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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS. Porto Alegre, 2016. p. 203-216. <www.ephispucrs.com.br>. ANTICOMUNISMO EM RIO GRANDE PELAS DOCUMENTAÇÕES DA SOPS (1950-1960) ANTICOMMUNISM IN RIO GRANDE BY THE SOPS DOCUMENTATION (1950-1960) Tiago de Moraes Kieffer Graduando em História/ Centro Universitário Lasalle [email protected] RESUMO Esse artigo tem como objetivo responder como se deu o anticomunismo em Rio Grande na década de 1950, município onde havia a apreensão do movimento operário pelo Partido Comunista do Brasil e pela Sociedade União Operária. Para responder à problemática, buscamos comparar discursos de jornais e de diferentes órgãos do Estado. Para isso, utilizamos as fontes da Seção de Ordem Política e Social (SOPS) presentes no Arquivo Histórico do Rio Grande Sul (AHRS), na qual estão anexos relatórios, recortes de jornais locais (Rio Grande e O Tempo), entre outros documentos administrativos. Pensamos as categorias utilizadas a partir da Nova História Política e no conceito de Cultura Política. Como metodologia, utilizamos a análise de discurso. Diante disso, percebemos que o anticomunismo em Rio Grande teve uma grande aproximação com o movimento operário, sofrendo influências nacionais e internacionais em suas conjunturas locais e o antagonismo de classe foi influenciado pelo discurso trabalhista presente no munícipio. Palavras-chave: Anticomunismo. Movimento Operário. Rio Grande. SOPS. Análise do Discurso. ABSTRACT This article aims to understand the anticommunism in Rio Grande in the 1950s, having as reference sources, background documents of “Seção de Ordem Política e Social” (SOPS), in the custody of the “Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul” (AHRS). Specifically, it seeks to highlight the police’s action in relation to the movements of Rio Grande’s workers from two elements of discourse analysis, namely, producti on condition and intercourse, perform the exercise to understanding the anticommunist’s political culture. Keywords: Anticommunism. Labor Movement. Rio Grande. SOPS. Discourse Analysis. Introdução A partir da conquista da legalidade em 1945, o Partido Comunista do Brasil (PCB) concentrou as suas atividades na organização e formação de uma massa de simpatizantes (CASTELANO, 2005). De acordo com Castelano (2005), em âmbito nacional, o partido comunista até dezembro de 1945 havia conseguido 82.000 membros, sendo o primeiro partido a se empenhar na defesa dos trabalhadores do campo, “ainda que numa transposição de métodos e táticas do meio urbano” (2005, p. 2). Após ter a sua legalidade perdida em 1947, fizeram-se necessárias algumas mudanças táticas, iniciando a década de 1950 com uma perspectiva teórica que visava uma “frente única que uniria todas as classes” (CASTELANO, 2005, p.4).

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Porto Alegre, 2016. p. 203-216. <www.ephispucrs.com.br>.

ANTICOMUNISMO EM RIO GRANDE PELAS DOCUMENTAÇÕES

DA SOPS (1950-1960)

ANTICOMMUNISM IN RIO GRANDE BY THE SOPS DOCUMENTATION (1950-1960)

Tiago de Moraes Kieffer

Graduando em História/ Centro Universitário Lasalle

[email protected]

RESUMO

Esse artigo tem como objetivo responder como se deu o anticomunismo em Rio Grande na década de 1950,

município onde havia a apreensão do movimento operário pelo Partido Comunista do Brasil e pela Sociedade

União Operária. Para responder à problemática, buscamos comparar discursos de jornais e de diferentes órgãos

do Estado. Para isso, utilizamos as fontes da Seção de Ordem Política e Social (SOPS) presentes no Arquivo

Histórico do Rio Grande Sul (AHRS), na qual estão anexos relatórios, recortes de jornais locais (Rio Grande e O

Tempo), entre outros documentos administrativos. Pensamos as categorias utilizadas a partir da Nova História

Política e no conceito de Cultura Política. Como metodologia, utilizamos a análise de discurso. Diante disso,

percebemos que o anticomunismo em Rio Grande teve uma grande aproximação com o movimento operário,

sofrendo influências nacionais e internacionais em suas conjunturas locais e o antagonismo de classe foi

influenciado pelo discurso trabalhista presente no munícipio.

Palavras-chave: Anticomunismo. Movimento Operário. Rio Grande. SOPS. Análise do Discurso.

ABSTRACT

This article aims to understand the anticommunism in Rio Grande in the 1950s, having as reference sources,

background documents of “Seção de Ordem Política e Social” (SOPS), in the custody of the “Arquivo Histórico

do Rio Grande do Sul” (AHRS). Specifically, it seeks to highlight the police’s action in relation to the

movements of Rio Grande’s workers from two elements of discourse analysis, namely, production condition and

intercourse, perform the exercise to understanding the anticommunist’s political culture.

Keywords: Anticommunism. Labor Movement. Rio Grande. SOPS. Discourse Analysis.

Introdução

A partir da conquista da legalidade em 1945, o Partido Comunista do Brasil (PCB)

concentrou as suas atividades na organização e formação de uma massa de simpatizantes

(CASTELANO, 2005). De acordo com Castelano (2005), em âmbito nacional, o partido

comunista até dezembro de 1945 havia conseguido 82.000 membros, sendo o primeiro partido

a se empenhar na defesa dos trabalhadores do campo, “ainda que numa transposição de

métodos e táticas do meio urbano” (2005, p. 2). Após ter a sua legalidade perdida em 1947,

fizeram-se necessárias algumas mudanças táticas, iniciando a década de 1950 com uma

perspectiva teórica que visava uma “frente única que uniria todas as classes” (CASTELANO,

2005, p.4).

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Com essa radicalização, tornou-se ainda mais premente a aproximação do PCB com os

trabalhadores. Isto pode ser observado em Rio Grande, município do Rio Grande do Sul, onde

havia uma grande concentração operária e forte presença de sindicatos, associações mútuas,

culturais e de classe (SAN SEGUNDO, 2009). Também ocorria um movimento anticomunista

que reagia de forma radical às ações dos trabalhadores e à aproximação do PCB do

movimento operário. Nessa cidade, deu-se polarização das relações de trabalho, gerando

diversos conflitos. Na década de 1950, houve um recrudescimento dos embates, com presença

de forças policiais, gerando, inclusive, a perda de muitas vidas.

A partir dessas considerações, levantaram-se as seguintes questões: Como se

apresentava o anticomunismo em Rio Grande na década de 1950? Quais as formas de

intervenção policial em relação ao movimento dos trabalhadores? Quais estratégias

discursivas as autoridades utilizavam ao tratar dos conflitos? Para responder a estas

interrogações, este trabalho tem por objetivos, compreender parte da construção do discurso

anticomunista em Rio Grande na década de 1950, destacando a ação da polícia em relação aos

movimentos dos operários riograndinos. As fontes para consulta são documentos provenientes

do Fundo Seção de Ordem Política e Social (SOPS), sob a guarda do Arquivo Histórico do

Rio Grande do Sul. Nessas fontes, além da documentação da própria Seção, estão inclusos

recortes de jornais, relatórios de polícia e documentos administrativos.

Essa pesquisa se insere no campo histórico a partir das dimensões da renovação da

história política, tratando do poder das instituições estatais, direcionado aos grupos

comunistas. Em termos de abordagem, trabalha-se com história local. Justifica-se este estudo

em função de lacunas historiográficas em relação ao tema e divulgar a documentação citada a

qual ainda está em processo de catalogação.

Anticomunismo no Brasil

O século XX foi permeado por conflitos entre comunistas e anticomunistas,

materializados em confrontos diretos, em embates nas diferentes mídias e espaços, assim

como no modo como os países se relacionavam (MOTTA, 2000). Por anticomunista, de modo

geral, sem levar em conta suas diferentes manifestações pelo mundo, entende-se como os

“indivíduos e grupos dedicados à luta contra o comunismo, pela palavra ou pela ação”

(MOTTA, 2000, p.4). Rodeghero (2003, p.3) aponta para o anticomunismo como oposição

sistemática ao comunismo pelas práticas e representações. Ele se manifesta na história em

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“diferentes realidades”, sendo estimulado por setores liberais e conservadores, a partir de

instituições, como por exemplo, a Igreja Católica e o próprio Estado1.

De acordo com Bottomore (1988), Marx e Engels conceituaram o comunismo (termo

criado em 1830) como uma forma de sociedade e como partido que defenderia a classe

trabalhadora e Motta entende-o como o “projeto sintetizado das ideias marxistas-leninistas”

(2000, p. 4).

Em se tratando da aplicação dos pressupostos de Marx e Engels, a Revolução

Soviética de 1917. Na sequência da consolidação do movimento, houve a dissolução do

chamado império russo e a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),

com política, de acordo com Bottomore (1988), pautada pela rápida industrialização,

centralização da máquina estatal e subordinação dos outros partidos à ideologia socialista2.

Concomitante às disseminações das ideias comunistas, surge aquela contrária, ou seja,

o anticomunismo. O que se colocava como o “espectro que ronda a Europa”, como foi escrito

no Manifesto Comunista (1848), criava materialidade a partir de 1917. Logo, o

anticomunismo tem seu estopim na primeira fase do século XX, na conjuntura na qual

ocorrem a revolução russa, a criação da União Soviética, a Primeira, Segunda e Terceira

Internacional Comunista (1864, 1889, 1919, respectivamente) e cresce a amplitude dos

movimentos operários com greves de diferentes categorias de trabalhadores com diferentes

intensidades.

O “fantasma” passou a ser um perigo real (MOTTA, 2000). O período entre guerras e

a Segunda Guerra Mundial, visto a participação da URSS no mesmo bloco de grandes

potências mundiais, como os Estados Unidos da América (EUA) e a Inglaterra, fez com que

houvessem acordos entre ideologias distintas na luta contra o nazismo. Todavia, com o fim

dos confrontos (1945), cresceu a disputa ideológica entre socialistas e capitalistas, o que fez

intensificar-se em âmbito mundial. Em 1922 é formado o PCB, partido político mais antigo

do Brasil, tendo como liderança Astrogildo Pereira. O grupo que foi formado como sede no

Brasil da III Internacional Comunista, foi marcado, desde então, pela constante

desestabilidade de sua ação no meio legal e democrático. As pesquisas demonstram que de

1922 à 1985, apenas três anos e meio esteve na legalidade (CANALE, 1986, apud

1 Como síntese de Rodeghero (2003) e Motta (2000), pode-se afirmar que exista anticomunismo, não somente

uma manifestação. 2 Conforme Rémond (2002), o socialismo seria a política antiliberal que iria ao encontro das ideias de unificação

e de organização por meio dos órgãos estatais. Posteriormente, na Europa, seria apropriada totalmente pelo

marxismo, mas iniciou tendo um socialismo francês, outro inglês, etc. Na concepção marxista, seria um estágio

anterior ao comunismo.

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BRANDÃO, 1997)3. A Revolução Russa e a criação do partido contribuíram para a gênese de

anticomunismo brasileiro, entretanto foi a Intentona Comunista (1935)4, a maior responsável

pela disseminação dessas ideias. Conforme Motta (2000, p. 105):

O comunismo deixava de ser uma abstração e adquiria perfil definido, concreto e

próximo da realidade brasileira; o anticomunismo passava a ter um apelo forte,

sensibilizando setores significativos da sociedade que até então não davam ouvidos

às advertências sobre o “perigo vermelho”.

A possibilidade de mudança na estrutura política e social vigente, assim como

vestígios de práticas conspiratórias envolvendo Moscou (Motta 2000), marcou o ápice, até

aquele momento, tanto do PCB, quando dos opositores. No governo Vargas (1930 –1945),

outros grupos foram perseguidos, como é o caso da anticomunista, antiliberal e antissemita,

Ação Integralista Brasileira, grupo declaradamente fascista (FAUSTO, 1995). A partir da

Intentona Comunista, esse grupo e a Aliança Nacional Libertadora5 –liderada por Prestes –

foram colocados na ilegalidade, haja vista, que os dois eram questionadores do Estado e das

ações de Vargas. Nesse período, são criados os Departamentos de Ordem Político e Social

(DOPS) como órgãos de controle da ação dos setores progressistas e comunistas.

No contexto internacional, o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 e

paralelamente o início da experiência democrática no Brasil, fez com que o PCB tivesse a

oportunidade de se incluir novamente no processo político nacional. O partido comunista

elegeu 4,7% das constituintes (1946), somente ficando atrás do Partido Social Democrático

(PSD), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e da União Democrática Nacional (UDN)

(REIS, 2014).

Todavia, por mais que na Segunda Guerra Mundial a URSS estivesse do lado dos

Estados Unidos da América (EUA) em combate ao nazifascismo, iniciava-se em 19476 o

período da Guerra Fria que intensificaria a disputa ideológica entre dois blocos: capitalistas e

socialistas. Com isso, o anticomunismo no Brasil, país aliado ao bloco estadunidense, no

mesmo ano, coloca o PCB na ilegalidade, acusando-o de duplo estatuto e de referências ao

apoio de Prestes ao socialismo internacional (BROTTO, 2011). Nesse cenário, haviam outros

3 As ações do PCB foram proibidas entre abril de 1922 a julho do mesmo ano, do início até a metade de 1924,

sete meses em 1927 e 25 meses no período de democratização (CANALE, 1986, apud BRANDÃO, 1997). 4 Movimento que realizou uma tentativa de golpe ao governo Vargas em 1935 através da Aliança Nacional

Libertadora. Foi colocada na ilegalidade poucos meses após a sua criação, a partir do levante realizado no

Distrito Federal no dia 27 de novembro de 1935.

5 Frente política formada em março de 1935 com o objetivo de combate ao fascismo.

6 Para Hobsbawn (1995), a Guerra Fria iniciou em 1947 quando o presidente dos Estados Unidos criou a

Doutrina Truman, que visava a defesa dos países capitalistas ante ao avanço do capitalismo.

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tipos de anticomunismo, além daquele investido contra o partido comunista. Era comum a

associação do PTB ao PCB, devido à proximidade do discurso em defesa dos trabalhadores.

Esse discurso geralmente tinha influência dos partidos de direita, como a UDN e o PRP. Por

outro lado, o trabalhismo também compartilhava um tipo de anticomunismo, haja vista que na

campanha de 1958 ao Executivo do Estado, Leonel de Moura Brizola (PTB) criticava o

comunismo e defendia o trabalhismo, afirmando que

[...] o trabalhismo é nacionalista, o comunismo é internacional; o comunismo é

materialista, o trabalhismo se inspira na doutrina social cristã; o comunismo é a

abolição da propriedade, o trabalhismo defende a propriedade dentro de um fim

social; o comunismo escraviza o homem ao Estado e prescreve o regime de garantia

de trabalho, o trabalhismo é a dignificação do trabalho e não tolera a exploração do

homem pelo Estado nem do homem pelo homem; o comunismo educa para formar

uma sociedade de formigas, o trabalhismo educa para o progresso, para a liberdade,

para a elevação da pessoa humana. (BRAGA et al. 2004, p. 50)

Além dos partidos opositores, havia a influência da igreja, na qual fazia associação do

comunismo ao demônio e o acusava de ser uma política que não prezava a moral e os

princípios cristãos e democráticos (RODEGUERO, 2003).

Mesmo com o PCB na ilegalidade, os comunistas continuaram suas ações como

políticos em outros partidos ou como líderes de sindicatos, sempre presentes em movimentos

de reivindicações. Um exemplo dessa situação ocorreu na cidade de Rio Grande, no Rio

Grande do Sul, onde o movimento operário se encontrava organizado, tendo em suas fileiras

elementos comunistas que, nas décadas de 1940 e 1950, estavam presentes em diferentes

instâncias reivindicatórias. Nem sempre os operários estavam reunidos em sindicatos. Por

exemplo, a Sociedade União Operária (SUO) era uma entidade classista que se constituiu em

importante espaço na luta dos trabalhadores. A SUO “visava à conscientização e à melhoria

das condições de vida dos trabalhadores locais” (SCHMIDT, apud SAN SEGUNDO, 2009, p.

71). Há então uma significativa aproximação entre o movimento operário e o PCB em Rio

Grande, fazendo com que a opressão destinada para um, reflita no outro, respectivamente.

Essa participação fez com que desde 1945 até 1964, diversos eventos e greves fossem

realizados. Por vezes, o PTB ajudava, mas na maioria das vezes ficava do lado anticomunista,

inclusive nas publicações dos jornais locais, na qual eram contra as manifestações dos

trabalhadores.

A renovação da história política

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O livro organizado por Rémond intitulado “Por uma História Política” (2003), lançado

na década de 1980 na França, tinha como proposta “dedicar-se à história política, então vista

como a síntese de todos os males, caminho que todo bom historiador deveria evitar”

(FERREIRA, 2003, p. 5). Reunindo textos de autores como Serge Berstein, Antoine Prost,

Jean Pierre-Roux, entre outros, a obra apresentava diversas possibilidades de reflexões sobre

os temas possíveis da história política e quais foram os fatores que levaram a mesma ser

incluída novamente nas demandas dos historiadores na segunda metade do século XX7.

A obra de Rémond (2003), mostra que as especificidades exógenas da política

europeia (participação da população no processo político e novas formas de concepção da

política), assim como os fatores internos (percepção que a história política teria tido uma

renovação, haja vista o número elevado de fontes, metodologias e a abertura do dialogo

interdisciplinar), influenciaram para que o estudo da mesma voltasse a ser produzido nas

universidades na década, consequentemente diminuindo o preconceito da academia sobre o

campo.

A renovação do estudo do poder, tanto em uma perspectiva freudiana, quanto pelos

micros poderes em Foucault, também contribuíram positivamente, pois especificariam que o

poder não estava restrito no Estado, mas sim nas relações pessoais e em escalas invisíveis.

Essas mudanças então caracterizariam a chamada nova história política. O estudo de Rémond

em nenhum momento tem a pretensão de se intitular como fundador dessa escola, pelo

contrário, o autor comenta que teóricos considerados tradicionais com Seignobos, seriam os

primeiros a pensar a “diversidade dos temperamentos políticos regionais e a antiguidade de

seu enraizamento” (RÉMOND, 2003, p. 27). Todavia, Serge Berstein, por exemplo, trataria

sobre “Rémond e seus discípulos” dando a entender que o mesmo foi o expoente na década de

1980 e 1990 (BERSTEIN, 2009).

Dentro desse campo em inovação, novos conceitos foram incluídos, dentre eles o da

cultura política. Para tratarmos o anticomunismo, ele foi o mais ideal, pois inclui o conceito

de ideologia. Conforme Berstein (2009), a definição dada pelos historiadores sobre o conceito

é um conjunto de representações que trazem consigo normas e valores. Essas características

vão além da noção de partido ou de organização política, seja ela estatal ou autônoma. A

cultura política, ainda conforme Berstein varia em função de épocas e lugares. A relação que

esta tem com a história, iniciada pelos estudos da ciência política (COSTA, 2011), se dá

porque que essas representações são variáveis de acordo com o tempo e sofrem mutações. A

7 Nas primeiras décadas do século XX, a história política havia sido colocada de lado, haja vista que no século

XIX era majoritária, estudando apenas os líderes estatais.

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cultura política, portanto, se divide em algumas particularidades enquanto campo de estudo,

tendo a primeira delas o “substrato filosófico” (Berstein, 2009).

De acordo com Berstein (2009), o substrato filosófico é o costume que determinados

indivíduos tem de transformar certas realidades corriqueiras em projetos ideias para a

sociedade. Por exemplo, os marxistas naturalizam a luta classes da mesma maneira que os

liberais fazem com a livre iniciativa. Em união a isso, Berstein (2009) escreve sobre as

referências históricas seletivas. Ideologias diferentes utilizam por vezes os mesmos

personagens ou eventos históricos para justificarem as suas verdades e seu modelo ideal. Para

Berstein (2009, p. 35): “Não há cultura política coerente que não compreenda precisamente

uma representação da sociedade ideal de acordo com sua imagem da sociedade e do lugar que

nela ocupa o indivíduo. “

Essas características fazem com que a cultura política, inserida no campo da nova

história política, confunda-se com o estudo da ideologia. Entretanto, Motta (2009) afirma que

o estudo da cultura política ascende à ideologia, visto que a primeira mobiliza sentimentos,

valores, representações e tradições.

O anticomunismo em Rio Grande (1950-1960) a partir da SOPS: condições de produção

de discurso e interdiscurso

Orlandi (2005) apresenta algumas perspectivas possíveis para a Análise do Discurso,

são elas: condições de produção, interdiscurso, paráfrase, polissemia, relações de força,

relações de sentido, antecipação, formações imaginárias; formação discursiva; ideologia e

sujeito. Para essa análise, optamos por utilizar as duas primeiras perspectivas da Análise do

Discurso, isto é, condições de produção e interdiscurso8.

Conforme Orlandi (2005. p. 30), as “condições de discurso compreendem

fundamentalmente os sujeitos e a situação”. Na reflexão está presente a análise referente ao

lugar e ao tempo em que o diálogo entre emissor e receptor acontece, assim como sua

respectiva decodificação. Assim sendo, o contexto imediato é adquirido como sentido estrito.

Em sentido amplo, temos o contexto sociohistórico e ideológico. Nesse caso, há a inclusão da

reflexão sobre como o poder se organiza e como acontecem as posições de mando e

obediência.

No contexto imediato, a década de 1950 em Rio Grande tem início conturbado, devido

aos conflitos dos operários com a polícia, notadamente quando das comemorações do dia do

8 Conforme Orlandi (2005), a construção do dispositivo analítico é responsabilidade do pesquisador que irá

utilizar os conceitos a partir das suas necessidades de acordo com a pergunta formulada no projeto inicial.

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trabalho, o “Primeiro de Maio” de 1950, o qual ficou conhecido como o “Massacre da Linha

do Parque”. Naquela data, houve a realização de um churrasco organizado pelo movimento

operário na Linha do Parque e logo após, uma caminhada em direção a SUO, com o intuito de

comemorar o dia do trabalhador e o aniversário de inauguração da entidade. O evento

terminou em confronto com a polícia, logo após a ordem do DOPS para que se dispersassem.

Conforme San Segundo (2009), após isso houve tiroteios por parte da polícia, haja vista que

os manifestantes não se dispersaram e Antonio Réchia gritava para a abertura da SUO. O

autor explica que em outras versões, não a oficial, mas sim a dos trabalhadores, que o protesto

seguia pacificamente, mas

o que se viu foi exatamente uma tentativa de fazer o oposto por parte dos policiais,

que descarregaram seus revólveres, segundo os seus próprios depoimentos. Outro

fato inegável é que os militantes atingidos foram exatamente alguns dos principais

líderes operários e comunistas da cidade, exceto um do qual não se tem provas de

ser comunista (SAN SEGUNDO, 2009, p. 138).

Na proposta metodológica de Orlandi, entende-se que para haver um contexto

imediato, automaticamente há um contexto amplo permeado por ideologias e discursos

dominantes. Nesse caso, desde 1945, com a volta do PCB à ativa, os embates haviam

adquirido uma nova forma: houve a aproximação do anticomunismo aos trabalhadores que

faziam parte dos movimentos operários. Para ilustrar, a tabela abaixo contém exemplos de

indivíduos atuantes no PCB no período legal, inclusos nos movimentos operários pós 1947.

Quadro 1 – Comunistas Citados nos Relatórios da Seção.

Nomes Descrição

Aldovar Mattos

Citado com membro do PCB e líder

sindical nas Greves de 1949

Antonio Réchia

Citado como membro do extinto PCB

desde 1934 e líder sindical nas Greves de

1949

Dr. Vespasiano Correa

Citado como membro do extinto PCB

desde 1934 e líder sindical nas Greves de

1949

Sérgio Soares de Paiva

Citado como membro do extinto PCB e

participante das Greves de 1949

Tabela 1: Comunistas citados nos relatórios da SOPS9. Fonte: Autoral

As greves de 1949 foram realizadas contra a entrada de navios estrangeiros no porto

local. Percebe-se que há uma necessidade de relembrar a posição dos participantes dos

movimentos operários. Na realidade, o questionamento ao indiciado era uma atividade típica

9 SOPS RG – 1.2.383.4.2.

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da polícia e das SOPS, pois o contexto estava permeado por um medo relativo à possibilidade

dessa mudança da ordem vigente. Um exemplo de controle dos trabalhadores era o Atestado

de Ideologia Política. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio previa que não

poderiam ser eleitos indivíduos que professassem ideologias diferentes daquelas indicadas

pelo Estado e a Nação10 O comunista Ladislau Vargas da Silveira, por exemplo, era citado

como membro do PCB e compartilhador das ideias do Partido Comunista Chinês11.

A última greve da década de 1940 teve como resultado o seguinte:

Vários manifestantes foram presos pela polícia em decorrência da greve. Não se

sabe ao certo quais e nem o total de pessoas, mas os processados oficialmente pela

greve foram Euclides Pinto, Aldovar Mattos, Antônio Réchia, João Aquino,

Alexandre Doral Reis, Manuel Réchia e Palmor Martins. (SAN SEGUNDO, 2009,

p.90)

Portanto, o clima de 1950 não era inédito, mas sim um ápice da disputa entre os dois

lados em questão. O confronto do Primeiro de Maio, de acordo com San Segundo (2009),

terminou em descarregamento de tiros de revólveres contra os principais líderes operários e

comunistas da cidade. Não diferentes foram as greves de 1952 contra o aumento da carestia

de vida. Pode-se afirmar que no discurso dos anticomunistas, era colocada a necessidade de

evitar o que já havia acontecido em anos anteriores. Quando Aracy Carvalho dos Santos

responde em nome de seu filho menor de idade ao Departamento de Polícia Civil sobre os

acontecimentos de Julho e Agosto de 195212, ela é clara em explicitar a ação da polícia ante à

greve. Esse documento também mostra que a população em geral não era apática aos

acontecimentos, isto é, liam os jornais, comparavam versões, tinham suas próprias opiniões. O

relatório inicia com a descrição do dia 26 e 27, quando os trabalhadores se reuniram em frente

ao COMAP em greve geral contra o aumento da carne. No final do dia 27, o preço baixou,

mas as carnes sumiram dos açougues. A incerteza da baixa do preço da carne se manteve até o

dia 10 de agosto, quando aproximadamente 20 mil pessoas estavam mobilizadas na cidade

(SAN SEGUNDO, 2009). A solução para o fim da greve, mais uma vez não foi o acordo ou

dialogo, mas a violência. Conforme citação de jornal anexo ao documento citado, o Dr.

Renato Souza, que falava em nome do estado, afirmou que a tabela de preços se manteria e

que o Estado iria “varrer à bala qualquer manifestação que o povo pretendesse fazer no dia

10 Processo n° 959.675 –1950 –Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. 11 SOPS RG -1.2.394.4.2 12 SOPS 1._.1.1.1.

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seguinte”. A greve foi mantida, vários manifestantes e líderes sindicais foram presos, fazendo

a indignação entre os populares.

Interdiscurso: a memória anticomunista

Definidas as condições de produção, deve-se relacionar as características do

interdiscurso, isto é, “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a

forma do pré construído, o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da

palavra” (ORLANDI, 2005, P.31). Nisso, tem-se as relações da memória discursiva, aquilo

que determina a relevância do que se está discursando, na qual possui historicidade por vezes

esquecida.

No caso riograndino, o interdiscurso é perceptível nos termos utilizados contra os

anticomunistas. Sem uma Análise de Discurso e uma pesquisa sobre a historicidade daqueles

termos, eles não contêm significados e não adquirem funções pejorativas. No quadro abaixo

temos alguns exemplos:

Termos Utilizados Comunista Dirigido

“Dirigente Vermelho” Dirigido para Alfredo Cassahy

“Professou oração nitidamente comunista” Dirigido para Athaydes Rodrigues

“Grande número de vermelhos” Dirigido para manifestantes da SUO

“Comunista Agitador” Dirigido para Carlos de Lima Aveline

Tabela 2: Termos utilizados13. Fonte Autoral

Percebe-se que os anticomunistas davam ênfase à ideologia dos participantes e a cor

que os representava, isto é, o vermelho. Definir quem era comunista garantia para quem

deveriam ser investidas as acusações e aversões, haja vista que sempre havia a associação ao

“imperialismo soviético, disseminador de agentes do mal pelo mundo todo” (RODEGHERO,

2003, p.38). Sendo a Rússia, a pátria que tomaria para si a identidade do socialismo e dos

trabalhadores (MOTTA, 2000), fez-se necessária identificar a ideologia, permitindo levar à

tona uma crença tida como invisível, na qual se escondia atrás das “greves por melhores

condições de vida, de congressos pela paz, de manifestações de caráter nacionalista, para

ocupação de terras para efeito da reforma agrária e dos movimentos estudantis”.

(RODEGHERO, 2003, p. 38)

O vermelho estava associado ao demônio, ideia amplamente divulgada pela Igreja

Católica. De acordo com Rodeghero (2003), falava-se em demônio vermelho como

identificação do comunismo. O comunismo, desde 1917, era um novo perigo que a Igreja

13 Síntese de fontes SOPS RG -1.2.392.4.2 e SOPS RG -1. -.5.1.1.

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enfrentava em sua história (RODEGHERO, 2003). Outro exemplo da influência da tradição

cristã em Rio Grande eram as declarações de não pertencimento ao partido comunista. Entre a

documentação consultada, mais de 30 documentos se referiam à desistência afirmando que o

PCB era “contra os princípios cristão e democráticos”. Conforme Motta (2000), no discurso

liberal, totalmente contrário ao PCB, há a afirmação que o comunismo é a antítese da

liberdade e da democracia.

Outro exemplo de análise do interdiscurso no anticomunismo riograndino, são as

memórias utilizadas como argumento para a repressão. Durante alguns anos, em todo o

primeiro de maio era realizado um levantamento sobre as manifestações do dia. De um lado,

havia a aproximação dos comunistas ao evento, de outro o receio da polícia de que novos

acontecimentos ocorressem. A Superintendência de Ordem Política e Social publicou em

1956 o seguinte: “Duas informações do S.I: Um pequeno número de comunistas, chefiado por

Carlos de Lima Aveline, compareceram ao cemitério Municipal, para ali prestarem

homenagem aos mortos do conflito de 1° de Maio de 1950”14.

Percebe-se que a palavra “conflito” indica que a Superintendência não negava as

mortes do dia, mas justificava que elas surgiram após a luta entre os dois pólos em questão.

No mesmo documento, há a investigação dos anos de 1955 e 1957. Certamente os relatórios

de outros anos se perderam ou estão em outras instituições de pesquisa, pois não se encontrou

no AHRS, contudo pela padronização do documento, isto é, a relação dos palestrantes na

SUO e os acontecimentos em outras instituições, como a CIA SWIFT e o levantamento sobre

pichamentos, deixam a entender que era algo comum após 1950.

Como se trata de um anticomunismo estruturado pela memória, as complexidades de

uma sociedade institucionalizada também se fariam presentes em Rio Grande. A presença de

Edgar Buxbaum em comício organizado por Alfredo Cassahy15 em decorrência do acordo

entre EUA e Brasil (1953), é bastante curiosa. Buxbaum era um Praça do Exército28, mas

mesmo assim membro da Liga de Emancipação Nacional (LEN)16, fechada em 1956 em

decorrência do processo instaurado pela Cruzada Brasileira Anticomunista (FGV). Segundo

Rodeghero (2002), a entidade foi criada pelo Almirante Carlos Penna Botto em 1952 e em

1955 foi uma grande contestadora da campanha do presidente Juscelino Kubistchek. O

argumento era que o presidente se elegeu com o voto dos comunistas, assim sendo, não

14 SOPS Rio Grande –1.5.1.1 –1956. 15 1.2.392.4.2. 16 Liga de Emancipação Nacional tinha como objetivo defender as liberdades democráticas, a nacionalização das

fontes de energia elétrica e da distribuição de petróleo, a reformulação da política cambial e fiscal, a promoção

de uma reforma agrária e um desenvolvimento econômico do país (FGV).

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poderia sido legítimo, haja vista que o PCB estava na ilegalidade. Essa aproximação do

Partido Social Democrático (PSD), partido de Kubistchek, poderia acontecer em âmbito

nacional e estadual, mas não em Rio Grande. Conforme San Segundo (2009), o mesmo era

opositor ao PCB e compartilhava o discurso anticomunista. Nesse sentido, vemos que o

mesmo órgão que se importava em relatar em seus documentos a presença de uma

personalidade se perdia no seu discurso, pois apoiava o partido majoritário do município que

em âmbito nacional estava mais próximo dos comunistas do que o contrário.

É nesse ponto que as condições de produções, tanto imediatas, quanto gerais, unem-se

com o interdiscurso. O acontecimento faz parte de um relatório da SOPS sobre as ações do

comunista Alfredo Cassahy e não possuem uma data definida, mas pelas descrições dadas,

tudo leva a crer que é um documento posterior ao golpe de 1964. O documento inicia com um

relatório sobre suas ações da Frente Popular pela Paz30 em 1951 e sua integração à

Conferência Continental pela Paz e do Conselho Municipal pela Paz, todas organizações

“exclusivamente comunistas”31. Por último, o relatório com a presença de Buxbaum. Essas

campanhas pela paz, organizadas pelos comunistas, foram feitas com a tentativa de frear a

possa estadunidense de bombas atômicas, por isso era entendida com uma estratégia da URSS

para barrar o avanço dos EUA no setor bélico (RIBEIRO, 2008). Os conceitos se unem, pois,

trata-se de um documento de um momento posterior ao acontecido, isto é, um levantamento

das ações de um comunista, assim como deixam claro a ideologia do grupo dominante e como

ela se manifestou nos anos citados.

Considerações finais

A forma como o anticomunismo se manifestou em Rio Grande não foi uma novidade

em termos historiográficos, pois foi um retrato, em escala reduzida, do modo como se

posicionavam certos segmentos sociopolíticos em relação às relações de trabalho. Com base

na análise do discurso, pode-se concluir que o anticomunista em Rio Grande foi construído

com base em acontecimentos de nível nacional e internacional, não se restringindo

unicamente no Município. Com isso, os conflitos da Guerra Fria, a situação do PCB e as

influências religiosas, fizeram com que a polícia absorvesse símbolos e códigos que

permeavam e davam sentido à ação repressiva. Muito desse anticomunismo riograndino foi

ampliado pela luta pela garantia do poder por parte do PTB, mas também foi uma política

marcada pelo medo de uma reforma feita pelo movimento operário.

A metodologia utilizada contribuiu para responder aos problemas levantados. A

Análise do Discurso foi o suficiente para entender o anticomunismo em Rio Grande pela

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concepção da cultura política, através do substrato filosófico, pois em nenhuma das

manifestações feitas pelos movimentos operários nos anos citados, foi aberto o espaço para o

diálogo ou para a livre manifestação das greves, ou seja, o Estado tomou para si uma forma de

ver o mundo e através da violência tentou suprimir todas as demais.

Deve-se entender que esta foi uma pesquisa inicial com base em apenas um fundo de

pesquisa, podendo ser ampliada em analises posteriores em fundos de Polícia, Justiça, Jornais.

No fundo do SOPS, abrem-se outras possibilidades de pesquisa se o recorte temporal e

espacial for ampliado. Sobre o Regime Militar, por exemplo, pode-se pesquisar os inquéritos

realizados pela seção com o intuito de investigar universidades e ação da Aliança Renovadora

Nacional (ARENA) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), pesquisa já realizada

por Motta (2014). No mesmo fundo, há relação entre a comunidade dos Testemunhas de

Jeová e da Assembleia de Deus com o Regime. Portanto, o acervo da Secretaria de Segurança

Pública permite diversas pesquisas em diferentes campos temáticos.

Referências Documentais

ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Segurança Pública.

(SOPS RG -1.-.1.1.1 ; SOPS RG -1.2.383.4.2 ; SOPS RG -1.2.392.4.2 ; SOPS RG –1.5.1.1;

SOPS RG -3.1286.18.5 ; SOPS RG -1.2.392.4.2)

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