mapa para um lugar algures - ulisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ulfba_tes 563.pdfi...

79
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS ARTES MAPA PARA UM LUGAR ALGURES Daniel Filipe Antunes Pinheiro MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA Especialização em Fotografia 2013

Upload: others

Post on 21-Apr-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS ARTES

MAPA PARA UM LUGAR ALGURES

Daniel Filipe Antunes Pinheiro

MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA

Especialização em Fotografia

2013

Page 2: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS ARTES

MAPA PARA UM LUGAR ALGURES

Daniel Filipe Antunes Pinheiro

MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA

Especialização em Fotografia

Dissertação orientada pela Professora Doutora Maria João Gamito

2013

Page 3: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

i

RESUMO

Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma a

importância da fotografia efectuada sem câmara ou lente, como forma de assegurar a

sobrevivência do medium fotográfico enquanto processamento fotoquímico numa era

em que o advento do digital se tornou uma prática totalitária nos discursos e nas obras

fotográficas.

Porque é que as imagens fotográficas experimentais foram postas à margem da

ontologia da fotografia? Não farão elas parte da sua génese por direito, ao assentarem

na essência da luz e na fotossensibilidade química do suporte? Não será que os

desenvolvimentos mecânicos e ópticos do dispositivo fotográfico ao longo dos

tempos forçaram a ideia de que era na figuração e na cópia fidedigna da realidade que

a fotografia devia circunscrever a sua ontologia e os seus propósitos?

Que diferenças existem entre uma imagem abstracta e uma concreta? Que

lugar ocupam estas imagens na contemporaneidade hiper democratizada dominada

pelo digital?

De forma a responder a estas questões servir-nos-emos de um encadeamento

de conceitos divididos por quatro momentos que compõem esta dissertação. Na

primeira parte relacionaremos historicamente a Arte Concreta com a ciência e a

fotografia, convocando as sinergias que daí advieram e que permitiram a legitimação

do concreto na fotografia à luz das afirmações de Gottfried Jager.

No capítulo seguinte situar-nos-emos em torno do conceito de contacto,

confluindo as ideias para a dimensão química da fotografia, nomeadamente para o

género do fotograma.

No terceiro capítulo desenvolveremos os conceitos de mapa e sublime,

procurando relacioná-los com a fotografia, no sentido de responder e dar conta de

exemplos de trabalhos que explorem os limites da própria fotografia, e que nos

transportem para terrenos desconhecidos.

Finalmente no último capítulo, expomos a componente prática da dissertação,

analisando-a à luz dos conceitos referenciados, bem como o seu propósito conceptual,

formal e processual.

Palavras-chave: fotografia; concreto; contacto; sublime; mapa

Page 4: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

ii

ABSTRACT

Mapa para um lugar algures is a theoretical and practical dissertation - that

affirms the importance of photography made without a camera or lens in a way to

ensure the survival of the photographic medium as a photochemical processing in an

era where the advent of digital has become a totalitarian practice in the discourses and

in photographic works.

Why did the experimental images have been put aside from the ontology of

photography? Don’t they make part of it’s origins by right, since they settle the

essence of light and photo chemical sensitivity’s support? Could it be that the

mechanical and optical development of the photographic device over time forced the

idea that photography should circumscribe its ontology and its purposes in figuration

and reliable copy of reality?

What differences exist between an abstract and a concrete image? What place

do these images occupy in a hyper democratized contemporary age dominated by

digital?

In order to answer these questions we will use a chain of concepts divided into

four stages that make up this dissertation. In the first part we will relate historically

Concrete Art with science and photography, summoning the synergies from that

relationship, and that thereby allowed the legitimation of concrete in photography by

the light of Gottfried Jager’s statements.

In the next chapter we will bring about the concept of contact, converging

ideas to the chemical dimension of photography, especially for the kind of photogram.

In the third chapter we will develop the concepts of map and sublime, in a

sense to associate them with photography, in order to respond and cope with

examples of works that explore the boundaries of photography itself, and that carry us

into unknown territory.

Finally in the last chapter, we will expose the practical component of the

dissertation, analyzing it in light of the concepts referenced, as well as its conceptual,

formal and procedural purpose.

Keywords: photography; concrete; contact; sublime; map

Page 5: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

iii

AGRADECIMENTOS

À Maria João Gamito pela sua orientação crítica e assertiva.

Alexandre Estrela, Ana Pereira, Fernando Fadigas, Sérgio Mah, José Luís Neto, José

Marques, José Sanches Ramos, Rui Gonçalves, Pedro Januário e Sónia Mota Ribeiro

pela sua contribuição directa ou indirecta na realização desta dissertação.

À minha mãe, irmãs e um agradecimento especial à Maria.

Page 6: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

iv

ÍNDICE DE FIGURAS

Fig.1 Theo Van Doesbourg , Manifesto da Arte Concreta, Paris, 1930, (AAVV, 1990: p. 70).

Fig. 2 Theo Van Doesbourg, Composition Arithmetique I, 1930. Óleo s/tela, 101x101 cm. Colecção

Kunstmuseum Winterthur, Suiça. França, Paris (AAVV, 1990: p. 65).

Fig. 3

Issac Newton, desenho dos seus experimentos com prismas, retirado do seu caderno de anotações,

[Em linha], Londres, Reino, 1666. Disponivel em

<http://www.departments.bucknell.edu/history/carnegie/newton/refraction.html>, acedido em 2-5-

2012.

Fig. 4

Jules Antoine Lissajous, Etude optique des mouvements vibratoires, in Annales de Chimie et de

Physique, [Em linha], 1857. Disponível em <http://www.jnorman.com/cgi-bin/hss/38038>, acedido em

13-6-2012.

Fig. 5

Étienne Léopold Trouvelot, Electric effluvia on the surface and circumference of a coin, c.1888. Papel,

gelatina e prata, 22,5x17 cm. Colecção Musée des arts métiers, Conservatoire national des arts et

métiers, França, Paris (Keller: 2008: p.169, fig. 114).

Fig. 6

Von Félix Auerbach, Physik in Graphischen Darstellungen, 1912. Berlim, Alemanha, (Auerbach,

1912: pp.1 e 70)

Fig.7 Pierre Cordier, Photo-chemigramme 27/9/78 livrillisible d après La Bibliothèque de Babel de Jorge

Luis Borges” II, 1978. Quimigrama, papel gelatina e prata, 17,5x 11,3 cm, Bélgica, Bruxelas (Cordier,

2007: 142).

Fig. 8

Heinrich Heidersberger, Triennale, da série Rhythmogramm, 1956. Papel, gelatina e prata. Colecção

Museum fur Konkrete Kunst Ingolstadt, Alemanha, Wolfsburg (Heidersberger, 1997: 21).

Fig. 9

Heinrich Heidersberger, Rythmographen, 1961. Fotografia p/b. Colecção Museum fur Konkrete Kunst

Ingolstadt, Alemanha, Wolfsburg (Heidersberger, 1997: 13).

Fig. 10 Sonia Landy Sheridan, Tracing the Shadows of Time, [Em linha], Chicago, EUA, 1977. Tinta e caneta

s/papel, 81/2 x 11 in. Disponível em http://www.jstor.org/stable/1578621, acedido em 4-12-2009.

Fig. 11

August Strindberg, Celestographs, [Em linha], 1894. Estocolmo, Suécia. Colecção Royal Library,

Stockholm. Disponível em http://www.cabinetmagazine.org/issues/3/celesographs.php, acedido em 6-

5-2012.

Fig. 12

Sonia Landy Sheridan, Generative Systems, [Em linha], Chicago, EUA, 1979. Colecção Art Institute of

Chicago. Disponível em http://www.jstor.org/stable/1578602, acedido em 4-12-2009.

Page 7: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

v

Fig. 13

Gottfried Jager, Pinhole Structures, [Em linha], Bielefeld, Alemanha, 1986. Disponível em

http://www.jstor.org/stable/1578296, acedido em 7-6-2009.

Fig. 14

Floris Neusüss, S/título, 1967. Gelatina e prata sobre papel, fotograma, 104,5x 126cm. Colecção

Staatliche Museen Kassel, Alemanha, Kassel (Neusüss, 1997: p.39, fig.7 ).

Fig. 15

Wilhelm Rontgen, The bones of a hand with a ring on one finger, viewed through x-ray, 1895.

Reprodução fotográfica de radiografia, 18.1x 13 cm. Colecção Wellcome Library, London. Disponível

em <http://images.wellcome.ac.uk/indexplus/image/V0029523.html>, acedido em 30-9- 2012.

Fig. 16

Man Ray, Retour à la raison, 1923. Fotograma sobre película (detalhe), filme projectado, p/b, s/som,

3’, França, Paris (Elcott, 2008: 8).

Fig. 17

Sudário de Turim, [Em linha], c. 30 DC, Catedral de S. João Baptista, Torino, Itália. Pano de Linho:

430x110 cm. Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Shroudofturin_rotated.jpg>,

acedido em 4-6-2011.

Fig. 18

Mandylion de Edessa, [Em linha], s/d, Capela privada do Papa, Vaticano, Itália. Disponível em

<http://en.wikipedia.org/wiki/Image_of_Edessa>, acedido em 29-9-2012.

Fig. 19

Henry Fox Talbot, Duas delicadas folhas de planta, [Em linha], 1839, Reino Unido. Desenho

fotogénico, papel salgado: 22.8 x 18.3 cm. Disponível em

<http://foxtalbot.dmu.ac.uk/resources/ferns.html>, acedido em 12-11-2011.

Fig. 20 Anna Atkins, Fucus Vesiculosus, [Em linha], 1843, Reino Unido. Impressão de Cianotípia, 26,4x20,6

cm. Colecção The Detroit Institute of Arts. Disponível em <http://www.dia.org/object-info/ca1ffac6-

c10f-487a-816e-f99707c925eb.aspx?position=9>, acedido em 6-10-2012.

Fig. 21

Sir John Herschel, The Honourable Mrs. Leicester Stanhope, [Em linha], 1836, Reino Unido.

Impressão de Cianotípia, Disponível em <http://www.utexas.edu/opa/blogs/culturalcompass/tag/sir-

john-herschel/>, acedido em 30-9-2012.

Fig. 22 Autor desconhecido, Silhueta de William Groth, [Em linha], c. 1802-10, EUA, Boston. Papel.

Disponível em <http://cool.conservation-us.org/coolaic/sg/bpg/annual/v18/bp18-07.html>, acedido em

3-10-2012.

Fig. 23 Dennis Oppenheim, Reading Position for Second Degree Burn, [Em linha], 1970, EUA, Jones Beach,

New York. Livro, pele, energia solar. Disponível em <http://www.dennis-oppenheim.com/early-

work/148>, acedido em 22-8-2012.

Fig. 24 Susan Derges, Starfield - Fountain, [Em linha], 2004, ilfochrome, prova única, 105 x 58cm. Disponível

em <http://www.paulkasmingallery.com/artists/susan-derges/2>, acedido em 10-10-2012.

Fig. 25

Thomas Ruff, ma.r.s.10, [Em linha], 2010, C-Print, Diasec, 256 x 186 cm. Disponível

em<http://www.mai36.com/thomas-ruff-selected-works/410-thomas-ruff-works-mars.html>, acedido

em 21-11-2012.

Page 8: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

vi

Fig. 26

Odilon Redon, L'oeil, comme un ballon bizarre se dirige vers l'Infini, [Em linha], 1882, França, Paris,

litografia, 25.9 x 19.6 cm. Disponível em

http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=68055, acedido em

Fig. 27

Heinrich Keller, Mapa panorâmico da vista do cume do Monte Rigi, [Em linha], 1820, Suíça, gravura

colorida, 95x19cm. Disponível em <http://www.rigipano.ch/Seiten/Panorama.html>, acedido em 5-11-

2009.

Fig. 28 Marco Breuer, S/título (Fuse), 1996. Papel queimado, gelatina e prata, prova única, 46 x 36 cm, EUA,

New York ( Breuer, 2007: 25).

Fig. 29

Mark Rothko, No. 10, [Em linha], 1950. EUA, New York, Óleo s/tela, 229.2 x 146.4 cm. Disponível

em: <http://www.nga.gov/feature/rothko/48.jpeg>, acedido em 14 -12 - 2012.

Fig. 30

Wolfgang Tillmans, Lighter III, 2006. C-print, prova única, 54x64 cm (Tillmans, 2008: 53).

Fig. 31

Lucio Fontana, Concetto Spaziale, Attese, [Em linha], 1963/63. Tinta de água sobre tela, 65,4x 54,6

cm, Colecção Privada. Disponível em: < http://www.speronewestwater.com/cgi-

bin/iowa/works/record.html?record=2804>, acedido em 2 - 1 – 2013.

Fig. 32

Mel Bochner, Surface Dis/Tension, 1968. Silhueta composta: papel, gelatina e prata, montada em

painel, 182,9 x 172,7 cm ( Bochner, 2002: fig. 22).

Fig. 33

Daniel Antunes Pinheiro, Mapa para um lugar algures [série de 16 imagens], gelatina e prata sobre

papéis baritados, fotogramas, provas únicas, 50x60 cm, 2011

Fig. 34

Daniel Antunes Pinheiro, S/Título II da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel

baritado, fotograma, prova única, 50x60 cm, 2011

Fig. 35 Daniel Antunes Pinheiro, S/Título VIII da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre

papel baritado, fotograma, prova única, 50x60 cm, 2011

Fig. 36 Daniel Antunes Pinheiro, S/Título XVI da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre

papel baritado, fotograma, prova única, 50x60 cm, 2011

Fig. 37 Daniel Antunes Pinheiro, S/Título VI da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre

papel baritado, fotograma, prova única, 50x60 cm, 2011

Page 9: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

ÍNDICE

Resumo/Palavras-chave i

Abstract/Keywords ii

Agradecimentos iii

Índice de Figuras iv

INTRODUÇÃO 1

CAP. I – DA ARTE CONCRETA À FOTOGRAFIA 3

1.1 - O ciclo concreto/abstracto 3

1.2 - A Arte Concreta 6

1.3 - A Fotografia Concreta 12

1.4 - Sistemas Generativos 20

CAP. II – O CONTACTO 24

CAP. III – O MAPEAMENTO DO SUBLIME 38

CAP. IV – MAPA PARA UM LUGAR ALGURES 49

1.1 - Medium, espaço e sobrevivência 50

1.2 - Descrição da obra 53

1.3 – Processo 54

1.4 – Análise 56

CONCLUSÃO 63

BIBLIOGRAFIA 66

Page 10: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

1

INTRODUÇÃO

A fotografia desde o seu início assentou na ideia de cópia, de poder fixar para

a posteriori elementos da realidade através de um dispositivo mecânico e óptico.

Funcionando como prova da veracidade dos factos, a sua ontologia foi fundada em

aspectos figurativos da realidade, e fez com que muitas experiências fotográficas de

pendor mais abstracto fossem postas à margem ou rotuladas apenas como

experimentais.

A procura dos artistas de não se cingirem ao mimetismo veiculado pela

fotografia, criou no decurso da história momentos artísticos que procuraram ir mais

além de uma ontologia pré-definida do medium, atentando contra ele, desconstruindo-

o e afirmando-o sob forma de novas reinterpretações e significados. Como sugere

Rosalind Krauss (2006: 158): “ na mente dos artistas que hoje pensam em regressar à

especificidade do medium,[...] estão determinados a invocar o conceito de medium,

não regressando às formas comprometidas dos mediums tradicionais, mas

“inventando” novas.”

A fotografia, ao ser uma das últimas artes a entrar no mercado artístico, e

também devido ao facto de hoje em dia se ter hiper democratizado com o advento do

digital, ela própria começou a sentir a necessidade de questionar a sua própria

especificidade, efectuando um processo exógeno para áreas limite como o desenho ou

a escultura.

Gottfried Jager num artigo intitulado “What is Concrete Photography?”

questiona: “Pode uma imagem existir sem ser um medium? Com o que é que ela se

parece?”1 E mais adiante afirma: “Imagens deste tipo exploram a realidade da

imagem usando o meio da imagem. São fotografias de fotografia. Não se tornam

visíveis, elas são visíveis, apenas visível. Elas não são meios, elas são objectos”2

(2005b: 10).

1 “Can an image exist that is not a medium? What would it look like?”

2 “Images of this kind explore the reality of the image using the means of the image. They are

photographs of photography. They do not render visible, they are visible, only-visible. They are not

media, they are objects.”

Page 11: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

2

No seguimento destas afirmações, o que procuraremos afirmar nesta

dissertação é a importância da fotografia efectuada sem câmara ou lente, como forma

de contrapor não só o incessante fluxo de imagens digitais, como assegurando a

possibilidade da sobrevivência do medium enquanto processamento químico.

O próprio título da dissertação contém o termo ‘mapa’. Um mapa tem a

função de informar, de agrupar uma série de localidades, aqui expressos na qualidade

de conceitos que irão guiar o leitor ao longo desta dissertação por aspectos que

consideramos fundamentais para compreender o que faz de uma fotografia ser uma

fotografia na sua essência e simplicidade: luz e fotossensibilidade do suporte.

No primeiro capítulo procuraremos diferenciar o concreto da abstracção

através do pensamento de Hegel e de Aristóteles. De seguida, revisitaremos a Arte

Concreta, na sua relação com a ciência e no modo como as ideias concretas foram

absorvidas e transferidas por Gottfried Jager na sua legitimação do concretismo

fotográfico.

No segundo capítulo discorreremos em torno do contacto, na importância

deste conceito para a génese da fotografia, centrado principalmente na ideia de cópia

directa, de fotograma. Servindo-nos de exemplos históricos, alguns deles religiosos,

traçaremos uma linha cronológica, em sintonia com alguns exemplos artísticos que

fazem uso do contacto quer a nível de conceito quer a nível operativo, não só da área

da fotografia como também da escultura ou do filme.

Na terceira parte desta dissertação procuraremos pôr em evidência aspectos

artísticos que interliguem em conjunto os conceitos de mapa e sublime. Servindo-nos

dos argumentos de Derrida e de Louis Marin em torno do sublime, exploraremos os

limites espaciais da ontologia fotográfica, quer a nível formal, quer estético ou

perceptivo. Revisitaremos obras do período romântico e do expressionismo abstracto

pondo-os em relação com aspectos fotográficos contemporâneos que fazem uso do

mapa enquanto sistema, de que é exemplo alguns trabalhos do autor Mel Bochner.

Finalmente no último capítulo, “Mapa para um lugar algures” expomos a

componente prática da dissertação, analisando-a à luz dos conceitos anteriormente

referenciados, assim como o seu propósito conceptual, formal e processual.

Page 12: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

3

CAP. I - DA ARTE CONCRETA À FOTOGRAFIA

1.1 - O Ciclo Concreto/Abstracto

O concreto é um conceito de síntese, agregador, que implica uma totalidade ou

a procura de uma ideia de conjunto, e que poderíamos descrever através da analogia

com a elaboração de um trabalho científico sobre um determinado tema ou assunto,

em que diferentes partes se compõem e se encadeiam tendo em vista um objectivo

preciso.

Na sua etimologia, concreto3 deriva do latim concretus , que significa crescer

em conjunto. Inicialmente o seu uso gramatical designava a qualidade pertencente a

uma substância usualmente expressa por um adjectivo, como por exemplo branco, na

expressão papel branco, em contraste com a qualidade em si expressa por um nome

abstracto como brancura. Correntemente, concreto passou a referir-se aos substantivos

que incorporam atributos em oposição aos atributos em si de cariz abstracto, como

por exemplo, heroísmo na sua relação com herói.

De facto, nesta definição ressalta a aglutinação que o concreto tem sobre o

abstracto e a contaminação que o abstracto produz nele; no concreto poderão coexistir

imensas abstracções ou particularidades específicas e ao mesmo tempo são essas

particularidades que irão definir ou validar a universalidade do concreto.

Tudo o que é concreto existe empiricamente, é imediato, apela aos sentidos, é

aquilo que ainda não foi processado pelo logos, pela palavra ou pensamento, mas que

carece de um estado de validade, validade essa que diz respeito à verdade sobre as

coisas que apreendemos como sólidas empiricamente e isso é processado

interiormente, na correspondência de um conjunto de metáforas construídas e

assimiladas que a linguagem se presta a definir. Mas aqui há que realçar que é a

3 "concrete adjective" Oxford Dictionary of English. Edited by Angus Stevenson. Oxford University

Press, 2010. Oxford Reference Online. Oxford University Press. Mid-America Christian University,

acedido em 17 de Março de 2011, disponível em:

<http://www.oxfordreference.com.webserver.macu.edu:2048/views/ENTRY.html?subview=Main&ent

ry=t140.e0170400>

Page 13: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

4

linguagem que nos engana, pois ela não existe senão no homem. Recuperando

Nietzche, na sua concepção de verdade:

Que é então a verdade? Um exército móvel de metáforas, de metonímias, de

antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram poética

e retoricamente intensificadas, transpostas e adornadas e que depois de um longo uso

parecem a um povo fixas, canónicas e vinculativas: as verdades são ilusões que foram

esquecidas enquanto tais, metáforas que foram gastas e que ficaram esvaziadas de

sentido, moedas que perderam o seu cunho e que agora são consideradas, não já como

moedas, mas como metal (Nietzsche, 1997: 221).

Tanto no pensamento Aristotélico como em Hegel, o conceito de concreto

compreendia a duração de vida de um ciclo entre o empírico e o pensamento, entre

aquilo que era palpável e aquilo que permitiria definir, caracterizar e por fim conhecer

esse tangível.

Num processo de translação em que o pensamento aparece como mediador,

aquilo que é universal é submetido a uma particularização, em que as coisas imediatas

que pousam sobre o mundo são negadas à primeira instância, sendo alojadas no

pensamento e agrupadas estruturalmente por categorias, ou seja filtradas, deixando de

ser concretas e passando a ser abstractas, pois assim se conhece e se compreende o

empírico, retornando ao concreto numa última fase, detendo uma visão esclarecida

sobre um todo.

Para Aristóteles, a existência real das coisas e dos objectos era indicada pelas

qualidades primárias e, se estas não existissem, era impossível existir o que quer que

fosse. Estamos, portanto, na ordem do tangível e do circunscrito. Nas suas palavras, a

característica fundamental destas qualidades primárias consistia no facto delas serem

permeáveis, isto é, de serem receptáculos de opostos, semelhantes a um íman que

tudo atrai. Mas nesta atracção, composta de diversas oposições e contradições a nível

do pensamento, o acto de discernir, era o que permitiria a criação de um movimento

dinâmico de interpenetração entre conceitos, que daí consubstanciassem a existência

do concreto.

Esta ideia de ciclo, de algo que parte de um ponto para voltar ao mesmo, é

sugerida por Hegel:

Page 14: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

5

[...] o concreto é simples, e ao mesmo tempo diverso. Esta interna contradição, que é

precisamente o que provoca desenvolvimento, leva as diferenças à existência.

Mas, simultaneamente, a diferença é satisfeita no seu direito, que consiste em ser

reabsorvida, e portanto superada, uma vez que a sua verdade é só ser no uno

(Hegel,1952: 42).

Hegel clarifica o conceito através da definição de uma flor, ao enumerar as

diferentes qualidades que a caracterizam, termos como odor, sabor, forma…, são

parcelas que acumuladas a definem, pois são essas qualidades abstractas que nunca

lhe devem faltar enquanto flor. Como o autor sugere:

[...] temos o Uno e um Outro, e ambos são o Uno no Outro junto de si mesmo e não

fora de si mesmo. Assim a ideia é, no seu conteúdo concreta em si; é concreta em si,

e então tem interesse em que o que é em si se torne por si (Hegel, 1952: 41).

Podemos concluir que a apreensão do concreto e seu processamento depende

do pensamento abstracto, traduzido pela linguagem através da palavra e se há

premissas que interessam na redacção desta tese, uma ideia é que o concreto se

apresenta sempre como a procura de uma totalidade esclarecedora sobre uma estrutura

que engloba um conjunto de princípios díspares que tentam responder a partir do

empírico.

Page 15: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

6

1.2 - A Arte Concreta

Segundo Harold Osborne (1979: 167) o termo concreto surgiu no campo das

artes, primeiramente no Manifesto Realista de Gustav Courbet em 1861, onde a

palavra concreto remetia para uma arte baseada na veracidade, no realismo das coisas

existentes opondo-se à arte praticada nas academias, assente ainda em cânones

religiosos e históricos. Aqui o significado de concreto era realmente oposto ao que se

iria definir durante os anos trinta do século vinte, já que em oposição a uma arte

estritamente realista, o concreto seria definido como uma arte livre de qualquer

modelo ou referente exterior.

Neste sentido e nos resquícios dos abstraccionismos geométricos das primeiras

décadas do século XX, nomeadamente do Construtivismo e do Neoplasticismo, Theo

Van Doesbourg avançou em 1930, Paris, juntamente com Carlsund, Hélion,

Tutundjian e Wantz, com o manifesto da Arte Concreta, sob a forma de um fascículo

num primeiro e único número.

Fig. 1

Manifesto da Arte Concreta, Paris, 1930

Este grupo de autores, liderado por Doesbourg, procurava uma arte geométrica

racional, que partisse do universal para o particular que fosse totalmente formada e

criada pelo espírito antes da sua execução. Negligenciava o gesto ou o cunho

individual do artista e considerava um texto escrito à máquina mais claro e belo que

Page 16: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

7

um escrito manualmente (1990: 74). Este elogio da máquina era transversal ao

conceito de universal que a ciência e a tecnologia afirmavam. Inspirados pela teoria

da relatividade de Einstein, pela 4ºdimensão e pelo positivismo matemático, as suas

composições eram compostas por objectos ou figuras simples representadas com

diferentes medidas e em tempos diferentes adoptando uma estratégia serial e

aritmética, numa alusão à verdade científica, à inexistência de um só espaço ilimitado.

Fig. 2 Theo Van Doesbourg, Arithmetic Composition, 1930

Afirmarem o seu género artístico com o termo concreto era uma maneira de se

distanciarem dos artistas surrealistas e nomeadamente do grupo abstraccionista Cercle

et Carré (movimento fundado um ano antes por Joachim Torres Garcia, em Paris),

que operava a partir da realidade de um modo redutivo, criando abstracções. Esta

distinção que os concretistas procuravam evidenciar era também um modo de se

insurgirem contra os críticos da altura, que não faziam a distinção entre o uso

semântico do termo abstracto e a produção abstracta não icónica, e por sinal concreta.

Livre de simbolismos, sensações ou significados num estilo afirmativamente

anti-impressionista, a arte concreta obedecia a uma estrutura lógica dedutiva na

junção entre signo e suporte, em que técnica e leis compositivas estariam de acordo

com o suporte a utilizar e a composição geométrica se reduzia à utilização de cores e

formas sem intervenção de modelações, tendendo esteticamente para a realização de

um signo completo e totalizador.

Há um ponto curioso no manifesto da Arte Concreta que poderíamos associar

à dimensão fotográfica, na medida em que faz um elogio à cor branca, à luz, à soma

Page 17: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

8

de todas as cores e que é sintomático da directriz científica adoptada pelos

concretistas: “Branco! Esta é cor espiritual dos nossos dias, atitude pura que orienta

todas as nossas acções. Nem cinza, nem branco marfim, mas branco puro.”4 (1990:

71)

No ponto três do manifesto (1990: 74) afirma-se: “O quadro deve ser

totalmente construído com elementos puramente plásticos, isto é planos e cores. Um

elemento pictórico não tem outro significado senão “ele mesmo” e em consequência o

quadro não tem outro significado senão “ele mesmo.”5.

Esta afirmação indicia o porquê de uma arte auto justificativa, pois era na

ciência que os concretistas encontravam respostas para a explicação dos fenómenos, e

usavam-na para legitimar empiricamente as suas obras. Negligenciando qualquer

significado para lá daquele em que a própria obra se inscrevia, as obras concretas

distanciavam-se dos fundamentos teosóficos e neo-platónicos6 que influenciavam

grande parte da abstracção daquele período, inaugurando uma arte baseada na

psicologia da forma (Gestalt) e no materialismo filosófico.

Segundo Herbert Read (1990) o aparecimento e a massificação de novas

formas de ver o mundo e a realidade, através de publicações ilustradas de teor

científico, contendo macro e micro fotografias, potenciaram o contacto dos artistas

concretistas e os que lhes seguiram filiados em organizações internacionais de

artistas7 durante os anos trinta, com realidades invisíveis, alargando o seu espectro

visual e levando a uma redefinição do que era o real em si.

Dois dos grandes teóricos e seguidores do concreto pós-Van Doesbourg, são o

suíço Max Bill e o alemão Max Bense. Bill revitalizará o termo a partir de 1936,

associando conceitos matemáticos e aritméticos à produção artística e Bense

inaugurará em meados de sessenta a estética generativa, dando seguimento à

4 “Blanc! Voilà la couleur spirituelle de nous jours, l’attitude bien nette qui dirige toutes nos actions.

Ni gris, ni blanc d’ivoire, mais blanc pur”. 5 “ Le tableu doit être entièrement construct avec dês éléments purement plastiques, c est-à-dire plans

et coulers. Un élément pictural n a pás d autre signification que “lui-même” en conséquence le tableau

n a pás d autre signification que “lui-même”. 6 A abstracção Neoplasticista preconizada por Piet Mondrian era influenciada pela teosofia defendida

por Helena Blavatsky. 7 Durante os anos trinta do séc.XX houve uma série de organizações internacionais de artistas

abstractos que se formaram em Paris: Cercle et Carré, Arte Concreta, Abstraction-Création, Unismo.

Page 18: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

9

dialéctica arte e ciência, que proliferará pelos anos seguintes, em diferentes escolas,

nomeadamente em Ulm na Alemanha e em Chicago.

Ao longo do século passado uma série de investigações e manifestações

fotográficas procuraram traduzir esteticamente uma possível re-ontologia da imagem

fotográfica. O concreto na fotografia assumiu o papel de congregador dessas atitudes

experimentais, sendo absorvido na contemporaneidade, como forma de expressar a

ideia total do que é a fotografia, sintetizando-a, procurando conjugar os princípios que

a regem, tendo como ponto de partida a luz, numa altura em que cada vez mais, a

vernaculidade do médium é posta em causa pelo advento do digital.

Traçando uma linha cronológica no campo fotográfico, fomos assistindo a

uma reeducação do olhar, centrada na atenção sobre os fenómenos orgânicos,

modelares e cromáticos da luz, protagonizada por Moholy - Nagy, que se apresentou

como precursor pedagógico e artístico na primeira Bauhaus, a que se seguiram

Gyorgy Kepes no MIT, Sónia Landy Sheridan na Escola de Chicago (Segunda

Bauhaus) e mais recentemente Gottfried Jager em Bielefeld, na Alemanha.

O que ligou estes autores foi, não só o seu interesse pedagógico pela luz

enquanto matéria pura e criativa, como a procura de uma partilha interdisciplinar

entre arte e ciência movida pelo progresso e pelas descobertas científicas e que, no

caso artístico, culminou no manifesto da Arte Concreta ou também designada arte de

síntese (Read: 1990), que se desenvolveu por diferentes latitudes geográficas,

manifestando-se pelo conceptualismo e pelo minimalismo dos anos setenta.

Numa primeira abordagem ao tema, destaco um conjunto de descobertas e

experiências do campo da física, que no meu entender, são fundamentais para

compreender o papel da luz no decurso historiográfico das imagens concretas

fotográficas, da interpenetração científica que a arte concreta assumiu para com o

campo artístico e do papel do apparatus na sua relação com o operador.

Em 1665, Issac Newton, num quarto escuro fez incidir a luz vinda do exterior

de uma janela através de um pequeno orifício sobre um prisma, dividindo a luz

Page 19: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

10

branca, no espectro visível de sete cores.8 Num segundo momento, ocultou a luz de

cinco cores e fez atravessar por um segundo prisma uma só cor/luz, dividindo-a

novamente, analisando-a e chegando à conclusão que poderia decompor por exemplo

a cor vermelha em ínfimos tons monocromáticos de vermelho, consoante o maior

número de prismas que utilizasse para filtrar essa luz/cor.

Fig. 3

Issac Newton, desenho dos seus experimentos com prismas, retirado do seu caderno de anotações,

1666

Numa outra experiência física, em 1857, Jules Antoine Lissajous, na sua

tentativa de visualização do som, através de um simples apparatus constituído por

uma fonte de luz e dois diapasões com dois espelhos acoplados, fez incidir a luz sobre

um dos espelhos; esta era reflectida para o segundo, e, em simultâneo, os dois

diapasões eram postos a vibrar, projectando graficamente a oscilação harmónica a que

eram sujeitos sobre um suporte.

8 Note-se que Newton forçou a existência de sete cores de maneira a corresponderem a uma pesquisa

que ele próprio procurava, de associar as cores a uma escala musical de sete notas, mas que

empiricamente são apenas seis, as cores fundamentais que compõem o espectro visível.

Page 20: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

11

Fig. 4

Jules Antoine Lissajous, Annales de Chimie et de Physique, 1857

Nas últimas décadas do séc. XIX o astrónomo Étiene Léopold Trouvelot

produziu imagens fotográficas submetidas a descargas eléctricas provenientes de

bobines electrostáticas. Trouvelot abdicava do uso da câmara, captando directamente

sobre a camada fotossensível do suporte, na relação de um para um, feixes

instantâneos de energia que ficaram conhecidos por figuras Trouvelot.

Fig. 5 Étienne Léopold Trouvelot, Electric effluvia on the surface and circumference of a coin, c.1888.

A estas experiências físicas que partiram da pureza da imaterialidade da luz,

acrescento ainda uma publicação sobre a forma de compêndio, do físico alemão Félix

Auerbach de 1912, que reuniu um conjunto de imagens gráficas do campo da física e

da matemática que influenciaram posteriormente os concretistas, nomeadamente

Heinrich Heidersberger.

Page 21: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

12

Fig. 6

Von Félix Auerbach, Physik in Graphischen Darstellungen, 1912

1.3 - A Fotografia Concreta

“Uma vez que a obra de arte tem que funcionar como todo concluso, que nela deve

ser reproduzida de maneira imediatamente sensível a concreticidade da realidade

objectiva, devem nela ser apresentadas todas aquelas determinações que, em seu

conjunto e em sua unidade, fazem objectivamente o concreto concreto”

(Lukács in Bense, 1975: 168).

A fotografia concreta é recente na sua legitimação e deve-se particularmente

aos argumentos e ao trabalho de investigação de Gottfried Jager enquanto fotógrafo e

teórico, que procurou sintetizar os diferentes ramos dispersos da fotografia

experimental do século XX em sintonia com premissas vindas da arte concreta, na

tentativa de traçar pontos comuns, em particular no contexto europeu, enumerando-os

e legitimando-os enquanto prática afirmativamente fotográfica, de que são exemplo as

suas publicações enquanto editor de The Art of Abstract Photography (2002) e

Concrete Photography (2005).

Colmatando a história da fotografia com um conjunto de imagens que por

saírem fora do padrão do que se assumiu ser fotografia (por serem imagens abstractas

produzidas muitas delas sem o auxílio de câmara ou lentes) não deixaram por isso de

ser relevantes fotograficamente, provando por isso o seu desenvolvimento

Page 22: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

13

paralelamente à história instituída. E neste território, por vezes a fronteira que separa

o concreto do abstracto em termos fotográficos não é óbvia, dado que muitas das

técnicas ou das estratégicas usadas pelos fotógrafos englobam por vezes, estes dois

conceitos. Jager esclarece:

A abstracção procede de uma forma redutora. Ela começa a partir de uma situação

complexa e vai deixando de fora cada vez mais elementos não essenciais, passando

para elementos essenciais, para o conhecimento "puro". A concreção procede de uma

forma indutiva. Ela começa a partir do "zero", com uma ideia ou um elemento, que é

ligado a outros por meio de regras, a fim de criar uma nova situação complexa ou um

novo sistema9 (Gottfried Jager, 2005:19).

O concreto situa-se num exaustivo conhecimento do medium fotográfico,

respeitando o que de mais essencial a fotografia contém: luz e camada fotossensível

do suporte. As possibilidades inerentes a este registo comportam um alto grau de

reflexividade sobre a matéria fotográfica, sobre os seus procedimentos internos e a

sua própria ontologia, numa lógica de tentar produzir fotografia sobre a fotografia,

isto é, photo-graphia, escrita com luz, no verdadeiro sentido do termo.

A primeira imagem fotográfica concreta que se nos apresenta, em ambiente

fotoquímico, é a folha de papel fotográfico, branca, virgem. As diferentes camadas

que compõem a sua materialidade (papel, gelatina e prata), quando accionadas em

conjunto com a luz e processadas quimicamente, fazem dela uma entidade viva,

traduzindo sobre a folha não só a veiculação de uma mensagem visual, como a

presença de um objecto físico, uma matéria que ocupa um lugar no espaço. Sendo um

plano bidimensional, contém a priori uma imagem, e é em potência o receptáculo de

todas as imagens possíveis, é um suporte para uma visibilidade por vir.

Falamos aqui de visibilidade, não no sentido em que a uma imagem

fotográfica na sua determinação clássica corresponde à reprodução de um objecto real

proporcionado pela analogia, mas a uma imagem que corresponde a princípios de

produção, isto é, que seja gerada a partir do seu interior, assente em estruturas que

demonstrem a possibilidade do que poderá ser a fotografia se esta se desvincular de

9 “Abstraction proceeds in a reductive manner. It starts out from a complex situation and, by

increasingly leaving out non-essential elements, moves on towards essential elements, to “pure”

knowledge. Concretion proceeds in an inductive manner. It begins at “zero”, with an idea or an

element, which it links with others by rules, in order to create a new complex situation or a new

system”.

Page 23: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

14

associações visíveis predeterminadas pelo real. E neste enquadramento poderemos

referir que existem então dois tipos de imagens abstractas: as que são produzidas ou

criadas, partindo de uma ideia, e por isso concretas, e as que mantêm uma relação de

mimetismo, através da captação óptica do infimamente pequeno ou grande da

realidade, e neste caso, aqui, tudo se resume a uma escolha de lentes. Nesta dicotomia

entre produção e reprodução Moholy-Nagy10

sugere:

Dado que a produção – criação produtiva - antes de tudo está ao serviço da

constituição humana, devemos tentar que os aparelhos - meios - que até agora só

foram utilizados para fins de reprodução também se apliquem para fins produtivos (Nagy, 1993: 88).

Pierre Cordier (1982) desenvolveu a partir de 1956 um percurso singular no

campo da fotografia que assentou em experiências com quimigramas.

Etimologicamente quimigrama deriva da junção da palavra química com o grego

gramma, significando escrever com químicos. O autor tirava não só partido do que o

suporte já por si continha, a camada fotossensível à luz, como fazia uso dos químicos

como se de tinta se tratasse, expandindo a disciplina fotográfica para áreas limite

como o desenho ou a pintura.

Cordier suprimia qualquer uso de câmaras ou lentes, usando apenas o factor

químico da fotografia, pelo que as suas imagens viviam da própria materialidade do

suporte, aceitando a prova única, rompendo com a tradicional reprodutibilidade do

medium. O líquido revelador, que possibilita que uma imagem se torne visível, era

usado com diferentes diluições de modo a ter uma paleta variada de tons negros,

assim como o fixador, que possibilita a durabilidade da imagem, permitia funcionar

como uma espécie de apagador ou como produção de cor branca.

A prática de quimigramas dispensava o uso do tradicional laboratório, na

característica de ser um espaço onde a luz não entra, já que poderiam ser produzidos à

luz ambiente, possibilitando controlar e observar directamente os efeitos desejados

dos químicos sobre o suporte. O tradicional encadeamento processual de fotografias

era também desvirtuado, já que se poderia começar por exemplo pelo fixador ao invés

10

“Dado que la producción – criación productiva – ante todo está al servicio de la constituición

humana, debemos intentar que los aparatos – medios – que hasta hoy solo han sido empleados con

fines de reproducción se apliquen también con fines productivos”.

Page 24: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

15

do revelador, bem como alterar o tempo necessário em cada um deles, numa lógica de

interpenetração química, processual e de acaso.

Fig. 7

Pierre Cordier, Photo-chemigram 28/9/78 II, 17x 11 cm

Na criação de imagens que não obedeçam ou partam de um modelo externo e

que se apresentem como meta-imagens, a imagem concreta é tendencialmente o

resultado de uma imagem criada em regime de laboratório, de maneira interna em

ambiente controlado, afectada por um certo espírito científico, fazendo uso criativo de

todo o apparatus fotográfico disponível, de maneira a produzir e a conhecer novas

relações e formas de interagir com a produção de imagens, mesmo que nessa

interacção se justifique a própria alteração do apparatus fotográfico em si,

desconstruindo-o, dando vida a novos aparelhos a partir dos existentes, que

possibilitem uma nova relação entre operador e operado, já que, alterando as regras do

jogo, não é a máquina que dita as suas leis, mas sim o autor que comanda todo o

hardware e software disponíveis. Recuperando Vilém Flusser11

:

Com as máquinas, a máquina é a constante e o homem é a variável: a máquina está

rodeada por homens que podem ser substituídos uns pelos outros. Com aparelho há

uma intrincada co-relação de funções: o aparelho faz o que o homem quer que ele faça,

mas o homem só pode querer o aparelho para fazer o que ele pode fazer (1986).

11

“With machines, the machine is the constant and man is the variable: the machine is surrounded by

men which may be substituted one for another. With apparatus there is an intricate co-relation of

functions: the apparatus does what man wants it to do, but man can only want the apparatus to do what

it can do”.

Page 25: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

16

Heinrich Heidersberger desenvolveu em 1955 imagens nas quais apenas usava

luz sobre o suporte fotográfico, os luminogramas. Auxiliado por dispositivos

construídos propositadamente e em constante aperfeiçoamento, criou a série

Rhythmogramme. Eram imagens produzidas através de um jogo de pêndulos e

espelhos que documentavam o movimento da luz no seu percurso dinâmico

submetido a diferentes oscilações e reflexos. O uso criativo do dispositivo é

indissociável das imagens de Heidersberger, a redução do processo produtivo

tradicional, possibilitado pela experimentação, é característica essencial das imagens

concretas.

Fig. 8

Heinrich Heidersberger, Triennale, da série Rhythmogramm, 1956

Fig. 9

Heinrich Heidersberger, Rythmographen, Wolfsburg, 1961

Page 26: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

17

Pierre Schaeffer, numa entrevista (1972) em que explica a sua música concreta,

faz referência ao conceito grego de acousmatics, usado por Pitágoras, que consistia no

estudo dos sons e dos ruídos dos quais se desconhecesse a fonte ou origem. Pitágoras

usava este conceito enquanto estratégia na leccionação das aulas, com o objectivo dos

seus alunos nunca o verem, centrando a atenção nas suas palavras. Schaeffer usa este

exemplo em relação ao som, para explicar que a visão provoca a distracção do

espectador no acto de ouvir um som ou assistir a um concerto, já que a visão fazia

com que o espectador se centrasse mais no virtuosismo técnico de um músico do que

propriamente no som que ele tocava.

Pegando neste exemplo e no seu interesse pela natureza dos sons puros, tal

como eles nos chegam, sem notações ou convenções musicais, na fotografia concreta

poderemos relacionar o conceito de acousmatics com a produção de imagens que

prescindem da sua captação óptica, (cameraless), prescindindo do auxílio de lentes e

do consequente compromisso com a realidade enquanto referente. Este compromisso

não quer dizer que se esteja afastado da realidade, muito pelo contrário, é no centro

dela, que as imagens sem óptica se inserem.

Estamos tão condicionados pela sintaxe da câmara que não nos damos conta de que

funcionamos apenas com metade do alfabeto...(...) Todas essas imagens foram

produzidas basicamente de igual forma, com uma lente e uma câmara. O que quero

dizer é que existem muitas, muitas outras maneiras de produzir uma imagem

fotográfica e imagino que muitas delas estão todavia por explorar12

(Fuss in Vicente,

2004: p. 40).

Ao fazer da luz a condição primordial para a visibilidade, a par do som para

aquilo que é audível, o concreto liga-nos directamente à raiz das coisas, processo em

que o que é importante como sugere Gottfried Jager (2005: 18) é a resposta à pergunta

o quê? E não o como? Ou onde?

Estas interrogações envolveram desde sempre a fotografia na afirmação: “isto, é

isto, é assim! ”, que Roland Barthes (2009: 13) afirmara na sua Câmara Clara e que

obedeceu à interpretação da fotografia como prova documental de factos ocorridos

12 “Estamos tan condicionados por la sintaxis de la cámara que no nos damos cuenta de que

funcionamos sólo com mitad del alfabeto... [...] Todas esas imágenes han sido producidas básicamente

de igual forma, con una lente y una cámara. Lo que quiero decir es que existem muchas, muchas otras

maneras de producir una imagen fotográfica y me imagino que muchas de ellas están todavia por

explorar".

Page 27: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

18

num determinado espaço e tempo captados pelo fotógrafo para o interior de uma

câmara. Ao permitir a ideia de reflexo da realidade enquanto matriz e a sua

consequente reprodução massiva sobre diferentes suportes, o dispositivo óptico

contaminou os discursos em torno da fotografia sobre a forma de padrões semióticos

de interpretação, baseados em signos, símbolos e índices que a cultura se apressou a

legitimar.

Tal facto fez com que as imagens produzidas sem óptica ou câmara se situassem

durante muito tempo fora de uma prática textual e discursiva, pondo em causa a

validade destas serem ou não serem fotografia, como nos alerta Peter P. Blank (1990).

Ao pensarmos na génese destas imagens, a camera obscura, em que através de

um orifício, os raios de luz vindos do exterior se cruzam invertendo a condução da

imagem projectada ou até mesmo nas cameras lucidas, apparatus portáteis que

auxiliavam os pintores na observação e na cópia fiel da natureza através do reflexo de

um espelho, constituem na sua totalidade instrumentos que fazem parte da génese do

dispositivo imagético e que culminaram nas tradicionais máquinas fotográficas, mas

que direccionaram e fecharam sobre si uma apetência para a perspectivação do

mundo, para uma visão renascentista baseada no efeito janela enquanto realidade,

aproximando-se de um legado historicista da pintura quer em termos composicionais

quer em termos de enquadramento, condicionando o formato de um negativo a uma

forma pré-determinada, quando opticamente a formação de uma imagem é um

círculo, é uma forma perfeita sem ângulos rectos como um rectângulo ou um

quadrado. E deste modo, é característico da imagem concreta, a possibilidade de ela

própria criar os seus enquadramentos, livre de qualquer imposição veiculada pelo

apparatus mas respeitando sempre a natureza da luz enquanto matéria bruta, apta a

ser investigada e testada em todas as suas potencialidades plásticas e didácticas.

Quando a fotografia é usada sem câmara, como fotograma, como escrita de luz (...) são

suficientes para criar uma linguagem lumínica - desprovida de significado objectual - capaz de

suscitar uma experiência óptica imediata13

( Nagy, 1993: 134).

13 “Cuando la fotografia se emplea sin cámara, como fotograma, como escritura de luz (...) son

suficientes para la creación de un lenguaje lumínico – desprovisto de significación objectual- capaz de

suscitar una experiencia óptica inmediata”.

Page 28: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

19

Neste sentido, as imagens produzidas sem câmara ou lente têm uma grande

componente experimental porque ao porem em causa normas pré-estabelecidas

inventando novas possibilidades fora do alcance das fotografias que se baseiam em

dispositivos ópticos, instauram um novo modo de produção de imagens. Elas não

existem a priori, têm que ser criadas, e o que pode potenciar o encadear de uma pura

linguagem fotográfica é a luz, trabalhada a partir de bases experimentais próximas do

método científico. Como sugere Umberto Eco: “[...] o método experimental reside no

facto de, no momento em que se pergunta o que é um fenómeno, o cientista decidiu

deixar de acreditar em tudo o que até aí sabia sobre ele, e recomeçar tudo do princípio

[...]” (Eco, 2000: 229).

Nesta lógica de procurar conhecer as leis da física que operavam sobre a luz,

Sónia Landy Sheridan (1990), docente na Escola de Chicago em meados dos anos

setenta, num dos seus exercícios como docente, propunha aos alunos que escolhessem

um objecto e que desenhassem, ou melhor, contornassem a sombra que o circuito do

sol imprimia ao longo do dia sobre esse objecto. Eram desenhos contínuos realizados

de 15 em 15 minutos e que de uma forma simples e pedagógica tentava despertar o

interesse dos seus alunos para a importância da luz e do seu ciclo físico.

Fig.10

Sonia Landy Sheridan, Tracing the Shadows of Time, caneta e tinta, 81/2 x 11 in, 1977

O luminograma é uma das técnicas que legitima o concretismo na fotografia.

Descende directamente do fotograma, mas ao invés de a imagem surgir através da

sombra projectada de um objecto disposto em contacto directo com uma superfície

fotossensível, prescinde da existência de um objecto físico, sendo a luz a sua fonte

emissora. Esta situação aproxima-se daquilo que Jean- Marie Schaeffer (1996: 18)

Page 29: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

20

designou por impressões por luminância directa, que correspondiam ao conjunto de

fotografias efectuadas directamente ao sol e às estrelas, em que o objecto impresso

correspondia à própria fonte de irradiação de energia e não a um reflexo da mesma.

Fig. 11

August Strindberg, Celestographs, 1894.

A série Celestographs de August Strindberg, de 1894, constitui o primeiro

exemplo de luminogramas. Strindberg expunha chapas sensibilizadas directamente à

luz nocturna, criando mapas de céus estrelados empíricos sem o uso de qualquer lente

ou dispositivo; era um processo causa – efeito: simplesmente a gravação da

luminosidade celeste sobre um suporte. Poderíamos colocar esta série de trabalhos em

paralelo com as experimentações físicas de Issac Newton, Jules Antoine Lissajous ou

Étienne Léopold Trouvelot, em que o mundo é directamente como é.

1.4 - Sistemas Generativos

No seguimento das problemáticas inauguradas pela Arte Concreta, Max Bense

insurgiu-se em 1965 com a estética generativa (1975) no seguimento de uma primeira

publicação sobre imagens gráficas de computadores. A estética generativa admitia o

uso de processos matemáticos através de funções, esquemas ou séries em consonância

com o uso de equipamento tecnológico, como os computadores.

Bense (1975: 136) afirma: “A obra não é mais imediata em relação ao

criador”. O automatismo das máquinas dava lugar ao computador, à execução de

cálculos e algoritmos contidos num programa onde a subserviência do autor em

relação às máquinas não era total, pois era permitida a lei da casualidade sobre os

Page 30: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

21

procedimentos, isto é, os dados contidos num programa eram passíveis de ser

alterados pela intuição e pela vontade expressa do autor, que aliás permitia manter

uma certa característica do trabalho manual e do livre arbítrio humano.

Generative Systems foi um programa académico que surgiu pela mão de Sónia

Landy Sheridan em 1970 no Art Institute of Chicago, a 2ª Bauhaus. O curso tinha

como objectivo unir artistas, cientistas e técnicos de empresas de fabricação de

máquinas tecnológicas em torno de uma nova abordagem de produção artística que

respondesse às mudanças tecnológicas e comunicacionais que se verificavam no seio

da sociedade. O aparecimento de várias máquinas electrónicas de processamento e

cópia expandia a produção de imagens e consequentemente a sua transmissão e

divulgação; eram as modernas máquinas fotocopiadoras Xerox ou os primeiros

computadores, que permitiram uma nova releitura sobre as disciplinas da fotografia,

gravura entre outras, e no impacto que a tecnologia teria no seu desenvolvimento

futuro.

Ian: “ O que é que tens?”14

Sónia: “ Sistemas.”

Ian: “ Que tipo de sistemas?”

Sónia: “ Bem, nós geramos ideias e imagens.”

Ian: “Então tu és um “sistema generativo.”

(Sheridan, 1983: 108)

Os novos apparatus estavam ao serviço dos alunos mas estes não se deveriam

ficar pelo que era novo, sendo encorajados a redescobrir os antigos processos, era

suposto que cada aluno fosse capaz de construir as suas máquinas ou ferramentas de

trabalho conforme o projecto ou o objectivo a que se propunham. Muitos deles

procuravam máquinas obsoletas, de modo a transformá-las numa nova máquina apta a

ter novas funcionalidades, até mesmo com funções diferentes daquelas para as quais

tinham sido produzidas. Arte, ciência e tecnologia era um triângulo de

experimentação e de descoberta de sistemas, que pode ser descrito como os

primórdios da Arte Multimédia enquanto área científica, como Sónia Landy Sheridan

(1990: 179) defendia: “Processo e produto são dois componentes de um sistema – o

processo criativo”15

. Investigar fontes de energia, desde as mais elementares, como os

14

“Ian: "What do you have?”, Sonia: "A systems." Ian: "What kind of systems?" Sonia: "Well, we

generate ideas and images." Ian: "Then you are a 'Generative Systems'". 15 “Process and product are two components of one system-the creative process”.

Page 31: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

22

ciclos naturais até às mais complexas, apoiadas pela tecnologia, é demonstrado pelo

seguinte diagrama que expressa a interactividade da natureza e as suas possibilidades

enquanto Generative Systems:

Fig. 12

Sonia Landy Sheridan, Generative Systems, Art Institute of Chicago, 1979

A evolução dos sistemas generativos culminou naquilo que se veio a designar

por fotografia concreta. Poderemos aceder a esta evolução no artigo de Gottfried

Jager, “ Generative Photography: A systematic, Constructive Approach” (1986), no

qual todas as premissas em que o autor assenta os seus ensaios futuros legitimando a

fotografia concreta, estão já descritas e enunciadas, embora as descreva como

fotografia generativa em lugar de as descrever como fotografia concreta.

Jager enuncia três directivas que estão na base da fotografia generativa: a

fotografia experimental desde 1920, em que destaca os fotogramas de Christian

Schad, Man Ray e Moholy - Nagy. O apparatus art, que compreende todo o tipo de

apparatus usado na produção e visualização de imagens, desde a camera obscura até

ao computador, e por fim a estética generativa descrita por Max Bense em sintonia

com os autores da antiguidade clássica.

As problemáticas entre produção e reprodução, entre óptica e cameraless, entre

abstracção e síntese do próprio medium, que procurámos mostrar ao longo deste

capítulo, estão já enunciadas neste artigo de Jager, faltando apenas o contributo da

arte concreta que funcionará como elemento mediador destas premissas, nas futuras

publicações do autor, já anteriormente referenciadas na presente dissertação.

Page 32: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

23

Fig. 13

Gottfried Jager, Pinhole Structures, 1986

Page 33: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

24

CAP. II - O CONTACTO

O tecido, tornado fotossensível através de uma impregnação de brometo de prata,

era exposto à luz. Envolvia-se nele, em seguida, o modelo, que saía, ainda todo

molhado dos pés à cabeça, dum banho de revelador, como um cadáver numa

mortalha [...] Dermografia seria um vocábulo mais apropriado para a designar

(Tournier, 1986: 29).

Ao dissertarmos sobre o contacto na fotografia, inevitavelmente surge-nos o

fotograma como marca arquétipo desta problemática.

O contacto tem múltiplas formas de expressão. Na sua etimologia ressalta a

tactilidade: derivado do Latim contactus, particípio passado de contingere, “tocar,

agarrar”, formado por com, “junto, com”, + tangere, “tocar, encostar”, e que originou

as palavras “tocar” e “tacto”. Numa dimensão poética poderíamos pensar nas vulgares

lentes de contacto como um dispositivo óptico que, em contacto directo com os olhos,

nos permite ver o mundo de uma forma focada, ou no desenvolvimento apurado do

sentido do tacto de um invisual no desempenho das suas tarefas do dia-a-dia, ou até

mesmo nas mãos de uma criança perante um pedaço de barro virgem. Geralmente

somos mais traídos pelos mecanismos da visão do que pelos do tacto; a segurança de

uma tangibilidade perante o mundo pode ser simbolizada apenas num par de mãos:

Quando dois pedaços de madeira seca foram parar pela primeira vez às mãos de um

selvagem, mercê de que indicação da experiência poderia ele imaginar que eles iriam

inflamar-se por meio de uma fricção rápida e prolongada? (Schlegel in Bachelard,

1989: 29).

O domínio do fogo por parte do homem primitivo bem como o acto sexual na

perpetuação da espécie ressoam como imagens arquétipo de um contacto primordial.

Característica que proporcionou a humanização e nos distinguiu das outras espécies.

A conquista do fogo desde muito cedo envolveu uma série de ritos e manifestações

arcaicas a ele associados, como forma de celebrar uma divindade inatingível mas

natural. Nenhum outro elemento teve tanto destaque na evolução humana, “ é a ideia

da vida que, projectada no Cosmos, o “sexualiza” ” (Eliade, 1987: 29).

Substituamos o domínio do fogo pelo domínio da luz, a fotografia.

Page 34: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

25

A fotografia representa a junção de três sistemas, um de natureza óptica que

permite a formação da imagem, outro de natureza química que permite a sua

impressão e consequente fixação e, por último, a dimensão física que faz da luz a sua

essência primordial.

Na fotografia, o fotograma surge como o acto fotográfico que suprime o uso

da câmara, cameraless, extingue tudo o que se relacione com o uso de lentes, com a

óptica em si, reflectindo um descompromisso com a evolução histórica vinda da

camera obscura, no dispositivo de resgate de imagens externas através de um orifício,

mas que constrói a sua base de sustentação na prática laboratorial química, no facto

dos sais de prata serem sensíveis à luz e, consequentemente, poderem ser fixados,

perpetuando a longevidade de uma imagem.

Indiciador de toda uma génese fotográfica por permitir fixar uma imagem

permanentemente, a versatilidade plástica e química do fotograma permite a

experimentação, o atentar contra o medium, possibilitando criar imagens não

alcançáveis se limitado apenas pelo sistema óptico. Por isso designamo-lo como o

acto fotográfico que mais perto está do real, isto é, proporciona a prova directa, mas

também o que mais tende para a abstracção, para lá da realidade discernível.

Sendo uma tradução literal de sombras e luz, entre um referente e uma

superfície fotossensível, o fotograma vive das sombras que o efectivam como

imagem, assim como a nossa própria sombra também nos personaliza. É a escala de

um para um, é o corpo e o seu duplo. Floris Neusüss nas suas séries de fotogramas de

grande formato, explora a relação da escala humana directamente sobre o suporte

fotossensível. Muitas vezes as suas imagens são invertidas, as sombras aparecem a

negro sobre um fundo claro devido ao autor usar papel auto-reversível, que permite

produzir imagens directamente em positivo.

Page 35: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

26

Fig. 14

Floris Neusüss, S/título, gelatina e prata sobre papel, fotograma, Kassel, 1967.

[...] a sombra do corpo que ladeia cada corpo à nascença [...]

(Maia, 2009: 32)

Um dos aspectos do fotograma é o facto de ele se relacionar com o pretérito

presente, com o fazer, quer isto dizer que, aquando da sua produção, não obedece a

nenhum dado do passado, não descende de nenhuma matriz, não procura reproduzir

um acontecimento que já aconteceu, como no acto de imprimir uma fotografia que

está já contida à partida num negativo captado por uma tradicional máquina

fotográfica, mas antes efectua-o, instaura um tempo e um espaço efectivo, nasce

enquanto fotografia.

Jean Marie Schaeffer (1996: 19), enquadra o fotograma no grupo das

impressões “por travessia”, ao lado das impressões de raio-X e das ecografias.

Segundo o autor, este grupo de imagens não pode ser considerado como analógico

devido à informação visual resultante da impressão referir-se mais à densidade das

matérias que a luz atravessa, do que à matéria em si, ou seja, o objecto físico causador

dessa mesma densidade é apenas revelado de forma aparente e nunca na totalidade

dos seus traços.

Page 36: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

27

Fig. 15

Wilhelm Rontgen, The bones of a hand with a ring on one finger, viewed through x-ray, 1895.

Dentro do universo das imagens fotográficas, o fotograma e a radiografia têm

afinidades, representam pontos limite do nosso campo visual. O primeiro situa-se

aquém de todas as imagens que associamos como análogas a algo, e aqui utilizando

uma analogia com o termo arquitectónico “planta”, onde tudo assenta, é certo afirmá-

lo como génese da fotografia. Por outro lado, as radiografias, sendo imagens que

vivem da profundidade, de comprimentos de onda que estão para lá do nosso espectro

visível, permitem-nos ver como é o interior dos corpos. Ambos os casos, fotograma e

radiografia, sugerem pertencer a um dado objecto, sem nunca o mostrar na totalidade,

funcionando como índices, tal como Peirce afirma:

Um índice é um signo que remete ao objecto que ele denota, pois é realmente

afectado por esse objecto. [...] Na medida em que o índice é afectado pelo objecto,

tem necessariamente alguma qualidade em comum com o objecto, e é em relação às

qualidades que pode ter em comum com o objecto, que ele remete a esse objecto

(Peirce in Schaeffer, 1996: 51).

Na qualidade de índice que o fotograma revela, o de suscitar pistas sobre um

referente, “a imagem criada (...) é de traços fantasmagóricos de objectos que partiram;

eles se parecem com pegadas na areia, ou marcas que foram deixadas no pó” (Krauss,

1977: 75). Esta característica está implícita até na designação quando, por exemplo,

falamos de fotogramas de um filme de imagens em movimento. Quando estamos

numa sala de cinema, estamos na realidade perante a observação do positivo de um

filme copiado a partir de um negativo, por cópia directa, por contacto. Antes de

qualquer outra qualidade semiótica, ele é antes de tudo um índice.

Page 37: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

28

Man Ray num fragmento da peça fílmica Retour à la raison de 1923, usou o

processo de inscrição de fotogramas directamente sobre a película, dispensando o uso

da câmara de filmar ou da canónica divisão de frames. Trabalhou directamente a

matéria, manualmente, criando um efeito de paralaxe híbrido entre a estaticidade dos

objectos impressos e o seu consequente movimento quando projectado. O

distanciamento entre o espectador e a obra encurta-se, na medida em que é um

original bruto apresentado de forma directa. “Atirei alfinetes e tachas ao acaso; em

seguida, acendi a luz branca por um segundo ou dois, como fizera para os meus

Rayogramas16

” (Ray in Elcott, 2008: 8).

Fig. 16

Man Ray, Retour à la raison, fotograma sobre película, 1923.

André Bazin numa nota de rodapé do seu texto Ontologie de l'image

photographique, de 1945, compara o automatismo da fotografia à produção de moldes

na feitura de máscaras funerárias:

a moldagem de máscaras mortuárias, por exemplo, que da mesma forma envolve um

certo processo automático. Pode-se considerar a fotografia, neste sentido, como uma

moldação, a obtenção de uma impressão, por meio da manipulação da luz17

(1960: 7).

Esta afirmação reflecte a proximidade da fotografia com a morte e com um

conjunto de imagens fundadoras que povoaram o imaginário cristão ao longo dos

séculos, como a imago na Antiguidade, na Roma clássica, que era a cópia directa dos

rostos dos defuntos, feita através de moldes de cera, que eram guardados no atrium

das casas ou no templum, o lugar público do culto. Estas máscaras assemelhavam-se à

mumificação egípcia, também elas funcionando como forma de perpetuação da vida

além morte, lembrando feitos e glórias de imperadores ou de nobilíssimas figuras da

polis (Caprettini:1973: 34). Em Assombra de Tomás Maia (2009: 37), Dupont alerta-

nos para o carácter indicial dessas máscaras de cera, por derivarem efectivamente da

16 “I threw pins and thumbtacks at random; then turned on the white light for a second or two, as I had

done for my still Rayographs". 17

“the molding of death masks, for example, which likewise involves a certain automatic process. One

might consider photography,in this sense as a molding, the taking of an impression, by the

manipulation of light”.

Page 38: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

29

presença verdadeira do defunto, por contacto directo, e não como manifestação

simbólica ou fictícia da sua presença. “A imago assegura uma presença do defunto na

Terra após o seu funeral, presença verdadeira que nada tem a ver com a presença-

ausência de imagens que apenas seriam semelhantes” (Dupont in Maia, 2009: 37).

Com o devir da fotografia, e com o consequente mecanismo de reprodução, a

relação de causalidade directa passaria a ser de um para múltiplos. Mas o que

interessa ressaltar aqui, mais do que com a fotografia, é a sua similitude ao fotograma.

A Fotografia tem algo a ver com a ressurreição: não se poderá dizer dela o que

diziam os Bizantinos da imagem de Cristo de que está impregnado o Sudário

de Turim, ou seja, que ela não é feita pela mão do homem, acheiropoetós?

(Barthes, 2009: 93).

A par da imago romana, e no contexto das imagens que comportam um

sentido religioso e que apelam ao contacto, o Sudário de Turim é talvez um dos

primeiros antecedentes de uma fotografia por contacto.

O Sudário é uma imagem sagrada, que representa uma impressão por contacto

entre o corpo de um homem e um pano de linho, que se crê ter sido o pano que cobriu

Cristo aquando da sua morte. Nele são visíveis traços e manchas em tons de sépia,

representando um corpo em negativo, com 4,3 por 1,1 metros, que ficaram registados

após a sua ressurreição, provavelmente devido a vestígios de sangue ou à própria

decomposição do corpo.

Estas características são reveladoras de uma relação directa, por contacto, de

uma causalidade entre o objecto (corpo), ou seja, a matéria e a sua marca reproduzida

sobre um suporte, em que a matriz é o objecto em si, sendo o seu resultado

apresentado sob a forma de um negativo.

Fig. 17 Sudário de Turim, in Catedral de S. João Baptista, Torino, Itália, 430x110cm, c. 30 DC.

Page 39: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

30

Existem inúmeros estudos18

e especulações em torno da imagem do Sudário

de Turim, alguns deles demonstrando que a imagem não é originalmente captada a

partir do corpo de Cristo, mas uma segunda cópia, derivada de um possível original.

Para além de ser uma relíquia do mundo sagrado ocidental, esta imagem

apresenta simultaneamente características de um ícone, pois é reveladora da presença

do corpo de Cristo sobre um pano de linho, constituindo uma prova da sua existência,

diferindo no entanto das tradicionais relíquias dos santos, que geralmente são

representados por um conjunto de ossos, símbolos da sua passagem terrena; a matéria

dá lugar à representação de uma marca impressa, aproximando-se de um valor de

ícone. A função dos ícones, no facto de estes serem produzidos para serem colocados

na iconóstase, no ponto médio sagrado das igrejas ortodoxas do mundo oriental,

mediando o processo de comunicação entre o mundo sensorial e o mundo espiritual

(Caprettini:1973: 34), é enfatizado pela característica de os ícones serem

originalmente acheiropoietos, ou seja, produzidos sem o auxílio de mãos humanas.

Para além do Sudário de Turim, há um conjunto de imagens arquétipo, ícones,

que se formaram através de lendas, carecendo de prova factual, mas que vivem do

valor simbólico, neste caso, o grupo de imagens que representam a efígie de Cristo

ainda em vida. Estas imagens ao serem efectuadas pela própria divindade

manifestavam a impossibilidade da sua representação, senão através dela própria.

O Mandylion de Edessa (Sobral, 1986: 10) crê-se ter sido o primeiro ícone.

Conta a história que o rei de Edessa, Abagaro, ordenou que um pintor fosse no

encalço de Jesus Cristo e que o retratasse. O pintor ao estar defronte do seu modelo

foi incapaz de pintar o quer que fosse, tal era a luz e a energia que irradiava da cabeça

do filho de Deus, ofuscando-o, impedindo-o de ver correctamente a sua face. Jesus,

perante tal incapacidade, pegou num pano que cobria o pintor e colocou-o sobre o seu

rosto, imprimindo a sua face e os seus traços directamente sobre o pano, enviando-o

ao rei de Edessa.

18

Sobre este assunto ver: Meacham et al (1983) The Authentication of the Turin Shroud: An Issue in

Archaeological Epistemology.

Page 40: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

31

Fig. 18

Mandylion de Edessa, in Capela privada do Papa, Vaticano, Itália, s/d.

Numa outra lenda (Sobral, 1986: 10), aquando da sua caminhada final até à

cruz, Jesus terá sido abordado por uma mulher, Verónica, que por compaixão, terá

secado o rosto de Jesus com um pano, e nesse pano terá ficado a marca da sua face,

posteriormente conhecido como “o véu de Verónica”.

Este conjunto de imagens acheiropoietos, ao serem únicas, e produzidas por

elas mesmas, descendem directamente da divindade em si. Margaret Kenna19

elucida-

nos sobre a sua função:

Porque o mandylion se acreditava ser a impressão do rosto de Cristo, os ícones

pintados baseados nele ou em ícones anteriores têm a validade de cópias de um

autêntico original. Como com Cristo, como para as cópias dos santos, estes não se

podem distanciar muito do original podendo quebrar o vínculo com o protótipo e,

assim, perder a sua autenticidade. Em outras palavras, um ícone não é apenas uma

imagem, não simplesmente uma cópia ou uma lembrança de um original. Por

representar esse original de uma forma particular, mantém uma conexão com ele,

assim como uma tradução faz com o texto original” (Kenna, 1985: 358).

Esta criação sem intervenção humana surgiu pela primeira vez nas primeiras

imagens fotográficas permanentes, a partir do momento em que Henry Fox Talbot em

Janeiro de 1834 demonstrou a arte dos seus “desenhos fotogénicos”. Estas imagens

iniciais da história da fotografia, surgidas em plena revolução positivista no campo

19

“Because the mandylion was believed to be the imprint of Christ's face, painted icons based on it or

on earlier icons of it have the validity of copies of an authentic original. As with Christ, so with the

saints-copies cannot stray far from the original without breaking the link with the prototype and thus

losing their authenticity. In other words, an icon is not just a picture, not simply a copy or a reminder of

an original. By representing that original in a particular way it maintains a connection with it, as a

translation does with the original text”.

Page 41: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

32

das ciências, assentavam na impressão directa por contacto de espécies botânicas

sobre um papel fotossensível à luz. Johann Heinrich Schulze, físico alemão, já em

1727, havia demonstrado a fotossensibilidade do nitrato de prata que escurecia devido

à acção da luz ao invés do calor.

Pela primeira vez, entre o objecto originário e a sua reprodução há intervenção

apenas na instrumentalidade de um agente não vivo. Pela primeira vez, uma

imagem do mundo é formada automaticamente, sem a intervenção criativa do

homem20

(Bazin, 1960:7).

Partindo de experimentos químicos anteriores, Talbot pincelou sobre um papel

de escrita de grande qualidade uma primeira camada com sal, sobre a qual, depois de

seca, era aplicada uma outra camada, sensível à luz contendo nitrato de prata. Após

serem expostas ao sol, as imagens formavam-se por si sós como silhuetas brancas

sobre um fundo escurecido, sendo de seguida fixadas com o recurso a uma segunda

camada de sal, de modo a preservar a sua durabilidade.

Talbot em The Pencil of the Nature (1844: 6) descreve o factor determinante

que permitiu chegar à execução correcta das suas provas fotográficas: a descoberta da

porção ideal de sal e nitrato de prata que a mistura química deveria conter. E só se

apercebeu deste facto quando reparou que algumas partes da imagem pareciam ser

mais sensíveis em determinadas zonas do que noutras, e que isso se devia ao facto de

em algumas pinceladas o sal ficar retido, formando uma acumulação excessiva nessas

partes. O sal tinha então que ser doseado convenientemente, e Talbot descobriu que

tinha que usar muito pouco sal para permitir que uma imagem se tornasse mais

sensível à luz, e que, pelo contrário, para a fixar correctamente tendo em vista uma

maior longevidade, o sal devia ser usado em muito maior quantidade e concentração.

Estas imagens respondiam ao anseio antigo de transferir o mundo visível para

um suporte; para lá do desenho ou da pintura, a realidade era livre para actuar como

prova de legitimação científica e abrir caminho para o desenvolvimento da fotografia.

Sem o auxílio de lápis ou mãos, todo o processo era o resultado directo da luz

do sol, “o lápis da natureza”. Talbot colocava-nos perante o índice fotográfico,

imagens que resultavam directamente do seu referente, o objecto em si, sob a forma

20

“For the first time, between the originating object and its reproduction there intervenes only the

instrumentality of a nonliving agent. For the first time an image of the world is formed auto-matically,

without the creative intervention of man”.

Page 42: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

33

de marcas impressas de folhas naturais, que num primeiro momento não pretendiam

simbolizar ou significar algo estético ou artístico, mas sim inventariar ou catalogar

espécies vegetais.

Fig. 19

Henry Fox Talbot, Two delicate plant fronds, desenho fotogénico, 22.8 x 18.3 cm, 1839.

Inicialmente Talbot, nos seus diários, como sugere Pedro Miguel Frade,

designou estas imagens fotogénicas, de skiagráficas (1992:72) ou seja, de grafias

(escritas) de sombras. Já na antiguidade clássica, Platão em a República ressalvava

este aspecto:

Chamo imagens, em primeiro lugar, às sombras; seguidamente, aos reflexos nas

águas, e àqueles que se formam em todos os corpos compactos, lisos e brilhantes, e a

tudo o mais que for do mesmo género, se estás a entender-me (1987: 313).

As sombras de Talbot representavam o início do rumo que a sua investigação

iria tomar, com o devir dos calótipos, ao assumir estes negativos iniciais como

possíveis matrizes e como ponto de partida para serem utilizados na reprodução de

cópias positivas.

O que é necessário ressalvar nestes experimentos de Talbot é, não só a ideia de

que a imagem se fazia por si de forma automática, mas também o facto dessa cópia

descender directamente do objecto em si, na relação de um para um sem o auxílio de

intermediários. Ao ser uma cópia directa, não só aumentava o seu grau de veracidade

como pela primeira vez a legitimava em termos de experimentos científicos,

permitindo uma evolução histórica, influenciando os seus parceiros mais próximos da

singularidade do seu processo.

Page 43: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

34

Sir John Herschel, em 1842, patenteou a cianotipia, um processo fotográfico

por contacto, semelhante ao de Talbot, que resultava na impressão de imagens em

tons azuis Prússia, mais tarde designadas por blue prints. A cianotipia não

comportava sais de prata, pois a descoberta da fotossensibilidade de certos

componentes férreos à acção da luz, como o ferricianeto de potássio em conjunto com

o citrato de ferro de Amónio21

, revelaram a Herschel a possibilidade de produzir

imagens sem câmara, em negativo, directamente expostas ao sol por contacto.

Herschel inicialmente interessou-se por copiar gravuras, numa dinâmica negativo -

positivo, mas rapidamente se apercebeu que havia uma perda de qualidade no

positivo, dada a espessura do papel que a luz tinha que atravessar.

Fig. 20

Sir John Herschel, The Honourable Mrs. Leicester Stanhope, Cianotípia, 1836.

A revelação do processo fotográfico de Herschel foi importante para o

desenvolvimento do trabalho de Anna Atkins no campo da botânica e da fotografia.

Atkins publicou em 1843 o primeiro livro ilustrado cujo conteúdo era apenas

produzido com imagens fotossensíveis: Photographs of British Algae: Cyanotype

Impressions, e que correspondia a uma inventariação de espécies de algas britânicas

através do uso de fotogramas com as suas respectivas anotações científicas.

21

A adição deste químico acelerava o processo, permitindo que as imagens não tivessem que ser

dispostas a longos tempos de exposição.

Page 44: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

35

Fig. 21

Anna Atkins, Fucus Vesiculosus, Cianotípia, 26,4x20,6cm, 1843.

O dispositivo de inscrição de silhuetas que surgiu em França, em pleno

séc.XVIII na sequência dos pequenos retratos miniatura existentes na época, antecede

a fotografia na representação fiel do retrato. A arte da silhueta baseava-se na cópia

directa de retratos de perfil pintados a negro ou recortados sobre papel de lustro, feitos

directamente a partir da projecção da sombra de um retratado.

Fig. 22

Autor desconhecido, silhueta de William Groth, c. 1802-10.

Este dispositivo democratizou-se. A sombra era tomada como factor

identitário, personalizando o indivíduo perante a sociedade e, neste contexto,

poderemos ligá-la à lenda grega do aparecimento da imagem no mundo ocidental, tal

como é relatado por Plínio, o Velho na sua História Natural, aqui na tradução de

Tomás Maia (2009:39):

Page 45: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

36

[...]Também utilizando a terra, o oleiro Butades de Sícion foi o primeiro a descobrir a

arte de modelar retratos em argila; isto passou-se em Corinto devendo a sua invenção

à sua filha, que se tinha enamorado de um jovem (quae capta amore iuuenis); estando

este de partida para o estrangeiro, ela circunscreveu (circumscripsit) com uma linha a

sombra do seu rosto projectada na parede pela luz de uma lanterna (lucernam); o seu

pai aplicou argila sobre o esboço, fazendo um relevo que pôs a endurecer ao fogo

com o resto das suas cerâmicas, depois de o ter secado; esta obra, diz-se, foi

conservada no Nymphaeum até à época do saque de Corinto por Múmio.

Em Reading Position for Second Degree Burn (1970), Dennis Oppenheim

documenta a acção performativa de ler um livro numa praia. O contacto directo do

livro sobre a sua pele, exposto durante cinco horas ao sol, provocou-lhe uma

queimadura em segundo grau, uma impressão directa, conceptualizada pela ideia

subjacente do acto de ler. Tal como o papel fotográfico, também a pele é sensível à

luz. A impressão de um fotograma natural pela extensão do tempo é fixo pela

captação fotográfica durante e depois de todo o processo, a fotografia fotografa-se a si

própria.

Fig. 23

Dennis Oppenheim, Reading Position for Second Degree Burn, 1970.

Na exploração dos elementos luz e sombra de modo natural e directo, a

contemporaneidade fotográfica revela autores como Adam Fuss e Susan Derges que

partilham as mesmas preocupações: o repudiar da câmara fotográfica e a manutenção

do trabalho manual que permite o controlo de todo o processo. O fotograma é

essencial no percurso destes autores, Derges trabalha a partir do exterior, procurando

revelar a essência dos elementos naturais como o movimento da água através da

Page 46: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

37

imensidão nocturna. Dispondo o papel fotográfico directamente no fundo de rios ou

riachos capta a simplicidade da natureza de forma directa à luz nocturna,

demonstrando muitas das vezes particularidades que escapam à visão humana,

alterando a noção de paisagem sob a forma de provas únicas.

Fig. 24

Susan Derges, Starfield - Fountain, ilfochrome, prova única, 105 x 58cm, 2004.

Page 47: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

38

CAP. III – O MAPEAMENTO DO SUBLIME

Fazendo-o girar, lhe conferiu a forma redonda, a forma esférica, na qual a distância

do centro a todos os pontos da periferia é sempre a mesma, a mais perfeita de todas

as formas e a mais semelhante a si mesma (Platão, 2003: 71).

Na contemporaneidade, o mundo é povoado por mapas, virtuais ou físicos,

podendo ser facilmente acedidos por qualquer pessoa. Espalhados por diferentes

campos do saber e da informação, o mapa tem a finalidade de informar, de nos situar

espacialmente a partir do exterior, demonstrando relações espaciais que de outro

modo seriam invisíveis e inacessíveis.

Nas modernas tecnologias de informação, o mapa substitui as tabelas; o seu

arranjo gráfico permite uma maior compreensão de um todo. Pensemos nos mapas

eleitorais veiculados nos órgãos de informação ou no próprio funcionamento da

internet; são pontos e linhas em constante ligação que definem um território, seja ele

colectivo ou particular. Correntemente, a maior parte dos estudos estatísticos sobre

qualquer assunto, culmina na representação de um mapa sobre os resultados obtidos.

Sobre a mutabilidade do mapa Gilles Deleuze afirma:

É aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, invertível,

susceptível de receber modificações constantemente. O mapa pode rasgar-se, ser

virado do avesso, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser posto em estaleiro

por um individuo, um grupo ou formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede,

concebê-lo como uma obra de arte, construi-lo como uma acção politica ou como

uma mediação (1972: 32).

A aceleração e o acesso à informação que a tecnologia permitiu fizeram dos

mapas importantes instrumentos de representação, muitos deles não pela importância

de serem rigorosos, mas pela facilidade de leitura e pela capacidade de poderem

armazenar e sintetizar uma grande quantidade de informação sobre um só plano. Esta

abertura do mapa a diferentes disciplinas e campos do saber fez dele uma importante

ferramenta lógica e empírica. O desejo de conhecer universalmente o traçado

terrestre, dos seus limites face ao mar, acompanhou desde sempre o desenvolvimento

humano.

Page 48: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

39

O mapa geográfico ou político permitiu ao homem testar-se e alcançar limites

que até à data desconhecia. Para lá de representar colectivamente o conhecimento e a

visualização da totalidade do globo, o mapa permitiu instaurar um acontecimento no

sujeito, de ele próprio poder conhecer os seus limites e até mesmo quebrá-los; eis o

mapeamento do sublime.

O mapeamento gráfico da superfície terrestre acompanhou a evolução

histórica do conceito de horizonte. Louis Marin (1993), no seu artigo “Frontiers of

Utopia”, afirma que durante a Idade Média o horizonte era apreendido como um

limite efectivo, como uma divisão inultrapassável entre céu e terra. Enquanto no séc.

XVII o termo evoluiu para a descrição da parte da paisagem que se situava mais

próxima desse limite, e mais tarde na época romântica designando o que estava para

lá dessa mesma visualização ou limite, que não era fisicamente apreendido mas

intuído sob a forma de um desejo subjectivo de espaço infinito, aberto e sem

fronteiras.

Nesta descrição de Marin, a ideia de horizonte progrediu sucessivamente em

altura, vencendo o peso da gravidade desde a terra firme até ao infinito do espaço

celeste, e o mesmo aconteceu com o desenho de mapas que, à medida que novas

descobertas marítimas permitiram conhecer e registar novos mundos, estes foram

sucessivamente alterados e actualizados graficamente; e aqui afirmamos que a ideia

de horizonte transpôs o próprio conhecimento adquirido da superfície terrestre, dado

que ao dispormos na contemporaneidade de ferramentas que nos permitem a

visualização de mapas em tempo real, e de nos situarmos neles espacialmente, a ideia

de horizonte deixa de se cingir apenas ao conhecimento que detemos do planeta para

se alargar a outros territórios ainda desconhecidos.

O infinito porém é absolutamente (não apenas comparativamente) grande.

Comparado com ele, tudo o mais (da mesma espécie de grandezas) é pequeno. Mas,

o que é mais notável, tão só de pensá-lo como um todo denota uma faculdade do

ânimo que excede todo o padrão de medida. Pois para isso requerer-se-ia uma

compreensão que fornecesse como unidade um padrão de medida que tivesse uma

suposta relação determinada e numérica com o infinito; tal é impossível (Kant, 1992:

93).

Thomas Ruff (2011), num dos seus últimos projectos fotográficos, aborda esta

mesma questão. Procedeu à representação virtual de paisagens aéreas do planeta

Marte. Partindo de imagens de satélite captadas pelo projecto da NASA: Mars

Page 49: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

40

Reconnaissance Orbiter, Ruff tentou criar uma visão utópica de como seria no futuro

o campo visual dos passageiros ou tripulantes de um avião que sobrevoasse a

superfície de Marte.

Ruff efectuou o download das imagens da NASA, originalmente a preto e

branco e de alta resolução, editando apenas a cor e criando um sistema de perspectiva

híbrido que permitiu calcular a transformação necessária a efectuar ao declive do

terreno, passando de uma imagem originária plana, topográfica, bidimensional, para

uma a três dimensões, próxima da visão humana.

Fig. 25

Thomas Ruff, ma.r.s.10, c-print, Diasec, 256 x 186 cm, 2010.

Esta tradução de uma imagem vertical para uma oblíqua operada por Ruff,

representa uma inversão relativamente à génese da cartografia enquanto disciplina da

geografia, pois desde o primeiro mapa conhecido22

até ao surgimento da fotografia

aérea em pleno séc. XX, o desenvolvimento de mapas pautou-se pela procura de uma

verticalidade que eliminasse ao máximo a visão oblíqua, permitindo a planificação

total da esfera terrestre, que só em meados do séc. XIX, com a introdução de isolinhas

(linhas que unem pontos com a mesma altura), potenciaram o mapa como imagem

representativa da objectividade e do rigor científico que faltou em séculos anteriores.

22

A primeira representação conhecida de um mapa data do séc. VI AC, do Império Babilónico; nele o

mundo é representado sob a forma de um círculo esculpido em pedra. Antes de pertencer ao domínio

da geografia, o mapa nasce da arte, com especial importância para a linha, na demarcação do território

terrestre face ao mar (Cartwright, Gartner & Lehn, 2009: 156).

Page 50: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

41

Até esta data, muitos mapas23

eram uma utopia veiculando apenas visões artísticas de

cariz simbólico.

Ao representar hipotéticas visões interstelares, Ruff aproxima-se da figura do

viajante ou do explorador de locais remotos, típico das grandes explorações ocorridas

durante o séc. XVIII. Este modo de relacionamento com os mapas, proporcionado

pela informação que os satélites transmitem, substitui-se à mobilidade proporcionada

pela viagem efectiva. Ruff é um viajante estático, não precisa de sair do mesmo sítio

nem de viver a experiência física da viagem. Os mapas interestelares são projectos em

aberto, dia a dia novos elementos são adicionados sobre a forma de camadas que se

vão sobrepondo em profundidade, enriquecendo o conhecimento visual sobre o

universo.

Não serão estas imagens utópicas e semelhantes às cartas náuticas dos antigos

marinheiros, daqueles que enfrentavam um oceano desconhecido à procura de um

lugar algures?

No seguimento desta questão, revisitamos a obra de Odilon Redon, L'oeil,

comme un ballon bizarre se dirige vers l'Infini de 1882, que alude às primeiras

viagens tripuladas em balões de ar quente, que são análogas a esta série de Ruff por

anunciarem a conquista do céu em termos de meio de transporte e de possibilitarem a

visualização da Terra a partir de um ponto de vista oblíquo. Em ambas as obras, há

um desejo de transpor a superfície terrestre, de ir mais além que o território conhecido

e explorado. O campo visual de um tripulante num balão é em tudo semelhante às

propostas visuais operadas por Ruff. Em L'oeil, comme un ballon bizarre se dirige

vers l'Infini, o balão é representado como um imenso olho que aponta ao céu, símbolo

de um desejo de infinito e de horizonte, “de aspirações políticas e exigências da

burguesia sobre o Continente24

” (Oettermann, 1997: 15) oitocentista. O que estava

para lá do horizonte compreendia uma esperança que podia ser alcançável através de

23

A adopção de princípios de representação rigorosa herdadas da Antiguidade Grega, nomeadamente a

partir da difusão do livro Geografia de Ptolomeu, permitiu eliminar gradualmente o ponto de vista

oblíquo da representação da Terra (herdado do período medieval) substituindo-o por uma imagem que

se aproximasse de uma visão vertical, planificada, através de um conjunto de referências e unidades

métricas como a latitude e a longitude, e que fez da grelha, uma importante estrutura paralelamente à

perspectiva. Geografia de Ptolomeu não continha dados correctos relativamente à circunferência da

Terra, o que fez com que, muitos seguidores durante a idade Média e mesmo no Renascimento

representassem mapas de um modo incorrecto (Cartwright, Gartner & Lehn, 2009: 159). 24

“[...] a symbol of the political aspirations and demands of the bourgeoisie on the Continent”.

Page 51: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

42

viagens e de mudanças, expressas por exemplo, pela conquista do Novo Mundo, a

América.

Fig. 26

Odilon Redon, L'oeil, comme un ballon bizarre se dirige vers l'Infini, litografia, 1882

Neste ponto de vista oblíquo traduzido para um mapa, na função de planificar

um espaço tridimensional, e contrariamente à planta arquitectónica que permite o

reverso que edifica, há uma relação de abismo e vertigem que se instaura, na medida

em que a sua representação não pertence a uma causalidade directa entre o sentido da

visão e o observável, é antes uma operação fora do homem, que só pode ser intuída

através da razão.

A informação veiculada nos mapas, quer seja actualmente transmitida por

satélites ou anteriormente calculada através de dados astronómicos25

(concepção de

mapas antigos), assenta sempre em representações gráficas produzidas a partir do

exterior. O homem enquanto espectador de um mapa está situado sobre a superfície,

sobre o que é observável, fazendo efectivamente parte dele; logo, quando o observa,

não vê apenas uma porção de terreno assinalado, vê-se também a ele próprio, um

espelho da sua própria condição espacial.

A partir do momento em que se, diante um dado mapa o espectador não se

conseguir situar, isto é, se ele estiver privado de meridianos, escala, isolinhas e

fundamentalmente de legenda, o mapa passa a ser ilegível, deixa de cumprir a sua real

função. Deste modo há um sentimento de inadequação que ocorre no sujeito perante o

25 Na Grécia antiga, Eratóstenes de Alexandria determinou a circunferência da Terra usando unidades

astronómicas. Os seus cálculos são muito similares às medidas actuais do Globo (Cartwright, Gartner

& Lehn, 2009: 159).

Page 52: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

43

representável que é expresso pela ideia de sublime. Como sugeriu Kant em a Crítica

da Faculdade do Juízo:

o que se deve denominar-se sublime não é o objecto, mas sim a disposição do espírito

através de uma certa representação que ocupa a faculdade de juízo reflexiva. (...)

somente pelo facto de poder também pensá-lo prova uma faculdade do ânimo que

ultrapassa todo o padrão de medida dos sentidos (1992: 145).

Esta ausência de unidades de medida ou de termos de comparação foi uma

ideia que ocorreu transversalmente em muitas obras do período Romântico. Teve na

etimologia da palavra latina sublimis, no prefixo sub, o estar acima de, elevado, e

limis, designando fronteira ou limite, a expressão para muitas das transformações e

sensações oitocentistas que obrigavam a um deslize da imaginação e que só podiam

ser expressas e intuídas pela razão. A própria ideia de viagem pelo desconhecido

transcendia o próprio homem, alargava a sua maneira de ver e sentir o mundo.

Foram as primeiras viagens de balão ou as primeiras subidas aos cumes das

montanhas (génese do alpinismo) que proporcionaram um novo enquadramento da

superfície terrestre. A exploração permitiu mapear espaços áridos ou gélidos ainda

desconhecidos que o homem não compreendia na sua totalidade, tal era a discrepância

entre ele e a natureza apresentada de forma crua. Heinrich Keller foi um dos primeiros

exploradores durante o séc. XIX a mapear as montanhas nos Alpes in loco sob a

forma de desenhos panorâmicos contendo anotações sobre as sinuosidades do terreno,

que deste modo passaram a servir propósitos topográficos e científicos.

Fig. 27

Heinrich Keller, Mapa panorâmico da vista do cume do Monte Rigi, Suíça, gravura colorida, 95x19cm,

1820.

Page 53: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

44

Sonhamos com viagens através do cosmos; mas não é o cosmos em nós? Nós não

sabemos as profundezas da nossa alma. O trajecto secreto leva para o interior.

Eternidade com os seus mundos de passado e futuro, existe tanto em nós mesmos ou

não26

(Novalis in Hartley, 1994: 140).

Ao falarmos de mapas, falamos de superfícies e planificações. No campo da

fotografia contemporânea, Marco Breuer apresenta-se como um autor que trabalha

directamente sob a superfície do papel fotográfico. É um fotógrafo de laboratório, a

câmara escura é o seu habitat; não lhe interessam por isso situações exteriores ou

figurativas da realidade. Propõe uma abordagem criativa do medium, testando os seus

próprios limites enquanto suporte. Tratando o papel fotográfico como se de um mapa

se tratasse, põe à prova a superfície, ora à acção do calor, ora à violência física, com

recurso a cisões ou a banhos químicos processados irregularmente, resultando num

conjunto de imagens irrepresentáveis, de situações limite, não só visuais como físicas.

Fig. 28 Marco Breuer, S/título (Fuse), papel tonificado, gelatina e prata, 46 x 36 cm, 1996

Esta convivência dinâmica entre Breuer e o suporte da fotografia assemelha-se

à relação que os expressionistas abstractos durante os anos cinquenta tinham com a

tela e a pintura. O gesto individual e a tensão humana sedimentada como uma

“arena27

”, livre de conexões exteriores - a não ser entre o próprio autor e a superfície

-, transcendiam a própria noção de realidade, ampliando-a. Barnett Newman em The

Sublime is Now (1948) afirma: “ Nós estamos reafirmando o desejo natural do homem

26

“We dream of journeys throught the cosmos; but is the cosmos not in us? We do not know the

depths of our soul. The secret path leads inwards. Eternity, with its worlds of past and future, exists

either within ourselves or not at all”. 27

Termo usado por Harold Rosenberg (1952) para descrever estas pinturas, disponível em The

American Action Painters.

Page 54: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

45

para a exaltação, para a preocupação com a o nosso relacionamento com as emoções

absolutas28

”. As grandes telas dos expressionistas abstractos eram receptáculos de

pulsões, diálogos entre o ser individual, o pintor, e as efemérides do mundo,

produzindo um espaço na pintura como um acontecimento performativo dominado

pelo gesto e a matéria. Esta forma de diálogo é também operada por Breuer na

produção das suas imagens fotográficas.

Fig. 29

Mark Rothko, No. 10,. Óleo s/tela, 229.2 x 146.4 cm, 1950

Se o homem oitocentista encontrava nas viagens e na natureza a sensação de

sublime, no fim da primeira metade do séc. XX, o sublime manifestava-se através da

interioridade dos autores para com a superfície do suporte, ampliando a etimologia da

palavra sublimis para uma definição próxima de transcendência ou de revelação. Ao

erradicarem qualquer figuração, forma ou espaço definido propunham na pintura uma

experiência de vazio, convidando o espectador a estados de meditação que se

assemelhavam à experiência física de observar o céu ou o horizonte a partir do cume

de uma montanha. A sensação de vertigem em altitude dava lugar à experiência em

profundidade, a estados hipnóticos resultantes de uma acumulação de camadas de

tinta que se sobrepunham, perfazendo um mapa pictórico que circunscrevia um

território próprio e individualizado.

A par do trabalho de Marco Breuer, que em muito se afasta do mimetismo e

da fidelidade do medium fotográfico, convocamos a série Lighter de Wolfgang

Tillmans. Em ambos os casos somos convocados à abstracção, ou melhor ao concreto,

28 “We are reasserting man's natural desire for the exalted, for a concern with our relationship to the

absolute emotions”.

Page 55: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

46

porque são trabalhos que fazem do uso da luz, da sua essência. Tillmans é um

fotógrafo instável, as suas diversas séries percorrem diferentes estilos nunca se

fixando em categorias pré-estabelecidas. Em Lighter, o autor recolhe-se também ele

ao espaço físico do laboratório fotográfico trabalhando directamente sobre a luz e a

cor na fotografia. As suas imagens invadem-nos através de manchas de cor brilhantes

criadas por acidente ou acaso usando apenas luz e processamento químico. A

particularidade desta série reside no facto do autor proceder a um conjunto de dobras

e vincos directamente sobre o papel fotográfico, expandindo a dimensão plana da

imagem para um território próximo da escultura ou do objecto. Ao efectuar estes

actos há uma presença efectiva do autor que é revelada sob a superfície, lembrando os

gestos de Lucio Fontana com objectos cortantes sobre tela, no seu Concetto spaziale.

Fig. 30 Fig. 31

Wolfgang Tillmans, Lighter III, 2006 Lucio Fontana, Concetto Spaziale, Attese, 1963/63

Não poderão ser estas imagens fotografias derradeiras? O termo derradeiras

usado no mesmo sentido em que Johannes Meinhardt (2005: 10) argumenta sobre a

pintura:

A Pintura Derradeira deveria ser uma pintura em que já nada haveria de não -

essencial, nada de discricionário ou arbitrário, já nada teria de exterior, sensitivo ou

material. Essa Pintura Derradeira seria uma pintura pura, que na sua essência – ou

arquétipo, ideia – seria idêntica a toda e qualquer pintura; seria simultaneamente

todas as pinturas e nenhuma pintura, [...]

Page 56: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

47

As obras de Breuer e a série de Tillmans congregam na totalidade o que faz

com que uma fotografia seja fotografia29

e não outro medium. São mapas de luz que

na evolução do termo sublime poderão coincidir com a descrição do termo

sublimação na química - a transformação de um estado sólido para o gasoso sem

passar pelo líquido.

Estas obras ao colocarem a descoberto a revelação e a essência da fotografia,

mantêm um aspecto crucial na contemporaneidade, a sobrevivência da fotografia

enquanto processo químico. Neste contexto Tillmans afirma numa entrevista30

: “Fico

sempre ciente de que é um milagre, um milagre fotoquímico. Para mim parece ser

uma dádiva ter esta tecnologia à minha disposição [...] Eu não quero perder esse

sentimento [...]” ( Tillmans in Birnbaum, 2008: 7).

Ao me apropriar anteriormente do adjectivo “derradeiras” proferido por

Meinhardt para classificar estas imagens, ressalvo a importância destas como

definição da fotografia enquanto mapa, pois todos os diferentes estilos e territórios

fotográficos poderiam estar contidos nestas mesmas imagens, em última instância,

elas são apenas luz.

Jacques Derrida (1978) no seu argumento em torno do sublime, referencia a

diferença entre o colosso e a coluna para demonstrar a antítese existente entre os

conceitos de belo e sublime. Para o autor o belo é descrito como o parergon da

coluna, isto é, é circunscrita e definida pelos seus próprios limites e contornos,

enquanto o colossal é infinito, exclui-o, não tem barreiras ou limites. Nas obras

referenciadas anteriormente, embora sejam limitadas a priori pelo suporte, pelos

eixos horizontal/vertical, a enunciação de um espaço fora do campo da perspectiva e a

ausência de aspectos figurativos da realidade que possam ser nomeados, tornam estas

imagens infinitas, não pela moldura que as circunscreve mas pela vertigem que é

accionada em profundidade. Enquanto espectadores somos convidados a mergulhar

visualmente, desamparados, como se de um buraco negro se tratasse. A experiência

29

Convidamos o leitor a consultar as afirmações proferidas nos capítulos anteriores sobre o concreto e

o contacto. 30

“I'm always aware that is a miracle, a photo-chemical miracle. To me it seems like gift to have this

technology at my disposal. [...] I won't lose that feeling [...]”.

Page 57: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

48

sublime é então “sobre a relação entre desordem e ordem e da interrupção de

coordenadas estáveis de tempo e espaço31

” (Morley, 2010:12).

Indo ao encontro desta síntese proferida por Morley sobre o sublime, Mel

Bochner desenvolveu uma série de trabalhos nos quais convoca mapas e

simultaneamente questiona o conceito de parergon de Derrida. Bochner opera por

fases: começa por fotografar uma grelha quadrangular com coordenadas iguais de

ambos os lados a partir de um ponto de vista elevado, oblíquo a 45º em relação ao

plano. O resultado é uma grelha representada em perspectiva onde as linhas

concorrem para um ponto de fuga imaginário. Na fase seguinte, o autor separa a

matéria da imagem do seu suporte, isto é, a gelatina contendo os sais de prata, do

papel, descartando o suporte e o parergon que a limita a priori, nomeando-as por fim

como silhuetas. Depois de seca, a imagem irregular, sem suporte, é refotografada e

apresentada em contexto expositivo na forma planificada.

Fig. 32

Mel Bochner, Surface Dis/Tension, 1968

Bochner ao partir de linhas que coordenam e organizam um plano, uma

grelha, similares aos meridianos existentes nos mapas, descoordena-os visualmente,

criando a ilusão de volume e reproduzindo um novo mapa a partir do espaço da

fotografia original. Esta transição da grelha para o mapa é também sinónimo da

transição do Modernismo para o Pós-Modernismo, como sugere Kim Levin:

31 “[...] about the relationship between desorder and order, and the disruption of the stable coordinates

of time and space”.

Page 58: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

49

Se a grelha é um emblema do Modernismo, como Rosalind Krauss propôs - formal,

abstracto, repetitivo, plano, ordenando, literal - um símbolo da preocupação

Modernista com forma e estilo, então talvez o mapa deva servir como um emblema

preliminar do Pós-Modernismo. Indicando territórios para além da superfície da obra

e de superfícies exteriores à arte32

( Levin in Watson: 2009: 296).

32

“If the grid is an emblem of Modernism, as Rosalind Krauss has proposed – formal, abstract,

repetitive, flattening, ordering, literal – a symbol of the Modernist preocupation with form and style,

then perhaps the map should serve as a preliminary emblem of Postmodernism. Indicating territories

beyond the surface of the artwork and surfaces outside of art”.

Page 59: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

50

CAP. IV - MAPA PARA UM LUGAR ALGURES

1.1 - Medium, espaço e sobrevivência

Mapa para um lugar algures é uma série de trabalhos que privilegiou o uso do

papel fotográfico, em ambiente fotoquímico, como gerador da própria obra.

Apresenta-se, portanto, simultaneamente como matéria e suporte, e na nossa

demonstração será simbolizado pelo elemento terra, a mater, e que, por ser uma obra

que nasce e convive a partir de uma relação material com o suporte, podemos também

caracterizar como objectual.

É um trabalho em que a tónica do processo foi relevante, pois permitiu através

da experimentação, numa dinâmica de tentativa e erro, encontrar uma directriz

processual que encadeasse o trabalho, que gerasse uma estrutura de produção que

fosse viável e que cumprisse os objectivos a que nos propunhamos.

O único local possível para a realização deste projecto foi o laboratório, em

ambiente fotoquímico. É um atelier por excelência, representa o lugar, o ponto fixo

onde ocorrem as mais variadas experiências entre o autor e a matéria fotográfica. O

convite à privacidade e à intimidade para com o espaço de trabalho, criou uma rede de

reflexões que foram influenciando o decurso do trabalho dia após dia. Se na fotografia

é suposto o sentido da visão prevalecer sobre todos os outros, a vivência permanente

no laboratório revelou-me o quão importante é o tacto, o olfacto ou a audição no

desempenho de determinadas tarefas no seu interior. Ali tudo é controlado, desde a

luz, ao tempo, até às diferentes fases de processamento químico ou ao volume de

água, são cheiros, sons e inconstâncias lumínicas que se interligam, e que fazem do

espaço uma entidade viva em permanente comunicação.

Esta coabitação entre espaço, autor e produção é manifesta de uma posição e

de uma maneira de estar perante o acto fotográfico, que se distancia do mundo

contemporâneo de produção de imagens fotográficas, assente cada vez mais no

tratamento à posteriori de ficheiros digitais que se tornaram imagens, ao invés do

trabalho manual, de relação directa para com a materialidade do suporte, e aqui, ao

Page 60: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

51

mantermos uma ligação com as folhas de papel fotográfico que contêm prata, um

metal precioso, há não só uma consciência de sobrevivência da especificidade do

medium, no que ele tem de mais vernacular, como só faz sentido que assim fosse,

dada a natureza específica dos trabalhos apresentados e propostos, como também a

manutenção de um certo sentido de aura, no que ela tem de único e de irrepetível.

Lidamos por isso com matérias preciosas (metais), em que tem que haver uma

disciplina e uma proximidade no seu trato, são entidades vivas, epidérmicas, que

apenas vivem sob ambiente controlado, e neste caso o laboratório fotoquímico não se

afasta muito da dinâmica existente num laboratório científico.

Esta cisão perante o mundo digital das imagens binárias, bem como perante os

métodos de produção artística contemporânea, assente também eles na mobilidade

permanente de produtores artísticos e obras, que dispensam a existência de um atelier

fixo, ocorre sobre a forma de uma perspectiva crítica, tentando romper com o

totalitarismo e com a normalização que o advento do digital3334

imprimiu, e que tornou

a relação com a materialidade fotográfica algo distante e asséptica. Como sugere

Regis Durand:

As imagens numéricas dão a sensação de não terem nenhuma relação com as coisas,

já que parecem delas possuir um número infinito e arbitrário. Com todas as operações

e transferências tornam-se tecnicamente possíveis, parecem anular-se, em suspensão

num vazio. A imagem numérica não tem limite nem qualquer razão orgânica. É

potencialmente monstruosa, paroxistica. É literalmente, sem limite (Durand in Séren,

2002: 30).

33 Sobre esta problemática, da sobrevivência do medium fotoquímico face ao digital, destacamos o

catálogo da exposição Film de Tacita Dean na Tate Modern em Londres, que aborda esta questão de

uma maneira universal, tendo convidado um vasto leque de autores das diversas áreas artísticas a

contribuírem com uma série de textos que abordassem este mesmo tema. Numa das intervenções o

fotógrafo Mitch Epstein declara: “O meu maior medo é que, como um meio descartado e

marginalizado corporativamente, o analógico não será mais essencial para a educação visual. Muitos

jovens não saberão a diferença entre a mão e um botão, eles só vão conhecer o botão, e o seu uso da

tecnologia será limitado pela sua ignorância do trabalho manual. Eles não vão perceber as qualidades

da fotografia óptica porque os seus olhos só vão conhecer imagem digital”33

( Epstein in Cullinam,

2011: 67). 34

“My greatest fear is that as a discarded médium and corporate outcast, analogue will no longer be

essential to visual education. Many young people will not know the difference between hand and

button, they will only know the button; and their use of technology will constricted by their ignorance

of handwork. They will not perceive the qualities of optical photography because their eyes will only

know digital imagery”.

Page 61: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

52

I II III IV

V VI VII VIII

IX X XI XII

XIII XIV XV XVI

Fig. 33

Mapa para um lugar algures [ série de 16 imagens], gelatina e prata sobre papel baritado, fotogramas,

provas únicas, 50x60 cm, 2011

Page 62: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

53

1.2 - Descrição da série

Mapa para um lugar algures apresenta-se na forma de série, perfazendo no

total dezasseis imagens. A atitude serial percorre toda a obra, quer visualmente quer a

nível de processo. Como não pretende comportar nenhuma narrativa, cada elemento

da série não é um fragmento de um todo, sendo cada unidade autónoma e indivisível.

A pré-determinação de um conjunto de fases e regras que tiveram que ocorrer,

que tiveram que ser cumpridas, é manifesta desta atitude serial, nomeadamente no que

toca ao processo. A serialidade, embora seja pautada por um conjunto de repetições,

surge aqui como um modo de instaurar e acentuar uma diferença entre cada elemento

num todo, sendo a unidade estandardizada a folha de papel fotográfico.

A matéria-prima foi trabalhada directamente, por contacto, em prol de um

rectângulo, à escala real, na relação de um para um, e que corresponde a um formato

estandardizado de 50x60cm fornecido pela industrialização do papel fotográfico.

O uso deste formato, pela sua escala e dimensão, evidencia uma relação de

compromisso indirecto para com o género do retrato, mas aqui ao invés do plano da

imagem obedecer a uma lógica de retratar alguém, esse alguém é a própria fotografia

retratada, não havendo qualquer rosto a reconhecer, apenas um turbilhão de formas

entre sombra e luz que vão do branco ao negro perfazendo uma escala de cinzentos

total.

Page 63: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

54

1.3 – Processo

Desenvolvi o trabalho em cinco fases distintas, idênticas às fases do

processamento alquímico: dissolução, filtração/separação, conjunção/fermentação,

sublimação/coagulação/cristalização e ressurreição.

Estas denominações simbólicas compreendem as diferentes fases que a

matéria adquiriu à medida que foi evoluindo no desenvolvimento do processo.

De entre a terra, o ar, o fogo e a água, houve alturas em que determinados

elementos adquiriram posturas mais relevantes que outros, umas vezes apelavam à

humidade, outras ao calor, consoante a acção e o tempo que prestavam à matéria

numa determinada fase do processo, resultando por fim numa interacção dinâmica e

poética entre os diferentes elementos.

A primeira operação, a dissolução, está simbolicamente implicada com o

conceito de “morte”. No vocabulário alquímico apresenta-se como a redução das

substâncias à matéria-prima, ao Caos, sendo simultaneamente um apagamento e um

rejuvenescimento no seio da matéria. “Não efectues nenhuma operação antes que tudo

tenha sido reduzido a Água ” (Eliade, 1987: 121). Dissolver implica a redução de um

corpo sólido a líquido, mas neste caso a folha de papel fotográfico, a mater, não

chegou a dissolver-se na verdadeira acepção da palavra; foi reconduzida à humidade

primordial, imersa numa tina com água corrente, de modo a que se desse uma

descontracção das fibras do papel, de maneira a que esta ficasse mais fluida e mole,

permitindo uma melhor manipulação numa fase posterior. Nesta fase o elemento água

foi preponderante, “ É certo e seguro que toda a Natureza era inicialmente Água, e

que pela Água todas as coisas nasceram e é igualmente pela Água que todas as coisas

devem ser destruídas ”(Goethe in Read in Eliade, 1987: 121).

Inicialmente efectuei este processo com papel fotográfico RC (resin coated),

mas rapidamente me apercebi que, por este ter uma camada de resina, plastificada,

juntamente com a prata, a sua superfície era pouco absorvente, e que só o papel de

fibra, permitiria que a água actuasse em profundidade e cobrisse todos os poros e

fibras do papel.

Page 64: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

55

A segunda fase, a filtração/separação, é a fase onde era importante eliminar o

mais possível os vestígios de água da superfície do papel, diminuindo o risco de

haver, numa fase final, pequenas gotas de água que inviabilizassem toda a operação.

Esta fase permitia posteriormente acelerar o processo de secagem. Depois de retirada

a folha da água, esta era escorrida com o auxílio de um rodo em movimentos

verticais, e as passagens necessárias para que visualmente não restassem quaisquer

resíduos de água.

Nas primeiras experiências, esta fase não era efectuada, só depois de errar e

verificar que havia sempre algumas gotas de água que não eram totalmente secas é

que me apercebi da necessidade de criar esta fase específica no processo de trabalho.

A terceira etapa, a conjunção/fermentação, é de certo modo a fase mais

importante do processo. Depois de eliminada a maior parte da água da superfície

sensível à luz do papel, este era amarrotado manualmente, corrompendo a sua

natureza bidimensional, sujeitando a superfície a um jogo de tensões e micro roturas

que eram ritmadas pelo meu próprio impulso interior. Estamos portanto, perante uma

acção performativa que visava um apagamento e uma violência sobre a superfície,

transformando a folha de papel num objecto tridimensional através de um gesto

irrepetível e único. Como salienta Bachelard, “O trabalho da massa fora do controlo

dos olhos, consiste assim em trabalhar de certa maneira a partir do interior, como a

vida. O modelador [...] não reproduz, no sentido imitativo do termo: produz.

Manifesta um poder criador” (2001: 83).

Na quarta fase, a coagulação/sublimação/cristalização, a folha de papel era

seca num secador de papel de fibra durante cerca de uma hora e, de 15 em 15

minutos, a folha era virada ao contrário de maneira a que ambos os lados do papel

tivessem a mesma distribuição de calor vindo das ventoinhas da secadora. Esta fase

não só secava a folha, como formalmente a solidificava, já que ao eliminar toda a

água por um processo de secagem a ar quente, fazia com que a superfície enrijecesse,

comprimindo as fibras do papel. “ Não só um novo elemento, o fogo, vem cooperar

para a constituição de uma matéria que já reuniu os sonhos elementares da terra e da

água, mas também, com o fogo, é o tempo que vem individualizar fortemente a

matéria” (Bachelard, 2001: 69).

Page 65: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

56

Na quinta e última etapa, a ressurreição, a folha depois de seca era ainda posta

à prova uma última vez, com um secador de cabelo, de forma a deter alguma

segurança na tentativa de secar todas as gotas de água que ainda se mantivessem e que

não tivessem sido secas no secador de papel de fibra. Posto isto, a folha de papel era

disposta na vertical diante o ampliador fotográfico, de maneira a que a fonte de luz,

vinda da vertical, se expusesse de forma rasante em relação ao plano do papel. O

ampliador era disposto à altura máxima e accionado para uma exposição à luz durante

três segundos, com o diafragma fechado a f 8, de modo a que, depois de processada

quimicamente, surgisse na folha uma escala rica de tons intermédios entre o branco e

o negro, e se assemelhasse a uma paisagem aérea, marcas de uma cartografia.

Antes de processar quimicamente a folha de papel no revelador, submergia a

folha novamente em água, de modo a que perdesse a tridimensionalidade e voltasse à

forma inicialmente plana, sendo esta uma forma de facilitar todo o processamento

químico seguinte.

1.4 - Análise

Mapa para um lugar algures é uma obra que se tornou visível, isto é concreta,

na medida em que não descende de nenhum modelo, não representa uma redução

abstracta de algo visível, tornou-se ela mesma visível pela sua própria essência e

materialidade. Ao não descender de nenhuma matriz, mas de uma construção, tornada

objecto, ela não medeia nada, não é um medium mas um objecto em si, ele próprio.

O carácter objectual que percorre esta série, tem reminiscências minimalistas, até pelo

facto de as descrever como objectos para além de fotografias, como na importância

que o espaço adquire, no posicionamento físico do espectador face às obras.

Page 66: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

57

A noção de objecto convoca para si aspectos pictóricos vindos da pintura e espaciais,

vindos da escultura, e encontramo-los unidos num todo, na argumentação de Donald

Judd no seu texto Specific Objects35

de 1966:

A utilização de três dimensões é uma alternativa óbvia. Se abre para qualquer coisa.

[...] É claramente um plano de uma ou duas polegadas na frente de outro plano, a

parede, e paralelo a ele. A relação entre os dois planos é específico, é uma forma.

Tudo [...] no plano da pintura deve ser disposto lateralmente (Judd, 1965: 181;182).

Esta preocupação com a tridimensionalidade, torna-se relevante na abordagem

de Mapa para um lugar algures, pois se por um lado, ao estarmos de frente para a

obra percepcionamos um plano bidimensional que corporiza uma fotografia, por

outro, à medida que nos deslocamos em torno da sua periferia, a própria percepção da

obra muda, há um objecto que se destaca no espaço, que sai do seu plano inicial para

o exterior, e cabe ao espectador fazer essa travessia para o apreender, e aqui é a

temporalidade do espectador que se presta à obra.

Esta dupla visão, simultaneamente bidimensional e tridimensional, é híbrida,

cria uma ilusão, um trompe l’oeil entre aquilo que percepcionarmos ser ou não

volume; se por um lado temos o recorte da luz sobre a superfície, que

ontologicamente é próprio da fotografia, por outro, temos a contracção do próprio

suporte, e no ponto onde se tocam estas duas directrizes é que a percepcionamos

enquanto objecto.

As marcas no papel que a luz se prestou a revelar funcionam como índices,

lançam pistas imediatas. Através das vicissitudes da matéria, percepcionamos que

ocorreu uma tensão, um contacto directo, fruto do simples acto de amarrotar uma

folha de papel fotográfico.

Não vemos onde foi, nem quando, apenas sabemos que um autor a executou.

Esta acção sobre a matéria personalizou-se, são as marcas do autor que se perpetuam

sobre o suporte, muito embora numa primeira leitura a pudéssemos interpretar como

um apagamento do próprio autor, pois não nos são dadas referências ou semelhanças

que nos guiem o olhar: somos jogados ao acaso e ao acidente de formas aleatórias que

35 “the use of three dimensions is an obvious alternative. It opens to anything [...] It is clearly a plane

one or two inches in front of another plane, the wall, and parallel to it. The relationship of the two

planes is specific; it is a form. Everything [...] in the plane of the painting must be arranged laterally".

Page 67: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

58

se aproximam de vestígios fósseis de um acto performativo. E aqui, deixamos o

minimalismo da folha branca, tal como nos é dada, e entramos no conteúdo da

organicidade das formas, numa possível interpretação pós-minimalista.

Margaret Iversen no seu texto Auto-Maticity36

põe em relação a diferença

entre performance e performatividade :

Peggy Phelan define a “performance” como um único e espontâneo evento no tempo

presente que não pode ser repetido ou adequadamente capturado em filme ou

vídeo.[...] performatividade, pelo contrário, sinaliza uma consciência no modo como

o gesto presente é sempre uma iteração ou repetição de actos anteriores (Iversen,

Margaret, 2010 : 15).

Esta série de trabalhos contém simultaneamente estas mesmas distinções,

porque se por um lado cada folha de papel representa o resultado de uma marca

efectuada num determinado tempo presente e que não se poderá repetir, por outro,

todo o encadeamento processual na feitura da obra é acompanhada por uma sequência

de actos conscientes, antes e depois do próprio acto em si. É o contacto directo das

mãos do autor com a superfície, que ao edificar a imagem, se substitui à máquina

fotográfica.

Fig. 34 S/Título II da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel baritado, fotograma,

prova única, 50x60 cm, 2011

36 “Peggy Phelan defines a “performance” as a unique and spontaneous event in the present tense that

cannot be repeated or adequately captured on film or vídeo.[...] “Performativity”, in contrast, signals an

awareness of the way the present gesture is always an iteration or repetition of preceding acts”.

Page 68: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

59

Esta relação directa do uso do movimento do corpo para com o suporte,

percorreu a maior parte das obras do expressionismo abstracto, em que a marca do

individualismo do autor, a sua pulsação e o seu ritmo próprio para com as

efemeridades do mundo era transportada para a tela, numa atitude romântica latente.

Também podemos percepcionar este facto neste conjunto de obras sobre papel

fotográfico.

Ao eliminar qualquer fonte de realidade descritível e ao propor uma

interioridade através do alfabeto e da linguagem fotográfica, através da sua própria

materialidade, a fotografia recolhe-se à sua própria especificidade, que conduz à

reapresentação de um seu possível grau zero. Como já referimos num dos capítulos

anteriores, são meta-imagens, concretas, que evidenciam a característica que faz de

uma fotografia uma fotografia e não outro medium qualquer, a luz.

Fig. 35 S/Título VIII da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel baritado, fotograma,

prova única, 50x60 cm, 2011

Neste sentido, ao usar apenas a luz como definidora de todo o trabalho, numa

fronteira ténue entre o fotograma e o luminograma, assume-se o conceito de concreto

na sua totalidade, até pelo facto de prescindir do uso da câmara para a criação das

imagens. Elas funcionam como provas de uma acção do autor sobre a matéria, ao

invés da fotografia tradicional, no seu compromisso clássico, de ser uma cópia

fidedigna da realidade, de algo que lhe é externo e que é resgatado para o perpetuar.

Page 69: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

60

Todos os elementos da série se apresentam sob a forma de negativos, são provas

únicas que mantêm uma relação directa com a acção efectivada sobre o suporte. Ao

serem únicas, estas imagens aproximam-se da pintura, do desenho ou da escultura:

não é a câmara que reproduz uma imagem, mas o autor que a produz.

No concreto, a questão do índice pode tornar-se subliminarmente um ícone,

pois, de um registo apenas passamos a uma analogia, a uma equivalência, porque cada

fotografia da série no seu conjunto, congrega em si o que é a fotografia num todo ou a

sua própria condição ontológica, quer no caso da tridimensionalidade fotográfica quer

na rica gama tonal que a luz imprime no papel.

Se tradicionalmente a tridimensionalidade corresponde a um resgate a partir

do exterior, perpetuada bidimensionalmente sobre um suporte, aqui, também ocorre

essa mesma translação, mas ao invés, é a própria folha de papel que é

simultaneamente o seu referente e a sua matriz.

O facto de percepcionarmos em cada elemento da série uma escala

monocromática total, do branco ao negro, rica em tons de cinza, equivale a toda a

universalidade da imagem fotográfica que apenas pode viver nesta dialéctica entre

sombra e luz, entre altas, médias e baixas luzes.

Fig. 36 S/Título XVI da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel baritado, fotograma,

prova única, 50x60 cm, 2011

Page 70: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

61

Afirmamos que o ícone é subliminar, porque é nas entrelinhas que ele se

manifesta e se apresenta, até pelo próprio facto de usarmos folhas da papel fotográfico

tradicionais que contêm em si prata e que fazem parte da história do medium

fotográfico. Há uma recordação arqueológica que é revivificada, tomada como

presente para a contemporaneidade fotográfica.

Pelo facto de haver um conjunto de etapas que foram cumpridas, afirmamos

que, no seu todo, a composição é simétrica e equilibrada, porque obedeceu a uma

ordem, a uma coordenação total de gestos e materiais pré-estabelecidos. Por outro

lado, em contraste, há um turbilhão de irregularidades e desordens quanto à forma,

que é contrabalançada pelo equilíbrio emanado pela modelação da luz, pela criação de

um claro-escuro linear que neutralizou e amenizou a tensão e a irregularidade das

formas.

Quanto ao dinamismo e ao seu movimento, cada fotografia que compõe a série

é uma obra aberta, que embora esteja limitada a um formato fechado como o

rectângulo, o seu parergon, tende a continuar para fora dele, a expandir-se. Esta

característica resultou primeiramente a partir de um resultado inverso, de um

movimento concêntrico, numa rotura com o plano, aquando da modelação da folha de

papel, que a fez diminuir de tamanho na busca de uma tridimensionalidade física.

O tempo da obra também tem características específicas: apreendemos que ele

é o resultado de uma acção, de um vestígio performativo, que marcou um

acontecimento para a posteriori. A erosão das formas é indiciadora de um tempo

interior próprio e insubstituível que se torna singular pela sua irreprodutibilidade.

O espaço é paradigmático, pois é instaurado de maneira a quebrar com a ideia

de janela do Renascimento, que ao ser subtraída das suas duas dimensões, a folha

tanto exclui o seu espaço natural como edifica ou constrói uma nova percepção do

espaço para o observador, à custa da sua própria materialidade. É um espaço

topológico virtual que se percepciona, aéreo, que ganha profundidade através da

modelação do claro-escuro, de forma linear, mas que não comporta coordenadas,

direcções ou horizonte.

Page 71: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

62

Fig. 37 S/Título VI da série Mapa para um lugar algures, gelatina e prata sobre papel baritado, fotograma,

prova única, 50x60 cm, 2011

É um Mapa para um lugar algures; há nele um desejo de infinito que

transparece na ideia de apagamento da própria folha de papel e na enunciação visual

de um espaço desconhecido. O sublime manifesta-se nesse apagamento, não há lugar

algum que possamos reconhecer. Enquanto espectadores somos convidados a explorar

uma mater que não dominamos. O mapa na sua função de informar e de nos situar

espacialmente, adquire nesta dissertação a ideia de totalizar e agrupar os conceitos de

contacto, concreto e sublime, de modo a transmitir uma ideia que esteve sempre

presente nesta dissertação: a importância da sobrevivência do medium fotográfico

enquanto processo fotoquímico.

Page 72: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

63

CONCLUSÃO

A investigação teórica desenvolvida ao longo desta dissertação procurou

responder à importância da sobrevivência do medium fotográfico enquanto

processamento fotoquímico, sendo a componente prática uma resposta possível a esta

questão.

No próprio título: Mapa para um lugar algures, há subliminarmente a

indicação deste facto, através do uso do termo mapa, que surge aqui no papel de

agregador dos conceitos presentes ao longo da investigação teórica, de modo a

ressalvar a importância da fotografia como mapa, no seu carácter de informar o que é

a fotografia na sua essência: luz e suporte fotossensível.

De facto, na contemporaneidade com o advento do digital, o suporte da

fotografia deixou de ser sensível à luz, passando a ser industrialmente de base neutra.

Este facto parece-nos importante, já que cabe aos artistas manterem o contacto com

estes processos químicos que fazem parte da história da fotografia; pois pensamos que

há ainda muitas vias por explorar, quer a nível estético quer a nível formal, e é

urgente repensar qual o papel futuro do processamento químico de imagens num

mundo tendencialmente digital e cada vez mais ideológico no sentido da indústria.

Esta questão levou-nos a abordar um encadeamento de conceitos, centrado

num primeiro momento na ideia de concreto, no modo como a Arte Concreta, o

experimentalismo fotográfico e a ciência no seu conjunto, influenciaram o decurso da

fotografia concreta, nomeadamente nas posições adoptadas na contemporaneidade por

Gottfried Jager.

Afirmámos que o concretismo fotográfico é um processo de auto examinação

e auto reflexão sobre o medium fotográfico em si e de todas as directivas processuais

que a acompanham, desde a sua base, a luz, até aos processos inerentes da

reprodutibilidade. Por ser um processo aberto, onde se sacrifica todo o carácter

icónico e simbólico que uma imagem pretenda evidenciar no seu sentido clássico,

privilegia-se principalmente a base científico - matemática e os fenómenos físicos e

químicos da luz, dando relevância ao valor de índice que uma imagem à partida revela

em termos fotográficos. Os exemplos artísticos referenciados no primeiro capítulo

Page 73: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

64

convocaram a fotografia e a Arte Concreta assim como a ciência, de forma a mostrar

a estreita relação entre elas, bem como as sinergias que daí advieram, tendo sempre

presente o domínio da luz sobre a matéria fotográfica. Lembremo-nos dos pêndulos

fotográficos de Heinrich Heidersberger, do estudo de Jules Antoine Lissajous sobre a

visualização do som ou os quimigramas de Pierre Cordier, a luz tomada de forma

directa sem intermediários.

Como referimos, factores diferenciadores entre o concreto e a abstracção na

fotografia prendem-se com o binómio produção/reprodução. A fotografia concreta ao

produzir de forma directa sobre o suporte aproxima-se de disciplinas como a pintura

ou a escultura, que fazem da prova única uma das suas singularidades. Este facto

rompe com a fidelidade mimética do medium, permitindo a adopção de estratégias

experimentais de produção de imagens fotográficas que impliquem a sua

desconstrução. Inaugurado pedagogicamente por Moholy-Nagy, o fotografar sem

câmara tornou-se relevante nos desenvolvimentos operados na escola de Chicago em

meados dos anos setenta do séc.XX, com o surgimento dos Sistemas Generativos,

possibilitando que a Fotografia Concreta fosse posteriormente legitimada por

Gottfried Jager.

No segundo capítulo afirmámos a importância do contacto na fotografia, na

relação histórica entre a cópia directa e o fotograma. Servindo-nos de vários

exemplos, alguns deles religiosos, afirmámos que a fotografia por cópia directa é a

que se situa mais próxima do espectador por não descender de nenhuma matriz

mediadora - ela nasce, quando exposta à luz, do contacto directo entre a superfície e o

próprio objecto em si, (lembremo-nos da feitura de cópias de películas fílmicas: todas

são efectuadas por contacto directo). Este facto torna-se importante pela relação que

mantém com as informações proferidas no primeiro capítulo, já que o fotograma é

para o concretismo fotográfico um dos seus pilares fundamentais, não só por fazer uso

da luz enquanto matéria mas também enquanto temática.

No terceiro capítulo desenvolvemos os conceitos de mapa e sublime,

procurando relacioná-los com a fotografia, no sentido de responder e dar conta de

exemplos de trabalhos que explorassem os limites da própria fotografia, e que nos

transportassem para terrenos desconhecidos, mantendo uma ligação à sua essência, à

luz. Foram os casos dos trabalhos de Marco Breuer ou Wolfgang Tillmans, autores

Page 74: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

65

que também exploram os conceitos anteriores de concreto e contacto, mas que aqui

procurámos pôr em relação com as temáticas vindas do expressionismo abstracto,

com a personalização directa da matéria, enquanto forma de transcendência, não só

dos autores como do próprio medium fotográfico. O conceito de mapa não só agrega

os conceitos discutidos anteriormente, como faz a analogia com a componente prática.

O resultado da série apresentada é não só um mapa no sentido de ser uma perspectiva

aérea, que faz do suporte a sua mater e o seu lugar fotográfico, como também, dado o

facto de ter sido produzida por contacto directo, pelas mãos do autor sobre a matéria e

o resultado ser apenas revelado pelo concreto da luz, permitindo-nos afirmar que a

componente prática foi ao encontro da investigação teórica que a susteve e que

procurámos responder ao longo desta dissertação.

Futuramente continuaremos nesta linha de intenções, procurando ligar a

fotografia com fenómenos da física e da natureza, com especial atenção para a

particularidade do som nos instrumentos de corda. De que modo é que poderemos

visualizar o som em termos gráficos, que alterações de frequência e modelação

ocorrem graficamente quando pressionada determinada nota musical, como captá-las

através do fotograma. A pesquisa teórica para a presente dissertação levou-nos ao

encontro do trabalho de Jules Antoine Lissajous, no seu estudo sobre a visualização

do som, que será uma das primeiras referências a abordar em futuros trabalhos de

investigação artística.

Page 75: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

66

BIBLIOGRAFIA

AAVV

(1990) Arte Abstracto/ Arte Concreto, Paris, Cercle et Carré. Valência: Ivam Centre Julio González,

Institut Valencia d Art Modern, 1990, pp. 439.

BACHELARD, Gaston

(1989) [1937] La Psychanalyse du feu. Paris [A Psicanálise do Fogo. ( trad. Maria Isabel Braga)

Lisboa: Litoral Edições, Colecção Estudo, 1989; 121 pp.].

(2001) [1948] La Terre et les Rêveries de la Volonté. Paris [A Terra e os Devaneios da Vontade,

Ensaio Sobre a Imaginação das Forças. ( trad. Maria Ermantina Galvão) São Paulo: Martins

Fontes Editora, 2ª edição, 2001; 317 pp.].

BARTHES, Roland

(2009) [1980] La Chambre Claire ( Note sur la photographie), Paris. [A Câmara Clara - Nota

sobre Fotografia. ( trad. Manuela Torres) Lisboa: Edições 70, 2009; 141 pp.].

BAZIN, Andre e GRAY, Hugh

(1960) The Ontology of the Photographic Image [Em linha], California: University of California

Press, Film Quarterly, Vol.13, Nº4, (Verão, 1960); pp. 4-9, disponível em:

<http://www.jstor.org/stable/1210183>, consultado em: 07/06/2009 11:07.

BENSE, Max

(1975) [1968] Klein Aesthetik – Einfuehrung in Probleme und Resultate der Informationsaesthetik

[Pequena Estética. ( trad. Haroldo de Campos e J. Guinsburg) São Paulo: Editora Perspectiva

S.A. , Colecção Debates, nº 30, 2ª edição, 1975; 237 pp.].

BIRNBAUM, Daniel

(2008) “At the point…”, in Wolfgang Tillmans – Lighter, Ostfildern: Hatje Cantz Verlag, 2008; pp.7-

9.

BLANK, Peter P.

(1990) The Impact of Personal and Cultural Bias on the Literature of Cameraless Photography:

Difficulties in the Literature Search and the Librarian's Response [Em linha], Illinois: The

University of Chicago Press, Art Documentation: Journal of the Art Libraries Society of

North America, Vol. 9, No. 2 (Verão, 1990); pp. 96-100, disponível em:

<http://www.jstor.org/stable/27948206>, consultado em: 28/07/2010.

BOCHNER, Mel

(2002) Mel Bochner Photographs, 1966-1969. New Haven e Londres: Yale University Press, 2002;

186 pp.

BREUER, Marco

(2007) Early Recordings. New York: Aperture Foundation, 2007; 57pp.

CAPRETTINI, G.P.

(1994) “Imagem” in AAVV, Enciclopédia Einaudi,vol. 31, Signo. [trad. João Dionísio, coord.

Fernando Gil]. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Edição Portuguesa, 1994,

pp. 177–200.

CARTWRIGHT, W., GARTNER, G., LEHN, A. (ed.)

(2009) Cartography and Art, Lecture Notes in Geoinformation and Cartography. Alemanha, Berlin,

Heidelberg: Springer – Verlag, 2009; pp. 385.

CORDIER, Pierre

(1982) A New Approach to Lensless Photography [Em linha], Cambridge, Massachusetts: The MIT

Press Journal, Leonardo, vol.15, Nº4 (Outono, 1982), pp. 262-268, disponível em:

<http://www.jstor.org/stable/1574733>, consultado em 17/12/2009 12:12.

Page 76: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

67

(2007) Le Chimigramme - Pierre Cordier – The Chemigram. Bruxelas: Éditions Racine, 2007,

pp. 253.

CULLINAN, Nicholas (ed.)

(2011) Tacita Dean Film, Londres: The Unilever Series, Tate Publishing, 2011; pp. 143.

DELEUZE, Gilles

(1972) L’ Anti – Oedipe, Capitalisme et Schizophrénie, Paris. [Mil Planaltos, Capitalismo e

Esquizofrenia 2. (trad. Rafael Godinho) Lisboa: Assírio e Alvim, 2007].

DERRIDA, Jacques

(1978) “Parergon” in The Sublime - Documents of Contemporary Art. Whitechapel Gallery London,

Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2010; pp. 41 – 46.

DIARMUID, Costello e IVERSEN, Margaret (ed.)

(2010) Photography After Conceptual Art. Reino Unido: Association of Art Historians e Wiley-

Blackwell, 2010; 200 pp.

DOESBOURG, Theo Van

(1990) [1930] “Art Concret “ in Arte Abstracto/ Arte Concreto, Paris, Cercle et Carré. Valência:

Ivam Centre Julio González, Institut Valencia d Art Modern, 1990, pp. 70 – 75.

ECO, Umberto

(2000) [1968] La Definizione dell Arte, Milão. [A Definição da Arte. (trad. José Mendes Ferreira)

Lisboa: Edições 70, Colecção Arte e Comunicação, 2000; 281 pp.].

ELCOTT, Noam M.

(2008) Darkened Rooms: A Genealogy of Avant-Garde Filmstrips from Man Ray to the London Film-

Makers' Co-Op and Back Again [Em linha], Cambridge, Massachusetts: The MIT Press

Journal,Grey Room, Nº 30 (Inverno, 2008), pp. 6-37, disponível em:

http://www.jstor.org/stable/20442782, acedido em: 11/11/2010.

ELIADE, Mircea

(1987) [1956] Forgerons et Alchimistes, Paris. [Ferreiros e Alquimistas. ( trad. Carlos Pessoa)

Lisboa: Relógio de Água, Colecção Antropos, 1987; 176 pp.].

FLUSSER, Vilém

(1986) Comments on “Generative Photography: A Systematic Constructive Approach" [Em linha],

Cambridge, Massachusetts: The MIT Press Journal, Leonardo, Vol. 19, Nº 4, 1986; pp. 357,

disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1578398> acedido em: 04/12/2009 12:05.

FRADE, Pedro Miguel

(1992) Figuras do Espanto, a Fotografia Antes da sua Cultura. Porto: Edições Asa, Colecção

Argumentos Pensamento Contemporâneo, 1992; 239pp.

HARTLEY, Keith

(1994) The Romantic Spirit in German Art 1790 – 1990. Reino Unido, Londres: Thames & Hudson,

1994; 504 pp.

HEIDERSBERGER, Heinrich

(1997) Rhythmogramme, Museum fur Konkrete Kunst Ingolstadt, 1997; 58pp.

HEGEL, G.W.F.

(1952) [1816] Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie, Berlin. [ Introdução à História da

Filosofia ( trad. António Pinto de Carvalho), Coimbra: Ed. Arménio Amado, Colecção

Studium, Temas Filosóficos, Jurídicos e Sociais, 1952; 152 pp.].

Page 77: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

68

JAGER, Gottfried

(1986) Generative Photography: A Systematic, Constructive Approach [Em linha], Cambridge,

Massachusetts: The MIT Press Journal, Leonardo, Vol.19, Nº1, 1986; pp. 19-25, disponível

em: <http://www.jstor.org/stable/1578296>, consultado em: 07/06/2009 11:37.

(2005) “Concrete Photography”, in Concrete Photography, Bielefeld, Kerber Verlag, 2005; pp.15 –

27.

(2005b) “Was ist Konrete Fotografie? / What is Concrete Photography?” in European Photography

26, nº77, Verão de 2005; pp. 3 - 12

JAGER, Gottfried (ed.)

(2002) The Art of Abstract Photography. Estugarda: Arnoldsche Art Publishers, 2002; 319 pp.

JAGER, Gottfried, KRAUSS, Rolf e REESE, Beate (ed.)

(2005) Concrete Photography. Bielefeld: Kerber Verlag, 2005.

JUDD, Donald

(1965) Donald Judd: The Complete Writings 1959-1975. Canadá, Nova Escócia: The Press of the

Nova Scotia College of Art and Design, 2005; 240 pp.

KANT, Immanuel

(1992) [1790] Kritik der Urteilskraft. Leipzig. [ Crítica da Faculdade do Juízo. ( trad. António

Marques e Valério Rohden) Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Série Universitária

– Clássicos de Filosofia, 1992; 473 pp.].

KELLER, Corey (ed.)

(2009) Brought to Light - Photography and the Invisible, 1840-1900, New Haven e Londres: Yale

University Press, 2009; 217pp.

KENNA, Margaret

(1985) Icons in Theory and Practice: An Orthodox Christian Example, History of Religions [Em

linha], Chicago: The University of Chicago Press, Vol. 24, Nº 4, (Maio, 1985); pp. 345-368,

disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1062307>, Consultado em: 06/06/2011 13:33

KRAUSS, Rosalind

(1977) On the Index: Seventies Art in America [Em linha], Cambridge, Massachusetts: The MIT

Press, October, Vol. 3 (Primavera, 1977); pp. 68-81, disponível em:

<http://www.jstor.org/stable/778437>, consultado em: 09/03/2010 17:52

(2006) [1999] “Reinventar o medium: Introdução à Fotografia” in Fotografia na Arte de ferramenta a

paradigma. Colecção de Arte Contemporânea Público Serralves nº6. Fundação de

Serralves/Jornal Público, 2006; pp.152 – 162.

MAIA, Tomás

(2009) Assombra – Ensaio sobre a origem da imagem, Lisboa: Assírio & Alvim, 2009; 188 pp.

MARIN, Louis

(1993) Frontiers of Utopia [Em linha], Chicago: The University of Chicago Press,

Critical Inquiry, Vol. 19, Nº 3 (Primavera, 1993), pp. 397-420, disponível em:

<http://www.jstor.org/stable/1343958>, acedido em: 27/12/2010 09:42

MEINHARDT, Johannes (ed.)

(2005) Pintura Abstracção Depois Da Abstracção. Colecção de Arte Contemporânea Público

Serralves nº5. Fundação de Serralves/Jornal Público, 2005;

NAGY, László Moholy

(1993) Peinture, photographie, filme et écrits sur la photographie, Nîmes. [Pintura, Fotografia, Cine

y otros escritos sobre fotografia. ( trad. castelhana de Gonzalo Velez e Cristina Zelich)

Barcelona: Editorial Gustavo Gilli S.A., 2005; 270 pp.].

Page 78: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

69

MORLEY, Simon (ed.)

(2010) The Sublime - Documents of Contemporary Art. Whitechapel Gallery London, Cambridge,

Massachusetts: The MIT Press, 2010.

NEUSUSS, Floris

(1997) Nachtstucke Fotogramme 1957 bis 1997. Colónia: Rheinland – Verlag GmbH, 1997; 159 pp.

NEWMAN, Barnett

(1948) “The Sublime is Now” in The Sublime - Documents of Contemporary Art. Whitechapel

Gallery London, Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2010; pp. 25 – 27.

NIETZSCHE, Friedrich

(1997) [1878] O Nascimento da Tragédia (1878 3ºedição)e Acerca da Verdade e da Mentira (1873) –

Volume I, Lisboa, Relógio D’Água Editores, Junho de 1997

OETTERMANN, Stephan

(1997) The Panorama : History of a Mass Medium. New York: Zone Books, 1997; 420 pp.

OSBORNE, Harold

(1979) “Concrete art and the repudiation of artifice” in Abstraction and Artifice in Twentieth –

Century Art. Reino Unido, Londres: Claredon Press, Oxford University Press, 1979; 163 –

180 pp.

PLATÃO

(1987) [IV a.C.] Πολιτεία, Atenas. [ A República ( trad. Maria Helena da Rocha Pereira), Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção Textos Clássicos, 5º edição, 1987; 511pp.].

(2003) [IV a.C.] Timeu (trad. Maria João Figueiredo), Lisboa: Instituto Piaget, Colecção Pensamento

e Filosofia, nº 101, 2003; 159 pp.

READ, Herbert

(1990) [1937] “The Faculty of Abstraction” in AAVV, Arte Abstracto/ Arte Concreto, Paris, Cercle

et Carré. Valência: Ivam Centre Julio González, Institut Valencia d Art Modern, 1990, pp.

208 -210.

RUFF, Thomas

(2011) Thomas Ruff, What's Next? [Em linha], Amesterdão: Foam Magazine, disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=C6zvhpwOLWY consultado em 04/09/2012.

SCHAEFFER, Jean-Marie

(1996) [1987] L” image précaire – Du dispositif photographique, Paris. [A Imagem Precária: Sobre o

Dispositivo Fotográfico. ( trad. Eleonora Bottmann) Campinas – São Paulo: Papirus Editora,

Colecção Campo Imagético, 1996; 215 pp.].

SCHAEFFER, Pierre e Frank J. Malina

(1972) A Conversation on Concrete Music and Kinetic Art [Em linha], Cambridge, Massachusetts:

The MIT Press Journal, Leonardo, Vol. 5, Nº 3 (Verão, 1972); pp. 255-260, disponível em:

http://www.jstor.org/stable/1572388, consultado em 04/12/2009.

SERÉN, Maria do Carmo

(2002) Metáforas do Sentir Fotográfico. Porto: Centro Português de Fotografia/MC, Teorias e

Práticas 01, 2002; 186 pp.

SHERIDAN, Sonia Landy

(1983) Generative Systems versus Copy Art: A Clarification of Terms and Ideas [Em linha],

Cambridge, Massachusetts: The MIT Press Journal, Leonardo, Vol. 16, Nº 2, 1983; pp.103-

108, disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1574794>, consultado em: 04/12/2009 12:03

Page 79: MAPA PARA UM LUGAR ALGURES - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/8456/2/ULFBA_TES 563.pdfi RESUMO Mapa para um lugar algures é uma dissertação teórica – prática que afirma

70

(1990a) Image Generation Survey: Light [Em linha], Cambridge, Massachusetts: The MIT Press

Journal, Leonardo, Vol.23, Nº 2/3, New Foundations: Classroom Lessons in

Art/science/Technology for the 1990s, 1990; pp.273-274, disponível em:

<http://www.jstor.org/stable/1578621>, consultado em: 04/12/2009 12:06

(1990b) Mind/Senses/Hand: The Generative Systems Program at Art Institute of Chicago 1970-1980

[Em linha], Cambridge, Massachusetts: The MIT Press Journal, Leonardo, Vol.23, Nº 2/3,

New Foundations: Classroom Lessons in Art/science/Technology for the 1990s, 1990;

pp.175-181, disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1578602>, consultado em:

04/12/2009 12:00

SOBRAL, Luis de Moura

(1986) “ Uma Santa Face desconhecida do Greco no Palácio da Ajuda e a questão da liberalidade da

pintura”, in Colóquio artes, revista trimestral de artes visuais, musica e bailado, Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, nº69, Junho de 1986; pp. 5 – 13.

TILLMANS, Wolfgang

(2008) Lighter, Ostfildern: Hatje Cantz Verlag, 2008; 400pp.

TALBOT, Henry Fox

(1844) The Pencil of Nature [Em linha], Reino Unido, Londres: The Project Gutenberg Ebook,

Ebook nº 33447, 2010; 90pp. , disponível em : <http://www.gutenberg.org>,

consultado em: 2/10/2012.

TOURNIER, Michel

(1986) [1978] Les Sudaires de Véronique, Paris.[ Fotografia. (trad. Júlio Henriques) Coimbra: Ed.

Casa Matilde Urbach, 1986; 29pp.].

VICENTE, Mercedes

(2004) “Qué es abstracto?”, in Exit nº14 – Abstracción, Madrid, 2004, pp. 40 – 52

WATSON, Ruth

(2009) Mapping and Contemporary Art [Em linha], The British Cartographic Society,The

Cartographic Journal Vol. 46 Nº 4 pp. 293–307, Art & Cartography Special Issue, Novembro

2009, disponível em: http://www.academia.edu/491148/Mapping_and_Contemporary_Art,

consultado em: 1/3/2011.