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Mapeamento das redes dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros

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Mapeamento das redes dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros

Page 2: Mapeamento das redes dos povos e comunidades de matriz

Ministro de Estado dos Direitos Humanos

Gustavo do Vale Rocha

Secretário Executivo

Engels Augusto Muniz

Secretário Executivo Adjunto

Marcelo Dias Varella

Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Juvenal Araújo Júnior

Secretário Adjunto de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Marcelo Silva Oliveira Gonçalves

Consultora responsável pelo conteúdo

Taís Diniz Garone

Esta publicação tem a cooperação do PNUD no âmbito do Projeto BRA/13/020 (Apoio ao desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades negras tradicionais), que tem por objetivo apoiar o desenvolvimento sustentável de comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais de matriz africana. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte do PNUD e do MDH a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites. As ideias e opiniões expressas nesta publicação são as dos autores e não refletem obrigatoriamente as do PNUD ou as do MDH, nem comprometem o Programa ou o Ministério. O conteúdo desta publicação não foi submetido à revisão de texto, sendo de responsabilidade de seu (s) autor (es) eventuais erros gramaticais.

Ministério dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Mapeamento das redes dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros / elaboração de Taís Diniz Garone– Documento eletrônico – Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018, 87 p.

Palavras chave: Comunidades tradicionais. Territórios tradicionais. Produção de alimentos. Igualdade racial

CDD: 350

CDU: 351

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Índice

MAPEAMENTO DAS REDES DOS POVOS E COMUNIDADES DE MATRIZ AFRICANA E DE TERREIROSS ........................................................................................ 5

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..........................................................................................6

1. APRESENTAÇÃO .........................................................................................................................9

2. MAPEAMENTO DAS REDES DOS POVOS E COMUNIDADES DE MATRIZ AFRICANA E DE TERREIROS ..................................................................................................... 14

2.1. Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU) .................... 142.2. Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA) ......................................................................................................... 282.3. Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA) .................... 372.4. Coletivo de Entidades Negras (CEN) .................................................................................. 512.5. Casas Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiros do Distrito Federal e Entorno 562.6. Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Piauí (CECOQ/PI) ........................................................................................................................................................ 672.7. Federação Religiosa de Umbanda e Candomblé de Sete Lagoas/MG (FRUCAN) .. 78

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................85

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Mapeamento das redes dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiross

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Lista de abreviaturas e sigLas

ACBANTU Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu

ADA Ação de Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Específicos

AFA Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia

ATER Assistência Técnica e Extensão Rural

CadÚnico Cadastro Único para Programas Sociais

CAF Cadastro Nacional da Agricultura Familiar

CGMAFs Comitês Gestores Estaduais da Ação de Distribuição de Alimentos para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana

CAISAN Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional

CEN Coletivo de Entidades Negras

CECOQ/PI Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Piauí

CNC Conferências Nacionais de Cultura

CNS Conselho Nacional de Saúde

CNSAN Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional

CNDH Conselho Nacional de Direitos Humanos

CNPC Conselho Nacional de Política Cultural

CNPCT Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais

CNPH Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças (EMBRAPA Hortaliças)

CNPIR Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial

COMPIR Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Sete Lagoas/MG)

CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

CONAPIR Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial

CONAQ Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas

CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar

CP Comissões Permanentes

DAP Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada

DPI Departamento do Patrimônio Imaterial

EAN Educação Alimentar e Nutricional

EIBIA Escala Brasileira de Insegurança Alimentar

EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

EMPRABA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

FCP Fundação Cultural Palmares

FGM Fundação Gregório de Matos

FERAPI Feira da Reforma Agrária e de Comunidades Quilombolas do Piauí

FIES Fundo de Financiamento Estudantil

FIPIR Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FONSANPOTMA Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana

FRUCAN Federação Religiosa de Umbanda e Candomblé de Sete Lagoas/MG

FUNCEP Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza da Bahia

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FUNAI Fundação Nacional do Índio

GPTEs Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos

GTI Grupo de Trabalho Interministerial

GTIT Grupo de Trabalho Interdepartamental para Preservação do Patrimônio Cultural de Terreiros

IA Insegurança Alimentar

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INRC Inventário Nacional de Referências Culturais

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

LOSAN Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional

MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDH Ministério de Direitos Humanos

MDSA Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MEC Ministério da Educação

MinC Ministério da Cultura

MJC Ministério de Justiça e Cidadania

MROSC Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

MS Ministério da Saúde

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONU Organização da Nações Unidas

PAA Programa de Aquisição de Alimentos

PBF Programa Bolsa Família

PCT Povos e comunidades tradicionais

PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PLANAPIR Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial

PLANSAN Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

PMAF Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana

PNC Plano Nacional de Cultura

PMPIR Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Sete Lagoas/MG)

PNDH Programa Nacional dos Direitos Humanos

PNPIR Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial

PLANSAN Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNPI Programa Nacional do Patrimônio Imaterial

PNSAN Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPA Plano Plurianual

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

RM Região Metropolitana

SAI Sistemas Agroecológicos Integrados

SAN Segurança Alimentar e Nutricional

SEAD Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário

SECULT Secretaria Estadual de Cultura da Bahia

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SEDES Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza da Bahia

SEDUR Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano da Bahia

SEPPIR Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SESAN Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

SESOL Superintendência Estadual de Economia Solidária da Bahia

SETRE Secretaria Estadual de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia Superintendência Estadual de Economia Solidária (SESOL/BA).

SINAPIR Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial

SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

SISPLANSAN Sistema de Monitoramento do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

SM Salário Mínimo

SNC Sistema Nacional de Cultura

SNIIC Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais

SNPC Sistema Nacional de Patrimônio Cultural

SPU Secretaria de Patrimônio da União

STF Supremo Tribunal Federal

SUCAB Superintendência de Construções Administrativas da Bahia

UESPI Universidade Estadual do Piauí

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UFPA Unidades Familiar de Produção Agrária

UFPI Universidade Federal do Piauí

UnB Universidade de Brasília

UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura

UNINOVAFAPI Centro Universitário de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí

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1. ApresentAção

Este documento técnico é o segundo produto da consultoria especializada para auxiliar na implementação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional (SAN) para os povos e comunidade de matriz africana e de terreiros, inscrita no âmbito do “Projeto Apoio ao Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Negras tradicionais (BRA/13/020)”, executado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) do Ministério de Direitos Humanos (MDH), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Consiste na apresentação dos resultados do mapeamento de 5 (cinco) redes de produção, abastecimento e consumo dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiros, relacionando-as com as suas respectivas culturas alimentares.

No entanto, antes de apresentarmos os resultados propriamente ditos, faz-se necessário algumas breves considerações e apontamentos.

Estava previsto, no Termo de Referência da consultoria contratada, a realização do mapeamento pretendido, em fontes secundárias e em fontes primárias, por meio de visitas a campo e entrevistas, a partir de orientações metodológicas construídas com a SEPPIR. No entanto, esse processo de construção coletiva realizou-se apenas parcialmente, não tendo sido efetuados levantamentos primários.

O mapeamento em epígrafe foi precedido de duas reuniões de trabalho, nos dias 09 e 11 de janeiro de 2017, que contou com a participação de técnicos da SEPPIR, do Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e da Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Nessas reuniões ressaltou-se a escassez de fontes secundárias, ponderando-se algumas dificuldades para a realização de levantamentos primários, principalmente em função do tempo exíguo para a articulação junto aos atores chave, num período em que grande parte das lideranças e das organizações representativas dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros estão mobilizadas em torno das atividades preparatórias do carnaval, em muitos casos não se dispondo de tempo para atividades de campo nessa época do ano.

Também foi ressaltado, pela representante da Secretaria Executiva do CONSEA, que nessa época do ano grande parte dos conselhos e das instâncias de representação do segmento junto ao governo federal se encontrava em período de vacância.

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Além disso, apresentou-se limitações de ordem orçamentária, sugerindo-se a otimização dos recursos disponíveis, por meio da realização de levantamentos primários colaborativos, em conjunto com os demais consultores, havendo, nesse caso, a necessidade de compatibilização das agendas e dos objetivos relativos às diferentes consultorias contratadas1.

Frente a tais limitações e período do ano pouco propício à realização de levantamentos primários, foram encaminhados contatos de algumas lideranças para se tentar, à distância, o levantamento de informações e início de diálogo para uma possível realização de levantamentos primários, em momento posterior e mais oportuno.

Pactuou-se, assim, como conteúdo desse documento técnico, a organização das informações consignadas à distância e a pesquisa em fontes secundárias, procedendo complementações futuras, caso necessário.

Com relação ao Distrito Federal e Entorno, registra-se a oportunidade de ida a campo, em acompanhamento aos técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), responsáveis pelo projeto “Sustentabilidade em Casas Tradicionais de Matriz Africana do DF e Entorno: Segurança Alimentar e Nutricional, Agroecologia e Conservação dos Recursos Naturais”, ora em execução pelo Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças da EMBRAPA (CNPH/EMBRAPA Hortaliças).

Foram realizadas visitas técnicas ao Ilê Axé T’Ojú Labá (na região do Jardim ABC, Cidade Ocidental/GO, em 09/02/2017) e ao Tumba Nzo Jimona dia Nzambi (no município de Águas Lindas de Goiás/GO, em 10/02/2017), além de reuniões de trabalho na EMBRAPA Sede e no Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças da EMBRAPA, essa última com a participação de lideranças das duas casas visitadas. Essas atividades, embora pontuais, possibilitaram o levantamento de informações e de subsídios importantes para a elaboração desse documento técnico.

Ressalvada as limitações e o contexto de consignação dos dados, o presente documento foi o organizado em dois capítulos.

No primeiro capítulo nos dedicamos a uma contextualização geral das práticas alimentares tradicionais, organizando, em um tópico separado, os principais dilemas e desafios que atravessam as redes de produção, abastecimento e consumo dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros, com base nos materiais compilados no Produto 1, entre outros documentos, insumos e bibliografia reunida sobre a temática2.1  No dia 07/02/2017 realizou-se uma reunião de trabalho na SEPPIR, com a participação dos três consultores contratados no âmbito do “Projeto Apoio ao Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Negras Tradicionais (BRA/13/020)”, dedicados à elaboração de estudos so-bre os povos e comunidades de matriz africana e de terreiros, quando sugeriu-se a realização de levantamentos primários colaborativos para a otimização dos recursos disponíveis para viagens.2  O Produto 1 consistiu no levantamento e sistematização das demandas e reivindicações dos

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No segundo capítulo apresentamos os resultados do mapeamento propriamente dito, em que se buscou, tanto quanto possível, contemplar situações específicas em contextos diversos, no sentido de abarcar redes de abrangência nacional, estadual e municipal, no meio rural e urbano, mapeando-se processos organizativos incipientes e outros mais bem estabelecidos. Compreendeu-se, a partir das informações consignadas, tal recorte como mais operativo, identificando-se, nas redes mapeadas, a constituição de processos organizativos pautados por outros fatores de aglutinação que não têm como suporte principal a subdivisão territorial do país em regiões, a exemplo das redes articuladas em torno da sua pertença a determinada nação. De todo modo, procurou-se contemplar experiências em interface nas cinco regiões do país, observando-se, ainda, a participação simultânea de lideranças de matriz africana e de terreiros em diferentes redes de articulação.

O diálogo com as lideranças indicadas para contato também foi atravessado por questionamentos relativos ao conceito de povos e comunidades tradicionais de matriz africana constante no “I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana 2013-2015” (SEPPIR, 2013). Principalmente devido à supressão da palavra “terreiro” que, até então, vinda sendo amplamente utilizada no léxico das políticas públicas orientadas ao segmento. Segue abaixo a definição adotada no Plano:

Povos e comunidades tradicionais de matriz africana são definidos como grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por africanos para cá transladados durante o sistema escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela prestação de serviços à comunidade (SEPPIR, 2013:12).

As entidades e as organizações que discordam da supressão do termo apontaram como condição para a sua colaboração a utilização da palavra “terreiro” como significando, simultaneamente, o território tradicional e a identidade dos povos assim autodenominados. Por outro lado, também se contatou entidades e organizações que entendem o conceito de “matriz africana” como mais adequado e resultante de um longo processo de diálogo e de construção coletiva, compreendendo-se a palavra “terreiro” como relativa ao território tradicional dos povos e comunidades de “matriz africana”.

Frente a tal situação, ponderou-se junto às lideranças que essa questão extrapola

povos e comunidades de matriz africana e de terreiros nas Conferências de SAN e de Promoção da Igualdade Racial e nas reuniões do CONSEA e dos seus comitês temáticos.

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a competência e o escopo dessa consultoria, devendo ser debatida nos espaços e nas instâncias adequados a esse fim. De todo modo, buscou-se mediar a situação, utilizando como parâmetro a Portaria MJC n.º 1316 de 23/11/2016 que dispõe sobre a elaboração do Plano Nacional de Políticas para os Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Povos de Terreiro.

A referida portaria, além de mais recente, pareceu-nos apresentar uma definição mais abrangente e adequada ao encaminhamento dessa questão, estabelecendo, em seu Artigo 1º, Parágrafo Único, “como povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiros o conjunto dos povos africanos transladados para o Brasil, nas suas diversas variações e denominações, originários de processos históricos diferenciados em cada parte do país e dos povos que tem sua religiosidade originada no Brasil, com influências de aspectos próprios das populações tipicamente brasileiras que convergem diversas influências religiosas”.

Utilizou-se, assim, ao longo desse documento técnico, os conceitos e as diretrizes estabelecidos pela Portaria MJC n. 1316 de 23/11/2016, considerando-se também outros documentos públicos elaborados a partir da oitiva e da participação das lideranças de matriz africana e de terreiros, a exemplo dos materiais incidentes às Conferências de SAN e de Promoção da Igualdade Racial, mas sem se perder de vista a natureza processual e o caráter dinâmico dessas construções.

Deve-se frisar, contudo, que a existência dessas diferentes perspectivas e posturas, bem como os conflitos que as animam, não se constitui propriamente como um “problema”, sendo, ao contrário, índice e resultado da riqueza e complexidade advindas do universo dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros, tendo as lideranças contatadas colaborado com consecução do mapeamento e solicitado a inclusão dessa questão no âmbito desse documento técnico.

Convém também lembrar que o diagnóstico do acesso às políticas de SAN e de inclusão produtiva serão objeto do Produto 3, abordando-se aqui apenas as informações pertinentes à contextualização das redes objeto desse mapeamento, desde uma perspectiva que procurou colocar em relevo os protagonistas desses processos organizativos que, muitas vezes, contam com poucos incentivos e recursos públicos na construção e na manutenção das suas redes.

Destaca-se, assim, o caráter descritivo-reflexivo que atravessa o conteúdo desse documento técnico, que tem como objetivo principal o levantamento de informações e subsídios sobre as formas de produção, abastecimento e consumo dos alimentos pelos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros, de modo a contribuir para a elaboração de uma base tangível sobre temas e dimensões nem sempre contemplados e/ou priorizados nas pesquisas empreendidas pelos

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estudiosos e mesmo nos levantamentos realizados pelo poder público.Como exemplo podemos citar os processos de Tombamento e os Inventários

Nacionais de Referências Culturais (INRC) pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e grande parte dos mapeamentos e das pesquisas socioeconômicas até, então, realizados, que trazem poucos elementos ou análises mais específicas sobre a situação da SAN e da realização do DHAA pelos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros.

Nesse tocante, ressaltamos a recente elaboração do “Guia Orientador para Mapeamentos junto aos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana” (SEPPIR, 2016), que chama a atenção, entre outras coisas, para relevância do diagnóstico da SAN, considerando o caráter intersetorial na abordagem dessa temática.

Isso posto, é necessário assinalar a importância das ações que vêm sendo desenvolvidas pelo IPHAN e pelos diferentes agentes que protagonizaram a consecução desses levantamentos, que dialogam com as demandas e os objetivos específicos a que essas informações se destinam, por vezes, constituindo-se como ações inéditas e inovadoras, sendo relativamente recente o acolhimento de questões afetas ao segmento na agenda política da SAN e da realização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).

Mais ainda, foi justamente a partir das informações consignadas e, principalmente, da grande mobilização e inclusão das lideranças dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros nas instâncias de representação e de monitoramento das políticas públicas que se evidenciou, de forma mais concreta e urgente, a precariedade e mesmo a inexistência de bases de dados compatíveis à elaboração e aperfeiçoamento dos instrumentos e das diretrizes norteadoras das políticas de SAN orientadas ao segmento, de modo a promover o acesso ao conjunto de bens e serviços fundamentais ao pleno exercício da sua cidadania e a realização progressiva do seu DHAA.

Para além, buscou-se ressaltar quão vigorosas e capilares são as redes de produção, abastecimento e consumo dos alimentos constituídas em torno dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros e o seu enorme potencial para promoção da SAN, da sustentabilidade socioambiental e da geração de oportunidades de trabalho, ocupação e renda para milhares de famílias, cujo alcance e inúmeros benefícios à sociedade poderão ser ampliados e multiplicados, a partir do seu reconhecimento, valorização e maior apoio e investimento de recursos públicos pelo Estado brasileiro.

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2. MApeAMento dAs redes dos povos e coMunidAdes de MAtriz AfricAnA e de terreiros

2.1. Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU)3

A Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU) foi fundada no dia 08 de dezembro do ano de 2000, constituindo-se como uma das redes mais antigas e atuantes no âmbito da SAN e da exigibilidade do DHAA dos povos de terreiros. Segundo informações constantes em materiais institucionais da ACBANTU, o objetivo principal da associação é “aglutinar pessoas e grupos a fim de dar visibilidade à história dos Povos de Terreiro, resgatando as tradições, promovendo e incentivando ações culturais, visando a defesa e fomento da cidadania, buscando garantir que os Povos e Comunidades Tradicionais Afrodescendentes gozem, de fato, dos direitos civis e políticos inerentes a nação brasileira em seus territórios, nas áreas de terra, educação, saúde, cultura, respeito religioso, trabalho, segurança alimentar e nutricional, meio ambiente, patrimônio material e imaterial, mulheres, crianças, idosos, entre outros”4.

Sua sede nacional localiza-se na cidade de Salvador/BA, sendo atualmente composta por mais de 3.000 povos de terreiros de diversas etnias, 200 comunidades quilombolas, 25 comunidades de pescadores artesanais e extrativistas, além da participação de outros grupos e organizações, a exemplo das irmandades negras e congados, núcleos de capoeira angola, grupos de samba de roda, jongos, associações de promoção da educação e cidadania, se fazendo presente em 13 (treze) estados da federação, incluindo o Distrito Federal, nas cinco regiões do

3  Mapeamento realizado a partir de pesquisa em materiais institucionais da ACBANTU, dis-poníveis na internet, e de informações prestadas, à distância, pelos dirigentes da associação que encaminharam como subsídio o texto “KATENDÊ, KAITÁ, KAITUMBA! Os Povos de Terreiro e a Agricultura Familiar” de autoria de Ana Maria Placidino (Ilê Asé Ifaybalé Já Kolé, Educadora, Coor-denadora Nacional da Rede de Comunidades Organizadas da Diáspora Africana pelo Direito Hu-mano à Alimentação - REDE KÔDYA e membro do Comitê Permanente de Desenvolvimento Rural Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais - CONDRAF/MDA); e do Taata Lubitu Raimun-do Silva Konmannanjy (Unzo kwa Mpaanzu, Historiador, Professor de Línguas Bantu, Presidente da Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu - ACBANTU e membro da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais).4  Fonte: http://www.acbantu.org.br/img/Pdfs/20120424110412d817abaa202b9a2028f5205b44d203f6.pdf acesso em 23/02/2017.

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país, conforme ilustra o organograma abaixo:

Organograma da Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU)

Além do enorme alcance territorial e abrangência de povos e comunidades tradicionais, a ACBANTU se encontra articulada e possui assento em diversos espaços e instâncias de controle e de participação social, entre os quais:

• Conselho Nacional e Estadual de Juventude; • Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais;

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• Comitê Nacional e Permanente de Desenvolvimento Rural Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais;

• Comitê Nacional de Plantas e Fitoterápicos; • Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos de

Terreiro; • Parceria Brasileira Contra a Tuberculose; • Comissão Estadual para Sustentabilidade de Povos e Comunidades

Tradicionais do Estado da Bahia; • Conselho de Desenvolvimento das Comunidades Negras da Bahia e do

Município de Salvador; • Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado da Bahia e do

Município de Salvador, • Conselho Estadual de Políticas sobre drogas do Rio Grande do Sul; • Comitê Estadual de Controle Social do Programa de Aquisição de Alimentos

– PAA.

Trata-se, assim, de uma rede extensa, densa e capilar, articulada em contextos múltiplos e diversos, cujas ações e projetos, diretamente desenvolvidos e/ou realizados por meio de parcerias com poder público, se encontram estruturados em torno de eixos de atuação estratégicos, organizados em “diferentes Departamentos com planos de trabalho específicos, porém elaborados conjuntamente em seminário anual, realizado especificamente para esse fim”, conforme ilustra a tabela e a figura abaixo, elaborados com base nos materiais institucionais consultados (PLACIDINO & KONMANNANJY, s/d, pág.08).

Tabela. Eixos Estratégicos da Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU)

EIXO ESTRATÉGICO 1. PATRIMÔNIO CULTURAL AFRODESCENDENTE: Eixo com o enfoque prioritário na manutenção, preservação e formação de agentes multiplicadores dos saberes e fazeres tradicionais

Principal Responsável pela Acompanhamento e Condução das Atividades: Escola de Formação de Povos e Comunidades Tradicionais Lubitu Kwa Ndeembwa, criada no mês de julho de 2010, como um espaço presencial e virtual de compartilhamento de conhecimentos

Projeto Ações Parcerias

Mametu Nzuumba

Compartilhamento de Conhecimentos: Módulo Culinária Afro Baiana (implantação de 02 cozinhas comunitárias, nos municípios de Camaçari/BA e Salvador/BA); Módulo Bordado Manual Afro (Curso de Bordado e implantação de Oficina de Costura Afro); e Módulo Acervo Bibliográfico Afro Bantu (implantação de acervo bibliográfico Bantu). A partir da realização desse projeto foi formado um Núcleo de Bordado Manual Afro que recebeu o Prêmio Economia Criativa do MinC, em 2012.

Convênio: Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC)

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KingoongoReforma, Ampliação e Reparos Gerais em 53 Territórios Culturais de Matriz Africana, situados na cidade de Salvador/BA, promovendo a revitalização de Terreiros de Candomblé

Convênio: Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano (SEDUR/BA), com apoio da Superintendência de Construções Administrativas (SUCAB/BA)

Grupo de Estudos Linguísticos Taata Taweshê

Realização de cursos introdutórios da Cultura Bantu nas Américas e desenvolvimento de Oficinas de Compartilhamento de Conhecimentos nas Comunidades

Diretamente pela ACBANTU

Kizoonga BantuFestival Trienal com o objetivo de valorizar e dar visibilidade à cultura Bantu presente em todo o Brasil.

A realização da edição de 2011 contou com a parceria da Fundação Cultural Pedro Calmon da SECULT/BA

No tempo com TempuEventos envolvendo apresentações artísticas, degustação de culinária típica, encontros de culturas realizados na porta e no hall de entrada da ACBANTU, com entrada gratuita.

Diretamente pela ACBANTU

Infocentro Digital Afro Bantu

Realização de Mesas Redondas, Seminários e Palestras sobre temas significativos e mobilizadores do segmento.

SEPPIR e a Rede Mocambo

EIXO ESTRATÉGICO 2. ETNODESENVOLVIMENTO: voltado à implantação de junto aos Povos de Terreiro e Comunidades Quilombolas, envolvendo as famílias atendidas pela Ação Emergencial de Distribuição de Cestas de Alimentos, no sentido de construir uma estratégia desenvolvimento social a partir do patrimônio cultural existente.

Principal Responsável pela Acompanhamento e Condução das Atividades: Cooperativa de Etnodesenvolvimento Kitaanda Bantu, responsável pela organização da cadeia produtiva, promovendo a gestão compartilhada, a divulgação e a comercialização de produtos e serviços dos participantes.

Projeto Ações Parcerias

KaitumbaProjeto com foco na SAN: implantação de 03 hortas e 03 unidades de beneficiamento comunitárias em Terreiros e Quilombos da Região Metropolitana de Salvador e do Recôncavo Baiano (Municípios de Cachoeira, Salvador e São Francisco do Conde)

Convênio: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

Mutaloombo

Organização das famílias dos Povos e Comunidades Tradicionais para acesso ao Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, desenvolvido em 06 hortas comunitárias da Região Metropolitana de Salvador e do Recôncavo Baiano, nos municípios de Santo Amaro, Cachoeira e Camaçari.

Convênio Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB Bahia/Sergipe)

NdeembwaCapacitação de agentes de SAN em 16 (dezesseis) Comunidades de Povos de Terreiro e Quilombos.

Convênio Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza da Bahia (SEDES/BA)

Núcleo Kisimbi ye Kayongo

Gestão coletiva e participativa dos projetos da ACBANTU. Diretamente pela ACBANTU

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Nkaanda Etnodesenvolvimento dos Povos de Terreiro

Projeto voltado à inclusão produtiva, por meio da estruturação da sede física da Cooperativa de Etnodesenvolvimento Kitaanda Bantu, no município de Cachoeiro/BA, entre outras ações de fortalecimento da agricultura familiar dos Povos de Terreiros e Quilombolas e comercialização de produtos junto à mercados institucionais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE/BA)

EIXO ESTRATÉGICO 3. ACESSO PLENO À CIDADANIA: ações de educação popular, fortalecimento institucional e mobilização social para participação dos Povos e Comunidades Tradicionais em Conselhos de Direitos, Fóruns, Redes, etc.

Principal Responsável pela Acompanhamento e Condução das Atividades: Rede Kôdya (Comunidades Organizadas da Diáspora Africana pelo Direito Humano à Alimentação), criada em março de 2004, com o objetivo de articular e dar visibilidade a uma diversidade de ações e projetos nas áreas de desenvolvimento social e cultural.

Projeto Ações Parcerias

Projetos: Muzanzu, Mametu Matamba, Nkosi e Luuinda

Realização de Oficinas de Educação Popular envolvendo as lideranças comunitárias das instituições associadas.

Os projetos recebem o apoio da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia e da Rede de Educação Cidadã da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH/BA)

Atendimento Jurídico Institucional às Comunidades Afrodescendentes

Ações de apoio à formação de associações e acompanhamento de questões jurídicas envolvendo, sobretudo, questões de racismo, intolerância religiosa e incitação ao ódio religioso

Diretamente pela ACBANTU

Feira de Saúde dos Terreiros

Mobilização dos Povos de Terreiros para a organização de feiras em espaços públicos

Parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador

Distribuição emergencial de Cestas de alimentos para Setenta Mil Famílias em situação de fome em todo o Estado da Bahia

Acompanhamento da Ação Emergencial de Distribuição de Cestas de Alimentos e apoio às famílias beneficiadas. Em cada distribuição de alimentos ocorre a realização de reuniões nas quais são tratados assuntos envolvendo a mobilização para o acesso pleno à cidadania e aos direitos da pessoa humana.

MDS, SEPPIR e CONAB

Oficinas de Formação de Conselheiros de Direitos

Atividades destinadas a formar, mobilizar e apoiar a representação dos povos de terreiro nas diferentes áreas, espaços e instâncias de participação social.

Diretamente pela ACBANTU

Figura. Eixos Estratégicos, Projetos e Ações da ACBANTU

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No que diz respeito às ações com foco mais específico na promoção da SAN e inclusão produtiva, registra-se um longo histórico de atuação e de parceiras com o poder público. A tabela abaixo, elaborada a partir de informações levantadas em materiais institucionais da ACBANTU, sintetiza as principais ações desenvolvidas

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ao longo dos anos.

Tabela. Histórico de Atuação da ACBANTU no Âmbito da SAN e da Inclusão Produtiva

ANO DE REFERÊNCIA AÇÕES DESENVOLVIDAS

2003Participa do processo de recriação e reestruturação do CONSEA, articulando os Povos de Terreiro em torno da temática da Soberania e da SAN.

2004

É convidada a integrar o CONSEA Nacional e o CONSEA do Estado da Bahia, constituindo-se como a primeira entidade representante dos Povos de Terreiro a ter assento nesses espações de representação da sociedade;

Auxilia a FCP no desenvolvimento de uma ação piloto de distribuição de alimentos para as Comunidades Quilombolas, Povos de Terreiros e famílias em situação de vulnerabilidade, no âmbito do Programa Fome Zero, a partir da doação de fardos de feijão e de farinha pela CONAB;

Funda, em março de 2004 a Rede Kôdya (Comunidades Organizadas da Diáspora Africana pelo Direito Humano à Alimentação), articulando e desenvolvendo metodologias próprias para o monitoramento e controle social das políticas públicas, desenvolvimento de ações estruturantes de SAN e acompanhamento de ações emergenciais de distribuição de cestas de alimentos;

Participa da organização das primeiras Plenárias de SAN, entre outros eventos e atividades congêneres, envolvendo a participação dos Povos de Terreiro;

Organiza um cadastro de mais de 30.000 famílias de baixa renda para o recebimento de cesta de alimentos do Programa Fome Zero, por meio dos Terreiros filiados à ACBANTU;Atua na distribuição de leite de cabra, computadores, máquinas de costura, entre outros, doados pelo Programa Fome Zero.

2005

Recebe o certificado nº. 0067 de parceiro do Programa Fome Zero do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva;

Recebe a Medalha da FAO/ONU pela luta contra a fome junto à população negra do Brasil;

Participa de ações de capacitação da CONAB para operação do PAA;

Realiza o Projeto Kaitumba, em parceria com o MDS, desenvolvendo ações estruturantes com foco no fomento à produção agroecológica pelas famílias atendidas pela Ação Emergencial de Distribuição de Cestas de Alimentos, procedendo a implantação de 03 hortas e de 03 unidades de beneficiamento comunitárias em Terreiros e Quilombos da região metropolitana de Salvador e do Recôncavo Baiano (Municípios de Cachoeira, Salvador e São Francisco do Conde), e desenvolvendo ações de capacitação em parceria com EMBRAPA de Cruz das Almas/BA, CONAB e SUREG.

2006

Realiza o Projeto Mameto Nzuumba, em parceria com a Fundação Cultural Palmares/MinC, procedendo a implantação de 02 cozinhas comunitárias, nos municípios de Camaçari/BA e Salvador/BA, desenvolvendo atividades de valorização e de compartilhamento de conhecimentos relacionados à cultura afro-baiana, por meio de cursos, oficinas e organização de um acervo bibliográfico sobre a cultura Bantu.

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2008

Realiza o Projeto MUTALOOMBO, em parceria com a CONAB/BA/SE, desenvolvendo ações de capacitação para o acesso das famílias contempladas pelo Projeto Kaitumba, ao Programa de Aquisição de Alimentos, que passaram de beneficiárias a produtoras de alimentos, desenvolvendo-se um conjunto de ações integradas:▪ Capacitação das famílias produtoras através de oficinas, palestras, reuniões de planejamento e gestão, respeitando a forma de organização tradicional de cada um;▪ Capacitação, por meio da Rede Kôdya, junto às lideranças das instituições beneficiárias dos alimentos doados via PAA; ▪ Desenvolvimento de ações de promoção do acesso à documentação civil necessária, bem como o contato com Sindicatos Rurais para a emissão de documentos específicos do PAA, principalmente a Declaração de Aptidão (DAP) ao PRONAF;▪ Auxílio à elaboração das propostas do PAA.NET e à solicitação de parecer junto ao CONSEA; ▪ Participação de reunião junto à CONAB para formalização e conclusão das propostas do PAA.NET;

2012Realiza o projeto Ndeembwa, voltado à capacitação de agentes de SAN em 16 (dezesseis) Comunidades de Povos de Terreiro e Quilombos, por meio de parceria junto à SEDES/BA.

2016

Realiza o Projeto Nkaanda Etnodesenvolvimento dos Povos de Terreiro, por meio do qual é instalada a sede física da Cooperativa de Etnodesenvolvimento Kitaanda Bantu, no município de Cachoeiro/BA, desenvolvendo-se, concomitantemente, ações de fortalecimento da agricultura familiar e de comercialização de produtos junto aos mercados institucionais Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Segundo informações levantadas por Denize Ribeiro (2013) em conversas e entrevistas junto aos dirigentes da ACBANTU, a entidade foi fundada como objetivo de atuar na defesa da cultura e dos valores dos povos de terreiros Banto [Bantu] no Brasil, como forma de combater a invisibilidade e o preconceito, inclusive por parte dos acadêmicos e estudiosos que consideram as tradições Ioruba [Yorùbá] como mais importantes e significativas. No entanto, ainda nos primeiros anos de atuação, ampliou-se essa perspectiva, inserindo-se no processo organizativo da ACBANTU povos de terreiros de diferentes nações, comunidades quilombolas e outras coletividades, até mesmo pelos valores de acolhida e de cura pela a alimentação, presentes na cultura Banto [Bantu], compreendendo-se a luta pela realização do DHAA como inerente à dignidade de todas as pessoas.

A ACBANTU foi criada dentro do circuito da palavra resgatar, acho que a palavra é essa mesmo resgatar, por que é todo um tesouro, é um patrimônio Bantu que existia, mas por conta de historiadores, da forma como o processo foi se dando das pesquisas, inclusive ficou relegado ao segundo plano, como se fosse um Candomblé de segunda categoria. Então, dentro dessa perspectiva de retomar os valores, a língua, fazer um estudo linguístico, a cultura Bantu, entre eles estava a questão da acolhida, da cura da alimentação e que envolve hoje o que está sendo chamando de estratégia, desse acesso a um

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direito humano a alimentação (Transcrição da fala do Taata Komannanjy, Presidente da ACBANTU, 2010, apud Ribeiro, 2013:118).

A partir da recriação do CONSEA e reinserção da SAN na agenda política e governamental do país, no ano de 2004, agentes públicos e órgãos do governo federal buscaram o apoio e a parceria da ACBANTU para o desenvolvimento de ações piloto no Estado da Bahia, no âmbito do Programa Fome Zero, devido à grande capilaridade e protagonismo da associação no debate sobre SAN, conforme nos descreve a Coordenadora Geral da ACBANTU, Ana Maria Placidino:

A gente foi fazendo várias mesas redondas muito focadas na cultura Bantu mesmo, nas etnias presentes na grande Salvador, como em 2003. Ubiratan Castro, na época ele era presidente da Fundação Cultural Palmares, nos chamou e informou para gente que havia uma sobra de feijão e farinha que tinha sido distribuída para 23 comunidades Quilombolas no estado da Bahia, porque no âmbito nacional o governo federal criou “O Fome Zero” né, e dentro daquela perspectiva de alimentação, o brasileiro se alimentaria cinco vezes por dia, foi o que o presidente Lula trouxe, que tinha uma série de estratégias, gabinetes de discussão sobre a Segurança Alimentar e entre elas a distribuição emergencial de cestas no Brasil. Para isso, foram escolhidas 150 comunidades quilombolas para entrar nessa distribuição emergencial de cestas, aqui na Bahia eram 23, dessas 150, 23 comunidades Quilombolas eram aqui. E nessa distribuição de cestas que foi feita, sempre era feita através do Ministério, antes era o MESA, que era o Ministério Estratégico de Segurança Alimentar com a Companhia Nacional de Abastecimento, a CONAB que estava totalmente sucateada nessa entrada do governo Lula, pelas administrações anteriores. Nesse resíduo de feijão e farinha, Komannanjy recebeu esse chamado do professor Ubiratan Castro, se ele aceitava fazer essa distribuição para terreiros, então nós fizemos um exercício de ver assim num raio de atuação das comunidades de povos de terreiros qual o número em média de famílias que eram atendidas mensalmente. Chegamos num número de 40 famílias (Transcrição da fala de Ana Placidino, Coordenadora Nacional da ACBANTU, 2010, apud Ribero, 2013:119).

No bojo dessas primeiras ações de distribuição de cestas de alimentos, a ACBANTU passou a organizar uma série de reuniões e diálogos que resultaram a estruturação de metodologias de condução e de monitoramento dessas ações pela entidade. Foram elaborados procedimentos de orientação aos beneficiários

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para a prestação de contas relativa ao recebimento das cestas, bem como firmadas parcerias para superar as dificuldades de logística e de transporte dos alimentos dos depósitos da CONAB até as famílias beneficiárias. Esse processo culminou na criação da Rede Kôdya para o suporte dessas atividades e maior visibilidade da atuação dos povos de terreiro na promoção da SAN e exigibilidade da realização do DHAA.

A partir do acúmulo das experiências e parcerias no desenvolvimento de ações emergenciais de combate à insegurança alimentar e nutricional, iniciou-se um ciclo de reflexão e debates sobre a necessidade da realização de ações estruturantes, que foram sendo pautadas pela entidade nas instâncias e nos espaços de participação e de oitiva da sociedade, principalmente no âmbito do CONSEA.

Assim, no ano de 2006, realizou-se o Projeto Kaitumba, em parceria com o MDS, com o objetivo de fomentar a produção agroecológica pelas famílias atendidas pela Ação Emergencial de Distribuição de Cestas de Alimentos, que resultou na implantação de 03 hortas e de 03 unidades de beneficiamento comunitárias em Terreiros e Quilombos da região metropolitana de Salvador e do Recôncavo Baiano, nos municípios de Cachoeira, Salvador e São Francisco do Conde.

No ano de 2008, realizou-se o Projeto Mutaloombo, em parceria com a CONAB/BA/SE, que desenvolveu ações de capacitação para o acesso das famílias contempladas pelo Projeto Kaitumba ao PAA, que passaram de beneficiárias a produtoras de alimentos, constituindo-se como a primeira experiência no Brasil de comercialização de produtos oriundos dos povos de terreiros juntos aos mercados institucionais.

A partir do Projeto Mutaloombo, a ACBANTU pôde conhecer um pouco mais de perto os desafios e obstáculos para o acesso dos povos de terreiro às políticas de fomento à agricultura familiar e de comercialização da produção junto aos mercados institucionais, inserindo-se na luta pela adequação dessas políticas e instrumentos, tornando-se a primeira organização dos povos de terreiro país a acessar à DAP Jurídica e o Selo da Agricultura Familiar do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).

Segundo Ana Maria Placidino e o Taata Konmannanjy, essas experiências e os seus desdobramentos diversos contribuíram para o surgimento de novas iniciativas, ampliando o escopo da entidade que passou a abarcar um conjunto expressivo de grupos e de povos e comunidades tradicionais que hoje se encontram auto organizados em torno da etnodesenvolvimento criada pela ACBANTU, denominada “Kitaanda Bantu”.

Ao longo dos anos, novas iniciativas foram sendo instaladas com

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sucesso, graças ao comprometimento das coordenações locais e a uma metodologia que parte das potencialidades e vocações coletivas e comunitárias herdadas de seus Ancestrais. Assim, foram realizadas inúmeras oficinas para a gestão compartilhada, estabelecimento de novas parcerias e profissionalização dos integrantes. Foi criada uma forma de comercialização em feiras e espaços públicos, com a aquisição de 05 (cinco) barracas personalizadas. Foram se inserindo nesse processo, além dos Povos de Terreiro, Comunidades Quilombolas, Pescadores Artesanais e Extrativistas que são culinaristas afro baianos, artesãos, agricultores agroecológicos, mateiros e artistas. Surge assim, a rede de etnodesenvolvimento denominada: “Kitaanda Bantu”, na língua Kimbundu significa, “Mercado do Povo” (PLACIDINO & KONMANNANJY, s/d, pág.10).

Mais recentemente, no ano de 2016, a ACBANTU realizou o Projeto Nkaanda, em parceria com a SETRE/BA, procedendo-se à instalação da sede física da cooperativa da rede Kitaanda Bantu, no município de Cachoeiro/BA, além de outras ações de fortalecimento da agricultura familiar e de comercialização de produtos dos participantes da rede junto aos mercados institucionais do PAA e do PNAE.

Atualmente, a ACBANTU se organiza para ampliar a inserção dos produtos agroecológicos de Povos de Terreiro no mercado governamental, através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Mobiliza-se também para compartilhar esta luta, seus desafios e vitórias em todo o país, ao mesmo tempo em que dá continuidade à construção do seu etnodesenvolvimento (PLACIDINO & KONMANNANJY, s/d, pág.11).

Contudo, em que se pesem as conquistas e os projetos desenvolvidos ao longo dos anos, os dirigentes da ACBANTU ponderaram a existência e a persistência de inúmeros obstáculos, principalmente em função do racismo institucional que dificulta o acesso às políticas de fomento à agricultura familiar, da falta de investimentos e despreparo histórico dos órgãos e dos agentes públicos para lidar com os povos de terreiro, inclusive na implementação de políticas públicas específicas.

Há que se promover um esforço conjunto das instituições públicas, em todos os níveis, do Governo e da sociedade brasileira, para reverter esse quadro, no menor tempo possível. Promovendo o enfrentamento ao desafio de inserção dos Povos

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de Terreiro que ainda se encontram à margem do acesso de diversos programas sociais e culturais destinados aos povos e comunidades tradicionais pela ausência de regularização fundiária, marcos legais, instâncias de reconhecimento, além do racismo institucional e intolerância religiosa que se encontram presentes em setores públicos (PLACIDINO & KONMANNANJY, s/d, pág.11:12).

Para além, destacaram o enorme potencial dos povos de terreiro e das diversidades reunidas em torno da rede da ACBANTU para construção de um modelo de desenvolvimento mais justo e ambientalmente sustentável, a partir da construção de políticas e instrumentos mais adequados às suas especificidades e realidades.

Precisamos fortalecer a rede de sistemas coletivos de produção de alimentos de Povos de Terreiro com vistas ao auto abastecimento e ao estabelecimento de um plano de negócios respeitando suas tradições e inserindo novas tecnologias, a partir da capacitação multidisciplinar com os jovens destas comunidades.O sucesso desse caminho de etnodesenvolvimento deve prever especial atenção aos jovens quanto ao ensino de plantios adequados para cada território, a educação alimentar, o processamento saudável de alimentos tradicionais, iniciativas de preservação ambiental, o fortalecimento institucional de suas organizações, bem como a participação e o controle social nas políticas públicas específicas deste segmento (PLACIDINO & KONMANNANJY, s/d, pág. 12).

Os dirigentes da ACBANTU também elencaram, com base na experiência acumulada pela entidade, os principais desafios para a promoção do etnodesenvolvimento e para a realização do DHAA pelos povos de terreiros:

1. É marcante a situação de isolamento e exclusão social que gera uma série de comprometimentos no nível de qualidade de vida das Comunidades e Povos Tradicionais da zona rural. Se no passado a estratégia de se estabelecer em locais de difícil acesso assegurou a sobrevivência de suas comunidades, hoje exige um esforço conjunto para que suas lideranças possam acessar os conhecimentos necessários diante das atuais demandas de sua coletividade;

2. Tais comunidades sobrevivem com a cultura de subsistência de oleícolas, frutas, feijão, aipim, milho, derivados do beneficiamento da mandioca (beiju, goma, puba, etc.), comidas típicas tradicionais, criação de pequenos animais, extrativismo, artesanato e pesca artesanal. Por um lado, ocupam

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tradicionalmente seus territórios, porém necessitam de assistência técnica, insumos agrícolas e a emissão de documentos civis;

3. Construir oportunidades para a comercialização de sua produção por meio do estabelecimento coletivo de um plano de negócios que promova o intercâmbio entre os núcleos produtivos. Estimular o compartilhamento de experiências entre os agricultores familiares que já acessam o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA CONAB/ACBANTU) e os demais agricultores. São necessidades urgentes que passam pela capacitação de suas lideranças, fortalecimento da autoestima e mobilização comunitária;

4. A Juventude das Comunidades encontra-se desestimulada tanto com os pequenos resultados que a luta diária de seus pais consegue alcançar com a produção de alimentos, quanto com perspectivas de futuro. Soma-se a estes fatores a escalada crescente de violência e verdadeiro extermínio sofridos pela Juventude Negra. Existe, inclusive, uma falta de pertencimento à memória e vida de suas comunidades. É necessário dinamizar a participação dos jovens promovendo seu protagonismo frente aos desafios de seu segmento;

5. Os agricultores familiares dos Povos de Terreiro do meio urbano e periurbano travam uma longa luta para terem acesso à DAP Física para poder, assim, comercializar sua produção, a exemplo dos Povos de Terreiro do meio rural;

6. Os Povos de Terreiro do Semiárido e os que criam pequenos animais necessitam de apoio para a elaboração de estratégias coletivas de produção, informações referentes à Anvisa, entre outros (PLACIDINO & KONMANNANJY, s/d, pág. 12:13).

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Distribuição de Cestas de Alimentos (Rede Kôdya ACBANTU)5

Hortas do Projeto Kaitumba (ACBANTU)

5 Imagens do Acervo da ACBANTU. Fonte: http://www.acbantu.org.br/img/Pdfs/manaus.pdf

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Oficina de Capacitação para Acesso ao PAA (Projeto Mutaloombo)

2.2. Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA)6

O Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA) constitui-se como uma rede de articulação, de abrangência nacional, criada a partir das resoluções da VI Conferência Nacional de Segurança Alimentar (CNSAN), realizada entre os dias 07 e 10 de novembro de 2011, em Salvador/BA.

A IV CNSAN foi organizada em torno do tema “Alimentação Adequada e Saudável: Direito de Todos”, envolvendo a participação de cerca de 2.000 pessoas, entre representações governamentais e da sociedade civil, categorizadas da seguinte forma: delegados eleitos nas conferências estaduais; delegados natos (membros do CONSEA); delegados do governo federal; convidados nacionais e

6 Mapeamento realizado a partir de informações fornecidas pelo Taata DanielDaniel Garcia Dias, representante do FONSANPOTMA junto ao CONSEA, em reunião de trabalho realizada na SEP-PIR em 19/05/2017, bem como a partir do documento encaminhado, via e-mail, Apresentação FONSANPOTMA - Fórum Nacional sobre Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradi-cionaisda Matriz Africana (NOGUEIRA, Regina kota Mulangi Mona Kelembeketa, s/d). Também foram realizados diálogos, à distância, com a Dra. Regina Nogueira, Kota Mulangi Mona Kelem-beketa, Coordenadora Nacional do FONSANPOTMA.

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internacionais; equipe de apoio; e comissão organizadora.

Segundo os dados apresentados no Relatório Final da conferência, a IV CNSAN foi precedida de eventos em todos os estados da federação e no distrito federal tais como oficinas, seminários e conferências municipais, sub-regionais, estaduais, em mais de 3.200 municípios. Ao todo, foram realizadas 967 conferências municipais e regionais ou territoriais, das quais participaram cerca de 75.237 pessoas. Na etapa estadual, foram realizadas conferências em todos os 26 estados da federação e no Distrito Federal.

Com relação a participação dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros, foi adotado um sistema de cotas para as delegações estaduais que garantiu a participação de 236 representantes dos povos e comunidades tradicionais, entre os quais lideranças do segmento em comento.

Registra-se, ainda, a realização de Encontros Nacionais Temáticos que tiveram como objetivo ampliar a participação e aprofundar a discussão sobre temas estratégicos para a soberania e a promoção da SAN de populações específicas. Foram realizados como etapas preparatórias da IV CNSAN o “I Encontro Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional da População Negra e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Guarapari – ES, 4 a 6 de setembro de 2011) e o I Encontro Nacional de SAN no Contexto da Política de Desenvolvimento Urbano (Brasília – DF, 10 a 12 de agosto de 2011). Os Documentos Finais dos dois encontros foram anexados ao Relatório Final da IV CNSAN, incidindo sobre a consolidação do Documento-Base da etapa nacional da IV CNSAN.

Os debates e as propostas emanados da etapa nacional da IV CNSAN foram organizados em torno de três Eixos Temáticos e suas respectivas diretrizes, sendo

Eixos Temáticos:

I. Avanços, ameaças e perspectivas para a efetivação do direito humano à alimentação adequada e saudável e da soberania alimentar;

II. Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional;

III. Sistema e Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

O “II Eixo Temático: Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional” estabeleceu, entre as suas diretrizes, uma exclusivamente voltada para o debate de questão afetas à SAN dos povos e comunidades tradicionais, a “Diretriz 4: Promoção, universalização e coordenação das ações de segurança alimentar e nutricional voltadas para quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais de que trata o Decreto nº 6.040/2007, e povos indígenas”. O debate em torno da referida diretriz resultou na elaboração da proposta que ensejou a criação do

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FONSANPOTMA, a “Resolução nº 79: Apoiar e implementar a criação de um fórum permanente para povos de terreiros, garantindo recursos humanos, orçamentários e financeiros, estimulando intercâmbio de saberes e experiências”.

Segundo informações constantes em documento encaminhado pelo Taata Daniel Daniel Garcia Dias, representante do FONSANPOTMA junto ao CONSEA, o fórum foi organizado a partir das deliberações do IV CSAN como um movimento autônomo, reunindo lideranças tradicionais dos povos de matriz africana pertencentes aos troncos da língua banto [Bantu], jeje [Jejê] e ioruba [Yorùbá], que tem como missão elaborar e promover a construção de políticas públicas que contemplem a soberania alimentar e nutricional dos povos de matriz africana.

Para além, o FONSANPOTMA também atua na defesa e exigibilidade dos direitos dos povos de matriz africanas estabelecidos pela Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura às populações tradicionais o direito à autodefinição e a autodeterminação, entre outros direitos, reconhecendo a estreita relação existente entre essas coletividades, os seus territórios tradicionais e os recursos naturais que utilizam para sua reprodução física, cultural, social e econômica, sejam eles utilizados de maneira permanente ou temporária, bem como das demais convenções das Nações Unidas7.

O FONSANPOTMA desenvolve ações em todo o território nacional, nos diversos âmbitos (municipal, estadual e federal), destacando-se, no documento encaminhado pela organização, as seguintes ações:

• A organização dos Povos Tradicionais de Matriz Africana com a criação de instâncias do FONSANPOTMA nos Estados e Municípios Brasileiros, além de Microfóruns nos bairros, a fim de garantir a participação e a organização do maior número possível de autoridades e lideranças dos POTMA [Povos Tradicionais de Matriz Africana] em espaços de debates, construção e articulação para a defesa da segurança e soberania alimentar, bem como, na luta pelos direitos e por políticas públicas para este segmento da sociedade historicamente excluído;

• A instalação das Frentes Parlamentares e da Teia Legislativa em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, a fim de organizar o apoio no âmbito dos legislativos federal, estaduais e municipais e a construção de políticas públicas de estado através dos Parlamentos e independentes de interesses partidários, e ainda lutar pela constituição e aprovação de um marco legal e a aplicação das convenções internacionais em especial a resolução 169 da OIT;

7 A Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto n.º 5.051/2004.

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A Campanha “A TRADIÇÃO ALIMENTA, NÃO VIOLENTA!” consiste em uma campanha nacional de resgate e defesa da alimentação tradicional que mantém o bio mítico, e a defesa do sistema alimentar próprio dos POTMA. Tem ainda o objetivo proporcionar o diálogo na sociedade brasileira rompendo paradigmas e informando a sociedade a respeito da alimentação tradicional dos POTMA, e assim demover preconceitos. Tem ainda o objetivo de promover várias ações de fortalecimento da agricultura camponesa agroecológica e sustentável, preservação ambiental, produção e da comercialização de alimentos saudáveis;

• A participação do maior número possível de autoridades e lideranças tradicionais nos Conselhos de Segurança Alimentar (CONSEA), nacional, estaduais e municipais, além de outros conselhos para garantir uma maior qualidade no controle social das políticas públicas nas esferas de governo e ampliar o debate de segurança e soberania alimentar, bem como, garantir e conquistar mais direitos que valorizem e respeitem a visão de mundo e os valores dos povos e comunidades tradicionais;

• E a criação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Econômico Solidário Ubuntu, que contempla as cooperativas nos estados a exemplo do Rio Grande do Sul a COOPTMA-RS Cooperativa Estadual de Trabalho e Desenvolvimento dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, cooperativa de desenvolvimento, produção e consumo, o FUNDO SOLIDARIO UBUNTU mecanismo de credito produtivo orientado para esse segmento da sociedade brasileira, além da moeda social GRÃO DIGITAL e o Banco de Desenvolvimento Sustentável dos Povos Tradicionais: BANCO GRÃO (NOGUEIRA, pág. 05 e 06, s/d).

Sistema Nacional de Desenvolvimento Econômico Solidário Ubuntu (SINDESU)

Segundo informações encaminhadas pelos representantes do FONSANPOTMA, o Sistema Nacional de Desenvolvimento Econômico Solidário Ubuntu (SINDESU) consiste na sistematização de instrumentos e de ferramentas de gestão, pautados pelos princípios da economia e finanças solidários e do desenvolvimento humano coletivo e sustentável, não visando lucro ou enriquecimento individuais. Seu objetivo é fortalecer os laços que unem os povos de matriz africana, promovendo a melhoria das condições de vida e uma relação mais sustentável com a natureza, bem como o emponderamento socioeconômico de setores historicamente excluídos e marginalizados.

Constituem-se como instrumentos integrantes do SINDESU:

• A Cooperativa Estadual de Trabalho e Desenvolvimento dos Povos Tradicionais de Matriz Africana do Rio Grande do Sul (COOPTMA-RS);

• O Fundo Solidário Ubuntu;

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• O Banco de Desenvolvimento Sustentável dos Povos Tradicionais – Banco Comunitário Grão, o qual também abrange a Plataforma de Inclusão Digital e a Moeda Social Grão;

Cooperativa Estadual de Trabalho e Desenvolvimento dos Povos Tradicionais de Matriz Africana do Rio Grande do Sul (COOPTMA-RS)

A Cooperativa Estadual de Trabalho e Desenvolvimento dos Povos Tradicionais de Matriz Africana do Rio Grande do Sul (COOPTMA-RS) foi fundada no ano de 2015, sendo a primeira das cooperativas em processo de construção pelo FONSANPOTMA, nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Sergipe, Maranhão e Pará.

A COOPTMA-RS tendo como símbolo e lema o Nkonsokonson do Povo Tradicional de Matriz Africana Jeje-Ashanti, que representa o elo da corrente, sendo o seu objetivo proporcionar um modelo de desenvolvimento integrado.

Por meio das cooperativas do FONSANPOTMA, pretende-se a construção de “um modelo de desenvolvimento que pode construir e garantir ações no âmbito econômico e social para os Povos Tradicionais de Matriz Africana, a apropriação dos meios de produção, a autogestão econômica, a autodeterminação dos povos tradicionais, o fortalecimento e o pleno desenvolvimento econômico social e cultural, e ainda, organizar o sistema de produção, comercialização e consumo, a prestação de serviços e o mercado próprio destes povos na perspectiva da solidariedade, da sustentabilidade, da preservação ambiental, da soberania alimentar e da produção e reprodução cultural da visão de mundo da tradição dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, bem como garantir o pleno desenvolvimento econômico-social destes povos promovendo e difundindo o cooperativismo, resgatando a tradição e seus valores civilizatórios, a cidadania, os territórios e a territorialidade e fortalecer a agricultura familiar tradicional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana” (NOGUEIRA, pág. 06 e 07, s/d).

Atualmente, a COOPTMA-RS opera nos seguintes ramos:

• Produção rural, produção industrial, comercialização, consumo, educação, projetos sociais, assistência social, saúde, cultura, habitação e prestação de serviços.

• A COOPTMA-RS está organizada em setores específicos (compras coletivas, rede de distribuição, mercado, feiras), núcleos produtivos de cooperados, e a Rede UNIFLORAS (NOGUEIRA, pág. 07, s/d).

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Fundo Solidário Ubuntu

O Fundo Solidário Ubuntu constitui-se como poupança coletiva dos cooperados da COOPTMA-RS, de autogestão coletiva e com regimento interno aprovado em Assembleia Geral dos associados, no qual está prevista a possibilidade de ampliação dos seus mecanismos de autogestão. Tem como conceito norteador os princípios filosóficos do Ubuntu (“Eu sou, porque nós somos”), pautando-se pelos seguintes objetivos:

• Contribuir com o desenvolvimento econômico e social das/os cooperadas/os da COOPTMA-RS, que optarem por compor o Fundo Solidário Ubuntu, priorizando as questões de gênero, juventude e idosos/as;

• Facilitar o acesso ao crédito produtivo e orientado, aos bens e mecanismos de produção, promovendo o desenvolvimento sustentável e diminuindo a pobreza dos povos tradicionais de matriz africana;

• Ampliar e fomentar grupos de geração de trabalho e renda;• Beneficiar ações produtivas e econômicas que estejam em acordo com os

princípios dos povos tradicionais de matriz africana e em conformidade com a carta de princípios do FONSANPOTMA e estatuto da COOPTMA-RS;

• A compra de insumos, aquisição de equipamentos, financiamento e ampliação da produção, logística de comercialização, marketing e propaganda;

• Credito de pequenos valores para pagamento de contas, parcelas de outros empréstimos e impostos e que possam causar impedimento ao desenvolvimento de ações produtivas (NOGUEIRA, pág. 08, s/d).

O Fundo Solidário Ubuntu visa apoiar projetos e negócios produtivos, preferencialmente coletivos e de jovens e mulheres, por meio de créditos rotativos e orientados de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e assistência técnica através da cooperativa. Os empréstimos são avalizados de forma solidária pelos integrantes dos empreendimentos e dos participantes dos Microfóruns que atuam como fóruns de desenvolvimento local, sendo o fundo gerido pelo Conselho Gestor Estadual, Conselhos Gestores Municipais e por sua Assembleia Geral.

Banco Comunitário Grão

O Banco de Desenvolvimento Sustentável dos Povos Tradicionais - Banco Comunitário Grão visa promover o desenvolvimento local de forma articulada aos Microfóruns do FONSANPOTMA que atuam como Fóruns de Desenvolvimento Sustentável Local, aglutinado nesses espaços e instâncias as Unidades Territoriais Tradicionais (UTT), responsáveis por garantir o acesso ao microcrédito e por gerir a utilização dos recursos captados pela plataforma do Grão Digital.

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O sistema operacional do Grão Digital já se encontra em operação, sendo constituído pela Moeda Grão Social e pela Plataforma de Inclusão Social, os quais são acessados por meio de aplicativos desenvolvidos em parceria com a Rede Nacional dos Bancos Comunitários e do sistema E-Dinheiro.

A Plataforma de Inclusão Social permite aos usuários o acesso à vários serviços de marketing digital social, bem como a realização de transações econômicas via cartão de crédito. Consoante as informações constantes no documento encaminhado pelos representantes do FONSANPOTMA, os recursos e os ganhos advindos da plataforma do Grão Digital serão distribuídos da seguinte forma:

Os recursos captados pela comercialização da Plataforma digital são distribuídos parte para os jovens oriundos dos micros fóruns (agentes tradicionais de inclusão digital), gerando formação profissional, emprego e renda para estes jovens, parte para o Fundo Ubuntu fortalecendo a poupança coletiva e o financiamento produtivo e para o FONSANPOTMA em suas instancias nacional, municipal e estadual de forma a fortalecer a organização política e social dos Povos, parte para um fundo da juventude e outro das mulheres que financia ações de corte especifico e 50% do valor total arrecadado com a comercialização de janelas digitais será distribuído aos microfóruns para ser gestado pelos mesmos e investido em ações de desenvolvimento sustentável na comunidade onde os fóruns de desenvolvimento estão lotados e de onde os jovens são oriundos. O SINDESU - Sistema Nacional de Desenvolvimento Econômico Solidário Ubuntu que vem sendo organizado a nível nacional pelo FONSANPOTMA se propõe a ser o novo dentro da economia e finanças solidarias, porque consegue pelas características distintas de seus usuários, ultrapassar limites de participantes, garantindo participação exponencial no processo de desenvolvimento econômico ampliando o raio de ação e atingido os povos tradicionais onde quer que estejam, isto é, rompendo limites territoriais e integrando os povos nos bairros, cidades, estados e em todo o território nacional, além de conectar economia solidária através das cooperativas a todos os instrumentos de finanças solidarias (Fundo, Banco, Moeda Social) de forma a tornar possível a criação de um sistema nacional integrado de uma teia desenvolvimento sustentável para os Povos Tradicionais de Matriz Africana (NOGUEIRA, pág. 09 e 10, s/d).

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Representantes do FONSANPOTMA no lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (14/05/2015)8

Delegados do FONSANPOTMA e Dirigentes da Organização “Mamane Salissou” do Senegal na V CNSAN (Brasília, 2015)9

8 Fonte: http://tradicaoafricana.blogspot.com.br/2015/07/fonsanpotma-em-acao-pelos-povos.html acesso em27/05/2017.9 Fonte: http://tradicaoafricana.blogspot.com.br/2015/11/porta-do-retorno-unira-africa-e-os.html acesso em27/05/2017.

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Identidade Visual (FONSANPOTMA)

Taata Daniel, Representante do FONSANPOTMA junto ao CONSEA, na Cerimô-nia de Posse dos Novos Conselheiros (Brasília 18/05/2017)10

10 Fonte: https://twitter.com/consea acesso em 27/05/2017.

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2.3. Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA)11

Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA) foi fundada no dia 07 de setembro de 2003, constituindo-se como uma rede de destacada atuação na defesa e salvaguarda dos territórios tradicionais de matriz africana e de terreiros e demais espaços sagrados de uso litúrgico e religioso, a exemplo dos sítios históricos, matas, parques, nascentes e mananciais aquíferos.

Segundo informações disponíveis no sítio eletrônico da AFA, a entidade foi criada com o objetivo de congregar comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiros no Brasil e no exterior, “desenvolvendo ações que contribuam para o desenvolvimento socioeconômico e educacional dos Povos de Terreiro, na prevenção e combate à intolerância religiosa e na preservação do nosso Patrimônio material e imaterial Afro-Indígena Religioso bem como na preservação dos espaços Sagrados do Candomblé, Umbanda, Jurema, Batuque, Santo Daime, Centros Espíritas e de Caboclos, Ciganos, Jarê, Terecô, Xambá, dentre outras denominações”12.

Atualmente a entidade encontra-se presente em 21 (vinte e um) estados da federação, incluindo o Distrito Federal, nas cinco regiões do país, participando também da rede da AFA entidades e organizações situados nos países do Paraguai, Estados Unidos da América, São Tomé e Príncipe, Áustria e Itália, conforme ilustra a figura abaixo:

11 Mapeamento realizado a partir de informações disponibilizadas pelo então Presidente da AFA, Sr. Leonel Monteiro, Ogan, Nòví Nukúndéjí e Gerente de Projeto para Comunidades Tradi-cionais da SEPPIR, bem como por meio de pesquisas e informações disponíveis em materiais institucionais da entidade.12 Fonte: http://afroamerindiaafa.wixsite.com/afro-amerindia-afa acesso em 25/05/2017

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Rede de Articulação da AFA

Em 29 de janeiro de 2014 a AFA foi declarada, pela Assembleia do Estado do Bahia, como uma organização de utilidade pública estadual, com sede e foro na cidade de Salvador, por meio da Lei n.º 20.729/2014.

Em 26 de junho de 2014 a AFA foi considerada, através de Decreto da Câmara de Vereadores, sancionado pela Prefeitura Municipal de Salvador/BA, de utilidade pública municipal, por meio da Lei nª 8581/2014.

As atividades conduzidas pela AFA encontram-se organizadas por meio de coordenações, com distintos recortes territoriais, estando a entidade em processo contínuo de estruturação e de ampliação da sua rede de associados.

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Coordenações da AFA

A AFA desenvolve inúmeros projetos, a partir de recursos próprios e/ou por meio de parcerias com poder público, realizando ações junto aos governos municipais, estaduais e federal, além de órgãos vinculados ao poder judiciário e a segurança pública. Tais atividades encontram-se estruturadas em torno de quatros eixos de atuação prioritários, conforme descrito na figura abaixo.

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Eixos de Atuação Prioritários da AFA

No que diz respeito às ações e projetos desenvolvidos pela AFA em interface com a promoção da SAN, destaca-se a defesa sistemática dos territórios tradicionais e demais espaços sagrados de uso compartilhado, situados em lugares não diretamente incidentes sobre as áreas de domínio territorial exclusivo, a exemplo dos parques públicos, das nascentes e mananciais aquíferos, das áreas de proteção ambiental, entre outros, que se constituem como condição e fundamento para a realização do DHAA pelos povos e comunidades de matriz africana de terreiros.

Destaca-se, também, a realização de parcerias com o poder público no desenvolvimento de ações de inclusão no Cadúnico das famílias de baixa renda dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros, de modo a promover o seu acesso às políticas sociais e de transferência de renda que são ações estratégicas para a promoção da SAN em contextos de grande vulnerabilidade, entre outras atividades. Descreveremos, a seguir, os principais projetos e ações quem vem sendo desenvolvidos pela AFA, em torno de cada um dos eixos de atuação prioritários acima indicados.

Eixo de atuação: salvaguarda dos territórios tradicionais

Garantias de preservação dos Espaços Sagrados, incluindo edificações e benfeitorias, por meio de Tombamentos, Registros Especiais, Convênios e doações que envolvam a realização de obras de restauro, reformas, reparos gerais e ampliações.

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Tombamentos e Registros Especiais do Patrimônio Imaterial

• A AFA participou ativamente do processo de mobilização e de articulação junto ao poder executivo e legislativo do município de Salvador/BA para a aprovação da Lei Municipal n.º 8.850 de 29 de janeiro de 2014, que estabelece normas de proteção e estímulo à preservação do Patrimônio Cultural do Município de Salvador, por meio do instituto do Tombamento e do Registro Especial do Patrimônio Imaterial;

• Em 19 de março de 2014, a AFA formalizou, via ofício (Of. AFA n.º004/2014), pedido de tombamento municipal do Templo Afro-Religioso Kwe Vodun Zo, Terreiro Jêje, de Tradição Vodun Savalu, com base na Lei Municipal n.º 8.850/2014 de Salvador/BA, fornecendo informações, documentos e participando ativamente do processo que culminou no primeiro tombamento de terreiro, via poder público municipal, da história do país;

• A partir de uma articulação da AFA junto à Prefeitura de Salvador/BA, também foi aberto oficialmente o processo para tombamento da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilê Axé Kalê Bokun.

Reformas, Reparos Gerais e Ampliações

• A partir de uma parceria com o governo do Estado da Bahia, foi firmado o Convênio nº 002/2013, entre a AFA e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (SEDUR/BA), no valor de R$ 390.158,74, destinados a reforma e reparos as edificações em 10 (dez) territórios de matriz africana e de terreiros, situados nos municípios de Salvador, Lauro de Freitas, Camaçari, Cachoeira e Maragogipe. Foram realizados reformas e reparos nos seguintes territórios:

Salvador: ILÉ ÀSE IBÁ ÒGÚN; MANSU BANDUKWENKWE (TERREIRO DO BATE FOLHA); ILÉ ODO OGÈ (TERREIRO PILÃO DE PRATA);

Lauro de Freitas: TERREIRO SÃO JORGE FILHO DA GOMÉIA; ILÉ ÀSE OPO AGANJU; ILÉ ÀSE AJAGUNA

Camaçari: MANSU KELEMBEKWETA LEEMBA FURAMAM

Cachoeira: HUNKPAME AYONÒ HUNTOLOJI; ZO OGODO MALE BOGUN SEJA HUNDÈ (ROÇA DO VENTURA)

Maragogipe: ILÉ ALÁBÀSE

Eixo de atuação: garantia de direitos constitucionais

Garantias do cumprimento de direitos constitucionais como imunidade do

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IPTU e outros tributos, liberdade de culto e políticas públicas para os Povos e Comunidades Tradicionais.

Inclusão Social e Cidadã

• No ano de 2013, foi realizado, pelo governo federal e pela Prefeitura de Salvador/BA, em parceria com a AFA, o programa “Axé Comunidade” que desenvolveu ações junto aos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros com foco na inclusão das famílias de baixa no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), de modo a promover o seu acesso às políticas sociais e de transferência de renda, a exemplo do Programa Bolsa Família e da Tarifa Social (política social do município de Salvador que concede desconto na tarifa de energia elétrica para as famílias de baixa renda). Segundo informações do Diário Oficial do Município (Ano XXVI, de 20 de dezembro de 2013), o programa logrou um salto qualitativo na inclusão de famílias de matriz africana e de terreiros no CadÚnico, cadastrando 908 famílias em 32 comunidades, sendo que no ano de 2012 apenas 90 famílias pertencentes ao segmento estavam cadastradas no CadÚnico;

• A Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza de Salvador/BA (SEMPS) realizou, em parceria com a AFA, o Vestibular Social, no Terreiro Kwe Vodun Zo e em mais dez Comunidades Terreiro, voltado à inclusão de pessoas de baixa renda em cursos de educação superior, por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Essa ação contribuiu para o acesso ao ensino superior de cerca de 380 integrantes dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros e das suas comunidades ao entorno e, atendendo a novas demandas, a ação foi estendida aos municípios de Candeias, Conceição do Jacuípe e Feira de Santana, na Bahia;

• A Prefeitura de Salvador/BA, em parceria com a AFA, desenvolve cursos, palestras e seminários com foco na promoção do empreendedorismo de matriz africana e de terreiros, ministrados pelos Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE);

• A AFA em parceria com o Núcleo Baiano de Produção Cinematográfica em Stop Motion (NUBAS), realiza, no interior dos Terreiros, oficinas na área da produção da arte do Cinema, oportunizando o contato com técnicas e equipamentos, agregando conhecimento, possibilitando a estas pessoas vislumbrarem uma possível carreira profissional que parecia estar distante da realidade em que vivem.

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Imunidade Tributária

• A AFA vem desenvolvendo uma série de ações junto ao Ministério Público Estadual, nos Estados da Bahia e do Mato Grosso do Sul, para a garantia do exercício do direito à imunidade tributária dos tempos Afro-Religiosos. Essas articulações contribuíram para a publicação do Decreto Municipal n.º 25.560 de 19 de novembro de 2014 que garante às comunidades de matriz africana e de terreiros imunidade tributária municipal, no âmbito do município de Salvador/BA e e ações junto ao MPE/MS que estão garantindo o respeito à imunidade tributária no âmbito da Cidade de Campo Grande/MS.

Eixo de atuação: cidadania e direitos humanos

Parcerias com instituições públicas como MPE, MPF, DP e Polícias, objetivando garantir o exercício de direitos e deveres, pessoais e coletivos.

Mediação de Conflitos, Orientações e Encaminhamentos Jurídicos

• A AFA possui um longo histórico de atuação na promoção da cidadania e dos direitos humanos dos povos e comunidades de matriz africana, atuando na mediação de conflitos e prestando orientações e auxílios no encaminhamento de ações judiciais no âmbito das seguintes temáticas:

-Legalização territorial e fundiária;

-Imunidade Tributária;

-Conflitos socioambientais e especulação imobiliária;

-Defesa do Patrimônio Cultural de natureza material e imaterial;

-Intolerância religiosa;

-Prevenção e combate ao racismo institucional;

-Prevenção e combate ao racismo e o preconceito nos meios de comunicação;

-Abuso de autoridade e violência policial;

-Abuso de poder religioso nas eleições;

-Abuso de poder das autoridades sanitárias;

-Atuação junto ao Governo Federal no sentido do acesso das Comunidades Tradicionais de Matriz Africana à aposentadoria como Ministro de Culto;

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-Articulação com Governos Estadual e Federal para implantação de Delegacias Especializadas para atendimento, registro, investigação e encaminhamento de casos de Intolerância Religiosa;

-Garantia de livre acesso dos sacerdotes e sacerdotisas de matriz africana e de terreiros aos equipamentos públicos de saúde para a prestação de serviços religiosos solicitados pelos pacientes;

Eixo de atuação: preservação do patrimônio ambiental

Preservação do Patrimônio ambiental, dentro e fora dos Templos.

Defesa do meio ambiente e criação de Parques e Áreas de Proteção Ambiental

• A AFA participou ativamente do Tombamento Municipal da Pedra de Xangô, localizada no sítio histórico do antigo Quilombo Buraco do Tatu, no município de Salvador/BA, pela Fundação Gregório de Mattos (FGM), com base na Lei Municipal n.º 8.850/2014. O processo de tombamento foi instaurado por solicitação da AFA, da Associação Pássaros das Águas e da Câmara Municipal de Salvador. Vale registrar que a grande mobilização e visibilidade alcançados na campanha em defesa da Pedra de Xangô também logrou a criação da primeira Área de Proteção Ambiental (APA) no âmbito do município de Salvador, a APA Municipal Assis Valente e o Parque em Rede Pedra de Xangô.

• A AFA também tem promovido uma série de ações com foco na luta pela revitalização ambiental e estrutural do antigo Quilombo do Urubu, atual Parque São Bartolomeu, situado na cidade de Salvador/BA, por meio do envio de ofício aos órgãos e as autoridades competentes, passeatas e matérias junto à imprensa;

• Também vêm sendo realizadas pela AFA ações com foco na preservação das matas e dos mananciais aquíferos, localizadas em áreas de uso litúrgico consideradas sagradas para os povos e comunidades de matriz africana e de terreiros, as quais garantem a realização de rituais, a coleta de plantas e de folhas sagradas e a preservação de sítios históricos ligados à cultura e a religiosidade afro-ameríndia;

• A AFA também atua incentivando e orientando as Comunidades Tradicionais de Matriz Africana a criarem nos seus Territórios Áreas de Proteção Cultural e Paisagística (APCP’s) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) como forma de garantir a preservação do seu patrimônio Sagrado Ambiental e garantia Territorial.

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Cerimônia de Tombamento Municipal do HUNKPAME SAVALU VODUN ZO KWE (Salvador/BA)13

13 Fonte: todas as imagens constantes nesse mapeamento são do Arquivo da AFA.

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Territórios de Matriz Africana e de Terreiros Contemplados com as Ações de Reforma e de (Convênio AFA-SEDUR/BA)ILÉ ÀSE IBÁ ÒGÚN

MANSU KELEMBEKWETA LEEMBA FURAMAM

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ILÉ ODO OGE (PILÃO DE PRATA)

MANSU BANDUKWENKWE (BATE FOLHA)

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Assinatura do Convênio AFA-SEDUR/BA (05/09/2013)

Programa “Axé Comunidade” (Inclusão de Famílias no CadÚnico)

ILÉ ÀSE ABEOKUTÁ (ILHA DE BOM JESUS DOS PASSOS)

ILÉ ÀSE FARÀ AYÓ ALADÈ OLOGUN EDÉ

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VESTIBULAR SOCIAL NOS TERREIROS

Vestibular Social no NZO KISIMBI KEUAMAZI DYA NZAAMBI

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Tombamento do Pedra de Xango - Sítio histórico do antigo Quilombo Buraco do Tatu (Salvador/BA)

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2.4. Coletivo de Entidades Negras (CEN)14

O Coletivo de Entidades Negras (CEN) foi fundado no ano de 2005 como uma entidade do movimento negro, de abrangência nacional, presente em 17 (dezessete) estados da federação, incluindo o Distrito Federal, nas cinco regiões do país. Encontram-se reunidos nessa rede mais de 300 Pessoas Jurídicas e Físicas que atuam a partir de uma base de valores e princípios compartilhados, que garante aos seus militantes uma atuação alinhada e contextualizada com as principais pautas da agenda nacional e internacional dos direitos humanos.

O CEN desenvolve ações e projetos a partir de recursos próprios e/ou por meio de parcerias com poder público, estabelecimentos de ensino, organizações da sociedade civil entre outros parceiros.

Sua sede nacional se localiza na cidade de Salvador/BA, participando da rede entidades e organizações situados nos estados do Amazonas, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rondônia, Rio de Janeiro, Maranhão, Paraíba, Piauí, Aracaju, Alagoas, São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal.

O CEN possui uma coordenação nacional e coordenações estaduais nos respectivos estados, conforme se segue:

Coordenação Nacional:

• Coordenador Geral – Marcos Rezende / BA• Coordenador de Articulação Institucional – Márcio Alexandre / RJ• Coordenadora Nacional de Comunicação – Yoná Valentim / RJ• Coordenadora Nacional de Religiosidade – Ebomi Nice de Iansã / BA e

Vilson Caetano / BA• Coordenador Nacional de Formação – Guilherme Nogueira / DF• Coordenação para Assuntos Internacionais – Ivair Alves dos Santos / DF• Coordenadora Nacional de Gênero – Carol Barreto / BA• Coordenador Nacional de Mobilização – Dhay Borges / BA• Coordenador Jurídico – Dr. Luiz Fernando Martins da Silva / RJ• Coordenador de Juventude – Adriano Fiúza/ DF• Coordenação Estadual:• Gilmar Pereira – Amazonas• Coordenação colegiada – Rondônia• Edson Silva Barbosa – Pará

14 As informações sobre a presente rede foram consignadas, à distância, via troca de men-sagens com o coordenador geral do CEM e Ogan do Ilê Oxumaré, Marcos Rezende, bem como consultas ao sítio eletrônico do CEN e da Secretaria Estadual de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE/BA).

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• Cristina Miranda – Maranhão• Renilda Barbosa – Paraíba• Comissão colegiada – Pernambuco• Célio Rodrigues – Alagoas• Lígia Borges e Erivan – Aracaju• Albino Apolinário – Bahia• Pai Joel – Distrito Federal15

• Jane Maria Silva (Dikota Djanganga) – Minas Gerais• Rogério Orsi – Espírito Santo• Deusimar dos Santos – Rio de Janeiro• Silvana Veríssimo – São Paulo• Márcio Marins – Paraná• Coordenação colegiada – Rio Grande do Sul

Entre os projetos e ações atualmente desenvolvidos, nos estados e municípios em que a rede se encontra articulada, destacam-se:

• A realização de 11 (onze) edições da “Caminhada pela Vida e Liberdade Religiosa”;

• A “Alvorada dos Ojás”, em sua quarta edição, em que são realizadas ações de combate ao racismo e a intolerância religiosa, a exemplo de caminhadas dos filhos de santo com os seus ojás, intervenções e instalações de cunho educativo e cultural, etc.;

• O “Sarau do Gueto” que realiza eventos literários, em espaços públicos e em comunidades de bairros periféricos da cidade de Salvador/BA, com a perspectiva do empoderamento do povo negro através da arte literária;

• O “Presente Ecológico para Yemanjá”, em sua quarta edição e anualmente realizado, que desenvolve ações de conscientização ambiental voltadas às comunidades de matriz africana e de terreiros;

• O Seminário” Sistema de Justiça e Liberdade Religiosa”;• A publicação do livro e do filme documentário “Mulheres de Axé” que

objetivou registrar e valorizar a trajetória e o legado de resistência de importantes e destacadas sacerdotisas de matriz africana e de terreiros;

• A “Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas” (INNPD), dedicada à construção de uma rede ampla de articulação entre movimentos sociais negros, sociedade civil, organizações não governamentais, coletivos negros e intelectuais com atuações diversas na temática racial, com foco

15 Vale registra que o Pai Joel, coordenador do CEN no Distrito Federal, também participa da Rede de Matriz Africana e de Terreiros no Distrito Federal e Entorno, que descreveremos no próximo tópico.

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na discussão sobre os efeitos perversos da atual política de combate às drogas para a juventude negra e na elaboração de estratégias de combate ao racismo institucional nesse contexto;

Registra-se, também, a defesa sistemática de jovens negros em situação de risco e violência, encaminhando-os aos devidos programas de proteção à testemunha e/ou garantindo medidas protetivas e assistência jurídica da própria entidade.

No que diz respeito à inclusão produtiva e a promoção da soberania e da SAN, encontra-se em andamento da realização do “Projeto Terra Preta”, fruto de uma parceria entre o CEN e a Secretaria Estadual de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE/BA), por meio da Superintendência Estadual de Economia Solidária (SESOL/BA).

O referido projeto foi contemplado com recursos do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (FUNCEP/BA), por meio do “Edital 001/2014 – Apoio a Empreendimentos e a Redes de Economia Solidária de Matriz Africana”, investindo-se recursos da ordem de 664 mil reais, destinados à implantação de sistemas agroecológicos integrados (SAIs) em 12 terreiros situados na RM de Salvador e no Recôncavo da Bahia, em oito municípios baianos, conforme abaixo listado:

1. Terreiro de Lemba, Camaçari;

2. Terreiro Tum Tum, Itaparica;

3. Terreiro Humkpame Bebe Kakwa Axe Aféfé Fuw Fuw, Lauro de Freitas;

4. Terreiro Bate-Folha, Salvador;

5. Terreiro Oyá Deji, Salvador;

6. Terreiro Ilê Axé Baba Omim, Ilha de Vera Cruz;

7. Terreiro Ilê Axé Alá Bocum, Salvador;

8. Terreiro do Ventura, Cachoeira;

9. Terreiro Matamba Jessi Messi, Barra da Pojuca;

10. Terreiro Matamba Kutalacongo, São Francisco do Conde;

11. Terreiro Ilê Odé Oba Omim, São Francisco do Conde;

12. Terreiro Ilê Axé Omin J’obá, Salvador.

O SAIs são constituídos de um galinheiro central, contornado por uma horta para o cultivo de espécies previamente selecionadas, formando uma mandala.

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Cada plantel do galinheiro é formado por 20 (vinte) galinhas rústicas (da terra), 01 (um) galo e 40 (quarenta) pintos, sendo cultivadas plantas medicinais, condimentos e hortaliças que fazem parte do universo das religiões de matriz africana e de terreiros. As hortaliças constituem-se em alface, couve, agrião, coentro, alecrim, entre outras; e as plantas medicinais e condimentos em favaca de cobra, guiné, arruda, patchuli, macaçá, etc.

A escolha dos terreiros para receber os SAIs foi realizada a partir de critérios técnicos, que dizem respeito, principalmente, à viabilidade hídrica (existência de rios, fontes ou poços em sua área) e potencial produtivo do terreno (ser plano, sem declive acentuado e com solo apropriado para cultivo).

Os contemplados com os SAIs receberão assessoria técnica gratuita, com base em uma tecnologia social baseada em práticas agrícolas sustentáveis, sendo também construídos dezenas de viveiros de mudas que serão disponibilizados para os demais terreiros, buscando-se um maior alcance e difusão das práticas e das técnicas associadas ao projeto. Para além, também será estimulado a produção de itens de interesse específico, auxiliando os participantes no planejamento do ciclo produtivo, buscando soluções para melhorar a qualidade da produção, incluindo a articulação com as feiras livres e demais espaços para comercialização do excedente da produção.

A execução do projeto teve início no mês de maio de 2016, realizando-se reuniões e atividades preparatórias à implantação dos SAIs. Em setembro do mesmo ano, iniciou-se a construção do primeiro SAI, no Terreiro Humkpame Bebe Kakwa Axe Aféfé Fuw Fuw, situado na localidade de Areia Branca, no município de Lauro de Freitas, constituído como experiência piloto para a implantação dos demais SAIs.

No dia 13 de novembro realizou-se a primeira colheita da experiência piloto, consistindo em couve, rúcula, coentro, iniciando-se também, nessa mesma data, o transplante da sementeira de alface. No Terreiro Humkpame também foram plantadas espécies de interesse da comunidade (quiabo, abóbora e taioba), considerados ingredientes fundamentais ao preparo de pratos específicos. Registrou-se, na madrugada seguinte, após a primeira colheita, vandalismo à placa do projeto, criada com a colaboração do artista visual Júlio Costa e colocada na frente do Terreiro Humkpame, já tendo sido realizados ajustes para se reparar os danos.

Após a análise dos resultados alcançados na experiência piloto, iniciou-se a implantação dos demais SAIs. Já foram instalados, até o presente momento, seis SAIs, prevendo-se a conclusão das atividades do projeto para o final do ano de 2017.

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Implantação do SAI no Terreiro Ilê Axé Alá Bokum Demin16

Implantação do SAI no Terreiro Torrum Gunam

16 Fotos do Acervo do CEN. Fonte: http://www.cenbrasil.org.br/wordpress/category/terra-pre-ta/

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Imagens do Produção e Colheita do 1º SAI Implantado, no Terreiro Humkpame Bebe Kakwa Axe Aféfé Fuw Fuw

2.5. Casas Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiros do Distrito Federal e Entorno17

No ano de 2016 iniciou-se, no Distrito Federal e Entorno, a realização do projeto “Sustentabilidade em Casas Tradicionais de Matriz Africana do DF e Entorno:

17 Mapeamento realizado a partir de informações disponibilizadas pelo engenheiro agrônomo, Vinicius Mello Teixeira de Freitas, servidor da EMBRAPA e líder do projeto “Sustentabilidade em Casas Tradicionais de Matriz Africana do DF e Entorno: Segurança Alimentar e Nutricional, Agroecologia e Conservação dos Recursos Naturais”. Registra-se, também, a oportunidade de ida à campo, em acompanhamento aos técnicos da EMBRAPA na realização de atividades do proje-to nos terreiros Axé T’Ojú Labá, (região do Jardim ABC, Cidade Ocidental/GO), e no Tumba Nzo Jimona dia Nzambi (no município de Águas Lindas de Goiás/GO). Também foram consultados os materiais resultantes do “INRC Lugares de Culto de Matrizes Africanas e Afro-Brasileiras no DF e Entorno”(IPHAN, 2010), disponibilizados pela SEPPIR.

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Segurança Alimentar e Nutricional, Agroecologia e Conservação dos Recursos Naturais”, ora em execução pelo Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças da EMBRAPA.

O projeto envolve a participação de 13 territórios de matriz africana e de terreiros, tendo como objetivo a estruturação de sistemas de produção agroecológica, a conservação e uso de recursos naturais e a construção social de mercados, ao longo de três anos. No presente momento, estão em fase de conclusão as atividades relativas à reconstituição de solo e implantação de agroflorestas em três territórios constituídos como unidades de aprendizagem e de experimentação, para a sua posterior replicação nos demais territórios participantes do projeto.

Trata-se de uma rede incipiente, com grande potencial de estruturação a médio e longo prazo, cujo histórico encontra-se intimamente ligado ao “I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana 2013-2015” (SEPPIR, 2013), conforme buscaremos aqui contextualizar.

No ano de 2010, realizou-se o “INRC Lugares de Culto de Matrizes Africanas e Afro-Brasileiras no DF e Entorno – DF” (IPHAN, 2010), que identificou a presença de mais de 50 casas de matriz africana e de terreiros, pertencentes à diferentes nações de candomblé e às tradições afro-brasileiras autodenominadas Umbanda, Omolokô, Terekô, Catimbó de Jurema, Mina Mata, entre outras.

A partir de critérios como antiguidade e grande prestígio entre os pares de nação e/ou designação religiosa, estabeleceu-se 13 casas como matriciais para as povos e comunidades de matriz africana e de terreiros do Distrito Federal e Entorno, levando-se também em conta a diversidade de tradições existentes na região pesquisada. A partir desse recorte, foram realizados levantamentos mais aprofundados, considerando-se as 13 casas matriciais como pontos focais para o desenvolvimento das ações do inventário.

Conforme estabelece a metodologia do INRC, as informações levantadas foram organizadas na forma de fichas, identificando-se e contextualizando-se os bens culturais inventariados a partir das categorias dos Livros de Registro do Patrimônio Cultural Imaterial do IPHAN, sendo:

1. Saberes: conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;

2. Formas de expressão: manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;

3. Celebrações: rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;

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4. Lugares: mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e se reproduzem práticas culturais coletivas.

Embora não levantando informações detalhadas sobre a situação fundiária e a presença de práticas produtivas nos territórios constituídos como foco das ações do inventário, o INRC levantou elementos que foram avaliados pelos técnicos da EMBRAPA como oportunos à realização de um projeto de inclusão produtiva e de promoção da SAN, em observância aos compromissos assumidos no “I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana 2013-2015” (SEPPIR, 2013).18

Como se tratava da primeira ação estruturada da EMBRAPA junto ao povos e comunidades de matriz africana e de terreiro, considerou-se também a presença de diversos órgãos públicos que trabalham diretamente com questões afetas ao segmento, além da existência de quatro unidades da EMBRAPA no território do Distrito Federal.

Partindo-se dessas primeiras avaliações, iniciou-se o processo de construção de uma proposta de atuação, realizando-se reuniões junto às lideranças das casas matriciais do inventário, que também contaram com a participação de instituições parcerias (UnB, EMATER/DF, Ministério da Saúde) e de profissionais da EMBRAPA Sede e de outras unidades vinculadas. Por conseguinte, foram realizadas ações de divulgação da proposta, com o apoio da SEPPIR e da SEPIR-DF, e as treze casas demonstraram interesse e foram acolhidas no projeto.

Consolidou-se, assim, a proposta do projeto “Sustentabilidade em Casas Tradicionais de Matriz Africana do DF e Entorno: Segurança Alimentar e Nutricional, Agroecologia e Conservação dos Recursos Naturais”, pelo Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças da EMBRAPA, o qual aprovado na “Chamada 07/2014 - Prioridades do Portfolio Sistemas de Base Ecológica (2014-2015)”. Atualmente, participam mais ativamente das atividades do projeto 11 territórios tradicionais de matriz africana e de terreiros, sendo:

1. Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua – CECSAP (Ceilândia/DF);

2. Bakiso N’gunzo ria N’zaze (Céu Azul/GO);

3. Ilê Axé T’Ojú Labá (Cidade Ocidental/GO);

18 O “I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradiciona-is de Matriz Africana”, coordenado pela SEPPIR, estabelece o desenvolvimento de ações pelos diversos ministérios e órgãos do governo federal, tendo como objetivo primordial a salvaguarda das tradições de matriz africana preservadas no Brasil. No referido Plano, a EMBRAPA pactuou a realização de dois projetos, em conjunto com a sociedade civil, pautados pela agroecologia e pela troca de saberes, no âmbito do Programa 2042, Objetivo 842, do PPA (2012-2015).

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4. Ilê Axé Xaxará de Prata (Lago Oeste/DF);

5. Sociedade Beneficente Luz Divina – Ilê Asè Égbè Orisá (Gama/DF);

6. Ilè Asè Eiyelé Ogè (Casa de Oração Pombo de Prata) (Planaltina/DF);

7. Tumba Nzo Jimona dia Nzambi (Águas Lindas de Goiás/GO);

8. Ilê Axé Ida Wura (Sobradinho/DF);

9. Ilê Axé Iya Magba Biola (Taguatinga/DF);

10. Ebatí Nití Oluwá Alaíyé (Samambaia/DF);

11. Cabana Jurema Sagrada do Mestre Nego Gerson (Planaltina/DF).

Segue, abaixo, mapa com a localização das casas participantes, disponibilizado pela equipe técnica do projeto.

MAPA DOS TERREIROS PARTICIPANTES DO PROJETO “Sustentabilidade em Casas Tradicionais de Matriz Africana do DF e Entorno” (EMBRAPA)

O projeto foi iniciado em fevereiro de 2016, prevendo-se a realização de uma série de ações e atividades, ao longo de três anos, organizadas em torno de três eixos: I-sistemas agroecológicos de produção; II- conservação e uso de recursos naturais e; III- construção social de mercados. Tem-se, ainda, como perspectiva transversal ao projeto, o intercâmbio e a construção de conhecimentos relacionados à produção de alimentos e a conservação dos recursos naturais, por meio da

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criação de espaços de diálogos interétnicos, interativos e de reflexão do fazer, a partir da memória biocultural desses povos e comunidades.

Pode-se dizer, de maneira ampla, que o projeto objetiva alcançar dois resultados principais. Por um lado, pretende-se contribuir para a sustentabilidade das casas tradicionais de matriz africana e de terreiros do Distrito Federal e Entorno, na perspectiva do intercâmbio de conhecimentos e práticas relacionados à produção de alimentos e a conservação dos recursos naturais. E, por outro, promover aprendizado institucional que possibilitará a ampliação da contribuição da EMBRAPA na implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, bem como avançar na qualificação das estratégias de intercâmbio e de construção coletiva do conhecimento, reconhecendo diferentes atores, estilos de agricultura e saberes tradicionais.

Entre as primeiras ações desenvolvidas, destaca-se a realização de um diagnóstico nos territórios participantes, que levantou informações acerca das áreas disponíveis para sustento das atividades previstas, plantas cultivadas e animais existentes, cultivos e animais de interesse, além de levantamento preliminar sobre as condições dos territórios mapeados, a exemplo da presença de água, das características do solo, entre outros fatores.

Após o diagnóstico, foram realizadas reuniões de trabalho e visitas à agrofloresta da Sede da EMBRAPA, com a participação das lideranças de matriz africana e de terreiros, da equipe técnica do projeto e dos parceiros SEPPIR e Ministério da Saúde (MS). Nessas reuniões foram apresentados, pelos técnicos da EMBRAPA, os princípios de sucessão florestal, recuperação e conservação dos solos e desafios para a sustentabilidade, oportunizando-se também uma maior aproximação dos técnicos da EMBRAPA com universo dos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros, por meio das falas das lideranças sobre as suas perspectivas e conhecimentos sobre os temas abordados.

Realizou-se, ainda, no âmbito dessas reuniões, a apresentação dos resultados do diagnóstico dos territórios tradicionais, contextualizando-se os desafios e as particularidades relativos a cada um dos onze territórios visitados, e de que maneira as habilidades e competências disponíveis na EMBRAPA poderiam contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e auto sustentabilidade. A partir dessas atividades, foi elaborado, coletivamente, uma árvore de problemas e soluções, que nos foi disponibilizada pela equipe técnica do projeto, conforme se segue.

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Tivemos a oportunidade de acompanhar duas atividades de campo, no Ilê Axé T’Ojú Labá, na região do Jardim ABC, Cidade Ocidental/GO (09/02/2017) e no Tumba Nzo Jimona dia Nzambi, no município de Águas Lindas de Goiás/

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GO (10/02/2017), além de reuniões de trabalho na EMBRAPA Sede e no Centro Nacional de Hortaliças da EMBRAPA.

Esses dois territórios conformam, juntamente ao Ilè Asè Eiyelè Ogè (Planaltina/DF), as três unidades de aprendizagem e de experimentação que, no presente momento, encontram-se em fase de reconstituição de solo e implantação das agroflorestas. Também serão realizados, nesse primeiro semestre, uma série de cursos e oficinas, consistindo em:

1. Produção de Mudas Orgânicas de Hortaliças;

2. Cultivo e Multiplicação de Espécies Tradicionais;

3. Cultivo e Multiplicação de Espécies Medicinais;

4. Coleta e Uso de Microorganismos nas Agroflorestas;

5. Prepara e Uso de Composto Orgânico de Farelos (Bokashi) e Composto de Esterco Animal;

6. Coleta e Tratamento de Espécies Florestais do Cerrado e Exóticas.

Em diálogo com as lideranças dos territórios constituídos como unidades de aprendizagem e de experimentação, ressaltou-se a importância do projeto para uma maior articulação entre os povos de matriz africana e de terreiros, ponderando-se algumas dificuldades para o desenvolvimento de ações conjuntas, principalmente em função da grande distância física entre as casas.

Apesar das dificuldades, as lideranças também destacaram a importância das instâncias de participação e de articulação atualmente existentes, a exemplo do CONSEA, do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos de Matriz Africana (FONSANPOTMA), do Coletivo de Entidades Negras (em que o Pai Joel, do Ilè Asè Eiyelè Ogè, é o coordenador do Distrito Federal), entre outros espaços de articulação e de atuação conjunta.

Com relação às redes de produção, abastecimento e consumo, as lideranças ressaltaram a existência de territórios tradicionais que produzem alimentos específicos para comercialização e compra por parte dos povos de matriz africana e de terreiros, bem como de alguns produtores e feirantes locais que têm se especializado nesse sentido.

Segundo a Ialorixá [Iyálorìsà] Mãe Dora, do Ilè Asé T’Ojú Labá, os alimentos são preferencialmente adquiridos nas redes de matriz africana e de terreiros que possuem um processo de produção mais adequado ao atendimento das especificidades das práticas alimentares tradicionais. Contudo, ponderou a dificuldades de acesso a itens específicos, que muitas vezes precisam ser importados de outros Estados,

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implicando custos adicionais consideráveis. A Ialorixá [Iyálorìsà] Mãe Dora também lamentou a diminuição da oferta local de itens diversos, em função dos custos e do excesso de burocracia das agências reguladoras, dos constantes episódios de intolerância religiosa, entre outros fatores já apresentados no Capítulo 1, destacando que o projeto da EMBRAPA poderá ajudar na resolução de problemas cotidianamente enfrentados nesse sentido.

Segundo algumas lideranças do Tumba Nzo Jimona dia Nzambi, a realização da parceria com a EMBRAPA e as novas técnicas empregadas vêm despertando grande curiosidade na comunidade, já se fazendo sentir alguns efeitos de melhoria da qualidade ambiental do território, a exemplo do aumento do volume de água no córrego que serve o território.

O Tumba Nzo Jimona dia Nzambi, comparativamente aos demais territórios, dispõe de uma área considerável. Encontra-se instalado numa propriedade de quatro hectares, com presença de matas, nascentes e córrego, numa região que possui muitas chácaras e unidades de produção de alimentos voltados à comercialização. Algumas propriedades vizinhas haviam procedido desmatamento para a sustentação das suas atividades produtivas, impactando o córrego que serve o território.

As matas preservadas pelo Tumba Nzo Jimona dia Nzambi, bem como a recuperação do solo e a implantação da agrofloresta que vêm sendo realizados em parceria com a EMBRAPA, aumentou o volume da água e espera-se a sua melhoria contínua, estando a comunidade, no presente momento, procedendo a recuperação da mata ciliar, com recursos próprios.

Segundo algumas lideranças Tumba Nzo Jimona dia Nzambi, tentou-se, no passado, um processo de diálogo para organização de um trabalho coletivo de recuperação das matas ciliares na região, o que não foi aceito pelos proprietários vizinhos, creditando-se tal recusa como possivelmente motivada por preconceito e intolerância religiosa. A partir da parceria com a EMBRAPA, intenta-se a retomada desse diálogo, avaliando-se a presença desse novo fator de mediação como um contexto mais propício a construção de ações coletivas dessa natureza.

O território Tumba Nzo Jimona dia Nzambi já realizava cultivos orgânicos e a criação de animais, mas não no sistema agroflorestal. Segundo algumas lideranças, num primeiro momento, houve estranhamento por parte de algumas pessoas da comunidade, que estavam mais acostumados ao plantio em canteiros lineares, mas os efeitos de reconstituição de solo e a implantação da agrofloresta vêm sendo positivamente avaliados, pretendendo-se replicar as novas técnicas em outras áreas do território.

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Tem-se, portanto, o projeto “Sustentabilidade em Casas Tradicionais de Matriz Africana do DF e Entorno: Segurança Alimentar e Nutricional, Agroecologia e Conservação dos Recursos Naturais” como fator de aglutinação e de articulação entre as lideranças das casas participantes, com perspectivas futuras de estruturação de uma rede ainda mais ampla, abarcando-se outras casas e novos atores. Além disso, o aprendizado institucional também poderá ampliar a contribuição EMBRAPA na implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiros, espraiando-se em outros territórios e contextos.

Nesse tocante, vale registrar que o Muzenza mais velho do Tata Ngunz’tala, sacerdote responsável pelo Tumba Nzo Jimona dia Nzambi, completou o seu ciclo de iniciação, obtendo o direito de abrir sua casa, pretendendo fazê-lo numa propriedade situada em Brazlândia/DF, replicando as experiências e os conhecimentos construídos em parceria com a EMBRAPA, mas aprofundando-os na vivência do sagrado do candomblé [Kandombele] Angola em sua inter-relação com a natureza e com os processos de produção dos alimentos.

No segundo semestre do ano corrente, serão realizados, nas três unidades de aprendizagem e de experimentação, os mutirões de cultivo, período em que também será organizado um seminário nacional, com a participação das lideranças de matriz africana e de terreiros, técnicos das quatro unidades da EMBRAPA do Distrito Federal, mestre e mestras tradicionais convidados, pesquisadores, representante de entidades e órgãos governamentais parceiros, que se será transmitido, via internet, às redes e unidades da EMBRAPA de todo o país.

Reunião do Projeto. Foto: Álvaro Pinheiro (DAGEP/MS)

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Visita de Campo ao Ilè Asé T’Ojú Labá (09/02/2017)

Visita de Campo Tumba Nzo Jimona dia Nzambi (10/02/2017)

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Reunião de Trabalho no Centro Nacional de Hortaliças da EMBRAPA (10/03/2017)

2.6. Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Piauí (CECOQ/PI)19

A Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Piauí (CECOQ/PI) foi fundada no ano de 1996, com objetivo de articular e de apoiar a luta por cidadania e pleno exercício dos direitos territoriais, culturais, étnicos, sociais e econômicos das comunidades quilombolas do Estado do Piauí. A Diretoria da CECOQ/PI é formada por representantes diretos dos quilombos piauienses, eleitos em fóruns bienais pelas diversas comunidades quilombolas integrantes da CECOQ/PI.

Desde a sua fundação, a CECOQ/PI tem protagonizado inúmeras ações em contextos múltiplos e diversos, a exemplo do monitoramento das políticas públicas 19  Mapeamento realizado a partir de informações disponibilizadas por Antônio Bispo dos Santos, da comunidade quilombola Saco-Curtume (São João do Piauí/PI), membro da CECOQ/PI e representante do Piauí Junto a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ).

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orientadas às comunidades quilombolas, da mediação de conflitos fundiários e ambientais, da realização de ações socioeducativas nos territórios quilombolas, da organização de seminários, mesas e debates com instituições diversas, da execução de projetos diretamente pela entidade e/ou por meio de parcerias com poder público e com as organizações da sociedade civil e dos movimentos de luta pela terra.

Com relação aos povos e comunidades de matriz africana e de terreiros situados em comunidades quilombolas, registra-se grande invisibilidade e poucas informações disponíveis a seu respeito. No entanto, segundo a liderança Antônio Bispo dos Santos, um dos Diretores da CECOQ/PI e representante do Piauí junto à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ), duas ações possibilitaram uma primeira aproximação por parte do poder público e maior visibilidade dessa questão pela sociedade piauiense. Trata-se da realização do “INRC de Bens Negros das Comunidades Quilombolas do Piauí”, em parceria com o IPHAN, CECOQ/PI, INCRA e UFPI, no ano de 2007; e o “Mapeamento e Salvaguarda do Saber Jucá do Quilombo Volta do Campo Grande” que resultou a produção do vídeo documentário “O Jucá da Volta”, em parceria com o IPHAN, CECOQ/PI, CONAQ e Associação Filmes de Quintal, no ano de 2013.

Segundo informações disponíveis no sítio eletrônico da Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC), até a data de 20/05/2016, foram certificadas no estado do Piauí 86 (oitenta e seis) comunidades quilombolas, havendo, ainda, a identificação de outras comunidades com processos de certificação abertos junto à Fundação Cultural Palmares, aguardando complementação da documentação e/ou visita técnica por parte desse órgão20. Essas comunidades conformam uma rica constelação de expressões e de bens culturais quilombolas, conforme levantado no “INRC de Bens Negros das Comunidades Quilombolas do Piauí” (IPHAN, 2007), que desenvolveu ações de inventário junto a 22 comunidades quilombolas em 17 municípios piauienses.

O relatório do INRC apontou como marco fundador do inventário um processo de mobilização das comunidades quilombolas em torno das suas expressões e bens culturais, buscando-se uma maior interface dessas no âmbito das políticas de identificação, reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas e de fomento à agricultura familiar. Destacou-se, assim, a realização das Feiras da Reforma Agrária e de Comunidades Quilombolas do Piauí (FERAPIs), organizadas anualmente, como um momento significativo dessa articulação. A FERAPI, inicialmente pensada para

20  Fonte: http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/COMUNIDADES-CER-TIFICADAS.pdf Acesso em 25/02/2017.

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exposição de produtos da reforma agrária e das comunidades quilombolas, passou a incluir apresentações culturais e demais atividades vinculadas às expressões negras tais como trançamento de cabelos, oficinas de percussão, cerâmica, danças, religiosidade etc.

Consoante o relatório do INRC, a estruturação dessa agenda “produziu um diferencial no conjunto dos movimentos sociais que realizam a feira (FETAG-PI, FETRAF-PI, MPA, CPT, MST, Resistência Camponesa e Movimento Quilombola)” (Sousa, Santos, Paz, Pessoa; 2007:02).

As referências culturais apresentadas em cada FERAPI acabaram, por um lado, marcando a realização do evento em cada ano nos registros de imprensa e, por outro lado, produziram reforço da referência cultural dentro da comunidade, que intensificou a realização de atividades, teve ampliada a quantidade de pessoas envolvidas na execução das mesmas e animou as comunidades, em eventos nas sedes dos municípios e na capital, especialmente, nos folguedos do Estado e na FERAPI (SOUZA, SANTOS, PAZ, PESSOA; 2007:02).

Em meio à mobilização cultural dessas comunidades, Antônio Bispo dos Santos, ao ser procurado pelo IPHAN para contribuir no processo de tombamento federal da Fábrica de Manteiga e Queijo das Fazendas Nacionais (Campinas do Piauí/PI), ressaltou participação de trabalhadores negros oriundos de comunidades quilombolas na referida fábrica e, nesse contexto, sugeriu que também fosse realizado um inventário com foco nas comunidades quilombolas piauienses.

Acolhendo a sugestão, o IPHAN, em parceria com a CECOQ/PI, o INCRA e a UFPI, mapeou 22 comunidades quilombolas, em 17 municípios, para realização de um INRC sobre as comunidades quilombolas do Piauí. Participaram das ações do inventário as seguintes comunidades quilombolas nos respectivos municípios:

• Juazeiro do Quitó, em Massapê do Piauí;• Volta e Salinas, em Campinas do Piauí;• Alegre, em Picos,• Custaneira e Canabrava, em Paquetá;• Riacho dos Negros, Curral Velho e Junco, em São João do Piauí;• Emas, em São Raimundo Nonato;• Chapada do Encanto, em Caridade;• Contente, em Paulistana;• Tapuio, em Queimada Nova;• Carnaúba Amarela, em Batalha;• Olho d’água dos Pretos, em Esperantina;

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• Saco da Várzea, em São José do Piauí;• Olho d’água dos Azevedos, em Miguel Alves;• Macacos, em São Miguel do Tapuio;• Sítio Velho, em Assunção do Piauí;• Caldeirão e Mimbó, em Amarante;• Brejão – Redenção do Gurguéia

O INRC resultou no inventário dos seguintes bens culturais, divididos por categorias:

Formas de Expressão em sete (07) comunidades:

Samba de Cumbuca em Salinas e Volta (Campinas do Piauí); Lezeira em Costaneira (Paquetá); Pagode do Mimbó (Amarante); Pagode de Batuque do Caldeirão (Amarante); Tambor de Crioula de Olho D’Água dos Azevedos (Miguel Alves); Batuque em Curral Velho (São João do Piauí).

Celebrações em (09) nove comunidades:

Terreiros de Umbanda em Território de Emas (São Raimundo Nonato), Canabrava (Paquetá) e Junco (São João do Piauí); Reisado e Batuque em Brejão (Redenção do Gurguéia); Roda de São Gonçalo de Alegre (Picos); Festejo de São Martinho de Lima de Carnaúba Amarela (Batalha); Novena de Nossa Senhora Aparecida (Tapuio); Reisado em Macacos (São Miguel do Tapuio); Novenário do Sagrado Coração de Maria em Riacho dos Negros (São João do Piauí).

Ofícios e Modos de Fazer em quatro (04) comunidades:

Farinhada em Sítio Velho (Assunção do Piauí); Benzimento em Saco da Várzea (São José do Piauí); Benzimento e Garrafada em Chapada do Encanto (Caridade do Piauí); Remédios com ervas medicinais em Contente (Paulistana).

Edificações em (01) uma comunidade:

Casarão em Olho d’Água dos Negros (Esperantina)

Segundo Antônio Bispo dos Santos, que participou da elaboração do INRC, para além dos terreiros inventariados pelo IPHAN nos territórios Emas, Canabrava e Junco, foi possível observar a presença de terreiros em outras comunidades inventariadas, bem como a indicação de terreiros em outros quilombos que faziam parte da rede das comunidades quilombolas que participaram das ações do inventário.

No entanto, não foi possível, à época, aprofundar a questão, pois o objetivo do inventário era levantar informações que pudessem apresentar o amplo leque de

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bens culturais quilombolas existentes no Piauí, não se dispondo de tempo e de recursos humanos e financeiros para um levantamento mais minucioso.

Após essa ação, no ano de 2013, realizou-se o “Mapeamento e Salvaguarda do Saber Jucá do Quilombo Volta do Campo Grande” e a produção do vídeo documentário “O Jucá da Volta”, do qual Antônio Bispo dos Santos é um dos diretores do filme. O Quilombo Volta do Campo Grande havia participado do INRC, realizado em 2007, quando foi inventariado, nessa comunidade, o “Samba de Cumbuca”, tendo-se, à época, identificado a existência de um terreiro em Volta do Campo Grande, fundado, desde, ao menos, a década de 1950, mas não se realizando maiores aprofundamentos.

Segundo Antônio Bispo dos Santos, a partir da realização do mapeamento do jucá (arte marcial quilombola, salvaguardada pelo Quilombo Volta do Campo Grande) foi possível conhecer com um pouco mais de perto a riqueza do patrimônio cultural e a enorme importância das tradições de matriz africana e de terreiros no contexto geral dessa comunidade.

Consoante informações levantadas nesse mapeamento, a presença dos cultos de matriz africana no Quilombo Volta do Campo Grande é bastante antiga, tendo os primeiros terreiros sido erguidos na localidade de Vaca Brava, cujas ruinas, situadas na entrada do caminho que leva ao Retiro Velho, ainda podem ser vistas21.

O primeiro terreiro teria pertencido a Geraldo Francisco Binga, que tinha como principais guias a “Cabocla Jacira” e o “Caboclo Navaieiro”. O segundo terreiro, levantando um pouco mais adiante do terreiro de Geraldo, foi o de Maria José da Conceição, conhecida como “Mazé”, que também tinha como principal guia o “Caboclo Navaeiro”. Nas ruínas da casa de Mazé ainda é possível identificar as estruturas da gira, do Peji (altar), o espaço de assistência e o corpo dos atabaques.

Valmir, atual pai de santo da comunidade, chegou a trabalhar no antigo terreiro de Mazé, mas o seu espaço de culto encontra-se hoje erguido em área próxima à sua residência. Foi iniciado no terreiro de Antônio, no Riacho, por intermédio de Dona Teresa, esposa de Seu Ernestino, mestre jucazeiro da comunidade, que também já havia se desenvolvido no culto. A casa de Pai Valmir realiza, pelo menos, um toque por mês, tendo como guia principal o Caboclo Dedezinho.

Para além das atividades desenvolvidas no espaço do terreiro, observou-se, nessa comunidade, uma grande diversidade de cultos e de práticas religiosas que sugerem a existência de dinâmicas de matriz africana e de terreiros muito específicas e próprias às comunidades quilombolas do semiárido. Na avaliação de

21  “Vaca Brava” e “Retiro Velho” são nomes de localidades pertencentes ao Quilombo Volta do Campo Grande.

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Antônio Bispo dos Santos, essas dificilmente se realizariam ou teriam conseguido se salvaguardar num ambiente urbano, principalmente quando pensadas como sendo realizadas pelo mesmo conjunto de pessoas num mesmo espaço físico-geográfico.

Observou-se, além das atividades e cultos no terreiro, a presença de batuques, sambas, aboios, incelências, ritos fúnebres, incursões em matas por vários dias, benzeduras, partejamento, garrafadas e uma enorme gama de saberes, conhecimentos e práticas marcados por um profundo conhecimento das espécies silvestres e domesticadas e do rico bioma presente no território da comunidade.

Convém observar que Volta do Campo Grande situa-se num local de relativo isolamento, tendo sido o seu território titulado em 25/09/2007, pelo Instituto de Terras do Piauí, abarcando uma área de cerca de 11.000 hectares, com matas, rios, caldeirões, áreas de cultivos e de criação, e tendo-se, à época, estimado 384 residentes e a presença de 96 casas.

Várias comunidades da região reconhecem os saberes, os fazeres e os conhecimentos salvaguardados em Volta do Campo Grande, incluindo as suas práticas culturais e religiosas, como matriciais dos quilombos dessa região, encontrando-se vívido, vigente e atuante o que em outras comunidades hoje se encontra guardado na memória dos mais velhos, conhecendo-se por “ouvir dizer”.

Segundo Antônio Bispo dos Santos, a salvaguarda das práticas de matriz africana e de terreiros pelas comunidades quilombolas piauienses tem como uma de suas principais bases de sustentação a garantia do acesso pleno aos territórios tradicionais, observando-se, em determinados casos, a paralização e/ou perda dessas referências, principalmente nas comunidades em situação de conflito territorial, que sofreram restrições de acesso e/ou perda de domínio de áreas consideráveis dos seus territórios originais.

Em primeiro lugar porque a religiosidade de matriz africana e de terreiro requer a vivência biointerativa com os elementos da natureza, principalmente em se tratando de comunidades quilombolas em que essa inter-relação atravessa todos os domínios da vida social e comunitária.

Em segundo lugar porque as atividades de produção e de obtenção dos alimentos, a exemplo da pesca, da caça e do extrativismo, são estruturantes para a sustentação das práticas de matriz africana e de terreiros, sendo a fartura dos alimentos e a produção de grandes refeições comunitárias fundamento das práticas rituais e festivas nos quilombos. Dessa maneira, é possível observar nas comunidades que tiveram os seus territórios encurtados, retalhados e/ou degradados a drástica redução das expressões produtivas de maneira coincidente ao fechamento de

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espaços de culto e a paralisação ou redução de suas práticas festivas.

Segundo Antônio Bispo dos Santos, as redes de produção, abastecimento e consumo dos povos de matriz africana e de terreiros dos quilombos piauienses ancoram-se em três principais bases de sustentação: a produção e a obtenção de alimentos no território tradicional; os laços de solidariedade e as ações de cooperação existentes entre comunidades (mutirões, visitas, trocas de sementes e mudas, etc.); e os espaço das feiras onde são estabelecidos vínculos com outros atores participantes da rede dos quilombos.

Em seu livro “Colonização, Quilombos: Modos e Significações”, Antônio Bispo dos Santos descreve algumas experiências bionterativas que perpassam o contexto produtivo das comunidades quilombolas, a exemplo da estrutura orgânico-social das casas de farinha.

Na organização do cultivo da mandioca, ao modo das comunidades tradicionais da minha região, se destaca como ponto mais alto o período das farinhadas, que funciona da seguinte maneira: ao amanhecer algumas pessoas vão à roça arrancar as raízes da mandioca, outros vão logo atrás com os animais que transportam a mandioca em cargas, outros também vão com os animais que transportam a lenha. Enquanto isso, na casa de farinha, organiza-se a prensa, limpa-se o forno, prepara-se as gamelas e as redes de lavar massa, enquanto, na cozinha, é preparado o almoço para todas as pessoas. É o primeiro dia da farinhada. Ao chegarem às primeiras cargas de mandioca, as mulheres sentam-se em círculo e começam alegremente a raspar as cascas da mandioca. Esse processo se desenvolve até o meio-dia, quando as pessoas que ficaram responsáveis pela arranca das raízes e que também são responsáveis por puxar a roda chegam à casa de farinha, com postura do primeiro dever cumprido, para almoçar e iniciar a mais animada das tarefas: cevar (triturar) a mandioca. Após o almoço, as mulheres retomam o trabalho de retirada das cascas, agora desafiadas pelos puxadores de roda, que prometem triturar toda mandioca raspada e parar enquanto elas terminam. As mulheres contam com o apoio das meninas, enquanto elas raspam dois terços de uma raiz, as meninas raspam o outro terço, chamado meia ou capote.Depois de dar água aos animais que estavam nas roças, os rapazotes também comparecem à casa de farinhada, onde provocados pelo jeito maroto das cabrochas, desafiam-se a enfrentar o manejo da roda. Como a roda localiza-se, estrategicamente, em uma posição privilegiada, de lá se vê todos os movimentos que acontecem no recinto, inclusive, os olhares interessados das meninas. Se os meninos que estão

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na roda conseguirem cruzar o seu olhar com o olhar de uma das cabrochas, logo elas lhe passam uma mensagem que, sem dificuldades, é compreendida. A mensagem é um convite para, após raspar e cevar a mandioca, juntos pegarem água na cacimba.Não tem imagem mais poética que uma cabrocha carregando uma lata d’água solta na cabeça e que deixa, propositalmente, entornar um pouco d’água sobre o corpo, sendo cortejada por um rapazinho franzino que se sente o importante, por naquela tarde ter sido aplaudido, com olhares, ao mover a roda. Tudo isso acontece mediante poucas palavras, quase ninguém percebeu, mas a menina já emitiu outra mensagem: à noite ele deve ajudá-la a lavar a massa. E assim se lava a massa, se colhe a tapioca, se torra a farinha, se faz o beiju; e assim se namora, marca noivado, e vive-se durante um longo período, onde se faz muita força, mas toda essa força se transforma em festa (SANTOS, 2015: 82:83).

Segundo Antônio Bispo dos Santos, as expressões produtivas dos povos e comunidades tradicionais do mundo rural não constituem um domínio em separado, estando indissociavelmente ligadas às suas práticas festivas e vivência do sagrado. Nesse sentido, a disponibilidade em si dos alimentos, obtidos por meio de compra, não sempre é capaz de reunir as condições necessárias à existência de práticas festivas e religiosas que se fundam na vivência de todo esse processo. Nos diz Antônio Bispo dos Santos: “como tudo que fazemos é produto da energia orgânica esse produto deve ser reintegrado a essa mesma energia” (2015:85).

Dessa maneira, a morosidade da regularização fundiária dos territórios quilombolas pode ser apontado como principal fator de risco para as práticas de matriz africana e de terreiros nesse contexto, o que muitas vezes é agravado pela interferência de atores externos, que estigmatizam as religiões de matriz africana e de terreiros, levando ao abandono e/ou ocultação das práticas existentes.

Deve-se também chamar a atenção para a presença de atores externos que se aproveitam da fragilidade das comunidades em situação de conflito fundiário para realizar ações de proselitismo evangélico e católico, perseguindo e enfraquecendo os sacerdotes e sacerdotisas tradicionais, resultando, muitas vezes, a paralisação dos cultos de terreiro.

Nesse tocante, Antônio Bispo dos Santos destacou o fato do Quilombo Volta do Campo Grande ter o seu território titulado como fundamental para resistência dos cultos de terreiro nessa comunidade, tendo, no passado, padres e pastores evangélicos intentado, inúmeras vezes, proceder à conversão religiosa da comunidade, sem sucesso, nunca se tendo permitido à edificação de igreja católicas ou evangélicas no território dessa comunidade.

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A CECOQ/PI vem buscando desenvolver atividades de valorização e intercâmbio entre as lideranças quilombolas de matriz africana e de terreiros, a exemplo das Feiras da Reforma Agrária e de Comunidades Quilombolas do Piauí e do “Primeiro Encontro de Casas de Terreiros de Comunidades Quilombolas do Semiárido Piauiense”, em parceria com a Universidade Estadual do Piauí (UESPI), nos dias 19 e 20 de agosto de 2016.

O referido encontro foi realizado no Quilombo de Cana Brava dos Amaros, no município de Paquetá/PI, envolvendo a participação de lideranças de matriz africana e de terreiros dos quilombos Cana Brava dos Amaros, Custaneira, Mutamba, Tronco e São João da Varjota, além de docentes e discentes da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e de técnicos do INCRA. O evento resultou na elaboração de uma Carta Política, com reflexões e propostas para a proteção e salvaguarda das práticas religiosas de matriz africana e de terreiros dos quilombos do semiárido piauiense, a qual será entregue às autoridades e órgãos públicos competentes22.

No segundo semestre de 2017, por intermédio de Antônio Bispo dos Santos, a liderança quilombola de matriz africana, Arnaldo de Lima, mais conhecido como Naldinho, da comunidade quilombola Custaneira, do município de Paquetá/PI, irá participar das atividades do Encontro de Saberes, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do qual Antônio Bispo dos Santos é mestre docente23. Segundo Antônio Bispo dos Santos, a CECOQ/PI tem participado de diversos debates e atividades relativas à criação de cursos de graduação e de pós-graduação voltados às comunidades quilombolas do Piauí, em que as tradições de matriz africana e de terreiros figuram como um dos temas de grande interesse das comunidades quilombolas do Piauí.

Segundo a liderança Arnaldo de Lima, no mês de junho do ano corrente será realizado, na sua comunidade, uma nova edição do “Encontro das Casas de Terreiros de Comunidades Quilombolas do Semiárido Piauiense”, sendo essa uma das agendas prioritárias da CECOQ/PI. Esses eventos vêm sendo realizados a partir dos esforços das comunidades quilombolas, contando-se com auxílios pontuais na relatoria das atividades, arcando as comunidades com o deslocamento dos participantes e demais custos financeiros envolvidos. Arnaldo de Lima destacou a importância do apoio e maior envolvimento do poder público na organização desses eventos que têm como um dos seus principais objetivos traçar planos e estratégias para o fortalecimento e maior valorização das práticas de matriz 22  Fonte: http://www.editorarealize.com.br/revistas/conidis/trabalhos/TRABALHO_EV064_MD4_SA8_ID1650_24102016211234.pdf 23  O Encontro de Saberes é uma iniciativa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de In-clusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI/UnB/CNPq), presente em diferentes instituições de ensino superior do país, em que mestras e mestres tradicionais são convidados a atuar como docentes nas universidades.

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africana e de terreiros nos quilombos, extremamente invisibilizadas nos espaços institucionalizados e nas políticas públicas orientadas ao segmento.

No que diz respeito à soberania e a SAN, ressaltou a riqueza e a diversidade das práticas alimentares tradicionais, pouco conhecidas pela população em geral, apontando a titulação dos territórios, o apoio à agricultura familiar e a salvaguarda do patrimônio cultural dos quilombos como as principais políticas para a garantia da SAN e realização do DHAA.Primeiro Encontro de Casas de Terreiros de Comunidades Quilombolas (2016)24

24  Fonte: http://www.editorarealize.com.br/revistas/conidis/trabalhos/TRABALHO_EV064_MD4_SA8_ID1650_24102016211234.pdf

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Mestre Arnaldo de Lima no Encontro de Saberes na UFMG (2017)

Atividade Confluência dos Saberes Cantados (Parque Lagoa do Nado, 25/03/2017)25

Roda de Conversa no Terreiro de Matriz Africana do Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango e Vista à Irmandade 13 de Maio (01/04/2017 e 04/04/2017)

Atividades do Encontro de Saberes na UFMG

25  Nessa atividade, além da dança e dos saberes cantados, Mestre Arnaldo apresentou e ensi-nou o preparo do “Aluá”, bebida típica dos festejos de matriz africana nos quilombos piauienses. Fotos: Jéssica Alves

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2.7. Federação Religiosa de Umbanda e Candomblé de Sete Lagoas/MG (FRUCAN)26

A Federação Religiosa de Umbanda e Candomblé de Sete Lagoas/MG (FRUCAN), de cunho social e cultural, constitui-se como uma rede de articulação municipal, de recentemente implantação e em processo de estruturação, cujo instituição

26  Mapeamento realizado a partir de informações recolhidas, à distância, junto às lideranças da FRUCAN e membros do COMPIR e pela presidente do Conselho Municipal de Assistência Social de Sete Lagoas e Coordenadora Geral do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua de Sete Lagoas (CREAS/POP), Lygia Guimarães Oliveira.

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ocorreu em diálogo com a construção da Política Municipal de Promoção de Igualdade Racial, também de recente implantação nesse município.

Segundo informações recolhidas, à distância, junto às lideranças de matriz africana e de terreiros, por intermédio de alguns gestores vinculados a Secretaria Municipal de Assistência Social e Diretos Humanos, a construção da Política Municipal de Igualdade Racial partiu de demanda expressa pelas lideranças e entidades negras setelagoanas, sendo o pleito inicialmente acolhido por representantes do poder legislativo municipal.

Assim, por iniciativa de representantes do poder legislativo municipal, buscou-se apoio junto à Subsecretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado de Minas Gerais, participando-se, no ano de 2015, de ações de capacitação voltadas à criação de órgãos gestores e conselhos municipais de Promoção da Igualdade Racial.

Em seguida, deu-se início a realização de reuniões e oitivas da sociedade civil que resultaram na criação de uma Comissão, composta por lideranças das entidades negras e membros do poder público municipal, representados pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Diretos Humanos e Secretaria Municipal de Cultura e Juventude de Sete Lagoas. Nessas reuniões foram definidas as atribuições de cada instituição, iniciando-se o processo de construção conjunta dos instrumentos e marcos legais para a instituição da política.

Em 04 de maio de 2016 foi sancionada a Lei nº 8.564, dispondo sobre a criação da Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial (PMPIR) e estabelecendo a criação do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR) e do Fundo Municipal de Promoção da Igualdade Racial, ambos vinculados à Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos.

O COMPIR foi constituído como órgão consultivo, normativo e fiscalizador da PMPIR, composto por 14 (quatorze) membros e seus respectivos suplentes, respeitando-se a proporção paritária entre representantes da sociedade civil e do poder público e reservando assento aos povos de matriz africana, entre outros grupos e segmentos específicos.

A mobilização em torno da eleição dos conselheiros da sociedade civil logrou grande visibilidade para a temática da igualdade racial no município, criando-se espaços de debate e de articulação entre as lideranças oriundas de diferentes segmentos da população negra. No dia 27 de julho de 2016 realizou-se a posse dos conselheiros eleitos, numa cerimônia que contou com grande presença dos religiosos de matriz africana e de terreiros, constituindo-se como ato inédito para o poder público local que, até então, possuía pouca interface com o segmento.

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O novo contexto de abertura e de instituição de espaços de interlocução continuada entre as lideranças de matriz africana e de terreiros e o poder público municipal contribuiu para uma maior articulação interna ao segmento, conseguindo-se, inclusive, eleger conselheiros para além da cota reservada. A partir desse novo contexto, iniciou-se o processo de formalização da Federação Religiosa de Umbanda e Candomblé de Sete Lagoas-MG (FRUCAN) que vinha sendo idealizada por algumas lideranças do segmento.

Segundo a liderança e zelador da casa “Oxalá Pai de Todos”, Pai Fábio Barbosa Paiva, conselheiro titular do COMPIR, a FRUCAN, embora recentemente criada, já conta com a participação de 39 casas de matriz africana e de terreiros, havendo expectativa de novas adesões e planos para uma possível articulação futura com municípios vizinhos.

Na avalição de Pai Fábio, a instituição do COMPIR no âmbito da Secretaria Municipal de Assistência Social e Diretos Humanos, tem se mostrado um fator bastante oportuno para a reflexão sobre a interface dos povos de matriz africana e de terreiros com as políticas de SAN e de assistência social, de responsabilidade dessa Secretaria. A partir da criação do COMPIR, os gestores municipais puderam conhecer um pouco mais de perto o importante papel das casas de matriz africana e de terreiros na promoção da SAN junto à população carente do município, com a doação de cestas básicas, a oferta de refeições à população em situação de rua, entre outras atividades socioassistenciais tradicionalmente desenvolvidas.

A partir desse reconhecimento e maior interlocução com agentes públicos vinculados à Secretaria Municipal de Assistência Social e Diretos Humanos, iniciou-se um processo de diálogo para o fortalecimento dessas ações e a realização de projetos que vêm sendo idealizados pela FRUCAN, em interface com as políticas de SAN existentes no município.

Sete Lagoas possui uma das iniciativas mais antigas e bem-sucedidas de agricultura urbana e periurbana, o “Projeto Horta Comunitária Urbana”, implantado há mais de 30 anos, no ano de 1982, em parceria com a EMATER/MG e a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG). O projeto é coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, em parceria com a Secretaria de Assistência Social e Diretos Humanos, abrangendo, atualmente, 325 famílias de agricultores familiares urbanos, que produzem hortaliças orgânicas com certificação (selo orgânico, sem agrotóxicos e sem adubo químico), em sete unidades de produção situadas em diferentes bairros urbanos que produzem cerca de 90 espécies, entre hortaliças, plantas medicinais e condimentos.

As hortas urbanas encontram-se instaladas em áreas livres e ociosas do

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município, incluindo-se canteiros centrais em avenidas, disponibilizados pela CEMIG, totalizando-se cerca de 15 hectares cultivados. Aos agricultores familiares urbanos são cedidos espaços para o cultivo, chamados de quadras, que podem variar entre 240 e 360m², com capacidade média de sustento de 16 canteiros. A Prefeitura fornece, gratuitamente, água tratada com reservatório, cercamento das áreas, sementes e terra previamente preparada para a primeira produção, transporte e espaço nas feiras livres do município, além de manter funcionários zeladores e instrutores das hortas, responsáveis por orientar os produtores e intermediar a relação com a administração pública.

O projeto também conta com apoio de parceiros como a EMBRAPA, EMATER, Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e Banco do Brasil, recebendo ações constantes e continuadas de capacitação e assistência técnica, acesso à linhas de credito específicas, doação de equipamentos e insumos, como estufas, viveiros e mini trator, de gestão coletiva pelas associações de produtores constituídas em torno das diferentes unidades das hortas urbanas. O projeto já recebeu inúmeros prêmios, nacionais e internacionais, além de visitas de órgãos públicos federais, estaduais, municipais e de outros países interessados em conhecer e replicar a experiência.

A FRUCAN, com o apoio do COMPIR, iniciou um processo de diálogo junto à Secretaria Municipal de Assistência Social e Diretos Humanos, para a realização de uma parceria em interface com o programa Horta Comunitária Urbana e com os equipamentos públicos de SAN do município. O objetivo é desenvolver ações com foco na soberania alimentar dos povos de matriz africana e de terreiros e nas atividades socioassistenciais tradicionalmente desenvolvidas, principalmente a distribuição alimentos para famílias carentes e a distribuição de refeições para a população em situação de rua.

Segunda a Secretária Municipal de Assistência Social e de Direitos Humanos, atualmente o município conta com uma política de SAN sistemática, articulada à oferta de alimentos aos usuários dos serviços da assistência social, especialmente aqueles vinculados à benefícios eventuais como a doação de cestas básicas para as famílias em situação de risco nutricional agudo e a oferta de alimentos de qualidade nutricionalmente equilibrados aos frequentadores dos restaurantes do Trabalhador e Popular, no qual os preços cobrados diferem conforme o corte de renda aferido pelo Programa Bolsa Família.

Tem-se, assim, como os principais equipamentos municipais de SAN, os restaurantes do Trabalhador e Popular e os equipamentos de acolhimento, mais conhecidos como “abrigos”, que oferecem todas as refeições diárias para os usuários dos serviços. Entretanto, segundo a Secretária, a oferta de refeições

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é feita intuitivamente, segundo a tradição alimentar brasileira, sem um estudo específico. Atualmente, está em gestação a implantação do Sistema Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sistemático, de forma a nivelar as ações, no nível municipal, com as políticas estadual e nacional de SAN, em consonância com as diretrizes do SISAN e da PNSAN.

A FRUCAN, em diálogo com a Secretaria Municipal de Assistência Social e Diretos Humanos, pretende realizar um mapeamento das casas de matriz africana e de terreiros do municipio, diagnosticando, entre outras coisas, o contexto e o potencial produtivo das casas existentes e o rol de atividades socioassistenciais tradicionalmente desenvolvidas, considerando a possibilidade de articulação junto ao projeto Horta Comunitária Urbana e o histórico de atuação junto aos usuários dos equipamentos de acolhimento chamados de “abrigos”.

Segundo a liderança Pai Fábio, a FRUCAN já deu início ao levantamento de informações preliminares que apontaram para grande presença de hortas e herbários e de um número reduzido de territórios que criam animais de pequeno e médio porte. Também foi possível estimar que grande parte das refeições comunitárias vinculadas às atividades rituais e festivas, assim como os alimentos distribuídos para famílias carentes e para pessoas em situação de rua, provém de doações dos filhos de santo e demais frequentadores e de donatários externos.

Intenta-se, assim, a partir da realização do mapeamento e do diagnóstico que vem sendo idealizado pela FRUCAN, levantar as informações necessárias ao planejamento das ações de inclusão produtiva e de promoção da SAN, desde uma dupla perspectiva. Por um lado, pretende-se, de forma articulada ao projeto Horta Comunitária Urbana, promover a soberania alimentar dos povos de matriz africana e de terreiros, por meio da organização da demanda e da oferta de alimentos específicos e, associadamente, estruturar uma rede de produção e de abastecimento para potencializar e conferir maior autonomia às atividades socioassistenciais de promoção da SAN tradicionalmente desenvolvidas.

Mais recentemente o projeto Horta Comunitária Urbana passou a fazer dos programas de urbanização da Prefeitura, reservando, nos bairros recém-criados no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, faixas de território destinadas a implantação de novas hortas urbanas, com grande possibilidade de acolhimento das famílias associadas à FRUCAN residentes nesses locais, planejando-se, para segundo semestre de 2017, a identificação dessas famílias e o seu interesse no desenvolvimento dessas ações.

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Eleição do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Sete Lagoas/MG)27

Cerimônia de Posse do COMPIR – Sete Lagoas/MG

27  Acervo do COMPIR. Fonte: https://www.facebook.com/Compir-Conselho-Munici-pal-de-Promo%C3%A7%C3%A3o-da-Igualdade-Racial-de-Sete-Lagoas-286420435071639/

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