma mudança nos padrões de sistemas de coordenadas e na sistemáticadas observações. E principalmente, demandou novas teorias sobre a dinâmica dos corposcelestes. A Tabela 4.2 ilustra as principais contribuições deste período de mudanças profundasna Astronomia.

Tabela 4.2 - Posições de corpos celestes no começo da Renascença.Tycho Braher – 1598, criação do sextanteBayer – 1603, UranometriaKepler – 1606, De Stella Nova, heliocentrismo, leis do movimentoplanetario

Tycho Braher teve como mérito principal a idealização e confecção de novos e precisosinstrumentos de medida da posição de estrelas e planetas no céu. Dentre eles, temos porexemplo o enorme Círculo Vertical de mais de 27m de diâmetro. As medidas da época eramprecisas ao nível do minuto de arco. A forma sistemática de observar os astros, principalmenteos cuidados em repetir as condições metrológicas e metodológicas, conferiam ao astrônomoalemão que morava na Bélgica, o título de melhor observador de sua geração. De fato, foramsuas observações de décadas dos planetas e do Sol, que permitiram a Kepler confirmardefinitivamente a Teoria Heliocêntrica de Copérnico, e ir um pouco além, postulando 3 leis demovimento planetário, as famosas Leis de Kepler. Estas leis formaram um importante anteparopara que Isaac Newton em seu Principia (1670) formulasse, com a sua a MecânicaNewtoniana, a Lei da Gravitação Universal.

Nos séculos seguintes, com os crescentes movimentos Absolutistas, além dacrescente importância da navegação em si, agora com o Mercantilismo, devemos tambémsalientar a importância da demarcação dos territórios das nações européias, seja em soloeuropeu, seja nas colônias por todo o mundo. É nesse período que se consolida o sistema decoordenadas geográficas, longitude e latitude. E esse sistema de coordenadas tem relaçãodireta com a medida da posição das estrelas e do Sol (veremos mais detalhes a respeito em

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

37 of 53 22/02/2010 10:46

Page 38: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

outra seção mais adiante). Assim, outra motivação, agora de caráter náutico-militar, surgia nosentido de se aprimorar ainda mais os sistemas de coordenadas empregados para descrever aposição das estrelas no céu. A Tabela 4.3 aponta algumas das principais contribuições daAstronomia nesse novo período.

Tabela 4.3 - Posições de corpos celestes no começo do Absolutismo.Hevelius – 1690 – FirmamentumHalley – 1712 – Southern Star CatalogFlamsteed – 1729 – Atlas CoelestisLacalle – 1752 – Table des Ascensions DroitesMessier – 1779 – Carte CelesteBode – 1801 – UranographiaWollaston – 1811 – A Portraiture of the HeavensArgenlander – 1843 – Neue Uranometria Hevelius (1690) teve o mérito de sintetizar o conhecimento da época e propor pelaprimeira vez o Sistema de Coordenadas Equatoriais, cuja concepção com características deinercialidade e de praticidade (uso em telescópios), é útil até hoje. Aqui, uma marcoimportante, digno de nota, é a contribuição do astrônomo inglês Halley (o do cometa), que pelaprimeira vez, concebe uma lista de posições (no sistema equatorial de Hevelius), que muito seaproxima do que hoje chamamos de catálogo astrométrico. Também digno de nota é suapreocupação em cobrir o céu austral, carente de observações sistemáticas. Esse problemapara a Astronomia simplesmente não existia, uma vez que os europeus não haviam colonizadoterras austrais até então. Com o também inglês Flamsteed (1729), a determinação da posição dos astroscomeça a atingir patamares de precisão nunca antes imaginados. Sua contribuição é conjugaro telescópio ao antigo círculo vertical, tornando as medidas angulares muito mais precisas, epara objetos de brilho muito mais fraco. Esse instrumento concebido por Flamsteed, ochamado Círculo Meridiano, teve emprego rotineiro até recentemente no século passado. Aprecisão atingida é da ordem de 2” (dois segundos de arco!). O astrônomo Messier também dásua contribuição, ao catalogar a posição, brilho e forma de objetos difusos, as chamadasnebulosas de Messier, na verdade cometas, nebulosas planetárias e galáxias, dando margemao aparecimento de toda uma nova Cosmologia, mais tarde. Neste período, dada a importância da Astronomia para a navegação marítima e, agoratambém terrestre (definição precisa da hora nas diversas estações das malhas ferroviárias), edado o papel da Astronomia no mapeamento do território de uma nação, começaram a sermontados os primeiros observatórios astronômicos do mundo, muitos dos quais existem atéhoje na Europa, nos Estados Unidos e nos demais continentes. É também no fim desteperíodo que definitivamente, começam a se estabelecer novas grandes áreas de estudo naAstronomia. A Astronomia tradicional, de caráter estritamente utilitário, restrita a descrição daposição aparente dos astros no céu, para fins geodésicos, náuticos e de cronologia do tempo,passa a ser denominada de Astronomia Fundamental, termo que empregamos até hoje. Poroutro lado, a Mecânica Celeste e uma nova área, a Cosmologia, surgem no cenário dasciências. É tempo dos grandes matemáticos da época começarem a dar importantíssimascontribuições e a aprofundar as consequências da Mecânica Newtoniana ao movimento doscorpos do sistema solar, tornando esse ramo da Astronomia, a Mecânica Celeste, um ramorealmente distinto. Finalmente, com o desenvolvimento dos telescópios, uma série deindagações a respeito da natureza, origem e localização de novos objetos de morfologiaintrigante (nebulosas de Messier), deu origem a um novo ramo da Astronomia, a Cosmologia.Mais tarde, já no início do século passado, essa nova Cosmologia finalmente amadurece,

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

38 of 53 22/02/2010 10:46

Page 39: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

desdobrando-se nas outras atuais grandes áreas da Astronomia: Astrofísica Estelar, Galácticae Extragaláctica. Isso se deu graças ao grande desenvolvimento da Física ao longo do séculopassado, com o advento da Espectroscopia, o desenvolvimento do Eletromagnetismo e com oestabelecimento da Mecânica Quântica e da Relatividade. Aliás, a Cosmologia como hoje aconhecemos, é agora uma grande área da Física, mas com importantes interseções com aAstrofísica Extragaláctica. 4.2 Catálogos de Posição Modernos Com o desenvolvimento instrumental vivido em fins do século 19 e início do século 20,principalmente com o advento da Fotografia, já era possível observar objetos até magnitude13. Isto envolvia basicamente estrelas e alguns poucos objetos extragalácticos, além é clarodos planetas e alguns de seus satélites naturais. Por outro lado, o desenvolvimento das novasáreas da Astronomia, particularmente a da Astrofísica Estelar, demandava o conhecimentomais completo possível do maior número possível de estrelas. Isto incluía o conhecimento nãosó do brilho aparente, mas também da posição aparente no céu, distância e movimento própriodas estrelas. É em fins do século 19 e início do século 20 que os astrônomos de todo o mundocomeçam a se organizar, fundando a conhecida União Astronômica Internacional (UAI, ou IAUdo inglês “International Astronomical Union). Nesse fórum, de caráter puramente científico,decisões são tomadas com vistas a organização de grandes projetos observacionaismultinacionais. Os projetos observacionais da UAI, traçados no início do século 20, para adeterminação das distâncias, posições aparentes e movimentos próprios para o maior númeropossível de objetos do céu, são um marco para a história da Astronomia Fundamental. Não sóos clássicos Círculos Meridianos seriam utilizados, mas agora também seriam usadostelescópios refratores especialmente desenvolvidos para a tarefa, os astrógrafos, capazes deoferecer campos fotográficos da ordem do grau quadrado, com um mínimo de distorção óptica.A idéia era materializar um rígido sistema de referência com os Círculos Meridianos clássicospor um lado, e por outro estender este sistema até o limite de magnitude do astrógrafo. Oconjunto de técnicas observacionais, instrumentais e de redução desenvolvidas para estesprojetos fez nascer dentro da Astronomia Fundamental um novo ramo, a Astrometria.

O resultado desses grandes projetos observacionais, foram sintetizados na forma doque chamamos catálogos astrométricos de posição. Distintamente de outras formas decatálogos astronômicos estelares ou de objetos de outra natureza, os catálogos astrométricoscaracterizam-se pelo extremo cuidado na obtenção da posição de seus objetos (usualmenteestrelas), isto é, caracteriza-se pelo emprego de Astrometria. Isto significa que as posições emovimentos próprios das estrelas listadas nesses catálogos é de excelente qualidade. ATabela 4.4 lista os catálogos mais importantes produzidos nesses grandes projetos formuladospela IAU (nem todos são estritamente astrométricos).

Tabela 4.4 – Catálogos de Posição - Grandes Projetos da UAI, Séculos 19/20Bonner Durchmusterung (BD) – 1860 – 325.037 estrelasCape Photographic Durchmusterung (CPD) – 1896 – 450.000 estrelasCarte du Ciel – 1890/1910 – 10.000.000 estrelasHenry Drapper (HD) – 1924 – 225.300 estrelasAGK1, 2, 3 – 1924 a 1963 – 500.000 estrelasAGKR (1, ..., 3) – 1923 a 1960Yale – 1925/1971 – 210.000 estrelasGeneral Catalog Boss – 1936 – 33.000 estrelasHamburg Sternwarfe – 1958/1975 – 265.000 estrelas

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

39 of 53 22/02/2010 10:46

Page 40: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fundamental Katalogue (FK, ..., 5) – 1923 a 1988 – 1535+3117 estrelasSmithonian Star (SAO) Catalog – 1966 – 260.000 estrelasCatalog of Nearby Stars (Gliese) – 1969 – 900 estrelas Enquanto os Catálogos BD e HD (refratores comuns) foram produzidos basicamentepara obter-se de forma padronizada as magnitudes (nas bandas do visível e do azul) dasestrelas até o limite de magnitude 13, os catálogos CPD, Care du Ciel, AGK1, Yale e Hamburg(todos com astrógrafos) serviam de base para a determinação astrométrica das posições emovimentos próprios dessas estrelas, em todo o céu. Já os catálogos GC, e principalmente osda série FK e AGKR (Círculo Meridiano), formavam a base, a materialização de um sistemafundamental de referência para ser estendido aos catálogos astrográficos. Em particular, ocatálogo SAO, muito empregado nas décadas de 60 a 80 na Astronomia, é um catálogoastrométrico de posições e movimentos próprios resultante da compilação de outros catálogosde diferentes épocas e origens instrumentais. Essa técnica astrométrica de compilação decatálogos é hoje em dia muito utilizada, principalmente para revitalizar catálogos antigosdentro de novos sistemas fundamentais de referência. Cabe ressaltar também a importantecontribuição do Catálogo de Estrelas Próximas de Gliese, onde são listadas as distânciascalculadas astrometricamente para 900 estrelas. O fato de essas estrelas estarem próximasnão é por acaso, pois a distância de uma estrela está relacionada a uma medida angularmenor que 1’’, chamada paralaxe, e em geral só pode ser obtida, com telescópios de terra,para estrelas relativamente próximas a nós (falaremos oportunamente sobre o cálculo daparalaxe mais tarde, em outra seção). Em relação a época média dos catálogos astrométricos, a precisão atingida nascoordenadas equatoriais é em geral de 0’’,05 a 0’’,10 para os catalogos fundamentais (CírculoMeridiano), e de 0’’,3 a 1’’ para os demais (astrógrafo). Embora mais precisos, esses catálogosfundamentais compreendem apenas um milhar de estrelas, ao passo que os astrográficos,embora menos precisos, são da ordem de 100 vezes mais densos de estrelas. Em relação aprecisão dos movimentos próprios, ela era de 0’’,002 por ano para os catálogos fundamentais,e de 0’’,005 a 0’’,010 por ano para os demais, se disponíveis.

Os catálogos CAMC, PPM e ACRS foram durante as décadas de 70 e 80, os principaiscatálogos astrométricos usados pela comunidade astronômica, porque aliavam razoávelprecisão (0’’,30 a 0’’,45) e densidade estelar. Por outro lado, a idéia de catálogo astrométricodenso, com estrelas de magnitude maior que 13, só foi realmente realizada com a confecçãodo GSC. Este catálogo foi concebido para ter pelo menos precisão de 1’’ para servir de guia aoTelescópio Espacial Hubble. Para isso, todo o céu foi observado com Telescópios Schmidt. Osmétodos de medida empregados eram então revolucionários, com a medida das placasfotográficas sendo feitas de maneira impessoal, com máquinas semi-automáticas chamadasmicrodensitômetros. Isso sem falar no tratamento astrométrico inovador empregado àsimagens digitalizadas, que ao mesmo tempo serviam de teste de conceito às observações aserem realizadas com a Câmara Planetária do Telescópio Hubble. Mais tarde, esses algorítmosimpessoais de medida e tratamento de dados seriam rapidamente incorporados, e atéaprimorados, à rotina de redução astrométrica nos trabalhos de alto nível dos grupos maisativos da área, no mundo. Não foi atoa que o advento rotineiro do detetor CCD nasobservações, a partir da década de 90, encontrou a maior parte da comunidade astrométrica jáadaptada ao seu uso. Listamos estes catálogos na Tabela 4.5.

Tabela 4.5 – Catálogos de Posição – Extensão do Sistema Fundamental até mag=16Positions and Proper Motions (PPM) – 1991 – 378.910 estrelasAstrographical Catalogue Reference Stars (ACRS) – 1991 – 380.000 estrelasCarlsberg Meridian Catalogues (CAMC) – 1999 – 262.080 estrelas

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

40 of 53 22/02/2010 10:46

Page 41: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Guide Star Catalogue (GSC 1.2) – 1990 - 15.000.000 objetos 4.3 Os Novos Catálogos Astrométricos na Era HIPPARCOS

A década de 90 foi uma década de resurgimento para a Astronomia Fundamental e paraa Astrometria. É inegável o grande esforço despendido pela comunidade da AstronomiaFundamental nos citados grandes projetos da UAI, fornecendo importantes resultados naforma dos catálogos astrométricos em si, e principalmente em relação aos movimentospróprios. Os esforços das décadas de 70 e de 80 em produzir catálogos mais densos eprecisos, na medida do possível, também são louváveis. Por outro lado, as demandas daAstrofísica por dados mais precisos de distância e velocidade, para objetos cada vez maisfracos e distantes de nós, cedo passou a não poder ser mais suprida de forma minimamentesatisfatória pela Astronomia Fundamental. Assim, em 1966 já era proposto a ESA (‘’EuropeanSpace Agency’’, ou Agência Espacial Européia em inglês) um projeto arrojado de satéliteespacial astrométrico, capaz de determinar paralaxes e movimentos próprios a uma precisãode 0’’,001, ou 1 mili-segundo de arco, ou ainda 1mas (mas= 1 mili-segundo de arco).

Fig. 4.3 – O satélite espacial astrométrico HIPPARCOS (visto no laboratório a direita eno momento do lançamento por um foguete Ariane, a esquerda).

Esta missão espacial de fato acabou por se realizar entre 1989 e 1993, e teve a

designação de HIPPARCOS (‘’HIgh Precision PARalax COllecting Sattelite’’, em inglês Coletorde Alta Precisão de Paralaxes), um anacronismo em homenagem ao ilustre astrônomo GregoHiparco de Nicea. Dela resultou 2 catálogos, o catálogo HIPPARCOS propriamente dito, e ocatálogo TYCHO-1. A precisão de posição, paralaxe e movimento próprio para as 100milestrelas do catálogo ficou em 1mas, e 25 mas para as 1 milhão de estrelas do TYCHO-1.

Uma importante característica é que o catálogo HIPPARCOS é referido, de forma

indireta mas bastante confiável, a um conjunto de 610 longínquos e compactos quasares. Issogarante, para todos os efeitos práticos, que o HIPPARCOS representa, na região ótica doespectro eletromagnético, um sistema de referência inercial. Este conjunto de quasaresrepresenta, na verdade, o atual sistema fundamental de referência, ICRS (do linglês‘’Internatinal Celestial Reference System’’, ou Sistema Internacional de Referência Celeste),adotado pela UAI desde 1998, em substituição ao antigo sistema fundamental representadopelas séries de catálogos FK. A figura 4.4 ilustra a distribuição no céu desses quasares. As

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

41 of 53 22/02/2010 10:46

Page 42: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

posições que materializam o ICRS, vêm de medidas de interferometria com antenas rádiodispostas em vários continentes, com precisões melhores que 1mas. Essas posições, obtidasna faixa rádio do espectro, constituem um catálogo fundamental, chamado ICRF (do linglês‘’Internatinal Celestial Reference Frame’’, ou Rede Internacional de Referência Celeste).

Fig. 4.4 – O ICRS, sistema fundamental de referência da UAI,e seus representantes, os 610 quasares do ICRF.

O catálogo TYCHO-1 é, por sua vez, referido ao HIPPARCOS. A razão de sua menor

precisão em relação ao catálogo principal, vem do fato de que ele é na verdade umsub-produto da missão, oriundo do uso de detetores secundários dispostos no satélite apenaspara sua orientação espacial. A combinação destes catálogos com outros catálogos obtidos apartir de observações de solo, resultou na confecção de outros importantes catálogosastrométricos da Era contemporânea, ou Era HIPPARCOS da Astronomia Fundamental: oscatálogos ACT (do inglês ‘’Astrograph Catalog – TYCHO’’) e seu sucessor, o TYCHO-2. Oquadro abaixo resume as principais características desses catálogos.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

42 of 53 22/02/2010 10:46

Page 43: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 4.4 – Cobertura observacional do catálogo UCAC em todo o céu. As faixas de baixopara cima representam os anos de observação, desde 1999.

Novos catálogos, obtidos a partir de observações de solo, já foram produzidos em plena

Era HIPPARCOS. São mais densos e mais precisos do que seus antecessores, o PPM, oACRS, e mesmo o GSC. Isso por causa do próprio uso dos catálogos HIPPARCOS ou dasséries TYCHO como sistemas de referência primários, mas principalmente devido ao uso dosdetetores CCD. É o caso dos catálogos UCAC (do inglês ‘’USNO CCD Astrograph Catalog’’,onde USNO vem de ‘’United States NavalObservatory’’). Veja o quadro de comparações acima.O UCAC-2 já está com sua fase de observações com o astrógrafo do USNO praticamenteencerrada, como mostra a Fig 4.4. Vai até magnitude 16 como o GSC, mas com precisão de20mas a 70mas, conforme o brilho da estrela.

Ressaltamos aqui ainda, os importantes catálogos USNO A2.0 e USNO B1, este último

publicado em 2003, resultado do uso de microdensitômetros avançados na re-redução deantigos surveys de placas fotográficas obtidas em Telescópios Schmidt. Uma visão dadensidade de estrelas em todo o céu, em um tipo de projeção em coordenadas galácticas émostrado na Fig. 4.5, para o catálogo USNO-B1. São 526 milhões de estrelas até magnitude22, com uma precisão média de 200mas.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

43 of 53 22/02/2010 10:46

Page 44: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 4.5 - Visão da densidade de estrelas em todo o céu, em um tipo de projeção emcoordenadas galácticas, para o catálogo USNO-B1. As partes mais claras são as de maiordensidade estelar. 4.4 Catálogos Astrométricos: como se apresentam e como acessá-los? Em geral, os catálogos astrométricos listam as posições das estrelas no céu, listam avariação dessa posição no tempo (movimentos próprios), listam a paralaxe (medida dadistância), entre outros dados, como magnitude e tipo espectral (classificação astrofísica daestrela, que veremos em outro bloco no curso). A precisão desses valores também éfornecida. Algumas vezes, apenas a posição (e precisão) é fornecida pelo catálogo. A Fig. 4.6mostra o exemplo do conteúdo de um catálogo astrométrico.

Fig. 4.6 – Exemplo do conteúdo de um catálogo astrométrico, no caso, o HIPPARCOS.

Na Fig. 4.6, as 2 primerias colunas são as coordenadas no céu que indicam a posiçãoda estrela (o tema sistemas de coordenadas será visto mais adiante). As coordenadas foramlistadas apenas com os valores aproximados. A 3a coluna indica o movimento próprio daestrela, isto é, a variação em segundos de arco por ano no céu da posição da estrela, causadaapenas pelo movimento no espaço da própria estrela. As demais colunas mostram o tipoespectral, valores de magnitude, massa estimada e designação.

(*) Obs.: Linha de base entre primeira época (AC2000) e segunda (TYCHO 1

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

44 of 53 22/02/2010 10:46

Page 45: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig.4.7 – Página de abertura do banco de dados astronômicos SIMBAD, na internet. Até bem poucas décadas atrás, antes da revolução da informática e dos computadorespessoais, o registro dos catálogos era feito de forma impressa. Depois, em forma de fitasmagnéticas, e finalmente na forma digital como hoje a conhecemos, em arquivos decomputador. A maioria desses catálogos é distribuída pelas Universidades e Observatórios doscentros de pesquisa em Astronomia Fundamental em todo o mundo, pela internet. Umexemplo é o sítio do SIMBAD (ver Fig. 4.7), um banco de dados astronômicos mantido pelaUniversidade de Strasburg na França (catálogos astrométricos constituem apenas uma partedos dados ali disponíveis). No caso de muitos catálogos astrométricos, a distribuição é feita emCDs, como o HIPPARCOS (6 CDs), TYCHO-2 (1), UCAC(3), USNO-A2 (11), etc. 4.5 Catálogos das Futuras Missões Espaciais: Astrometria Aplicada a Astrofísica Das futuras missões espaciais astrométricas, cujo planejamento está sendo levado acabo pela NASA e pela ESA, destacamos a Missão SIM e a missão GAIA. A precisão prevista,sem precedentes, em posição, paralaxe, movimento próprio e magnitude, promete revolucionaro quadro atual de informações cinemáticas e de brilho de nossa Galáxia e, pela primeira vezcom toda essa precisão, de nossas galáxias satélites (as Nuvens de Magalhães). Além deexpormos as características principais dessas missões (instrumental, etc), citamos tambémalguns objetivos científicos pretendidos. O texto está cheio de exemplos de como a AstronomiaFundamental e a Astrometria podem servir à Astrofísica, pelo conhecimento de distâncias(paralaxes) e movimentos próprios. A primeira leitura desse texto é reconhecidamente difícil. Oobjetivo é que o estudante retorne recursivamente a esse texto, à medida que ganhe maisinformação e conhecimento, durante este Curso, e mesmo depois dele. (algumas figuras estãoem inglês; recorra ao dicionário, e faça um curso!). 4.5.1 A Missão SIM A missão SIM (Space Interferometry Mission) da NASA, está para entrar na 3a e última

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

45 of 53 22/02/2010 10:46

Page 46: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

fase de planejamento em 2007, com lançamento previsto para 2009, e duração de 5 anos. Osatélite SIM, através de técnicas interferométricas no ótico, e usando uma linha de base de 10m, realizará medidas astrométricas em centenas de milhares de objetos entre magnitudes 12 <mV < 20, com até 4 mas de erro nas posições e paralaxes trigonométricas, e 1 – 2 mas ano-1 deerro nos movimentos próprios.

Por concepção, a operação do satélite permite observações tanto de grandes quanto depequenos ângulos (< 10), através de uma espécie de rede astrométrica de objetos fiduciais.Também estão previstas a capacidade de anular imagens brilhantes, para observação doscontornos mais fracos de objetos de interesse, e o uso de síntese de abertura para obterimagens.

A Fig. 4.8 ilustra a planta atual do satélite. Este possui sete espelhos coletores

(siderostatos), dos quais três linhas de base arbitrárias podem ser formadas (o siderostatoextra é incluído por redundância). Duas das linhas de base são dedicadas ao controle deestado e atitude do satélite, enquanto a terceira fornece os dados científicos. Paralelamente,sistemas metrológicos a laser, internos e externos, monitoram as variações geométricasrelativas, por onde passa a luz.

O modo de observação do satélite é bastante diferente daquele do HIPPARCOS. Aqui, éusada uma configuração interferométrica, bastante similar a dos experimentos Mark- III deinterferometria rádio. A variável é o tempo de atraso necessário para igualar as frentes de ondaque chegam nos dois braços interferométricos. A linha de base é monitorada pela metrologialaser interna, durante a observação, e pela metrologia externa, entre as observações. Aredução de uma série de observações de objetos fiduciais, permite ajustar os parâmetros deestado do caminho ótico dos feixes, além de calibrar a metrologia externa do sistema. Asolução é então utilizada para a determinação dos vetores posição dos objetos. Erros de 4 masde posição correspondem a precisões de 200 picometros para a linha de base de 10 m.

Fig. 4.8 – Planta atual do satélite SIM Este possui sete espelhos coletores (siderostatos), dosquais três linhas de base arbitrárias podem ser formadas (o siderostato extra é incluído porredundância). Duas das linhas de base são dedicadas ao controle de estado e atitude do

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

46 of 53 22/02/2010 10:46

Page 47: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

satélite, enquanto a terceira fornece os dados científicos. Paralelamente, sistemasmetrológicos a laser, internos e externos, monitoram as variações geométricas relativas, por

onde passa a luz. Os feixes são dirigidos aos detetores CCD, quando são combinados.Os dados são então registrados e sinalizados para a Terra.

A Lei de Varredura do SIM é relativamente complexa, consistindo na observação depequenas curvas que vão se cruzando no céu, desde as bordas da região de exclusão do Sol,até uma região oposta na esfera celeste, e depois executando o caminho inverso, até chegarao mesmo ponto de partida, 20 – 30 dias depois. Ao longo do caminho, são observados osalvos, mais certos objetos astrometricamente fiduciais. Calcula-se que 4 ciclos completos porano bastam, para fechar (com os objetos fiduciais) as soluções astrométricas dos parâmetrosde calibração de estado e atitude da linha de base, ao longo do tempo, dentro das precisõespretendidas. Isto equivale a somente 1/3 de tempo gasto. Os objetos fiduciais a seremescolhidos não devem, em princípio, Ter manchas (“spots”), multiplicidade, companheirosplanetários, estarem sob o efeito de “microlensing”, ou apresentarem jatos relativísticos, poiscom isto seus centróides provavelmente se “agitariam” bem acima do limite de 4 mas.

Fig. 4.9 – Diagrama dos horizontes de precisão astrométrica, em termos da magnitude V, para

a missão SIM e os catálogos FK5 e HIPPARCOS.

A Figura 4.9 ilustra os horizontes de precisão astrométrica, em termos da magnitude V,para a missão SIM e os catálogos mais precisos da atualidade, FK5 e HIPPARCOS. Baseadosnas estimativas SIM de precisão, temos que as distâncias ficariam conhecidas a 10% de erro,dentro de 25 Kpc, e que velocidades transversais de 1 km/s a 10 Kpc ou 100 Km/s a 1 Mpc,resultariam em movimentos próprios de 21 mas, perfeitamente detectáveis. Isto trazimportantes implicações para uma série de estudos, nas mais diversas áreas. Vamos citarapenas algumas das possíveis contribuições do projeto SIM.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

47 of 53 22/02/2010 10:46

Page 48: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

4.5.1.1 Populações Galácticas Essencialmente, qualquer objeto medido na Galáxia, até mV = 20, terá velocidadetransversal determinada a 1 Km/s. Assim, dentro do limite de magnitude, qualquer objetopertencente a quaisquer dos grupos na Galáxia, terá sua luminosidade calibrada. Os efeitosde metalicidade e idade também poderão ser estudados para todos estes objetos,particularmente para membros de aglomerados.

Os modelos de evolução estelar serão postos a prova, com a obtenção das distânciasdos aglomerados galácticos e globulares.

Haverá um dramático aumento no conhecimento da função de massa, a partir dasdistâncias determinadas para os sistemas binários. As escalas de distâncias, baseadas na calibração fotométrica de luminosidades emassas, terão grande importância para as estrelas massivas OB, AF e supergigantes M, já queestas podem ser observadas em galáxias muito distantes. Muito provavelmente, poder-se-áutilizar todas as Cefeidas e RR Lyrae conhecidas (principalmente as pertencentes aaglomerados), na calibração das relações de período-luminosidade. O satélite SIM, em medidas de pequenos ângulos (erros de 1 mas), poderia detectarum planeta terrestre orbitando uma estrela como o Sol, a 5 pc. Assinaturas de planetasjovianos seriam detectadas a 8 Kpc, o que corresponde a uma eficiência de detecção de 7 a 10vezes maior que a de qualquer esquema baseado em observações de solo, para estrelaspróximas. Isto sem contar que somente os métodos astrométricos permitem a determinaçãodireta das massas, o parâmetro crítico em questão. Operando no modo nulo (imagem central anulada), pode-se checar a presença decompanheiras sub-estelares, pela emissão remanescente (mesmo que térmica). Isto éparticularmente útil em casos como o de 51 Peg, onde a separação é de apenas 0,05 UA. A investigação da dinâmica de estrelas centrais em sistemas “compactos”, tais comoaglomerados globulares, pode ser realizada com o SIM, pelo imageamento de pequenasregiões do céu, via síntese de abertura. 4.5.1.2 Estrutura da Galáxia As precisões do SIM permitem a determinação da cinemática e da distribuição espacialdos diversos sub-sistemas, e da Galáxia como um todo, dentro de 25 Kpc. Devido aoescurecimento no plano, pensa-se em dar ao SIM alguma sensibilidade no infravermelho. O SIM permitirá a aproximação da verdadeira distribuição de tipos estelares,melhorando a compreensão da evolução dinâmica e química da Galáxia, em particular no bojo. A determinação do potencial gravitacional possibilitará mapear a componente Z docampo na vizinhança solar, e em outras partes, e permitirá checar a curva de rotação,principalmente para regiões distantes na Galáxia.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

48 of 53 22/02/2010 10:46

Page 49: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

As observações permitirão mapear as estruturas espirais de nossa Galáxia(provavelmente assimétricas, segundo recentes estudos), dentre elas “warps” e deformaçõesdo plano, e o tamanho e orientação da recém-descoberta barra no centro de nossa Galáxia. Há evidências de que a recém-descoberta galáxia anã Sagitário, carrega uma cauda que se estende a uma região de 800, do outro lado da Galáxia. O SIM pode determinar ageometria e dinâmica das componentes desta estrutura, sendo esta uma oportunidade únicapara chegar-se ao potencial galáctico a dezenas de Kpc. 4.5.1.3 Astronomia Extragalática Com a possível exceção das Nuvens de Magalhães e da galáxia anã de Sagitário,objetos extragaláticos encontram-se fora do alcance de medidas de paralaxe, restando adeterminação de suas velocidades transversas, dentro do limite de magnitudes. A observação das Nuvens de Magalhães em pequenos ângulos (erros de 2 mas),permitiria determinar distâncias a 10% de erro, levando ao mapeamento dessas galáxias emprofundidade, e permitindo a identificação de objetos interpostos entre nossa galáxia e assatélites. É possível, ao nível de 10 – 100 Km/s, a medida de movimentos próprios de estrelassuper-gigantes massivas, localizadas a 3 – 4 Mpc de distância. Estas estrelas deveriam serdetectadas, em galáxias de População I significativa. Tais observações permitiriam aconstatação da cinemática desta porção do Universo, bem como traria evidências quanto àsidades do Grupo Local. A síntese de abertura pode ser usada no mapeamento dos núcleos de AGNs,revelando imagens 10 vezes mais resolvidas que com o telescópio Hubble, por exemplo. Efeitos relativísticos serão testados, como a deflexão da luz, chegando-se a umpatamar tão fino, que no caso do SIM, terão que ser levados em conta não só os efeitoscausados pelo Sol, mas também os causados pelas massas de Júpiter e dos outros planetasmais massivos. 4.5.2 A Missão GAIA

A missão GAIA (Global Astrometric Interferometer for Astrophysics), ainda na fase deconcepção de projeto, é uma das candidatas principais para o horizonte 2010+ da ESA(Agência Espacial Européia). Está prevista para durar 5 anos. A maior parte da equipe deastrônomos que participou da missão HIPPARCOS está envolvida no projeto. Em váriosaspectos, o projeto é uma extensão natural da missão HIPPARCOS, sendo que ainterferometria é aplicada para melhorar resolução, isto é, a precisão astrométrica. O satéliteterá dois ou quatro interferômetros óticos de grande campo, com linhas de base de algunsmetros, e operará em varredura global contínua. A meta é atingir-se precisões de 10 mas paraposições, paralaxes e movimentos próprios anuais, até o limite de completeza mV = 15 (40 - 50milhões de estrelas). Estima-se em 350 milhões o total de objetos do catálogo, até o limite dedetecção de mV = 18. As precisões obtidas serão menores para magnitudes mV >15. A

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

49 of 53 22/02/2010 10:46

Page 50: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

fotometria multi-época será em 7 bandas. Existe a possibilidade de suplementar o satélite cominstrumentação para espectroscopia. A Figura 4.10 ilustra o esquema dos interferômetros de Fizeau a bordo (esquerda),bem como o mosaico de CCDs “multi-banda”, responsáveis pela detecção dos feixesluminosos. Para uma astrometria espacial precisa a grandes ângulos, deve-se medir ao mesmotempo regiões distantes no céu, tal como feito com o HIPPARCOS. No caso do GAIA, istopoderá ser feito com um espelho duplo colimador (como antes), ou mais provavelmente serãomontados dois interferômetros com linhas de base formando um ângulo fixo entre si. O ânguloserá em torno de 600, sendo controlado por metrologia a laser. As linhas de base deverão ficarem 2,5m. A abertura deve ficar em 0,5 m, para medir-se estrelas mais fracas. Os detetoresCCD a serem usados serão sensíveis na faixa de 350 – 800 nm, e melhorados na direção de900 nm, pelo interesse de observações no infravermelho. As figuras de interferência sãoimageadas diretamente em varredura síncrona, dispensando o uso de grades moduladoras.Ainda há a possibilidade de se usar um prisma para medir a dispersão das franjas,melhorando a astrometria e obtendo informação espectroscópica (baixa resolução) efotométrica diretamente.

Fig. 4.10 - À esquerda, uma ilustração dos interferômetros de Fizeau a bordo. À direita, mosaico de CCDs “multi-banda”, responsáveis pela detecção dos feixes luminosos.

Algoritmos de compressão de dados, e escolha randômica de estrelas fracas, estãosendo estudados para permitir a transmissão de dados à Terra, dentro da realidade técnicadas telecomunicações. De forma inteiramente análoga ao HIPPARCOS, será mantido no GAIA o modo simplesde atitude orbital, evitando problemas de manobras orbitais, perturbações termais do Sol, etc.Os grandes círculos observados devem ser fechados em poucas horas, correspondentes auma rotação completa do satélite em torno do seu eixo. Isto permite uma boa modelagem dosparâmetros instrumentais (entre outros), uma vez que as condições instrumentais mudam

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

50 of 53 22/02/2010 10:46

Page 51: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

vagarosamente com o tempo. A Lei de Varredura do GAIA seguirá na essência a do HIPPARCOS. Entretanto, aocontrário do que ocorreu na primeira missão, a varredura será contínua, sem pré-seleção deobjetos. A grande quantidade esperada de estrelas, aliada ao aumento nas precisões, faráaumentar consideravelmente o número de objetos não-simples (sistemas múltiplos,variabilidades, etc.). Isto demandará o uso de modelos mais complexos, com um número bemmaior de incógnitas. A Lei de Varredura deve se amoldar a estas exigências, de forma amaximizar o número de observações realmente independentes por objeto. A duração damissão também deve ser cuidadosamente vista. Além das contribuições na determinação de distâncias estelares, movimentos emassas, a missão GAIA contribuirá com uma série de “subprodutos”, tais como informaçõessobre a métrica espacial (parâmetro PPN calculado a 0,0001 %), sobre diâmetro angular decentenas de estrelas, vasta quantidade de dados de sistemas duplos e múltiplos, estrelasvariáveis e detecção eficiente e sistemática de sistemas planetários. As precisões astrométricasprevistas, levam a determinação de distâncias (trigonométricas) com erros de 10% a 10 Kpc, ede velocidades transversais com precisões de 1 Km/s a 20 Kpc. Assim, ao passo em que como HIPPARCOS apenas 0,1 % do volume da Galáxia foi alcançado, o satélite GAIA irá sondarcom medidas diretas uma grande parte da Galáxia, dentro do horizonte de paralaxes, incluindoa maior parte do halo, e até mesmo “tocando” as Nuvens de Magalhães (ver Figura 4.11). Outra grande conquista será o estabelecimento de um sistema de referência óticoGAIA, em relação ao qual poderemos estudar a dinâmica dos movimentos da Terra, planetas,Sol e do próprio sistema da Via-Láctea. Tal referencial trará grandes benefícios, como porexemplo, no estudo da matéria escura, cujos efeitos podem se refletir em pequenos desviossistemáticos locais, somente detectáveis em um sistema inercial realmente preciso. Amagnitude limite é suficiente para uma conexão direta das observações com o referencialICRF.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

51 of 53 22/02/2010 10:46

Page 52: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 4.11 – Horizonte de distâncias para o projeto GAIA. As precisões astrométricas previstas,

levam a determinação de distâncias (trigonométricas) com erros de 10% a 10 Kpc, e develocidades transversais com precisões de 1 Km/s a 20 Kpc, O satélite GAIA irá sondar com

medidas diretas uma grande parte da Galáxia, incluindo a maior parte do halo, e até mesmo asNuvens de Magalhães.

A duração de 5 anos prevista para a missão, além de permitir o aumento natural dasprecisões de posição, fornece uma base de tempo importante para os estudos da dinâmica deasteróides, fortalece as soluções paramétricas de sistemas múltiplos e de estrelas variáveis, epermite a detecção de planetas e de companheiras anãs marrons. Existe uma enorme gama de aplicações para os dados GAIA em multicanal (7 bandas),multi-época (5 anos), e de 20 mas e 20 mas ano-1 de precisão, tais como em Física e EvoluçãoEstelar (luminosidades estelares e idades; estrelas massivas; novas e variáveis tipo novas;nebulosas planetárias; Cefeidas e RR Lyrae; aglomerados abertos e globulares; estrelaspobres em metal e nucleosíntese primordial), Dinâmica de Sistemas Estelares(binárias visuaise astrométricas; sistemas binários interagentes; binárias tipo Be emissoras de raios X; dinâmicade aglomerados abertos e fechados), Estrutura Galáctica (dinâmica da Galáxia; sua formação;o bojo; o halo; matéria escura no disco e no halo; a massa da Galáxia) detecção de sistemasplanetários e de anãs marrons, Astrofísica Extragalática e Relatividade Geral(escalas dedistância e idade do Universo; movimentos próprios das Nuvens de Magalhães; galáxias eAGNs; quasares; desvio de luz pelo Sol e planetas; lentes gravitacionais e ondasgravitacionais). A Figura 4.12 mostra os horizontes de precisão astrométrica em termos demagnitude, para HIPPARCOS e GAIA, indicando as regiões associadas a objetos de interesse.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

52 of 53 22/02/2010 10:46

Page 53: Marcelo Assafin OV/UFRJ - home - IF - Instituto de Física ...marta/caronte-hipertexto/movimentosdaterra/astro... · os termos “sistema de referência” e ... não é qualquer

Fig. 4.12 - Horizontes de precisão astrométrica em termos de magnitude, para HIPPARCOS e

GAIA. No gráfico, estão indicadas regiões associadas a alguns objetos de interesse.

ASTRONOMIA FUNDAMENTAL E ASTROMETRIA http://pessoais.ov.ufrj.br/massaf/cursos/iam/iam2004_fundamental_arq...

53 of 53 22/02/2010 10:46