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“MAR DE LAMA”: O ANTICOMUNISMO COMO OPOSIÇÃO AO TRABALHISMO NAS ELEIÇÕES DE 1958 NO RIO GRANDE DO SUL História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. de 2016 492 Carla Renata Antunes de Souza Gomes* [email protected] Samuel da Silva Alves** [email protected] Tiago de Moraes Kieffer*** [email protected] Resumo: Este artigo propõe uma análise acerca das estratégias anticomunistas utilizadas pela Frente Democrática, apoiadora do candidato Walter Peracchi Barcelos, contra o trabalhismo de Leonel de Moura Brizola nas eleições ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul no ano de 1958. Nosso ponto de partida é um poema, intitulado O Mar de Lama, que contém informações relativas ao início do trabalhismo na Europa, acusações contra o PTB e suas alianças políticas, ao passado do fundador e maior nome do par- tido – Getúlio Vargas – como ditador do Estado Novo, além de insinuações quanto ao parentesco de Leo- nel Brizola com o então Vice Presidente João Goulart, de ligações do candidato petebista ao Partido Co- munista e panfletos de apoio, por parte de órgãos públicos, como a Brigada Militar, representada por seus oficiais, ao candidato Walter Peracchi Barcelos. Seguiremos no campo da Nova História Política, basea- dos nos conceitos de Cultura Política e Imaginário Anticomunista, para assim identificar a ideologia dos atores envolvidos na eleição e as estratégias utilizadas para o combate do outro, o qual, na maioria das vezes, era identificado ou associado a grupos comunistas. A partir desta análise, entendemos o antico- munismo não como convicção ideológica neste momento, mas como discurso de mobilização das massas, utilizado pela Frente Democrática com o intuito de denegrir a campanha trabalhista frente ao eleitorado rio-grandense e a instituições como a Igreja Católica, além de colocar o candidato da Frente Democrática em um patamar de combatente ao perigo que o Comunismo representava à sociedade do Rio Grande do Sul. Palavras-Chave: anticomunismo, trabalhismo, Brizola Abstract: This article proposes an analysis of the strategies used by the “Frente Democrática”, sup- porter of the candidate Walter Peracchi Barcelos, against the labour of Leonel de Moura Brizola in the elections to the State Government of Rio Grande do Sul State in 1958. Our starting point is a poem, enti- tled O Mar de Lama containing information on the initiation of Labour in Europe, charges against the PTB and its political alliances, the past founder and biggest name of the party - Getulio Vargas – as dic- tator of the Estado Novo , as well insinuations about the relationship of Leonel Brizola with then Vice President Joao Goulart, of PTB candidate links to the Communist party and support pamphlets, by public bodies such as the Military Police, represented by its officers, to the candidate Walter Peracchi Bar- celos . We will continue in the field of New Political History, based on the concepts of Political Culture and anticommunist imaginary, thus identifying the ideology of the actors involved in the election and the strategies used to fight each other, which, in most cases, was identified or associated the communist groups. From this analysis, we understand the anticommunism not as ideological conviction at this point, but as mobilization speech of the masses, used by the “Frente Democrática” in order to denigrate the labour front campaign to the rio-grandense electorate and institutions like the Catholic Church, and put the candidate of the “Frente Democrática” in a fighter level of the danger that Communism represented the Rio Grande do Sul’s society. Keywords: anticommunism, labour, Brizola “Mar de Lama”: The Anticommunism in opposition to the Labour in the 1958 elections in Rio Grande do Sul “Mar de Lama”: O Anticomunismo como oposição ao Trabalhismo nas eleições de 1958 no Rio Grande do Sul *Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de graduação em História e no Programa de Pós Graduação Mestrado e Doutorado de Memória Social e Bens Culturais do Centro Universitário La Salle (Unilasalle). **Acadêmico do curso de licenciatura em História pelo Centro Universitário La Salle (Unilasalle). ***Acadêmico do curso de licenciatura em História pelo Centro Universitário La Salle (Unilasalle).

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“MAR DE LAMA”: O ANTICOMUNISMO COMO OPOSIÇÃO AO TRABALHISMO NAS ELEIÇÕES DE 1958 NO RIO GRANDE DO SUL

História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. de 2016 492

Carla Renata Antunes de Souza Gomes* [email protected]

Samuel da Silva Alves** [email protected]

Tiago de Moraes Kieffer*** [email protected]

Resumo: Este artigo propõe uma análise acerca das estratégias anticomunistas utilizadas pela Frente

Democrática, apoiadora do candidato Walter Peracchi Barcelos, contra o trabalhismo de Leonel de Moura

Brizola nas eleições ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul no ano de 1958. Nosso ponto de partida

é um poema, intitulado O Mar de Lama, que contém informações relativas ao início do trabalhismo na

Europa, acusações contra o PTB e suas alianças políticas, ao passado do fundador e maior nome do par-

tido – Getúlio Vargas – como ditador do Estado Novo, além de insinuações quanto ao parentesco de Leo-

nel Brizola com o então Vice Presidente João Goulart, de ligações do candidato petebista ao Partido Co-

munista e panfletos de apoio, por parte de órgãos públicos, como a Brigada Militar, representada por seus

oficiais, ao candidato Walter Peracchi Barcelos. Seguiremos no campo da Nova História Política, basea-

dos nos conceitos de Cultura Política e Imaginário Anticomunista, para assim identificar a ideologia dos

atores envolvidos na eleição e as estratégias utilizadas para o combate do outro, o qual, na maioria das

vezes, era identificado ou associado a grupos comunistas. A partir desta análise, entendemos o antico-

munismo não como convicção ideológica neste momento, mas como discurso de mobilização das massas,

utilizado pela Frente Democrática com o intuito de denegrir a campanha trabalhista frente ao eleitorado

rio-grandense e a instituições como a Igreja Católica, além de colocar o candidato da Frente Democrática

em um patamar de combatente ao perigo que o Comunismo representava à sociedade do Rio Grande do Sul.

Palavras-Chave: anticomunismo, trabalhismo, Brizola

Abstract: This article proposes an analysis of the strategies used by the “Frente Democrática”, sup-

porter of the candidate Walter Peracchi Barcelos, against the labour of Leonel de Moura Brizola in the

elections to the State Government of Rio Grande do Sul State in 1958. Our starting point is a poem, enti-

tled O Mar de Lama containing information on the initiation of Labour in Europe, charges against the

PTB and its political alliances, the past founder and biggest name of the party - Getulio Vargas – as dic-

tator of the Estado Novo , as well insinuations about the relationship of Leonel Brizola with then Vice

President Joao Goulart, of PTB candidate links to the Communist party and support pamphlets, by public

bodies such as the Military Police, represented by its officers, to the candidate Walter Peracchi Bar-

celos . We will continue in the field of New Political History, based on the concepts of Political Culture

and anticommunist imaginary, thus identifying the ideology of the actors involved in the election and the

strategies used to fight each other, which, in most cases, was identified or associated the communist

groups. From this analysis, we understand the anticommunism not as ideological conviction at this point,

but as mobilization speech of the masses, used by the “Frente Democrática” in order to denigrate the

labour front campaign to the rio-grandense electorate and institutions like the Catholic Church, and put

the candidate of the “Frente Democrática” in a fighter level of the danger that Communism represented the

Rio Grande do Sul’s society.

Keywords: anticommunism, labour, Brizola

“Mar de Lama”: The Anticommunism in opposition to the Labour in the 1958 elections in Rio Grande do Sul

“Mar de Lama”: O Anticomunismo como oposição ao Trabalhismo nas eleições de 1958 no Rio Grande do Sul

*Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de graduação em História e no Programa de Pós Graduação Mestrado

e Doutorado de Memória Social e Bens Culturais do Centro Universitário La Salle (Unilasalle).

**Acadêmico do curso de licenciatura em História pelo Centro Universitário La Salle (Unilasalle).

***Acadêmico do curso de licenciatura em História pelo Centro Universitário La Salle (Unilasalle).

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História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. de 2016 493

Introdução

O cenário político sul rio-grandense após o fim

do Estado Novo, em 1945, é marcado por limitações

entre as ideologias simpatizantes com a esquerda sovié-

tica e com o conservadorismo estadunidense. Até

1964, com o golpe militar que tiraria da presidência

João Goulart, a política brasileira fora marcada pela

ambiguidade – líderes carismáticos, participação popu-

lar através do voto direto – e como um espelho das de-

cisões internacionais, refletia na sua realidade a Guerra

Fria e a influência dos blocos presentes na mesma.

As fronteiras são tênues: como conceituar se

partidos como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)

eram de esquerda? Como explicar o apoio dos comunis-

tas ao queremismo – movimento contra a deposição de

Getúlio Vargas, criador do PTB – em 1945, ou na elei-

ção de 1951? E à Brizola para a Prefeitura de Porto

Alegre em 1955? A ambiguidade ocorre quando, na

eleição para o Executivo do Rio Grande do Sul, em

1958, ao mesmo tempo em que o líder do Partido da

Representação Popular (PRP), Plínio Salgado1, apoia o

candidato Leonel de Moura Brizola contra o perigo que

representava o comunismo, Luis Carlos Prestes2, princi-

pal nome do Partido Comunista Brasileiro (PCB), pu-

blica uma nota de apoio à Brizola, apesar da já declara-

da ligação entre PTB e PRP, seguida da não aceitação

de tal apoio por parte do candidato trabalhista, em vir-

tude de uma possível perda de votos junto ao eleitorado

católico e setores conservadores. A proposta desse arti-

go não é refletir acerca da sinceridade dos jogos políti-

cos do período, tampouco criar fronteiras entre a direita

e a esquerda da época. Contudo, iremos analisar um

caso específico: a candidatura de Walter Peracchi Bar-

celos3 e a propaganda anticomunista contra o trabalhis-

mo de Leonel de Moura Brizola.

Nosso ponto de partida é uma trova intitulada O

Mar de Lama4, que contém informações sobre a origem

do trabalhismo, acusações contra o PTB e suas alianças

políticas, insinuações de ligação do candidato petebista

com o PCB, assim como a ação nostálgica de relembrar

as perseguições realizadas aos imigrantes alemães e

italianos no período do Estado Novo. Procuramos res-

ponder as questões sobre as estratégias anticomunistas

contra o trabalhismo nos baseando, além da trova já

citada, em acervos particulares, como os de Walter Pe-

racchi Barcelos, Hamilton Moojen Chaves e Francisco

Brochado da Rocha, custodiados no Arquivo Histórico

do Rio Grande do Sul (AHRS), onde podemos encon-

trar panfletos emitidos pela Brigada Militar publicados

no Jornal Correio do Povo tendo como destino os

membros da corporação e inativos, assim como a co-

munidade rio-grandense no geral, acusações referentes

à ligação de parentesco entre Brizola e Jango, assim

como panfletos emitidos por Leonel de Moura Brizola

em resposta as acusações da Frente Democrática5. No

campo teórico, seguiremos as orientações da Nova His-

tória Política, dadas por Rémond (2003) e Bernstein

(2003), do Trabalhismo, dadas por Gomes (1988) e Fer-

reira (2011) e do Anticomunismo, por Motta (2000) e

Rodeghero (1998).

Anticomunismo, Trabalhismo e a Nova História Política

O historiador francês René Rémond (2003) ex-

plica que a nova concepção de história, presente no iní-

cio do século XX, deixaria de lado a história política,

dedicando maior atenção para a história econômica e

1 Líder e fundador da Ação Integralista Brasileira (AIB) e – posteriormente ao golpe – de 1945 do Partido de Representação Popular (PRP).

2 Militar e político comunista brasileiro, líder PCB.

3 Militar e político brasileiro, eleito deputado estadual em 1950 e 1954, candidato a governador em 1958 e governador durante a Ditadura Militar.

4 Doc. APWB – 09.23.13.04 – Acervo Particular Walter Peracchi Barcelos – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) 5

Coligação formada pelo PSD, PL e UDN.

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social. Neste sentido, Peter Burke elenca as mudanças

exercidas pela Escola dos Annales6:

Em primeiro lugar, a substituição da tra-

dicional narrativa de acontecimentos por

uma história-problema. Em segundo lu-

gar, a história de todas as atividades

humanas e não apenas história política.

Em terceiro lugar, visando completar os

dois primeiros objetivos, a colaboração

com outras disciplinas, tais como a geo-

grafia, a sociologia, a psicologia, a eco-

nomia, a lingüística, a antropologia soci-

al, e tantas outras (BURKE, 1991, p.7).

Desta maneira, a velha história se torna obsole-

ta, pois dava evidência somente aos líderes estatais e a

história dos vencedores. A história que durante séculos

foi hegemônica, era menosprezada e, por anos, mesmo

a partir de novas concepções de poder que renovariam

o campo, não seria aceita por um grande número de his-

toriadores. Contudo, a partir do desenvolvimento das

políticas públicas, a ampliação dos domínios políticos,

entre outros processos, os historiadores passaram a se

interessar novamente por este campo. Com base nisso,

Rémond (2003) afirma:

Os trabalhos de história política pulu-

lam, numerosas teses lhe são consagra-

das. O ensino, após ter obedecido à con-

vicção de que se devia descartar a políti-

ca em benefício da economia e das rela-

ções sociais, tende hoje a reintroduzir a

dimensão política dos fatos coletivos

(RÉMOND, 2003, p.21).

Rémond (2003, p. 33) entende que a história

não desconsidera o tempo em que foi escrita. Sendo

assim, o processo político irá afetar o modo como se vê

a política. A História Política então volta à demanda

dos historiadores, “pois o ato eleitoral ganha uma signi-

ficação que faz dele o mais sincero e significativo de

todos os comportamentos coletivos”.

A problemática do nosso trabalho contém parti-

dos consolidados por características específicas e estra-

tégias de mobilização do eleitorado. Serge Bernstein

explica que, “aos olhos do historiador, o partido apare-

ce fundamentalmente como o lugar onde se opera a me-

diação política” (BERNSTEIN, 2003, p.60). O autor

elenca algumas características de um partido: a duração

no tempo, a extensão do espaço, a aspiração ao exercí-

cio do poder e a vontade de buscar o apoio junto à po-

pulação. Sobre a última, Bernstein afirma que ela ocor-

re através da atração, do convencimento, seguindo o

resultado do alcance do poder. Nisso, as campanhas

eleitorais tem grande importância. Segundo Rémond:

A campanha é parte integrante de uma

eleição, é seu primeiro ato. Não é apenas

a manifestação das preocupações dos

eleitores ou a explicação dos programas

dos candidatos e dos temas dos partidos,

é a entrada em operação· de estratégias,

a interação entre os cálculos dos políti-

cos e os movimentos de opinião. Sobretu-

do, ela modifica a cada dia as intenções

e talvez a relação de forças (RÉMOND,

2003, p.49).

O anticomunismo, peça chave na campanha

eleitoral de Walter Peracchi Barcelos, há algum tempo,

tem sido discutido no Brasil por diversos autores. Ro-

drigo Patto de Sá Motta entende os anticomunistas co-

mo “indivíduos e grupos dedicados à luta contra o co-

munismo, pela palavra ou pela ação” (MOTTA, 2000,

p.4). O autor explica que esse grupo não estava restrito

apenas a extrema direita, mas também a setores liberais

e católicos. Para, o anticomunismo passa a ser evidenci-

ado a partir da Revolução Russa, em 1917, tendo seu

ápice no contexto da Guerra Fria onde, temporalmente,

está situado esse trabalho. No caso brasileiro, com a

participação política pós-queda do Estado Novo, a for-

mação de novos partidos políticos, inclusive do PCB,

fortaleceria as idéias anticomunistas no cenário nacio-

nal. Podemos pensar que a participação da URSS no

combate ao nazifascismo alemão contribuiu para um

6 Movimento historiográfico do início do século XX que se destacou por incorporar métodos das Ciências Sociais à História.

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sucesso do PCB nas eleições de 1946. Boris Fausto,

dissertando acerca disto, escreve que:

O PCB surgia, em 1946, como o quarto

partido do país. Elegera dezessete depu-

tados e um senador e alcançara a maio-

ria na Câmara de Vereadores do Distrito

Federal. Em São Paulo, os comunistas

obtiveram o terceiro lugar no total de

votos na eleição estaduais de 1947, supe-

rando a UDN. Calcula-se que o partido

contava, em 1946, com cerca de 180 a

200 mil militantes (FAUSTO, 2008,

p.402).

Para Fausto, o PCB entraria na ilegalidade efeti-

vamente em 1948, sob influência da guerra civil no ter-

ritório da China e da Grécia e o papel hegemônico dos

Estados Unidos. Somada a isso, é realizada, em 1947,

uma denúncia ao Tribunal Eleitoral na qual o Partido

Comunista Brasileiro era acusado de duplo estatuto,

sendo intitulado de Partido Comunista do Brasil e não

Brasileiro. Foi considerado também na ação o símbolo

internacional da foice e do martelo (ASSIS; GONÇAL-

VES, 2009). Mesmo na ilegalidade e com a cassação

dos cargos dos membros do PCB, continuariam os adje-

tivos e ações dos setores conservadores contra o

“Perigo Comunista”7 , sendo exigidos atestados de ide-

ologia política e declarações contra a doutrina marxista

e leninista.

Conforme Motta (2000), os principais teóricos

anticomunistas no Brasil, após a Segunda Guerra Mun-

dial, seriam Hoover, Schawarz, James e Decter. Esses

autores escreviam manuais, que vieram a se tornar as

principais fontes da doutrina anticomunista. Entretanto,

tais manuais não seriam seguidos “ipsis literis”, sendo

adaptáveis à realidade do Brasil a partir dos setores que

o compartilhavam. Por exemplo, a associação do comu-

nismo ao “diabo” e de política “contra a cristandade”,

eram amplamente divulgados pela Igreja Católica. Car-

la Simone Rodeghero (1998) disserta sobre as estraté-

gias utilizadas pelo clero rio-grandense, na divulgação

do que conceitua como “imaginário anticomunista”.

Todavia, segundo Motta (2000) é perigoso classificar o

anticomunismo apenas como um “perigo”, a todos os

políticos anticomunistas como manipuladores e à parce-

la da população que os apoiava como fanáticos e tolos.

O perigo era em parte real, no que diz respeito à amea-

ça que este representava à Igreja, através da substitui-

ção da moral cristã por uma moral “proletária” e aos

liberais, pregando o fim da propriedade privada. Por-

tanto, podemos compreender o anticomunismo presente

neste momento como algo embasado em uma ameaça

até certo ponto “real”, e não apenas em fábulas, mas

utilizado no âmbito político como forma de promoção e

ascensão por parte de indivíduos e partidos.

O PCB, desde sua formação em 1922, esteve

ligado à luta em favor da classe trabalhadora, entendida

como proletariado, assim como também se fez nos sin-

dicatos e movimentos grevistas. Nesse sentido, a com-

paração entre a política trabalhista, levando em consi-

deração principalmente seu campo de atuação, no caso

o operariado, era algo rotineiro. A questão que se abre

é, portanto, como identificar a formação e emergência

da política trabalhista frente ao comunismo, assim co-

mo as semelhanças e diferenças entre estas, a fim de

compreender, conseqüentemente, o discurso anticomu-

nista da Frente Democrática contra o candidato petebis-

ta, Leonel de Moura Brizola.

De acordo com Jorge Ferreira (2012), na década

de 30 as potências européias encontravam-se enfraque-

cidas no seu poderio mundial e, neste cenário, surge o

nacional-estatismo. Muitos países da periferia do capi-

talismo, como por exemplo, Brasil, Argentina, Índia e

México aproveitaram as brechas deixadas pelas rivali-

dades entre estas potências neste momento turbulento e

7 Termo utilizado por Motta (2000) como referência ao discurso anticomunista utilizado contra os grupos de esquerda.

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encontraram meios de superar a dependência das mes-

mas, assim como formular projetos que dessem a estes

países certo grau de autonomia no cenário mundial. Em

cada um desses países, tal projeto recebeu um nome, de

acordo com a sua história e tradições políticas. No Bra-

sil, recebeu o nome de trabalhismo. Acerca do projeto

político nacional-estatista destes países, Ferreira (2012)

afirma:

O projeto era ambicioso: colocar em

prática o desenvolvimento nacional autô-

nomo baseado em um Estado forte, cen-

tralizado, interventor e planejador; em

alguns desses países, mobilizar a popula-

ção em torno de uma ideologia e/ou de

uma liderança carismática, recorrendo,

para isso, a um partido político de cará-

ter nacional; conseguir o apoio de em-

presários e trabalhadores, e incentivá-los

a colaboração mútua (FERREIRA, 2012,

p. 308).

Para Ferreira, o nacional-estatismo, implemen-

tado no Brasil ainda na década de 30, revelou-se como

um projeto nacional em vários sentidos: induziu e fi-

nanciou a industrialização, procurou valorizar os pa-

drões de cultura do país, gerando assim uma economia

moderna com algum grau de autonomia e identidade

cultural, além de visar o fortalecimento do Estado e da

criação de estatais. Todavia, a política nacional-estatista

não visava apenas o empresariado e o Estado. O proje-

to brasileiro valorizou também a mão de obra, acredi-

tando que “para o desenvolvimento do país, não era

mais possível à dilapidação de um importante fator de

produção: os trabalhadores” (FERREIRA, 2012, p.

308). Desta forma, leis sociais e políticas públicas refe-

rentes à educação e saúde foram colocadas em prática.

Segundo Angela de Castro Gomes (1988), após

o fim do Estado Novo, em 1945, tem início no Brasil o

processo de redemocratização e, com ele, o surgimento

daqueles que seriam os três partidos de maior represen-

tatividade no período: União Democrática Nacional

(UDN), Partido Social Democrático (PSD) e PTB. O

PTB emerge, segundo Gomes, com um cunho eminen-

temente sindicalista, com a função de canalizar os es-

forços investidos por Vargas durante o Estado Novo na

organização sindical dos trabalhadores. Conforme Pa-

trizia Piozzi (1983), o PTB surge com o intuito de re-

presentar os interesses dos trabalhadores, sendo assim

uma alternativa a aqueles que não se identificavam com

a direita conservadora ou com a extrema esquerda, co-

munista. Contudo, diferentemente deste último, ofere-

cia ao operariado uma perspectiva de luta dentro de ca-

nais legais, já estabelecidos pelo sistema, por um capi-

talismo mais justo e humano, onde os empregadores

abrem mão de certos privilégios em favor dos trabalha-

dores, e estes, em contrapartida, renunciam a métodos

destrutivos da luta de classes, pregados pelos comunis-

tas. Portanto, podemos compreender o programa políti-

co do PTB, na sua origem, tendo como base a defesa

dos interesses da classe trabalhadora juntamente com a

manutenção da ordem já instituída, dentro da qual os

trabalhadores não precisariam recorrer a greves e outros

movimentos, pois haveria, na Câmara Federal e no Se-

nado, uma bancada que lutaria incessantemente em fa-

vor de suas demandas e por soluções mais rápidas e

eficazes.

Desta forma, desde a sua fundação, a desconfi-

ança de setores, sejam de oposição ou de situação, pai-

ravam sobre o PTB e suas ideologias, uma vez que, de

acordo Ferreira (2012), os comunistas do PCB, assim

como organizações sindicais e outros partidos de es-

querda tomaram como bandeira o projeto trabalhista,

agregando a ele elementos de caráter reformista, como

a ampliação das leis e benefícios sociais, reforma agrá-

ria, tradição da unidade sindical, demanda por educação

e saúde publica de qualidade, reajustes salariais, a fim

de aumentar o poder de compra dos trabalhadores, entre

outras. Considerando a ilegalidade na qual se encontra-

va o PCB, assim como o cenário político nacional e in-

ternacional e o apelo anticomunista praticado pelas eli-

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tes conservadoras, se fazia necessário o distanciamento

por parte dos trabalhistas do PCB e da figura de Luis

Carlos Prestes, seu principal líder. Com base nisso, bus-

caremos neste trabalho compreender as principais estra-

tégias utilizadas pela Frente Democrática contra o PTB

e seu candidato, Leonel Brizola.

A propaganda anticomunista e os ataques ao trabalhismo de Leonel Brizola

Conforme Mercedes Maria Loguercio Cánepa

(2005), a campanha eleitoral da Frente Democrática, da

qual Walter Peracchi Barcelos era candidato, girou em

torno de uma série de temas principais, utilizados como

forma de mobilização eleitoral, dentre eles o apelo anti-

comunista clássico, a valorização da família e da fé

cristã, a crítica à aliança PTB-PRP e ao apoio do PCB a

Leonel de Moura Brizola.

Tendo em vista a formação militar do candidato

ao Governo do Estado nas eleições de 1958, Walter Pe-

racchi Barcelos, houve intenso apoio por parte do Co-

mando da Brigada Militar do Rio Grande do Sul a sua

candidatura. Segundo panfleto publicado pelo Comitê

Central dos Inativos da Brigada Militar8, situado a épo-

ca na Rua dos Andradas, 1021, no centro de Porto Ale-

gre, que foi fundado satisfazendo os desejos tanto de

oficiais como de praças da Brigada Militar. Tal Comitê

ficaria responsável por coordenar o trabalho de outros

militares em prol da campanha de Walter Peracchi Bar-

celos. De acordo com o documento, a reunião de oficia-

lização deste comitê contou com a presença de 280 mi-

litares, sendo coordenada pelo Coronel Oreste Carneiro

da Fontoura. O informativo conclamava ainda a todos

os servidores e beneficiários da Brigada Militar, em

prol da grandeza do Estado e do Brasil, a votarem e

apoiarem a candidatura Walter Peracchi Barcelos nas

eleições de três de outubro, fazendo com que cada lar

de um policial militar se tornasse um posto avançado

pela campanha da Frente Democrática, a fim de esta-

rem prestando mais um grande e precioso serviço à Bri-

gada Militar e ao Rio Grande do Sul, uma vez que a

causa abraçada não pertencia a apenas um, mas a todos,

e de certa forma se confundia com a causa da própria

Brigada, maior do que qualquer outro compromisso que

um membro da instituição pudesse ter firmado anterior-

mente.

Até mesmo as viúvas dos militares foram alvos

do Comitê recém-formado, que as lembrava do fato de

serem amparadas pelo Montepio Militar9, instituído por

Walter Peracchi Barcelos quando Comandante Geral.

Seu voto e apoio ao candidato da Frente Democrática

não significaria apenas gratidão a aquele que não as

deixou desamparadas, mas uma forma de honrar tam-

bém seu ente querido, companheiro de farda do então

candidato. Todavia, apesar do discurso moral e em prol

do Estado, o objetivo de ver elevado ao mais alto cargo

de administrador do Rio Grande do Sul um membro da

Brigada Militar, que defendesse e garantisse seus direi-

tos, se fazia presente a todo o momento, colocando

muitas vezes a corporação acima do bem estar social.

Desejo esse, afirmado em outro panfleto, nominado

Mensagem aos sargentos, cabos e soldados inativos da

Brigada Militar10, onde, em destaque, afirmavam que

se eleito, não os faria superior a qualquer outra classe

de trabalhadores; todavia, os faria justiça e lhes garantia

seus direitos.

No entanto, o apoio militar não se limitou aos

portões dos quartéis. Engajados em eleger o candidato

que representava a Frente Democrática, utilizaram de

8 Doc. APWB – 09.19.13.04 – Acervo Particular Walter Peracchi Barcelos – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

9 Fundo Previdenciário Privado, estabelecido por Peracchi Barcelos enquanto Comandante Geral da Brigada Militar.

10 Doc. APWB – 09.22.13.04 – Acervo Particular Walter Peracchi Barcelos – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

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História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. de 2016 498

sua influência e prestígio adquiridos com o passar do

tempo junto ao povo rio-grandense, exaltando o passa-

do de glórias e sua honradez moral em um momento de

instabilidade política pelo qual atravessava o estado do

Rio Grande do Sul através de comunicados impressos

direcionados não somente aos membros da corporação,

mas também a comunidade gaúcha. Um exemplo disso

é outro panfleto, nominado Proclamação ao Povo do

Rio Grande do Sul11, onde, além da instituição, a figura

de Walter Peracchi Barcelos é elevada a um patamar

vultoso de moral e boa conduta. “Homem de sólidos

princípios morais”, “animado por um profundo espírito

humano”, “servido por uma alta consciência cívica”:

esses são apenas alguns dos adjetivos vinculados à figu-

ra do candidato da Frente Democrática e transmitidos à

população como uma esperança frente ao mal que re-

presentava o Comunismo. “Um legítimo representante

das tradições da honra, da lealdade e do espírito de pa-

triotismo da Força Pública do Estado”; um simples sol-

dado, que depois de ocupar todos os cargos da hierar-

quia militar, alcançou destaque no cenário político esta-

dual e nacional. Walter Peracchi Barcelos era, na visão

dos conservadores e militares, a figura perfeita capaz de

enfrentar os trabalhistas, liderados por Leonel de Moura

Brizola e sob a mística de Getúlio Vargas, em uma ba-

talha pelo mais alto posto do Poder Executivo do estado

do Rio Grande do Sul.

A propaganda política de Walter Peracchi Bar-

celos, todavia, não se deteve apenas ao enaltecimento

da figura do próprio militar, assim como a Instituição

da qual fazia parte. Ataques pessoais ao candidato Leo-

nel de Moura Brizola e ao PTB foram uma constante na

campanha eleitoral de 1958 por meio de folhetos im-

pressos, como trovas assinadas por anônimos, mas cla-

ramente financiados pela Frente Democrática, como

por exemplo, O Mar de Lama, que dá nome ao presente

artigo. Nome este que, de acordo Fausto (2008), esteve

presente na série de acusações a Getulio Vargas que,

apesar de não comprometerem pessoalmente a figura

do presidente, permeavam seu Governo, sendo investi-

gado pela polícia e pela Aeronáutica, sendo esta moti-

vada pelo assassinato do Major Ruben Vaz, que acom-

panhava Carlos Lacerda12 durante um atentado a vida

do jornalista. Portanto, trata-se de uma clara insinuação

aos lados sombrios do Governo de Getulio Vargas, que

refletiam diretamente sobre o PTB, do qual era fundador.

Na campanha de 1958 no Rio Grande do Sul, o

apelo ao anticomunismo, bem como a valorização da

família e da fé cristã e as severas críticas ao apoio do

PCB à candidatura do petebista Leonel Brizola consti-

tuíram-se, conforme Cánepa (2005), como algumas das

principais bases da candidatura Walter Peracchi Barce-

los. Estes são os temas principais do poema O Mar de

Lama, citado anteriormente, e podem ser observadas

em versos como:

No dia 3 de outubro/Vai ferir-se um

grande duelo/O povo já se prepara/Com

Peracchi Barcelos/Com a igreja e a fa-

mília/ Contra a foice e o martelo/Uma

boa verdade é esta/Está bem a nossa vis-

ta/ [...] Isto é uma realidade/Você pode

comprovar/Se conhece algum comunista/

Por perto do seu lugar/Você pergunte

para ele/Em quem pretende votar/Lá em

Porto Alegre/ Brizola teve proveito/Mas

pergunte àquele povo/Por quem ele foi

eleito/O Partido Comunista/Fez o Brizo-

la prefeito. [...] Eleitores do Rio Grande/

Já estão bastante treinados/ Principal-

mente os colonos/ Que tomem muito cui-

dado/ Poisque os comunistas estão/ Por

Brizola controlados/ Os eleitores coloni-

ais/ Ainda estarão lembrados/ Daquele

último pleito/ Para o Governo do Estado/

Comunistas e trabalhistas/ Votaram de

braços dados.

11 Doc. APWB – 09.21.13.04 – Acervo Particular Walter Peracchi Barcelos – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

12 Jornalista e político brasileiro, membro da UDN. Exerceu o cargo de vereador, deputado federal e governador da Guanabara. Ficou conhecido como

um dos principais críticos de Getúlio Vargas.

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Com base nos versos acima, verificamos que as

acusações de ligação com o PCB são anteriores a 1958

e remetem as eleições municipais de 1954, quando Bri-

zola tornou-se Prefeito de Porto Alegre, assim como as

eleições de 1954 para o Governo do Estado, quando

Alberto Pasqualini, candidato trabalhista, foi derrotado

por Ildo Menegheti. Tais acusações fazem-se presentes

também no discurso de apoiadores da Frente Democrá-

tica como, por exemplo, o deputado do Partido Socia-

lista Brasileiro (PSB)13, Candido Norberto, que reme-

tem à vitória petebista sob um suposto apoio comunista:

O candidato do PTB já recebeu, nas elei-

ções municipais, o apoio dos comunistas

e agora o Sr. Leonel Brizola está sendo

clara e ostensivamente apoiado pelo Par-

tido Comunista [...] o sr. Brizola admi-

nistrou e administra a Prefeitura de Por-

to Alegre, com a solidariedade efetiva de

representantes do Partido Republicano,

cujas origens de ordem eleitoral são bem

conhecidas. O sr. só não levou à presi-

dência da Câmara Municipal de Porto

Alegre um vereador que poderá não ser

comunista, mas que o Partido comunista

está vinculado.

Constatamos, mais uma vez, a partir desta fala,

a tentativa de ligação do candidato trabalhista ao PCB,

agora não apenas com insinuações acerca de um supos-

to apoio comunista nas eleições de 1955 à Prefeitura de

Porto Alegre, quando foi eleito, mas também de favore-

cimento aos mesmos durante sua gestão na Capital, ten-

do como intermediário o Partido Republicano, no qual

os comunistas se encontrariam supostamente infiltrados.

A valorização da família e da fé cristã, outro

alicerce da campanha de Walter Peracchi Barcelos, está

diretamente relacionada ao anticomunismo, e conse-

quentemente, às críticas ao apoio do PCB ao PTB, ten-

do como base, a tentativa de substituição da moral cris-

tã por moral “proletária”, assim como a associação dos

comunistas ao “diabo”, referida anteriormente. Para

Cánepa (2005), isto se fazia ainda mais necessário neste

momento, uma vez que eram também bandeiras do

PRP, coligado no pleito de 1958 ao PTB. Pode ser per-

cebida, por exemplo, no poema citado anteriormente, O

Mar de Lama, quando, nos seus versos iniciais, o autor

faz menção à “luta” que seria travada no pleito de 3 de

outubro onde, de um lado estaria Walter Peracchi Bar-

celos, com a igreja e a família, e de outro a foice e o

martelo, representados por Leonel Brizola e seus apoia-

dores comunistas. Além disso, percebemos tais aspec-

tos em inúmeras manifestações de Walter Peracchi Bar-

celos, como por exemplo, o Impressionante e Como-

vente Discurso de Peracchi14, noticiado no Jornal Cor-

reio do Povo, no qual o candidato do PSD declara:

Nascido em berço humilde, aprendi, des-

de cedo, no ambiento modesto em que

formei as linhas mestras do meu caráter,

a resguardar, com pudor e respeito, to-

dos aqueles preceitos de honestidade,

que ouvi da boca de meu pai e senti nos

exemplos de minha mãe. [...] Procura-

ram ferir a honra de um homem ferindo-

lhe, antes, a dignidade da própria famí-

lia. [...] A vós, mães e esposas, que

mantendo ainda essa velha e exemplar

condição de pureza moral, que a fé cristã

vos autorga, a vós, esposas e mães do

Rio Grande, eu dedico toda a calada re-

signação com que a minha esposa e mãe

dos meus filhos vem vivendo esse quadro

de insultos à honra do seu lar.

Percebemos, a partir dos versos, a nítida tentati-

va de mobilização popular através de conceitos como a

família – seja pela ação nostálgica de lembrar a infân-

cia, pai e mãe, quanto por colocar, como possíveis al-

vos dos ataques recebidos, sua família – e fé cristã – na

qual a família tradicional está enraizada – alvos dos co-

munistas, ligados a Brizola.

13 Doc. APWB – 13.169.26.11 – Acervo Particular Walter Peracchi Barcelos – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

14 Doc. APWB – 13.171.26.11 – Acervo Particular Walter Peracchi Barcelos – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

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História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. de 2016 500

Frente aos ferrenhos ataques, presentes desde

eleições para a prefeitura de Porto Alegre em 1955, co-

mo se pode verificar no poema, entendem-se, de acordo

com Cánepa (2005), “a presteza e a rigidez com que

Brizola se preocupa em repudiar tal apoio, ainda que

defenda a legalização do PC.” Apoio este expresso pelo

principal líder comunista, Luis Carlos Prestes, noticiado

em reportagem ao Jornal A Hora15, frente à impossibili-

dade de se candidatar pelo PCB, em consequência da

ilegalidade na qual se encontrava o partido, afirma:

Aceitarei por qualquer um. Naturalmente

o mais difícil de aceitar seria o PRP, pe-

lo seu passado de integralistas, mas mes-

mo com o PRP nós estamos prontos a

marchar juntos, no Rio Grande do Sul,

apoiando a candidatura do senhor Leo-

nel de Moura Brizola, Nós aceitaríamos

qualquer legenda.

Diante das acusações por parte da Frente Demo-

crática, Brizola recusou o apoio de Prestes, a fim de não

perder os votos católicos na região da serra gaúcha

(BRAGA et al. 2004), e aproveitou, nesta ocasião, para

expor as diferenças entre o trabalhismo:

[...] o trabalhismo é nacionalista, o co-

munismo é internacional; o comunismo é

materialista, o trabalhismo se inspira na

doutrina social cristã; o comunismo é a

abolição da propriedade, o trabalhismo

defende a propriedade dentro de um fim

social; o comunismo escraviza o homem

ao Estado e prescreve o regime de ga-

rantia de trabalho, o trabalhismo é a

dignificação do trabalho e não tolera a

exploração do homem pelo Estado nem

do homem pelo homem; o comunismo

educa para formar uma sociedade de

formigas, o trabalhismo educa para o

progresso, para a liberdade, para a ele-

vação da pessoa humana (BRAGA et al.

2004, p. 50).

Apesar do repúdio ao apoio comunista, Luis

Carlos Prestes não mudou seu posicionamento quanto à

candidatura trabalhista. Segundo Cánepa (2005), em

entrevista a Rádio Itaí, dias antes das eleições, o líder

comunista reiterou seu apoio à candidatura de Brizola,

com o intuito de derrotar Walter Peracchi Barcelos, a

quem chamou de “o candidato do entreguismo”. De

acordo com Prestes, seu apoio não dependia da vontade

de Leonel Brizola. Apoiava a candidatura trabalhista

porque, para derrotar um, era necessário apoiar o outro.

A ligação de parentesco entre Brizola e o então

Vice-Presidente da República, João Goulart, também

foi alvo de acusações por parte da Frente Democrática e

fica explicita em outra trova, intitulada ...e a FLAUTA

pegou!16 assinada pelo trovador “Gaúcho Velho”, que

diz: “Brizola! Brizola!/ Não adianta choradeira/ Morreu

a vaca Ita/ Vais mamar numa terneira!/ Brizola! Brizo-

la!/ Não adianta a choradeira/ Vai pedir a João Goulart/

Que te arranje outra terneira”. Uma insinuação de que o

candidato trabalhista se fazia valer da proximidade com

Jango e do status que tal posição lhe trazia para alçar

vôos maiores, rumo ao Palácio Piratini.

Tal ligação de parentesco fortalecia ainda mais

as acusações de proximidade entre Brizola e os comu-

nistas, uma vez que o nome de Jango fora ligado ao

PCB enquanto Ministro do Trabalho, pois conforme

Angela de Castro Gomes e Maria Celina D’Araújo

(1989), ao liberalizar a política sindical, buscou uma

reaproximação desta classe com o PTB, abrindo, ao

mesmo tempo, um campo de atuação para o PCB, vi-

sando uma ação conjunta entre estes e os trabalhistas. A

partir desta ação, os comunistas passaram a gozar de

uma margem de liberdade oficiosa para atuar entre a

classe trabalhadora que não possuíam desde 1946,

quando o partido entrou na ilegalidade. De acordo com

Gomes e D’Araújo (1989), a estada de Goulart no Mi-

nistério do Trabalho foi tida como a possibilidade de

estabelecimento de uma república sindicalista, devido,

15 Maço 61 – Acervo Particular Francisco de Paula Brochado da Rocha – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

16 Doc. APWB – 09.15.13.04 – Acervo Particular Walter Peracchi Barcelos – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

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História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. de 2016 501

entre outras coisas, ao aumento da participação dos tra-

balhadores na política e ao crescimento do trabalhismo.

Sendo assim, a proximidade com o Vice-

Presidente fazia de Brizola um alvo de acusações de

oportunismo, assim como de favorecimento a idéias e

estabelecimento do PCB no Rio Grande do Sul e em

todo o território nacional, remetendo-nos ao anticomu-

nismo e às acusações de ligação ao partido liderado por

Luis Carlos Prestes, citadas anteriormente.

Ataques à coligação PTB-PRP, de igual maneira,

fizeram parte da pauta de campanha de Walter Peracchi

Barcelos contra os trabalhistas. Para Cánepa, estas críti-

cas sobrepassaram toda a campanha eleitoral e estão

embasadas em dois argumentos: “Quanto à aliança PTP

-PRP, envolve dois aspectos: alguns apontam a incon-

gruência e o oportunismo da mesma, e outros, como é o

caso do Partido Libertador, se concentram no caráter

totalitário e, portanto, antidemocrático do integralis-

mo” (CÁNEPA, 2005, p.245).

Tal aliança era, de acordo com Cánepa (2005),

almejada já em janeiro de 1958 pelos trabalhistas. O

PTB, em carta encaminhada à convenção do PRP, fez

referência aos pontos em comum para um plano de Go-

verno, afirmando que nenhuma subordinação ocorreria

em caso de vitória dos trabalhistas e ressaltando que

contava com a participação da agremiação, PRP, nas

responsabilidades do Governo. Em janeiro do mesmo

ano, tal aliança foi consolidada. A partir daí, iniciou-se

uma campanha massiva, por parte da Frente Democráti-

ca, no intuito de denegrir a coligação, que juntamente

com o PSP, ficaria conhecida como Frente Popular.

No que se refere à incongruência e ao oportunis-

mo desta união, a Frente Democrática explorou uma

série de discursos e ofensas proferidas por membros do

PTB contra o PRP, e vice versa, no intuito de pôr em

atrito eleitores de ambos os partidos. Tais acusações

estão presentes em O Mar de Lama, como nos mostram

os versos abaixo:

[...] Nós estamos confirmando/ O que

dizem os integralistas// Foram eles que

disseram/ Que o PTB é comunista [...] O

PRP do Rio Grande/Talvez não seja cul-

pado/Plínio que fez essa união/Deve es-

tar descontrolado/Os PRP andam dizen-

do/Que estão mal acompanhados/O PRP

pobrezinho/Não devemos maldizer/Mas

unido ao PTB/Vai deixar-se comprome-

ter/Porque uma ovelha ruim/Bota o reba-

nho a perder.

Outro exemplo de acusação, baseada no caráter

oportunista da coligação, é a declaração do deputado

Cândido Norberto, do PSB, referidas anteriormente, na

qual justifica o apoio do partido à Frente Democrática.

Nela, disse não se fazer valer de qualquer compromisso

ou concessão de ordem doutrinária, diferentemente de

outros partidos – PTB e PRP – que até ontem proclama-

vam existir entre si divergências intransponíveis, po-

rém, agora, andavam lado a lado, negociando direitos e

interesses. Declarou ainda não ser trabalhista para, en-

tre um democrata e um integralista, escolher, em troca

de vantagens eleitorais, o segundo, e que, além de todos

os motivos apontados até agora, teriam contra a candi-

datura integralista tudo aquilo que, no passado, o pró-

prio Leonel Brizola disse acerca desta agremiação.

Quanto às acusações referentes ao caráter totali-

tário e antidemocrático do PRP, adjetivos como

“integralistas” e “fascistas”, se tornaram rotineiras em

manifestações de integrantes da Frente Democrática

quando questionados acerca da aliança PTB-PRP e po-

dem ser verificadas em declarações, como a de Brito

Velho, candidato ao Senado pelo PL, em entrevista ao

Jornal Correio do Povo, na qual afirma: “o dirigente

máximo do Partido da Representação Popular, e natu-

ralmente seus seguidores apresentam-se falsamente co-

mo democratas, devendo ser classificados entre os tota-

litários da direita”.

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História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. de 2016 502

Plínio Salgado, a quem Brito Velho se refere,

era, em 1958, a principal liderança do PRP a nível naci-

onal. Porém, sua ligação com os integralistas era inegá-

vel, sendo um dos fundadores da Ação Integralista Bra-

sileira (AIB) – movimento político fascista nacionalista

brasileiro –, em 1932, logo após a Revolução Constitu-

cionalista17, na cidade de São Paulo (FAUSTO, 2008).

Trata-se, portanto, de uma clara tentativa de retomar o

período em que esteve em atividade a AIB trazendo a

tona assim o passado antidemocrático não apenas de

Plínio, mas de inúmeros outros membros do PRP que

integraram este movimento.

Além destas, acusações como as de ligação com

o comunismo também fizeram parte do vasto repertório

de ataques da Frente Democrática à coligação PTB-

PRP. Para os apoiadores de Walter Peracchi Barcelos,

tratava-se de uma cortina de fumaça, que tinha como

intuito esconder os verdadeiros apoiadores de Leonel

Brizola: os comunistas. Tais acusações podem ser per-

cebidas, por exemplo, em declarações, como a publica-

da do Jornal Folha da Tarde18, que noticia: “A despeito

dos falsos repúdios a chamada Frente Populista (PTB-

PRP-PSP) está unida ao comunismo. É um antigo con-

luio, agora repudiado apenas para iludir o eleitorado

católico”.

Apesar destas acusações, tal união foi defendida

de todas as formas por Brizola, ocupando por vezes

considerável tempo do seu discurso em rádios. Para o

candidato trabalhista, as acusações ao PRP eram infun-

dadas e maliciosas e que a pluralidade de partidos polí-

ticos, e consequentemente, de ideologias políticas esta-

va assegurada na Constituição e fazia parte de um siste-

ma democrático. Segundo recorte do Jornal Correio do

Povo, conforme Cánepa (2005), declarou não conside-

rar o PRP um partido de direita. Disse ainda considerar

de direita outras forças políticas nacionais, reacionárias,

como o Partido Liberal (PL) e o chamado “lacerdismo”

da UDN.

A defesa de tal aliança, de forma tão veemente

por Leonel de Moura Brizola, pode ser explicada pelo

fato de ser considerada uma das bases da campanha tra-

balhista, uma vez que seria a garantia de votos em áreas

onde o PTB possuía pouca penetração (BRAGA et al.

2004). Ideia também compartilhada por Cánepa (2005).

Segundo a autora, através de exames de materiais di-

vulgados pela imprensa da época, observa-se que, mes-

mo antes do lançamento formal da plataforma de Go-

verno, a campanha de Brizola já girava em torno de

uma série de temas principais, incluindo a legitimidade

da aliança com o PRP. Além disso, uma aliança com o

PRP, tido como um partido conservador e de direita

afastariam, em parte, os rumores de uma possível liga-

ção entre Brizola e os comunistas, que o acompanha-

vam desde as eleições para a prefeitura de Porto Alegre

em 1955.

Outra maneira encontrada pela Frente Democrá-

tica para combater o trabalhismo foi, de maneira con-

tundente, lembrar o Estado Novo. Neste período, de

forte repressão a organizações políticas e manifestações

culturais internacionais, o Governo Vargas promoveu

uma integração forçada dos alemães, que de maneira

isolada, cultivavam suas origens e costumes. Os teuto-

brasileiros, segundo Santos (2007), representavam uma

imensa ameaça ao projeto político introduzido por Ge-

tulio após 1937, que pregava uma cultura estritamente

brasileira e combatia todo tipo de diversidade cultural,

seja ela manifestada através da língua, da música ou

qualquer outro costume mantido por imigrantes no Bra-

17 Movimento armado, ocorrido no município de São Paulo, com o intuito de derrubar o Governo provisório de Vargas.

18 Doc. 02.01.01.15 – Maço 15 – Acervo Particular Hamilton Moojen Chaves – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

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sil. Passaram assim a representar uma ameaça, não só a

nação brasileira, mas a todos os países da América do

Sul, dada a política expansionista de Adolf Hitler. Com

a entrada do Brasil na guerra, em 1942, os imigrantes

alemães e italianos passaram a ser vistos como inimigos

do Estado, traidores e espiões. A perseguição policial,

outrora não declarada, era agora legitimada, uma vez

que todo imigrante alemão ou italiano era tido como

um provável colaborador do Eixo (SANTOS, 2007).

Com base nestes fatos, foram publicados, em O Mar

Lama, versos como:

Até é bem triste contar/O que esta genta-

lha fez/ Prendiam os alemães/E metiam

no xadrez/E davam relho e borracha/ Até

falar português/ [...] Isso tudo é bem ver-

dade/ Sem sombra de caçoada/ A perse-

guição era braba/ Onde havia alemoada/

Até hoje ainda tem/ Gente de costela

marcada/ Os getulistas sitiavam/ Qual-

quer casa de alemão/ Forçavam porta e

janela/E faziam a invasão/ Entravam no

quarto a dentro/ E viravam até o col-

chão/ Abriam malas a coices/ Buscando

armas e munição/ Quebravam mobília e

maquinas/ E atiravam pelo chão/ E as

coisas que levavam/ Vendiam por qual-

quer tostão/ Quando achavam qualquer

coisa/ Com escrita em alemão/ Arranca-

vam das paredes/ Com a ponta do facão/

E levavam para as suas casas/ Para lim-

par o garrão.

Estes versos, entre outros, traziam à tona a polí-

tica ditatorial getulista para com os imigrantes e atingi-

am diretamente a candidatura de Leonel Brizola, consi-

derado um dos herdeiros políticos de Vargas, além de

pôr em cheque a credibilidade do PTB frente aos imi-

grantes, que eram, na sua grande maioria, fiéis eleitores

do PRP e que possuíam grande representatividade no

Interior e Serra gaúcha. Um movimento estratégico,

diante da grande possibilidade de sucesso – que veio a

se concretizar no final do pleito eleitoral de 1958 – que

tal coligação possuía.

Tão logo as acusações acerca da perseguição

aos colonos alemães no período do Estado Novo – que

automaticamente recaíam sobre os trabalhistas, e mais

especificamente sobre Brizola – foram divulgadas, veio

o contra-ataque por parte dos mesmos. Em um panfleto

intitulado Lembrai-vos do Tempo da Guerra!...19, Wal-

ter Peracchi Barcelos foi alvo de incriminações de teor

semelhante às praticadas por ele. Aproveitando-se do

passado do candidato militar, tal panfleto possuía o in-

tuito de lembrar que, no mesmo período em que acusa-

va o Estado Novo, na figura de Vargas, de perseguição

e maus tratos a colonos, o então candidato da Frente

Democrática atuou como Chefe da Casa Militar do In-

terventor Cordeiro de Farias, autorizando a invasão de

casas, assim como o confisco de rádios, espingardas,

relógios, coleções de moedas, Bíblias, entre outras coi-

sas. O panfleto reiterava ainda que ninguém, sob ne-

nhuma hipótese, estava autorizado a falar na língua da

pátria de origem. Aqueles que se opunham a tal ordem

eram surrados e presos por soldados da polícia militar

gaúcha, subordinados a Walter Peracchi Barcelos.

Da mesma maneira que as acusações contra os

getulistas, no Estado Novo, recaiam sobre Brizola, tais

acusações contra o candidato do PSD não atingiam ape-

nas a ele, mas a instituição Brigada Militar, a qual este

representava, podendo ser compreendidas como retalia-

ção ao apoio declarado do Comando da Brigada ao can-

didato da Frente Democrática. Segundo o panfleto Lem-

brai-vos do Tempo da Guerra!..., o mesmo coronel que

naquele momento se apresentava como uma ovelha

mansa, angariando votos daqueles que chamava de ami-

gos e buscava a simpatia através da religião, levando

em consideração a força do cristianismo em meio aos

colonos de maneira geral, outrora fora um lobo, que

juntamente com outros, comiam e tiravam tudo que os

colonos, com muita luta, haviam conquistado.

19 Doc. APWB – 09.18.13.04 – Acervo Particular Walter Peracchi Barcelos – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

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Considerações Finais

Através desta análise, entendemos o anticomu-

nismo como um dos principais alicerces da campanha

da Frente Democrática no pleito de 1958 pelo Governo

do Estado do Rio Grande do Sul. O anticomunismo ma-

nifestou-se de maneira variada através de práticas e dis-

cursos, indo ao encontro da análise de Motta (2000)

acerca do tema no país, adaptado de acordo com reali-

dade brasileira a partir dos setores que o compartilha-

vam. Identificamos, neste caso, acusações de ligação e

apoio aos ideais comunistas, referentes tanto ao mo-

mento presente, mediante ao apoio declarado pelo líder

do PCB, Luis Carlos Prestes, quanto a um passado pró-

ximo, onde Brizola, segundo seus acusadores, foi bene-

ficiado pelo apoio comunista, se elegendo naquela oca-

sião prefeito da capital gaúcha, assim como críticas as

alianças políticas estabelecidas, mais especificamente

entre PTB e PRP, destacando o passado integralista do

seu principal líder, Plínio Salgado, e o caráter fascista

do partido frente ao discurso trabalhista. Além disso,

constatamos a ação nostálgica de lembrar a perseguição

praticada contra imigrantes alemães e italianos durante

o Estado Novo por Vargas, fundador do PTB, atacando

de forma direta o legado de Getúlio, principal bandeira

trabalhista, bem como insinuações acerca de possíveis

benefícios que uma ligação com o Vice Presidente, Jo-

ão Goulart, traziam a Brizola, além de novamente ligar

a figura do petebista aos comunistas, dadas as ações

tomadas por Jango, seu cunhado, enquanto Ministro do

Trabalho, que veio a beneficiar os trabalhadores de mo-

do geral, e consequentemente aos comunistas. Para

além das acusações diretas ao candidato trabalhista e ao

próprio PTB, percebemos uma intensa campanha junto

a órgãos públicos como a Brigada Militar, da qual Wal-

ter Peracchi Barcelos fazia parte, utilizando o prestígio

da mesma para fortalecimento da imagem do candidato

da Frente Democrática frente ao eleitorado rio-

grandense.

Verificamos, a partir daí, o anticomunismo não

exclusivamente como uma convicção ideológica, mas

como um discurso que buscava mobilizar as massas,

referido por Motta (2000) como uma prática frequente,

mas não generalizada, entre políticos conservadores.

Estes utilizavam o medo crescente de uma parcela da

população, decorrente do crescimento de partidos de

esquerda em âmbito nacional e estadual, como forma

de alavancar suas carreiras políticas ou, neste caso, ob-

ter sucesso no pleito eleitoral, fazendo-se valer de di-

versos meios midiáticos, como jornal e rádio, a fim de

se mostrarem à população como ferrenhos combatentes

do perigo comunista – que atentava contra a moral cris-

tã, os bons costumes e à família. Foi o caso de Walter

Peracchi Barcelos, que se apoiou sobre um discurso que

apela a ideias ligadas à moral, aos princípios cristãos e

à família, além da credibilidade que o posto de militar

lhe oferecia.

Por fim, percebemos, diante de fortes acusações

e respostas, distribuição de panfletos e larga mobiliza-

ção, um cenário extremamente competitivo e um siste-

ma político significativamente mais democrático, frente

à ampliação e mudança de perfil do eleitorado, que se

tornava cada vez mais urbano, com mais acesso a infor-

mação e, conseqüentemente, mais crítico. Desta forma,

a disputa por cada voto se tornava cada vez mais inten-

sa. Além disso, verificamos que, como foi relatado, até

mesmo o apoio de determinado partido ou figura políti-

ca, neste caso o PCB e seu líder, Luis Carlos Prestes,

poderia significar a derrota em uma campanha, conse-

quência da perda dos votos de determinada parcela da

sociedade e que, a fim de gerar o distanciamento de

imagem em relação aos comunistas, alianças com parti-

dos ideologicamente opostos eram tidas como vitais,

demonstrando assim a não existência de um jogo de

cartas marcadas, mas de um cenário político volátil,

passível de mudanças a todo instante.

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“MAR DE LAMA”: O ANTICOMUNISMO COMO OPOSIÇÃO AO TRABALHISMO NAS ELEIÇÕES DE 1958 NO RIO GRANDE DO SUL

História Unicap, v. 3 , n. 6, jul./dez. de 2016 505

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Submissão: 22/05/2016

Aceite: 25/10/2016