mão de deus ao leme - ec

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Introdução 1 OSantuario.com.br Site de conteúdo teológico sobre o tema do santuário. INTRODUÇÃO Em meio às densas selvas que cobrem o território oriental peruano, ouve-se murmúrio de um pequeno regato, serpeando despretensiosamente a imensa floresta. Aquele córrego, em seu tímido esforço, abrindo caminho em mero a uma exuberante vegetação tropical, parece por vezes prestes a desaparecer absorvido pela terra sedenta. Mas contornando sucessivos obstáculos, o arroio avança aumentando gradualmente o ímpeto de sua corrente. Alimentado ao longo do seu curso por pequenos tributários, o córrego se transforma progressivamente em caudaloso rio, conhecido pelo nome de Solimões. Cruzando a linha divisória que separa o Brasil do Peru, o Solimões segue seu curso natural, aprofundando seu leito, alargando suas margens e ampliando seu caudal. Recebendo as águas de um considerável número de afluentes, o Solimões se transforma no exuberante Amazonas, um dos maiores rios do mundo. Do crescimento do pequeno arroio nas selvas peruanas e sua surpreendente transformação no caudaloso Amazonas, podemos derivar uma analogia relacionada com a história do adventismo. Em seus primórdios, o adventismo se resumia em um inexpressivo pugilo de piedosos estudantes das profecias, sobreviventes do naufrágio milerita. Em seus anos formativos parecia demasiado tênue, prestes por vezes a desaparecer, vítima do escárnio, zombaria e desdém de seus adversários. Mas sob a poderosa compulsão do Espírito Santo, aqueles homens e mulheres de fé lograram transformar um tímido e vacilante começo em caudaloso movimento profético.

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Page 1: Mão de Deus ao Leme - EC

Introdução 1

OSantuario.com.br Site de conteúdo teológico sobre o tema do santuário.

INTRODUÇÃO

Em meio às densas selvas que cobrem o território oriental peruano,

ouve-se murmúrio de um pequeno regato, serpeando despretensiosamente a imensa floresta. Aquele córrego, em seu tímido esforço, abrindo caminho em mero a uma exuberante vegetação tropical, parece por vezes prestes a desaparecer absorvido pela terra sedenta. Mas contornando sucessivos obstáculos, o arroio avança aumentando gradualmente o ímpeto de sua corrente. Alimentado ao longo do seu curso por pequenos tributários, o córrego se transforma progressivamente em caudaloso rio, conhecido pelo nome de Solimões. Cruzando a linha divisória que separa o Brasil do Peru, o Solimões segue seu curso natural, aprofundando seu leito, alargando suas margens e ampliando seu caudal. Recebendo as águas de um considerável número de afluentes, o Solimões se transforma no exuberante Amazonas, um dos maiores rios do mundo.

Do crescimento do pequeno arroio nas selvas peruanas e sua surpreendente transformação no caudaloso Amazonas, podemos derivar uma analogia relacionada com a história do adventismo. Em seus primórdios, o adventismo se resumia em um inexpressivo pugilo de piedosos estudantes das profecias, sobreviventes do naufrágio milerita. Em seus anos formativos parecia demasiado tênue, prestes por vezes a desaparecer, vítima do escárnio, zombaria e desdém de seus adversários. Mas sob a poderosa compulsão do Espírito Santo, aqueles homens e mulheres de fé lograram transformar um tímido e vacilante começo em caudaloso movimento profético.

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Introdução 2 Neste livro analisaremos o surpreendente crescimento e

organização da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Veremos como este movimento, assim como as águas murmurantes de um arroio em seus começos, guiado pela mão divina, se transformou em poderoso complexo eclesiástico internacional.

Vê-lo-emos, página após página, avançar triunfante, malgrado os sucessivos e inúmeros obstáculos que se levantaram em seu caminho.

O leitor não encontrará em suas páginas um panegírico emotivo da Igreja, ou uma ardente apologia de suas doutrinas, mas sim uma análise contextual do ambiente em que surgiu o adventismo no Século XIX, e uma apreciação das razões históricas e proféticas que justificaram suas origens, desenvolvimento e consolidação.

Embora procurando usar de inteira imparcialidade e justiça na apreciação dos eventos e na análise da contribuição dada ao movimento por seus fundadores, o autor admite a possibilidade de haver exaltado com demasiado entusiasmo a obra realizada pelos pioneiros. O leitor, entretanto, saberá compreender com espírito indulgente, que o livro foi escrito por alguém que, educado dentro da filosofia adventista, jamais lograria divorciar-se de suas raízes para produzir uma obra absolutamente imparcial.

A idéia da publicação deste livro surgiu na mente de minha esposa, e contou com sua dedicada cooperação e análise crítica. Coube-lhe não apenas a tarefa monótona e cansativa de datilografar os originais e conferir as notas bibliográficas, mas também ocupar-se no esforço por simplificar a linguagem, tornando-a menos técnica e mais acessível aos leitores não afeitos à terminologia própria do jargão teológico.

Oxalá o Senhor encha de bênçãos o coração de todos quantos lerem este livro, levando-os a uma clara compreensão da origem e missão da Igreja Adventista, infundindo-lhes fé e confiança em sua mensagem e destino.

O autor

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Introdução 3

PREFÁCIO Uma definição corriqueira ensina que história é o relatório dos

eventos ocorridos. Obviamente apenas os eventos que têm significado em relação à vida e existência da humanidade fazem história.

Este é um livro de história, mas a história encontrada nele não é meramente o relato de eventos humanos, porque a história da Igreja Adventista do Sétimo Dia é a história de como Deus Se relaciona com o povo que há de cumprir Seu propósito em relação aos últimos eventos que ocorrerão neste mundo.

No contexto da Revelação, a história sempre serviu de fundamento e apoio para os apelos divinos no sentido de que o povo deveria exercer completa confiança em Deus.

Uma significativa porção das Escrituras Sagradas se compõe de relatos históricos que funcionavam para o Israel literal e funcionam para o Israel espiritual, como lembrete de que o Deus que interveio nos eventos passados é poderoso e capaz de ajudar e conduzir os destinos da geração presente.

Uma filosofia cristã da história forçosamente levará o investigador sincero a se encontrar com Deus, que em última instância é o verdadeiro Arquiteto da história da humanidade.

"Nos anais da história humana o crescimento das nações, o levantamento e queda de impérios, aparecem como dependendo da vontade e façanhas do homem. O desenvolver dos acontecimentos em grande parte parece determinar-se por seu poder, ambição ou capricho. Na Palavra de Deus, porém, afasta-se a cortina, e contemplamos ao fundo, em cima, e em toda a marcha e contramarcha dos interesses, poderio e paixões humanas, a força de um Ser todo misericordioso, a executar, silenciosamente, pacientemente, os conselhos de Sua própria vontade." – Educação, pág. 173.

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Introdução 4 Infeliz é o povo que perde a memória de suas origens, e a Igreja

Adventista não pode esquecer sua história. É olhando para o passado que a igreja do presente renova sua confiança na certeza de que o Movimento Adventista não é um movimento de feitura humana, mas que foi provocado pela ação de Deus num cumprimento incontestável das profecias dos livros de Daniel e Apocalipse.

No ano de 1915, pouco antes de sua morte, Ellen G. White escreveu este testemunho de fé: "Ao recapitular a nossa história passada, havendo revisado cada passo de progresso até ao nosso nível atual, posso dizer: Louvado seja Deus! Ao ver o que Deus tem realizado, encho-me de admiração e de confiança na liderança de Cristo. Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado, e os ensinos que nos ministrou no passado." – Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 443.

A história dos organismos religiosos ensina que a terceira geração de membros enfraquece a textura do movimento, porque perde contato com os fundamentos cridos e defendidos pelos país pioneiros.

Alguns dos movimentos liberalizantes que se desenvolveram entre os adventistas em nossos dias, revelam que muitos estão perdendo contato com as razões e os fundamentos de nossa fé, e isso nos diversos campos de ação da Igreja: educação, administração, doutrinas e mesmo missão do Adventismo. Esta atitude tem destruído em muitos a confiança na presente atuação de Deus em relação a Sua Igreja, acenando-lhes com um futuro incerto e especulativo.

Este livro que a Igreja Adventista acaba de receber aqui no Brasil, da pena erudita de um de seus mais nobres pensadores, é de molde a estabelecer confiança sem reservas na autenticidade divina do Movimento Adventista.

O Dr. Enoch de Oliveira, filho de um dos pioneiros da página impressa no Brasil, busca no passado o argumento da história para

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Introdução 5 iluminar as sendas das realizações presentes da Igreja. Assim, pois, o livro que você tem em mão é um livro de fé.

No momento em que muitos preferem palmilhar a senda das dúvidas, estribados na teologia do ''Se" e num racionalismo especulativo, o autor, num estilo rico e exuberante, esbanja certeza e lealdade, fé e confiança nos marcos inamovíveis das verdades adventistas.

A Igreja de Deus não está em crise. Em crise estão alguns que silenciosa ou audivelmente, velada ou publicamente, por razões pessoais, preferem se distanciar da estabilidade confortadora que a Igreja lhes oferece. Abandonam a segurança da arca de Deus para se aventurarem nas ideologias incertas do oceano das especulações humanas.

Começando com os primeiros lampejos da alvorada milerita, o autor conduz o pensamento do leitor através de todo o processo histórico da maturação doutrinária e organizacional da Igreja Adventista; a geração dos pioneiros desaparece e novos líderes surgem; inimigos profetizam o aborto do embrião adventista; movimentos dissidentes prometem esfacelar a unidade da fé pela influência de homens poderosos na arte de argumentar; livros e revistas surgem como esponjas impregnadas do veneno da incredulidade e amargura; mas todos esses eventos apenas servem para dar à Igreja de Deus a maturidade plena e para que a árvore do advento mais aprofunde suas raízes no solo do estudo da Palavra de Deus.

O autor demonstra que a história das realizações dos pioneiros, dos movimentos opositores, da reestruturação organizacional, da ação resoluta de líderes do passado e do presente, ergue diante do mundo a inquestionável certeza de que "a mão de Deus está fazendo girar o teme".

Queira Deus que cada leitor, ao passar por estas páginas de testemunhos da história, possa ouvir, acima do elegante estilo, dos nomes e fatos mencionados, a voz de Deus afirmando-lhe uma vez mais: "Minha Mão Está ao Leme. "

Joel Sarli

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Introdução 6

E A TERRA AJUDOU A MULHER

"E a terra ajudou a mulher; e a terra abriu a sua boca, e tragou o rio que o dragão lançou de sua boca." Apocalipse 12:16

Ocorreu no dia 14 de fevereiro de 1556. A catedral de Oxford, na

Inglaterra, regurgitava de sacerdotes e prelados. Entre eles destacava-se a figura serena de Tomás Cranmer, respeitado arcebispo de Canterbury, primaz da Inglaterra, prestes a ser degradado de sua elevada investidura eclesiástica.

Uma enervante expectativa dominava os religiosos reunidos naquele histórico encontro. A cerimônia teve o seu início quando os representantes papais vestiram o arcebispo com uma réplica barata dos hábitos episcopais, com os seus coloridos ornamentos e dignidades eclesiásticas. O ritual foi solene e impressionante. As insígnias e os símbolos lhe foram arrancados um após outro em uma cerimônia carregada de dramatismo e emoções. A veste talar e o manto litúrgico que lhe foram tirados. Sua cabeça, embora pronunciadamente calva, foi raspada. O óleo da unção foi simbolicamente removido de suas mãos. E quando afinal destituído de todas as dignidades inerentes ao seu elevado ofício, ouviu-se uma voz grave e solene repercutindo dentro das arcadas do grande santuário. Era o Bispo Bonner anunciando o fim do humilhante ritual. Cranmer havia sido degradado. Todos os vestígios de sua autoridade eclesiástica foram removidos.

Este desusado melodrama, entretanto, foi apenas o prelúdio de um episódio mais intenso, acorrido um mês mais tarde. Submetido arbitrariamente a uma cruel tortura mental, Cranmer assinou sem convicção um documento no qual "confessava" suas heresias e se retratava dos seus "desvios teológicos''.

Levado depois a uma outra cerimônia especial na igreja de Santa Maria, a fim de confessar publicamente seu "extravio espiritual" e

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Introdução 7 exortar os "hereges" a abandonar os seus "maus caminhos", surpreendeu a todos quando anunciou sua firme determinação de jamais violar a consciência, renunciando convicções cristalizadas.

"Esta mão que assinou o documento contendo a minha confissão deverá ser a primeira a ser consumida nas chamas do fogo inquisidor", declarou solenemente. E acrescentou: "Rejeito o papa por ser inimigo de Cristo.... Rejeito-o por seus falsos dogmas. No tocante aos sacramentos..." Seu discurso foi abruptamente interrompido e sua voz abafada por outras vozes que se uniram em um protesto histérico e satânico. Arrastado pela multidão para fora do santuário, foi depois condenado pelos tribunais da igreja. Com um heroísmo reconhecido pelos próprios verdugos, sucumbiu em meio às labaredas crepitantes de mais uma criminosa fogueira ateada pela intolerância medieval.

Aquela mão, entretanto, não merecia ser destruída pelo fogo, pois foi responsável pela redação do Book of Commum Prayer (Livro da Oração Comum), um dos clássicos da literatura cristã, usado pela igreja na Inglaterra em seus serviços litúrgicos.

Cranmer foi mais um mártir entre milhões imolados no altar da intolerância religiosa, vítimas da coerção e do arbítrio. Pereceu porque ousou levantar a voz contra o dominante abastardamento da fé cristã.

O cristianismo vivia então um período sombrio de sua história. O evangelho pregado por Cristo e Seus apóstolos se havia contaminado nas fontes poluídas do paganismo. Embora professando aceitar a Jesus como o Filho de Deus e crer em Sua morte e ressurreição, os cristãos em sua maioria perderam de vista a malignidade do pecado e não mais sentiam necessidade da graça redentora do evangelho. O germe da idolatria produzia sua obra funesta. Dogmas, ritos supersticiosos e cerimônias de origem pagã se introduziram no seio da igreja, incorporando-se à fé dos professos seguidores de Cristo.

A pena inspirada, com notável veemência, descreve as condições espirituais daqueles idos, dizendo:

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Introdução 8 "Prevaleciam a fraude, a avareza, a libertinagem. Os homens não

recuavam de crime algum pelo qual pudessem adquirir riqueza ou posição. Os palácios dos papas e prelados eram cenários da mais vil devassidão. Alguns dos pontífices reinantes eram acusados de crimes tão revoltantes que os governadores seculares se esforçavam por depor esses dignitários da igreja como monstros demasiado vis para serem tolerados no trono. Durante séculos não houve progresso no saber, nas artes ou na civilização. Uma paralisia moral e intelectual caíra sobre a cristandade."2

Sobre a igreja apóstata ondeava o negro estandarte de Satanás. Em vão protestaram grupos minoritários contra os desvios da igreja, e reclamavam reformas vigorosas tendo em vista a restauração da "fé que uma vez foi dada aos santos". Suas vozes, entretanto, eram sempre reduzidas ao silêncio pela maioria inconversa, apoiada na força esmagadora dos números.

Unindo-se ao Estado em um conúbio adulterino, Roma passou a empregar o braço secular no manejo das armas temporais, tendo em vista calar os fiéis porta-estandartes do evangelho apostólico. Desencadeou-se então uma perseguição brutal, obstinada e sem quartel contra os fiéis, inconformados com as aberrações pagãs introduzidas no seio do cristianismo.

Este despotismo religioso se inspirou no pensamento de Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo medieval, também chamado Doutor Angélico, que com argumentos discutíveis defendeu a pena de morte para os "hereges", os "corruptores da fé cristã".3

Inocêncio III (1198-1216), cujo pontificado se destacou pela vileza de caráter, do regaço de seu absolutismo, instituiu o execrável tribunal da "Santa Inquisição", e apregoou a sangrenta extirpação das minorias dissidentes, insatisfeitas com os desvios e corrupções da igreja.

Percebendo as intenções sangüinárias de Roma, milhares buscaram refúgio nos vales, nas cavernas das montanhas, nos lugares ermos e solitários. Cumpria-se o vaticínio inspirado: "A mulher [igreja] fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante mil e duzentos e sessenta dias."4

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Introdução 9 Traduzindo a determinação daqueles fiéis exilados, Ellen G. White

escreveu: ''Estavam decididos a manter sua fidelidade a Deus, e preservar a

pureza e simplicidade de fé. Houve separação. Os que se apegaram à antiga fé, retiraram-se; alguns, abandonando os Alpes nativos, alçaram a bandeira da verdade em terras estrangeiras; outros se retraíram para os vales afastados e fortalezas das montanhas, e ali preservaram a liberdade de culto a Deus."5

Preocupado em manter a "unidade da fé", Inocêncio III decretou o extermínio dos albigenses, que insistiam num culto espiritual, sem o uso de crucifixos. Como resultado, no sul da França, cidades inteiras foram destruídas e seus habitantes passados à espada. Seguindo instruções de Roma, atrocidades inomináveis foram também perpetradas pelo Duque de Alba, com as minorias cristãs dos Países Baixos. O número dos que foram executados, segundo Gibbon, durante um curto reinado de terror, excedeu em muito o número de mártires, no espaço de três séculos, no Império Romano.

"As barbaridades cometidas entre o saque e ruínas de cidades esfaimadas e abrasadas vão quase além do que se pode crer; criaturas eram arrancadas do ventre dos corpos vivos de suas mães; mulheres e crianças violadas aos milhares, e populações inteiras queimadas e espatifadas pelos soldados, por todos os meios que podia imaginar a crueldade em seu engenho diabólico."6

Nos anais da crueldade humana, ocupam um lugar saliente a impiedosa tempestade de sangue que se abateu sobre a Franca na noite de 24 de agosto de 1572, a trágica noite de São Bartolomeu. Milhares de cristãos despertados de seu tranqüilo sono e arrastados para a rua, foram brutalmente assassinados. Nobres e campesinos, homens idosos, mulheres inermes e até crianças foram juntamente torturados e exterminados a sangue frio. As vítimas são variavelmente calculadas de dez a cem mil. O violento ataque, consumado com inconcebível fúria, suscitou uma onda de horror, espanto e indignação. A hierarquia religiosa, entretanto, celebrou o selvagem genocídio com aclamações festivas.

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Introdução 10 "Quando as notícias do massacre chegaram a Roma, a exultação entre

o clero não teve limites. O cardeal de Lorena recompensou o mensageiro com mil coroas; o canhão de Santo Ângelo reboou em alegre salva; os sinos tangeram em todos os campanários; fogueiras festivas tornaram a noite em dia; e Gregório XIII, acompanhado dos cardeais e outros dignitários eclesiásticos, foi, em longa procissão, à igreja de São Luís, onde o cardeal de Lorena cantou o Te Deum. ..."7

Com efeito, Roma se mostrava embriagada "com o sangue dos santos e o sangue das testemunhas de Jesus".8 O tribunal do Santo Ofício, criado por Inocêncio III por decisão do Concílio de Tolosa, além de haver inspirado crudelíssimas perseguições, sentenciou à morte Henrique Voes, Wishart, Hamilton, Latimer, Cranmer, Huss, Jerônimo, Savonarola e muitos outros piedosos líderes religiosos. Os ''autos-de-fé'' sufocaram num oceano de sangue todos os intentos de preservar a pureza e a simplicidade de fé que caracterizaram a igreja cristã primitiva.

Indiferente aos crimes hediondos cometidos contra os direitos humanos, Roma parecia empenhar-se com redobrado vigor em sua sanha perseguidora. "E a serpente [Satanás] lançou de sua boca atrás da mulher [igreja] água como um rio, para que pela corrente a fizesse arrebatar."9 Por intermédio do despotismo eclesiástico, Satanás intensificou a seu furor assassino, arremessando poderosas cruzadas (água como um rio) que, com violência e atrocidades sem conta, pretendiam extirpar a "heresia". E milhares, "dos quais o mundo não era digno'', sucumbiram regozijando-se por serem contados dignos de sofrer pela causa da verdade.

"Se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria",10 disse o Senhor em Seu sermão profético. Malgrado a "grande tribulação'', a igreja de Cristo permaneceu imbatível. O calabouço, a tortura, o patíbulo, a forca e a fogueira foram insuficientes para dissuadi-los de sua lealdade para com Deus e sua consciência. Embora ultrajados, cobertos de infâmia, estigmatizados como a escória do mundo, permaneceram firmes "como vendo o invisível''.11 Deus, porém, em Sua misericórdia para com Seu povo, abreviou o tempo de sua terrível prova.

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Introdução 11 "E a terra ajudou a mulher [igreja] e tragou o rio que o dragão

lançara de sua boca."12 Com os triunfos da Reforma do século XVI, as cruzadas movidas contra os eleitos de Deus, perderam o seu ímpeto original. Multiplicaram-se os defensores da verdadeira fé. Com o triunfo protestante logrado na Alemanha, Suíça, Holanda, Noruega e Suécia, o poder perseguidor de Roma ficou circunscrito dentro de uma jurisdição mais limitada. E as multidões, vítimas da intolerância, opressão e arbítrio, buscaram refúgio nas terras conquistadas pela Reforma, onde foram recebidos afetuosamente e tratados com dignidade e ternura.

A revolução religiosa, então em marcha, proporcionou à Inglaterra as condições indispensáveis para a implantação de uma religião nacional. A supremacia papal foi rejeitada e em seu lugar o rei se entronizou como cabeça da igreja. Porém, muitos costumes e cerimônias de origem romana permaneceram incorporadas ao seu culto. Gradualmente, o direito de cada cidadão adorar a Deus segundo os ditames de sua própria consciência passou a ser ignorado. O monarca passou a exigir que todos os cidadãos aceitassem os dogmas e a liturgia formulados pela igreja oficial.

"Foi proibido ao povo, sob pena de pesadas multas, prisão e banimento, assistir a qualquer reunião religiosa exceto às que eram sancionadas pela igreja. As almas fiéis que não podiam abster-se de se reunir para adorar a Deus, eram obrigadas a reunir-se nas ruas escuras, em sombrias águas-furtadas e, em certas estações, nos bosques à meia-noite. ... Muitos sofreram pela fé. As cadeias estavam repletas. As famílias eram divididas. ... Contudo, Deus estava com Seu povo, e a perseguição não conseguia fazer silenciar-lhes o testemunho."13

Durante o reinado de Tiago I (1603-1635), muitos líderes religiosos dissidentes foram perseguidos, lançados no recesso de sombrias masmorras e afinal executados. João Greenwood, dirigente de um grupo chamado "Pais Peregrinos'', pagou com o sangue sua inconformidade com os resquícios de idolatria existentes no culto oficial. Seus seguidores perceberam então que "a Inglaterra estava deixando de ser para sempre um lugar habitável".14 Com surpreendente arrogância o rei declarou sua

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Introdução 12 disposição de fazer com que os dissidentes "se conformassem ou... oprimi-los-ia para saírem do país, ou farra coisa pior" 15

A ameaça era séria. Urgiam medidas acauteladoras. Vislumbrando dias sombrios, os "Pais Peregrinos'' decidiram, com o seu pastor, João Robinson, cruzar o Canal da Mancha, e se estabelecer nas terras livres da Holanda, território conquistado pela Reforma.

Posteriormente planejaram cruzar as águas do Atlântico, tendo em vista alcançar as praias da América do Norte, onde sonhavam estabelecer "uma igreja sem papa e um Estado sem rei''.

Simultaneamente com os movimentos da Reforma na Europa, os navegadores ibéricos, percorrendo ''mares nunca dantes navegados'', descobriram o Novo Mundo. Deus, em Seus insondáveis desígnios, estava preparando um outro lugar de refúgio para a "mulher", Sua igreja, então afligida pela espada inclemente a serviço do arbítrio.

Depois de três anos de planejamento, os peregrinos pareciam preparados para iniciar a grande viagem através do Atlântico. Em uma velha embarcação, chamada Speedwell, no dia 22 de julho de 1620, começaram a heróica aventura. Quando, tangidas pelos ventos, as velas se enfunaram, entre lágrimas, orações e cantos de louvor a Deus, expressaram sua determinação de seguir rumo ao ocidente, com o propósito de acender no Novo Mundo a chama da liberdade.

Não tardaram, entretanto, a concluir que o velho barco no qual iniciaram a viagem não oferecia segurança suficiente para o cruzeiro marítimo. Decidiram pois, em Plymouth, Inglaterra, tomar um outro barco, o Mayflower, com o qual deram continuidade à grande epopéia em direção ao desconhecido. Eram ao todo 102 passageiros, iniciando no dia 6 de setembro de 1620, a segunda etapa do extenso itinerário. Dois passageiros adicionais foram acrescentados ao grupo – bebês que nasceram durante a viagem.

Depois de uma tormentosa aventura que durou sessenta e sete dias, o Mayflower ancorou junto ao litoral do novo continente, em um dia hibernal de novembro. Antes de desembarcarem com as suas Bíblias,

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Introdução 13 hinários, roupas e poucos objetos de uso pessoal, firmaram um documento histórico – o Pacto do Mayflower, reconhecido posteriormente como autêntica Carta Magna de liberdade, uma extraordinária declaração de princípios que pavimentou o caminho para a implantação dos ideais democráticos, baseados na separação do Estado e a Igreja.

O desembarque ocorreu no início de um rigoroso inverno, com suas inclementes tempestades de neve. O longo período vivido a bordo de uma pequena embarcação deixou-os fisicamente debilitados, suscetíveis à pneumonia, tão comum naqueles idos, durante a estação hibernal. Como resultado, dos 104 peregrinos, 54 morreram durante o primeiro ano. As mulheres foram as que mais sofreram. Somente cinco, entre as dezoito esposas, lograram sobreviver. Houve momentos em que apenas sete colonos mostraram-se fisicamente em condições de cuidar dos demais enfermos.

Com o advento da primavera, as perspectivas se tornaram mais brilhantes. Puderam então se dedicar à caça, pesca e à colheita de frutas silvestres. A plantação de milho produziu bons resultados. A construção das casas foi acelerada e as relações com os índios, que a princípio se caracterizaram pela hostilidade, se tomaram cordiais e pacíficas.

Guilherme Bradford, descrevendo as impressões vividas durante aquela transição de estações, assim se expressou:

"Passado o inverno, todas as coisas se apresentaram com o aspecto de haverem sido aportadas pelas tormentas. O país inteiro, cheio de bosques e matagais, oferecia um panorama selvagem. Se olhássemos para trás, víamos o oceano rugidor que havíamos atravessado e que agora significara a barreira e o abismo separando-vos do mundo civilizado. ... Quem nos poderá suster agora senão o Espírito de Deus e Sua graça?"16

Apesar das enormes e comoventes perdas sofridas, aqueles bravos peregrinos celebraram ao fim do primeiro ano, nas terras livres da América, um culto de ação de graças a Deus pelo privilégio de adorá-Lo segundo os ditames de sua consciência, sem apreensões ou temores. Aquela celebração foi o embrião de uma festividade que passou a integrar a tradição americana ao comemorar oficialmente, cada ano, na

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Introdução 14 última quinta-feira do mês de novembro, o Dia de Ação de Graças, fonte de ''toda a boa dádiva e de todo dom perfeito" 17

Oito anos mais tarde os "puritanos", acossados também pelas perseguições religiosas no Velho Mundo, à semelhança dos peregrinos, emigraram para a América.

"Por milhares saíram os quacres, da Inglaterra, ande centenas deles tinham sido encarcerados e muitos tinham sofrido martírio. Nos Estados de Nova Jersey, Delaware e Pensilvânia, fundaram cidades prósperas em meio de ternas fertilíssimas a cujo cultivo se dedicaram, sob as garantias de uma liberdade que não tinham conhecido em sua pátria. Como outorgassem esta liberdade a outras pessoas, isto atraiu muitos imigrantes. Luteranos, menonitas, morávios, etc. Vieram também huguenotes da França, especialmente depois da revogação do edito de Nantes por Luís XV, em 1685."18

Com efeito, mais uma vez ''a terra ajudou a mulher'' (igreja) propiciando-lhe refúgio e segurança em momentos de angústia e tribulação.

Quando os peregrinos partiram da Holanda rumo às praias da América, João Robinson, seu pastor, impedido de acompanhá-los, em um memorável discurso de despedida, assim se expressou:

"Irmãos: Em breve havemos de separar-nos, e só o Senhor sabe se viverei para que de novo veja o vosso rosto. Mas, seja qual for a divina vontade, conjuro-vos perante Deus e Seus santos anjos que não me sigais além do que eu haja seguido a Cristo. Se Deus vos revelar algo mediante qualquer outro instrumento Seu, sede tão prontos para recebê-lo como sempre fostes para acolher qualquer verdade por intermédio de meu ministério; pois estou seguro de que o Senhor tem mais verdade e luz, a irradiar de Sua Palavra." 19

João Robinson parecia intuir os grandes planos de Deus para Sua Igreja.

Após a espessa noite medieval, despontou a Reforma inaugurando um esplendente amanhecer. "Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito."20 Deus haveria de iluminar Sua Igreja com todo o Seu fulgor, restaurando as

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Introdução 15 verdades que a apostasia medieval ocultou entre as sombras de seu sistema religioso. A luz do Céu haveria de incidir sobre a igreja em forma gradual e constante "até ser dia perfeito". Sim, Robinson se expressou corretamente quando declarou: "... O Senhor tem mais verdades e luz a irradiar de Sua Palavra."

Uma nova nação estava sendo gestada por um povo heterogêneo, procedente de muitas nacionalidades. Embora representando diferentes línguas e culturas, inspirava-os um sentimento comum – o amor à liberdade. A Bíblia era para eles "o fundamento da fé, a fonte da sabedoria e a carta da liberdade. Seus princípios eram diligentemente ensinados no lar, na escola e na igreja, e seus frutos se faziam manifestos na economia, inteligência, pureza e temperança".21 Emergia no mundo ocidental uma nova sociedade saturada de fé e impregnada de fervor religioso. Com aptidão e engenho o futuro de uma grande nação estava senda moldado. Uma Providência vigilante preparava o berço para o nascimento de um movimento profético.

Transcorreram várias décadas, e entre os descendentes dos colonizadores da América, forjadores de uma nova nacionalidade, ocorreu um extraordinário reavivamento de interesse em torno das profecias de Daniel e Apocalipse. O estudo destes dois livros reacendeu a chama da fé no segundo advento de Cristo. Como resultado do direto estudo das profecias, centenas de clérigos e milhares de fiéis foram agitados pela convicção de que Cristo estava prestes a Se manifestar em poder e grande glória.

E enquanto prosseguiam esquadrinhando as profecias, viram suas conclusões confirmadas em um evento insólito que, para eles, significou o cumprimento inequívoco das palavras de Jesus em Seu sermão profético: "E lago depois da aflição daqueles dias, o Sol escurecerá, e a Lua não dará a sua luz."22

Foi no dia 19 de maio de 1780, quando, entre as dez e onze horas da manhã, o sol perdeu gradualmente o seu fulgor natural, suscitando

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Introdução 16 justificadas apreensões e temores. Referindo-se àquele estranho fenômeno, R. M. Devens escreveu:

"Talvez o fenômeno mais misterioso e inexplicado de sua espécie na vasta sucessão de acontecimentos da Natureza, durante o último século, tenha sido o dia escuro de 19 de maio de 1780... que provocou intenso alarme e tônico em milhares de mentes, e confusão nas próprias criaturas brutas, rendo fugido as galinhas desorientadas para os seus poleiros, os pássaros para os seus ninhos, e os animais para as suas dependências. Com efeito, milhares de pessoas daquele tempo se convenceram de que tinha chegado o fim de todas as coisas terrestres."23

Outro grande e surpreendente acontecimento ocorreu no dia 13 de novembro de 1833, quando um feérico espetáculo de "fogos de artifício" siderais, foi testemunhado por milhares de pessoas, principalmente na costa leste dos Estados Unidos. Os piedosos estudantes das profecias identificaram na "chuva de estrelas fugazes" as Palavras proféticas de Jesus: "...e as estrelas cairão dos céus".24

"Durante algumas horas, o firmamento de todos os Estados Unidos esteve em ígnea comoção. Nenhum fenômeno celeste ocorreu jamais neste país desde o seu início que terna sido contemplada com tão intensa admiração por certa classe de pessoas ou com tanto terror e pânico por outras. . . . Durante suas três horas de duração, pensava-se que o dia do juízo estava apenas aguardando o nascer do sol." 25

Com profundo e reverente temor, associaram aquela ''chuva meteórica" com a exortação do Senhor: "Quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para cima e levantar as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima."26 Cristalizava-se assim o ideal da esperança adventista.

E esta "terra" livre que, em cumprimento dos oráculos divinos ofereceu à "mulher" proteção e abrigo, passou a testemunhar a marcha triunfal de uma caravana de arautos da "bem-aventurada esperança", fiéis precursores da proclamação mundial da tríplice mensagem angélica.

Referências: 1. Frederick A. Norwood, Great Moments in Church History, pág. 87.

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Introdução 17 2. Ellen G. White, História de Redenção, pág. 334. 3. Summa Theologica Secunda Secundae, QUOEST X, Art. 11, e XI, Art. 3. 4. Apocalipse 12:6. 5. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 64. 6. Motley, Rise of the Dutch Rep. II, pág. 504, citado por E. C.

Pereira em Problema Religioso da América Latina, pág. 92. 7. Henry White, O Massacre de S. Bartolomeu, citado por Ellen G.

White em O Grande Conflito, págs. 272, 273. 8. Apocalipse 17:6. 9. Apocalipse 12:15.

10. Mateus 24:22. 11. Hebreus 11:27. 12. Apocalipse 12:16 13. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 252. 14. J. G. Palfrey, História da Nova Inglaterra, citado por Ellen G.

White em O Grande Conflito, pág. 290. 15. George Bancroft, História dos Estados Unidos de América,

citado por Ellen G. White em O Grande Conflito, pág. 290. 16. História de Nossa Igreja, editado pelo Departamento de

Educação da Associação Geral, pág. 127. 17. Tiago 1:11. 18. Marcelo I. Fayard, Liberdade Religiosa, págs. 98, 99. 19. Ellen G. White, O Grande Conflito, págs. 291, 292. 20. Provérbios 4:18. 21. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 296. 22. Mateus 24:29. 23. R. M. Devens, Our First Century, págs. 89, 90, citado por Uriah

Smith em As profecias do Apocalipse, pág. 100. 24. Mateus 24:29. 25. R. M. Devens, Our First Century, págs. 89, 90, citado por Uriah

Smith em As profecias do Apocalipse, pág. 103. 26. Lucas 21:28.

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Introdução 18

O MEU VENTRE FICOU AMARGO

"E tomei o livrinho da mão do anjo e comi-o; e na minha boca era doce como mel; e, havendo-o comido, o meu ventre ficou amargo."

Apocalipse 10:10. Com pinceladas magistrais, o profeta Isaías pinta um quadro

marcado pelo contraste entre a supremacia de Jeová e a inutilidade dos deuses cultuados pelo paganismo. Enquanto o Deus de Israel conduz Seu povo com demonstrações de poder, os impotentes deuses das nações vizinhas são conduzidos por seus adoradores. O profeta não esconde um sentimento de surpresa e pesar ao descrever a fragilidade desses deuses, levados como peças de arte no dorso de animais cansados.

"... os seus ídolos são postos sobre os animais, sobre as bestas; as cargas de vossos fardos são canseira para as bestas já cansadas.

"... assalariam o ourives, e ele faz um deus, e diante dele se prostram e se inclinam. Sobre os ombros o tomam, o elevam e o põem no seu lugar; ali está, do seu lugar não se move; e, se recorrem a ele, resposta nenhuma dá, nem livra alguém de sua tribulação."1

Mas, em contraste com os deuses do paganismo, cujos braços permanecem inertes até serem destruídos pala ação devastadora do tempo, Jeová Se manifesta como o "Deus vivo", que com "mão forte e poderosa'' dirige Seu povo em consonância com os Seus insondáveis propósitos e soberanos desígnios.

"Ouvi-me, ó casa de Jacó... ; vós a quina trouxe nos braços desde o ventre.... eu vos levarei, e eu vos trarei, e vos guardarei."2

Com o Seu "braço forte'' Deus liberou o povo de Israel do jugo faraônico e o guiou através do deserto à terra prometida; suscitou João Batista para conduzir na Judéia uma obra precursora, anunciando o advento do Messias; iluminou a mente dos reformadores que precipitaram a revolução religiosa do século XVI, e através dos tempos, preparou o cenário para o surgimento do movimento adventista.

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Introdução 19 Estes e outros momentosos acontecimentos anunciados pelos

antigos videntes, revelam de maneira eloqüente uma "Presença Invisível" efetivando Seus planos na História.

Com efeito, através da revelação Deus projetou liberar Seu povo da tirania egípcia. Consoante a narrativa, após "os quatrocentos e trinta anos, naquele mesmo dia, todos os exércitos do Senhor saíram do Egito."3

Nos agitados tempos herodianos, quando a Judéia não passava de simples província sujeita aos arbítrios de Roma, quando Israel se mostrava humilhado, sem rei e sem esperanças, a mão de Deus na História se fez evidente na obra realizada por João Batista, com sua vibrante e poderosa proclamação: "Arrependei-vos e convertei-vos, porque é chegado o reino dos Céus."4

Interpelado pela multidão inquieta, "Quem és tu?", respondeu com as palavras proféticas: "Sou a voz do que clama no deserto: endireitai o caminho do Senhor....

"Este é Aquele que vem após mim, que foi antes de mim, do qual eu não sou digno de desatar a corteja da alparca."5

O ministério de João Batista foi o cumprimento de uma obra anunciada pelos oráculos divinos e ele entendeu a natureza de sua missão e a origem divina do seu chamado.

A Reforma conduzida com ardor e bravura por Lutero e seus associados, no amanhecer do século XVI, foi também um movimento de origem profética. A mão invisível que conduz o timão da História, moveu o braço de Lutero, ao pregar na porta da igreja de Wittenberg as noventa e cinco teses que precipitaram a reforma religiosa que mudou a corrente da História.

"Se aqueles dias (1.260 dias) não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaría'',6 profetizou Jesus referindo-Se ao espírito de intolerância que haveria de estremecer o mundo durante o sombrio período medieval.

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Introdução 20 Com os triunfos da Reforma, a tirania de Roma foi atenuada. Os

pregadores da justificação pela fé lograram êxito em sua obra e os fundamentos da estrutura escolástico-medieval foram abalados. Como conseqüência dos avanços da Reforma, a intolerância religiosa ficou circunscrita dentro de um território mais limitado.

O movimento adventista que nasceu no século XIX, foi também um movimento profético. Guiado pela mão da Providência, despontou a fim de restaurar o fervor adventista que se havia eclipsado como resultado das cavilações dos utopistas que, esposando idéias pós-milenialistas, anunciavam o triunfo da civilização cristã sobre os poderes confederados da impiedade.

Embora as profecias de Daniel relacionadas com a História, desde a Idade de Duro de Babilônia até o colapso do Império Romano, fossem interpretadas sem maiores dificuldades pelos investigadores do Sagrado Livro, havia uma cortina que em suas dobras ocultava o significado dos acontecimentos que haveriam de ocorrer entre o IV Império e a volta de Cristo. Falando sobre este nebuloso período profético, disse o anjo ao vidente:

"Quanto a ti, Daniel, guarda isto secreto, e conserva este livro lacrado até o tempo final. Muitos daqueles que a ele recorrerem verão aumentar-se seu conhecimento."7

E os séculos se arrastaram nesta irreversível sucessão de dias e noites. Alvoreceu a era cristã. Sobre a terra desceu a negra noite medieval. Despontou exuberante a Reforma. Entretanto, importantes predições de Daniel permaneciam obscuras, desafiando a argúcia dos exegetas através dos séculos.

No Apocalipse, onde estão registradas profecias concomitantes e complementárias ao livro de Daniel, encontramos uma expressiva visão concedida ao vidente de Patmos. Entre a sexta e a sétima trombeta, João viu um quadro expressivo e pleno de significado: "E vi outro anjo que descia do céu... e tinha na mão um livrinho aberto."8

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Introdução 21 Com efeito, o livro de Daniel, selado durante séculos, começou a

ser gradualmente aberto por piedosos investigadores da Palavra. No fim do século XVIII surgiram em muitos lugares qualificados estudantes das Escrituras, esforçando-se por dissipar os mistérios da profecia que por tantos séculos permaneceram velados á igreja.

M. Ludlum destaca a ênfase que caracterizou este período, dizendo: "No afã de entender os planos de ação de Deus, homens piedosos

voltaram-se para as Escrituras; nos livros de Daniel e Apocalipse encontraram não somente uma explicação satisfatória para a impiedade prevalecente, mas também um fundamento teológico para combater os males então existentes.

"No fim do século muitos livros dedicados à exegese bíblica, procedentes das editoras da Nova Inglaterra (costa teste dos Estados Unidos) foram amplamente divulgados. Embora divergentes em pequemos detalhes, todos coincidiam na interpretação de que 'os tempos proféticos' haviam chegado, e que a situação presente representava o Reino de Infidelidade anunciado pela profecia, e que a segunda vinda de Cristo e o início do milênio eram iminentes."9

Na Europa e na América Latina surgiram também extraordinários pensadores que, investigando as profecias de Daniel, chegaram a conclusões notavelmente coincidentes. Cumpria-se em forma inequívoca o vaticínio que anunciava para ''o fim do tempo'' a abertura do livro selado.

Os que se dedicaram ao estudo das profecias relacionadas com a segunda vinda de Cristo, embora conscientes da advertência divina de que ''daquele dia e hora ninguém sabe",10 consideraram não haver inconvenientes em calcular o ano do Seu retorno.

Em consonância com este parecer, os estudiosos no Velho e Novo mundos chegaram à conclusão de que a profecia dos 2.300 anos, cuja término haveria de acorrer na primeira parte do século XIX, marcaria a intervenção de Cristo nos destinos do mundo. A expectativa de tal acontecimento motivou em muitos países a publicação de um dilúvio de

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Introdução 22 manuscritos, e inspirou a criação de um expressivo número de sociedades para o estudo das profecias.

O fervor adventista naqueles idos é apropriadamente sintetizado nas palavras de P. A. Damsteegt:

"Primeiramente, a ênfase sobre escatologia... ocorreu na Europa, mais tarde chegou à América. Muitos que participaram nestes estudos convenceram-se de que a volta de Cristo e o dia do juízo estavam iminentes e inaugurariam o milênio – uma concepção teológica conhecida com o premilenialismo."11

Escrevendo sobre este despertar adventista que se inspirou no estudo das profecias de Daniel, Francis D. Nichol assim se expressou:

"Em nenhuma parte foi aquele despertamento mais precioso, mais definidamente organizado ou mais dramaticamente levado a um clímax que na América. Neste país o pregador mais preeminente foi Guilherme Miller, e por isso o movimento do advento no hemisfério ocidental é geralmente conhecido como milerismo."12

Após haver dedicado dois anos ao estudo intensivo das Escrituras, lendo e comparando as visões de Daniel e Apocalipse, Miller chegou à seguinte conclusão:

"Em 1818, ao término dos meus dois anos de estudo das Escrituras, cheguei à solene conclusão de que, em aproximadamente vinte e cinco anos a partir de então, todos os assuntos relacionados com o presente cessarão."13

Analisando a declaração profética "até 2.300 tardes e manhãs e o santuário será purificado",14 comparando diferentes textos, ele concluiu que a "purificação" em referência haveria de ocorrer em qualquer tempo em 1843, quando então a Terra seria purificada pela presença divina.

Nas próprias palavras de Miller encontramos uma descrição do efeito que tal interpretação produziu em sua alma.

"Não preciso dizer da alegria que inundou meu coração em vista da feliz perspectiva, ou da ardente ansiedade de minha alma pela participação das alegrias dos redimidos. A Bíblia era agora um novo livro para mim. Foi realmente uni festival de bom senso; tudo o que me era nebuloso, místico ou obscuro em seus ensinos, foi dissipado de minha mente diante da luz clara que agora se revelara de suas páginas sagradas; e, oh! quão brilhante e

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Introdução 23 gloriosa se manifestava a verdade!... Minhas conclusões se consolidaram e comecei a aguardar, vigiar e orar pela vinda do meu Salvador."15

Miller levou a milhares, a esperança que iluminou seu coração. Multidões por toda a parte se alegraram com a confortadora certeza de que em breve os justos seriam galardoados, e as aflições do ''presente século" haveriam de desaparecer para sempre.

A princípio a pregação de uma data definida para a segunda vinda de Cristo sofreu grande oposição. Entretanto, com o transcurso do tempo a tendência de se estabelecer uma data específica se foi cristalizando e afinal passou a ser aceita por quase todos.

Ao se aproximar o ano de 1843, Miller e alguns fiéis colaboradores revisaram os cálculos e fizeram notar que o "ano judaico de 1843'' finalizava em 21 de março de 1844. Valendo-se do calendário caraíta e da cronologia de William Hales, concluíram que os 2.300 anos finalizariam em 21 de março de 1844. Posteriormente estes cálculos foram revisados por Samuel Sheffield Snow. Tomando em consideração que o decreto para " restaurar e edificar Jerusalém"16 foi promulgado na última parte do ano 457 AC, Snow concluiu que os 2.300 dias proféticos terminariam no outono de 1844. Em uma carta dirigida a Southard, assim se expressou:

"... Se então, as 69 semanas terminaram no outono de 27 DC, quando podemos esperar o fim dos 2.300 dias? A resposta é clara. Ao subtrair 483 de 2.300, o resultado é 1.817. No outono de 27 DC, restavam esses anos para serem cumpridos. Adicionando então a essa data, estes 1.817 anos, concluímos que isto nos leva ao outono de 1844."17

À medida que se aproximava o mês de outubro de 1844, crescia o fervor na proclamação da "bem-aventurada esperança". Tal mensagem produzia por toda parte intenso júbilo e piedosa expectativa. Vivendo profundas e indescritíveis emoções, os mileritas aguardaram no dia determinado o aparecimento triunfal e glorioso de Jesus. Mas o sol se pôs naquela tarde e Ele não veio. Esperaram até a meia-noite e a esperança não se cristalizou.

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Introdução 24 Com efeito, o livro cuja mensagem era "doce como o mel",18

tornou-se demasiado amargo para os fiéis naqueles idos. "Nossas mais caras esperanças e expectações foram esmagadas" – escreveu posteriormente Hiram Edson. "E um tal espírito de pranto nos sobreveio como nunca havíamos experimentado antes.... Choramos e choramos até o alvorecer."19

A prova de fé e paciência havia sido esmagadora. Com ansiosa expectativa aguardavam a gloriosa manifestação de Cristo. Mas o tempo anunciado passou e o Salvador não veio. Milhares, vencidos pelo escárnio, renunciaram á "bem-aventurada esperança". Mas, os fiéis e sinceros tomaram o Livro de Deus e, examinando-o, cobraram ânimo e renovaram a esperança ao ler as palavras do profeta:

"Porque a visão é aluda para o tempo determinado, e até ao fiar falará, e não mentirá. Se tardar, espera-o; porque certamente virá, não tardará."20

Milhares que participaram da amarga experiência de 1844, desalentados, voltaram às suas igrejas de origem. Porém, um grupo de piedosos investigadores da Bíblia, encontrou na Inspiração palavras de estímulo à perseverança na fé adventista:

"Não abandoneis, portanto, a vossa confiança; ela tem grande galardão. Com efeito, tendes necessidade de perseverança, para que, havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa. Porque, ainda dentro de pouco tempo, aquele que vem virá e não tardará; todavia, o meu justo viverá pela fé; e: Se retroceder, nele não se compraz a minha alma. Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição; somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma."21

Nestes e outros textos os remanescentes adventistas encontraram o conforto necessário para suportar as críticas e a zombaria de um mundo irreverente e escarnecedor. Com que fervor esquadrinharam o Livro divino! "Muitas vezes" – escreve a Sra. White, "ficamos juntos até tarde da noite, e por vezes durante a noite inteira, orando por luz e estudando a Palavra."22

Neste espírito de súplica e piedosa investigação das Escrituras, emergiu triunfante o movimento adventista. Deus estendeu Sua mão com

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Introdução 25 redobrada graça e poder. Como divino Oleiro, após o amargo desapontamento, Deus ajuntou os fragmentos, remodelou o corpo de Sua Igreja, iluminou-a com novas revelações de Sua vontade e a ergueu com a força do Seu braço, para guiá-la na proclamação do "evangelho eterno", "a toda nação, tribo, língua e povo".23

Os pioneiros adventistas não começaram um movimento religioso animados pelo simples propósito de introduzir uma nova dissidência no seio do cristianismo. Não se inspiraram na orientação teológica ou carismática de um homem. Sentiram-se parte integrante de um movimento profético suscitado pela mão de Deus para proclamar dentro do contexto do "evangelho eterno" a chegada da "hora do juízo".24

Na história do cristianismo encontramos o registro da obra de fé conduzida por homens inflamados por uma consumidora paixão pelas almas.

São Gregório (257-331 DC) levou a chama sagrada da fé cristã à antiga Armênia. Fremêncio (ca. 300-ca.360 DC), com notável espírito de renúncia, levou as luzes do evangelho á Etiópia. São Patrício (Século VI) proclamou na Escócia o poder redentor do evangelho. Francisco Xavier (1506-1552) se ocupou com a evangelização no Oriente. Lutero (1483-1546), Calvino (1509-1564) e outros reformadores na Europa proclamaram com valor e audácia a doutrina da justificação pela fé (sola fide). Guilherme Carey (1761-1834) dedicou-se por completo à pregação do evangelho na Índia. Adoniram Judson (1788.1856) consagrou a vida à proclamação da fé na Birmânia. Hudson Taylor (1832-1905) levou à China o evangelho da cruz. Poderíamos adicionar outros nomes mais a esta lista de heróis da fé, proclamadores das boas novas do evangelho.

Entretanto, nenhum deles jamais pregou que a hora do juízo havia chegado. Para eles o juízo divino era um acontecimento futuro.

Quando, porém, ao fim dos 2.300 anos, o cronômetro profético anunciou haver chegado a hora do juízo, Deus suscitou extraordinários mensageiros para iniciar esta poderosa proclamação, e com eles despontou o movimento adventista, "vitorioso e para vencer''.

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Introdução 26 Aplicando-se ao estudo das Escrituras em busca da verdade,

descobriram os próceres do adventismo que o cristianismo se havia apartado da "fé que uma vez foi dada aos santos''. Esta conclusão os levou à restauração do ''evangelho eterno'' e à proclamação da fé apostólica em sua pureza prístina.

Quando o Dr. J. E. Brown, presidente da "Brown University" e do "International Christian Fellowship", publicou a primeira edição de sua obra acerca das "seitas", foi interrogado por que não incluíra os adventistas. Em outra edição desta mesma obra, deu a seguinte resposta:

"Em todas as doutrinas cardeais da Bíblia – a concepção milagrosa, o nascimento virginal, a crucifixão, a ressurreição, a ascensão, a divindade de Cristo, a expiação, a segunda vinda, a personalidade do Espírito Santo e a infalibilidade da Bíblia – os Adventistas do Sétimo Dia permanecem firmes como o aço.''25

Agora, conscientes de sua missão profética,26 os adventistas conduzem um vibrante e vitorioso programa internacional, convidando homens e mulheres de todas as nações a repudiarem tudo quanto é falso e espúrio em crenças e práticas religiosas. Aos que respondem favoravelmente à mensagem adventista, uma voz declara em expressões de gozo: "Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus.''27 Quando esta obra estiver concluída, o mundo contemplará a volta do Filho do homem com uma foice aguda para ceifar a terra.28

Há alguns anos tive o privilégio de viajar durante cinco dias em uma pequena lancha a serviço do programa médico-missionário no rio Amazonas. Contemplando o caudaloso rio, vendo-o arrastando em sua impetuosa torrente gigantesca árvores e enormes ilhas flutuantes, não pude conter minha admiração ao reflexionar sobre a potência do motor que impulsionava a embarcação contra o avassalador ímpeto da correnteza.

E enquanto acompanhava o movimento da pequena nau subindo o gigantesco rio, comecei a meditar no dinamismo de um movimento que, no primeiro século de nossa era avançou contra a força da correnteza e

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Introdução 27 triunfou. Com efeito, em meio às águas turbulentas que caracterizavam o mundo greco-romano, despontou a Igreja Cristã e, guiada pela Providência, venceu a correnteza de uma cultura moldada pela filosofia politeísta. Podemos sentir o gozo resultante deste triunfo sobre as correntes da época nas palavras inspiradas: "E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar.''29 Com efeito, o cristianismo despontou trazendo a uma civilização decadente, uma fé salvadora.

Quando no grande cronômetro divino soou a hora anunciada pela profecia, surgiu o movimento adventista abrindo espaço na correnteza do tempo. No início era uma frágil embarcação lançada contra o impetuoso oceano da História. Embora agitada e sacudida por forças adversas, guiada pela mão divina, a nau adventista venceu a correnteza da dúvida, intolerância e zombaria, atravessou o Atlântico em direção à Europa e, depois, cruzando todos os mares, levou por toda a parte a bandeira do "evangelho eterno''.

G. J. Paxton, ministro anglicano, em seu livro The Shaking of Adventism (A Sacudidura do Adventismo), depois de analisar alguns aspectos históricos relacionados com a teologia adventista, com um misto de exortação e censura, sublinha o espírito triunfalista quase sempre presente no púlpito e na literatura adventista.30

Entretanto, este vigoroso senso de destino que Paxton qualifica como espírito triunfalista, não se inspira em "fábulas artificialmente compostas'', mas tem como fundamento inabalável ''a segura palavra da profecía''.31

Interpretando os antigos oráculos, dentro de uma perspectiva historicista, descobrimos de forma inconfundível que o Deus que dirige o curso da História suscitou o movimento adventista para proclamar "no fim do tempo" a tríplice mensagem angélica.32

E assim a proclamação milerita que, em seu tempo, foi "doce como mel", mas que com o grande desapontamento produziu uma "amarga" decepção, motivou o início do movimento adventista e sua extraordinária

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Introdução 28 obra profética, proclamando "outra vez'' perante "muitos povos, nações, línguas e reis",33 a gloriosa esperança sintetizada na promessa do Senhor: "Virei outra vez.''34

Referências: 1. Isaías 46:1, 6, 7. 2. Isaías 46:3, 4. 3. Êxodo 12:41. 4. Mateus 3:2. 5. João 1:23, 27. 6. Mateus 24:22. 7. Daniel 12:4 - Trad. mediante a versão dos Monges de Maredsons

(Bélgica) pelo Centro Bíblico Católico. Editora "Ave &farra" Ltda., 19ª edição, 1972.

8. Apocalipse 10:1, 2 9. D. M. Ludlum, Social Ferment in Vermont, 1791-1850, pág. 38,

citado por L. E. Froom em Prophetic Faith of Our Fathers, vol. 4, págs. 56. 57.

10. Mateus 24:36. 11. P. G. Damsteegt, Foundations of the Seventh-day Adventist

Message and Mission, pág. 13. 12. F. D. Nichol, The Midnight Cry, pág. 9. 13. Guilherme Miller, Apology and Defense, págs. 11, 12, citado por

F. D. Nichol em The Midnight Cry, edição popular, pág. 35. 14. Daniel 8:14. 15. Guilherme Miller, Apology and Defense, pág. 14, citado por F.

D. Nichol em The Midnight Cry, edição popular, pág. 35. 16. Daniel 9:25. 17. Carta de Snow a Southard, 243, citado por P. G. Damsteegt,

Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission, págs. 90, 91.

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Introdução 29 18. Apocalipse 10:10. 19. G. Mervyn Maxwell, História do Adventismo, pág. 49. 20. Habacuque 2:3. 21. Hebreus 10:35.39. 22. A. L. White, Mensageira Para o Remanescente, pág. 30. 23. Apocalipse 14:6. 24. Apocalipse 14:7. 25. J. E. Brown, In the Cult Kingdom, págs. 4, 5. 26. Apocalipse 10:11. 27. Apocalipse 14:12. 28. Apocalipse 14:14.16. 29. Atos 2:47. 30. G. J. Paxton, The Shaking of Adventism, pág. 152. 31. II Pedro 1:16, 19. 32. Apocalipse 14:6.20. 33. Apocalipse 10:10, 11. 34. João 14:1-3.

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Introdução 30 COISAS FRACAS PARA CONFUNDIR AS FORTES

"Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir

as fortes." I Coríntios 1:27 (RC) Entre inúmeras obras de arte encontradas no interior de uma antiga

igreja na cidade de Hamburgo, Alemanha há uma estátua de mármore imponente e expressiva, representando o vidente de Patmos. Com grande imaginação e habilidade artística o escultor apresenta o discípulo do amor, absorto, debruçado sobre um pergaminho, tendo em sua mão direita uma pena com a qual parece estar escrevendo. Atrás do apóstolo destaca-se a figura suave de um anjo observando-o enquanto escreve as visões que lhe foram dadas.

Esta obra de arte ilustra mui apropriadamente o incansável labor literário da Sra. White, também assessorada, consoante seu testemunho, por alguém que a orientava, a quem chamava: "meu anjo assistente", "meu guia, ou "meu instrutor.

Quão relevante tem sido a influência destes escritos não somente no período formativo e formulativo do movimento adventista, mas também na edificação e aperfeiçoamento da igreja através dos anos!

Suas mensagens comunicaram alento e coragem aos perplexos e desorientados pioneiros que, após o desapontamento de 1844, buscavam com oração um caminho de luz. Seus testemunhos repassados de censura, silenciaram o fanatismo que, nos primórdios, perigosamente conspirava contra os triunfos da pregação adventista. As instruções e conselhos que procederam de sua pena inspirada estimularam a adoção de um vibrante e vitorioso programa de evangelização mundial. Seus escritos orientaram com segurança a fundação de escolas, a edificação de instituições médicas e o estabelecimento de casas publicadoras, tendo em vista dinamizar a proclamação da tríplice mensagem angélica.

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Introdução 31 Mas, de que forma se manifestou o dom profético no seio do

adventismo? Foi numa época de grande tensão e perturbação religiosas que o dom de profecia se manifestou em forma inequívoca e sobrenatural. Cumprindo seus infinitos propósitos, Deus escolheu como mensageira Ellen G. Harmon, de Portland, Maine, piedosa jovem que, como milhares de fiéis, havia sofrido a grande frustração simbolizada na figura apocalíptica do ''livro que se tornou amargo''.

Em um dos seus primeiros escritos ela descreve impressões pessoais e incidentes que lhe foram marcantes nos anos que precederam o chamado para atuar como mensageira de Deus:

"Fui convertida com a idade de onze anos, e aos doze fui batizada, tendo-me unido à Igreja Metodista. Aos treze anos ouvi Guilherme Miller proferir sua segunda série de conferencias em Portland, Maine. Senti então que.. . não estava pronta para ver a Jesus. E quando foi feito o convite aos membros da igreja e aos pecadores para irem à frente para oração, abracei a primeira oportunidade, pois eu sabia que precisava fazer grande obra por mim mesma a fim de habilitar-me para o Céu. Minha alma tinha sede da salvação plena e ampla, mas eu não sabia como obtê-la."1

Com efeito, a motivação dominante na vida de Ellen G. White era o preparo do coração para o encontro com Cristo. Débil fisicamente, privada da oportunidade para educar-se, e sem qualquer perspectiva de um futuro brilhante devido a uma tragédia que sobre ela se abateu, quando dos nove anos de idade, Ellen encontrou, em meio ao infortúnio, incomparável gozo na proclamação da "bem-aventurada esperança".

É certo que o grande desapontamento de 1844 não a levou ao abismo do desespero, mas fê-la temer que a pregação milerita houvesse sido um grande equívoco, do qual restavam somente pesares e quebrantos. Seu debilitamento físico, após esta experiência, se agravou intensamente. J. N. Loughborough, descrevendo seu estado físico, declarou:

"A Srta. Harmon vivia então um momento crítico. Durante várias semanas não havia podido falar mais que em um sussurro. Um médico lhe havia diagnosticado vítima de uma tuberculose. Declarou estar o seu pulmão direito deteriorado e o esquerdo consideravelmente enfermo; sofria também

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Introdução 32 do coração. O médico cria que ela poderia morrer a qualquer momento. Estando deitada, respirava com grande dificuldade. À noite, obtinha repouso somente quando se punha em uma posição semi-sentada. Os freqüentes ataques de tosse e hemorragia lhe haviam minado a resistência física."2

Pouco mais tarde, no entanto, as incertezas que de certo modo agravaram o seu precário estado físico, dissiparam-se como por encanto. Na última parte de dezembro do mesmo ano, estando na companhia de um grupo de piedosas mulheres, na casa da Sra. Haimes, em Portland, Maine, prostradas em fervente súplica, Ellen perdeu a consciência e foi arrebatada em visão.

Nesta primeira visão foi-lhe revelada a jornada do povo do advento desde o desapontamento em 1844, até aos portais gloriosos da cidade de Deus. Com a visão, veio à frágil jovem de dezessete anos o imperativo de ir e relatar dos outros a luz que lhe fora revelada. Suas preocupações são descritas nos seguintes palavras:

"Depois que saí da visão, estava excessivamente perturbada. ... Dirigi-me ao Senhor em oração e roguei-Lhe que pusesse a responsabilidade sobre outra pessoa. Parecia-me que não a poderia suportar. Fiquei sobre o meu rosto por longo tempo, e toda a luz que pude obter foi: 'Dá a conhecer aos antros o que te revelei.' "3

Após esta memorável e augusta audiência com Deus, Ellen Harmon (posteriormente White) ergueu-se disposta a assumir a solene responsabilidade que a Providencia lhe confiou. Durante setenta anos, como "torre e fortaleza", esteve à frente deste movimento, guiando e protegendo o povo de Deus contra a confusão, descrença e fanatismo. De sua pena fecunda fluíram mais de 25 milhões de palavras que resultaram na publicação de dezenas de livros e milhares de artigos (aproximadamente 4.500) em diferentes periódicos denominacionais.

As manifestações sobrenaturais que acompanharam suas visões e o poder divino evidenciado na apresentação de suas mensagens, convenceram os pioneiros adventistas de que seus testemunhos procediam de Deus.

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Introdução 33 Mas, quão áspero tem sido, através dos tempos, o caminho

percorrido pelos enviados de Deus! "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados..."4 – exclamou Jesus pranteando diante da impenitente cidade que com freqüência se levantava contra os mensageiros de Deus. Dirigindo-se aos seus algozes, pouco antes de seu martírio, Estêvão interrogou com assombrosa intrepidez: "A qual dos profetas não perseguiram os vossos pais?"5

Não seria de se esperar que o dom profético manifestado na vida da Sra. White fosse uma exceção. A legitimidade de seu ministério foi e tem sido questionada não somente por adversários, mas também por pessoas que se dizem identificadas com os ideais do adventismo.

O influente diário Toronto Star, em sua edição de 23 de maio de 1981, dedicou um artigo escrito por Marylin Dunlop, no qual a jornalista se estriba na palavra de dois médicos (um deles adventista) para afirmar que as visões da Sra. White eram alucinações resultantes de crises epilépticas periódicas, conseqüentes de uma pedrada que lhe atingiu o nariz e lhe afetou o cérebro, quando aos nove anos de idade.

Os Drs. Delbert Hodder e Gregory Holmes, de Connecticut, apresentaram esta conclusão no encontro patrocinado pela Academia Americana de Neurologia. O lesionamento do lóbulo temporal esquerdo do cérebro – declararam eles – pode causar um tipo de epilepsia, que transforma a personalidade da pessoa afetada, tornando-a mística e moralista.

No artigo em referência, a jornalista reproduziu as seguintes palavras atribuídas ao Dr. Hodder, que no congresso se identificou como adventista:

"Os médicos que viveram nos dias de Ellen G. White não lograram reconhecer nela os sintomas epilépticos que resultaram do acidente já mencionado. Nos últimos cinco anos, entretanto, os especialistas puderam documentar algumas transformações ocorridas na personalidade de indivíduos afetados pelos efeitos epilépticos resultantes de um traumatismo no cérebro."6

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Introdução 34 Hodder e Holmes não foram os primeiros que intentaram

desacreditar a obra profética de Ellen G. White, usando argumentos especiosos, pretensamente científicos. Antes deles, os Drs. W. J. Fairfield, William Russell e J. H. Kellogg (médicos contemporâneos de Ellen G. White), atribuíram as visões recebidas pela mensageira de Deus a algum tipo de desordem neurológica, responsável por manifestações ocasionais de histerismo, ataques epilépticos ou esquizofrenia.

Em seu livro Ellen G. White and Her Critics, F. D. Nichol, com argumentos irrefutáveis apresenta a ausência de evidências científicas nas declarações firmadas por estes três facultativos.7 As conclusões de Fairfield baseavam-se em preconceitos pessoais cristalizados, e não em comprovações científicas, pois não teve oportunidade de examiná-la quando em visão. Russell, igualmente, jamais viu os fenômenos físicos que acompanhavam as visões dadas à Sra. White, tampouco teve oportunidade de examiná-la como paciente.

Entretanto, em uma carta de retratação dirigida posteriormente ao casal White, e publicada nas páginas da Review and Herald, em sua edição de 25 de abril de 1871, expressou seu profundo arrependimento por havê-los hostilizado em forma tão acerbada e injusta:

"Houvesse eu aceitado suo reprovação e conselho " – escreve o Dr. Russell – teria evitado tanta tristeza e embaraço. O espaço não me permite entrar em detalhes. Espero, porém, no futuro, desfazer tanto quanto possível os erres que cometi."8

O Dr. Kellogg, conhecido internacionalmente como talentoso médico e brilhante homem de ciência, expressou reiteradas vezes, com a pena e a voz, sua inquebrantável confiança nas visões da Sra. White como procedentes de Deus. Porém, quando ela o advertiu contra os perigos sutis existentes em seus ensinos panteístas e o exortou a abandonar algumas de suas idéias extravagantes com relação às dimensões viáveis para a operação de um hospital, ele recusou-se aceitar as mensagens que lhe foram dirigidas e, posteriormente, animado por um espírito contestatório, uniu sua voz ao coro irreverente formado por

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Introdução 35 indivíduos dispostos a neutralizar a qualquer preço a influência do seu ministério profético.

Este mesmo espírito se tem manifestado com significativa freqüência ao longo da história da igreja.

Quando o profeta Jeremias, cumprindo a obra que lhe foi cometida, mandou ler no palácio a mensagem que Deus lhe ordenou transmitir, o rei Jeoaquim, irritado, tomou o manuscrito, cortou-o em pedaços e o lançou no fogo, transformando-o em cinzas.9

Em nossos dias, como no passado, erguem-se indivíduos que, não podendo destruir este precioso acervo literário – os escritos da inspiração – esforçam-se inutilmente por destruir a autoridade profética da Sra. White, atribuindo os frutos de seu ministério aos efeitos de um traumatismo encefálico.

Mas, apesar da obstinada oposição movida por intransigentes adversários, ela se conduziu sempre com inquebrantável firmeza e admirável serenidade. Com espírito de renúncia e inabalável fé em Deus, afrontou a pobreza e o sofrimento:

"Acabamos de estabelecer-nos em Rochester. Alugamos uma casa velha por cento e setenta e cinco dólares por ano. Temos o prelo na casa. Se não fosse isso teríamos de pagar cinqüenta dólares anualmente por uma sala para a redação. Haveríeis de rir se nos vísseis e a nossa mobília. Compramos duas velhas armações de cama por vinte e cinco centavos de dólar cada. Meu marido trouxe para casa seis cadeiras velhas, dentre as quais não se acham duas iguais, pagando pelas mesmas um dólar. Logo presenteou-me com mais quatro cadeiras velhas sem assento, que lhe custaram setenta e dois centavos de dólar. A armação era forte e fiz para elas assentos de lona.

"Manteiga é coisa tão cara que não a compramos, tampouco podemos nos abastecer de batatas. Usamos molho em lugar de manteiga, e nabos em vez de batatas. Nossas primeiras refeições foram tomadas numa tábua colocada sobre duas barricas de farinha vazias. Estamos dispostos a suportar privações para que a obra de Deus possa avançar. Cremos que a mão do Senhor esteve sobre nós ao virmos para este lugar. Há um vasto

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Introdução 36 campo para o trabalho, e os obreiros são poucos. Sábado passado, nossa reunião foi excelente. O Senhor nos confortou com Sua presença."10

Com ternura e evidente sensibilidade partilhou as aflições e angústias vividas por outros. À viúva do presidente dos Estados Unidos, Sra. Mckinley, quando pranteava a morte do seu esposo, vítima de um atentado político, a Sra. White escreveu:

"Simpatizamos convosco em vosso luto e viuvez. Passei pelo caminho que vós agora palmilhais e sei o que significa. Quanta tristeza existe em nosso mundo! Quanta aflição! Quanto pranto!...

"Nossos queridos falecem. Encerram-se suas contas com Deus. Mas conquanto consideremos coisa séria e solene o morrer, devemos, entretanto, considerar coisa muito mais solene o viver.... Devemos encontrar nosso consolo em Jesus Cristo. Precioso Salvador! Ele sempre Se condoeu da desgraça humana.... Apegai-vos à Fonte de vossas forças."11

Jamais se mostrou afligida pela dúvida ou incerteza. Sua última mensagem enviada à igreja, traduzia uma confiança incondicional no triunfo da obra de fé que iniciou em 1844.

"Ao recapitular a nossa história passada, havendo revisado cada passo de progresso até ao nosso nível atual, posso dizer: Louvado seja Deus! Ao ver o que Deus tem realizado, encho-me de admiração e de confiança na liderança de Cristo. Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado, e os ensinos que nos ministrou no passado."12

Seriam estes preciosos escritos gerados em uma mente afetada por periódicos espasmos de histeria? Teriam os Drs. Hodder e Holmes, credenciais suficientes para questionar perante a Academia Americana de Neurologia a sanidade mental da Sra. White? Especialistas em pediatria, penetraram imprudentemente em uma área diferente – a neurologia – e concluíram apresentando um diagnóstico carente de seriedade científica.

Refutando as conclusões defendidas pelos dois pediatras, O Dr. Gery Hunt, respeitado professor de neurologia da Universidade de Loma Linda, Califórnia, declarou que:

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Introdução 37 1. Os ataques epilépticos começam geralmente poucos meses após

um traumatismo encefálico. No caso da Sra. White, as visões tiveram o seu início oito anos mais tarde.

2. Os ataques epilépticos incidem em forma ocasional, e não com a freqüência que acompanharam as suas duas mil visões.

Os frutos preciosos destas duas mil visões, nós os vemos na vida de milhares que foram levados a Cristo pela influência inspiradora dos seus escritos. Ao afirmar, entretanto, a nossa crença nas visões da Sra. White, e na genuinidade de seus escritos, não pretendemos que estes sejam uma segunda Bíblia, apoucando deste modo a supremacia do Livro de Deus. "A Bíblia tão-somente", eis a única e insubstituível regra de fé e doutrina.

Jamais pretendeu a Sra. White que os seus escritos fossem uma outra Bíblia, ou mesmo uma adição ao cânon sagrado das Escrituras. Em seu primeiro livro, publicado em 1851, ela escreveu:

"Recorrendo-vos, caro leitor, a Palavra de Deus como regra de vossa fé e prática. Por essa Palavra seremos julgados. Nela Deus prometeu dar visões nos 'últimos dias'; não para uma nova regra de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade bíblica."14

Os próceres do adventismo jamais questionaram a suficiência das Escrituras. Mas, nas visões dadas à Sra. White, viram confirmadas as conclusões às quais chegaram, com fervorosa oração, no tocante à segunda vinda de Cristo, à vigência do decálogo, à santidade do sábado, ao ministério de Cristo no santuário celeste, à imortalidade condicional, e à justificação pela fé.

Em 1848, a Sra. White disse ao esposo que devia imprimir um periódico, que Seria pequeno de início, mas que desse começo irradiariam torrentes de luz que circundariam a tema. Posteriormente orientou a fundação de casas editoras e a produção de publicações contendo a mensagem de Deus para o pecador perdido nas encruzilhadas da vida. Contamos hoje com uma cadeia internacional de editoras,

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Introdução 38 imprimindo centenas de periódicos e milhões de livros em mais de duas centenas de línguas e dialetos.

Já em 1856, os adventistas começaram a expressar suas preocupações com a educação de seus filhos. Foi, entretanto, em 1872, que a Sra. White recebeu a primeira visão sobre a natureza da verdadeira educação. Em um artigo de 30 páginas, relatou a luz que lhe foi dada sobre este assunto. Preocupada com a responsabilidade de dar às crianças e jovens adventistas uma educação integral, escreveu posteriormente centenas de páginas, salientando sempre a importância do "desenvolvimento harmônico das faculdades físicas intelectuais e espirituais"15 do educando. Seus ideais revolucionários estão compendiados principalmente em três livros – Educação, Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, e Fundamentos da Educação Cristã, reconhecidos pelos especialistas como autênticos clássicos na ciência da educação.

Há alguns anos, a Dra. Florence Stratemeyer, professora da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, surpreendida ao saber que o livro Educação foi escrito por alguém que possuía apenas três anos escolares, declarou:

"Recentemente tive nimba atenção voltada para o livro Educação, escrito por E. G. White. Publicado no início deste século, este volume está adiantado mais de 50 anos além do seu tempo. ...

"O fôlego e a profundidade de sua filosofia me assombraram. Seus conceitos de educação equilibrada, de harmonioso desenvolvimento, e de pensar e agir, em princípio, são avançados conceitos de educação.

"Não me surpreende que os membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia tenham os escritos da Sra. White em tão grande respeito e os tenham em posição central no desenvolvimento do programa educacional em suas escolas."16

Com efeito, os princípios vertidos neste livro e em outros escritos da Sra. White, inspiraram a implantação de um sistema de escolas integrado por mais de 5.000 unidades (primárias, secundárias e superiores), onde 28.000 professores se unem cada dia no esforço por

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Introdução 39 moldar a mente de 607.000 estudantes, preparando-os "para o gozo do serviço neste mundo e para aquela alegria mais elevada por um dilatado serviço no mundo vindouro".17

Num tempo de grande obscurantismo, quando os conhecimentos no campo da fisiologia, higiene e nutrição eram extremamente primitivos, a Sra. White recebeu instruções claras sobre as regras de um viver sadio. Sob sua inspiração e orientados por seus escritos, surgiram por toda parte hospitais, clínicas, ambulatórios e lanchas médicas. Operamos hoje um complexo internacional integrado por 166 hospitais, 224 clínicas e dispensários e 45 lanchas e aviões, a serviço do evangelho da saúde.

O falecido Dr. Clive McCay, respeitado professor de nutrição da Universidade Cornell, em Ithaca, Nova Iorque, comentando a contribuição da Sra. White no campo da ciência nutricional, declarou:

"Quando se lêem as obras da Sra. White como A Ciência do Bom Viver, ou Conselhos Sobre o Regime Alimentar, fica-se impressionado com a correção de seus ensinos à luz da ciência nutricional contemporânea. Só se pode conjecturar quanto melhor saúde poderia gozar, em geral, o americano, embora quase nada soubesse da ciência moderna, se tão-somente seguisse os ensinos da Sra. White."18

Como podemos explicar o acerto de suas afirmações científicas, conhecendo suas limitações acadêmicas? O argumento de que seus escritos são o produto de uma mente lesionada por uma pedrada, não honra a inteligência daqueles que o formularam. Para nós, seus abundantes escritos, conselhos, predições e liderança mostram em forma inquestionável que Deus a guiou e inspirou tão verdadeiramente, como a Moisés, tão seguramente como a Samuel, tão certamente como a Daniel e tão completamente como a João Batista, o apóstolo precursor.

Mais que qualquer outra, ela foi uma voz que comunicou confiança e coragem àquelas almas afligidas pela pobreza, que integraram "o pequeno rebanho" nos primórdios deste movimento. Foi sua voz que sempre animou os fiéis adventistas a um estudo mais diligente da Bíblia, a um mais santo viver, repreendendo-os e animando-os quando tropeçavam em sua experiência cristã. Foi sua voz que se podia sempre

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Introdução 40 ouvir sobre as vozes dos demais líderes, estimulando o programa de penetração e conquista nas missões mundiais. Foi sua voz, multas vezes solitária, que pedia com insistência e vigor o estabelecimento de mais escolas, instituições médicas e casas publicadoras, com o propósito de acelerar a proclamação de Cristo e Seu poder redentor.

A promessa "instruir-te-ei e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os Meus olhos",19 é para nos hoje. Graças à manifestação do dom de profecia revelado na vida da Sra. White, podemos repetir como o salmista: "Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, até ali a Tua mão me guiará e a Tua destra me susterá."20

Referências: 1. Ellen G. White, Primeiros Escritos, pág. 11. 2. J. N. Loughborough, The Great Second Adventist Movement,

pág. 202. 3. Ellen G. White, Life Sketches, pág. 20. 4. Mateus 23:37. 5. Atos 7:52. 6. Toronto Star, 23 de maio de 1981. 7. F. D. Nichol, Ellen G. White and Her Critics, págs. 70-86. 8. Idem, pág. 79. 9. Jeremias 36:23.

10. Ellen G. White, Vida e Ensinos, págs. 143, 145. 11. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 264. 12. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 443. 13. Roduey Clapp, Christianity Today, 25 de março de 1982, pág. 56. 14. Ellen G. White, Primeiros Escritos, pág. 78. 15. Ellen G. White, Educação, pág. 13. 16. Review and Herald, 6 de agosto de 1959, pág. 13. 17. Ellen G. White, Educação, pág. 13.

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Introdução 41 18. Review and Herald, 2 de dezembro de 1959. 19. Salmo 32:8. 20. Salmo 139:9, 10.

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Introdução 42

ROMPERÁ A TUA LUZ COMO A ALVA

"Então romperá a tua luz como a alva, ... e a glória do Senhor será a tua retaguarda." Isaías 58:8.

Era uma manhã fria de inverno. Hans, jovem soldado alemão,

avançava com sua divisão em direção a Moscou. Durante a longa marcha através de caminhos cobertos de neve, seus pensamentos se concentraram em seu lar, sua igreja e seus irmãos na esperança. As gratas recordações do espírito fraternal que caracterizava a congregação da qual era membro, encheram o coração do jovem soldado de um sentimento de profunda nostalgia.

Hans alimentava a esperança de encontrar na Rússia – território inimigo – um irmão na jornada adventista, com quem pudesse partilhar o gozo de uma fé comum. Este desejo, entretanto, parecia demasiado remoto. Entre outros obstáculos que militavam contra as aspirações do soldado, estava a barreira do idioma.

Porém, um dia, ao entrarem em uma pequena vila, descobriram que os habitantes se preparavam para abandoná-la. Naquela área, era evidente, travar-se-iam encarniçados combates. Hans foi encarregado por seu superior de inspecionar as casas abandonadas. Em uma delas encontrou um alquebrado ancião, reunindo os últimos pertences que o acompanhariam em seu êxodo para um lugar mais seguro. A última coisa que colocou cuidadosamente em uma bolsa de couro foi um velho livro. Hans não ocultou o desejo de conhecer a espécie de livro que o velho camponês incluía em sua bagagem.

Ao descobrir que o livro era um exemplar das Escrituras, o soldado, com o indicador, apontou para a Bíblia e depois com gestos amistosos esforçou-se por comunicar seu profundo apreço pelo Sagrado Livro. O velho agricultor pareceu entender e ofereceu ao soldado a oportunidade de folhear o livro que ele tanto amava.

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Introdução 43 Seria aquele encanecido lavrador um adventista? Como poderia o

soldado descobrir a filiação religiosa daquele homem? A barreira do idioma parecia intransponível. Uma idéia, entretanto, assaltou a mente do jovem militar. Abriu a Bíblia no livro de Apocalipse, cap. 14:6-12, e encontrou este texto sublinhado com tinta vermelha. Hans com o indicador apontou para o texto e sorriu. O velho homem entendeu. Buscou depois o texto de Mateus 24:14, versículo familiar aos adventistas. Esta porção também estava sublinhada. O velho homem valeu-se da oportunidade, apontou para o texto em referência e com a cabeça anuiu.

Dominado por uma crescente excitação, Hans abriu a Bíblia no livro de Êxodo e encontrou o versículo 8, do capítulo 20, também sublinhado. Outra vez o soldado apontou para o texto e emocionado sorriu. Finalmente Hans buscou o texto de Daniel 8:14, e o camponês em demonstração de gozo, com a linguagem silenciosa dos gestos procurou expressar sua identificação com o texto.

As dúvidas se dissiparam. Hans, o soldado alemão, fechou reverentemente a velha Bíblia, estendeu os braços e o seu gesto foi correspondido fraternalmente pelo lavrador russo; num abraço afetuoso expressaram o júbilo resultante de uma identificação comum com os ideais da fé adventista. Ajoelharam-se no interior da humilde habitação. Hans orou em alemão, e o agricultor russo em seu idioma; depois de um emocionante aperto de mãos, se separaram para enfrentar as vicissitudes e incertezas ditadas pela guerra.

Um dos textos sublinhados na Bíblia do camponês russo inspirou uma plêiade extraordinária de pregadores a unir-se ao movimento milerita na proclamação da volta de Cristo. As palavras do profeta Daniel "Até duas mil e trezentas tardes e manhãs e o santuário será purificado'', tinham para eles um profundo sentido de urgência. Ao fim deste período anunciado pela profecia – eles assim interpretaram – Jesus Se manifestaria com poder e fulgurante glória. Os estudos exegéticos que os levaram a esta conclusão pareciam inequívocos. Mas, consoante

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Introdução 44 vimos em capítulo anterior, em lugar da gloriosa aparição de Cristo (epifania), sofreram uma amarga desilusão. Muitos, entretanto, estavam convictos de que a Palavra de Deus não podia falhar. Impunha-se descobrir onde se haviam equivocado.

Depois da frustrada experiência de 1844, o milerismo, perturbado pela confusão e opróbrio, se fragmentou em forma inapelável. Alguns abandonaram completamente a esperança adventista. Outros, incluindo Guilherme Miller, concluíram existir algum equívoco em seus cálculos no tocante aos 2.300 dias; estes continuaram afirmando que a vinda de Cristo haveria de ocorrer a qualquer momento.

Um terceiro grupo, reafirmando suas convicções na correção dos cálculos e sua interpretação, afirmava que Cristo havia regressado no dia 22 de outubro – não literalmente, consoante haviam pregado, mas espiritualmente – começando então o período dos mil anos anunciado na profecia.

Um quarto grupo, em meio às perplexidades e angústias então vividas, num espírito de súplica e fervorosa investigação das Escrituras, viu a luz da verdade romper irradiante como o esplendor de uma alegre alvorada, inaugurando um novo dia pleno de esperanças.

Sim, após a amarga noite de 22 de outubro, a mente de Hiram Edson foi iluminada com a convicção de que o santuário a ser purificado ao fim dos 2.300 anos era o santuário celestial. Sem vacilações levou a outros esta nova luz, suscitando no coração de muitos o ardente desejo de melhor compreensão das profecias e seu significado.*

Uma reunião memorável foi celebrada em sua casa, com o propósito de estudar com mais diligência este grande tema profético. Tiago White não pôde assisti-la. José Bates e outros piedosos remanescentes do naufrágio milerita, depois de uma minuciosa investigação das Escrituras, concluíram afirmando, sem sombra de dúvida, que o santuário mencionado em Daniel 8:14, estava no Céu.

* Ver biografia de Hiram Edson, no capítulo "Todos Estes Morreram na Fé".

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Introdução 45 Comparando os livros de Êxodo e Levítico, no Velho Testamento,

com a epístola de Hebreus, no Novo Testamento, entenderam que Jesus após a ressurreição, ao retomar à destra do Pai, como Sumo Sacerdote, havia ministrado no primeiro compartimento, e que, em 1844, ao fim dos 2.300 anos, entrou no santíssimo para realizar a obra da purificação.

Com as luzes da inspiração, Ellen G. White mais tarde endossou estas conclusões, dizendo:

"Destarte, os que seguiram a luz da palavra profética viram que, em vez de vir Cristo à Terra, ao terminarem em 1844 os 2.300 dias, entrou Ele então no lugar santíssimo do santuário celeste, a fim de levar a efeito a obra final da expiação, preparatória à Sua vinda."1

"O assunto do santuário foi a chave que desvendou o mistério do desapontamento de 1844. Revelou um conjunto completo de verdades, ligadas harmoniosamente entre si e mostrando que a mão de Deus dirigira o grande movimento do advento e apontara novos deveres ao trazer a lume a posição e obra de Seu povo."2

A compreensão desta importante verdade bíblica renovou a fé e fortaleceu a confiança daqueles que, depois da experiência de 22 de outubro de 1844, uniram-se na vibrante proclamação da tríplice mensagem angélica.

Além da doutrina do santuário, havia outras preciosas verdades que Deus, em Seus insondáveis desígnios, haveria de revelar àquele grupo de fiéis investigadores da verdade. Ao vislumbrarem a obra solene realizada por Cristo no santuário celeste, foram levados a refletir sobre o significado da lei de Deus, padrão pelo qual seremos aferidos no tribunal divino. De joelhos, pediram uma revelação mais clara sobre este assunto, e a luz que eles ansiosamente buscavam lhes foi comunicada em forma tangível e inequívoca.

Em 1844, a Sra. Raquel Oakes, decidiu mudar-se para Washington, no Estado de New Hampshire, para viver com a filha que era professora naquela localidade. Como membro da Igreja Batista do Sétimo Dia, a Sra. Oakes não ocultava suas firmes convicções sobre a importância do quarto mandamento. Em contato com a comunidade adventista em

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Introdução 46 Washington, converteu-se ao adventismo, mas com argumentos convincentes persuadiu a maioria dos membros daquela pequena igreja a observar o sábado como dia de repouso.

Foi provavelmente na primavera daquele mesmo ano que Frederick Wheeler, um ministro metodista itinerante, começou a guardar o sábado como dia do Senhor. Esta decisão resultou de um diálogo à porta da igreja de Washington, no Estado de New Hampshire, com a Sra. Oakes. Ao ministrar a ceia do Senhor àquele pequeno grupo de adventistas, Wheeler destacou a importância da obediência a Deus. Terminado o culto, a Sra. Oakes dirigiu-se respeitosamente ao ministro visitante, e salientou que a verdadeira obediência ao Senhor implicava a observância de todos os mandamentos, inclusive o preceito que ordena a santificação do sábado. Este comentário sucinto repercutiu em forma frutífera no coração de Wheeler, levando-o a aceitar o dever de observar o sábado consoante o mandamento.

Posteriormente, outros ministros se identificaram com Wheeler na proclamação do sábado como memorial perpétuo da criação. T. M. Preble, entretanto, foi o primeiro, naqueles idos, a valer-se dos recursos da imprensa para divulgar a luz relacionada com este tema. Suas convicções sobre a santidade do sábado foram publicadas nas colunas do periódico Hope of Israel (Esperança de Israel), em sua edição de 28 de fevereiro de 1845.

Lendo o artigo em referência, José Bates aceitou a mensagem do sábado, tornando-se um dos seus mais ardorosos defensores. Deslumbrado com a "nova luz'', regressando a sua casa, teve um encontro fortuito com o Sr. Hall.

– Como vai, irmão Bates? O que há de novo? – interrogou o Sr. Hall de maneira informal.

– O sétimo dia é o sábado! – respondeu Bates, manifestando irradiante euforia, fruto de um feliz descobrimento.

Após este memorável encontro, Hall e a esposa, estudando diligentemente as Escrituras, também aceitaram a verdade do sábado.

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Introdução 47 Bates foi o poderoso instrumento usado por Deus como resposta à

oração daquele grupo de sinceros esquadrinhadores da Palavra. Tiago e Ellen White, Hiram Edson e muitos outros foram também persuadidos a aceitar o quarto mandamento, memorial divino, eclipsado por tantos séculos e profanado como uma instituição comum.

Nas seguintes palavras a Sra. White descreve a visão que Deus lhe concedeu, sete meses após sua decisão de observar o dia do Senhor.

"O Senhor, porém, me deu uma visão do santuário celestial. O templo de Deus foi aberro no Céu, e foi-me mostrada a arca de Deus coberta com o propicia tório. . . .

"Jesus levantou a cobertura da arca, e contemplei as tábuas de pedra em que os Dez Mandamentos estavam escritos. Fiquei aterrada quando vi o quarto mandamento mesmo no centro dos dez preceitos, com uma suave auréola de luz rodeando-o. Disse o anjo: 'É o único dos dez que define o Deus vivo que criou os céus, e a terra e todas as coisas que neles há.' "3

Os adventistas então perceberam a importância da instituição do sábado. Compreenderam que não se tratava meramente de um dia, mas de um memorial; não era apenas um preceito, mas uma bandeira milenária simbolizando a lealdade que devemos ao Criador e Mantenedor do Universo.

Após a restauração desta importante verdade – a observância do quarto mandamento – os pioneiros adventistas perceberam que careciam de uma compreensão mais clara no tocante às fronteiras do santo sábado. A ausência de unidade na definição dos limites demarcatórios do tempo, quando se inicia e termina o dia do Senhor, militava contra a uniformidade de procedimentos. Um grupo entre eles observava o sábado da meia-noite à meia-noite. Outros estabeleciam as 18:00 horas como o limite para a observância do quarto mandamento. Alguns, no Estado do Maine, tomando o texto de Mateus 28:1, concluíram que o sábado começava e terminava com o "alvorecer" do dia.

José Bates, conhecido por todos como o veículo usado pela Providência para introduzir entre os "remanescentes" adventistas a doutrina do sábado, defendia com eloqüência e vigor a teoria "das 18:00

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Introdução 48 às 18:00 horas".4 Sobre o assunto o Pastor White escreveu, dizendo: "Deus suscitou o irmão Bates para nos dar esta verdade (o sábado). Devemos confiar mais em sua opinião que na de outras pessoas."5

E assim, durante aproximadamente dez anos, os adventistas, em sua maioria, celebraram o dia do Senhor das 18:00 horas de sexta-feira às 18:00 horas de sábado. Tiago White, entretanto, declarou posteriormente: "Jamais nos sentimos plenamente satisfeitos com os argumentos apresentados em favor das 18:00 horas.... Este assunto nos tem perturbado, mas ainda não temos encontrado tempo para investigá-lo mais profundamente."6

Os novos adventistas, procedentes da Igreja Batista do Sétimo Dia, fiéis e zelosos observadores do sábado, do pôr-do-sol ao pôr-do-sol, questionavam com freqüência a validade bíblica do princípio advogado por Bates, conhecido como "das 18:00 às 18:00 horas''. Impunha-se como imperativa uma clara definição, com sólida sustentação bíblica, tendo em vista produzir na Igreja a indispensável unidade na maneira de observar o mandamento.

A Sra. White, em visão, ouviu a voz de um anjo repetindo o texto inspirado: "Duma tarde a outra, celebrareis o vosso sábado."7 Esta visão foi suficiente para indicar a falácia da teoria do início do sábado ao "amanhecer''. Entretanto, muitos continuaram interpretando a palavra "tarde" como significando "18:00 horas''.

Pouco depois, Tiago White solicitou a J. N. Andrews que fizesse um estudo mais exaustivo sobre o assunto. As conclusões às quais chegou foram lidas numa assembléia geral celebrada no mês de novembro de 1855, num sábado pela manhã. Andrews, baseando-se em nove textos no Velho Testamento e dois no Novo Testamento, concluiu afirmando que a palavra "tarde" nestes textos significava "pôr-do-sol".8

As conclusões então apresentadas por Andrews convenceram a maioria dos presentes. Entretanto, o casal White, José Bates e outros mostraram-se recalcitrantes em aceitar a nova luz.

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Introdução 49 Após a assembléia, os pastores e vários irmãos permaneceram

reunidos em um período especial de oração, rogando ao Senhor pela prosperidade de Sua igreja. E enquanto oravam, a Sra. White foi arrebatada em visão e a luz relacionada com os limites do sábado (de pôr-do-sol a pôr-do-sol) lhe foi dada e todas as dúvidas no tocante a este assunto se dissiparam. Os textos bíblicos foram plenamente entendidos e a unidade da Igreja, no tocante a este assunto, foi consolidada.

E agora, como parte das nossas Crenças Fundamentais, no artigo 19, lemos os seguintes parágrafos:

"Assim como a trajetória do Sol através do céu assinala os dias da semana e designa cada sétimo dia como o sábado, o dia designado por Deus para repouso e adoração, também o pôr-do-sol marca os limites do sábado: 'Duma tarde a entra tarde, celebrareis os vossos sábados' " (Lev. 23:32; ver também Mar. 1:32).

''Por ocasião da Criação Deus pôs de parte o sábado e o abençoou (Gên. 2:1-3). Agora Ele nos põe de parte como Seu povo – e nos abençoa (I Pedro 2:9, 10). Semana após semana, ao celebrarmos o sábado, somos assegurados de que o santo dia é um sinal entre Ele e nós, para que possamos saber que Ele é o Senhor que nos santifica (Êxodo 31:13)."9

Quando Hans, o jovem soldado alemão, folheando a Bíblia do velho agricultor russo descobriu, entre outros preciosos versículos, sublinhado também o quarto mandamento, concluiu acertadamente estar diante de um irmão na fé adventista.

À medida que os adventistas aceitaram a luz que procedia de Deus – o santuário, o sábado e outras verdades adicionais – mais e mais perceberam que, depois da escura noite do desapontamento, uma mão invisível e poderosa os guiava no cumprimento de Seus eternos propósitos. Cumpriam-se as palavras do profeta: "Então romperá a tua luz como a alva."10 Com efeito, os próceres do adventismo viram nas palavras de Davi, uma consoladora promessa: "Instruir-te-ei, e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os Meus olhos."11

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Introdução 50

Duas Colunas Inamovíveis Certa vez um insano entrou em um templo e se deteve firmemente

entre duas colunas. Envolvendo-as com os braços, gritou histérico: "Derrubarei estas colunas, destruirei este edifício e os matarei como Sansão o fez com os filisteus." Observando uma ameaça de pânico, o ministro exclamou: "Deixemos que ele intente derrubá-las." O pobre insano experimentou, mas logo percebeu que seus esforços eram inúteis e o pânico que parecia iminente, cessou.

Ao longo de nossa história denominacional surgiram indivíduos que, no afã por demolir o edifício da fé adventista, intentaram abalar estas duas colunas – a doutrina do santuário e a santidade do sábado. Porém, malgrado todos os esforços despendidos, "estes esteios da verdade permanecem tão incólumes quanto os montes eternos, impassíveis ante todos os esforços combinados dos homens e de Satanás e suas hostes".12

Testemunhamos em nossos dias o esforço iconoclasta empreendido por dois indivíduos – Desmond Ford e Robert D. Brinsmead** – tendo em vista convencer a igreja de que a doutrina do santuário, como a interpretamos, carece de fundamento bíblico e de que a observância do sábado, como dia de repouso, constitui a demonstração inequívoca de um mero legalismo religioso.

Mui apropriadas são as palavras da inspiração: "Agora a igreja está comprometida em uma guerra que aumentará em

intensidade.... Nenhuma coluna de nossa fé deve ser eliminada. Nenhuma linha da verdade revelada deve ser substituída por teorias novas e fantásticas."13

As verdades reveladas pelo Espírito Santo, após o grande desapontamento, devem continuar como fundamento firme da "fé que uma vez foi dada aos santos''. ** Ver o capítulo "As Portas do Inferno Não Prevalecerão".

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Introdução 51 Referências: 1. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 422. 2. Idem, pág. 423. 3. Ellen G. White, Vida e Ensinos, págs. 84, 85. 4. Review and Herald, 21 de abril de 1851, pág. 71. 5. J. S. White, Carta, 2 de julho de 1848; Record Book, I, págs. 116,

117. 6. Review and Herald, 4 de dezembro de 1855, pág. 78. 7. Levítico 23.32 8. Review and Herald, 4 de dezembro de 1855, págs. 76-78. 9. Revista Adventista, setembro de 1982, pág. 12.

10. Isaías 58:8 11. Salmo32:8. 12. Ellen G. White, Evangelismo, pág. 223. 13. Ellen G. White, Conselhos Sobre Saúde, pág. 96

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Introdução 52

DECENTEMENTE E COM ORDEM

"Mas, faça-se tudo decentemente e com ordem." I Coríntios 14:40. A década que se seguiu ao desapontamento profético de 1844 foi

um período turbulento, de perplexidade e angústia para os remanescentes adventistas. A prova de fé e paciência havia sido terrível. Milhares, não mais podendo suportar o vitupério e as exprobrações de um mundo irreverente e escarnecedor, renunciaram à "bem-aventurada esperança.

Entretanto, nem tudo era desalentador. Malgrado o colapso do movimento milerita, homens e mulheres de fé perseveraram na esperança, reconhecendo honestamente o equívoco que haviam laborado na interpretação das "duas mil e trezentas tardes e manhãs".

José Marsh, em seu editorial na revista Voice of Truth (Voz da Verdade), expressou:

"Esperávamos que Ele viesse nesta data; e agora, embora, tristes por nossa esperança frustrada, nos alegramos por haver atuado de acordo com a nossa fé. ... Deus nos tem abençoado abundantemente, e não duvidamos de que em breve tudo resultará para o bem do Seu povo e para Sua glória."1

Estes homens e mulheres que formavam o "pequeno rebanho", por se haverem identificado com os ideais da esperança adventista, foram eliminados de maneira sumária das igrejas a que pertenciam. Não tiveram oportunidade de se defender, e os ensinamentos da Bíblia que eles proclamavam não foram considerados no processo de eliminação. Este procedimento, evidentemente arbitrário por parte das igrejas estabelecidas, cristalizou entre os novos adventistas um forte sentimento contra toda a espécie de organização eclesiástica. Jorge Storrs escreveu antes do desapontamento, e suas palavras tiveram grande ressonância depois de 1844:

"Guardai-vos do perigo de organizar outra Igreja. Nenhuma igreja pode ser organizada por invenção humana, sem que se transforme em Babilônia no momento em que seja organizada. O Senhor organizou Sua igreja pelo

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Introdução 53 forte vínculo do autor. ... E quando estes vínculos não puderem manter unidos os que professam seguir a Cristo, estes deixam de ser Seus discípulos."2

O pensamento de que a organização da Igreja seria uma forma de despotismo prevaleceu entre os novos adventistas, durante os anos do período formativo. Carecíamos, como conseqüência, de um registro regular de igrejas e uma lista organizada dos membros. Todos quantos recebiam o santo batismo tinham os seus nomes registrados no livro da Vida do Cordeiro. Qual a necessidade de outros registros? – perguntavam os intransigentes opositores de uma eventual organização.

A eleição dos oficiais da igreja era uma prática desconhecida. Os pastores recebiam diretamente dos membros da igreja os recursos para o seu sustento, pois não tínhamos um sistema contábil controlando e disciplinando as receitas e despesas denominacionais. Era evidente a inconveniência deste procedimento, pois alguns pregadores recebiam razoáveis recursos financeiros, enquanto outros lutavam estoicamente para viver com os limitados recursos que recebiam.

O preconceito de muitos pioneiros contra qualquer forma de organização eclesiástica era responsável por esta anarquia, que tanto conspirava contra os triunfos da pregação. A necessidade de um ordenamento era imperiosa e impostergável.

No mês de abril de 1858, sob a liderança do Pastor John N. Andrews, foi organizado um pequeno grupo para estudar à luz das Escrituras a manutenção do ministério evangélico. Após minuciosos estudos, o grupo em referência recomendou a adoção da "beneficência sistemática sobre o princípio do dízimo". O plano, depois de alguns debates, foi aprovado em uma reunião geral dos observadores do sábado, celebrada nos dias compreendidos entre 3 e 6 de junho de 1859.

Outra necessidade imperiosa e inadiável era a formação de uma organização, com personalidade jurídica, que nos permitisse o registro legal de todas as propriedades da igreja. Em memorável assembléia reunida entre 26 de setembro e 1.º de outubro de 1860, discutiu-se

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Introdução 54 minuciosamente este assunto em todos os seus aspectos e implicações. O resultado foi a aprovação unânime, autorizando a organização legal de uma associação de publicações. Entretanto, tal organização exigia um nome oficial. Entre outras sugestões apresentadas, o nome "Adventistas do Sétimo Dia" mereceu a aprovação de todos por sintetizar os traços mais distintos de nossa fé. Assim, pois, foi organizada no dia 3 de maio de 1860, a Associação de Publicações dos Adventistas do Sétimo Dia.

A obra do evangelismo também reclamava uma urgente organização. A ausência de um planejamento era responsável pela grande dispersão de atividades que, muitas vezes, resultava inútil. Ocorria, em várias oportunidades, existir em uma igreja três pregadores, enquanto outras, durante meses, permaneciam sem a assistência de um só pastor.

Sentindo a necessidade de uma estrutura organizacional, destinada a impedir a desordem e fragmentação, motivando a igreja dentro de um plano de ação coordenado e harmonioso, Ellen G. White escreveu:

"Aumentando o nosso número, tornou-se evidente que sem alguma forma de organização, haveria grande confusão, e a obra não seria levada avante com êxito. A organização era indispensável para prover a manutenção dos pastores, para levar a obra a novos campos, para proteger dos membros indignos tanto as igrejas como os pastores, para a conservação das propriedades da igreja, para a publicação da verdade pela imprensa, e para muitos outros fins."3

Tiago White, que desde cedo se destacou por uma invulgar

capacidade de liderança e visão administrativa incomum, sugeriu a conveniência de uma reunião anual em cada Estado, com o propósito de estabelecer planos para a obra do evangelismo. A sugestão foi recebida com simpatia e, dentro de curto lapso de tempo, estas reuniões anuais se transformaram em assembléias organizadas, integradas por delegados regularmente eleitos.

Dirigindo-se à Associação reunida em Battle Creek, na primavera de 1861, Tiago White destacou a necessidade de uma organização de todas as igrejas, para a realização de uma obra mais fecunda. Uma

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Introdução 55 comissão integrada por nove pastores foi designada para estudar este assunto. Naquele mesmo ano, recomendou-se que as igrejas fossem organizadas com o seguinte concerto:

"Nós, os signatários, mediante este nos associamos como igreja, adotando o nome de 'Adventistas do Sétimo Dia', prometendo guardar os 'mandamentos de Deus e a fé de Jesus Cristo' "4

Além desta importante decisão, foi tomada a resolução de que todas as igrejas, no Estado de Michigan, se unissem em associação, tomando o nome de Associação dos Adventistas do Sétimo Dia de Michigan.

A organização da associação local tornou imprescindível e inevitável a criação de um organismo central, tendo em vista amalgamar estas unidades organizadas – as associações – num todo completo. Em uma reunião da Associação de Michigan, celebrada em Monterey, foi resolvido o seguinte:

"Que convidemos as várias associações locais a enviarem seus delegados à nossa próxima reunião anual para celebrar uma assembléia geral."5

A reunião anual seguinte foi de grande significação histórica. Em reunião geral realizada em Battle Creek, de 20 a 23 de maio de 1863, os delegados representando a obra dos Adventistas do Sétimo Dia elegeram os primeiros dirigentes da Associação Geral,* inaugurando uma nova era de ordem eclesiástica e prosperidade denominacional.

Os 25 anos que se seguiram à organização da Associação Geral foram caracterizados por um inusitado crescimento denominacional. Os 3.500 fiéis existentes em 1863, multiplicaram-se em forma alentadora, alcançando em 1888 o total de 26.112 membros, dispersos em 32 associações, 5 missões e 901 igrejas organizadas.

Apesar dos efeitos cruéis e devastadores da guerra civil (1861-1865) nos Estados Unidos, conflito que ameaçou fraturar a unidade nacional, e a despeito de uma obstinada e mordaz oposição orquestrada contra o

* Ver biografia de J. Byington, no capítulo "Varão Conforme o Meu Coração".

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Introdução 56 adventismo, quase sempre contemplado com desprezo e desdém, a Igreja lançou raízes profundas, cresceu em número de membros e instituições e alcançou admirável vigor eclesiástico.

Em 1901 a Igreja contava com 75.000 membros batizados, 16 colégios superiores e escolas secundárias, 27 hospitais e sanatórios e 31 outras instituições. Com efeito, a igreja testemunhou um surpreendente crescimento estatístico e patrimonial.

Entretanto, este crescimento explosivo (o número de membros duplicou a cada década entre 1863 a 1901) precipitou a necessidade de uma descentralização de atividades e uma reorganização administrativa mais consentânea com a expansão de um movimento que, com a bênção divina, crescia e se multiplicava.

Em 1873, George I. Butler, então presidente da Associação Geral, preparou uma monografia intitulada Liderança, na qual sublinhou o fato de jamais haver existido "um grande movimento neste mundo sem a presença de um grande líder''. Ele cria que Deus qualificava homens e mulheres para a realização de uma obra especial e depois os chamava para atuarem como dirigentes. Moisés, Josué, Davi e outros líderes carismáticos foram citados como exemplos. No tocante aos Adventistas do Sétimo Dia, Butler afirmava "ser incontestável a liderança do Pastor White e sua esposa". Uma vez que a Providência divina os havia escolhido como dirigentes da Igreja, Butler concluía ser um dever de cada membro submeter-se em assuntos eclesiásticos às decisões do Pastor White. Proceder de outra forma poderia significar um esforço por "usurpar a posição que Deus lhe confiou".6

A monografia em referência logrou o endosso oficial da Associação Geral em sessão, e foi publicada posteriormente e distribuída por todas as igrejas com o propósito de prestigiar a liderança do casal White, e ao mesmo tempo censurar a disposição crítica dos que se opunham à obra realizada por eles.

Porém, em um artigo publicado posteriormente na revista Signs of the Times, Tiago White observou que Cristo jamais indicou um

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Introdução 57 determinado discípulo para conduzir os destinos de sua igreja.7 Sobre o assunto, Ellen G. White também se expressou, dizendo: "... Satanás se alegraria ao ver as opiniões de um homem controlando a mente e as decisões dos que crêem na verdade presente."8

Embora reconhecendo a obra de liderança realizada por seu esposo durante os anos formativos, Ellen G. White concluiu declarando que uma vez completada a organização da Igreja, seu esposo não mais deveria levar sozinho os "pesados encargos'' da obra. Admitiu que ambos, ela e seu esposo, "haviam cometido o erro de consentir em levar responsabilidades que outros deviam conduzir".9

Posteriormente, em 1875, a Associação Geral reunida em sessão, votou eliminar os parágrafos que no documento redigido por Butler, inferiam o pensamento de que a liderança da Igreja havia sido confiada ao carismatismo de um indivíduo. Rejeitando a idéia de uma administração centralizada em um homem, a assembléia aprovou a seguinte resolução:

"Resolvido que, abaixo de Deus, a mais alta autoridade existente entre os Adventistas do Sétimo Dia encontra-se na vontade da organização desse povo expressa nas decisões da Associação Geral, quando atua nos domínios de sua própria jurisdição; e que a tais decisões todos devem submeter-se, sem exceção, a menos que elas estejam em conflito com a Palavra de Deus e os direitos de consciência individual."10

Em 1897, G. A. Irwin foi escolhido para conduzir os destinos da Igreja então perturbada pela ausência de uma estrutura organizacional adequada. O movimento adventista havia alcançado dimensões respeitáveis e por isso reclamava um sistema administrativo mais refinado.

Com expressões dramáticas, Irwin descreve a deplorável situação então existente:

"Ninguém conhece devidamente a situação na qual nos encontramos. Mesmo nós... que pretendemos ter algum conhecimento, não logramos nos pôr de acordo em muitas coisas, permitindo assim que os descontentes semeiem a discórdia. O que necessitamos agora é unidade entre nós. Há uni sentimento dominante de que cada um tem o direito de fazer o que lhe apraz."11

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Introdução 58 Era imperativa a necessidade de uma reorganização abrangente.

Porém, Irwin, à semelhança de seu antecessor, O. A. Olsen, apesar de animado por um grande afã revisionista, logrou mui pouco em seu esforço por tornar a máquina administrativa menos confusa e mais funcional.

A igreja que se expandia de forma admirável nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Austrália, e ensaiava os seus primeiros passos na África e América Latina, dependia inteiramente da administração central em Battle Creek, tanto na solução de seus grandes problemas regionais, como na orientação de assuntos triviais que caracterizavam a rotina administrativa de uma associação.

Esta concentração do poder de decisão nas mãos de uns poucos líderes militava contra o progresso do movimento adventista. Além disto, a existência de organizações autônomas, tais como a Associação da Escola Sabatina, a Sociedade Missionária de Publicações, a Junta Missionária Internacional e a Associação Benevolente Médico-Missionária, operadas pela Igreja, porém independentes da Associação Geral, comprometia a eficiência do esquema administrativo vigente.

Impunha-se a urgente necessidade de uma descentralização administrativa e, ao mesmo tempo, uma unificação dos setores que, atuando com independência, geravam confusão e desordem.

A trigésima quarta assembléia da Associação Geral celebrada em Battle Creek, em 1901, foi precedida por uma reunião especial com a presença de todos os membros da comissão executiva da Associação Geral, os presidentes de associações, administradores de instituições e os integrantes da Junta Missionária Internacional.

Pairava no ar a expectativa de grandes e momentosos acontecimentos. A Sra. White, que por nove anos havia estado na Austrália lançando os fundamentos da Igreja naquele país, voltava agora a participar diretamente dos trabalhos relacionados com a direção. Convidada a falar aos dirigentes então reunidos, expressou-se com significativo vigor:

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Introdução 59 "Preferiria não ter que falar boje; não quero entretanto, dar a

impressão de que nada tenho a dizer. ... A situação prevalecente na Associação Geral não é entendida claramente por alguns que ocupam postas importantes ou por outros que levam responsabilidade em outros setores da obra.

"O trabalho tem crescido e se expandido. A luz que recebi do Senhor tem sido por mim apresentada sucessivas vezes, não a um grupo numeroso como este aqui reunido, mas a diferentes indivíduos. Os planos sobre os quais Deus deseja que atuemos já foram estabelecidos.

"Jamais a mente de um indivíduo ou de um grupo de pessoas deveria ser considerada como suficiente em sabedoria e poder para controlar o trabalho e determinar os planos que deveriam ser seguidos. A responsabilidade do trabalho neste vasto campo não deveria repousar sobre dois ou três indivíduos. Não estamos atingindo os elevados ideais com a grande e importante verdade que possuímos e que Deus espera alcancemos."12

Depois destas palavras introdutórias, a Sra. White salientou claramente a necessidade de uma reorganização, dizendo:

"Precisamos fixar uma estrutura diferente daquela que foi estabelecida no passado. Ouvimos muito sobre as coisas que avançam sob diretrizes normais. Se vemos que estas diretrizes normais são claras e perfeitas e que representam o molde divino, então devemos aceitá-las. Mas quando sentimos que nenhuma mudança se produz, mesmo após a recepção e aceitarão das mensagens dadas por Deus, então podemos saber que um novo poder deve ser introduzido neste esquema. A orientação destas diretrizes normais deve ser completamente modificada e reestruturada.

"Deve haver uma comissão, composta não apenas de seis ou doze pessoas, mas sim, com representantes de todos os setores da obra, de nossas casas publicadoras, nossas instituições educacionais, e de nossos sanatórios... "13

Com grande influência e liberdade de expressão, a mensageira de Deus sublinhou:

"Não permita Deus, irmãos, que esta assembléia seja celebrada e concluída como as outras, valendo-nos dos mesmos manejos, inflexões e procedimentos. . . ''14

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Introdução 60 Na manhã do dia seguinte, 2 de abril de 1901, após a leitura do

Salmo 106, feita por John N. Loughborough e a oração pronunciada por Stephen N. Haskell, George A. Irwin, presidente da Associação Geral, anunciou a abertura da trigésima quarta assembléia da Associação Geral. Os líderes então reunidos ainda sentiam o eco ressonante das palavras proferidas por E. G. White, no dia anterior. A necessidade de uma reorganização permeava a assembléia. Era evidente que aquele encontro figuraria nos anais da igreja como um momento pleno de significação histórica.

Arthur G. Daniells que, por vários anos como missionário na Austrália, havia revelado surpreendentes qualificações administrativas, foi escolhido presidente da Associação Geral. Era o começo de um novo e fascinante capítulo na história do movimento adventista.

Os delegados reunidos em memorável sessão, animados pelo desejo de descentralizar o trabalho, aprovaram a organização das Uniões, tendo em vista uma distribuição eqüitativa de responsabilidades administrativas. Sabendo que alguns delegados viam na criação de Uniões o perigo de uma eventual fragmentação do trabalho, a Sra. White declarou: "O Senhor Deus de Israel nos conservará unidos.''15

As organizações que operavam independentemente se transformaram em departamentos da Associação Geral e seus dirigentes foram nomeados membros da comissão executiva.

O Dr. John H. Kellogg, que presidia a Associação Benevolente Médico-Missionária, a mais vigorosa de todas as organizações operadas pela Igreja, se opôs tenazmente à idéia de subordiná-la ao controle da Associação Geral. Afinal, após acalorados debates, submeteu-se, com a condição de que a associação por ele dirigida teria seis representantes na comissão executiva da Associação Geral.

Este arranjo, entretanto, teve curta duração. Kellogg e alguns associados, manifestando uma crescente rebeldia, em 1908 se separaram da Igreja, levando com eles a Associação Benevolente Médico-

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Introdução 61 Missionária e o Sanatório de Battle Creek, a maior instituição da igreja daqueles idos.

Com as importantes decisões tomadas na assembléia em 1901, o Pastor A. G. Daniells inaugurou um laborioso e frutífero período de reconstrução. Da confusão saiu a ordem. Um plano inteligente foi estabelecido, tendo em vista maior eficiência operacional. Havia novos odres para vinho novo.

Referências: 1. José March, Voice of Truth, 7 de novembro de 1844. 2. The Midnight Cry, 15 de fevereiro de 1844. 3. Ellen G. White, Testemunhos para Ministros, pág. 26. 4. Matilde E. Andross, Story of the Adventist Message, pág. 105. 5. S. D. A. Encyclopedia, edição de 1966, pág. 933. 6. G. I. Butler, Leadership, 1873, págs. 1, 2, 11, 13. 7. Tiago White, Leadership, Signs of the Times, 4 de junho de 1874,

pág. 4. 8. Ellen G. White, Testimonies for the Church, vol. 3, pág. 501. 9. Ibidem.

10. Review and Herald, 4 de dezembro de 1877. 11. G. A.. Jorgensen, "An Investigation of the Administrative

Reorganization of G. C. of Seventh-day Adventists as Planed Carried out in the G. C. of 1901 and 1903", págs. 20.23.

12. Manuscrito 43, 1901. 13. Ibidem. 14. Manuscrito 43 A, 1901. 15. G. C. Daily Bulletin, 5 de abril de 1901, pág. 68.

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Introdução 62

PARA QUE TENHAM VIDA

"... Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância." S. João 10:10.

Henry Porter era um próspero e hábil banqueiro residente em

Denver, Colorado. Visitando, certa vez, uma filha que vivia em Pasadena, Califórnia, foi acometido por um forte resfriado que, de forma surpreendente, debilitou-lhe as energias físicas, deixando-o completamente prostrado. Levado ao Centro Médico Adventista de Glendale, Porter recebeu as atenções profissionais que o seu estado requeria e em poucos dias se sentiu plenamente recuperado. Ao despedir-se do hospital, tentou recompensar o jovem que lhe aplicou o tratamento hidroterápico, oferecendo-lhe uma importância em dinheiro. Recusando-a, o jovem adventista explicou não ser correto para ele receber uma gratificação em adição ao salário que a instituição regularmente lhe pagava. Seria desnecessário dizer que tal desprendimento produziu no coração de Porter uma impressão duradoura.

Anos mais tarde, estando em São Diego, sofrendo os efeitos devastadores de outro resfriado, Porter lembrou-se do hospital de Glendale, e interrogou sobre a eventual existência de alguma instituição adventista naquela cidade ou cercanias. Em resposta, indicaram-lhe o Sanatório Paradise Valley, conhecido centro médico, também operado pelos adventistas. Internando-se no hospital em referência, Porter submeteu-se ao tratamento que depois de vários dias lhe permitiu sentir-se outra vez revigorado.

Enquanto recebia o tratamento que lhe foi indicado, observava atentamente todas as atividades dentro da instituição. Viu, repetidas vezes, a paciência e a bondade refletidas no cuidado com que uma enfermeira alimentava um quebrantado paciente, vítima do mal de Parkinson. Seu coração foi enternecido com o desvelo profissional

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Introdução 63 revelado por aquela enfermeira e por outros funcionários que ali trabalhavam.

Alguns dias após haver regressado ao lar recebeu uma notificação do hospital, desculpando-se por um erro contábil de 45 centavos em sua conta pessoal.

No dia 12 de fevereiro de 1928, Poder enviou a seguinte resposta: "Recebi a sua carta de 10 do contente, acompanhada de um cheque no

valor de 45 centavos. Agradecendo-lhe, aproveito a oportunidade para devolvê-lo, a fim de ser creditado ao fundo geral da instituição. Sinto não haver pago o suficiente por toda a atenção dada e cuidados que recebi. Devo à instituição uma palavra de reconhecimento pela carinhosa consideração recebida durante meu internamento. Minha esposa e eu estamos bem. Fisicamente, sinto-me cada dia melhor.

"Com apreço e os melhores desejos, sinceramente, (assinatura) H. M. Porter."1

Com esta carta a conta de Porter foi encerrada, mas não terminou aí sua relação com o sanatório. Pequenos exemplos de integridade e demonstrações de amor no desempenho de tarefas profissionais, produziram impressões indeléveis. Dois meses mais tarde ele enviou ao administrador da instituição outra carta, pedindo o nome e endereço da pessoa responsável pela operação dos hospitais adventistas, pois anelava ver uma instituição semelhante estabelecida em Denver, Colorado.

E assim se iniciou uma correspondência entre Porter e a Igreja Adventista, que resultou em um donativo inicial de US$ 380.000,00 (trezentos e oitenta mil dólares para construção de um hospital em Denver, que mais tarde recebeu o nome de Porter Memorial Hospital. Através dos anos, generosos donativos foram enviados à instituição pela família Porter, tendo em vista fortalecê-la financeiramente. Mais tarde, em seu testamento, Porter legou ao hospital a apreciável soma de um milhão de dólares.

Hoje, na cidade de Denver, ergue-se imponente o Porter Memorial Hospital, não apenas como um monumento à generosidade da família Porter, mas também como um tributo a uma enfermeira anônima que

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Introdução 64 carinhosamente alimentava um alquebrado paciente; a um jovem, não identificado, que recusou receber uma gratificação; a um funcionário íntegro que devolveu 45 centavos cobrados indevidamente, e a muitos outros que, no exercício de suas funções dentro do hospital, foram usados por Deus para contar a outros, em palavras e atos, a história do Seu amor.

O Porter Memorial Hospital é hoje um respeitado centro médico, integrando a maior cadeia de hospitais operada por um grupo religioso. Com efeito, de acordo com o último relatório publicado pelo Serviço de Arquivos e Estatísticas da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia, esta rede estende suas atividades através de 72 nações, ocupando 46.000 pessoas, distribuídas em aproximadamente 500 instituições de saúde.

De um artigo publicado na revista US Catholic, escrito por William J. Whiler, professor de História da Universidade Católica de Purdue, nos Estados Unidos, reproduzimos os seguintes parágrafos:

"Podemos esperar que uma Igreja que aguarda o fim do mundo a qualquer momento concentre a atenção exclusivamente em assuntos religiosos. É o que sucede com os Testemunhas de Jeová, que não possuem hospitais, asilos, orfanatos, colégios e clínicas. Seu único interesse parece ser advertir a humanidade da iminente batalha do Armagedom.

"Não assim os adventistas. Sua crença na Segunda Vinda não arrefeceu seu empenho em favor da educação, do cuidado médico ou do serviço em prol de outros. Nenhuma Igreja pode apresentar mais impressionante relatório de serviço médico do que Os Adventistas do Sétimo Dia, levando-se em canta o número total de seus adeptos."2

Com efeito, este contagiante entusiasmo por promover a saúde,

construir hospitais e difundir os princípios de uma medicina preventiva; bem como a preocupação por proclamar, por preceito e exemplo as regras de um viver saudável, constituem uma preciosa herança que recebemos dos próceres deste movimento.

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Introdução 65

Tempo de Obscurantismo O adventismo nasceu numa época em que as condições sanitárias

prevalecentes eram precárias, os sistemas profiláticos primitivos e os processos terapêuticos rudimentares. Como resultado, o índice de mortalidade infantil, comparado com a situação em nossos dias era assustador. Em 1875, nos Estados Unidos, morria uma criança em aproximadamente cada seis, antes de alcançar um ano de idade. Já em 1975, na mesma faixa etária, morria uma criança em cada 63. Em 1850, a média de vida dos americanos era de 39,4 anos, sendo que em 1976 se alongou para 72,4 anos.

Este elevado índice de mortalidade infantil e a reduzida média de vida eram o resultado inevitável do desconhecimento das leis naturais que regulam a saúde do corpo.

Como parte do vestuário feminino, era comum o uso de apertados espartilhos "que reduziam a cintura da mulher a 50 centímetros ou menos''. Depois de dolorosa operação de ajustamento do espartilho ao corpo, que quase sempre contava com a indispensável ajuda do marido, "este podia circundar a cintura da esposa com as duas mãos". A autópsia do corpo de uma mulher naqueles idos revelava, como conseqüência, um fígado geralmente deformado e, algumas vezes quase seccionado pela ação nociva dos espartilhos. A livre circulação da corrente sangüínea era com freqüência prejudicada pelo uso de imensas saias armadas, e peças de roupa interior que pesavam às vezes dezenas de quilos.3

Idéias risíveis no tocante à alimentação revelavam uma ignorância abismal. Em Nova Iorque, durante determinado período, as autoridades declararam ilegal "a venda de alguns legumes considerados então como altamente nocivos". Em certa ocasião o Coronel Robert Johnson, contrariando instruções médicas, comeu em público três tomates, levando alguns observadores à conclusão de que "estava cometendo suicídio".4

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Introdução 66 As práticas médicas eram extremamente primitivas. A Associação

Médica Americana, organizada em 1847, carecia de poderes para disciplinar o exercício da medicina. Bastava possuir um sortimento de produtos químicos (drogas) e um pouco de interesse no tratamento de enfermidades, para que um indivíduo se qualificasse ao exercício das atividades médicas. Um título profissional, em determinadas circunstâncias, era obtido em apenas seis meses de estudos.

A maioria dos médicos opinava que, quando um paciente se apresentava em estado febril, demonstrava excesso de vitalidade que, de alguma forma devia ser controlada (drenada). Como medida terapêutica, aplicavam no paciente sucessivas sangrias que, em lugar de atenuar a febre, debilitavam ainda mais as energias combatidas do enfermo, deixando-o completamente prostrado. Práticas como esta fundamentavam-se mais em processos empíricos, tradições folclóricas, do que em conclusões científicas comprovadas em laboratório.

Honoré Danmier, artista francês, com sarcasmo e ironia caricaturou um médico do século passado, mergulhado em profundas reflexões, interrogando: "Por que será que os meus pacientes sucumbem? Eles são sangrados, drogados e purgados corretamente. Simplesmente não posso entender."5

A morte de George Washington (1732-1799), primeiro presidente dos Estados Unidos, figura como um exemplo típico do obscurantismo daqueles idos. Os médicos que o assistiram aplicaram-lhe uma terapêutica cujos resultados foram mais ruinosos que a enfermidade. Sentindo os efeitos debilitantes de uma febre intensa e pertinaz, Washington solicitou os serviços de um "sangrador" que, com um bisturi extraiu-lhe das veias aproximadamente 14 onças de sangue, tendo em vista "eliminar-lhe o excesso de vitalidade" (sic). A febre porém aumentou e, no dia seguinte a família, preocupada, pediu a assistência de um médico conhecido. Ao sentir a gravidade do caso, este convocou outros dois "especialistas" para juntos analisarem o paciente e determinar uma terapêutica adequada. Porém, enquanto aguardava a presença dos

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Introdução 67 dois outros facultativos, decidiu aplicar uma segunda sangria. Ao chegar um dos médicos solicitados, decidiram proceder a uma terceira sangria, sem que se evidenciasse qualquer melhora.

Este tratamento medieval foi complementado com o emprego de lavagens, o consumo de doses maiúsculas de calomel, acompanhadas com "freqüentes inalações de vapores de vinagre e água".

Ao sentir-se completamente exaurido, torturado por sofrimentos atrozes, Washington suplicou aos médicos que o deixassem morrer em paz.6

Um relatório médico publicado mais tarde, sublinhava o fato de que todos os recursos conhecidos pela ciência médica foram mobilizados no esforço por preservar a vida do estadista, que tão assinalados serviços havia prestado à nação.

O Dr. Tully, um dos poucos médicos que então se opunha às "sangrias" como recurso para eliminar a febre e restaurar a saúde ao paciente, declarou patético: "Com estas sangrias, o rei da Inglaterra perde, cada ano, mais súditos que a guerra de Waterloo com todas as suas g16rias."7

Foi nesta época de ignorância, sofrimento e frustração, quando "enfermos eram sangrados e envenenados, que nasceu o conceito cristão proclamado pelos adventistas de que a aceitação de Cristo como Salvador pessoal incluí a adoção de hábitos saudáveis e princípios de temperança, capazes de manter o corpo – santuário do Espírito Santo – em um nível ótimo de saúde física, mental e espiritual.

Reforma Terapêutica

Em meio ao obscurantismo daqueles dias, ergueram-se inúmeras

vozes que, denunciando os processos terapêuticos vigentes, e os perigos de drogas venenosas no combate às enfermidades, proclamaram as virtudes medicinais dos métodos naturais no tratamento dos enfermos.

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Introdução 68 Estas vozes, entretanto, não foram devidamente ouvidas, pois as

atenções de todos passaram gradualmente a gravitar em torno do apaixonante problema da escravidão, que arrastou o país a uma violenta luta fratricida (1861-1865). Mas, apesar das incertezas e angústias geradas pelo terrível conflito entre escravocratas e abolicionistas, a voz reformadora dos adventistas se fez ouvir, proclamando com grande ressonância os princípios do evangelho da saúde.

Poucos meses depois de terminada a guerra civil nos Estados Unidos, os pioneiros adventistas inauguraram sua primeira instituição médica em Battle Creek (1866), o Western Health Reform Institute, precursora do grande sanatório dirigido por John H. Kellogg. Nesta instituição haveriam de combinar o tratamento das enfermidades, mediante o uso de remédios naturais, com a difusão dos princípios básicos de uma medicina preventiva. A saúde física, mental e espiritual seriam consideradas como interdependentes. Este era, com efeito, um conceito médico revolucionário para uma época de ignorância, confusão e perplexidade.

Mas, onde se inspiraram os adventistas na formulação de seus princípios de saúde e implantação de sua rede multinacional de instituições médicas?

Uma Visão Memorável

Foi no crepúsculo de uma sexta-feira, no dia 5 de junho de 1863,

duas semanas após a organização oficial da Igreja, que o casal White uniu-se à família Hilliard, em Otsego, Michigan, para celebrar o culto de pôr-de-sol. Quando a Sra. White orava ferventemente suplicando o favor divino sobre o esposo, então enfermo e deprimido, foi arrebatada em visão. Naquela oportunidade foram-lhe revelados em forma abarcante os grandes princípios reguladores de um viver sadio, os quais deveriam ser apresentados à igreja como parte integral da mensagem adventista. Nas seguintes palavras encontramos um sumário do que lhe foi revelado:

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Introdução 69 "Vi que era um sagrado dever cuidar de nossa saúde, e animar antros

ao mesmo dever. ... Temos como responsabilidade falar e lutar contra a intemperança de qualquer espécie – intemperança no trabalho, no comer, no beber, no uso dos remédios – e apresentar os grandes remédios de Deus: a água pura e potável, na enfermidade, na saúde, na higiene, e em grande abundância. ... Vi que não devemos silenciar sobre o assunto da saúde, mas despertar nossa mente para isro."8

Com efeito, a ardente súplica da Sra. White em favor do esposo enfermo, foi respondida pelo Senhor, porém não através de uma restauração instantânea. Em visão o Senhor lhe revelou as causas da enfermidade que tanto afligiam o quebrantado esposo. Com as luzes da visão que lhe foi dada, assim se expressou:

"Não é seguro e tampouco agradável a Deus que, após violar as leis da saúde, busquemos ao Senhor, pedindo que vele sobre a nossa saúde e nos guarde de enfermidades, quando os nossos hábitos contradizem as nossas orações."9

A visão de Otsego (publicada no livro Spiritual Gifts, vol. 4, páginas 120 a 151) permitiu que a Igreja nascente percebesse a íntima relação existente entre o vigor físico e a saúde espiritual, e entendesse que a violação das leis da Natureza diminuí os anos concedidos por Deus para serem empregados em Seu serviço.

No Natal de 1865, estando em Rochester, Nova Iorque, a Sra. White recebeu através de outra visão, informações adicionais sobre a saúde e seus problemas. Foi instruída a animar a Igreja a estabelecer instituições médicas, tendo em vista a prática e a difusão de princípios de sanidade.

Havia recebido, é certo, em 1848, luzes no tocante à saúde do corpo. Porém, foram as visões de Otsego (1863) e Rochester (1865) que realmente cristalizaram entre os adventistas a convicção de que a saúde não é produto da casualidade, nem do capricho, mas do respeito às leis da vida, registradas no livro da Natureza.

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Introdução 70

Cinco Princípios Fundamentais As instruções abundantes que encontramos nos escritos da Sra.

White, no tocante á saúde, poderiam ser sintetizadas em 5 grandes princípios:

1. Operação Divina Através de Agentes Naturais – Ao condenar os equívocos da chamada "medicina heróica", responsável pelos altos índices de mortalidade que caracterizaram aqueles dias, a Sra. White salientou as virtudes terapêuticas dos agentes naturais, tanto na preservação da saúde, como na reabilitação de pacientes debilitados pela enfermidade. Diz a inspiração:

"Os remédios de Deus são os simples agentes da Natureza, que não sobrecarregarão nem enfraquecerão o organismo mediante suas fortes propriedades. . . .

"Ar puro, luz solar, abstinência, repouso, exercício, regime conveniente, uso de água e confiança no poder de Deus – eis os verdadeiros remédios."10

2. A Importância da Alimentação – Em seu livro Conselhos Sobre o Regime Alimentar, a autora sublinha com clareza a íntima conexão existente entre os alimentos que ingerimos e o nosso bem-estar físico. Suas afirmações, embora formuladas em um tempo de ignorância, são agora plenamente confirmadas pela ciência.

O Dr. Clive McCay, autoridade na ciência da nutrição, declarou: "Os escritos de Ellen G. White.... provêem uma guia de alimentação

que abrange o carpo integralmente. Grande parte dessa sabedoria do passado não é compreendida hoje, e, tentamos conseguir milagres tomando comprimidos de vitaminas, misturas de sais minerais ou concentrados de proteína.

"Podemos ler repetidamente os escritos de líderes, como Ellen G. White, que ensinam a importância do alimento próprio para a saúde, a fim de obtermos um carpo saudável."11

3. Medicina Preventiva – Os avanços da ciência médica comprovam a substancialidade dos princípios da medicina preventiva enunciados nos escritos do Espírito de Profecia.

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Introdução 71 A saúde não a conseguimos por mero acidente; obtemo-la por

escolha. Mesmo as enfermidades crônicas degenerativas, como as do coração, rins e câncer, poderiam em muitos casos ser evitadas. Este conceito, tão acentuado no livro A Ciência do Bom Viver, tem exercido na vida de milhares uma influência modeladora.

4. Saúde Mental – Antes que a medicina moderna houvesse desenvolvido o conceito atual conhecido como patologia psicossomática, a Sra. White escreveu:

"Muito íntima é a relação que existe entre a mente e o corpo. Quando um é afetado, o antro se ressente. O estado da mente atua muito mais na saúde do que muitos julgam. Muitas das doenças sofridas pelo homem são resultado da depressão mental. Desgasto, ansiedade, descontentamento, remorso, culpa, desconfiança, todos tendem a consumir as forças vitais, e a convidar a decadência e a morte."12

Mas, em que consiste a patologia psicossomática? O termo procede do grego psiquis (mente) e soma (corpo). É pois o estudo das relações existentes entre as perturbações emocionais e as enfermidades físicas e mentais.

Surpreendemo-nos quando descobrimos, nos escritos da Sra. White, um admirável conhecimento acerca da influência decisiva da mente sobre o corpo e a importância das emoções como causas básicas de multas enfermidades.

5. A Saúde Espiritual – A Sra. White deu especial ênfase à religião como elemento terapêutico por excelência. Nenhuma necessidade da alma poderá ser suprida com panacéias ou prescrições dietéticas. A verdadeira paz é encontrada fora do eu, distante dos embates íntimos da alma. Deus nos convida a irmos a Ele: "Vinde a Mim todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei."13 Somos convidados a lançar sobre Ele ''todas as nossas ansiedades''.14 Que promessas consoladoras! Escreveu a pena inspirada:

"O ânimo, a esperança, a fé, a simpatia e o autor promovem a saúde e prolongam a vida. Um espírito contente, animoso é saúde para o carpo e força para a alma. 'O coração alegre serve de bom remédio.' "15

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Introdução 72 Estes cinco grandes princípios inspirados por Deus têm modelado

os hábitos e costumes de mais de quatro milhões de adventistas, cuja vida constitui um poderoso argumento em favor do evangelho da saúde.

"Ela Estava Com a Razão"

"Se algumas de suas recomendações parecem extremadas" –

escreveu Paul Harvey – "imaginem como devem elas ter parecido em 1863! Entretanto, a ciência moderna continua a dizer cada vez mais: 'Ela estava com a razão.' "16

Em "Bom dia, América'', um dos mais populares programas de televisão nos Estados Unidos, foi apresentada a Sra. Cíntia Fitzpatrick, a mulher mais idosa no país. Apesar de já haver celebrado 113 anos de idade, ainda recordava com surpreendente lucidez o nome de sua primeira professora em uma escola rural. Investigando as declarações da Sra. Fitzpatrick, a fim de aferir sua legitimidade, um periodista descobriu que efetivamente a citada professora lhe havia dado aulas, lá pelos idos de 1870.

Qual o segredo da longevidade da Sra. Fitzpatrick? Sendo membro da Igreja Adventista – ela explicou – seus hábitos de vida são orientados pelos princípios de saúde contidos nos escritos de Ellen G. White e promulgados pela Igreja.

Quais os fatores que determinam a longevidade? O Estado da Califórnia, o Serviço de Saúde Pública dos Estados

Unidos e a Universidade de Loma Linda, analisaram os atestados de óbito acessíveis de todos os adventistas falecidos na Califórnia, num período de cinco anos, e concluíram que eles vivem entre seis e sete anos mais que a média dos demais habitantes daquele Estado.

Em geral, os adventistas têm uma incidência de câncer 70% menor do que a população deste Estado, 68% menos de moléstias do aparelho respiratório, 88% menos de tuberculose e 85% menos de enfisema pulmonar.17

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Introdução 73 Dois cientistas noruegueses – os Drs. Waaler e Hjort – não

relacionados com a Igreja Adventista, a serviço do governo de seu país, completaram recentemente um estudo relacionando os hábitos de vida com a saúde. Investigando a vida de todos os adventistas na Noruega, nos últimos dezessete anos, concluíram que, à semelhança dos adventistas na Califórnia, eles vivem uma vida mais saudável e mais longa que a média nacional.

Em seu relatório, amplamente divulgado através da imprensa, rádio e televisão, afirmaram que unicamente o estilo de vida defendido pela Igreja Adventista pode explicar as vantagens dos adventistas sobre os demais habitantes do país.18

E assim fica mais uma vez demonstrado o poder sobrenatural concedido a Ellen G. White, que embora carente de educação formal, nos apresenta em seus escritos uma ciência que antecedeu a ciência.

Referências: 1. Richard A. Schaefer, Legacy, pág. 104. 2. Reproduzido em O Ministério Adventista, janeiro-fevereiro,

1967, pág. 14. 3. Richard A. Schaefer, Legacy, págs. 11, 12. 4. Ibidem. 5. Idem, pág. 4. 6. D. F. Robinson, The Story of Our Health Message, págs. 13, 14. 7. Idem, pág. 15. 8. Ellen G. White, Carta 4, 1863. 9. Ibidem.

10. Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 127. 11. Clive McCay, Natural Foods and Farming, maio de 1958. 12. Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 241. 13. Mateus 11:28. 14. I Pedro 5:7.

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Introdução 74 15. Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 241. 16. Paul Harvey, Paul Harvey New, março de Í969. 17. A Ciência Médica e o Espírito de Profecia, pág. 58 (Preparado

nos escritórios dos Depositários de Ellen G. White da Associação Geral).

18. H. J. Smit, "Norwegians Study S. D. As", Adventist Review, 25 de junho de 1981.

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Introdução 75

SUAVES ... OS PÉS DO QUE ANUNCIA

"Quão suaves são sobre os montes os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, que anuncia o bem, que faz ouvir a

salvação, que diz: O teu Deus reina." Isaías 52:7. Conta-se que Lutero, em seu retiro de Wartburg, viu a Satanás que,

irônico, sarcástico e mordaz, viera perturbá-lo exatamente quando se empenhava na tradução da Bíblia, esforçando-se por fazer os antigos profetas hebreus se exprimirem, em alemão.

Dominado por uma natureza arrebatada, o gênio da Reforma, num assomo de ira, tomando em sua mão um tinteiro arremessou-o contra o diabo, deixando uma mancha de tinta na parede do célebre castelo. Se atingiu ou não o objetivo, ignoramos. Se realmente ocorreu este incidente, não o sabemos. Para os historiadores modernos este detalhe dá vida de Lutero é considerado como mito. O que sabemos, entretanto, é que a tinta tem sido uma arma poderosa e eficaz usada pela igreja cristã na sua luta contra o império da impiedade.

A reação de Lutero poderia parecer uma demonstração de insensatez e mau gênio. Porém, quando refletimos sobre o papel que o vidro de tinta desempenhou na Reforma do Século XVI, concluímos que Lutero escolheu a arma mais eficaz para lutar contra Satanás e as forças confederadas do mal.

Foi em 1423 que Laurént Coster imaginou, por acaso, a idéia de criar tipos móveis. Usando pedaços de casca de árvore, modelou a forma das letras do alfabeto para com ela entreter o filho. Uma dessas letras recortadas lhe caiu no chão, deixando reproduzida na areia sua impressão. Isso, segundo a tradição holandesa, teria revelado a Coster as imensas possibilidades do emprego dos tipos móveis na arte tipográfica.

Em 1438, Johann Gutenberg, impressor alemão, aperfeiçoou a idéia e criou um novo e revolucionário método de impressão, capaz de

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Introdução 76 influenciar a opinião pública através do fluxo livre e eficiente de informações, idéias e doutrinas – a palavra impressa.

Dentro de poucos anos este novo veículo de comunicação – a imprensa – se converteu em poderoso instrumento na obra de difusão do evangelho redentor de Cristo. A Reforma Protestante em breve deveria surgir, e Deus em Seus insondáveis desígnios preparou o caminho, tendo em vista dar aos reformadores os instrumentos necessários para a execução de seus planos.

A Importância das Publicações Cristãs

As publicações cristãs têm tido notável influência na história da

Igreja desde sua origem até os nossos dias. Deus deixou o Evangelho em forma escrita para que pudesse realizar sua obra de maneira mais frutífera e permanente.

Na luta contra o paganismo romano e o judaísmo aferrado à rígida disciplina de suas tradições vazias, as publicações ocuparam um lugar saliente. Multiplicaram-se as apologias dirigidas aos imperadores romanos, as exortações ao povo e as declarações de fé. A literatura exerceu poderosa influencia quando a Igreja avançou pela primeira vez, "conquistando e para conquistar''. Em realidade, as publicações tiveram um lugar saliente na igreja primitiva.

Séculos mais tarde, as publicações exerceram poderosa influência na restauração da fé primitiva. Juntamente com a publicação da Bíblia no idioma do povo, surgiram os escritos paralelos dos indômitos arautos da Reforma. John Wycliffe (1320-1384), e muitos antes dele, e outros que o sucederam, disseminaram no continente europeu um dilúvio de literatura, tendo em vista dissipar as densas trevas que cobriam o mundo medieval. Os valdenses, com grande fervor missionário e arriscando a própria vida, difundiram inúmeras publicações, juntamente com extensas porções da Bíblia, no idioma do povo.

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Introdução 77 Quanta ajuda significaram as publicações para a causa da Reforma!

Em Wittenberg, hoje em dia, na igreja de Lutero, podem-se ver sobre uma mesa coberta de vidro, diversos modelos de publicações por ele usadas na proclamação de Cristo e Sua justiça. Foi a eficiente circulação de uma notável quantidade de impressos que tornou a Reforma uma força incontida. Com efeito, Lutero inundou literalmente a Alemanha com a página impressa. "Sua pena nunca esteve ociosa.... Sem-número de folhetos, procedentes de sua pena, circulava pela Alemanha toda."1

J. H. M. D'Aubigné, conhecido historiador, escrevendo sobre Lutero e sua obra imortal, disse:

"Se ele não conseguiu missionários para levar a mensagem a terras distantes, Deus proveu um missionário de entra espécie. A imprensa foi a sucessora dos evangelistas. Foi a artilharia empregada contra a fortaleza romana. Lutero preparou uma mina cuja explosão sacudiu o edifício de Roma até os alicerces mais profundos."2

Surpreendemo-nos com o volume e a extensão das publicações produzidas na primeira parte do século passado, interpretando as profecias relacionadas com a vinda de Cristo. Aproximadamente duzentos autores e centenas de livros exerceram uma influência extraordinária, mudando a maneira de pensar de milhares de pessoas. A circulação foi surpreendente e admirável.

A Página Impressa e a Igreja Adventista

O lugar das publicações na proclamação da "bem-aventurada

esperança" não é assunto de opção pessoal. Além das lições de história, temos as seguintes declarações do Espírito de Profecia:

"Este é um trabalho que deve ser feito. O fim está próximo. Já se tem perdido muito tempo, quando esses livros já deviam estar em circulação. Sejam eles vendidos longe e perto. Espalhem-nos como folhas de outono. Esta obra deve continuar sem que ninguém a impeça. Almas estão perecendo sem Cristo. Sejam elas advertidas de Seu breve aparecimento nas nuvens do céu."3

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Introdução 78 "De nossos livros e revistas, brilharão luzes que iluminarão o mundo

com a verdade presente."4 Foi durante uma reunião celebrada em Dorchester, no Estado de

Massachusetts, no mês de novembro de 1848, quando Ellen White – então uma jovem senhora de 21 anos – recebeu uma revelação divina. Depois da visão, dirigindo-se ao esposo, assim se expressou:

"Tenho uma mensagem para ti. Deves começar a publicar um pequeno jornal e mandá-lo ao povo. Seja pequeno a princípio; mas, lendo-o o povo, mandar-te-ão meios com que imprimi-lo e alcançará bom êxito desde o princípio. Desde este pequeno começo foi-me mostrado assemelhar-se a torrentes de luz que circundavam o mundo."5

Um ano mais tarde, Tiago White revelou-se profundamente impressionado com a idéia de que havia chegado o tempo de difundir com a pena a verdade presente. A mensageira de Deus descreve o que ocorreu então: como o esposo, ao mesmo tempo que manifestava ânimo e entusiasmo, também alimentava dúvidas e incertezas, pois não possuíam os recursos necessários para materializar este ideal.

Sobrepondo-se ao desânimo, entretanto, Tiago White decidiu trabalhar em um campo de feno. Era então um jovem de 27 anos. Usando uma foice como ferramenta, trabalhava arduamente, recebendo por seu labor o salário de oitenta e sete e meio centavos de dólar por acre (meio hectare). Os recursos assim obtidos serviam-lhe para sustentar frugalmente a família (os White tinham então dois filhos menores), e, pensava ele, para ajudá-lo a financiar a produção de uma modesta revista que teria como título Present Truth (A Verdade Presente). Seria uma publicação de oito páginas e seu formato seria bem simples e modesto (15,5 por 24 cm).

O espírito que animava o jovem pregador, e a determinação de gastar-se e se deixar gastar no serviço de Cristo, podem ser aquilatados em um parágrafo de uma carta dirigida ao irmão Stockbridge, Howland, escrita no dia 2 de julho de 1848:

"Hoje o dia está chuvoso, de modo que não vou cortar feno. ... Corto feno cinco dias para os incrédulos, e aos domingos para os crentes, e

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Introdução 79 descanso no sétimo dia; não tenho, portanto, senão muito pouco tempo para escrever. . . . Deus me dá forças para trabalhar arduamente o dia todo. ... Os irmãos Holt, João Belden e eu contratamos cem acres de pasto para cortar (uns quarenta hectares), ao preço de oitenta e sete e meio centavos de dólar o acre (uns quatro mil metros quadrados) a seco. Louvado seja Deus! Espero ganhar alguns dólares para empregar na causa de Deus."6

Tiago White, infatigável em sua luta por publicar e difundir a verdade, costumava caminhar aproximadamente 25 quilômetros diários para por em marcha a edição de Present Truth.

Quando os primeiros mil exemplares estavam prontos, ele os trouxe para casa e um pequeno grupo de crentes ali se congregou para orar suplicando as bênçãos divinas sobre aquele humilde começo.

"Ajoelhamo-nos em redor dos jornais" – conta a Sra. White – "e, com coração humilde e muitas lágrimas, rogamos ao Senhor que fizesse Sua bênção repensar sobre aqueles mensageiros da verdade.

"Depois de termos dobrado os jornais e meu marido haver embrulhado e endereçado exemplares para todos os que ele julgava os leriam, pô-los numa malinha e, a pé, levou-os ao correio de Middletown [a aproximadamente 13 quilômetros de distância]."7

Em 1852 a família White se mudou para Rochester, Estado de Nova Iorque, onde estabeleceram a obra de publicações sobre fundamentos mais firmes. Compraram um prelo manual por 652,93 dólares, e instalaram-no na Avenida Mount Hope, n.º 124. Naquele lugar se estabeleceu nossa primeira editora. O espírito de sacrifício e renúncia que os inspirava pode ser medido nas linhas que extraímos da carta escrita pela Sra. White à família Howland.

"Acabamos de estabelecer-nos em Rochester. Alugamos uma casa velha por cento e setenta e cinco dólares por ano. Temos o prelo na casa.... Estamos dispostos a suportar privações para que a obra de Deus possa avançar. Cremos que a mão do Senhor esteve sobre nós ao virmos para este lugar. Há um vasto campo para o trabalho, e os obreiros são poucos. Sábado passado, nossa reunião foi excelente. O Senhor nos confortou com Sua presença."8

Assim começou a obra de publicações. Foi uma empresa na qual se conjugaram vários fatores: fé inquebrantável, orações fervorosas,

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Introdução 80 lágrimas abundantes e exaustivos esforços de natureza física e intelectual. A bênção celestial acompanhou a iniciativa tomada pelos pioneiros, e Deus recompensou suas lutas e sacrifícios, não com bens perecíveis, mas com imensas alegrias espirituais.

Do ponto de vista humano, a possibilidade de transformar uma pequena e humilde publicação, em uma empresa de alcance internacional, poderia ser considerada como um ideal visionário, um sonho irrealizável. Porém, aquela visão histórica se cumpriu com impressiva exatidão. Ao visitar as instalações de nossas editoras dispersas por todos os quadrantes da Terra, ouvindo o ruído cadenciado de suas velozes rotativas, sentindo o cheiro da tinta usada na impressão de centenas de milhares de livros e periódicos, recordamos que uma jovem senhora, em 1848, com as luzes da inspiração, vislumbrou as publicações adventistas iluminando a terra com os fulgores da verdade.

"Não desprezem esse começo humilde",9 declarou o profeta Zacarias. Em 1848, Tiago White conseguiu transportar em uma pequena mala toda a literatura então produzida pela Igreja. Em 1981, cem milhões de dólares em livros e periódicos produzidos por nossas editoras, foram transportados por pesados caminhões, velozes transatlânticos e ruidosos aviões, cobrindo o globo consoante as palavras do velho hino:

De um a outro polo, Da China ao Panamá; Do africano solo, Ao alto Canadá.

O modesto custo das 1.000 cópias de Present Truth, reunidas na

bolsa de Tiago White foi de sessenta e quatro dólares e cinqüenta centavos. O valor dos livros e revistas vendidos em 1981, de acordo com os registros do Departamento de Publicações da Associação Geral, excedeu a soma de cem milhões de dólares. Considerando o tímido começo de 1848, e como o Senhor guiou a obra de publicações até o presente estágio, podemos concluir com as palavras de Davi, dizendo: "Grandes coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres."10

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Introdução 81

Mensageiros da Paz Com o transcurso dos anos a obra de publicações prosperou em

grande maneira. As editoras, operando com melhores e mais eficientes equipamentos, aumentaram sua capacidade de produção. A igreja, entretanto, não possuía um sistema eficiente de distribuição. Como conseqüência, o inventário acumulado nos depósitos de livros aumentou em forma desmesurada. Impunha-se a necessidade de um sistema capaz de acelerar em forma mais eficiente a circulação destes evangelistas silenciosos – as publicações adventistas.

Em 1879, Deus enviou, através de Sua mensageira, a seguinte mensagem:

"Algumas coisas de grave importância não estão recebendo a devida atenção em nossos escritórios de publicações. Homens em posição de responsabilidade deveriam elaborar planos por meio dos quais nossos livros pudessem ser divulgados em lugar de permanecer como inventário morto em nossas estantes. Atrasado no tempo, nosso povo não está seguindo as providências abertas por Deus.

"Se há um trabalho mais importante do que outro, é o de colocar nossas publicações perante o público, levando-os assim a examinar as Escrituras."11

Estas palavras suscitaram preocupações e perplexidades. Que poderia ser feito a fim de promover com maior eficiência a circulação de nossos livros e a difusão de nossos periódicos?

As editoras produziam apreciáveis quantidades de publicações contendo a luz da verdade. Porém, o trabalho permanecia incompleto. Faltava, então, a figura heróica e quase legendária do colportor evangelista.

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Introdução 82

Uma Grande Idéia Sob o vidro da mesa de trabalho de um inquieto jornalista, lia-se a

seguinte oração: "Oh, Deus, dá-me hoje uma grande idéia, e perdoa-me pela mediocridade das idéias de ontem." Foi na assembléia da Associação Geral, celebrada em 1880, que uma grande idéia surgiu, apresentada por um homem que agora ocupa um lugar no panteão dos heróis do adventismo. Jorge King, exibindo os dois livros escritos por Uriah Smith – Thoughts on Daniel (Pensamentos Sobre Daniel) e Thoughts on Revelation (Pensamentos sobre Apocalipse), esforçou-se por persuadir os delegados reunidos, de que deveriam ser publicados em um só volume, de tamanho maior, ilustrado e encadernado de maneira atrativa, em pano ou em couro. "Oh! se tão-somente tivéssemos um livro!" – argumentou King. "Um livro que, com orgulho, pudéssemos vender ao público em geral!''

Jorge King havia tido êxito na venda de livros de saúde publicados por editoras seculares. Agora, após estudar os conselhos da inspiração, estava convencido de que, com um livro atrativo contendo a mensagem de Deus, poderiam acelerar grandemente a divulgação da mensagem adventista através da página impressa.

O entusiasmo de King contagiou os delegados que, em forma unânime, aprovaram a adoção da nova idéia. Os dois livros foram publicados em um só volume, e encadernados em pano azul e verde e em couro marroquim, com os cantos dourados ou jaspeados. Tendo-os prontos, os editores, dirigindo-se a Jorge King, disseram: "Aqui estão os livros. Leve-os e venda-os."

King tomou um volume recém-saído da encadernação e imediatamente o vendeu ao primeiro cliente, um jovem chamado Weeb Reavis. Em pouco tempo a tiragem deste livro se esgotou. Novas e sucessivas edições foram produzidas e vendidas por King e outros que

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Introdução 83 posteriormente a ele se uniram, neste novo e vitorioso programa de distribuição e circulação das publicações adventistas.12

Com este novo plano de ação missionária – o ministério da página impressa – a Igreja inaugurou uma nova e triunfante etapa em sua agitada e fascinante história.

"Quão suaves são sobre os atontes os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: o teu Deus reina.' " – declarou o profeta Isaías.13

Para entendermos em toda sua significação as palavras do profeta, devemos interpretá-las em seu contexto histórico. Os habitantes de Jerusalém desejavam a paz com seus tradicionais adversários. A sentinela aguardava ansiosamente a chegada do mensageiro que anunciaria o fim do cativeiro babilônico. Eis que subitamente ele surge sobre a silhueta de uma montanha distante, trazendo as boas novas, a mensagem de paz e libertação.

Com efeito, com os pés incansáveis de milhares de colportores – mensageiros de paz e esperança – os livros, revistas e folhetos produzidos nos prelos adventistas são disseminados por toda parte. Sobre montanhas de dificuldades, lutas e até mesmo perseguições, esses arautos da fé, sem alardes e sem fanfarras, anunciam com a página impressa as boas novas, proclamam o evangelho da paz, e tornam conhecida aos homens a salvação em Jesus.

Esta obra extraordinária, realizada por fiéis colportores, heróis anônimos que atuam fora da ribalta do palco religioso, está produzindo torrentes de luz circundando a Terra.

A Terra Iluminada

O vidente de Patmos descreve um dos acontecimentos mais

significativos da história humana. Ele contemplou em visão o futuro e viu "descer do céu outro anjo que tinha grande poder, e a Terra foi iluminada com a sua glória". Este mensageiro celestial declara que a

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Introdução 84 apostasia alcançou o seu ponto culminante; que Babilônia se converteu em "morada dos demônios"; que todas as nações, todos os interesses comerciais e todas as igrejas se amalgamaram em um monolítico conjunto de impiedade.

Quase concomitantemente, uma voz do Céu convida os sinceros adoradores do Deus vivo a "sair dela''. Babilônia será afligida por causa de seus pecados, e o povo de Deus deve fugir dela como Ló fugiu de Sodoma antes que os juízos divinos sobre ela se abatessem e a transformassem em escombros e cinzas.14

É possível que alguns esperem que a descrição profética de Apocalipse 18, se cumpra mediante a visitação sobrenatural de um anjo iluminando a Terra com sua mensagem e sua glória. Porém, à semelhança dos três anjos de Apocalipse 14, o anjo do capítulo 18 constitui um símbolo. Deus confiou aos homens e não a seres celestiais a responsabilidade de proclamar o evangelho redentor ao mundo. Milhões de vozes anunciarão em todos os quadrantes da Terra a verdade divina para os últimos dias. A luz há de penetrar e dissipar as trevas até que a Terra seja iluminada com a luz fulgurante do evangelho. Multidões preferirão as sombras à luz, porém, de qualquer modo verão a luz, porque esta refulgirá com grande esplendor.

Diferentes agências e métodos se hão de conjugar neste esforço por iluminar a Terra com a glória do ''outro anjo''. Porém, de modo especial, salientamos a influência das publicações produzidas em nossas editoras.

"É em grande parte por meio de nossas casas editoras, que se há de efetivar a obra daquele outro anjo que desce do céu com grande poder, e com sua glória, ilumina a Terra."15

Com linguagem inconfundível a serva do Senhor salienta a relevância da obra de publicações em nossos dias, dizendo:

"As revistas e os livros são o meio de o Senhor conservar a mensagem para este tempo continuamente perante o povo. As publicações farão muito maior obra iluminando e confirmando almas na verdade, do que a que pode ser cumprida unicamente pelo ministério da palavra."16

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Introdução 85 Os documentos cuidadosamente selecionados e classificados no

Arquivo Nacional dos Estados Unidos, levam um selo com as palavras latinas: Littera Scripta Manent! (A Palavra Escrita Perdura). Alguém apropriadamente assim se expressou: "O pregador escreve suas palavras sobre a água, mas o escritor cinzela suas palavras sobre a pedra." A Sra. White reproduz este mesmo pensamento, dizendo: "Um sermão pode ser pregado e logo olvidado, mas o livro permanece."17

Apesar dos enormes obstáculos que nos confrontam na proclamação da tríplice mensagem angélica, temos a promessa de que o Senhor abreviará e completará Sua obra sobre a Tena.18 "Mais de um milhar serão logo convertidos em um dia'' – escreve a Sra. White – "a maioria dos quais atribuirá suas primeiras convicções à leitura de nossas publicações."19

Promessa preciosa! Enormes massas humanas levadas a Cristo pela influência iluminadora de nossas publicações – a palavra que perdura. Com efeito, através de nossas editoras e por meio da obra extraordinária realizada por um exército de indômitos colportores, a igreja tem estado arrojando toneladas e toneladas de tinta sobre o inimigo do bem. Os resultados desta obra transcendem os estreitos limites da imaginação humana.

Referências: 1. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 164. 2. J. H. M. D'Aubigné, History of the Reformation, vol. 6, pág. 197. 3. Ellen G. White, O Colportor Evangelista, pág. 25. 4. Ellen G. White, Testimonies, vol. 8, pág. 87. 5. Ellen G. White, Vida e Ensinos, pág. 128. 6. Idem, pág. 118. 7. Idem, págs. 129, 130. 8. Idem, págs. 143, 145. 9. Zacarias 4:10, A Bíblia Viva.

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Introdução 86 10. Salmo 126:3. 11. Ellen G. White, Testimonies, vol. 4, págs. 388, 390. 12. R. W. Schwarz, Light Bearers to the Remnant, págs. 155, 156. 13. Isaías 52:7. 14. Apocalipse 18:1, 4. 15. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 142. 16. Idem, vol. 2, pág. 534. 17. Ellen G. White, Life Sketches, pág. 382. 18. Romanos 9:28. 19. Ellen G. White, O Colportor Evangelista, pág. 151.

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Introdução 87

O JUSTO VIVERÁ DA FÉ

"Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé." Romanos 1:17.

Era um jovem estudante com um elevado quociente de inteligência.

Acompanhando seu progresso intelectual, os professores anteciparam-lhe um futuro promissor e brilhante. Depois de haver concluído os estudos secundários, ingressou na universidade com o propósito de se especializar em leis.

Enquanto estudava na Universidade, um problema que o angustiava se intensificou: a ausência de paz interior. Perturbado por grandes inquietudes religiosas, sentia a consciência acicatada por um constante e esmagador sentimento de culpa.

Posteriormente, contrariando as aspirações de seu pai, abandonou a Universidade e entrou para um mosteiro, animado pelo anseio de encontrar a paz tão indispensável para o coração perturbado e aflito.

Ele cria em um Deus iracundo, severo e inclemente, cuja ira só podia ser aplacada através de rígida penitência e constante disciplina pessoal.

Passava dias incontáveis imerso no mundo do silêncio, absorto em profundas reflexões sobre a natureza de Deus e Seu relacionamento com o homem. Jejuava pelo menos cem dias por ano. No inverno dormia desnudo sobre o piso frio, sem cobertor ou agasalho. Levantava-se duas ou três vezes durante a noite para orar a Deus em silêncio.

Conhecendo as tensões e angústias que o oprimiam, seus superiores lhe recomendaram a leitura dos escritos de Pedro Lombardo, João Duns Escoto e Tomás de Aquino, teólogos intérpretes do pensamento escolástico-medieval. Vendo-o frustrado em seus esforços por encontrar a paz, enviaram-no a Roma.

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Introdução 88 Pensando poder calar o clamor angustioso da alma, ele subiu sobre

suas mãos e joelhos a legendária escada de Pilatos, situada em uma das basílicas patriarcais em Roma. Repetindo o Pater Noster (Pai Nosso), e beijando cada degrau, alimentava a esperança de assim liberar uma alma do purgatório. Ao chegar ao topo da escada, entretanto, sua mente foi iluminada por um pensamento que mudou o curso de sua vida e, posteriormente, modificou a corrente da História.

". . . de súbito " – escreveu Ellen G. White - "uma voz semelhante a trovão pareceu dizer-lhe: 'O justo viverá da fé.' Romanos 1:17 Ergueu-se de um salto e saiu apressadamente do lugar, envergonhado e horrorizado. Esse texto nunca perdeu a força sobre sua alma."1

Certamente a dramática experiência de Lutero se assemelha em alguns aspectos à experiência vivida por muitos adventistas durante os anos formativos da Igreja.

Quatro Décadas de História

Os pioneiros do movimento adventista, Tiago White, José Bates,

Hirã Edson e outros, criam na suficiência do sacrifício vicário de Cristo. Antes de se identificarem com o adventismo, haviam experimentado o gozo da conversão em suas igrejas de origem. Temas fundamentais como o arrependimento, novo nascimento, justificação pela fé, a graça redentora, etc., eram considerados por eles como preciosas verdades evangélicas.

Não obstante, em seu ministério, davam especial realce às doutrinas que nos são peculiares, verdades que haviam sido então restauradas. Devido à ausência de ênfase na pregação dos grandes temas do evangelho, foram rotulados como legalistas e judaizantes pregadores da lei de Moisés, como instrumento de salvação.

As razões que justificavam este destaque na proclamação das doutrinas caracteristicamente adventistas eram evidentes. À medida que a igreja crescia, multiplicavam-se os ataques contra ela. Proliferavam por

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Introdução 89 toda a parte um sem-número de publicações denunciando as "heresias" adventistas. A observância do sábado passou a ser o ponto focal das investidas adversárias. Para invalidar a importância do quarto mandamento, os pregadores protestantes elaboraram argumentos especiosos e refinados sofismas, em um esforço inútil por provar que Deus modificou a lei ou proscreveu a vigência do Decálogo.

Refutando tais argumentos, os pregadores e escritores adventistas dedicaram demasiada atenção às doutrinas controvertidas, relegando inconscientemente a um plano secundário, temas vitais como Cristo e Sua justiça, a conversão, a justificação e a santificação.

Os artigos publicados em nossos periódicos, e os sermões pregados em nossas cruzadas de evangelização se inspiravam em um estilo polêmico e combativo. Alguns de nossos ministros se tornaram hábeis polemistas. Em debates memoráveis, com talento e brilho, logravam neutralizar os argumentos antinominianos, silenciando a arrogância adversária. Porém, estas polêmicas produziam resultados escassos e limitados.

Preocupada com os constantes debates nos quais se envolviam nossos ministros, escreveu a serva do Senhor: "Estas discussões, orais ou escritas, produzem mais danos que benefícios."2

Em histórico sermão, pregado em 1888, a Sra. White exortou: "Abandonai o espírito de controvérsia, no qual vos estais educando durante anos."3

Com efeito, nestas inflamadas discussões públicas, os relâmpagos do Sinai ofuscavam com freqüência os fulgores do Calvário.

Os triunfos pessoais alcançados nestes debates alimentavam um espírito de suficiência própria, responsável pelo naufrágio espiritual de alguns de nossos mais talentosos obreiros.

Hirã S. Case, após um ministério efêmero, caracterizado por exaltadas confrontações com os adversários da Igreja, renunciou ao adventismo em 1854.

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Introdução 90 Moisés Hull, talentoso e eloqüente evangelista, escritor prolífico,

após inúmeras vitórias conquistadas em memoráveis debates públicos, defendendo a fé adventista, abandonou a Igreja e se identificou com o espiritismo.

B. F. Snook e W. H. Brinkerhoff, respectivamente presidente e secretário da Associação de Iowa, jamais dissimularam o espírito polêmico e combativo que os animava. Em 1886, entretanto, deixaram a Igreja e fundaram um movimento dissidente proclamando entre outras excentricidades, a teoria universalista segundo a qual todos os seres humanos serão salvos.

D. M. Canright, no calor de ásperos debates, revelou brilho, retórica e eloqüência. Mas permitiu-se, como resultado, ser dominado por um espírito enfatuado e arrogante, convertendo-se, após sua apostasia em 1887, em um mordaz, amargo e implacável adversário da Igreja.

"Aqueles que gostam de estar em tais dissensões " – escreveu E. G. White – "em geral perdem a espiritualidade. Não confiam em Deus como deveriam. Usam a teoria da verdade para fustigar seus oponentes. Os sentimentos próprios de um coração pecaminoso produzem os argumentos sarcásticos, usados como aporte para irritar e provocar os opositores. O espírito de Cristo nada tem em comum com isto."4

O destaque que os adventistas davam nestes debates à lei e ao sábado, produzia a convicção generalizada de que criam mais na salvação por obras meritórias que pela fé em Cristo Jesus.

É certo que haviam aceitado a Jesus quando desfrutaram o gozo da conversão. A graça redentora era-lhes, pois, uma experiência viva, irradiante e pessoal. Entretanto, sem se aperceberem, começaram a dar um tratamento preferencial aos temas que nos são peculiares, e inconscientemente relegaram a um plano secundário a proclamação de Cristo e Sua justiça. A preeminência de Jesus foi imperceptivelmente ignorada. Os sermões, artigos e editoriais obedeciam a uma orientação gradualmente argumentativa e cada vez menos cristocêntrica.

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Introdução 91 Como resultado a Igreja sofreu as conseqüências nefastas de um

grande torpor espiritual, que precipitou a crise de 1888, um dos capítulos mais sombrios da história do adventismo.

Se os ministros adventistas houvessem proclamado os trovões do Sinai e sua relação com os fulgores do Gólgota, não teriam sido atacados com tanta veemência por adversários gratuitos, e as quatro primeiras décadas de nossa história seriam agora consideradas pelos historiadores como um período fecundo, caracterizado pela piedade, fervor e dedicação de seus membros aos ideais da cruz.

A Crise Entre Duas Revistas

A tendência legalista revelada no púlpito e na experiência dos

adventistas em geral, se refletia também nos livros, periódicos e folhetos publicados por nossas editoras.

A vigência da lei de Deus, a santidade do sábado, a imortalidade condicional, profecias e escatologia, eram os temas preferidos pelos escritores adventistas. A justificação pela fé, embora considerada como importante verdade bíblica, não recebeu entre eles um tratamento prioritário.

Investigando as cópias da revista oficial da igreja – Review and Herald – publicadas durante aquele período, descobrimos uma alarmante e sintomática pobreza de artigos sobre Cristo e Sua obra redentora.

Em 1877 saiu à luz o livro The Biblical Institute (O Instituto Bíblico). Era uma obra de 352 páginas, publicada com o propósito de explicar em forma sistemática a teologia adventista. Porém, surpreendentemente, não encontramos neste livro nenhuma menção à salvação pela fé em Jesus.

Despontou, entretanto, no seio da Igreja, um homem que prestou relevante e inolvidável contribuição à causa do adventismo: Harvey Waggoner. Com apenas seis meses de educação formal, revelou-se

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Introdução 92 extraordinário autodidata. Compensou suas limitações acadêmicas mediante intenso e disciplinado programa de estudo pessoal.

Antes de aceitar a mensagem adventista, havia sido batista e editor de um pequeno diário de orientação política no Estado de Wisconsin.

Como adventista, revelou-se talentoso evangelista e escritor versátil. Deplorando a ausência de ênfase na proclamação de Cristo e Seu poder redentor, escreveu em 1874 uma série de artigos na revista The Signs of the Times, sobre Cristo, a esperança do mundo.

Em 1881, substituindo o falecido editor da revista, Pastor Tiago White, decidiu como parte de sua política editorial publicar, se possível, em cada número um artigo sobre a graça redentora de Cristo. Para ajudá-lo, convocou os serviços de dois novos assistentes: seu filho médico, Ellet J. Waggoner, com pouco entusiasmo pela medicina e acentuado interesse pelos temas teológicos; e Alonzo T. Jones, um ex-militar que se converteu a Cristo.

Ambos determinaram exaltar em seus escritos os "atrativos incomparáveis de Cristo. "Ninguém terá acesso ao Céu, sem o manto imaculado da justiça de Cristo", reiteravam convictos. "Este manto não pode ser comprado, e tão pouco obtido por obras meritórias." "Somos salvos pela fé, sem as obras da leí'',5 acentuavam em seus artigos e editoriais.

Esta ênfase reproduzida nas páginas da revista The Signs of the Times, suscitou uma crescente preocupação e alarme no seio da Igreja. Muitos entre os adventistas (e até mesmo entre os dirigentes) se haviam identificado inconscientemente com o pensamento de que somos justificados pela fé em Cristo e mais as obras da lei.

Como resultado, um abismo se interpôs entre a Review and Herald, revista oficial da Igreja, e The Signs of the Times, nossa publicação missionária.

Sob a orientação editorial de Uriah Smith, a Review and Herald defendia uma posição legalista, uma espécie de sinergismo ou semipelagianismo. A revista The Signs of the Times, sob a direção de J.

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Introdução 93 H. Waggoner, e seus dois assistentes, defendendo uma posição diametralmente oposta, exaltava o princípio sola fide (somente por fé) aclamado pelos pregadores da Reforma.

Em 1886, Uriah Smith publicou um artigo escrito por O. A. Johnson, no qual, consoante o autor, a lei mencionada na carta aos Gálatas, era a legislação cerimonial.

A interpretação de Johnson foi imediatamente refutada com ardor por E. J. Waggoner, em um artigo publicado nas páginas da revista The Signs of the Times, defendendo a exegese de que a lei apresentada por Paulo nessa epístola não era a legislação levítica, mas sim o Decálogo proclamado no Sinai.

E assim desatou uma acirrada controvérsia entre dois periódicos denominacionais, dividindo a Igreja em partidos antagônicos.

Alarmada com o debate e seus ruinosos efeitos, a Sra. White, que se achava então na Europa, escreveu aos dois grupos litigantes, repreendendo-os por divulgar suas diferenças. Em uma carta dirigida ao Dr. Waggoner, assim se expressou:

"Não vacilo em dizer que o irmão cometeu um erro. Apartando-se das diretrizes positivas que Deus deu sobre este assunto, teremos como resultado apenas prejuízo. ...

"Devemos manter perante o mundo uma frente unida. Satanás triunfará vendo diferenças entre os adventistas do sétimo dia. . . .

"Que pensa o irmão acerca dos seus sentimentos ao ver nossos dois principais periódicos envolvidos em controvérsia? Conheço como eles vieram à existência e sei o que sobre eles Deus tem dito, que não deve haver distensões entre estas duas instrumentalidades divinas. Devem permanecer unidas, respirando o mesmo espírito, exercitando-se no mesmo trabalho, preparando um povo para subsistir no dia do Senhor, unido na fé, unido no propósito."6

Com efeito, a semeadura da controvérsia produziu, pouco depois, na Assembléia Geral de 1888, uma colheita amarga e dolorosa.

Um estudo da história durante as quatro décadas que antecederam o

momentoso encontro de 1888, nos permitem as seguintes conclusões:

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Introdução 94 1. Que a doutrina da justificação pela fé, conquanto jamais refutada,

não ocupou um lugar conspícuo no arcabouço doutrinário adventista, durante aqueles anos.

2. Que as exortações da Sra. White contra os perigos de um evangelho carente de Cristo, não encontraram no seio da Igreja a ressonância que seria de se esperar.

3. Que os ensinos que se inspiravam no princípio protestante, sola fide, foram recebidos com preocupação e desconfiança, até mesmo por alguns líderes da Associação Geral.

4. Que estas circunstâncias conjugadas precipitaram a eclosão da crise de Minneapolis, encontro histórico carregado de conflitos, tensões e emoções.

A Assembléia de 1888

A crescente controvérsia entre o inconsciente legalismo de alguns e

o princípio sola fide, defendido por outros, encontrou o seu clímax na histórica assembléia de Minneapolis, celebrada entre os dias 17 de outubro e 4 de novembro de 1888.

Reuniram-se naquela oportunidade noventa delegados (incluindo três procedentes da Europa), representando 27.000 adventistas dispersos no velho e novo continentes.

O encontro foi precedido por um concilio ministerial, realizado entre os dias l0 e 17 de outubro. Esta reunião preparou a arena para a grande e exacerbada batalha que quase fraturou a unidade da Igreja.

A divergência de idéias e a radicalização de conceitos se evidenciou até mesmo na discussão de temas não relacionados com a justificação pela fé. Em um estudo sobre o capítulo 7 de Daniel, contrariando a opinião defendida por A. T. Jones, Uriah Smith afirmou que os hunos representavam um dos dez reinos simbolizados pelas dez pontas do "animal terrível e espantoso". Jones rejeitou com energia as conclusões

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Introdução 95 de Smith, insistindo que uma correta exegese excluiria os hunos e em seu lugar porra os alamanos.

Smith declarou com modéstia que sua interpretação não era original, pois se estribava na opinião de vários eruditos. Diante desta afirmação, Jones, com rispidez e cortante ironia, declarou: "O Pastor Smith confessou que nada sabe sobre o assunto. Porém, eu conheço o tema, e não quero que me façam responsável pelas coisas que ele desconhece."7

O aparte de Jones foi qual faísca inflamando os ânimos, separando de forma mais definida os grupos antagônicos. A Sra. White repreendeu Jones por haver-se expressado de forma tão áspera, e exortou os delegados a manifestarem uma atitude mais tolerante, cordial e cristã. Porém, seu apelo não encontrou a ressonância que seria de se esperar.

Divididos entre "hunos" e "alamanos" (estas duas expressões passaram a ser usadas para identificar os dois grupos litigantes), eles terminaram os trabalhos do concilio ministerial e, logo após, iniciaram, na assembléia da Associação Geral, o estudo e discussão do tema a justificação pela fé, no contexto da tríplice mensagem angélica. Os ânimos, entretanto, pareciam demasiado exacerbados para um estudo sereno do grande tema que então dividia a Igreja de forma aparentemente inconciliável. Era evidente que os delegados estavam divididos em três grupos, a saber:

1. Aqueles que aceitaram a mensagem sola fide (somente por fé) ou sola gratia (somente por graça) como preciosa experiência religiosa, e julgavam imperativo partilhar com outros o gozo e as alegrias resultantes da compreensão deste tema.

2. Aqueles que resistiam à mensagem e consideravam perigosas as "novas idéias" fermentadas nas páginas da revista The Signs of the Times. Criam que a mensagem da justificação pela fé, tal como estava sendo interpretada, poderia ser o começo do fim do movimento adventista. "Permaneçamos fiéis aos marcos antigos", repetiam com vigor.

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Introdução 96 3. Um terceiro grupo se caracterizou pela neutralidade ou indecisão.

Procurando concordar a princípio com um lado e depois com outro, concluíram confusos, perplexos e desorientados.

Os dois principais expoentes da pregação "somente pela fé", representantes do primeiro grupo, se caracterizavam pela diversidade. O Dr. Waggoner era de baixa estatura, introspectivo, refinado e erudito. Jones, ao contrário, era alto, rude e impetuoso – um autodidata, com a mente cheia de erudição bíblica e histórica. Waggoner era suave e afetuoso; Jones era precipitado e sutil.

Uriah Smith, veterano escritor e redator-chefe da Review and Herald, líder do segundo grupo, considerava as idéias apresentadas por estes dois pregadores como séria ameaça à Igreja. Para ele o problema era basicamente filosófico. Se somos salvos somente pela fé, que necessidade temos de guardar a lei? Não podendo discernir a diferença entre a fé e as obras, concluiu afirmando que a interpretação de Jones e Waggoner militava contra a importância da lei e a instituição do sábado.

G. I. Butler, presidente da Associação Geral, não assistiu à Assembléia de Minneapolis. Sua esposa havia sofrido um derrame cerebral, e ele próprio sentia-se física e mentalmente alquebrado. Entretanto, embora ausente, não ocultou sua enorme preocupação com a nova ênfase dada pelos redatores da revista The Signs of the Times à justificação pela fé. Enviou cartas e telegramas a todos os amigos delegados, instando-os a rejeitar as "novas idéias". "Permanecei firmes ao lado dos marcos antigos'', repetia em cada carta.

O encontro se caracterizou por um conflito de personalidades, motivado não tanto por diferenças doutrinárias inconciliáveis, mas pela vaidade, egoísmo e dureza de coração. Quando, mais tarde, se mostraram dispostos a ouvir a voz de Deus e se humilharam, as diferenças teológicas desapareceram.

Após vários dias de estudos e discussões a assembléia foi encerrada, deixando no ar um sombrio sentimento de confusão e pesar.

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Introdução 97 Em uma carta escrita posteriormente, assim se expressou a mensageira de Deus:

"Foi-me mostrado que a terrível experiência de Minneapolis é um dos capítulos mais tristes na história dos crentes na verdade presente"8

Mas, apesar das tensões, conflitos e frustrações, essa assembléia passou para a história como um evento memorável. Produziu uma grande reforma na Igreja, um efervescente reavivamento entre aqueles que se dispuseram a aceitar os benefícios sublimes da justificação em Cristo.

Depois de 1888

Alguns saíram desse encontro com amargura, dispostos a

neutralizar o efeito da pregação de Jones e Waggoner. Houve inclusive uma tentativa para impedir que eles pregassem no Tabernáculo de Battle Creek.

Porém, com o transcurso do tempo a paz e a unidade foram restauradas. A Sra. White e os dois editores da revista The Signs of the Times, visitaram as igrejas por toda a parte, pregando sobre a justificação pela fé. No ano seguinte, assistindo às reuniões gerais de reavivamento em todo o país, deram especial ênfase a este mesmo tema, proclamando "Cristo é tudo em todos''.

Em 1890, um Instituto Bíblico foi celebrado, e nele Jones e Waggoner tiveram uma participação destacada. Produziu-se como conseqüência um notável reavivamento espiritual. Diversos pastores que se haviam manifestado hostis às "novas idéias", aceitaram a mensagem e, publicamente, confessaram-se arrependidos por haverem rejeitado a luz de Deus.

No dia 31 de dezembro de 1890, a Sra. White enviou a Uriah Smith um testemunho particular de 13 páginas, denunciando a debilidade de sua experiência cristã. Uma semana após, Smith pediu uma reunião especial com Ellen G. White e alguns dirigentes da Associação Geral. Neste encontro leu o testemunho que lhe foi enviado e, pedindo que o perdoassem

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Introdução 98 por sua obstinada resistência, revelou-se então disposto a proclamar com renovado fervor os "encantos incomparáveis" de Cristo e Sua justiça.9

Em 1893, o Pastor G. I. Butler, ex-presidente da Associação Geral, em um artigo publicado na Review and Herald, sob o título ''Pessoal", confessou sua errônea atitude mental frente á mensagem proclamada em Minneapolis.10

Jones e Waggoner, que antes da Assembléia de Minneapolis haviam sido acusados como perturbadores de Israel, passaram a ser aceitos como lídimos mensageiros, suscitados pela Providência para despertar a Igreja e livrá-la dos efeitos entorpecedores de um legalismo vazio, destituído de poder.

A Sra. White, animada pelo afã de salvaguardar a Igreja contra os riscos de cair outra vez nas malhas de um evangelho sem Cristo, consagrou sua pena à produção de cinco preciosos livros: Patriarcas e Profetas, Caminho a Cristo, O Desejado de Todas as Nações, O Maior Discurso de Cristo, e Parábolas de Jesus. A influência extraordinária destes livros, reconhecidos como clássicos na literatura evangélica, tem modelado o pensamento adventista, e preservado a Igreja contra os riscos de um culto semelhante à oferta de Caim.

Referências: 1. Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 125. 2. Ellen G. White, Testimonies, vol. 3, pág- 213. 3. Ellen G. White - Excertos de um sermão inédito pronunciado na

assembléia de Minneapolis, Estado de Minnesota, em 1888; Citado por Norval Pease, em By Faith Alone, pág. 138.

4. Ellen G. White, Testimonies, vol. 3, pág. 285. 5. Romanos 3:28. 6. Ellen G. White, Counsels to Writers and Editors, págs. 75-80. 7. Citado por Norval Pease, em Solamente por Fe, pág. 113.

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Introdução 99 8. Ellen G. White, Carta 179, 1902; Citado por A. V. Olson, em

1888-1901 – 13 Crisis Years, pág. 43. 9. A. V. Olson, em 1888-1901 – 13 Crisis Years, págs. 97-107.

10. Idem, págs. 91.93.

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Introdução 100

UMA ESPADA DE FOGO SOBRE BATTLE CREEK

"... em visões da noite, vi um anjo de pé com uma espada de fogo estendida sobre Battle Creek." – Testimonies, vol. 8, pág. 97.

O apóstolo S. Pedro dirigiu sua primeira epístola universal "aos

estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia".1 Com efeito, poucas expressões seriam más adequadas vara exprimir a situação da Igreja no mundo.

Durante anos os cristãos que viviam em Jerusalém pareciam tão satisfeitos com o privilégio de integrar a comunidade cristã naquela cidade, que se olvidaram de que a grande comissão divina era ir por todo o mundo. Não lhes agradava tomar voluntariamente o caminho da dispersão. Porém, de maneira providencial, eles foram expulsos de Jerusalém, pela perseguição, e se tornaram peregrinos, exilados e dispersos em todos os quadrantes do grande império.

Deus dera a Adão a ordem de frutificar, multiplicar e encher a Terra, mas os seus descendentes planejaram edificar uma cidade tendo como propósito mantê-los reunidos, impedindo deste modo a dispersão. Deus, entretanto, frustrou os seus intentos, espalhando-os sobre a Terra. O mesmo ocorreu com a Igreja Neotestamentária. Disse Jesus: "Ide por todo o mundo'', mas a Igreja se concentrou em Jerusalém, negligenciando cumprir sua missão. Mas, sobreveio ao cristianismo a perseguição que culminou com o martírio de Estêvão. Daquele tempo até agora, os cristãos têm sido em toda parte nada mais que "estrangeiros dispersos", peregrinos e forasteiros em um mundo entenebrecido pelo pecado.

Jerusalém Adventista

Nas três últimas décadas do século passado, Battle Creek, pequena

e bucólica cidade edificada às margens do rio Kalamazoo, no Estado de

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Introdução 101 Michigan, se transformou em uma nova e fascinante Jerusalém. De todos os quadrantes chegavam à cidade fiéis adventistas, animados pelo desejo de gozar os privilégios e alegrias de uma vivência na capital mundial do adventismo. Como conseqüência a cidade cresceu vertiginosamente, tornando-se em pouco tempo "uma grande e ingovernável colônia adventista''.2

Em 1878, planos audaciosos foram formulados tendo em vista construir na cidade uma imensa catedral, capaz de abrigar 3.400 adoradores. Graças à cooperação, generosidade e espírito de sacrifício de muitos, os sonhos acariciados pelos idealizadores deste projeto logo se converteram em realidade. No dia 20 de abril de 1879, em uma cerimônia histórica, o Tabernáculo Dime* foi solenemente dedicado ao culto divino. Com o transcurso dos anos o número dos adoradores que se reuniam neste santuário cresceu de forma desmesurada, levando os dirigentes da igreja a dividir a Escola Sabatina em 173 diferentes classes para o estudo da Palavra de Deus.

Preocupada com o constante fluxo de adventistas, que de forma ininterrupta afluíam a Battle Creek, Ellen G. White exortou:

"Não é o plano de Deus que o nosso povo se concentre em Battle Creek. Jesus ordenou: 'Ide à Minha vinha.' Saí dos lugares onde não sois necessários. Plantar a bandeira da verdade em cidades e vilas onde a mensagem não foi ouvida."3

Os sucessivos apelos apresentados pela mensageira de Deus eram claros e objetivos:

"O povo está sendo animado a se centralizar em Battle Creek, e dão o dízimo e exercem sua influência para a edificação de uma moderna Jerusalém, que não é segundo a ordem de Deus. Nessa obra outros lugares são despojados de recursos que deveriam ter. Aumentai sim, ampliai; mas não num só lugar. Ide e estabelecei centros de influência em lugares em que nada foi feito."4 * Tabernáculo Dime: Assim era chamado o templo de Battle Creek porque foi construído graças a uma campanha de arrecadação das moedas de dez centavos, chamadas Dime.

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Introdução 102 Expressando-se com crescente vigor contra a formação de colônias

adventistas, escreveu: "Mas o povo de Deus nunca se deve reunir numa grande comunidade

como têm feito em Battle Creek. Os que sabem o que significa ter aflição de ainda, nunca o farão, pois sentirão a responsabilidade que Cristo sentia pela salvação do homem."5

Usando como figura literária o transplante de árvores, ela se expressou:

"Transplante, as árvores do seu viveiro densamente plantado. Deus não é glorificado na centralização de tão imensas vantagens em um único lugar. Precisamos de sábios jardineiros que transplantem as árvores para diferentes localidades e lhes dêem vantagens pelas quais possam crescer."6

Malgrado os fervorosos apelos ditados pela inspiração, a corrente migratória rumo a Battle Creek continuou inalterada, precipitando uma imprevisível explosão demográfica adventista.

Impressionante Aglomeração de Instituições

A uma quadra de distância do Tabernáculo Dime, erguiam-se os

prédios da Review and Herald Publishing Association, a maior e mais bem equipada editora estabelecida no Estado de Michigan, onde funcionavam também os escritórios da Associação Geral. A uma distância de dois quilômetros viam-se o recém-fundado colégio de Battle Creek, com seus dormitórios, a florescente fábrica de produtos alimentícios, o orfanato e o asilo para pessoas idosas. Pouco além, no alto de uma suave colina, situava-se o célebre e monumental hospital com os seus 1.000 obreiros e funcionários, sob a administração brilhante, porém independente, do Dr. J. H. Kellogg.

Esta impressionante aglomeração de instituições e bens patrimoniais em uma só cidade jamais contou com o beneplácito divino.

"... declaro em nome do Senhor" – disse E. G. White – "que cometereis um erro em acrescentar edifício a edifício; pois estão sendo concentradas em Battle Creek demasiadas responsabilidades para um só lugar. Se tais

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Introdução 103 responsabilidades fossem divididas e aplicadas em outras localidades, seria muitíssimo melhor do que amontoar tanta coisa em Battle Creek... "7

Sonhos faraônicos e ambições não santificadas inspiravam sucessivas ampliações nos edifícios então existentes, transformando-os em gigantes ingovernáveis.

"Não faz parte do plano de Deus" – acentuou a pena inspirada – "que sejam gastos milhares de dólares em ampliações e acréscimos nas instituições de Battle Creek. Já é demais o que ali existe presentemente." 8

A constante modernização de equipamento, o aumento de capital operativo e os gráficos demonstrativos dos lucros acumulados, pareciam mais importantes que a piedade cristã e a salvação dos perdidos.

Obcecada pela filosofia materialista do lucro, a casa publicadora aceitou um vantajoso contrato para a impressão de vultosos trabalhos para o Estado. De seus modernos prelos fluíam publicações questionáveis, impressos de natureza discutível e até mesmo propaganda de bebidas alcoólicas. Entretanto, os livros e periódicos contendo a mensagem adventista pareciam ocupar um lugar secundário no programa de produção da editora.

O sanatório, sob a administração carismática do Dr. Kellogg, perdia gradualmente as características que o definiam como uma instituição denominacional, tornando-se mais e mais um centro médico interdenominacional.

Além deste esforço ecumênico, tendo em vista cortar os vínculos que uniam o hospital à Igreja, Kellogg transformou a instituição em um dinâmico centro de irradiação de suas difusas e confusas idéias panteístas. Apresentando a Deus como mera essência permeando o mundo natural, Kellogg rebelava-se abertamente contra o pensamento teológico adventista que concebe a Deus como um ser com personalidade própria.

A Sra. White não ocultava sua angústia e perplexidade diante da situação prevalecente em Battle Creek. A Igreja vivia sem dúvida um momento sombrio de sua história. O vigor missionário se havia apagado. A apatia religiosa levava os adventistas a se acomodarem sonolentos à

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Introdução 104 sombra de suas grandes instituições. Uma falsa segurança fê-los ignorar os veementes apelos de Deus enviados por intermédio de Sua mensageira.

Em um derradeiro intento por restabelecer em uma das instituições o fervor adventista, C. H. Jones foi chamado para assumir a gerência da Review and Herald. Conhecendo, entretanto, a deplorável situação então existente, declinou do convite que lhe foi estendido. Lamentando esta decisão, A. G. Daniells, então presidente da Associarão Geral, informou que Jones decidiu não aceitar o chamado, pois via Battle Creek quase totalmente "nas mãos do inimigo", e contemplava a Review and Herald na iminência de ser destruída pelo fogo como conseqüência de "seus grandes pecados".

Com efeito, Jones parecia intuir os severos juízos divinos que em breve haveriam de cair sobre a impenitente Jerusalém do adventismo.

Chamas de Origem Desconhecida

Poucas semanas transcorreram e os adventistas concentrados em

Battle Creek, atônitos e perplexos, testemunharam a ação devastadora de um grande incêndio que destruiu completamente as instalações do sanatório, a maior instituição denominacional.

Foi na manhã fria de 18 de fevereiro de 1902, que labaredas de origem desconhecida irromperam próximas à farmácia do hospital, transformando-o em poucas horas em um imenso holocausto.

Malgrado o grande esforço por conter a fúria das chamas, a guarnição do corpo de bombeiros acompanhou impotente a total destruição do edifício principal com cinco andares, um prédio anexo conhecido como hospital de caridade, e diversas outras estruturas menores que ofereciam serviços de apoio às atividades gerais da instituição.

Os 400 pacientes então internados foram providencialmente resgatados. Não houve desgraças pessoais a serem lamentadas, exceto um paciente que imprudentemente decidiu regressar ao edifício em chamas a fim de recuperar alguns valores que representavam economias

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Introdução 105 acumuladas durante vários anos. Este procedimento temerário lhe custou a vida.

O Dr. Kellogg, que havia estado durante vários dias na Califórnia, regressava ao Michigan. Ao chegar a Chicago, recebeu a infausta notícia de que a instituição de seus sonhos se havia transformado em escombros. Homem de vontade férrea e espírito inquebrantável, em lugar de deter-se em lamentações ociosas, entrou imediatamente em ação. Tomou o trem rumo a Battle Creek, e, com a assistência de uma eficiente secretária, durante o tempo do percurso, traçou os planos para as novas estruturas que desejava ver reedificadas. Na elaboração destes planos, os conselhos de Deus dados através do Espírito de Profecia, foram outra vez ignorados.

De Elmshaven**, Califórnia, onde então residia, escreveu Ellen G. White: "Recebemos hoje a triste notícia do incêndio de Battle Creek." Solidarizando-se com o pesar dos que sofriam com a destruição do grande hospital, acrescentou: "Afligimo-nos com aqueles cujas vidas dependem da instituição.... Com efeito, podemos chorar com aqueles que choram." Valendo-se da oportunidade, entretanto, suscitou uma solene interrogação que não foi tomada em consideração por Kellogg e seus associados: "Construirão eles [os dirigentes do sanatório] uma instituição mamute em Battle Creek, ou tomarão em conta os propósitos de Deus, estabelecendo instituições em muitos lugares?"9

Kellogg, porém, insensível às exortações do Espírito de Profecia, animado por um sentimento altivo, decidiu reconstruir sobre os escombros do velho sanatório uma gigantesca instituição que jamais contou com o favor divino.

E enquanto os planos de reconstrução tomavam forma, a situação espiritual prevalecente na casa publicadora se deteriorava.

Além das publicações questionáveis já mencionadas, contrariando a orientação dada pela Associação Geral, seus dirigentes aceitaram publicar

** Elmshaven: Última residência de E. G. White, em Santa Helena, Califórnia.

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Introdução 106 um manuscrito preparado por Kellogg (The Living Temple) em que o autor apresentava idéias nebulosas, confundindo a personalidade de Deus com o poder divino visto na Natureza panteísmo.

Com esta decisão a sorte da Review and Herald Publishing Association, a maior e mais bem equipada casa publicadora no Estado de Michigan, parecia irreversivelmente lançada. Seus dirigentes pareciam não haver discernido na tragédia de 18 de fevereiro de 1902, a voz de Deus falando através do fogo destruidor.

"Um Anjo com uma Espada de Fogo"

Ocorreu no dia 30 de dezembro de 1902. Aproximava-se a hora do

crepúsculo. As sombras da norte desciam sobre Battle Creek. Não havia naquela hora vespertina sinais de tormenta, nem se

ouviam no ar vozes de lamento. Nenhum abato na terra firme e segura. E, entretanto, aquela seria a última noite a lançar suas sombras sobre os edifícios da Review and Herald Publishing Association.

Às 19:25h, ecoaram as badaladas do sino do Tabernáculo Dime anunciando aos adoradores que se aproximava a hora do culto de oração. Pouco depois um ruído estridente repercutiu quebrando o silêncio da noite. Era o anúncio sinistro de outro incêndio devastador.

Em poucos instantes imensas línguas de fogo, labaredas incontroláveis, precipitaram o desmoronamento das paredes da Review and Herald e toda a estrutura ruiu sobre prelos descompostos e chapas metálicas derretidas pela ação do fogo. Entre estas chapas estavam as matrizes destruídas do livro The Living Temple, no qual Kellogg, defendendo convicções panteístas, exaltava a Natureza em lugar do Criador.

Em pouco mais de dez meses, dois grandes sinistros reduziram a cinzas as duas mais importantes instituições da Igreja. Impressionado com estas duas tragédias, expressou-se o comandante do corpo de

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Introdução 107 bombeiros de Battle Creek, dizendo: "Há algo estranho nos incêndios adventistas; a água atua como se fosse gasolina."10

Muitos foram então levados a refletir sobre as causas que determinaram estas duas grandes calamidades. E enquanto ainda se sentia no ar o cheiro dos elementos destruídos pelo fogo, os membros da comissão administrativa da Review and Herald, reunidos, tomaram as seguintes resoluções:

– Primeiro, concordavam não mais envolver a instituição em atividades comerciais.

– Segundo, que sua única preocupação seria dirigir a instituição tendo em vista os interesses denominacionais.

Imediatamente, após haver recebido a dolorosa notícia do que havia ocorrido com a Review and Herald, Ellen White dirigiu uma mensagem aos adventistas em Battle Creek. Entre outras coisas, escreveu a mensageira de Deus:

"Recebi hoje ultra carta do Pastor Daniells descrevendo o incêndio que destruiu a Review and Herald. Sinto-me entristecido com o que considero uma grande perda para a causa. Sei ser este um tempo probante para os irmãos dirigentes e para os empregados da instituição. Aflijo-me com todos que se sentem aflitos. Não me surpreendi entretanto, com a triste notícia, pois em visões da noite, vi um anjo de pé com uma espada de fogo estendida sobre Battle Creek."11

Consideráveis discussões se seguiram sobre as lições que deveriam ser assimiladas destes dois incêndios. O colégio já havia sido transferido para Berrien Springs, um ano antes. Restava o Tabernáculo Dime, como última estrutura, anunciando de forma notável a presença adventista na cidade. Mas em 1922, o Tabernáculo foi também devorado pelas chamas de um incêndio voraz.

Foram suficientes, entretanto, os dois primeiros sinistros para convencer os dirigentes e a maioria dos adventistas de que Deus havia falado através do fogo, indicando à Igreja o áspero caminho da dispersão. Seguiu-se então um agitado período de desconcentração. Por toda a parte em Battle Creek viam-se sinais anunciando propriedades à

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Introdução 108 venda. A sede da Associação Geral e a Review and Herald foram transferidas para a cidade de Washington, D.C., e centenas de adventistas se dispersaram como peregrinos e forasteiros, levando por toda a parte as luzes da ''bem-aventurada esperança''.

Desintegrava-se a grande colônia adventista. Um novo capítulo de paz e prosperidade na história do movimento adventista começou a ser escrito. Cumpriam-se as palavras inspiradas: "Crede no Senhor vosso Deus e estareis seguros; crede nos Seus profetas e sereis prosperados."12

Referências: 1. I Pedro, 1:1. 2. Lewis R. Walton, Omega, pág. 11. 3. Ellen G. White, Testimonies, vol. 8, pág. 216. 4. Ellen G. White, Testemunhos para Ministros, págs. 254, 255. 5. Idem, pág. 199. 6. Idem, pág. 254. 7. Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã, pág. 224. 8. Ibidem. 9. Ellen G. White, Special Testimonies, Série B, N.º 6, pág. 21.

10. Citado por Lewis R. Walton, em Omega, pág. 29. 11. Ellen G. White, Testimonies, vol. 8, pág. 97. 12. II Crônicas, 20:20.

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Introdução 109

AS PORTAS DO INFERNO NÃO PREVALECERÃO

"... sobre esta pedra edificarei a Minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela." S. Mateus 16:18.

Foi num momento tempestuoso em nossa história denominacional,

quando a nave adventista singrava as águas agitadas da crise panteísta, que o Dr. J. H. Kellogg, rebelando-se contra a Igreja, prognosticou dramático: "Estou convencido que a embarcação Adventista do Sétimo Dia se fará em pedaços."1

Esta predição sombria formulada por uma das figuras mais destacadas da Igreja em seu período formativo, anunciava o naufrágio do movimento adventista, o fim melancólico da obra de fé iniciada em 1844.

Mas seria realmente o movimento adventista uma frágil embarcação fadada a soçobrar nas procelosas águas do oceano da História?

Quando, certa vez, o Pastor D. M. Canright expressou, em carta, ao presidente da Associação Geral – Pastor G. I. Butler – sua determinação de abandonar pela terceira e última vez a Igreja, recebeu da Sra. White a seguinte mensagem:

"Tive um sonho impressionante na noite passada. Pensei que o irmão estivesse num navio solidamente construído, navegando em águas muito agitadas. Por vezes ondas passavam por cima, e o irmão ficava completamente molhado. Dizia: 'Vou descer deste navio, ele vai afundar'. 'Não', dizia alguém que parecia ser o comandante, 'este navio vai entrar no porto. Nunca há de afundar. Mas o irmão respondia: 'Eu serei arrebatado pelas ondas. Como não sou comandante nem piloto, quem se importará? Vou tentar aquele navio que o senhor vê lá adiante.' Volveu o comandante: 'Não o deixarei ir para lá, pois sei que aquele navio vai dar contra os rochedos antes de chegar ao porto.' O irmão se ergueu, ereto, e disse com toda positividade: 'Este navio uai tornar-se um destroço; vejo isto com toda a clareza.' O comandante fitou-o com olhar penetrante, e disse firmemente: 'Não permitirei que o senhor perca a vida, tomando aquele navio. O

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Introdução 110 madeiramento de sua estrutura está roído de bichos, e é um navio enganoso. Se o senhor tivesse mais conhecimento, discerniria entre o espúrio e o genuíno, o santo e aquilo que se destina à ruína completa.' "2

Apesar desta advertência, Canright decidiu abandonar a embarcação adventista para navegar sob outra bandeira. Animava-o o afã de alcançar prestígio e poder. Morreu, entretanto, na mais comovente obscuridade. Cumpriram-se em forma dramática as palavras proferidas pela Sra. White: "Quisestes ser muita coisa, e fizestes uma ostentação e um ruído no mundo, e em resultado disso, vosso sol certamente se porá em obscuridade."3

Desta experiência dolorosa, entretanto, restou a palavra de fé contida no testemunho: "... este navio vai entrar no porto. Nunca há de afundar.'' Alguns anos mais tarde, em um artigo publicado na Review and Herald, a Sra. White explicava as razões que justificavam sua confiança inquebrantável no êxito desta viagem:

"Não necessitamos duvidar nem temer de que a obra não avançará. Deus está á frente... e porá tudo em ordem.... Tenhamos fé de que o Senhor guiará com segurança ao porto a nobre embarcação que conduz o Seu povo."4

Não temos, pois, razões para temer a sorte desta viagem, pois um hábil Timoneiro conduz com mão firme e segura a nave adventista em meio ao fragor das ondas, rumo ao seu glorioso destino.

Neste capítulo analisaremos, sem a preocupação dos detalhes, algumas tempestades que com maior ou menor intensidade sacudiram a "embarcação de Sião", mas não lograram alterar a sua rota.

Primeiros Vendavais

Em suas primeiras décadas, quando a Igreja ainda estava em seu

período embrionário, sucessivos vendavais pareciam conspirar contra o seu futuro. Os fiéis adventistas, remanescentes do naufrágio milerita, eram constantemente perturbados com a pregação de idéias extremistas e fanáticas. Com veemência a Sra. White censurou estes movimentos

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Introdução 111 espúrios, que além de confundir os fiéis, suscitavam opróbrios à causa da verdade.

Ao escrever sobre suas primeiras atividades, a mensageira do Senhor descreve uma viagem que realizou com seu esposo, em 1850, através dos Estados da Nova Inglaterra, ao leste dos Estados Unidos. Muitos dos fiéis adventistas ainda sofriam o grande trauma produzido pelo desapontamento de 1844. Havia entre eles o desejo ardente de descobrir a verdade no tocante à volta de Cristo, e neste esforço alguns se desorientaram seguindo os caminhos tortuosos do fanatismo. Escreveu E. G. White:

"Tivemos que enfrentar... alguns que pretendiam estar santificados e que já não podiam pecar, que estavam selados e que todas as suas impressões e idéias estavam em harmonia com a vontade de Deus.

"Pretendiam curar os enfermos e operar milagres. Tinham poder satânico e eram ditatoriais, cheios de imposições e cruelmente opressores."5

O fanatismo que tão perigosamente agitou a Igreja naqueles primeiros anos, se manifestou em outras formas estranhas e surpreendentes:

"Alguns pareciam crer que a religião consistia em grande excitação e rumor. ...

"Alguns havia que professavam grande humildade, e advogavam o arrastar-se no chão, quais crianças, como prova de hun1ildade.

"Havia alguns em Paris (Maine), criam ser pecado trabalhar.... "Diferentes ocasiões foram marcadas para a vinda de Senhor e

insistida-se a tal respeito com os irmãos."6 Aqueles foram, com efeito, dias caracterizados por agitação e

perplexidade. Satanás, porém, fracassou em seu calculado esforço por arrastar a embarcação adventista a um trágico naufrágio. Uma Providência vigilante velava sobre o barco e sua preciosa carga.

Primeira Dissidência

Em 1853 a Igreja sofreu suas primeiras defecções. H. S. Case e C.

P. Russell, ministros adventistas, contrafeitos com os conselhos que a

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Introdução 112 Sra. White lhes enviou, apartaram-se criticando o casal White por "exaltar os Testemunhos acima da Palavra de Deus". Denunciaram a "existência de erros e contradições no Espírito de Profecia'' e ao Pastor White acusaram de se haver apropriado de lucros indevidos com a venda de Bíblias. Passaram a acolher todo elemento hostil aos Adventistas do Sétimo Dia e, especialmente, à obra da Sra. White.

Vários ex-ministros e um bom número de membros começaram com o som de trombetas e o agitar de bandeiras a proclamar a necessidade de "derribar a tirania estabelecida pela Igreja, de anular a influência do dom de profecia e de afastar o Pastor White e a esposa da posição que ocupavam". Iniciaram a publicação de um periódico (Messenger of Truth) em cujas páginas reproduziram estranhas e esdrúxulas idéias que violentavam os princípios básicos da interpretação profética. Em um de seus números publicaram um artigo no qual declararam que os "dois chifres semelhantes aos do cordeiro'', na visão descrita no capítulo 13 do Apocalipse, representavam a França e a Inglaterra. Estas e outras extravagantes especulações exegéticas suscitaram acirrados debates entre eles, dividindo-os em grupos antagônicos, levando-os afinal a uma completa dissolução. Um dos seus dirigentes tornou-se espírita, o outro mórmom e os demais desapareceram em meio ao naufrágio de um movimento que jamais contou com o favor divino.7

Cumpriam-se em forma inapelável as palavras de Jesus: "Toda a planta que Meu Pai celestial não plantou, será arrancada."8

"Embora a primeira tentativa aberta fosse um fracasso tão terrível" – escreveu Urias Smith – "o espírito que caracterizou esta rebelião espreitada os flancos de nossa causa, desde então até hoje, irrompendo de quando em quando segundo se oferecia ocasião. Ele explodiu novamente em Michigan. ... Apareceu ainda em Iowa,... sob outro nome; e está agora encontrando um campo favorável no Missouri. Mas que espécie de gozo pode alguém encontrar em uma causa cujas origens se encontram nos pantanais da revolta?"9

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Introdução 113

Grupo Marion A dissidência no Estado de Iowa mencionada por Smith no

parágrafo anterior foi liderada por B. F. Snook e W. H. Brinkerhoff, respectivamente presidente e secretário, da recém-criada Associação de Iowa. Após a assembléia da Associação Geral celebrada em 1865, eles intentaram separar a Associação que lideravam, descontinuando suas relações com a Associação Geral. Opondo-se à estrutura organizacional estabelecida e questionando a interpretação tradicional adventista no tocante às três mensagens angélicas (Apocalipse 14), foram levados em sua crescente rebelião a rejeitar a perpetuidade da instituição do sábado e a proclamar a teoria universalista, segundo a qual todos os seres humanos serão salvos. Difundindo tais idéias, perderam sua influência e o movimento se debilitou precipitadamente.

Alguns dentre os dissidentes, entretanto, animados pelo desejo de salvar o movimento de uma desintegração total, formaram o grupo chamado Marion, que se opunha de forma exacerbada às visões da Sra. White e proclamavam as virtudes do sistema eclesiástico congregacional que concede à igreja local autonomia plena e final.

Este grupo mais tarde deu origem à chamada Igreja de Deus do Sétimo Dia, tendo como sede a cidade de Denver, no Estado de Colorado. Embora defendendo a validade do sábado como instituição divina, eles continuaram inflexíveis em sua oposição obstinada ao dom de profecia manifestado na vida e obras de Ellen White.

Hoje, transcorridos mais de um século de existência, a Igreja de Deus do Sétimo Dia constitui uma organização eclesiástica integrada por um reduzido número de comungantes, lutando por sua própria sobrevivência.

Há alguns anos, F. D. Nichol, então redator da Review and Herald, desfrutou o privilégio de um cordial encontro com um dos dirigentes

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Introdução 114 deste grupo religioso. No seguinte parágrafo ele reproduz um fragmento do amistoso diálogo então acorrido:

"O dirigente da Igreja de Deus do Sétimo Dia falou da expansão da Igreja Adventista do Sétimo Dia, suas escolas, casas editoras, instituições médicas, acrescentando depois: 'Vossos homens foram de mais visão do que os nossos, e tiveram melhores planos. Ao que respondemos: 'Não, nossos homens não foram mais sábios do que os vossos, mas tivemos uma frágil serva de Deus em nosso meio, a qual revelava as visões de Deus, e o que devíamos fazer e como nos cumpria planejar para o futuro.' Nenhuma outra explicação se poderia dar para justificar a vitalidade... do movimento adventista no mundo."10

A Igreja Não é Babilônia

Depois da tormenta suscitada por Snook e Brinkerhoff, com suas

conseqüentes derivações, a embarcação adventista, durante aproximadamente três décadas singrou águas plácidas e serenas. Neste período de bonança a Igreja enfrentou algumas crises internas, porém nenhum indivíduo ou grupo organizado despontou pretendendo fraturar sua unidade.

No início da última década do século passado, entretanto, A. W. Stanton, um ativo leigo radicado no Estado de Montana, rebelou-se ostensivamente contra a Igreja e publicou um folheto intitulado The Loud Cry (o Alto clamor). Desiludido com a liderança da igreja, declarou veemente que os adventistas se haviam desviado tanto da verdadeira fé, que a Igreja se havia transformado em Babilônia. Chegou o tempo – dogmatizou Stanton – para os fiéis e sinceros adventistas descontinuarem seu apoio financeiro à Igreja e aceitarem o solene convite apocalíptico: "Sai dela, povo Meu." Em suas catilinárias contra a Igreja, reproduzia inúmeros textos do Espírito de Profecia, os quais, empregados fora do contexto, eram distorcidos em seu significado, e assim usados para comprovar o acento de suas idéias. Enviou à Austrália um de seus associados tendo em vista obter da Sra. White uma palavra de apoio. Porém, recusando-se a endossar os argumentos enganosos

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Introdução 115 apresentados por Stanton, a mensageira de Deus acusou-o, sem rebuços, de atuar sob a influência enganosa do arquiinimigo.

"Meu irmão" – escreveu a Sra. White – "soube que estais assumindo a posição de que a Igreja Adventista do Sétimo Dia é a Babilônia e de que todos os que se querem salvar devem sair dela. Não sois o único homem que o diaba tem enganado nessa questão. Durante os últimos quarenta anos, um homem após outro tem-se levantado, alegando que o Senhor o enviou com a mesma mensagem. Mas permiti-me dizer-vos, como a eles tenho dito, que essa mensagem que proclamais é um dos enganos satânicos destinados a criar confusão entre as igrejas."11

Em uma carta escrita posteriormente a um dos associados de Stanton, exornando-o acerca dos riscos que incorria ouvindo a voz de um homem, a Sra. White inseriu o seguinte parágrafo:

"Advirto a Igreja Adventista do Sétimo Dia a ser cuidadosa quanto à maneira porque recebeis toda idéia nova e aqueles que pretendem ter grande iluminação. O caráter de sua obra parece ser acusar e despedaçar. Dêem os crentes ouvidos à voz do anjo que disse à Igreja: 'Uni-vos.' Na união está a força. Amai como irmãos, sede compassivos, corteses. Deus tem uma Igreja e Cristo declarou: 'As portas do inferno não prevalecerão contra ela.' "12

A publicação de uma série de quatro artigos escritos pela Sra. White, sob o título A Igreja Remanescente Não é Babilônia, foi suficiente para neutralizar a rebelião e fazer abortar um movimento espúrio gerado no coração de um homem.

O Movimento da "Carne Santa"

Os dois movimentos contestatórios dos Estados de Iowa e Montana,

lograram pouca repercussão no seio da Igreja. A população adventista nestes dois Estados era então escassa e esparsa.

Entretanto, em 1899, no Estado de Indiana, quase à sombra da sede da Associação Geral, em Battle Creek, irrompeu um novo movimento conhecido como "Carne Santa". Operando em uma área de maior densidade adventista, este movimento alcançou maior penetração que os

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Introdução 116 anteriores. Representou uma ameaça à unidade da Igreja, em uma área caracterizada por grande concentração adventista.

Crescia então entre os adventistas a convicção de que em breve viria o refrigério prometido – a chuva serôdia. O eco das mensagens pregadas na assembléia da Associação Geral celebrada em Minneapolis, em 1888, repercutia favoravelmente em muitos lugares, produzindo as evidências de um crescente reavivamento espiritual. A. F. Ballenger, eloqüente pregador, com talento e carisma, criou entre milhares de adventistas um clima de excitação mística com a apresentação de um tema que lhe era favorito – "Recebestes o Espírito Santo?"

Em uma ocasião, pregando este mesmo sermão, Ballenger assim se expressou: "É demasiado tarde para pecar em pensamento, palavras e ação; é chegado o momento quando devemos receber o Espírito Santo em toda a Sua plenitude."13 Estas palavras repercutiram com grande ressonância no coração de S. S. Davis, um obreiro no Estado de Indiana. No início de seu ministério, Davis havia tido contato com alguns cristãos pentecostais. Impressionado com o seu zelo religioso e entusiasmo carismático, declarou: "Eles possuem o 'espírito', mas nós temos a verdade. Se tivéssemos, entretanto, o 'espírito' que eles possuem, com a verdade que temos, realizaríamos grandes coisas."14

Em 1898, Davis foi solicitado pela Associação a conduzir, como pregador itinerante, reuniões de reavivamento espiritual. Com o apoio do presidente, R. S. Donnell, pregando em uma grande tenda, suscitou dentro da Associação um ambiente de inusitada excitação espiritual. Valendo-se de inúmeros instrumentos musicais – violinos, tamborins, flautas, cornetas e trombetas – criava condições místicas imprescindíveis para a aceitação de seus questionáveis ensinos. Instava os ouvintes a erguer os braços, a bater as mãos e a gritar pedindo a unção do Espírito Santo.

Em um ambiente carregado de histerismo religioso, alguns caíam prostrados. Levados à plataforma, eram circundados por fiéis que cantavam, oravam e saltavam entre gritos e exclamações triunfais. Retornando deste estado de prostração e quase inconsciência, eram

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Introdução 117 informados de que haviam passado pela experiência que Jesus viveu no Getsêmani, na noite que precedeu a crucifixão.

Esta experiência era a demonstração tangível de que haviam "nascido" como filhos de Deus. Estavam então plenamente purificados de todo o pecado, não mais possuíam inclinações pecaminosas e a morte não mais teria poder sobre eles; estavam assim preparados para a trasladação. Sem a "experiência do Getsêmani", sentenciava Davis, dogmático, "o crente poderá alcançar o Céu como filho 'adotado' por Deus, mas através da via subterrânea'', experimentará o poder da morte. Embora destituídas de apoio escriturístico, estas idéias extravagantes conhecidas como "doutrina da carne santa", foram amplamente aceitas por expressivo número de membros da Associação, inclusive o próprio presidente.15

Na reunião campal da Associação, celebrada em 1900, estes ensinos foram aceitos por todos os membros da comissão executiva, exceto dois ou três obreiros. S. N. Haskell e A. J. Breed, que representaram a Associação Geral naquele encontro, não ocultaram suas profundas preocupações diante do que viram – reuniões tumultuadas por uma onda avassaladora de fanatismo, histeria mística e arrebatamentos emocionais incontroláveis.

Sete meses mais tarde, na assembléia da Associação Geral celebrada em Battle Creek, a Sra. White reprovou o movimento, dizendo:

"Foi-me dada instrução relativamente á última experiência dos irmãos de Indiana e o ensino que deram às igrejas. Mediante esse movimento e ensino o inimigo tem estado operando para desencaminhar almas.

"O ensino dado com relação ao que é denominado 'carne santa' é um erro. Todos podem obter agora corações puros, mas não é correto pretender nesta vida possuir carne santa."16

A Sra. White exprobrou o emocionalismo exacerbado que caracterizava o movimento da Associação de Indiana. "A excitação não é

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Introdução 118 favorável ao crescimento na graça",17 observou a mensageira de Deus. O testemunho claro e direto foi aceito pelos Pastores Donnell, Davis e todos quantos estiveram identificados com o novo ensino. Por sugestão dos dirigentes da Igreja, os líderes da Associação de Indiana renunciaram e foram substituídos por outros que não se haviam envolvido com o fanatismo. Davis, entretanto, anos mais tarde teve o seu nome excluído da Igreja. Posteriormente mudou-se para outro Estado, onde aceitou a ordenação ao ministério que lhe foi oferecida pela Igreja Batista.

A Crise Panteísta

Entre as tormentas que sacudiram a nave adventista em seu cruzeiro

profético, nenhuma alcançou a magnitude que caracterizou as controvérsias entre J. H. Kellogg e a Associação Geral. Durante anos, como talentoso médico, escritor prolífico e eficiente administrador, prestou à Igreja uma obra relevante. Permitiu, entretanto, que a semente da rebelião plantada por Satanás, germinasse em seu coração, levando-o a macular sua folha de serviços e lutar contra a mensagem.

Compreendendo os perigos que o assediavam, a Sra. White enviou-lhe solenes mensagens de orientação e censura, mas indiferente continuou seguindo os seus próprios caminhos. Contrariando os conselhos da inspiração, defendia a superconcentração de autoridade no âmbito da obra médica, arquitetava planos faraônicos e intentava até mesmo controlar as decisões tomadas pela Associação Geral.

Insidiosamente começou a difundir ensinos que a princípio pareciam atrativos, corretos e inofensivos, mas acabaram resultando em evidente panteísmo. Com notável poder de persuasão apresentava Deus como mera essência permeando o mundo natural.

"Deus" – escreveu Kellogg – "é a explicação da Natureza, que se manifesta em meio de todas as coisas, movimentos e variados fenômenos do Universo e por meio deles."18

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Introdução 119 No congresso da Associação Geral celebrado em 1897, declarou

com grande convicção: "Essa força que mantém unidas todas as coisas, que está presente em

todos os lugares, que palpita por todo o Universo, que atua instantaneamente através do espaço ilimitado, não pode ser outra coisa, senão o próprio Deus. Quão maravilhoso é pensarmos que o próprio Deus está em nós e em tudo."19

Idéias como esta poderiam levar muitos a buscar não o Deus revelado nas Escrituras, mas uma mera essência diluída no mundo natural.

Esta filosofia conhecida como panteísmo, com as suas variantes, é hoje defendida por diferentes correntes do pensamento religioso. Na Índia, pelo hinduísmo; na China pelo confucionismo e taoísmo; entre os seguidores de Olzott e Ana Besant, esta filosofia toma o nome de teosofia; e entre os discípulos de Mary B. Eddy, constituí a essência da Ciência Cristã.

Destacados pregadores, respeitados médicos e conhecidos educadores adventistas, apesar das restrições apresentadas pelos dirigentes da Igreja e das afirmações inequívocas do Espírito de Profecia, aceitaram os ensinamentos de Kellogg, gerando uma crise sem paralelo na história da Igreja.

A Associação Geral recomendou à Review and Herald Publishing Association a não publicação do livro The Living Temple (O Templo Vivo), no qual Kellogg, valendo-se de sofismas e argumentos sutis, defendia o culto da Natureza em lugar da adoração ao Criador do mundo natural. A casa publicadora, entretanto, contrariando o conselho da Associação Geral, aceitou os manuscritos do livro em referência. Quando já as chapas metálicas estavam prontas para imprimi-lo, o juízo divino se fez sentir, e a casa publicadora se transformou em escombros e cinzas, como resultado da ação devastadora de um incêndio.

Os manuscritos foram enviados posteriormente a outra editora, que imprimiu uma grande tiragem do livro The Living Temple, e desta maneira a cizânia do panteísmo passou a ser difundida com grande eficiência e maior repercussão.

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Introdução 120 Foi, porém, no concílio anual da Associação Geral celebrado em

Takoma Park, Estado de Maryland, em 1903, que a crise atingiu seu ponto culminante. A. G. Daniells, então presidente da Associação Geral, desejava neste concílio dedicar uma atenção especial à obra da evangelização. Porém, viu seus planos frustrados, quando se apercebeu de que entre os presentes estavam uns dez obreiros procedentes de Battle Creek, que ali compareceram para defender o pensamento panteísta vertido no livro The Living Temple. Durante um dia inteiro as discussões gravitaram em torno das idéias de Kellogg e seu livro. Muitos pareciam confusos e perplexos. Eram aproximadamente 21:00 horas, quando Daniells sugeriu que os trabalhos do concílio fossem interrompidos, para serem continuados no dia seguinte.

Ao regressar ao lugar onde se hospedava, Daniells foi acompanhado pelo Dr. Davi Paulson, vigoroso defensor do pensamento de Kellogg. Irritado com a firme disposição revelada por Daniells de combater com vigor as novas idéias, com o dedo em riste, declarou Paulson:

"O senhor está cometendo o maior erro de sua vida. Depois de toda esta agitação, um dia destes se encontrará caído no pó, e um outro estará dirigindo as forças."20

O Pastor Daniells, embora revelando em seu rosto as evidências de um grande esgotamento físico, respondeu:

"Não creio em sua profecia. Mas seja como for, preferiria cair no pó fazendo o que creio em minha alma ser certo, que andar com os príncipes, fazendo o que a minha consciência me indica ser incorreto."21

Deprimido com as ásperas disputas ocorridas durante o dia, Daniells entrou em seu aposento e lá encontrou uma extensa e providencial mensagem que a Sra. White lhe havia escrito. Com grande avidez Daniells leu o manuscrito inspirado, no qual os erros apresentados no livro The Living Temple eram vigorosamente denunciados. Surpreendentes são os caminhos de Deus! A mensagem chegou no tempo exato para salvar a causa de um descalabro.

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Introdução 121 Na manhã seguinte, Daniells declarou aos delegados reunidos haver

recebido da Sra. White uma mensagem. Com voz pausada e grave leu o documento, do qual reproduzimos as seguintes linhas:

"Sede cuidadosos acerca de como defendeis os conceitos deste livro no tocante à personalidade de Deus. Segundo me apresentou o Senhor, estes conceitos não têm aprovação de Deus. São um ardil que o inimigo preparou para estes últimos dias. ...

"Nas visões da noite, este assunto me foi apresentado claramente diante de um grande número de pessoas. Alguém que possuía autoridade estava falando... Esta pessoa que falava apontava para 'O Templo Vivo', dizendo: 'Neste livro há declarações que o próprio doutor não compreende. Muitas coisas estão descritas em forma vaga e indefinida...' "22

A leitura do manuscrito em referência produziu unidade e separação. Unidade entre os que se dispuseram a aceitar os conselhos enviados pela pena inspirada, e separação da parte daqueles que preferiram seguir suas próprias convicções, repudiando o testemunho inspirado.

Pouco depois a Sra. White enviou a Daniells outra mensagem, descrevendo que, em visões da noite, foi-lhe mostrado um navio navegando em meio a densa cerração. De repente, bradou o vigia: "Iceberg à frente!'' Este bloco de gelo era de dimensões gigantescas e elevava-se mais alto que a embarcação. Uma voz plena de autoridade exclamava: ''Enfrentai-o!'' Sem vacilações o maquinista acelerou a velocidade e o timoneiro guiou a nave diretamente rumo ao iceberg. Com grande ruído o gelo foi quebrado e reduzido a fragmentos. Os passageiros foram sacudidos violentamente, e o navio sofreu avarias, mas com possibilidades de ser reparado.23

Desta forma o movimento adventista foi salvo em um momento de crise, pois uma Providência vigilante velava sobre a Igreja e sua liderança.

Movimento Rowenita

Para o mundo, 1916 foi um ano marcado por profundas angústias,

apreensões e temores. A Primeira Guerra Mundial estava em processo.

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Introdução 122 Os canhões das nações beligerantes continuavam suas atividades sinistras ensangüentando os campos da velha Europa, deixando por toda parte ruína, miséria e desolação. A violenta batalha de Verdum, na França, uma das mais encarniçadas na história dos conflitos armados, cobrou um preço demasiado alto, fazendo ruir por terra as esperanças utópicas no "triunfo inevitável da civilização".

Para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, 1916 foi também um ano tormentoso. A Sra. White, que por mais de setenta anos guiou o movimento adventista nos momentos de prosperidade, bem como nas horas tempestuosas, não mais existia. Ergueu-se então no seio da Igreja a Sra. Margarita W. Rowen, proclamando possuir o dom de profecia e, como tal, pretendendo continuar a obra extraordinária e fecunda realizada pela mensageira de Deus. Poucos meses haviam transcorrido desde a morte da Sra. White, e pareceria natural se esperar a continuidade do dom profético na Igreja.

Com astúcia e dolo, a Sra. Rowen esforçou-se por persuadir os adventistas do sétimo dia quanto à legitimidade de suas pretensões. Anunciou haver visto, em visão, a existência de um documento nos arquivos de E. G. White, em Emshaven (última residência de E. G. W.), indicando-a como instrumento escolhido pela Providência para conduzir uma grande obra de reforma nos últimos dias.

Antes, porém, convenceu um dos seus seguidores, o Dr. B. E. Fullmer, de que possuía um importante documento extraído furtivamente dos arquivos do Espírito de Profecia, quando, em uma de suas visitas, lhe foi permitido permanecer sozinha por alguns instantes, examinando os documentos custodiados pelos Depositários dos Escritos e Publicações de E. G. White. Descobriu – dizia a Sra. Rowen – um papel assinado pela Sra. White, acreditando-a como mensageira escolhida por Deus para dar continuidade ao dom de profecia.

Convencido de que se tratava de um documento autêntico, o Dr. Fullmer aceitou o encargo de repô-lo entre os demais papéis classificados e guardados pela Igreja. E logrou êxito em sua missão.

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Introdução 123 Visitando, com sua esposa, os arquivos de Elmshaven, a luz se apagou, e enquanto o guia se afastou temporariamente para buscar uma lanterna, ele introduziu o documento entre os demais manuscritos lá existentes.

Mais tarde, um seguidor da Sra. Rowen, ex-ministro adventista, visitando os arquivos da Sra. White, instou junto ao Pastor W. C. White que examinasse com ele os arquivos relacionados com os últimos anos da Sra. White. E, com efeito, na parte referente ao ano 1911, foi encontrado o documento em questão, uma página solta, não arquivada como as demais.

O Pastor W. C. White, filho da Sra. White, logo se apercebeu de que se tratava de um documento grosseiramente forjado. As medidas do papel não seguiam o padrão que caracterizava os demais manuscritos. Foi datilografado com uma tinta de cor diferente. Não estava catalogado como os demais documentos e a "assinatura" da Sra. White apresentava evidências inequívocas de que se tratava de uma falsificação.

Evidenciada a fraude, a Sra. Rowen imediatamente incriminou o Pastor W. C. White, responsabilizando-o como o autor do documento, tendo em vista desprestigiá-lo e desmoralizar seu ministério.

Depois de alguns anos caracterizados por turbulência e agitação, a Sra. Rowen fez uma predição temerária que, posteriormente, precipitou o fim de sua influência mistificadora. Anunciou que o fim do tempo da graça ocorreria no dia 6 de fevereiro de 1924, e que Jesus retornaria um ano depois, precisamente no dia 6 de fevereiro de 1925. Aproximadamente mil pessoas aguardaram então o cumprimento da "bem-aventurada esperança". Havendo fracassado em seu prenúncio, escondeu-se por um determinado tempo, retornando posteriormente com uma explicação pouco convincente de que não havia entendido quanto tempo Jesus levaria em Sua jornada para alcançar a Terra.

Alguns aceitaram as explicações da Sra. Rowen. O Dr. Fullmer e outros, entretanto, desiludidos denunciaram as suas pretensões proféticas e acusaram-na de manipular desonestamente milhares de dólares enviados para promover as atividades do movimento.

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Introdução 124 Vendo sua perfídia posta a descoberto, a Sra. Rowen e alguns

associados, maquinaram, sem êxito, assassinar o Dr. Fullmer. Foi condenada por tentativa de homicídio. Depois de haver cumprido parte de sua pena na penitenciária de San Quentin, estando em liberdade condicional, intentou reorganizar suas atividades religiosas. Não logrou o êxito que esperava. Como "a erva cresce de madrugada e floresce; a tarde corta-se e seca'',24 assim sucedeu com o Movimento Rowenita.

Movimento Reformista

Concomitantemente com o Movimento Rowenita na América do

Norte, despontou na Alemanha uma dissidência que mais tarde tomou o nome de Movimento da Reforma.

A Primeira Guerra Mundial estava em processo. As nações beligerantes contemplavam com espanto e horror o comovente extermínio de milhares de vidas. A insegurança e o medo então prevalecentes favoreciam o surgimento de líderes carismáticos.

Johann Wick, jovem adventista, convocado para servir no Exército Imperial, recusou-se a ser vacinado. Julgado por um tribunal militar, recebeu como sentença sete dias de prisão. E enquanto cumpria a pena que lhe foi imposta, no dia 11 de janeiro de 1915 declarou Wick – recebeu do Senhor uma visão anunciando que com a floração das árvores de frutas de caroço (pêssego, ameixas, cerejas, etc.), no começo da primavera, terminaria o tempo da graça. A não aceitação desta visão – declarou Wick – seria a comprovação inequívoca de que a Igreja havia caído no desfavor divino.

Um artigo explicando a visão com maiores detalhes foi enviado à casa publicadora em Hamburgo, porém os editores recusaram-se a publicá-lo. Desertando de suas obrigações militares, Wick buscou refúgio na casa do ancião da igreja adventista de Bremen. De alguma forma logrou os recursos financeiros necessários para publicar a visão

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Introdução 125 em um panfleto, profusamente distribuído entre os pastores e os adventistas em geral.

Surgiram outros "profetas" em diferentes lugares, anunciando "visões" semelhantes e conclusões coincidentes. Suas mensagens gravitavam em torno da idéia de que se aproximava o fim do tempo da graça e de que a Igreja Adventista estava em processo de apostasia.

Chegou, entretanto, a primavera, e com ela o encantador espetáculo da floração das árvores e o evento anunciado por Wick e outros "profetas" não se materializou. Posteriormente, marcaram o dia 10 de maio em 1915 como a data limite para o tempo de graça. Outras datas foram posteriormente anunciadas, sem que algo tangível houvesse ocorrido.

Mas os dirigentes da rebelião, temendo que o movimento se esvaziasse como resultado do fracasso de suas predições, buscaram laboriosamente uma nova bandeira de luta e, sem maiores dificuldades, encontraram a motivação que necessitavam.

Atuando com surpreendente independência, três destacados líderes da Igreja na Alemanha (L. R. Conradi, H. F. Schuberth e P. Drinhans), entregaram às autoridades um documento anunciando a disposição dos adventistas de participarem como combatentes no conflito armado. Esta declaração significava evidentemente um lamentável desvio da posição histórica defendida pela Igreja.

Uma cópia do documento caiu nas mãos dos dissidentes e, sobre ele, construíram um imenso arsenal apologético, com o qual pretenderam demolir a obra de fé iniciada em 1844.

Os ataques contra a Igreja se intensificaram. Com exacerbada veemência acusaram-na de "apostatada", "decaída", "Jezabel" "Babilônia", "morada de todo espirito imundo", e outros cruéis epítetos.

Terminado o conflito mundial, os líderes do movimento reformista reuniram-se com os dirigentes da Associação Geral (entre eles o presidente, Pastor A. G. Daniells), bem como os administradores das três

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Introdução 126 uniões da Alemanha. O encontro ocorreu nos dias 21 a 23 de junho de 1920, no colégio adventista de Friedensau.

Animado pelo desejo de sarar a ferida e consolidar a unidade da Igreja, Daniells deplorou o erro cometido pelos dirigentes nacionais. Censurou também com tato e prudência as atividades daqueles que usavam este argumento como pretexto para fraturar a unidade do adventismo.

Os dirigentes da Igreja na Alemanha (exceto o Pastor Conradi) valeram-se da ocasião para confessar seus erros e lamentar as conseqüências.

Dirigindo-se então aos líderes do Movimento da Reforma, estendendo a mão da reconciliação, o Pastor Daniells convidou-os a abandonar o espírito beligerante e unirem-se à família adventista. Os apelos do presidente, entretanto, não foram tomados em consideração. Dir-se-ia que os vocábulos "pacificação", "reconciliação" e "união" haviam sido riscados do dicionário reformista.

De 1920 a esta parte as assembléias gerais do Movimento da Reforma têm sido freqüentemente tumultuadas por ásperas controvérsias sobre normas e princípios, por exacerbadas acusações de natureza pessoal e apaixonadas contendas entre grupos, disputando o controle do movimento.

Estas lutas intestinas, a ausência de um claro "assim diz o Senhor" dando autenticidade ao movimento e a inexistência de uma definida missiologia, precipitaram nos últimos anos um significativo êxodo de fiéis que, rompendo os liames que os prendiam à Reforma, unem-se agora à Igreja Adventista. Para eles as palavras inspiradas que a seguir reproduzimos, se revestem de um significado que antes não podiam discernir:

"Fraca e defeituosa como possa parecer, a igreja é o único objeto sobre que Deus concede em sentido especial Sua suprema atenção. É o cenário de Sua graça, na qual Se deleita em revelar Seu poder de transformar corações.''25

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Introdução 127 Com o transcorrer dos anos, as baterias assestadas contra a igreja de

Deus perderam gradualmente seu poder demolidor. Divididos em grupos antagônicos, os reformistas contemplam impotentes a lenta agonia de um movimento sem causa.

Cumprem-se de forma eloqüente as palavras de Jesus:"... sobre esta pedra edificarei a Minha igreja; e as portas do inferno não prevalecerão contra ela."26

Robert D. Brinsmead

A agitação teológica suscitada por R. Brinsmead foi gerada no

ventre amargo do Movimento da Reforma. Nascido no seio de uma família reformista, Robert se acostumou, em sua infância, a ouvir constantes diatribes formuladas contra a Igreja. Aos dez anos de idade, seus familiares romperam com a dissidência e se uniram à Igreja Adventista. Não lograram, entretanto, vencer o espírito crítico, a suspeita e desconfiança cultivados durante os anos de identificação com o grupo dissidente.

Em 1955, Robert matriculou-se na Faculdade de Teologia do Colégio Adventista de Avondale, na Austrália. Produziu, neste primeiro ano, uma monografia intitulada "The Seal of the Holy Spirit" (O Selo do Espírito Santo). Neste trabalho, refutando o pensamento tradicional adventista, defendeu o argumento de que a "erradicação dos pecados", no santuário celestial, deve preceder o derramamento da chuva serôdia.

Quando cursava o terceiro ano, publicou outra monografia, de 131 páginas, intitulada "The Vision By the Hiddekel" (A Visão Junto às Margens do Hidequel). Com surpreendente virulência afirmou que o "rei do norte", o poder papal, estava se introduzindo gradualmente no "glorioso monte santo", o Movimento Adventista, e que a organização visível da Igreja em breve estaria dominada por Babilônia. Um fiel remanescente, porém, se levantaria em meio a apostasia geral para proclamar o "evangelho eterno".

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Introdução 128 Esta monografia era uma amostra do crescente antagonismo

revelado por Brinsmead, tanto em seus discursos como também através de seus escritos. Por esta razão o diretor da Faculdade, Pastor N. C. Bums, enviou-lhe uma carta cordial, porém enérgica, convidando-o a interromper seu programa de estudos na instituição.

Retirando-se de Avondale, com um entusiasmo digno de melhor causa, passou a difundir suas idéias entre os adventistas, na Austrália e Nova Zelândia, causando não pouca agitação.

Ao ver as igrejas agitadas, estremecidas por disputas intermináveis, o Pastor F. G. Cliford, presidente da Divisão e outros dirigentes, intentaram persuadi-lo a não mais levedar as igrejas com o fermento da discórdia. Porém, indiferente aos apelos, continuou semeando por toda a parte a cizânia da sedição.

Com muita imaginação, reformulou a interpretação tradicional adventista no tocante à "purificação do santuário". Associando Levítico 16:30 com Daniel 8:14, introduziu um novo tipo de "perfeccionismo", uma versão mais refinada da heresia da "carne santa", já mencionada anteriormente. Este novo ensino, conhecido como "o chamado ao santuário", foi usado como cavalo de batalha em suas investidas contra a Igreja.

Brinsmead viu uma analogia entre o templo da alma e o antigo tabernáculo com as suas divisões. O átrio exterior simbolizava a conversão. Após esta experiência, o pecador era levado a cruzar pela fé a porta de acesso ao lugar santo, onde recebia a bênção do perdão, a regeneração e refrigério do Espírito Santo, simbolizado pela chuva serôdia. Avançando em sua experiência cristã, era conduzido ao santíssimo, lugar de perfeição e juízo final. Este estágio na vida do crente produzia uma nova experiência: o perdão de todo pecado, a liberação do sentimento de culpa e a vitória completa sobre as tendências pecaminosas.

Esta nova "teologia perfeccionista" foi recebida por muitos na Austrália e Estados Unidos como a mensagem de Deus para um tempo

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Introdução 129 quando a Igreja parecia haver se institucionalizado, e os seus membros entorpecidos por um alarmante espírito conformista.

Transferindo-se para os Estados Unidos, na década dos sessenta, Brinsmead obteve o apoio financeiro de vários adventistas influentes, dispostos a promover o novo ensino conhecido como o "chamado ao santuário".

Não demorou muito, porém, para que os íntimos colaboradores pudessem perceber os métodos inescrupulosos empregados por ele para sustentar seus argumentos. As declarações da Sra. White eram constantemente mutiladas, adulteradas em seu significado, ou reproduzidas fora do seu contexto e, assim, usadas fraudulentamente para defender suas idéias.

Em um de seus escritos acusou a Igreja por haver rejeitado na Assembléia de Minneapolis, em 1888, a doutrina da salvação dos pecados, para aceitar a posição protestante da salvação nos pecados. Dando validade a esta acusação reproduziu o seguinte parágrafo atribuído à Sra. White: "A luz do Céu foi rejeitada com a mesma obstinação que os judeus manifestaram quando rejeitaram a Cristo." Em sua forma original, entretanto, esta citação da pena inspirada, diz algo diferente: "A luz do Céu foi rejeitada por alguns com a mesma obstinação que os judeus manifestaram quando rejeitaram a Cristo."27 (O sublinhado foi omitido por Brinsmead.)

Explicando esta omissão, atribuiu-a a um erro de cópia resultante da pressa com que se processou sua publicação. Porém esta frase evidentemente adulterada serviu como argumento central em um de seus conhecidos panfletos: "Desenvolvimento antes e depois da Assembléia de Minneapolis". A explicação de Brinsmead não foi suficiente para dissipar as dúvidas em torno da honestidade de seus métodos. Procedimentos desta natureza precipitaram o seu desprestígio e o crepúsculo de sua obra "reformadora".

Ele foi como um meteoro cujo fulgor teve curta duração e sua "teologia perfeccionista" trouxe confusão e perplexidade, levando muitos

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Introdução 130 seguidores ao desânimo, quando perceberam que haviam fracassado no esforço por alcançar a perfeição.

Em 1971 surpreendeu o seu já reduzido círculo de admiradores, quando, em uma de suas publicações, anunciou haver abandonado a "teologia da perfeição". Renunciou mais tarde à sua crença na autoridade profética de Ellen G. White e, através de uma publicação recente, transformou a santificação do sábado em uma prática sem importância, característica do culto judaico, destituída de apelo uníversal.28

As palavras de Jacó, dirigidas a Rubem, seu filho primogênito, definem apropriadamente o caráter instável de Robert Brinsmead e sua teologia: "Inconstante como as águas."

Desmond Ford

Após a agitação desencadeada por Brinsmead e seus ensinos, a nave

adventista voltou a navegar sobre um mar sereno. A ausência de ventos contrários prenunciava um período de calmaria.

Uma inesperada turbulência, entretanto, voltou a agitar a "embarcação de Sião". No dia 27 de outubro de 1979, o Dr. Desmond Ford, professor de Teologia do Colégio de Avondale, Austrália, servindo como professor visitante na Faculdade de Teologia do Colégio Adventista do Pacífico (P. U. C.), nos Estados Unidos, discursando perante um grupo de intelectuais adventistas, desafiou a validade bíblica da doutrina do santuário, um dos fundamentos da estrutura teológica adventista.

Justificando-se, recordou sua experiência batismal ocorrida 35 anos antes, na Austrália, seu país natal. Sendo membro da Igreja Anglicana, foi atraído pelos escritos de E. G. White, os quais acenderam em seu coração a centelha da fé adventista.

Simultaneamente com a leitura dos livros escritos pela Sra. White, dedicou-se ao estudo da epístola aos Hebreus. Em sua palestra pronunciada no campus do Colégio Adventista do Pacífico, declarou:

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Introdução 131 "Lendo o capítulo 9 da epístola aos Hebreus, refleti: 'Há algo estranho neste capítulo. Seu conteúdo não se harmoniza com o ensino adventista. Temos aqui um problema evidente.' " Admitiu, em sua exposição, que a dúvida que então o assaltou, não se dissipou com o batismo, mas o acompanhou sempre ao longo de 35 anos no seio da Igreja.

Defendeu a tese de que o dia da expiação está tão intimamente entretecido nos capítulos 9 e 10 da epístola aos Hebreus que, quando o seu autor apresenta a Cristo comparecendo perante Deus, no lugar santíssimo, após a ascensão, no ano 31 DC, fá-lo para indicar em forma inconfundível, que começou então o antitípico Dia da Expiação, e não em 1844. "Portanto, o ensino adventista sobre Daniel 8:14 é totalmente insustentável", concluiu Ford naquela oportunidade. Admitiu, entretanto, a importância do ano 1844, quando despontou o Movimento Adventista, proclamando o "evangelho eterno''.

O presidente do colégio, Dr. Jack Cassell e o reitor da instituição, Dr. Gordon Madgwick, preocupados com a repercussão das idéias de Ford, em consulta com os administradores da União, decidiram conceder-lhe seis meses de licença. Durante este período foi-lhe solicitado preparar uma monografia tendo em vista defender sua exegese diante de uma comissão especial a ser designada pela Associação Geral.

O Dr. Ford e família mudaram-se para Washington, onde a Associação Geral proveu-lhe um escritório, ajuda secretarial, bem como lhe deu livre acesso aos arquivos de Ellen G. White. Durante os seis meses que lhe foram concedidos, ele preparou uma volumosa monografia de aproximadamente mil páginas, defendendo com intenso vigor e muitas inconsistências, a tese de que "a doutrina do Juízo Investigativo carece de fundamento bíblico".

A Associação Geral convocou uma comissão integrada por 125 pastores, teólogos e administradores representando a igreja mundial, para, sob a direção do Espírito Santo, analisar os argumentos invocados por Ford. A reunião foi celebrada em Glacier View, Colorado, nos dias compreendidos entre 10 e 15 de agosto de 1980. Dos 125 convocados,

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Introdução 132 compareceram 114, os quais sob a direção do Pastor N. C. Wilson, num clima de cordialidade cristã, oração e reverente investigação da Palavra, estudaram os novos conceitos defendidos por Ford à luz da exegese histórica adventista.

Durante quatro dias a comissão em referência, dividida em sete grupos, aplicou-se ao estudo da doutrina do santuário – inamovível pilar da fé adventista. Por solicitação de alguns, foi incluído no programa uma hora, cada dia, para um período de perguntas dirigidas ao Dr. Ford, as quais, devidamente respondidas, deram a todos uma compreensão mais ampla de suas idéias e conclusões.

De sua extensa monografia, bem como das declarações formuladas em Glacier View, podemos resumir o desafio de Ford em três áreas específicas:

1. A validade do princípio dia-ano como fator bíblico na interpretação da profecia dos 2.300 anos. (Em seus estudos hermenêuticos, Ford não mais aceita a relação dia-ano como princípio de interpretação profética.)29

2. O ensino tradicional adventista de que no contexto de Daniel 8:14, são os pecados dos santos que contaminam o santuário de Deus. ("É a ponta pequena" – declarou Ford – "não os pecados dos santos, que contamina o santuário.")30

3. A tradução da palavra hebraica NISDAQ (purificados) em Daniel 8:14. (Na página 349 de sua monografia afirmou que. "o significado do verbo em Daniel 8:14, não é especificamente 'purificar' e sim 'vindicar'".)31

Esforçando-se por demonstrar que sua posição tinha o endosso do Espírito de Profecia, reproduziu alguns parágrafos dos escritos da Sra. White, nos quais ela afirmou que Jesus após Sua ascensão dirigiu-Se "diretamente ao lugar santíssimo". Mas, os parágrafos por ele reproduzidos, quando devidamente escrutinados, não resistiram à prova. Estavam fora de seu contexto e aplicados em flagrante contradição com os seus extensos ensinos. (Ver O Grande Conflito, págs. 408-431.)

Se o Dr. Ford houvesse usado estes parágrafos para salientar o livre acesso do pecador ao Pai, através de Cristo após Sua ascensão, não

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Introdução 133 teríamos objeções a oferecer. Mas usá-los como argumento para negar a posição defendida pela Sra. White no tocante ao início, em 1844, da segunda fase do ministério de Cristo, no santuário celestial, eis o que denunciaríamos como grosseira violação dos princípios da interpretação do texto inspirado.

No último dia do encontro de Glacier View, foram discutidos dois documentos resumindo o pensamento adventista no tocante a Cristo e Seu ministério sumo sacerdotal e o papel do Espírito de Profecia em questões da natureza doutrinária. Estes dois documentos reafirmam a posição tradicional adventista (ver apêndice). Neles as idéias de Ford foram refutadas e reafirmada a exegese tradicional adventista.

Após alguns fervorosos apelos dirigidos ao Dr. Ford, animando-o a reconsiderar com oração suas idéias e conceitos com relação ao santuário e seu significado, o Pastor K. S. Parmenter, presidente da Divisão Australasiana, leu uma carta dirigida a Ford, formulando quatro importantes perguntas:

"1. Estaria o irmão disposto a reconhecer a existência de alguns pontos em sua atual posição sobre a doutrina do santuário e áreas relacionadas... que não se harmonizam com as 'crenças fundamentais da Igreja... e, em conselho com os irmãos, se dispõe a abandoná-las... tornando sua atitude conhecida através de uma declaração?

"2. Estaria a sua pregação e ensinos, daqui em diante, em harmonia com as 'crenças fundamentais da Igreja, tais como aprovadas na assembléia da Associação Geral, realizada em Dallas, em abril de 1980?

"3. Uma vez que suas idéias sobre a doutrina do santuário e áreas afins são tão amplamente conhecidas, estaria o irmão disposto a reconhecer publicamente que o tema apresentado no Colégio Adventista do Pacífico, e seu recente manuscrito, em alguns aspectos, não estão em harmonia com os fundamentos de nossa fé, e que essas idéias deveriam ser mantidas inativas, e não discutidas, a menos que, no futuro, possam ser consideradas compatíveis com a posição e crença da Igreja Adventista do Sétimo Dia?

"4. Estaria o irmão preparado para cooperar com a Igreja, usando a pena, a voz e a influência a fim de restaurar a confiança nas 'crenças fundamentais' da Igreja, com o desejo de consolidar a unidade em Cristo e Sua igreja?"32

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Introdução 134 Presidindo as discussões, o Pastor Neal C. Wilson, Presidente da

Associação Geral, sugeriu que o Dr. Ford tomasse o tempo que julgasse necessário para orar e refletir, antes de responder ás perguntas que lhe foram dirigidas pelo presidente da Divisão Australasiana.

Reconhecendo o espírito fraternal que permeou as discussões em torno da sua tese, o Dr. Ford expressou seu profundo pesar pelos problemas por ele suscitados. Manifestando o desejo de continuar cultivando uma relação amistosa com a Igreja, reafirmou sua inquebrantável disposição de lutar contra a idéia de uma eventual dissidência. Porém, em relação às perguntas formuladas pelo Pastor Parmenter, declarou não necessitar mais tempo para respondê-las. Sentia ser-lhe impossível contrariar sua consciência. Compreendendo perfeitamente o alcance de sua decisão, rejeitou de forma categórica as condições claramente delineadas nas perguntas formuladas por Parmenter.

Com uma fervorosa oração dirigida ao "Autor e Consumador de nossa fé", o encontro de Glacier View chegou ao fim. Será lembrado pelos historiadores, como um momento crucial na história do adventismo, quando a Igreja demonstrou de forma eloqüente, haver alcançado extraordinária maturidade teológica.

Onze dias mais tarde, Ford enviou uma carta cordial ao Pastor Parmenter, dizendo entre outras coisas:

"Apreciei mais do que as palavras podem expressar, o grande esforço empreendido pela Igreja, tendo em vista conservar a unidade na compreensão da mensagem do santuário. ... As reuniões de Glacier View foram marcadas pelo fervor e doce comunhão cristã. ...

"Valho-me da oportunidade para declarar que prometo promover, defender e preservar a unidade da Igreja, pela qual Jesus ardentemente orou.

"Confio na liderança da Igreja e desejo dar aos meus irmãos apoio inteligente e leal. Apreciei grandemente o espírito aberto evidente em Glacier View, e nossa disposição para continuar o estudo tão bem iniciado naquele lugar. Amo esta Igreja e desejo vê-la cumprindo o grande propósito pelo qual a providência divina a trouxe à existência.

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Introdução 135 "Se esta carta for usada em forma pública, deverá ser reproduzida em

sua totalidade, a fim de esclarecer a todos, dois pontos: Primeiro, proponho-me defender o corpo de Cristo, e estou disposto a fazer o melhor para, em boa consciência, apoiar a Igreja, evitando tudo que lhe possa causar danos. Segundo, não posso fazer concessões em minha compreensão sobre temas doutrinários."

É evidente, nesta carta, a atitude deliberada de Ford em não responder às perguntas que lhe foram formuladas por Parmenter. Suas convicções estavam já cristalizadas e suas conclusões teológicas, no tocante à doutrina do santuário, não se harmonizavam com os ensinos da Igreja.

Escrevendo sobre a doutrina do santuário, assim se expressou a Sra. White:

"Novas teorias que não eram a verdade foram apresentadas como verdades, e o Espírito de Deus revelou seu erro. À medida que os grandes esteios da fé foram apresentados, deles testificou o Espírito Santo, especialmente no tocante às verdades de santuário.

"Futuramente surgirão enganos de toda espécie, e carecemos de terreno sólido para nossos pés. ... O inimigo introduzirá doutrinas falsas, tais corno a de que não existe um santuário.

"Satanás está lutando continuamente para sugerir suposições fantasiosas no tocante ao santuário, aviltando as maravilhosas exposições de Deus e do ministério de Cristo para a nossa salvação.... "34

As discrepâncias teológicas existentes entre Ford e a Igreja,

determinaram o posterior cancelamento de sua credencial ministerial. Com o apoio de outros ministros, e um reduzido número de adventistas, fundou uma organização (The Good News Unlimited), com o objetivo de proclamar "a centralidade do evangelho de Cristo, a autoridade e suficiência das Escrituras".

Esta nova organização, entretanto, em virtude do pluralismo teológico que a caracteriza, debilitada desde o início pela controvérsia das idéias, oferece limitada expectativa de vida.

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Introdução 136

Walter Rea Esta sucinta história das crises no seio do adventismo não poderia

ser concluída sem uma rápida alusão à última agitação teológica que, sem maiores conseqüências, precipitou alguns momentos borrascosos, carregados de tensões.

Walter Rea, pastor da igreja adventista de Long Beach, Califórnia, após um período de vacilações e dúvidas sobre a autenticidade do dom de profecia na Igreja, surpreendeu a muitos quando, em uma entrevista publicada em um diário da Calif6rnia,35 denunciou a Sra. White por haver violado reiteradas vezes os direitos de autor (copyright). Copiando com tanta freqüência os escritos de outros autores, afirmou Walter Rea, a Sra. White revelou a improcedência de suas pretensões. "Seus escritos não procedem de Deus; são produto da imaginação humana'', concluiu Rea em sua entrevista.

Ao questionar com tanto ímpeto e alarde a legitimidade do dom de profecia, Walter Rea, após trinta e seis anos de atividades pastorais, teve suas credenciais ministeriais anuladas por um voto tomado pela Comissão Administrativa da Associação do Sul da Califórnia.

Ao incriminar a Sra. White por haver cometido ''plágio'', Walter Rea plagiou D. M. Canright, o primeiro na história do adventismo a formular este mesmo tipo de acusação contra a mensageira de Deus. Foi em 1887, oito meses após haver renunciado ao ministério, que Canright pela primeira vez denunciou a Sra. White de haver incorporado era seus escritos, material procedente de outros autores, sem lhes dar o devido crédito.

Esta acusação foi reativada no auge da crise panteísta (1907), quando J. H. Kellogg e vários associados, renunciaram ao adventismo. Posteriormente, nos anos trinta, este mesmo argumento foi invocado por E. W. Ballanger, outro ex-ministro adventista. Questionando a honestidade

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Introdução 137 literária da Sra. White, Ballanger intentou desprestigiá-la, denunciando seus escritos como destituídos de autoridade profética.

Com efeito, Walter Rea nada inovou em suas imputações contra E. G. White e seus escritos. Copiou os velhos e surrados argumentos usados por Canright e outros, e refutados de forma vigorosa e convincente por F. D. Nichol, em seu livro E. G. White and Her Critics (E. G. White e Seus Críticos).

Os esforços por rotular a Sra. White como violadora dos direitos de autor têm sua origem numa compreensão falsa ou inadequada do processo conhecido pelas palavras revelação-inspiração.

Como Igreja não acolhemos os conceitos liberais modernos no tocante à inspiração e ao mesmo tempo rejeitamos as opiniões ultraconservadoras que transformam o profeta em um mero taquígrafo, copiando mecanicamente as palavras ditadas por Deus.

Deus Se dirige ao profeta ''de muitas maneiras''; porém este emprega suas próprias palavras para interpretar a mensagem recebida. A inspiração atua sobre o profeta e não sobre o produto escrito.

"Se bem que eu dependa tanto do Espírito do Senhor para escrever minhas visões como para recebê-las, todavia as palavras que emprego ao descrever o que vi são minhas, a menos que sejam as que me foram ditas por um anjo, as quais eu sempre ponho entre aspas."36

No empenho por reproduzir a mensagem revelada, o mensageiro inspirado deve buscar as palavras mais apropriadas para melhor comunicar as verdades que Deus lhe revelou. Neste esforço, usando o seu próprio vocabulário e estilo, tomando emprestado, quando necessário, descrições usadas por escritores não inspirados, ou mesmo permitindo-se ser ajudado por assistentes, ele reproduz em linguagem humana as revelações de Deus.

"Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os homens é que o foram. A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas expressões, mas no próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos. As palavras, porém, recebem o cunho da mente individual."37

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Introdução 138 A Bíblia provê abundantes evidências de autores inspirados que

copiaram de fontes canônicas e até mesmo não inspiradas. Se a originalidade fosse o critério básico para julgar a inspiração, teríamos que excluir extensas porções do Livro Sagrado.

Harold Lindsay, um dos mais destacados entre os teólogos conservadores contemporâneos, ex-editor da revista evangélica Christianity Today, escreveu:

"Quando dizemos que a Bíblia é a palavra de Deus, não faz diferença se os seus escritores obtiveram as informações através de uma revelação direta de Deus, como no caso do Apocalipse; ou se eles buscaram material, corno o fez Lucas, ou se adquiriram o conhecimento utilizando fontes existentes, relatórios da carta real ou mesmo de boca de outros. A pergunta que devemos fazer a nós mesmos é se o que eles escreveram, não importa de onde tenham obtido o conhecimento, é digno de confianpa.''38

Walter Rea, entretanto, desorientado por um errôneo conceito de inspiração, alarmado com o uso que a Sra. White fez de outras fontes, denunciou seus escritos como espúrios e, portanto, carentes de autoridade.

Escreveu um livro – The White Lie (A Mentira White [Branca]) – atacando a Sra. White e seus escritos com veemência, cinismo e mordacidade. Porém, além de alguma repercussão lograda em alguns diários e publicações especializadas, o impacto logrado por Walter Rea sobre a Igreja foi insignificante e inexpressivo.

"Meu Pai Está ao Leme"

Certa feita, em uma embarcação sacudida pela fúria de uma grande

tormenta, enquanto todos, aflitos, entreolhavam-se angustiados, ora relanceando os horizontes ou intentando descobrir eventuais prenúncios de uma bonança, uma criança brincava descuidada, serena e feliz. Surpreendidos diante de tanta calma e descontração, interrogaram-lhe: "Não temes a tempestade? Não vês que corremos, todos nós, risco de vida?" A resposta tão admirável quanto natural, como a sua própria

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Introdução 139 atitude, foi simplesmente: "Meu pai está ao leme!" O pai ao leme era tudo para aquele coração terno, filial e confiante.

Quão confortante é saber que o Pai está ao leme! Tempestades, conflitos e dissidências, sacodem por vezes a estrutura da igreja, trazendo a alguns temor e insegurança. O fragor da tormenta ameaça a "embarcação de Sião". Mas Deus está no timão! Sua direção ao leme constituí o penhor de que a embarcação chegará a salvo nas resplandecentes praias do Além.

Referências: 1. Richard H. Utt, A Century of Miracles, pág. 4; J. H. Kellogg, R.

G. 11. Case File (Archives and Statistics of General Conference). 2. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 2, págs. 216, 217. 3. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, livro 2, pág. 163. 4. Review and Herald, 20 de setembro de 1892. 5. Idem, 20 de novembro de 1883. 6. Ellen G. White, Vida e Ensinos, págs. 72.75. 7. Review and Herald, 27 de janeiro de 1891. 8. Mateus 15:13. 9. Review and Herald, 27 de janeiro de 1891.

10. Revista do Advento, agosto de 1951, pág. 3. 11. Ellen G. White, A Igreja Remanescente, pág. 54. 12. Idem, pág. 60. 13. R. W. Schwarz, Light Bearers to the Remnant, pág. 447. 14. Ibidem. 15. Ibidem. 16. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, livro 2, págs. 31,32 17. Idem, pág. 35. 18. J. H. Kellogg, The Living Temple, pág. 28. 19. General Conference Bulletin, 12 de fevereiro de 1893, pág. 83 20. A. G. Daniells, The Abiding Gift of Prophecy, págs. 336, 337.

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Introdução 140 21. Ibidem. 22. Ellen G. White, Carta 211, 1903. 23. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, livro 1, págs. 205, 206. 24. Salmo 90:6. 25. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, pág. 12. 26. Mateus 16:18. 27. Ellen G. White, Manuscrito13. 28. Robert D. Brinsmead, Verdict – "Sabbatarianism Re-Examined"

junho 1981 29. Desmond Ford, Daniel 8:14, The Day of Atonement and the

Investigative Judgment, págs. 287 288 30. Idem, pág. 365. 31. Idem, págs. 348, 349. 32. Ministry, outubro de 1980, pág. 10. 33. Idem, pág. 11. 34. Ellen G. White, Evangelismo, págs. 224, 225. 35. Los Angeles Times, 13 de novembro de 1980. 36. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, livro 1, pág. 37. 37. Idem, pág. 21. 38. Harold Lindsay, The Battle for the Bible, pág. 30.

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Introdução 141

TODOS ESTES MORRERAM NA FÉ "... Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-

as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra." Hebreus 11:13.

Em todos os grandes movimentos religiosos, através dos séculos,

encontramos um denominador comum: suas origens humildes. O cristianismo nasceu em uma rude estrebaria. Os pintores cristãos,

envergonhados com o berço rústico e miserável no qual repousou o Filho de Deus, transformaram com o mágico pincel aquele humilde abrigo de animais em um pórtico airoso e belo. Não conseguiram, porém, apagar a pobreza do cenário onde a igreja cristã teve seu começo.

A Reforma do Século XVI e a Igreja Luterana tiveram suas origens no recesso de uma cela obscura, em um mosteiro de Wittenberg, Alemanha, onde um desconhecido monge descobriu os encantos do princípio evangélico sola fide, com o qual quebrantou os grilhões do monopólio religioso medieval.

Da mesma forma o adventismo teve como berço a pobreza, a obscuridade e a ignominia. "Seus pioneiros'', escreveu Geoffrey J. Paxton, eram como remanescentes "de um exército deploravelmente dizimado.... Não possuíam grande erudição teológica. Em sua maioria eram pobres. Contemplando-os, ninguém lhes daria qualquer perspectiva de êxito, principalmente se tomamos em conta o que poderia parecer um desastroso começo."1

Mas, graças à dedicação e têmpera de seus fundadores, o movimento adventista "firmou suas estacas'', "ampliou suas tendas" e, pela graça divina, se transformou em um vigoroso organismo eclesiástico, conhecido e respeitado no mundo religioso por suas dimensões internacionais.

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Introdução 142 Neste capítulo apresentaremos de forma sucinta a biografia de seis

arautos da esperança adventista, os quais com intenso ardor e fé inquebrantável participaram na fundação e posterior triunfo da causa do advento.

GUILHERME MILLER*

Quando investigamos de forma retrospectiva os anos que

precederam o surgimento do Movimento Adventista, descobrimos a figura fascinante de um piedoso homem inflamado pelo imperativo de proclamar a breve intervenção de Cristo nos destinos do mundo. Aproximava-se no grande relógio profético a solene hora determinada pela Providência para anunciar a mensagem do primeiro anjo.

Guilherme Miller foi o homem que Deus suscitou para clarinar perante o mundo a mensagem apocalíptica. Durante vários anos ele se sentiu obcecado pela convicção de que deveria anunciar que a "hora do juízo" havia chegado. Porém, um sentimento de insuficiência levava-o a sentenciar convicto: "Senhor, não posso realizar esta obra." Esta luta íntima, entretanto, terminou no princípio de agosto de 1831. Miller prometeu ao Senhor proclamar a "bem-aventurada esperança", se lhe

* Guilherme é o correspondente a William, em português.

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Introdução 143 fosse enviado algum convite. Sobre este pacto com Deus, escreveu mais tarde:

"Imediatamente o peso que tinha sobre os meus ombros se dissipou, e eu me alegrei com o pensamento de que provavelmente jamais seria chamado, pois nunca havia recebido um convite desta natureza."2

Dentro de meia hora, porém, recebeu a visita de Irving Guildford, seu sobrinho, convidando-o para pregar em sua igreja, situada a 25 quilômetros de distância. Surpreso, pensou que o melhor seria ignorar o compromisso assumido com Deus. Mas antes de dar qualquer resposta, dirigiu-se angustiado a um bosque nas cercanias de sua casa, para a sós dialogar com Deus. Miller descreve esta dramática experiência.

"Lutei com o Senhor por aproximadamente uma hora, esforçado-me por libertar-me do pacto que havia feito com Deus. Mas não obtive alívio. Finalmente, submeti-me, e prometi ao Senhor que, se Ele me sustivesse, iria confiando que haveria de receber graça e capacitação para realizar aquilo que de mim esperava. Voltei a casa e encontrei o jovem que ainda me esperava. Permaneceu até o almoço, e depois retornamos juntos até Dresden."3

No dia seguinte, primeiro domingo de agosto de 1831, Miller pregou com zelo e convicção a mensagem do advento. As impressões obtidas nesta primeira experiência, foram assim descritas:

"Tão logo comecei a falar, todas as minhas vacilações e embaraços se dissiparam, e senti-me unicamente impressionado com a magnitude do tema, que pela providência me foi dado apresentar."4

Esta primeira pregação em Dresden, Nova Iorque, tocou o coração de muitos, os quais solicitaram a Miller que permanecesse entre eles, pregando durante a semana sobre o mesmo tema. Aceitando o convite, Miller pregou cada noite a um numeroso público que, procedente de perto e de longe, reunia-se para ouvi-lo explicar as profecias de Daniel e Apocalipse. Na semana seguinte, após haver regressado a sua casa, um outro convite lhe foi estendido.

Iniciava-se assim um emocionante período na vida de Miller, Caracterizado por memoráveis e frutíferas cruzadas evangelizadoras que literalmente sacudiram a nação. Analisando a vida de Miller, do berço ao

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Introdução 144 púlpito, nos assombramos ao ver como Deus o guiou, preparando-o para a missão histórica que o aguardava.

Guilherme veio à existência durante os turbulentos idos da guerra revolucionária que assegurou a independência dos Estados Unidos da América do Norte. Seu pai, disciplinado soldado empenhado na luta pela emancipação, e sua piedosa mãe, filha de um pregador batista, celebrando o advento do primeiro filho, ocorrido no dia 15 de fevereiro de 1782, jamais poderiam imaginar que Deus haveria de usá-lo como poderoso instrumento para cumprir Seus excelsos desígnios.

Os primeiros anos da vida de Guilherme foram caracterizados por lutas e pauperismo. Ajudando o pai nas árduas tarefas agrícolas, ele desenvolveu um físico robusto, espírito de iniciativa, independência e liderança, que o qualificaram para a obra que a Providência lhe reservou.

Apesar de haver recebido uma educação formal limitada, logrou acumular com o transcurso dos anos uma apreciável soma de conhecimentos, através da insaciável leitura de livros. A princípio, em seu modesto lar, os únicos livros disponíveis eram a Bíblia, um hinário e um livro de orações. Com o tempo outros volumes foram acrescentados ao escasso suprimento de material para leitura.

Posteriormente, o ambicioso jovem, ao associar-se com ilustrados indivíduos que viviam na comunidade, obteve emprestados inúmeros livros que eram devorados com sofreguidão, durante as longas noites de inverno. Enquanto os demais membros da família dormiam, sob a luz pálida produzida pela combustão de um pau resinoso que ardia na lareira, mergulhava o espírito inquiridor na leitura de numerosas obras. Tornou-se assim conhecido por seus imensos conhecimentos e evidente habilidade para se expressar e escrever.

Em 1803, casou-se com a Srta. Lucy P. Smith, que o estimulou a prosseguir em seus hábitos de investigação e leitura. Na infância aprendeu aos pés de sua virtuosa mãe a aceitar a Bíblia como a revelação de Deus ao homem. Agora, entretanto, em suas reflexões, sentia-se

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Introdução 145 perplexo com as "contradições" e "incoerências" existentes na Bíblia, para as quais não conseguia uma explicação convincente.

Associou-se às pessoas mais educadas da comunidade. Em sua maioria deístas, eles lhe sugeriram a leitura de Voltaire, Hume, Paine e outros expoentes do deísmo. Como resultado, sofreu as conseqüências ruinosas de um grave eclipse espiritual. As "contradições" existentes na Bíblia, somadas às impressões gravadas em seu espírito por escritores deístas, levaram-no à conclusão de que a Bíblia era um livro comum. Reafirmou, entretanto, sua crença em um Criador, autor das obras da Natureza, porém inacessível à alma humana.

Após haver servido como capitão no exército americano, na guerra de 1812, retornou a Low Hampton, para recomeçar um período de estudo metódico e intensivo das Escrituras. As angústias e incertezas geradas pela guerra, levaram-no a refletir sobre os grandes temas da fé. Convenceu-se de que com suas idéias deístas a esperança de uma vida futura se tornava nebulosa e incerta. Sua mente foi então agitada por um grande conflito espiritual.

"Os céus pareciam de chumbo sobre minha cabeça" – escreveu Miller – "e a terra como que de ferro, sob meus pés. Eternidade! Que era isso? E a morte – Por que existia? Quanto mais pensava, tanto mais difusas eram minhas conclusões. Procurei deixar de pensar, mas meus pensamentos não podiam ser controlados. Eu me sentia miserável, mas não compreendia a causa. Murmurava e me queixava, mas não sabia contra quem. Sabia que havia erro, mas não sabia colmo ou onde encontrar o direito."5

Voltou a freqüentar a igreja com relativa assiduidade. Em certa ocasião, estando ausente o pastor, foi solicitado a ler num livro de sermões uma mensagem para os adoradores reunidos. No meio da leitura, entretanto, dominado por profundas e insopitáveis emoções, se deteve, e, sem poder prosseguir, se assentou.

"De súbito" – explicou – "foi-me o espírito vividamente impressionado com o caráter do Salvador. ... Vi que a Bíblia apresentava um Salvador colmo eu O necessitava.... Fui constrangido a admitir que as Escrituras devem ser uma revelação vinda de Deus. Elas se tornaram o meu deleite; e em Jesus encontrei um amigo. O Salvador tornou-Se para mim o primeiro

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Introdução 146 entre dez mil; e as Escrituras, que a princípio eram obscuras e contraditórias, tornaram-se agora uma lâmpada para os meus pés e uma luz para o meu caminho.... Tornou-se a Bíblia, agora, meu principal estudo, e posso verdadeiramente dizer que a examinei com grande satisfação. ... Admirei- me de não ter visto antes sua beleza e glória, e maravilhei-me de a ter sempre rejeitado. ... Perdi todo o gasto por entra leitura, e apliquei o coração à sabedoria de Deus."6

Dedicou-se, então, com inusitado entusiasmo, ao estudo das Escrituras. Ignorando os eruditos comentários bíblicos, determinou-se estudar a Palavra, valendo-se unicamente de um dicionário bíblico e a Concordância de Cruden.

Após dois anos de intensa e excitante investigação das Escrituras, concluiu anunciando sua confiança inquebrantável na breve volta de Cristo. Esta convicção levou-o a proclamar com grande fervor a "bem-aventurada esperança". O eco ressonante de sua pregação se fez ouvir das praias do Atlântico até as regiões além do Mississippi.

Pouco depois do amargo desapontamento de 1844, Miller começou a sentir na carne o peso inexorável dos anos. Os achaques se repetiam com freqüência. O vigor cedia lugar à fadiga e a enfermidade gradualmente minava-lhe o corpo cansado. Entretanto, as aflições produzidas pela senectude, não foram suficientes para esmaecer o brilho fulgurante da esperança que o acompanhou até a morte.

Sua fiel e dedicada esposa, seus filhos e amigos estavam reunidos junto ao seu leito, no dia 20 de dezembro de 1849, quando, alquebrado pela mão dos anos, Miller afinal descansou. "Oh, quanto anseio estar ali!", foram suas últimas palavras. A implacável poeira do tempo jamais poderá apagar a extraordinária obra por ele realizada.

HIRÃ EDSON

Quando falamos sobre a justificação pela fé, evocamos

imediatamente os escritos de Paulo e a teologia de Lutero. Quando nos referimos à doutrina do santuário, a mais peculiar dentre as doutrinas

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Introdução 147 adventistas, nossos pensamentos se voltam instintivamente para a figura de Hirã Edson, venerando agricultor que vivia na parte oeste do Estado

de Nova Iorque. Dele se podia dizer que, à semelhança do patriarca Jó, "era homem sincero, reto e temente a Deus, e desviava-se do mal''.7

Em muitos respeitos a experiência vivida por este agricultor, na manhã de 23 de outubro de 1844, se assemelha às aflições vividas por Cléopas, no caminho de Emaús. Era uma tarde de domingo. Dois discípulos, com o coração lanceado por uma profunda dor, caminhavam em direção a Emaús, pequena aldeia situada cerca de doze quilômetros de Jerusalém. Haviam ido à cidade para participar das celebrações pascoais, e agora regressavam perplexos e turbados. Os grandes acontecimentos que em rápida sucessão culminaram com a tragédia do Gólgota, oprimiam-lhes o espírito. Afinal, a crucifixão ocorrida na última sexta-feira significava para eles o desfalecimento de suas mais suspiradas expectativas.

Cléopas e seu companheiro sofriam intensamente o escândalo da cruz. E enquanto caminhavam pela arenosa via, conversavam sobre as cenas da prisão, julgamento e monte de Jesus. A sombra da cruz produzia-lhes profundo sentimento de desilusão e angústia.

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Introdução 148 De repente, perceberam que Alguém os seguia. Pararam, consoante

o costume, para saudar o Peregrino, que com eles continuou a jornada. Seu rosto lhes era familiar, e por mais que O olhassem, havia algo que impedia que O reconhecessem. Aquele Estranho, desejando animá-los naquela hora de sombras e incertezas, perguntou-lhes: ''Que é isso que vos preocupa e de que ides tratando à medida que caminhais?"8

Cléopas, surpreendido, responde: "És o único, porventura, que, tendo estado em Jerusalém, ignoras as ocorrências destes últimos días?"9 E com o coração quebrantado acrescentaram: "Nós esperávamos que fosse Ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam.''10

Os passos daqueles três peregrinos ressoavam ao longo do caminho. Subiram as encostas das serras, desceram as ladeiras ensolaradas e alcançaram afinal a planície. O dia começava a declinar.

Chegando a Emaús, o Estranho manifestou o desejo de seguir um pouco mais além. Mas os dois peregrinos insistiram: "Fica conosco, porque é tarde e o dia já declina.'' Ele acedeu. Alguns instantes depois, estando os três à mesa de Cléopas, o Hóspede tomou o pão e o abençoou. Os discípulos de Emaús ''abriram os olhos e O reconheceram". Diz a narrativa inspirada que naquele mesmo momento Jesus "desapareceu da presença deles".

Vivendo inexprimíveis emoções, Cléopas e o seu companheiro regressaram a Jerusalém para anunciar a todos o maravilhoso encontro com o Redentor redivivo.

Há mais de 140 anos uma experiência semelhante se repetiu na história da Igreja. Os remanescentes adventistas, após a decepção de 1844, viveram momentos de perplexidade e incerteza. A prova de fé foi-lhes demasiado severa.

Com oração e contrição se prepararam para contemplar o deslumbrante espetáculo da manifestação de Cristo em Sua segunda vinda. Mas o sol se pôs naquele dia, e Ele não veio. Esperaram até a meia-noite e a esperança milerita não se cristalizou.

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Introdução 149 Na fazenda de Edson houve muito pranto, como também em

centenas de outros lugares de reunião. As aflições então vividas foram por Edson assim descritas:

"Nossas mais caras esperanças e expectativas se haviam mirrado e veio-nos, como nunca dantes, a necessidade de chorar. Parecia que a perda de todos os amigos terrenos não se podia comparar com essa dor. Choramos e choramos até ao clarear do dia."11

"Por que, não veio o Senhor?" interrogavam perplexos. "Estão equivocadas as profecias?'' "É a Bíblia um livro inexato?" ''É Deus um mito?" "Irmãos" – disse Hirã Edson com sua voz pausada e grave – "há no Céu um Deus. No passado Ele nos iluminou a mente quando em trevas. Ele há de nos guiar agora." Com os primeiros clarões da madrugada, muitos entre os mileritas, dominados por inexprimível frustração, regressaram aos lares. Edson e alguns remanescentes, porém, decidiram dirigir-se a um galpão para derramar a alma angustiada perante o Senhor. Oraram até que se sentiram confortados com a certeza de que o Senhor haveria de lhes explicar as razões do desapontamento.

Depois, já nas primeiras horas da manhã, Edson e um companheiro (provavelmente Owen Crosier) decidiram sair para visitar alguns vizinhos mileritas e confortá-los naquela hora de sombra para a Igreja. Como os discípulos de Emaús, eles também sofriam as dores próprias de uma grande desilusão. As lágrimas que eles derramavam se misturavam com a brisa da manhã que inaugurava um novo dia. E, enquanto cruzavam um campo de milho, Edson se deteve por alguns instantes, mergulhado em profundas reflexões, quando lhe pareceu ver o santuário celestial e Cristo sair do Santo para inaugurar no Santíssimo a segunda fase de Sua obra sacerdotal.

Seu companheiro havia ido adiante pela plantação, mas chegando à cerca, voltou-se e vendo que Edson se demorava, interrogou: "Irmão Edson, por que se detém?"

Edson respondeu: "Deus atendeu a súplica que Lhe dirigimos nesta manhã." Pouco depois, enquanto juntos estudavam a Bíblia, buscando

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Introdução 150 entender as razões por que Jesus não veio, encontraram nos capítulos 8 e 9 de Hebreus a confirmação de que o santuário a ser purificado não era a Terra ou a Igreja, mas sim o santuário celestial, do qual o tabernáculo do Antigo Testamento era apenas um símbolo. Nos meses que se seguiram, Edson e Crosier, em associação com o Dr. F. B. Hahn, com o qual haviam antes publicado um periódico milerita – The Day Dawn (O Amanhecer), estudaram exaustivamente o assunto e, guiados pelo Espírito Santo, descobriram com inusitado gozo o que realmente ocorreu em 22 de outubro de 1844.

Com grande euforia, Edson e Hahn concluíram que a verdade que encontraram era "exatamente aquilo que os remanescentes dispersos necessitavam". Concordaram em financiar algumas novas edições do The Day Dawn, se Crosier com sua reconhecida habilidade como escritor se dispusesse a "escrever um artigo sobre o santuário tal como eles agora o entendiam. Em abril de 1845 uma nova edição do The Day Dawn vejo à luz, com uma exposição da doutrina do santuário. Cópias desta edição foram enviadas aos líderes da causa do advento, e aos principais editores dos periódicos que esposavam o pensamento milerita. Para financiar esta publicação, Edson vendeu os talheres de prata que sua esposa recebeu como presente de casamento.

Enoch Jacobs, editor do The Day-Star, em Cincinnati, Ohio, impressionado com os argumentos apresentados por Crosier em sua exposição, dispôs-se a publicar em edição especial, um artigo mais extenso e, se possível, mais detalhado do tema relacionado com a doutrina do santuário e sua relação com o grande desapontamento.

O novo artigo de Crosier foi publicado nas páginas do The Day-Star Extra, no dia 7 de fevereiro de 1846, e logrou extraordinária repercussão entre o ''rebanho disperso''. Subordinado ao título ambíguo – ''A lei de Moisés'', o artigo ocupou sete páginas e meia em tipo pequeno. Uma nota sucinta foi inserida como uma espécie de preâmbulo: "Aos irmãos e irmãs dispersos por toda a parte'', e se seguia um apelo solicitando fundos para custear os gastos com a publicação. A nota levava as

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Introdução 151 assinaturas de Hirã Edson e F. B. Hahn. A exegese de Crosier foi imediatamente endossada por Tiago White e José Bates. Posteriormente a Sra. White no livro A Word to the Little Flock (Uma Palavra ao Pequeno Rebanho), subscreveu o artigo de Crosier como a luz de Deus para o rebanho aflito e perplexo.12

Esta interpretação da doutrina do santuário foi para os angustiados adventistas como bálsamo de Gileade. Puderam então concluir que os cálculos relacionados com o tempo na interpretação profética, eram corretos. Compreenderam que neste dia – 22 de outubro, o Salvador inaugurou no lugar santíssimo a segunda fase do Seu ministério – o juízo investigativo.

Foi assim que Edson, embora carente de erudição teológica, logrou por mercê de Deus, desvendar o enigma profético relacionado mm a amarga experiência de 1844. O rebanho disperso pôde então ver os encantos existentes na doutrina do santuário, e vislumbrar a presença de um Sumo Sacerdote que Se "compadece de nossas fraquezas", e em quem podemos "alcançar graça e misericórdia". Cumpriam-se deste modo as palavras de Jesus de que as coisas eternas que permanecem ocultas aos ''sábios e entendidos'' são reveladas aos simples e humildes.

Por muitos anos Edson se destacou como diácono da igreja metodista de Port Gibson. Quando, em 1843 (ou possivelmente em 1844), aceitando a mensagem de Miller, decidiu unir a voz ao exército extraordinário de arautos que então proclamavam a bem-aventurada esperança. Não foi jamais uma estrela de primeira grandeza. Porém, poucos o excederam no zelo com que esquadrinhava as Escrituras e no entusiasmo com que defendia os ideais do adventismo.

O êxito obtido em 1847 com a publicação do artigo sobre a doutrina do santuário convenceu-o do poder da imprensa como veículo eficaz na proclamação do evangelho eterno. Esta convicção o levou a vender sua fazenda, em 1852, tendo em vista lograr os recursos necessários para a compra das nossas primeiras máquinas impressoras.

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Introdução 152 Em uma carta escrita em 1851, descrevendo uma longa viagem

missionária realizada na companhia de João N. Andrews, descobrimos nele o entusiasmo imbatível de um cruzado a serviço de uma causa santa.

"Parte da nossa jornada", escreve Edson, "foi através de um território novo. As estrados eram novas e ásperas... cheias de tocos, e de buracos de lama, com árvores caídas atravessadas em nosso trilho. . . .

"Mas sendo guiados pela bondosa mão de nosso Deus, aqui e acolá, sobre montanhas e altas colinas, encontramos alguns dispersos escolhidos de Deus famintos do pão da vida, aos quais foi dado 'sustento a seu tempo'."13

Os percalços, as privações e obstáculos que sempre encontrou em suas jornadas missionárias, não foram suficientes para abatê-lo. Galvanizado pela energia divina, deixou na esteira de suas andanças um expressivo número de fiéis, confirmados na esperança da segunda vinda de Cristo.

Aos 75 anos de idade, em 1882, depois de uma existência admirável, Hiram Edson morreu e foi sepultado em Roosevelt, Nova Iorque. Permaneceu firme na esperança "como vendo o invisível".

JOSÉ BATES

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Introdução 153 No movimento do êxodo, Moisés, Miriã e Arão desempenharam um

papel saliente na obra de libertação e condução de Israel do cativeiro egípcio, aos enlevos de uma terra dadivosa, situada além das margens do Jordão.

Igualmente, no movimento adventista, dois homens e uma mulher – Tiago e Ellen White e José Bates, cumpriram um papel relevante, guiando um povo das aflições resultantes do grande desapontamento, à luz fulgurante da terceira mensagem angélica.

Roberto Oppenheimer, célebre por sua contribuição no campo da energia nuclear, fez há alguns anos uma declaração lapidar: "A melhor maneira de transmitir uma idéia é encarná-la em uma pessoa." José Bates foi o espírito, o ideal e a fé do adventismo encarnados numa pessoa.

Bates nasceu no dia 8 de novembro de 1792. As aventuras marítimas acenderam em sua imaginação infantil uma atração sedutora por conhecer os horizontes distantes. Sua mãe, sabendo de suas aspirações de se dedicar às lides do mar, procurou, sem êxito, persuadi-lo a pensar em alguma outra atividade. Seu pai, porém, consciente das aspirações e desejos acalentados pelo filho, arranjou-lhe um lugar de grumete numa embarcação que se dirigia à Europa.

Depois de algumas aventuras marítimas cheias de surpresas e riscos, foi tomado certa noite pelos ingleses e obrigado a servir durante mais de dois anos como artilheiro, na armada britânica, então empenhada em atividades beligerantes contra a França.

Mais tarde, quando os Estados Unidos romperam suas relações com a Inglaterra, os ianques foram declarados prisioneiros de guerra. Em certa oportunidade um oficial ordenou-lhe guarnecer um canhão, quando a frota antecipou um confronto com barcos de guerra franceses. Bates se recusou a obedecer, embora seus companheiros americanos houvessem cedido diante das terríveis ameaças. O medo e a covardia jamais fizeram parte do seu caráter. Depois de haverem sido mantidos como prisioneiros durante aproximadamente oito meses nos navios da frota, foram levados à Inglaterra onde permaneceram encarcerados em um barco-prisão.

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Introdução 154 As condições subumanas prevalecentes motivaram duas tentativas

de fuga, as quais foram severamente reprimidas com a aplicação de torturas físicas indescritíveis e inomináveis sofrimentos morais. Foram depois conduzidos como uma matilha de cães à horrenda prisão de Dartmoor. Certo dia, sem motivo justificável, o comandante do serviço de segurança atirou nos prisioneiros, matando seis americanos e ferindo outros sessenta. Esse execrável massacre em Dartmoor foi perpetrado quatro meses e meio após haver sido assinado o armistício entre as duas nações.

Liberado depois de cinco anos, durante os quais suportou cruéis aflições e sofrimento sem conta, Bates partiu rumo ao lar. Depois de seis anos e três meses de ausência, tendo os sapatos rotos e coberto de andrajos, foi recebido festivamente por seu pai, sua mãe, seus irmãos e irmãs e, entre outros, certa jovem, Prudência Nye, com quem mais tarde haveria de se unir nos laços de uma venturosa e duradoura experiência conjugal.

Nos anos que se seguiram, Bates se dedicou com entusiasmo e devoção à vida no mar. A experiência adquirida na marinha britânica o habilitou a ocupar a posição de primeiro piloto, portanto o segundo lugar no comando do navio.

Em uma de suas viagens, em 1819, navegando de Gotemburgo, na Suécia, a New Bedford, na América, enfrentou o ímpeto de um violento temporal, que comprometeu a segurança da embarcação e a vida de seus tripulantes. A fúria dos elementos levou os marinheiros em pânico, como medida salvadora, a lançar ao mar quarenta toneladas de ferro. A viagem que deveria ser realizada em sessenta dias, durou quase seis meses. A embarcação avariada navegou com escassez de água potável e limitada provisão de gêneros alimentícios. Depois de viajarem por tanto tempo, quase à deriva, foram afinal recebidos com expressões de gozo e manifestações de alegria por parentes e amigos que os haviam dado por perdidos.

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Introdução 155 Em 1821, em sua primeira viagem à América do Sul como

comandante de um barco, convenceu-se da necessidade de não mais tomar bebidas alcoólicas. Quarenta anos mais tarde declarou jamais haver violado tal resolução. Certa vez, em 1824, estando na cidade de Lima, Peru, foi convidado para, com outros oficiais dos navios norte-americanos ancorados no porto de Callao, celebrar o natalício de George Washington, um dos fundadores da república dos Estados Unidos da América do Norte. Nessa oportunidade os promotores da festa, conhecendo os seus hábitos, puseram-no à parte e, com expressões jocosas, quase expondo-o ao ridículo, concitaram-no a beber. Bates, entretanto, demonstrando notável valor moral e inquebrantável determinação, encheu o copo com água e o tomou, indiferente à mofa e a irreverência dos circunstantes.

Decidiu também, nesta mesma viagem, através das águas do Pacífico, não mais fumar. Lutou tenazmente contra o costume tão comum entre os marinheiros de imprecar e blasfemar. Deste modo, esse homem de vontade forte, gradualmente triunfava sobre suas tendências inferiores, tornando-se conhecido por seus hábitos gentis e comportamento irrepreensível.

A vida de um marinheiro, naqueles idos, era caracterizada por imensos sacrifícios e severas privações. Permanecia ausente da família durante meses e até anos, ocupado em longas e cansadoras jornadas marítimas. Ao regressar desta viagem, Bates viu pela primeira vez sua filhinha de dezesseis meses, nascida durante seus dois anos de ausência.

Entre os livros a bordo da embarcação que ele comandava, sua esposa incluiu um exemplar do Novo Testamento. Em suas veneráveis páginas Bates descobriu o "tesouro escondido'' e um despertamento espiritual ocorreu em sua vida. Decidiu transformar o barco em uma instituição de reforma. Convocou a tripulação e deu-lhes as seguintes instruções:

"Os oficiais deviam tratar seus homens com bondade. Não devia haver a bordo álcool, nem bebidas intoxicantes, exceto uma pequena quantidade

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Introdução 156 na caixa de medicamentos, para ser dispensada sob prescrição do comandante. Deviam acabar-se as imprecações."14

As decisões de Bates, como seria de se esperar, suscitaram enérgicas objeções e veementes protestos, mas foram rigorosamente observadas a bordo.

Alguns anos mais tarde abandonou o uso do chá e do café; e em 1843 decidiu não mais incluir em sua dieta alimentos cárneos. De modo providencial, Deus o estava preparando para promover os princípios de saúde que mais tarde haveriam de ser defendidos pelos adventistas.

Aos 36 anos de idade, após acumular uma razoável fortuna, abandonou as atividades marítimas para se estabelecer em Fairhaven. Suas atenções se voltaram então à causa da temperança e ao combate do infamante comércio dos escravos. Embora ameaçado em sua integridade física, jamais ensarilhou as armas na luta contra a escravidão.

Em 1839, aceitou a pregação de Miller no tocante à volta de Cristo, e com entusiasmo incomum se identificou com a causa milerita. Vendeu a casa e quase todos os imóveis, e aplicou o produto da venda na proclamação da mensagem do advento. Na companhia de H. S. Gurney, um evangelista cantor, dirigiu-se a Maryland, e pregou na ilha de Kent, na baía de Chesapeake, onde antes havia sofrido um naufrágio. Numeroso público se reuniu para ouvi-los e, como resultado, ocorreu um grande despertamento. O êxito suscitou acerba oposição. Um homem de influência na comunidade se levantou durante uma das reuniões e os ameaçou. Com serenidade e surpreendente valor, Bates respondeu:

"Não pensem que viemos de uma tão longa distância, através da neve e do gelo, a expensas próprias, para vos dar o clamor da meia-noite, sem primeiro nos sentarmos para avaliar o custo. E agora, se Deus nada mais tiver para fazermos, tanto se nos dá jazer no fundo da baía de Chesapeake, como em qualquer outro lugar, até a vinda do Senhor. Mas se Ele tiver mais algum trabalho para fazermos, os senhores não nos poderão tocar."15

Apesar do penoso desapontamento de 1844, Bates fortaleceu sua confiança no cumprimento da promessa do Senhor e se tornou um dos

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Introdução 157 principais instrumentos usados por Deus para proclamar a terceira mensagem angélica.

Após a leitura de um artigo escrito por Preble sobre a importância do quarto mandamento, publicado em The Hope of Israel, em fevereiro de 1845, e analisando as inúmeras evidências bíblicas, decidiu observá-lo na letra e no espírito. Determinou-se escrever um folheto sobre esta nova luz que então incidia sobre seu coração. Com a Bíblia e uma concordância começou a trabalhar. Foi, porém, interrompido por sua esposa que observou:

– José, não tenho farinha suficiente para preparar o pão – e enumerou ao mesmo tempo outros artigos que necessitava.

– Quanta farinha te falta? perguntou Bates. – Uns dois quilos, respondeu Prudência. Bates se dirigiu a uma casa de negócios, situada nas cercanias, e

comprou os dois quilos de farinha e as outras coisas solicitadas, trouxe-as para casa, e continuou a escrever. Pouco depois, a Sra. Bates o interrompeu, interrogando:

– De onde vejo esta farinha? – Eu a comprei. Mas – continuou a Sra. Bates – saíste para comprar dois quilos de

farinha, tu, um homem que navegou por todos os mares e conduziu embarcações de New Bedford a todas as partes do mundo?

Embora informada de todas as atividades de seu esposo, a Sra. Bates ignorava que se haviam esgotado os abundantes recursos que antes possuíam.

– Bem, querida, gastei nesta compra o último dinheiro que possuía. Chorando convulsivamente, ela interrogou: – E que faremos agora? – Deus proverá – foi a resposta sincera daquele homem que se havia

consagrado com tanto denodo a serviço de uma causa. John F. Kennedy, em um conhecido discurso que hoje integra a

antologia da eloqüência contemporânea, afirmou:

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Introdução 158 "Merecimento maior pertence ao homem que se encontra na arena,

com o rosto manchado de poeira, de suor e de sangue... que conheceu os grandes entusiasmos e as grandes devoções; que se sacrifica por uma causa digna... o seu lugar nunca poderia ser tomado por essas almas tímidas e frias que não conhecem vitórias nem derrotas."16

Assim foi José Bates, um homem que conheceu os "grandes entusiasmos e as grandes devoções''. Jamais regateou esforços ou mediu sacrifícios nas batalhas pela verdade. Seu lugar no panteão da História jamais poderia ser ocupado por almas tímidas, vacilantes e irresolutas.

Como incansável bandeirante da fé, se empenhou em longas e exaustivas incursões missionárias, visitando por toda a parte o "rebanho disperso'', tendo em vista fortalecer-lhes a fé no advento do Senhor.

Foi o primeiro a levar ao Oeste dos Estados Unidos a mensagem adventista do sétimo dia. Viajou pelo Michigan em 1849, visitando por toda parte os membros isolados que haviam participado do movimento milerita, lançando os fundamentos de uma sólida estrutura eclesiástica que ali se levantaria dentro de alguns anos. Viu, certamente, ao longo dos caminhos improvisados, as numerosas caravanas que, seduzidas pelo ouro, leitmotiv naqueles idos, arrastavam-se para o Oeste. Todavia, o ouro não o fascinou, porque uma só paixão o consumia – a proclamação da terceira mensagem angélica.

José Bates era um obreiro prodigioso. Ficava, às vezes, seis a oito meses fora de casa, fortalecendo os fiéis e levando a mensagem de esperança àqueles que não a conheciam. Em seu diário, no dia primeiro de Janeiro de 1852, escreveu:

"Temos trabalhado abrindo nosso caminho para o Oeste, costeando a praia que fica ao sul do lago Ontário, e sempre que sabemos que há ovelhas esparsas nas colônias distantes, ao norte de onde estamos, temos patinado através de funda neve, de duas a quarenta milhas para encontrá-las, a fim de dar a mensagem presente; de modo que, em cinco semanas, viajamos centenas de milhas, ganhando, pela estrada direta, cento e oitenta milhas. ... Nos primeiros vinte dias de jornada, fomos muito provados pela neve

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Introdução 159 profunda e pelo tedioso vento frio, e, com poucas exceções, por muitos corações frios e impenetráveis."17

Não somente pregava em público as Escrituras, mas também se ocupava no evangelismo pessoal. Em sua primeira viagem a Battle Creek, valeu-se de um método inusitado, em seu esforço por penetrar na cidade que haveria de se tornar a capital mundial do adventismo. Dirigindo-se ao chefe do correio, interrogou-o sobre quem era o homem mais honesto na cidade. O agente indicou-lhe a casa de David Hewitt, ministro presbiteriano. Ao chegar a casa indicada, declarou:

– Fui enviado ao senhor como sendo o homem mais honesto nesta cidade; desejo revelar-lhe uma importante verdade.

O Sr. Hewitt respondeu: – Entre; ouvi-lo-ei com interesse. Como resultado dessa visita, o Sr. Hewitt aceitou a mensagem do

sábado, e se tornou o primeiro adventista do sétimo dia na cidade de Battle Creek. Poucas semanas depois, Bates teve o privilégio de batizá-lo em Jackson, cidade próxima, juntamente com J. P. Kellogg, Henry Lyon e M. C. Cornell, que mais tarde se tornaram sólidas colunas da obra de Deus naqueles idos.

Átila, chefe dos hunos, que invadiu a Europa no quinto século, foi chamado "o flagelo de Deus". Bates, que percorreu os caminhos da Nova Inglaterra e, depois, transpondo altaneiras montanhas e florestas densas alcançou as campinas distantes de Wisconsin e as espaçosas pradarias de Iowa, no oeste, poderia verdadeiramente ser chamado ''a bênção de Deus''. Deixou ao longo de suas exaustivas jornadas as bênçãos de um ministério que se "consumia iluminando".

Ele foi reconhecido por todos, durante os anos formativos, como legítimo líder dos adventistas. Foi o primeiro presidente da primeira associação organizada – a Associação de Michigan. Em 1863, embora tivesse 71 anos de idade, presidiu a histórica assembléia da Associação Geral. Sua posição era reconhecida por todos, até mesmo na maneira como as credenciais ministeriais eram emitidas estas eram assinadas por

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Introdução 160 ele e Tiago White, os quais eram identificados com as palavras "ministros dirigentes".

Após oito décadas vividas com exuberante dinamismo, em 1872, Bates sucumbiu, vítima de um tipo de erisipela maligna. Seus últimos dias foram vividos entre sofrimentos e aflições sem conta, porém a todos suportava com admirável estoicismo e resignação. Como o patriarca Jó, ele podia repetir as palavras inspiradas: "Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim Se levantará sobre a Terra. E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus.''18

ELLEN G. WHITE

Foi um dia sombrio para a causa adventista. No tabernáculo de

Battle Creek, dia 13 de agosto de 1881, mais de três mil pessoas se reuniram para tributar uma sentida homenagem a Tiago White, pranteado líder adventista, primus inter paris. Sua visão administrativa e consagração incondicional aos ideais evangélicos serão para sempre recordados. "O justo", declarou o salmista, "ficará em memória eterna".19

O sermão fúnebre foi pronunciado por Uriah Smith, redator da Review and Herald. Durante aproximadamente 30 anos haviam trabalhado juntos e, agora, com o coração quebrantado por uma profunda dor, Smith, com expressões afetuosas, se despedia do chefe, amigo e irmão na "bem-aventurada esperança".

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Introdução 161 Depois do sermão do Pastor Smith, para surpresa de todos, a Sra.

White, que também havia estado hospitalizada com seu esposo, se levantou manifestando o desejo de proferir algumas palavras. As atenções de todos se voltaram para ela. Debilitada pela enfermidade que a mantinha sob cuidados médicos, assim se expressou:

"Desejo dizer algumas palavras aos presentes nesta ocasião. Meu querido Salvador tem sido a minha força e o meu apoio nesta hora probante. Quando levada de meu jeito, enferma, à presença do meu esposo em seus derradeiros momentos, a surpresa do choque pareceu-me, a princípio, pesada demais para que a pudesse suportar, e clamei a Deus que o poupasse para mim – que não o levasse, deixando-me a trabalhar sozinha. ... E agora, reenceto sozinha o trabalho de minha vida. Dou graças a meu Deus por me haver dado dois filhos que ficassem ao meu lado. Daqui por diante deve a mãe apelar-se nos filhos, pois o esposo forte, bravo e de nobre coração já descansa. Para ele terminaram as lutas. Quanto tempo pelejarei sozinha as lulas da vida, não posso dizer.... E agora aprecio a esperança do cristão, o céu cristão e o Salvador dos cristãos mais do que em qualquer outro tempo no passado. Hoje posso dizer: 'Há descanso para o cansado' ... E ali (voltando-se para o ataúde) meu marido encontrou o descanso; mas Eu ainda tenho de batalhar. Ainda não posso depor a armadura do Senhor. Quando cair, quero cair no meu posto do dever. Oxalá esteja preparada, oxalá esteja onde possa dizer como ele disse: 'Tudo vai bem. Jesus é precioso.' "20

Durante trinta e cinco anos ela exemplificou as virtudes de uma esposa leal e dedicada. Em meio às privações que caracterizaram os primeiros anos de sua experiência conjugal e as enfermidades que sempre a acompanharam no exercício de seu ministério, cumpriu fielmente seus deveres e responsabilidades como esposa e mãe. Jamais valeu-se de sua condição privilegiada, como mensageira de Deus, para impor sua influência ou autoridade. Tanto em casa como na Igreja, seu esposo foi sempre o líder inconteste. Agora, entretanto, contemplando o corpo inanimado do esposo, ela se sente frágil e impotente, para encetar sozinha a obra que Deus lhe comissionou.

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Introdução 162 Vinte e um anos antes, o alfanje trágico da morte havia ceifado o

seu pequeno Herbert, filho menor, quando ainda tinha três meses de idade. Angustiada e aflita, traduziu a dor nas seguintes palavras: "Quando aquele tênue ramo se partiu, ninguém podia entender quanto os nossos corações sangravam, exceto aqueles que já levaram os seus pequenos amados à sepultura."21 Três anos mais tarde, Henry, o primogênito, aos dezesseis anos de idade, também sucumbiu como conseqüência de uma pneumonia. Escrevendo sobre esta tragédia, recordando as habilidades musicais que caracterizavam a vida do filho pranteado, a abatida mãe assim se expressou:

"É morto o meu suave cantor. Sua voz não mais se unirá conosco ao redor do altar da família. Não mais se produzirá música a um toque seu. Não mais seus pressurosos pés e mãos cumprirão nossas ordens. Mas alegremente olhamos para o futuro, para a manhã da ressurreição."22

Deus a escolheu para exercer um ministério profético em um tempo de grande significação histórica. Embora eleita pela Providência, não foi, porém, guardada das aflições e perplexidades próprias da existência humana. Mas, através de uma vivência constante com Deus, obteve o valor necessário para triunfar sobre sua própria dor e realizar a obra que o Senhor lhe confiou.

Logo após a morte de seu marido, ela escreveu: "Por vezes senti que não podia aceitar a idéia da morte do meu

esposo. Mas pareciam estar impressas em minha mente as palavras: 'Aquietai-vos e sabei que Eu sou o Senhor.' Salmo 46:10. Minha perda foi grandemente sentida, mas não me deixei abater por uma tristeza inútil. Isto não haveria de trazê-lo de volta à existência. Não sou tão egoísta para desejar, se pudesse, trazê-lo do seu sono tranqüilo para se identificar outra vez com as batalhas da vida. Como um lutador cansado, ele se deitou para descansar. Contemplarei com alegria o sen lugar de repouso. A melhor maneira pela qual eu e os meus filhos podemos honrar sua memória, seria tomar a obra que ele deixou e, no poder de Cristo, levá-la adiante até a sua consumação.''23

Com admirável renúncia e dedicação, deu continuidade à obra deixada por seu esposo. Durante os anos de 1885 a 1887, prestou um

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Introdução 163 serviço inestimável, acompanhando em diferentes países da Europa o trabalho que então se iniciava. Participou ativamente no programa da primeira reunião campal realizada no velho continente, em Moss, Noruega.

Retornando aos Estados Unidos, manteve-se constantemente ocupada não somente na produção de inúmeros e preciosos manuscritos, mas também percorrendo longas distâncias, levando aos fiéis adventistas dispersos por toda parte, mensagens de fé e confiança na autenticidade profética deste movimento.

No dia 12 de novembro de 1891, por solicitação da Associação Geral, ela e o filho W. C. White**, então viúvo, e vários assistentes literários, embarcaram rumo à Austrália, onde, durante nove anos, trabalharam com ardor e determinação, lançando os fundamentos de uma obra que com o transcurso dos anos haveria de lançar raízes profundas e alcançar notável vigor denominacional.

Enquanto na Austrália, completou entre outros os manuscritos de O Desejado de Todas as Nações, sua obra-prima. Lendo este livro nos assombramos com a beleza dos recursos literários usados por ela no esforço por magnificar a Cristo e Sua obra redentora. Em uma carta do Sr. W. E. Bemet, da biblioteca do Congresso de Washington, escrita no dia 11 de dezembro de 1946, lemos o seguinte:

"Selecionar cinco ou seis livros sobre a vida de Cristo, dentre mais de 10.000 que foram escritos em inglês nos últimos 300 anos... e dizer sem reservas que estes cinco ou seis são os melhores, não constitui tarefa fácil....

"Minha preferência ou eleição seria orientada pelas coisas que desejaria obter do livro ou livros em referência. ... Colocaria o Desejado de

** W. C. White (1854-1937) – Editor assistente e gerente de publicações de sua mãe, Ellen G. White. Casou-se em 1879 com Mary Kelsey, talentosa obreira da Review and Herald. Enquanto trabalhavam na Suíça, Mary, que então prestava serviço editorial na casa publicadora ali, contraiu tuberculose e faleceu em 1890, com 33 anos. Tiveram duas filhas. Em 1895, W. C. White casou-se com Ethel May Lacey, enquanto residia com sua mãe na Austrália. Tiveram quatro filhos e uma filha. Todos os netos de Ellen G. White descenderam de William, porquanto Edson não tinha filhos.

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Introdução 164 Todas as Nações, de Ellen G. White, em primeiro lugar, tanto no que concerne ao seu discernimento espiritual como sua aplicação prática."24

Este testemunho se reveste de maior significação quando consideramos que seu autor, não sendo membro da Igreja Adventista, pode com imparcialidade expressar sua preferência por este livro, um autêntico clássico na literatura evangélica.

Retornando aos Estados Unidos, em 1900, a Sra. White decidiu se estabelecer na Califórnia, em um aprazível lugar, mais tarde conhecido pelo nome de Elmshaven, situado a aproximadamente 150 quilômetros de São Francisco. Entre árvores sombrosas, viçosos vinhedos e flores abundantes, viveu seus últimos quinze anos, plenos de atividades e realizações. Embora vivendo o outono da vida, seus braços jamais se cruzaram em ociosa expectativa.

Em 1901, foi convidada para assistir à assembléia da Associação Geral, celebrada em Battle Creek. A Igreja vivia um momento crucial em sua história. Seu acelerado crescimento reclamava uma nova estrutura organizacional mais compatível com suas dimensões e possibilidades. Idéias confusas e opiniões conflitantes militavam contra a adoção de um novo sistema administrativo mais funcional, capaz de dinamizar os triunfos do evangelismo. A influência da Sra. White na reorganização então aprovada foi marcante e decisiva. Um plano inteligente mereceu a aprovação dos delegados e a Igreja inaugurou um período de maior estabilidade orgânica e alentador crescimento estatístico.

Antes desta assembléia, entretanto, em sua viagem da Califórnia a Battle Creek, decidiu visitar o filho mais velho, Edson, então ocupado em uma obra pioneira em favor daqueles que, no sul dos Estados Unidos, descendentes dos escravos, vítimas do pauperismo e discriminação racial, viviam à deriva, sem qualquer perspectiva de um futuro melhor.

A Sra. White tinha razões abundantes para se alegrar com as realizações logradas por seu filho Edson, empenhado em levar as luzes do evangelho a um numeroso segmento da população norte-americana, vítima da opressão econômica e injustiça social.

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Introdução 165 Edson, durante os descuidados anos da adolescência e juventude,

revelando um espírito muitas vezes independente e um comportamento nem sempre digno de emulação, suscitou na mente de seus apreensivos pais, profundas interrogações sobre o seu futuro.

Ao se aproximar seu décimo sexto aniversário, a mãe aflita escreveu-lhe uma carta expressando suas tristezas e pesares:

"Quando tudo em torno de mim é mantido às escuras, mantenho-me acordada, dominada pela ansiedade. ... Posso obter alívio somente na oração silenciosa. ... Em nossa presença você pode corresponder a nossos desejos, mas... desobedece-nos em nossa ausência. Você tem seguido sua própria vontade e projetos tantas vezes, ocultando tudo de nos, indo de encontro ao nosso conselho, admoestação e proibição, que não podemos confiar em você. ... Em vez de ser um conforto, você é fonte de penosa ansiedade. ... Espinhos e cardos têm brotado em meu jardim e abafado a semente que eu tentei cultivar. ... uma angústia que não posso expressar envolve nossa mente quanto à sua influência sobre Guilherme (William). Você o conduz a hábitos de desobediência, disfarce e prevaricação. . . .

"Oh, Edson, é o conhecimento dessas coisas que está me consumindo e levando-me ao desânimo... "25

A Sra. White assumiu grande parte dos deveres relacionados com a educação de Edson e Guilherme e o Pastor White sentia-se tranqüilo na segurança de que os filhos estavam em boas mãos. Em uma de suas viagens ao oeste, escreveu à esposa dizendo:

"Estou no caminho do dever. Não me preocupo com o lar. Sinto-me feliz com as boas notícias de casa, relacionadas com os nossos queridos rapazes. Amo a minha família e nada, a não ser o senso do dever, poderia separar-me deles.''26

Com o transcurso dos anos, apesar dos conselhos afetuosos da mãe, e das constantes advertências do pai, sempre permeados de ternura, a determinação de Edson em seguir seus próprios caminhos intensificou as preocupações de Ellen, e gerou um clima de tensão entre o filho e o pai.

Embora educado em um lar caracterizado pela austeridade econômica, Edson parecia desconhecer as virtudes de uma existência frugal. Em uma ocasião, comprou um casaco no valor de vinte e seis

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Introdução 166 dólares (importância equivalente ao salário de vinte e seis dias de trabalho de um operário comum), e seu pai, irritado diante de tal extravagância, censurou-o acerbamente. Preocupada com as crescentes tensões existentes entre o esposo e o filho, a Sra. White escreveu: ''Que Deus lhe conceda (Edson) um coração terno e benigno para como seu pobre, oprimido e fatigado pai."27

Aos vinte e um anos de idade, após seu casamento com Ema, Edson se aventurou em temerárias transações comerciais as quais o levaram a um completo e inquietante desastre econômico. Este malogro financeiro intensificou as diferenças entre ele e seu pai. Estando em Boston, o Pastor White enviou uma carta endereçada a ele e sua esposa, dizendo:

"Edson perdeu... aproximadamente cinco anos de sua vida, dos dezesseis aos vinte e um, em rebelião e vagueando por sendas extraviadas. . . . Ele pode agora, se deseja, redimir o tempo. . . . Mas, se prefere seguir com independência o sen caminho, deixá-lo-emos no futuro por sua própria conta e risco. Sinto que seria um pecado ajudá-lo enquanto persiste nesta atitude independente, alimentando sentimentos severos contra mini."28

A hostilidade que passou a caracterizar as relações entre ambos se intensificou grandemente. Mais tarde, em um gesto de nobreza, revelando melhor amadurecimento cristão, reconciliou-se com o pai. Posteriormente, após a morte do Pastor White, viveu um momento de grave crise religiosa, um período de eclipse espiritual em sua vida.

Entretanto, logo após a viagem de sua mãe a Austrália, em 1891, Edson experimentou o júbilo de um surpreendente despertamento espiritual que o levou contrito de regresso ao Senhor. À semelhança de Saulo, a interrogante que passou a agitar-lhe o espírito, foi: "Senhor, que queres que eu faça?" Entre outras coisas, pensou em iniciar entre as populações de cor, dispersas ao longo do rio Mississippi, uma obra de evangelização. Descobriu uma mensagem escrita por sua mãe alguns anos antes, salientando a responsabilidade da Igreja diante dos negligenciados habitantes de cor no sul dos Estados Unidos. Dizia a Sra. White, em seu Testemunho, que eles deveriam ser ensinados a ler para

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Introdução 167 que pudessem por si mesmos entender a Bíblia e, acima de tudo, deveriam ser tratados com dignidade, como autênticos filhos de Deus.

Edson projetou um barco fluvial a vapor (Morning Star), e com sua esposa e outros auxiliares, dirigiu-se através dos rios afluentes ao Mississippi. Promoveu a venda de sua Gospel Primar (Cartilha do Evangelho) e com os lucros obtidos, financiou seu programa missionário. Em pouco tempo, mais de cinqüenta igrejas foram organizadas e um apreciável número de escolas estabelecidas, como resultado de seu trabalho conduzido com bravura, dedicação e fé.

Como mãe, a Sra. White tinha razões abundantes para incluir em seu itinerário uma emotiva viagem ao sul do país. As lágrimas que havia derramado em suas orações intercessórias em favor de Edson, se convertiam agora em expressões de alegria ao antecipar o gozo de um reencontro com o filho, plenamente identificado com a proclamação da terceira mensagem angélica.

Depois de haver contemplado com justificado orgulho os frutos abundantes do ministério conduzido por Edson, ao longo do Mississippi, e após sua participação na histórica assembléia de 1901, em Battle Creek, regressou a Elmshaven para dar continuidade à sua extensa e intensa atividade literária, completando a série ''O Conflito dos Séculos".

Em 1909 viajou de trem a Washington, DC, a fim de participar pela última vez dos trabalhos da assembléia da Associação Geral. As crises produzidas pela reorganização da igreja (1901) e a agitação panteísta liderada por Kellogg, haviam sido então superadas. O movimento adventista, sob a presidência firme e dinâmica de A. G. Daniells, vivia uma hora brilhante, plena de desafios e oportunidades. Apesar de alquebrada pela passagem dos anos, a Sra. White se dirigiu aos delegados reunidos, com sua costumeira voz, firme e clara, comunicando a todos sua fé no triunfo da Igreja e sua inabalável confiança em Deus e Suas preciosas promessas.

Sete décadas se passaram desde quando recebeu de Deus sua primeira visão. Sua mão então trêmula, incapaz de segurar com firmeza a

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Introdução 168 pena, foi fortalecida pelo Senhor, capacitando-a a escrever 40.000 páginas de material impresso e mais de 50.000 páginas de conselhos e inspiração, apresentados em forma de cartas e manuscritos. Sua voz então rouquenha e débil, como resultado de suas deficiências físicas, foi gradualmente transformada, tornando-se clara e poderosa. Mesmo sem o concurso de microfones ou sistemas de som (desconhecidos naqueles idos) passou a ser ouvida por enormes massas humanas que se aglomeravam expectantes para ouvir sua mensagem de fé. Mais de uma vez pregou a um auditório que variava entre 15.000 a 20.000 ouvintes.

Ao longo destes setenta anos, seus olhos contemplaram com inefável gozo a maneira providencial como Deus conduziu Sua Igreja, desde um humilde e vacilante começo, até se transformar em um grande e dinâmico complexo internacional. Ao pressentir, entretanto aproximar-se o sombrio crepúsculo, apagando o brilho de sua extraordinária existência, declarou confiante:

"Não espero viver muito tempo. Meu trabalho está quase terminado. ... "Ao recapitular a nossa história passada, havendo revisado cada passo

de progresso até ao nosso nível atual, posso dizer: Louvado seja Deus! Ao ver o que Deus tem realizado, encho-me de admiração e de confiança na liderança de Cristo. Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado, e os ensinos que nos ministrou no passado.''29

Finalmente, numa tarde de verão, dia 16 de julho de 1915, a chama bruxuleante de sua existência se apagou. Suas últimas palavras, ungidas de fé e certeza, foram: "Eu sei em Quem eu tenho crido." O New York Independent, tributando-lhe justa homenagem, sintetizou em uma frase a magnitude de seu ministério profético: "Ela viveu a vida e realizou com dignidade a obra de uma profetisa."

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Introdução 169 URIAH SMITH

Uriah Smith tinha 12 anos quando sua família e outros crentes adventistas viveram a amarga experiência de 1844. Desiludido, abandonou a esperança, passando a ocupar-se exclusivamente "com os cuidados desta vida''. Sua piedosa mãe, entretanto, apesar da imensa frustração sofrida com os demais mileritas, não se deixou abater pela dúvida ou incerteza. Reafirmando sua fé no Salvador e Suas preciosas promessas, começou a orar cada dia por Uriah e sua outra filha Annie. As súplicas intercessórias dirigidas a Deus em favor de seus filhos foram respondidas sete anos depois do grande desapontamento.

Annie era uma jovem talentosa, conhecida por sua extraordinária sensibilidade artística e evidentes pendores literários. Quando estava por completar mais um ano de laboriosa atividade escolar, em 1851, decidiu visitar alguns amigos em Charlestown, Massachusetts, antes de regressar ao seio da família. Poucos dias antes havia recebido de sua mãe uma carinhosa carta na qual a Sra. Smith expressava imensa alegria ao antecipar as emoções do próximo encontro. Valeu-se da oportunidade, entretanto, para sugerir à filha que assistisse em Charlestown a uma reunião adventista que haveria de ser dirigida pelo Pastor Bates.

"Somente para agradar minha mãe", disse ela, "eu irei." Annie evidentemente devotava à mãe um amor entranhável. Dela havia herdado pendores literários e uma requintada sensibilidade poética.

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Introdução 170 Na noite que precedeu a reunião de Charlestown, ela teve um

sonho. Pareceu-lhe estar na reunião mencionada por sua mãe. As cadeiras estavam todas ocupadas, exceto uma junto à porta, na qual ela se assentou. Então o pregador com irradiante simpatia, começou a falar. Apresentando um diagrama, repetia solene: ''Até duas mil e trezentas tardes e manhãs e o santuário será purificado." Em sonho, Annie sentiu que as palavras do pregador eram "verdadeiras e fiéis''.

Naquela mesma noite, o Pastor Bates também teve um sonho. Parecia-lhe estar iniciando a reunião, mas por alguma razão inexplicável, em vez de pregar sobre o tema que havia preparado para a ocasião, começou a falar sobre a doutrina do santuário. Em sonho viu que logo depois de haver iniciado o sermão, uma jovem entrou e ocupou o único assento disponível junto à porta.

Bates era um homem demasiado dinâmico para se deter em trivialidades, analisando sonhos, e suas implicações. E por isso não lhe deu a devida importância. Entretanto, quando estava para iniciar a reunião, sentiu uma dominante impressão de que devia pregar sobre o santuário.

Satisfazendo o pedido de sua mãe, Annie dirigiu-se ao local da reunião, mas por se haver desorientado, chegou quando o Pastor Bates já estava apresentando seu tema. Surpreendida, observou que o pregador era o mesmo que havia visto em sonho. Ele apresentava um diagrama e repetiu o texto relacionado com a purificação do santuário. Para completar seu assombro, o único assento vazio, tal como no sonho, estava junto à porta, e foi por ela ocupado.

Conversando com o Pastor Bates, ao fim da reunião, descobriram ambos uma incomum combinação de circunstâncias, que convenceram Annie a lançar sua sorte com os fiéis adventistas.

Poucas semanas depois, Annie enviou à Review and Herald um inspirado poema intitulado "Fear not, little flock" (''Não temas, pequeno rebanho''), que foi publicado na edição de 16 de setembro daquele mesmo ano. Convidada para assistir ao Pastor White em suas atividades editoriais, tornou-se em pouco tempo redatora assistente da Review and

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Introdução 171 Herald. Escreveu os versos de alguns dos mais belos hinos que integram a hinografia adventista. No hinário Cantai ao Senhor, encontramos uma amostra de seu suave estilo, nos versos do hino 488, traduzido e adaptado por D. P. Araújo:

Vem, Jesus bendito amante, Vem, Senhor morar em nós. Teu poder e paz queremos, E com Deus andar a sós. Toma, pois, a nossa mente E também o coração. Nós sem Ti pereceremos; Dá-nos luz e Teu perdão.

À semelhança de André, que levou seu irmão Pedro à presença do Messias, Annie, com o testemunho convincente de seu exemplo, logrou também conduzir o irmão, Uriah, ao encontro com Cristo. Desafortunadamente, estando ainda no verdor da vida, quatro anos após sua conversão, sucumbiu vítima de uma implacável tuberculose pulmonar. Sua morte prematura significou para a infante Igreja uma tragédia inominável.

Mas, se por um lado a Igreja deplorou a passagem tão meteórica de sua talentosa poetisa, por outro, desfrutou durante meio século as bênçãos de um ministério fecundo, conduzido com brilho e dedicação por Uriah, seu dileto irmã.

Uriah era um jovem arguto, versátil e também dotado de grande habilidade literária. Após sua conversão, renunciou à possibilidade de uma atividade generosamente remunerada, para trabalhar nos escritórios de nossa incipiente casa publicadora.

Inaugurou sua folha de serviços à causa adventista em março de 1853, e durante 50 anos sua vida esteve quase ininterruptamente associada à redação de nossa revista oficial, quer como redator responsável ou redator assistente.

Em 1855 seu nome apareceu impresso pela primeira vez no cabeçalho da Review and Herald, como redator-chefe. Smith contava

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Introdução 172 então 23 anos de idade. E neste primeiro número publicado sob sua responsabilidade editorial, escreveu: "Não aceitei esta posição por comodidade, conforto ou vantagens mundanas; pois tenho visto até então, através de minha vinculação com a Review and Herald, que nenhuma destas coisas podem aqui ser encontradas."

As circunstâncias adversas então prevalecentes e a pobreza do equipamento que possuíam, não foram suficientes para abater-lhe o espírito. Valendo-se de uma régua e um canivete ele aparava as margens das folhas impressas. "Nestas operações", escreveu Smith, "as nossas mãos se enchiam de bolhas, e os impressos pareciam com freqüência fora de esquadro."30

Defrontou um sem número de problemas de natureza econômica, mas sempre se conduziu com grande firmeza e, como resultado, sob sua administração a Review and Herald cresceu e prosperou de forma marcante.

Em seu afã por reduzir os custos de produção, associou às suas tarefas regulares, outras funções tais como revisor, impressor, gerente e contador. Sofreu mais tarde as conseqüências de um grande esgotamento físico, resultante de seus excessos no serviço do Senhor. Retirou-se durante um ano de suas atividades regulares para cuidar da saúde combalida. Foi substituído durante este período por J. N. Andrews.

No ano seguinte o Pastor White foi eleito redator, tendo Smith como assistente. Em 1873, após discordar do Pastor White em um assunto de natureza administrativa, foi liberado de suas funções. Mudando-se de Battle Creek, dedicou-se a outras tarefas seculares. Porém, seis meses depois foi convidado a regressar à Review and Herald e suas relações com o Pastor White foram então restauradas e mantidas através dos anos de forma cordial e amistosa.

Quando da organização da Associação Geral, em 1863, ele foi eleito secretário, e por 21 anos exerceu estas funções. Foi também, durante um ano, tesoureiro da Associação Geral. Estas responsabilidades

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Introdução 173 ele as exerceu em adição aos seus encargos regulares na Review and Herald.

Além do prolífico escritor (escreveu inúmeros livros defendendo a fé adventista), era considerado por todos como pregador de admirável estatura e respeitado professor de Teologia no colégio de Battle Creek. Sua versatilidade se evidenciou também no campo da criatividade mecânica. Com engenho e arte produziu alguns inventos que lhe geraram razoáveis dividendos. Patenteou um tipo de carteira escolar ajustável, com a qual ganhou três mil dólares. Com esta importância comprou uma casa. A necessidade fê-lo inventar uma perna mecânica leve e flexível, podendo dobrá-la à altura do joelho, à semelhança de uma perna natural. Em sua infância teve a perna esquerda amputada e com este invento passou a desfrutar melhor liberdade de movimentos. Com grande imaginação concebeu um novo sistema taquigráfico.

Três dramáticos episódios marcaram de forma indelével sua existência. O primeiro ocorreu em 1836, quando ele tinha quatro anos de idade. Estando enfermo, recebeu como terapêutica uma dose excessiva de calomelano (protocloreto de mercúrio). Este tratamento produziu-lhe uma úlcera na perna esquerda, que se agravou de forma irreversível, precipitando a necessidade de uma amputação. O Dr. Amos Twitchell, reputado cirurgião, realizou a operação na altura do fêmur, pouco acima do joelho. O trabalho cirúrgico foi realizado sem anestesia, tendo a Sra. Smith, banhada em lágrimas, segurando firmemente a mão do filho, que se contorcia torturado por dores cruciantes. A perda desta perna foi, sem dúvida, uma tragédia dolorosa, não só para a criança, como também para os familiares.

O segundo ocorreu aos doze anos, quando, na companhia de milhares de outros mileritas, aguardou a manifestação de Cristo na "Sua vinda e no Seu reino". O não cumprimento das previsões mileritas foi para ele uma experiência amarga, responsável pela apatia religiosa que o acompanhou durante sua despreocupada adolescência.

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Introdução 174 O terceiro ocorreu durante a Assembléia da Associação Geral,

celebrada em 1888. (Ver o capítulo "O Justo Viverá da Fé".) Dois jovens ministros, A. T. Jones e E. J. Waggoner, salientaram então com eloqüência e ardor a doutrina da salvação pela fé, sem as obras da lei. Sentiam eles que os pastores veteranos, no seu afã por destacar a importância do decálogo, estavam inconscientemente apresentando a lei como instrumento de redenção. Uriah Smith contemplava com preocupação o entusiasmo dos dois jovens pregadores. Argumentava que os adventistas criam na justificação pela fé, mas não ocultava o temor de que o "novo ensino" pudesse conduzir a Igreja a desconhecer a santidade da lei. Smith sublinhava: "A salvação vem por meio de Cristo; mas para alcançá-la devemos obedecer à lei." Os dois jovens pregadores refutando, repetiam: "O homem salvo obedece a lei. Esta obediência, entretanto, é o resultado e não a causa da salvação."

O endosso que a Sra. White deu à pregação de Jones e Waggoner foi para Smith uma experiência desconcertante e desorientadora. Como homem de convicções, não ocultou sua dificuldade em aceitar então a autoridade profética da Sra. White. Começou até mesmo a estabelecer diferenças entre "visão" e "testemunho".

Em 1891, entretanto, admitiu seus equívocos e a harmonia foi então restaurada. O resultado final desta controvérsia foi uma vitória memorável para a Igreja. Muitos adventistas estudaram as Escrituras com mais profundidade. Os dirigentes lograram uma visão espiritual mais ampla e, galvanizada por um sentimento de unidade, a Igreja acelerou seus triunfos.

Foi numa sexta-feira, dia 6 de março de 1903. Uriah Smith, aos 71 anos de idade, caminhava em direção à Review and Herald, levando em suas mãos o manuscrito do seu último editorial. Quando já divisava o edifício da instituição, onde por tantos anos havia trabalhado, caiu fulminado por um violento ataque cardíaco. Embora imediatamente atendido pelo Dr. Morse e duas enfermeiras, pouco depois faleceu.

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Introdução 175 A noticia de sua morte repercutiu por toda parte como um

acontecimento doloroso. As máquinas da Review and Herald imediatamente cessaram suas ruidosas atividades. Um reverente silêncio desceu sobre a instituição, simbolizando o pesar de todos pela morte de seu talentoso redator. Coberta de luto, unia-se a Igreja para prantear o passamento de um dos seus mais autênticos líderes.

Uriah Smith foi sepultado no cemitério de Oak Hill, onde já descansavam os restos mortais de Tiago White. Doze anos mais tarde, Ellen White haveria de segui-lo. Juntos labutaram em defesa de uma causa comum. Juntos aguardam no silêncio da sepultura a gloriosa madrugada da ressurreição.

Pela Fé Triunfaram Parafraseando o autor da epístola aos Hebreus, concluímos este

capítulo com as seguintes palavras: Que mais diríamos? Faltar-nos-ia tempo e espaço para escrever

sobre Josué V. Himes, J. H. Loughborough, Frederick Wheeler, Raquel Preston, W. Farnsworth, D. T. Bourdeau, J. H. Waggoner, Merrit E. Cornell, S. N. Haskell e outros, os quais pela fé avançaram, conquistaram almas, praticaram a justiça, taparam a boca dos opositores, escaparam da perseguição, convalesceram de suas enfermidades e na luta mostraram-se valorosos.

Tudo perderam e ainda por cima sofreram incompreensões, zombarias e afrontas. Empreenderam longas jornadas muitas vezes, cansados, oprimidos, necessitados e maltratados. Vaguearam por caminhos cobertos de neve, cruzaram florestas densas e quase impenetráveis, dos quais o mundo não era digno. Todos eles deram um ardente e valioso testemunho de sua fé e agora descansam aguardando o cumprimento da "bem-aventurada esperança".

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Introdução 176 Referências 1. G. J. Paxton, The Shaking of Adventism, pág 54. 2. J. S. White, Life of William Miller, pág. 79 3. Idem, pág. 80. 4. Idem. págs. 80, 81. 5. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, pág. 18. 6. Idem, págs. 19, 20. 7. Jó 1:1 8. Lucas 24:17. 9. Idem, verso 18.

10. Idem, verso 21. 11. P. Gerard Damsteegt, Foundation of the Seventh-day Adventist

Message and Mission, pág. 99. 12. Ellen G. White, A Word to the Little Flock, pág 12 13. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, pág. 225. 14. Idem, pág. 91. 15. Joseph Bates, Early Life and Later Experiences, pág. 228. 16. John F. Kennedy – Parágrafo de um discurso. 17. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, pág. 105. 18. Jó 19:25, 26. 19. Salmo l12:6. 20. Ellen G. White, In Memoriam, págs. 40-43. 21. Citado por James Joiner em These Were the Courageous, pág 45. 22. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, págs. 175, 176. 23. A. W. Spalding, Origin and History of Seventh-day Adventists,

vol. 2, pág 215. 24. Citado por Jaime Valentine em ''A Los que Tienen el Testimonio

de Jesucristo'', em La Revista Adventista, maio de 1971, pág. 5. 25. Ellen G. White, Carta 4, 1865. 26. J. S. White, Carta, 1º de novembro de 1860. 27. J. S. White, Carta (para Edson e Ema), 13 de novembro de 1860.

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Introdução 177 28. Ellen G. White, Carta 2, 1871. 29. Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 443. 30. General Conference Bulletin, 29 de outubro de 1889.

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Introdução 178

NAUFRÁGIOS NA FÉ

"Mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé." I Timóteo 1:19.

Encontramos nas veneráveis páginas das epístolas escritas por

Paulo o nome Himeneu mencionado duas vezes em forma acidental.1 São duas referências distintas e, com elas, sem muito esforço de imaginação encontramos elementos suficientes para pintar o retrato de um cristão apóstata. Defendendo idéias espúrias no tocante à doutrina da ressurreição, ele e Alexandre suscitaram no seio da igreja não pouca agitação. Com palavras cáusticas e incisivas o apóstolo descreve a sorte destes dois indivíduos, dizendo: "... os quais entreguei a Satanás para que aprendam a não blasfemar."2

O pregador das nações tinha em mente a desventurada experiência destes dois indivíduos quando, exortando a Timóteo, declarou: "Este é o dever de que te encarrego, ó filho Timóteo ... combate ... o bom combate, mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé."3

Neste capítulo, de forma sucinta, apresentaremos os aspectos mais relevantes da vida de quatro influentes obreiros que, tragicamente sucumbiram no encapelado mar da incredulidade. Perdendo a confiança na genuinidade do adventismo, apartaram-se dos caminhos de Deus e naufragaram em sua experiência cristã.

DUDLEY M. CANRIGHT

Entre os que renunciaram a fé adventista e se uniram às fileiras dos

adversários da Igreja, pontifica a personalidade sinuosa de D. M. Canright, conhecido por suas incongruências, contradições e instabilidade emocional.

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Introdução 179

Em 1859, depois de assistir a uma série de reuniões conduzidas por Tiago White, uniu-se à Igreja Adventista do Sétimo Dia. Era então um jovem cheio de energia, vibração e fervor. Dois anos mais tarde, dirigindo-se a Battle Creek, consultou o Pastor White sobre as possibilidades de se tornar um ministro. White ofereceu-lhe uma Bíblia e alguns diagramas proféticos e disse-lhe: "Dudley, tome-os e inicie sua experiência como pregador. Quando se convencer de que se equivocou ao aspirar o ministério, traga-os de volta.'' No ano seguinte, em uma reunião campal, White o interrogou: "Como lhe foi? Onde estão a Bíblia e os diagramas?'' Dudley respondeu sem circunlóquios: "O senhor os perdeu."4 Com efeito, ele já se havia iniciado na obra ministerial com notável entusiasmo e evidente êxito.

Inspirado pelo desejo de animar o jovem pregador a não se conformar com um ministério medíocre, White o exortou dizendo: "Não se conforme em ser um pregador comum, mas lute para ser alguém, ou morra tentando.''5 Motivado por este conselho, o jovem pregador se aplicou com tal devoção, que em pouco tempo passou a ser aclamado por suas qualificações admiráveis e incomuns.

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Introdução 180 Seus talentos naturais e o afã de exercer um ministério proficiente,

projetaram-no como um dos mais respeitados pregadores no círculo ministerial adventista em seus dias.

Aos 24 anos de idade foi ordenado ao ministério pelos pastores White e Loughborough. Imediatamente após, foi enviado aos Estados da Nova Inglaterra para trabalhar com o Pastor J. N. Andrews. Foi então que aceitou pela primeira vez o desafio suscitado por um ministro evangélico para um debate público. Na defesa do pensamento teológico adventista, revelou-se arguto controversista, capaz de infundir temor e terror a qualquer adversário. Este debate inaugurou na Igreja um período de polêmicas, quando os pregadores adventistas passaram a ser conhecidos e respeitados por sua habilidade em esgrimir argumentos bíblicos em defesa de sua fé e crenças fundamentais.

Embora vitorioso em memoráveis debates, revelou em seu ministério as debilidades próprias de um caráter mutável, irresoluto e inconstante. Em 1869, enquanto ocupado em seus labores ministeriais no Estado de Iowa, aceitou o desafio de um respeitado pregador presbiteriano. O Pastor Butler, então presidente da Associação, acompanhou-o na confrontação teológica com o ministro evangélico. Canright, valendo-se de uma dialética firme e sutil, conduziu o debate com talento e reconhecido brilho. Porém, após haver neutralizado de forma vigorosa e convincente os argumentos adversários, Butler o encontrou deprimido e perplexo, quase disposto a abandonar a Bíblia e seguir os caminhos tortuosos do agnosticismo. Butler lutou com ele durante o resto da norte, orando e fortalecendo-o em sua experiência cristã. Pela manhã sentiu-se reanimado, recuperando depois seu entusiasmo e fervor.

Esta dramática experiência pôs a descoberto um dos rasgos mais negativos de seu caráter – a instabilidade emocional. Ao longo de suas atividades evangelizadoras viveu momentos de contagiante entusiasmo, seguidos por períodos depressivos caracterizados por agudas crises em sua experiência religiosa. Em seu diário encontramos as evidências inequívocas de que ele próprio admitia alguns de seus deméritos – "o

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Introdução 181 orgulho, exaltação própria e um espírito intolerante em relação aos outros"6 – que o levavam por vezes a pensar que com tais defeitos de caráter jamais alcançaria a vida eterna.

Em 1873, foi convidado pelo casal White para, com sua esposa Lucrécia e a pequena filha, acompanhá-los em um período de repouso em um aprazível sítio em uma região montanhosa. Como conseqüência de sua enorme sobrecarga de trabalhos, o Pastor White havia sofrido um derrame prematuro e agora convalescia, respirando o ar montanhês. A Sra. White, exaurida com as múltiplas atividades e cuidados em relação com a Igreja, valia-se da oportunidade para recuperar as energias combalidas.

Durante várias semanas as duas famílias desfrutaram os deleites e os encantos de uma pausa em suas atividades regulares. Ocuparam-se cada dia caminhando despreocupados através de sinuosas veredas, contemplando embevecidos os vales verdejantes e suas encantadoras pradarias que se estendiam ao sopé da cordilheira. Em seu diário a Sra. White descreve algumas destas excursões, intercaladas com momentos preciosos dedicados à oração e comunhão com Deus.7

Desafortunadamente algumas pequenas incompreensões precipitaram uma repentina deterioração nas relações entre as duas famílias, dissipando o prazer e as alegrias que até então haviam desfrutado.

Dois anos antes, a Sra. White recebera em visão uma mensagem dirigida ao casal Canright, denunciando algumas de suas debilidades de caráter. A ocasião agora lhe pareceu propícia para que a mensagem lhe fosse apresentada. Com o título – "A um Jovem Pastor e Sua Esposa'', ela inicia assim:

"Na visão que me foi dada, foi-me mostrada sua vida passada. Vi que desde sua infância o irmão tem sido cheio de confiança própria, voluntarioso, obstinado, e sempre agiu por sua própria cabeça.... O irmão aceitou a verdade, amou-a, e esta lhe foi de grande ajuda; contudo, não operou aquela transformação necessária para alcançar o perfeito caráter cristão."8

Estas e outras observações contidas na mensagem, foram consideradas por ele demasiado severas e ofensivas. Ferido em seu orgulho,

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Introdução 182 decidiu interromper o descanso e, desanimado, partiu para a Califórnia. Ocupando-se então em atividades agrícolas, pareceu não mais disposto a continuar a obra que com tanto êxito havia começado. Porém, os irmãos o animaram e logo, refeito, começou a pregar outra vez, e muitas almas se uniram à Igreja como resultado de suas atividades evangelizadoras.

Pouco mais tarde, estando ainda na Califórnia, enviou à Review and Herald um artigo expressando sua confiança incondicional no ministério profético da Sra. White.

Em 1878, foi eleito presidente da Associação de Ohio, onde prestou um relevante serviço. Dais anos mais tarde, preocupado com um problema vocal que parecia se agravar, decidiu ir à Escola de Oratória de Hamill, em Chicago, animado pelo desejo de educar a voz, a fim de usá-la com mais eficiência em suas atividades como pregador. Como requisito escolar, os alunos deviam pôr em prática as lições aprendidas, pregando nas igrejas da área de Chicago. Canright, com o seu talento, logrou abrir as portas de inúmeras igrejas evangélicas que o convidavam para pregar.

Numa noite de domingo, pregou na igreja de West Side, sobre "A Herança dos Santos", a um auditório estimado em 3.000 ouvintes. Entre os presentes estava um professor do Colégio Adventista de Battle Creek – D. W. Reavis – que também estudava na Escola de Oratória de Chicago. Com sua extraordinária retórica, Canright logrou eletrizar seus ouvintes que, extasiados, acompanharam-no em sua magnífica exposição homilética. Após o sermão, o Professor Reavis o acompanhou caminhando em direção a um parque situado no outro lado da avenida. Dirigindo-se a Canright, expressou-se agradecido pela mensagem cheia de vitalidade e poder por ele apresentada.

Após as palavras de Reavis, eles permaneceram em silêncio por alguns momentos, assentados em um banco naquele aprazível jardim. Canright parecia mergulhado em profundas reflexões. Subitamente, levantou-se e, rompendo o silêncio, disse: "Reavis, eu poderia ser um grande pregador se a mensagem que temos não fosse tão impopular."

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Introdução 183 Surpreendido, ele respondeu convicto: "Dudley, a mensagem fez de você o que é, e no dia em que a deixar, voltará ao mesmo lugar onde ela o encontrou."9

Este diálogo nos permite perceber os sonhos de grandeza que ele acariciava no coração. Gradualmente a mensagem adventista passou a ser considerada por ele como um obstáculo intolerável, frustrando aspirações geradas em seu coração não santificado.

Com palavras incisivas e sem circunlóquios, a Sra. White o censurou, dizendo:

"Sempre tivestes o desejo do poder, da popularidade, e isto é uma das razões de vossa presente situação. ... Quisestes ser muita coisa, e fizestes uma ostentação e um ruído no mundo, e em resultado disso, vosso sol certamente se porá em obscuridade."10

Canright vivia outra vez um período de eclipse em sua experiência cristã. Ocupou-se em atividades seculares e, segundo suas próprias palavras, descontinuou por algum tempo a observância do sábado. Pensou até mesmo, com seriedade, em se tornar um pregador metodista. Porém, com a consciência torturada, dirigiu-se ao Pastor G. I. Butler buscando uma palavra de ânimo e certeza para sua alma atribulada e aflita. Mais tarde, em um artigo publicado nas páginas da Review and Herald, descrevendo este período de vacilações e incertezas, declarou:

"Há aproximadamente um ano me senti completamente desanimado. Pareceu-me que o meu trabalho era inútil, e que eu devia abandoná-lo. . .

"Por quatro meses segui este caminho. Procurei diligentemente descobrir se havia algum erro em nossa mensagem, ou se me era possível seguir outro caminho. ... Descobri que a minha fé na doutrina adventista era tão vigorosa que me tornava impossível crer em algo diferente. ... E por isso fui a Battle Creek... e conversei livremente sobre as minhas dificuldades e provações com o Pastor Butler, o casal White e outros....

"As minhas dificuldades desapareceram, e o meu interesse e confiança originais na mensagem foram reavivados. Sinto-me agora plenamente reintegrado.... Tudo quanto sou e possuo serão colocados sem reservas em Seu serviço.... Confio humildemente na graça de Deus que me ajudará a manter esta resolução."11

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Introdução 184 Desafortunadamente seu protesto de fidelidade à mensagem adventista

foi olvidada poucos meses mais tarde. Em 1882, tendo a alma agitada por dúvidas perturbadoras, abandonou o púlpito para se dedicar às atividades agrícolas, em Otsego, Michigan. Em carta dirigida a um amigo afirmou que jamais retornaria às fileiras do ministério. Com clareza sublinhou que tal atitude se inspirava em uma firme convicção de que as visões da Sra. White eram fabricadas em sua mente e, como tal, "não procediam de Deus".

Desta vez a apostasia de Canright parecia irreversível. Porém, em resposta aos vários convites que lhe foram dirigidos, decidiu assistir às reuniões campais celebradas em Jackson, Michigan, no começo de 1884. Após sucessivos diálogos com vários dirigentes, e depois de preciosos momentos dedicados à oração, decidiu confessar publicamente suas vacilações e equívocos. Aproximadamente mil pessoas reunidas, muitas com o rosto banhado em lágrimas, ouviram-no falar sobre as densas nuvens que nublavam sua mente. Agora, entretanto, afirmou: "... tudo se me afigura claro e radiante."

Confessou então, haver acariciado em seu coração sentimentos amargos contra a Sra. White, por suas mensagens de repreensão e censura. Em companhia de um seleto grupo, dirigindo-se à Sra. White, abriu o coração quebrantado e, confessando seus sentimentos, pediu-lhe que o perdoasse. Sobre esta experiência, em um testemunho posteriormente enviado a Canright, a mensageira de Deus assim se expressou:

"O irmão então humilhou o seu coração e pediu-me perdoá-lo pelas coisas ditas contra mim e minha obra. Perdôo-o em forma incondicional... pois estes males não foram praticados contra mim. Fui apenas o instrumento interpretando a mensagem que Deus me deu."12

Em um artigo publicado nas páginas da Review and Herald, ele confessou consternado sua imensa tristeza, dizendo:

"Penso que minha descrença nos Testemunhos e outras verdades, surgiu por haver aberto o coração às dúvidas, e havê-las acariciado e magnificado.

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Introdução 185 "Como Pedro, não me conhecia até que Deus permitiu-me ser provado.

Sinto-me agora grandemente humilhado, sob o efeito vergonhoso de meu próprio fracasso.

"Percebo com satisfação, que minha própria salvação e utilidade em salvar outros depende de minha conexão com este povo e esta obra. E aqui reafirmo minha determinação de arriscar tudo quanto sou, possuo ou espero ter, nesta e na vida futura, com este povo e esta obra."13

Após haver renovado sua confiança nos ideais da terceira mensagem angélica, viveu um período radiante e frutífero em sua experiência ministerial. Escreveu então seus mais apreciados artigos em defesa de nossa fé. Porém, a mesma crise de fé que nos anos anteriores o arrastou aos abismos da dúvida, parecia recrudescer outra vez. Canright era, com efeito, um ciclotímico irrecuperável.

Em janeiro de 1887, decidiu se retirar das fileiras do adventismo. Seus amigos foram informados de sua decisão. Ao presidente G. I. Butler, escreveu dizendo: "Estou abandonando a Igreja. Jamais lutarei contra ela, porém estou abandonando-a. Não mais creio em seus ensinos."14

Uniu-se aos batistas, onde foi recebido com festivas aclamações. Escreveu um livro – Seventh-day Adventism Renounced (Adventismo Renunciado) – com o qual pretendia demolir o edifício da fé adventista. Usando argumentos enganadores, tentou demonstrar a "falácia" da fé adventista. Sua ex-secretária, entretanto, em um livro escrito 50 anos após sua morte, descreve-o vivendo intermitentes períodos de angústia e aflição, quando então, perplexo, repetia: "Sou um homem perdido! Perdido! Perdido!"15

Em 1903, atenuou sua disposição beligerante contra a Igreja. Convidado por Reavis, que com ele estudou na Escola de Oratória, em Chicago, compareceu a um concílio ministerial em Battle Creek. Confessou então haver tomado uma decisão equivocada, e por esta razão não tinha paz de espírito. Com a voz embargada por uma profunda emoção, acrescentou: "Eu me alegraria, se pudesse voltar atrás, mas não posso! É demasiado tarde! Estou perdido para sempre!" Dirigindo-se

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Introdução 186 então a Reavis. com o rosto umedecido pelas lágrimas, exortou-o: "Faça você o que quiser, mas não combata nunca a mensagem."16

Seus últimos anos foram vividos entre humilhações, angústias econômicas e atrozes padecimentos físicos. Uma perna lhe foi amputada como resultado de um acidente que quase lhe roubou a vida. Inválido, sentiu sua saúde deteriorar-se rapidamente. Passou a sofrer então, em toda a sua intensidade, as angústias intoleráveis de um imenso ostracismo. Os batistas que o receberam com ruidosas manifestações de apreço e admiração, pareciam dispostos a ignorá-lo e desconhecer suas necessidades.

No dia 12 de maio de 1919, após um rosário de aflições e desenganos, Canright faleceu. Foi sepultado no pequeno cemitério de Mountain Home, em Otsego, na presença de um reduzido número de pessoas, testemunhas da solidão que o acompanhou em seus últimos anos.

As palavras – "o vosso sol se porá em obscuridade", cumpriram-se com assombrosa precisão.

JOHN H. KELLOGG

No firmamento denominacional em seus anos formativos a figura

do Dr. John H. Kellogg se destacava de maneira inconfundível como estrela de fulgurante brilho. Sua reconhecida eloqüência, talento e

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Introdução 187 versatilidade como escritor e incomum habilidade cirúrgica, deram-lhe grande notoriedade e prestígio internacionais.

Seus país, logo no início da grande epopéia que significou a marcha para o Oeste, emigraram (1834) para uma área até então inexplorada, no Estado de Michigan. Vivendo o espírito de fronteira com todos os seus riscos e oportunidades, John Preston Kellogg abriu em meio a uma floresta densa e selvagem, um lugar apropriado para edificar sua rústica casa e iniciar o cultivo da terra, tendo em vista arrancar os recursos indispensáveis para sobreviver com sua família.

As condições precárias em que viviam, os rigores do inverno com suas inclementes nevadas e o primitivismo das práticas médicas então prevalecentes, significaram para a família Kellogg um custo demasiado alto. Após um curto lapso de tempo, entre lágrimas e desencantos o Sr. Kellogg sepultou sua esposa, vítima de uma tuberculose insidiosa e cruel. Mais tarde pranteou a morte da filha Ema, vítima da inabilidade médica tão comum naqueles idos. Sofrendo uma infeção pulmonar, o médico de fronteira tratou-a como se os seus males fossem provocados pelo excesso de vermes. A terapêutica prescrita foi responsável pela morte da menina que, aos dois anos de idade, sucumbiu contorcendo-se em convulsões atrozes. Estes dois infaustos acontecimentos desenvolveram no coração do Sr. Kellogg um espírito amargo e um cínico desprezo pela medicina e aqueles que a exerciam.

Depois de vários anos de intensas lutas e esmagadoras frustrações em suas atividades agro-pastoris, o Sr. Kellogg mudou-se com a família para Jackson e, dois anos mais tarde, para Battle Creek. Após a morte da esposa, casou-se com Ana Stanley, e seus cinco filhos do primeiro matrimônio celebraram através deste segundo casamento, o advento festivo de mais onze irmãos e irmãs. Para sustentar tão numerosa prole, Kellogg iniciou em Battle Creek uma pequena indústria de vassouras.

Alcançada pelo poder da mensagem do terceiro anjo, a família aceitou a proclamação adventista, passando a desempenhar posteriormente um papel relevante na história denominacional.

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Introdução 188 Cristalizava-se então, de forma gradual, a convicção de que a Igreja

reunia condições indispensáveis para inaugurar a prática de uma medicina preventiva apoiada no princípio sintetizado no moto latino: "Mens sana in corpore sano." As normas de saúde desconhecidas pela medicina contemporânea haviam sido, em visão, (1863) reveladas à Sra. White. A implantação de uma instituição de saúde tendo em vista a divulgação destes princípios, se impunha como um imperativo. Entretanto, para uma igreja infante, carente de recursos financeiros e que ainda ensaiava os primeiros passos, este plano poderia parecer um ideal utópico.

Porém, ignorando as "impossibilidades", J. N. Loughborough, um pioneiro de frágil constituição física, mas possuído por uma vigorosa determinação, foi escolhido por seus pares para iniciar uma campanha, coletando fundos para o estabelecimento de um centro de saúde modelo em Battle Creek. Visitando os membros da comunidade adventista local, chegou à casa do Sr. Kellogg, solicitando seu apoio financeiro para o projeto. Interrogado sobre quanto havia arrecadado até então, recebeu como resposta, "nenhum centavo''. Kellogg tomou em suas mãos a lista de contribuintes ainda em branco e assinou o seu nome, comprometendo-se com a soma de quinhentos dólares. Após haver assinado, dirigindo-se ao Pastor Loughborough, disse: "Estes quinhentos dólares representam a semente para iniciar a nova instituição, e agora resta sobreviver ou naufragar."17

Para um modesto fabricante de vassouras, responsável pela manutenção de uma família de 16 filhos, o compromisso assinado significava uma doação feita com sacrifício. Mas, considerando que o primitivismo médico naqueles idos de obscurantismo científico, custaram a vida de sua esposa e uma pequena filha, e lhe causaram sofrimentos sem conta, podemos facilmente entender a motivação que o levou a apoiar tão generosamente o plano que lhe foi apresentado.

Em pouco tempo onze mil dólares foram arrecadados, e com esta soma se edificou a primeira instituição de saúde adventista, em Battle

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Introdução 189 Creek. No dia 5 de setembro de 1866, com um staff de dois médicos, uma enfermeira e seis assistentes, a instituição abriu as portas. Em poucos meses, porém, suas instalações se mostraram inadequadas e insuficientes para atender o grande número de pacientes que, procedentes de perto e de longe, vinham a Battle Creek para receber os benefícios de uma terapêutica então revolucionária.

Era evidente a necessidade de ampliar a instituição tendo em vista satisfazer à grande e surpreendente demanda. Porém, antes de qualquer expansão, impunha-se como urgente a preparação de talentosos jovens adventistas para o exercício da medicina. Em 1872, quatro jovens foram enviados a uma escola de estudos paramédicos no Estado de New Jersey. Após completado o período escolar, o Pastor White animou o mais promissor entre eles – John H. Kellogg (décimo filho de John P. Kellogg) – a estudar na Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan. Posteriormente emprestou-lhe mil dólares para um período de especialização no Hospital Belleview, em Nova Iorque.

Após ter completado sua preparação profissional, o jovem Kellogg iniciou em Battle Creek uma brilhante carreira médica, que durou 68 anos. Desenvolveu técnicas cirúrgicas que o consagraram internacionalmente. Durante cinco meses assistiu o Dr. Lawson Tait, em Birmingham, na Inglaterra, assimilando seus métodos e procedimentos no campo da cirurgia ginecológica e abdominal. O Dr. Tait havia logrado o respeito do mundo científico após haver realizado 116 intervenções cirúrgicas sucessivas sem a ocorrência de uma só fatalidade. Este era um resultado excepcional, numa época quando se esperava que entre 15 a 20 por cento dos pacientes operados morressem vítimas das complicações pós-operatórias. Kellogg, entretanto, estabeleceu um novo recorde: 165 operações abdominais sem o registro de um único óbito.

Visitou a Clínica Mayo, em Rochester, Minnesota, famoso centro cirúrgico nos Estados Unidos. Em pouco tempo ganhou o respeito e admiração dos doutores Will e seu irmão Carlos Mayo. Um dia,

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Introdução 190 enquanto examinava um de seus pacientes, o Dr. Carlos Mayo o surpreendeu dizendo:

– Vejo que o senhor foi operado pelo Dr. Kellogg. – Sim – respondeu o paciente – mas como sabe que foi ele que me

operou? – É fácil – replicou o Dr. Mayo. – A cicatriz é pequena e perfeita,

semelhante a uma assinatura. Com notável destreza manual, Kellogg operou 22.000 pacientes,

um recorde dificilmente igualado por qualquer outro cirurgião. Escreveu cerca de 50 livros, dos quais circularam aproximadamente

um milhão de exemplares. Seu livro mais popular – The New Dietetics (A Nova Dieta) – figura na lista dos livros sobre nutrição como um autêntico clássico. Na opinião de H. T. Finck, editor do New York Evening Post, este livro seria suficiente para qualificá-lo a receber as honras de um prêmio Nobel.

Destacou-se também como prolífico inventor. Na área da medicina, concebeu aparelhos e sistemas para acelerar a circulação do sangue, melhorar o processo digestivo e ajudar no controle e redução do peso. Inventou também artifícios mecânicos para o fortalecimento de músculos enfraquecidos. Sob sua direção e patrocínio a "manteiga de amendoim" começou a ser produzida e, posteriormente, industrializada. Concebeu a idéia de produzir o que hoje conhecemos como flocos de milho. Seu irmão W. K. Kellogg, usando as receitas criadas por John, inaugurou a indústria de alimentos Kellogg, conhecida em todo o mundo como uma das mais respeitáveis empresas no campo da produção de alimentos.

Com efeito, através do ministério médico de Kellogg e sua assombrosa versatilidade, a Igreja capitalizou benefícios sem conta. Desafortunadamente, porém, após ter conquistado tantas glórias, começou a sentir-se inibido dentro das limitadas fronteiras denominacionais. Iniciava-se em seu coração uma sutil rebelião contra a Igreja e seus dirigentes.

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Introdução 191 O grande sanatório de Battle Creek se apartava gradualmente do

ideal que justificou sua fundação, para se transformar em uma instituição não-confessional. Em visão a Sra. White viu os médicos escondendo deliberadamente sua identificação com a Igreja e lhes enviou uma mensagem. "Deus" – sublinhou a serva do Senhor "deve ser honrado e reconhecido pelos que se chamam adventistas do sétimo dia.... Nenhum aspecto de nossa mensagem deve ser ocultado."18

Na histórica assembléia da Associação Geral celebrada em 1901, Kellogg e seus colaboradores usaram sua influência e capacidade persuasiva para lograr, com a aprovação de um novo esquema organizacional, maior grau de independência. Frustrados em seus intentos, decidiram executar planos e programas de ação que evidentemente não se harmonizavam com os métodos e sistemas denominacionais.

Contrariando as instruções recebidas da Associação Geral, sobre os escombros do velho sanatório destruído pelo fogo, Kellogg decidiu levantar uma estrutura imponente e extravagante. ''Fui instruída na última noite" – escreveu-lhe a Sra. White – "a declarar que os seus extensos planos para Battle Creek não se harmonizam com a ordem de Deus."19

Além das preocupações relacionadas com as dimensões do novo sanatório em construção, a mensageira de Deus não ocultou o temor de que a beleza existente na simplicidade fosse ofuscada pelo fulgor faraônico de uma instituição construída para gratificar a vaidade humana.

Mas o conselho enviado pela pena inspirada foi completamente ignorado. Poucos dias antes de sua inauguração, descrevendo a suntuosidade do novo hospital, assim se expressou Perry F. Powees, auditor geral do Estado de Michigan:

"O estilo do edifício é conhecido entre os arquitetos como renascentista. ... Os pisos de mármore de grande dimensão, em forma de mosaicos, cobrem uma imensa área. O trabalho foi dirigido por um artista italiano.... Quando completado será um dos mais belos edifícios de Michigan, honrando tanto a cidade como o Estado."20

Durante vários anos Kellogg cultivou uma respeitosa e cordial relação com a Sra. White. Seus conselhos, advertências e exortações

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Introdução 192 foram sempre de bom grado recebidos e entesourados. Agora, entretanto, insinuava a existência de dois tipos de Testemunhos: Uns genuínos, porque procedentes de Deus; e outros qualificados como questionáveis, por refletir o pensamento dos dirigentes da Associação Geral.

As idéias panteístas gestadas em sua mente, embora denunciadas como espúrias pelo Espírito de Profecia, passaram a ser proclamadas por ele e seus seguidores, com entusiasmo quase apostólico.

Rejeitando posteriormente in totum os escritos produzidos pela pena inspirada, passou a atribuir as visões da Sra. White a "alucinações ocorridas durante os espasmos epilépticos que a acompanharam durante sua longa existência". Aproximava-se de forma irreversível o fim de sua vinculação com o movimento adventista.

Finalmente, em 1907, após haver abandonado a Igreja com alguns de seus mais íntimos colaboradores, Kellogg foi excluído da comunhão adventista em Battle Creek. Com grande solércia e artimanhas jurídicas, logrou o controle do sanatório e da fábrica de alimentos. A Igreja, entretanto, apesar de sua enorme perda patrimonial, inaugurou em suas fileiras um período de paz e harmonia imprescindíveis ao cumprimento de sua missão evangelizadora.

Uma vez liberado das limitações que a Igreja por tantos anos lhe impôs, iniciou uma nova etapa em sua vida profissional, plena de ilusões e fantasias. Seus sonhos de grandeza levaram-no a conceber um imenso império hospitalar. Três instituições satélites (duas em Chicago e uma em Miami) e a construção de um novo e extravagante complexo em Battle Creek, em adição ao sanatório já existente, geraram compromissos maiúsculos que jamais puderam ser honrados. A grande depressão financeira (1929) que afetou a economia mundial abalou perigosamente os fundamentos de sua corporação hospitalar. Como conseqüência as três instituições satélites tiveram suas operações interrompidas. Em 1933 o "elefante branco" de Battle Creek, afogado em um oceano de dívidas, quase insolvente, foi submetido às condições humilhantes impostas por uma concordata preventiva. Em 1938, a corporação foi legalmente

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Introdução 193 declarada em estado de falência. Finalmente, o governo dos Estados Unidos decidiu comprar o edifício principal que integrava o grande complexo de Battle Creek.

E assim ruiu, como frágil castelo de cartas, a gigantesca corporação médica fundada por Kellogg. A cadeia hospitalar adventista, entretanto, sob as bênçãos e direção de Deus, cresceu e se multiplicou estendendo a todos os continentes os preciosos benefícios de sua influência.

Kellogg, que havia antecipado a desintegração do adventismo, acompanhou perplexo, no crepúsculo de sua existência, o colapso de sua organização.

Afastado da igreja, perdeu a fé nas doutrinas da expiação, o nascimento virginal e a divindade de Cristo e tornou-se um evolucionista darwiniano.

Quão diferente teria sido sua vida se, em lugar de seguir as ambições de um coração não santificado, houvesse ouvido a voz de Deus falando através de Sua mensageira!

Apesar de quebrantado por humilhantes experiências, jamais se reconciliou com a Igreja. Registrou, entretanto, em sua autobiografia, escrita já no pôr-do-sol de sua vida, um surpreendente testemunho de confiança na Sra. White e seu ministério. Entre outras coisas, escreveu:

"Encontrei na Sra. White uma sábia conselheira e amiga à qual constantemente recorri em busca de conselho. ... Tinha plena certeza de que o Senhor dirigia sua mente e ainda mantendo esta convicção. Era uma mulher piedosa que buscou a orientação divina e a recebeu. Tive multas evidências disso, provavelmente mais que qualquer outro homem jamais tenha tido....

"Na humilhante experiência dos últimos seis anos (a perda do gigantesco sanatório) reconhecemos a bondosa mão da Providência ensinando-nos lições que grandemente necessitamos, e esperamos que elas sejam aprendidas profundamente e aproveitadas de tal maneira que não precisem ser repetidas.

"Tenho sempre nutrido o maior respeito e consideração pela Sra. White. Além dos meus pais, foi a minha melhor amiga."21

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Introdução 194 Quantos opróbrios, vexames e humilhações Kellogg teria evitado se

além de apreciar a obra realizada pela Sra. White, houvesse se submetido aos seus conselhos e exortações!

Mui apropriadas se nos afiguram as palavras inspiradas: ''Há caminho, que parece direito ao homem, mas o seu fim são os caminhos da morte."22

ELLET J. WAGGONER

Os ressonantes triunfos alcançados pela Reforma na alvorada do século XVI tiveram suas origens no coração de dois festejados teólogos: Lutero e Melanchton. Como ardorosos intérpretes da doutrina da justificação pela fé, precipitaram um movimento religioso que mudou a corrente da História.

Séculos mais tarde, no seio do adventismo, dois talentosos pregadores, Jones e Waggoner, proclamando outra vez a justificação pela fé no contexto da tríplice mensagem angélica, lograram reavivar a centelha do princípio sola fide, resgatando a Igreja dos perigos de uma religião destituída dos "atrativos incomparáveis do Calvário". Os teólogos da Reforma se caracterizaram pela diversidade. Lutero era por todos reconhecido por sua personalidade exuberante, temperamento

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Introdução 195 explosivo e natureza arrebatada; Melanchton, por suas maneiras afáveis, espírito sereno e atitudes refinadas.

Tal qual os teólogos da Reforma, os dois pregadores adventistas também se destacaram pelas dessemelhanças. Jones era alto, porte anguloso e áspero; Waggoner era de baixa estatura, entroncado e gentil. Jones era um autodidata. Com esforço e empenho logrou acumular uma apreciável soma de conhecimentos. Waggoner, como médico, refletia a erudição e o refinamento, cultivados ao longo de uma vivência universitária.

Durante o período neo-testamentário, Deus usou duas personalidades diametralmente opostas – o impetuoso Pedro, e João, o suave discípulo de Patmos – para edificar Sua Igreja. Nos idos da Reforma e nos anos formativos do movimento adventista, Deus usou também personalidades marcadas pela diversidade para consolidar os triunfos do evangelho.

Ellet Waggoner nasceu em 1855 em Wisconsin. Estudou no colégio adventista de Battle Creek e, posteriormente, completou seus estudos na Faculdade de Medicina de Belleview, Nova Iorque. Por alguns anos serviu no staff médico do sanatório de Battle Creek. Parecia, entretanto, não se sentir realizado no exercício da medicina. Atraía-o o púlpito. A investigação teológica exercia em seu espírito irresistível fascínio. Por isso, após alguns anos de atividades médicas, decidiu trocar o hospital com suas longas e fatigantes vigílias, pelo púlpito e sua exaustiva obra em favor das almas.

Em 1884 serviu como redator assistente da revista missionária Signs of the Times, sob a responsabilidade editorial de seu pai, J. H. Waggoner. Preocupado com a influência perniciosa do legalismo dentro da Igreja, dispôs-se em sua política editorial a exaltar o significado da cruz. O movimento adventista vivia então um período de grande letargia espiritual. Muitos crentes anelavam alcançar a pureza e a justiça. Porém, frustrados, à semelhança do apóstolo Paulo, interrogavam: "Quem me libertará do domínio da minha natureza inferior?''23

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Introdução 196 "Cristo em Sua humilhação, Cristo em Sua pureza e santidade,

Cristo em Seu incomparável amor'', havia deixado de ser o tema central, tanto nos púlpitos como nas publicações adventistas. Muitos eram os que, no seio da Igreja, haviam perdido de vista a preciosa verdade que, unicamente amando a Jesus, imitando-O e nEle confiando, poderiam ser transformados à Sua semelhança. Frente a esta realidade, J. H. Waggoner e A. T. Jones, outro redator associado, decidiram consagrar suas penas à exaltação do "Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo''. A ênfase dos novos redatores em torno do tema "O Senhor Justiça Nossa", gerou entre muitos suspeitas que não puderam ser dissimuladas. Seria acaso Waggoner o intérprete de um novo evangelho, exaltando a cruz e ignorando os privilégios de obediência à lei? – interrogavam perplexos os pastores, representantes da "velha guarda''.

Mas, indiferente à suspicácia de muitos e apoiando-se no uso de duas armas poderosas – a pena e a palavra – denunciou com ardor os perigos de uma justiça semelhante à dos fariseus. O fervor com que se empenhou na exaltação dos atrativos da cruz, fê-lo pontificar durante quase duas décadas como figura estelar no cenário adventista.

Na histórica assembléia da Associação Geral celebrada em 1888, em Minneapolis, ele se agigantou na apresentação de poderosas mensagens cristocêntricas, precipitando na Igreja uma grave confrontação teológica.

"A justificação será alcançada unicamente mediante uma fé viva em Cristo", sublinhou Waggoner com acentos eloqüentes. "Ninguém entrará no Céu sem o manto prístino da Justiça de Cristo. Este manto não pode ser comprado, nem obtido por meio de obras meritórias. É um dom que alcançamos mediante uma experiência pessoal com Cristo'', acrescentou enfático. E para assombro de muitos, repetiu solene uma afirmação paulina: "Somos justificados diante de Deus unicamente pela fé no Salvador divino e jamais pela obra da lei."24

Seu objetivo era demonstrar que os homens são salvos pela justiça de Cristo, não pela obediência à lei. Influentes delegados viram nos

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Introdução 197 temas por ele apresentados um deliberado afã por solapar o decálogo divino, transformando-o em um código obsoleto, destituído de importância e significado. Os debates que se seguiram às mensagens de Waggoner, deixaram no ar a inquietante impressão de que a unidade na doutrina havia sido fraturada e que jamais seria restaurada.

A Irmã White, entretanto, preocupada com os efeitos perniciosos de uma religião semelhante à oferta de Caim, destituída do poder e atração da cruz, endossou sem vacilações o novo enfoque dado por Waggoner em suas exposições homiléticas. Nos meses seguintes, juntamente com ele e Jones, participou de encontros de reavivamento em igrejas locais, concílios ministeriais e reuniões campais:

"Estes não foram contatos casuais, mas ocasiões de duro labor, pregações, apelos, aconselhamentos, exortações, orações, até que a oposição se desfez e lágrimas fluíram, pecados foram confessados, mãos foram reapertadas em amizade e rostos radiantes atestavam vitória e novo nascimento."25

Como resultado, a Igreja sentiu-se inflamada de entusiasmo pelo evangelho de Cristo, com um espirito de ardente devoção pela pessoa de Cristo e com uma consumidora paixão pelas almas carentes de Cristo.

Em 1892, Waggoner foi chamado para assumir na Inglaterra a responsabilidade editorial de nossas publicações missionárias. Em suas novas funções, entretanto, talvez como reação natural à oposição orquestrada pelos dirigentes da Associação Geral contra as mensagens apresentadas na assembléia de 1888, começou a desenvolver uma atitude antagonista em relação à estrutura administrativa denominacional. Sua crescente hostilidade contra o que ele convencionou chamar "o poder régio de Battle Creek", suscitou uma carta escrita pela Sra. White ao Pastor Jones, expressando tristeza e preocupações. Dela extraímos os seguintes parágrafos:

"Sei que de forma especial Deus o usou, e também ao Pastor Waggoner, para a realização de uma obra especial. Acompanhei-os com toda a minha influência, pois sabia que a obra que realizavam era de origem

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Introdução 198 divina.... Sinto-me, porém, entristecida e temerosa quando vejo atitudes que não posso endossar. ...

"O Pastor Waggoner tem alimentado estranhas teorias e, antes de apresentá-las perante um conselho de irmãos, as tem defendido publicamente. Tem estado advogando abertamente idéias relacionadas com a administração da Igreja, que jamais deveriam ter sido expressadas. ... Vivemos em um tempo quando a ordem, sistema e unidade de ação devem ser defendidos como elementos essenciais."26

Representando a obra na Inglaterra, assistiu à assembléia geral de 1897, quando então apresentou com brilho e erudição, uma série de dezoito estudos sobre a epístola aos Hebreus. O Dr. Kellogg, que também estava presente naquele encontro, discorreu sobre diversos temas, introduzindo sub-repticiamente seus conceitos panteístas, os quais haveriam de exercer uma influência ruinosa na vida de Waggoner.

Nos anos que se seguiram, enquanto dava continuidade à obra iniciada na Inglaterra, começou a defender e divulgar uma idéia esdrúxula conhecida pelo título "afinidade espiritual''. Pretendia que uma pessoa que não seja o legítimo esposo ou esposa nesta vida, poderá vir a ser o companheiro ou companheira na vida porvir. Esta idéia, destituída de fundamento bíblico, propiciava já nesta vida as condições favoráveis para uma eventual afinidade espiritual com terceiros. Waggoner, evidentemente, caminhava sobre um terreno minado por Satanás.

Em 1901 voltou a Battle Creek para participar como delegado dos trabalhos da assembléia da Associação Geral. Sentia-se então entusiasmado com o que ele "supunha ser uma preciosa luz espiritual".27 Preocupada com esta "nova luz", a Sra. White denunciou-a como "fábula perigosa e desorientadora''.28

Retornando em 1903 a Battle Creek, decidiu não mais regressar à Europa. A Sra. White empreendeu então seus melhores esforços, tendo em vista ajudá-lo espiritualmente. Sugeriu sua admissão em caráter experimental no quadro de professores do colégio recém-fundado em Berrien Springs (Emanuel Missionary College). Animava-a a esperança de vê-lo superar a crise que ameaçava arruiná-lo espiritualmente. Porém,

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Introdução 199 em lugar de permanecer no Colégio Missionário Emanuel, então uma ilha de segurança contra as heresias, preferiu dirigir-se a Battle Creek, epicentro da crise panteísta, onde a legitimidade dos escritos da Sra. White era continuamente testada e questionada nos laboratórios da incredulidade.

No dia 4 de outubro de 1903, a Sra. White lhe enviou uma carta, na qual se expressou com franqueza e vigor, dizendo:

"Fostes apresentados a mim como estando em grande perigo. Satanás está em vossa pista, e por vezes vos tem sussurrado fábulas agradáveis, e vos mostrado belos quadros de alguém a quem ele representa como companheira mais apropriada para vós do que a esposa de vossa juventude, a mãe de vossos filhos.

"Satanás está trabalhando secreta e infatigavelmente para levar a efeito vossa queda por meio de suas ardilosas tentações... Espera desviar vossas afeições de vossa esposa, e fixá-las em outra mulher. Deseja que permitais que vossa mente se demore pensando nessa mulher, até que, mediante afeição não santificada, ela se torne vosso ídolo."29

Mas as exortações procedentes de Deus não encontraram em seu coração a ressonância desejada. Waggoner já havia lançado a sua sorte. Sua apostasia se afigurava agora como um processo irreversível. Divorciou-se da esposa e, depois, centrou suas afeições em uma jovem enfermeira, na Inglaterra, com quem havia iniciado, alguns anos antes, uma "afinidade espiritual". Consciente de que a Igreja jamais endossaria seu segundo matrimônio, interrompeu sua relação com o movimento adventista.

Alguns anos mais tarde, encontramo-lo no Sanatório de Battle Creek, ocupado outra vez em atividades médicas. Embora afastado da Igreja, jamais usou a voz ou empregou a pena para atacar suas doutrinas e ensinos. No dia 28 de maio de 1916, aos 61 anos de idade, faleceu repentinamente, em sua casa, vítima de fulminante ataque cardíaco.

Em 1892, revelando uma intuição penetrante, a Sra. White escreveu sobre a possibilidade de que eventualmente Waggoner abandonasse a fé. Mas, se isso ocorresse – registrou – "não seria uma prova de que sua

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Introdução 200 mensagem não fosse de Deus, e que a obra por ele realizada houvesse sido um equívoco''.30

Deploramos o ocaso sombrio de um talentoso mensageiro que, após haver prestado à Igreja serviços tão assinalados, preferiu viver seus últimos anos vagando longe do aprisco do Senhor. Seu melancólico desenlace nos permite entender com maior profundidade o significado da exortação paulina: "Aquele pois que cuida estar em pé, olhe não caía."31

ALONZO T. JONES

Na vida de Alonzo T. Jones, encontramos duas características sobressalentes, dignas de especial registro: uma ascensão rápida e acelerada, seguida de uma queda vertiginosa e sombria. A primeira vez que a crônica adventista registra seu nome, fá-lo para notificar o seu batismo, ocorrido em Walla Walla, no Estado de Washington, em 1873. Era então um desconhecido sargento, engajado no Vigésimo Primeiro Regimento de Infantaria, aquartelado no Forte de Walla Walla.

Após haver assistido a uma série de conferências pronunciada por um evangelista adventista – Pastor I. D. Van Horn – Jones manifestou o desejo de confessar publicamente sua fé na mensagem adventista, mediante o batismo.

Interrompendo suas atividades militares, passou a integrar a equipe dirigida pelo Pastor Van Horn, ocupando-se com grande entusiasmo e

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Introdução 201 singular fervor na obra em favor das almas perdidas. Uniu-se em matrimônio com a Srta. Francis Elvira Patten, cunhada do evangelista que o levou à experiência da conversão.

Era um autodidata respeitado por sua admirável erudição. Enquanto a maioria dos seus ex-companheiros de caserna dissipavam o tempo em atividades fúteis e banais, ele se concentrava em exaustivas lucubrações, investigando volumosos tratados de História, esforçando-se por entender o passado à luz das profecias bíblicas.

O pastor Van Horn, que o levou à experiência batismal, provavelmente jamais imaginou que aquele soldado, quase anônimo, em pouco tempo haveria de se tornar editor da Review and Herald, Sign of the Times, American Sentinel, Present Truth, e também o campeão da causa da liberdade religiosa nos tribunais de justiça dos Estados Unidos e um dos mais brilhantes teólogos nos círculos adventistas, naqueles dias.

Após se haver dedicado por alguns anos à obra da evangelização trabalho que realizou com surpreendente êxito, foi convidado (1885) para atuar como editor associado da revista Sign of the Times, periódico missionário publicado pela Casa Editora do Pacífico (P.P.P.A.).

Sentindo que a Igreja, em seu anseio por exaltar a lei, havia quase perdido de vista os "encantos do Calvário", decidiu magnificar em seus editoriais o ''poder e a glória da Cruz''. Esforçou-se por demonstrar que o pecador é justificado unicamente pela justiça de Cristo. Mas a ênfase com que sublinhava a salvação pela fé, suscitou a suspeita de que intentava deliberadamente anular a validade da lei e desdenhar a importância e a validade do sábado, o dia do Senhor. Esta desconfiança e alguns outros problemas que se seguiram, cavaram um profundo abismo entre Jones e os dirigentes, precipitando posteriormente um deplorável conflito, seguido por uma separação inconciliável.

Jones e Waggoner foram, no firmamento adventista, duas estrelas de fulgurante brilho. Unia-os uma singular coincidência de idéias e convicções. Embora jamais houvessem estudado juntos os grandes temas do evangelho, revelavam sempre, no púlpito e nos seus escritos, uma

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Introdução 202 surpreendente identidade de pensamento. O seguinte parágrafo, extraído de uma carta escrita por Jones, ilustra esta grande afinidade existente entre ambos:

"Em um sábado, quando o irmão Waggoner se ausentou de Oakland, para ir a uma reunião campal, preguei em seu lugar na igreja de Oakland. Meu tema foi 'A Justificação pela Fé'. No sábado seguinte ele voltou a pregar em sua igreja (Oakland) e eu em São Francisco. Na manhã seguinte, quando iniciei o meu trabalho na redação da Sign [of the Times], perguntei ao irmão Bollman: 'Qual foi o tema do irmão Waggoner, ontem?' Ele respondeu: 'O mesmo pregado pelo irmão na semana anterior.' Voltei a interrogar: 'Qual foi a orientação que ele seguiu? Que ilustrações usou?' Ele respondeu: 'As mesmas que o irmão.''32

Embora dessemelhantes fisicamente, e cultivando hábitos de vida diametralmente opostos, no pensamento teológico se assemelhavam como irmãos siameses.

Em 1888, Jones apresentou diversas mensagens aos delegados reunidos em assembléia da Associação Geral, em Minneapolis, Minnesota. Apesar da oposição da "velha guarda'' que via em seus ensinos um perigoso desvio do pensamento tradicional adventista, logrou polarizar a assembléia com sua arrebatadora eloqüência, maneirismos, peculiaridades, mas acima de tudo com a força persuasiva de sua dialética firme e sutil.

E foi assim que um desconhecido sargento do Vigésimo Primeiro Regimento de Infantaria do Forte de Walla Walla, se projetou no seio do adventismo como uma de suas figuras mais respeitáveis. Em rápida ascensão, Jones alcançou o zênite de sua experiência ministerial. Suas mensagens, embora repudiadas por um influente segmento da Igreja, foram recebidas com entusiasmo e fervor por outros que, em seus temas, discerniram o poder espiritual capaz de produzir um grande reavivamento e precipitar o derramamento da prometida chuva serôdia.

Mas sua melhor contribuição como talentoso intérprete da Palavra de Deus ocorreu na assembléia da Associação Geral celebrada em 1893. Os 24 sermões que pregou naquela oportunidade, sob o tema "Cristo

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Introdução 203 Justiça Nossa'', foram recebidos "como maçãs de ouro em salvas de prata". Reanimados na fé, os delegados testificaram jamais haver recebido tanto conforto e uma luz tão preciosa.

Jones, entretanto, em seu calculado intento por neutralizar os argumentos dos chamados "legalistas", imprudentemente se excedia em sua linguagem, dando a impressão de minimizar a importância de uma "obediência perfeita por meio de Cristo''.

Da Austrália, onde realizava uma obra pioneira, a Sra. White enviou-lhe a seguinte mensagem:

"Estava eu assistindo a uma reunião, estando presente vasta congregação. Em meu sonho estáveis apresentando o assunto da fé, e da imputada justiça de Cristo pela fé. Repetíeis várias vezes que as obras de nada valiam, que não havia condições. O assunto foi apresentado de maneira que, sei, os espíritos seriam confundidos, não recebendo a correta impressão quanto à fé e as obras, e resolvi escrever-vos. Afirmais esta questão com vigor exagerado. Há condições para recebermos justificação e santificação, e a justiça de Cristo. Sei o que quereis dizer, mas deixais uma impressão errada nos espíritos. Conquanto as boas obras não salvem alma alguma, é impossível que uma única alma se salve sem as boas obras."33

Em 1894, consoante a opinião de Olsen, presidente da Associação Geral, a Igreja vivia um período de bonança e grande progresso espiritual. Os últimos focos de resistência à pregação de Jones e Waggoner se haviam rendido. Entre os dirigentes, pastores e membros em geral, crescia a convicção de que havia chegado o tempo para um grande reavivamento sob a ministração do Espírito Santo.

Em meio ao fervor religioso que então caracterizou a Igreja, surgiu Ana Philips, uma jovem residente em Battle Creek, anunciando haver recebido em visões especiais, revelações de Deus. Escreveu suas mensagens e estas suscitaram por toda a parte um vívido interesse. Para muitos parecia razoável aceitar a idéia de que a Srta. Philips fora escolhida pelo Senhor para orientar Sua igreja nos Estados Unidos, durante a ausência da Sra. White, então ocupada em um programa missionário na Austrália. Suas mensagens foram recebidas e lidas com

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Introdução 204 grande entusiasmo e, muitas vezes, comparadas com os escritos da Sra. White.

Em um sábado, no mês de abril, o Pastor Jones declarou em um sermão pregado no Tabernáculo de Battle Creek, que os ensinos de Ana Philips tinham o selo evidente de uma genuína manifestação do Dom de Profecia. Com a habilidade retórica que lhe era própria, leu alguns escritos da Srta. Philips e, após compará-los com os Testemunhos da Sra. White, instou os ouvintes a aceitá-los como a voz de Deus falando à Sua Igreja.

Sua mensagem produziu não pouca agitação. Alguns se mostraram receptivos, e se inclinaram a aceitar Ana Philips como ''outra" mensageira escolhida pela Providência. Outros, entretanto, suscitaram inúmeras interrogantes sobre a validade de suas pretensões.

Na manhã seguinte, domingo, Jones dirigiu-se ao Correio, junto à casa publicadora Review and Herald, em busca de cartas. Foi-lhe entregue um grande envelope, carimbado na Austrália, contendo uma mensagem assinada pela Sra. White. Era uma carta escrita algumas semanas antes, censurando-o por se haver apressado a defender publicamente a autenticidade do "ministério profético'' de Ana Philips. Entre outras coisas, escreveu a mensageira do Senhor:

"Tenho uma mensagem para vós. Supusestes que Deus vos comissionara a tomar a responsabilidade de apresentar as visões de Ana Philips, lendo-as em público, unindo-as com os testemunhos que o Senhor houve por bem dar-me? Não, o Senhor não pôs sobre vós este encargo. Não vos deu esta obra a fazer. ... Não desmereçais a obra misturando com ela manifestações que não tenhais positiva evidência de serem provenientes do Senhor da vida e da glória. ...

"Recebi de Deus a advertência que ora vos envio. Não devia haver sido dado a Ana Philips o encorajamento que tem tido; isso tem sido grande dano para ela – firmando-a num engano. Sinto que alguns de nossos irmãos e irmãs estejam prontos a meter-se com essas supostas revelações, e imaginem ver nelas as credenciais divinas."34

Jones não logrou dissimular o seu pasmo diante da mensagem recebida. E enquanto paralisado pela surpresa, sentado no banco do

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Introdução 205 Correio, viu aproximar-se o Pastor O. A. Tait. Convidando-o para sentar-se, interrogou:

– Oscar, ouviste-me pregar ontem no Tabernáculo? Havendo recebido uma resposta afirmativa, pôs a carta datada de 15

de março nas mãos do Pastor Tait para que a lesse. Passados alguns momentos de silenciosa reflexão, interrogou:

– Como sabia a Sra. White, um mês atrás, que eu haveria de pregar a respeito de Ana Philips e seus escritos?

– Você sabe perfeitamente, Jones – respondeu o Pastor Tait. – Sim, eu sei. Deus sabia com antecipação o tema que eu haveria de

pregar – concluiu Jones, revelando em seu rosto apreensão e pesar. No sábado seguinte, Jones voltou a ocupar o púlpito do

Tabernáculo de Battle Creek e pregou um poderoso sermão. Reconheceu em sua mensagem que unicamente o Deus do Céu conhece com antecipação os pensamentos de um homem, e somente Ele tem poder para revelar estes pensamentos a outras pessoas a milhares de quilômetros de distância. Com palavras ungidas de fervor, penitenciou-se publicamente por suas açodadas conclusões.

Na seção de impressos e documentos de valor histórico da biblioteca da Universidade Andrews, encontram-se reunidos 25 livros e folhetos, escritos por Jones, abordando o problema relacionado com a liberdade religiosa. Com efeito, ele se destacou entre os adventistas como infatigável combatente a serviço da causa da liberdade religiosa. Com grande disposição de luta, compareceu diante de várias comissões do Congresso Nacional, estribando-se na Constituição, na jurisprudência, na lógica e na razão, em sua luta contra a aprovação de leis dominicais. Seu dinamismo se fez sentir até mesmo diante dos tribunais onde alcançou triunfos memoráveis.

Em 1897, foi eleito membro da comissão executiva da Associação Geral, onde atuou durante vários anos. Em certa ocasião, censurado publicamente pelo presidente, Pastor G. A. Irwin, por suas atitudes

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Introdução 206 exacerbadas, renunciou. Foi, entretanto, em 1901, reeleito para ocupar o mesmo posto.

Voltou, é certo, a ocupar um lugar na comissão executiva da Associação Geral, porém em seu coração já operava em forma furtiva o fermento da rebelião, levedando todos os seus planos e motivações. Iniciava-se a queda deplorável e sombria de um campeão em Israel.

Durante as discussões relacionadas com a reorganização da Igreja, em 1901, ele se insurgiu com grande veemência contra o que qualificava o ''régio poder''. Cria que a Igreja não mais deveria continuar sendo dirigida por um presidente, mas sim por uma comissão executiva. Animava-o uma aversão incurável contra o princípio de autoridade centralizado na figura de um dirigente. Persuadidos pela lógica de sua argumentação, os delegados reunidos em Battle Creek nomearam os novos membros da comissão executiva, e elegeram o Pastor A. G. Daniells como seu presidente.

Jones não ocultou seu contentamento ao ver o triunfo de sua tese: a figura do "presidente" foi eliminada dos estatutos da Igreja. O movimento adventista não mais teria uma "cabeça visível" conduzindo os seus destinos. Daniells não foi eleito presidente da Associação Geral, mas sim presidente da comissão executiva da Associação Geral.

Entretanto, os grandes e complexos problemas gerados com esta nova forma de governo eclesiástico, levaram a Igreja a revisar a decisão tomada em 1901, e, dois anos mais tarde, Daniells foi unanimemente eleito para presidir a Associação Geral.

Jones, porém, mostrou-se inconseqüente e contraditório. Apesar de sua tenaz resistência à idéia de um ''monarca'' dirigindo a Igreja, aceitou sem vacilações sua eleição como presidente de uma associação na Califórnia, ocorrida poucos meses após a mudança dos estatutos da Associação Geral.

Ele não se destacou como administrador. Seu temperamento explosivo, estilo autoritário e decisões intempestivas produziram inúmeras áreas de atrito. Quando terminou seu primeiro mandato, era

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Introdução 207 evidente entre todos a disposição de não reelegê-lo. A Sra. White, entretanto, sugeriu a idéia de se conceder ao Pastor Jones uma nova oportunidade. Mas o segundo mandato foi tão decepcionante como o anterior.

Desanimado, interrompeu sua experiência administrativa. Visitou a Sra. White em Elmshaven* para apresentar seus novos planos. Voltaria a Battle Creek para servir como professor de Bíblia na Faculdade de Medicina fundada por Kellogg. Justificando sua decisão, salientou a esperança de ajudar o Dr. Kellogg, então envolvido na crise panteísta. Prometeu manter uma atitude vigilante, não permitindo que Kellogg influenciasse a sua mente.

Pouco antes a Sra. White havia expressado suas preocupações ao perceber uma influência crescente do médico sobre ele. Podia ver claramente que "suas percepções se tornavam confusas e que ele não mais aceitava os conselhos que lhe eram dados''. "O inimigo" – acrescentou a serva de Deus – "opera de modo estranho e surpreendente, influenciando a mente humana."35

Jones, porém, parecia seguro de sua própria fortaleza. Sentia-se imune aos riscos de um naufrágio em sua experiência cristã. Embarcou fumo a Battle Creek, onde estava instalado com todo o seu poder de fogo, o quartel-general da rebelião contra os Testemunhos e a direção da Igreja.

Algum tempo depois, a Sra. White escreveu: "Exortei o Pastor Jones, mas ele sentiu não existir o menor perigo.

Circundado, entretanto, pela trama de sutis ameaças, tornou-se um homem frustrado e desiludido. Embora pretendesse crer nos Testemunhos, ele não mais os aceitava."36

Em outra carta escrita também pela pena inspirada, percebemos um pregador, outrora brilhante, apagando-se gradualmente sob a influência de um homem que se havia apartado de Deus.

* Elmshaven: Última residência de E. G. White, em Santa Helena, Califórnia.

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Introdução 208 "O Dr. Kellogg controla a voz do Pastor A. T Jones e o usará como seu

mensageiro. Minha oração é: Abre, ó Deus, os seus olhos para que vejam; e os seus ouvidos para que ouçam, e se humilhem."37

No dia 30 de setembro de 1907, a Sra. White voltou a escrever: "A. T. Jones, Kellogg e o Pastor Tenney estão atuando sob a mesma

liderança. Eles se classificam como aqueles de quem escreveu o apóstolo: 'Alguns se apartarão da fé, dando ouvidos aos espíritos sedutores e doutrinas do demônio.' No caso de Jones, vejo o cumprimento de admoestações que me foram dadas a seu respeito."38

Por causa de sua crescente hostilidade contra a Igreja e seus dirigentes, foi-lhe retirada a credencial ministerial. No mês de julho de 1908, entrevistou-se com a Sra. White, mas os resultados deste encontro não foram auspiciosos.

Em 1909, solicitou uma audiência com os dirigentes da Associação Geral, em Washington. Seu pedido foi atendido. Diversos líderes reuniram-se com ele, animados pelo desejo de lograr uma fórmula conciliatória. No final do encontro, o Pastor Daniells, presidente da Associação Geral, levantando-se, expressou sua apreciação pessoal pela contribuição fiel e dedicada de Jones à causa adventista; manifestou também seu profundo pesar pelas incompreensões e conflitos que haviam interrompido um cordial companheirismo, separando-o dos seus irmãos na esperança.

Após exortá-lo a olvidar o passado, e reafirmar o desejo de estreitar os laços do amor que deveriam uni-los, estendeu a mão da reconciliação, dizendo: "Venha, irmão Jones, venha!" Jones se levantou e, aparentando vacilar, deteve-se em silêncio. Todos esperaram contemplar uma comovente cena de aproximação, reconciliação e perdão. Desafortunadamente, porém, decorridos alguns momentos, Jones abruptamente se assentou, repetindo em angustia: "Não! Não! Não!"

O Pastor W. V. Olson, que participou do encontro, escreveu: "Havia naquela capela poucos olhos enxutos. Amávamos o irmão Jones, e nos entristecia vê-lo sair em direção às trevas.''39

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Introdução 209 Pouco depois foi excluído da lista de membros da Igreja. Sua

ascensão havia sido rápida e triunfal, mas sua queda foi lastimosa e melancólica.

Em 1915 mudou-se para Washington, onde se dedicou à publicação de um periódico – The American Sentinel of Religious Liberty – a serviço da causa da liberdade religiosa. Uniu-se a uma igreja adventista dissidente – The People's Church (Igreja do Povo) – onde permaneceu até o fim dos seus dias. Sua esposa, entretanto, não o acompanhou em sua apostasia.

Em 1923 regressou a Battle Creek para tratar da saúde combalida. E, quando parecia recuperar-se satisfatoriamente dos males que o afligiam, sucumbiu repentinamente, vítima de uma apoplexia traiçoeira que lhe roubou a vida. E assim passou ao descanso um homem cuja vida poderia ter sido um constante louvor a Deus e uma glória para a Igreja.

A Queda e Suas Causas

Um pequeno pastor, enquanto apascentava algumas ovelhas, teve a

atenção atraída pelo vôo de uma águia que rapidamente se elevava no espaço. Acompanhou-a em seu ascenso. Observou que gradualmente o seu vôo se tornava inseguro e vacilante; percebeu depois que uma de suas asas parecia paralisada e, após, a outra não mais se movimentava. Surpreendido, viu a ave cair com grande ímpeto.

Procurando saber as razões porque havia caído, descobriu que ao haver pausado numa rocha, uma pequena serpente a atacou. Desejando livrar-se do ofídio, alçou o vigoroso vôo, porém o réptil venenoso já havia realizado sua obra sinistra.

Na história da Igreja encontramos registrados o nome de talentosos líderes que se elevaram em poder, influência e prestígio. Porém, para surpresa de muitos, começaram um dia a melancólica descida, caindo precipitadamente nos abismos escuras da apostasia.

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Introdução 210 Qual a causa destas quedas? A pequena e peçonhenta serpente do

orgulho, da incredulidade, negligência e das tentações. Referências: 1. I Timóteo 1:20; II I Timóteo 2:17. 2. I Timóteo 1:20. 3. I Timóteo 1:18, 19 4. Carrie Johnson, I Was Canright's Secretary, pág. 14. 5. Review and Herald, 20 de março de 1873. 6. Carrie Johnson, I Was Canright's Secretary, pág. 17. 7. Manuscrito 9, 1873. 8. Ellen G. White, Testimonies, vol. 3, pág. 305. 9. Carrie Johnson, I Was Canright's Secretary, pág. 58.

10. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 163. 11. Review and Herald, 13 de setembro de 1881. 12. Ellen G. White, Testimonies, vol. 5, pág 623 13. Review and Herald, 7 de outubro de 1884 14. 14. Citado por Arthur L. White, Diálogo com os Testemunhos, pág. 99. 15. Carrie Johnson, I Was Canright's Secretary, págs. 134, 135. 16. D. W. Reavis, I Remember, pág. 120. 17. Richard A. Schaefer, Legacy, pág 53. 18. Ellen G. White, Testimonies, vol. 3, pág. 155. 19. Ellen G. White, Carta 125, 1902. 20. Medical Missionary, julho de 1903. 21. Richard A. Schaefer, Legacy, págs. 191, 192. 22. Provérbios 16:25. 23. Romanos 7:24. 24. Romanos 3:28. 25. C. M. Maxwell, História do Adventismo, pág. 249. 26. Ellen G. White, Carta 37, 1894, dirigida a A. T. Jones 27. 27. Ellen G. White, Carta 244, 1909.

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Introdução 211 28. Ibidem. 29. Ellen G. White, Medicina e Salvação, pág. 100. 30. Ellen G. White, Carta S-24, 1892. 31. I Coríntios 10:12, 32. 32. A. T. Jones, Carta, 12 de maio de 1913, dirigida ao irmão

Holmes. 33. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 377. 34. Idem, vol. 2, págs. 85, 89 35. Ellen G. White, Carta 106, 1906. 36. Ellen G. White, Carta 116, 1906, dirigida ao Dr. Paulson. 37. Ellen G. White, Carta 182, 1906. 38. Ellen G. White, Carta 306, 1907. 39. Depositários dos Escritos de Ellen G. White (E. G. White State),

Doc. Arquivo, n.º 53.

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Introdução 212

VARÃO CONFORME O MEU CORAÇÃO "Achei a Davi ... varão conforme o Meu coração, que executará toda a

minha vontade." Atos 13:22. O povo hebreu vivia um momento sombrio de sua história. Nuvens

escuras cobriam o céu de suas esperanças, anunciando a possibilidade de alguma tragédia nacional. Os exércitos das nações vizinhas se tornavam cada vez mais poderosos, e a crescente corrupção de Israel parecia conspirar contra os planos e propósitos de Jeová em relação ao Seu povo.

Saul, o primeiro rei, havia fracassado como estadista e líder espiritual. Havendo posto seus objetivos em conflito com a vontade de Deus, acompanhou com angústia e desonra o declínio de seu poder. Impunha-se como imperativo a eleição de outro líder mais fiel para conduzir os destinos da "nação eleita".

Entre os milhões de Israel, Deus encontrou o homem que buscava. Com exultante entusiasmo e expressões de gozo, exclamou: "Achei a Davi. ... varão conforme o Meu coração, que executará toda a Minha vontade."

Ao longo de nossa história denominacional, Deus tem procurado homens qualificados para dirigir os destinos de Sua igreja. Homens dispostos a se entregar sem reservas em Suas santas mãos. Homens sensíveis à voz suave do Espírito Santo. Homens dominados por uma absorvente e consumidora paixão pelas almas.

Desde sua organização, em 1863, até aos nossos dias, a Igreja foi e tem sido favorecida pela direção hábil, dedicada e fiel de catorze presidentes, encontrados pela Providência para conduzir os seus destinos.

Podemos imaginar a Deus expressando-Se com transbordante júbilo, quando da eleição do primeiro presidente da Associação Geral: "Achei a João Byington... varão conforme o Meu coração." Alegra-nos o

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Introdução 213 pensamento de que os presidentes que o seguiram satisfizeram plenamente os propósitos de Deus, mostraram-se dignos da eleição divina e corresponderam à confiança que sobre eles o Senhor depositou.

Não eram homens perfeitos. Mas na obediência ao chamado, foram remodelados pelo divino Oleiro e se aproximaram aos ideais da perfeição. Quando, à semelhança de Paulo, sentiam-se desalentados ante a visão de suas limitações e insuficiências, podiam ouvir o Senhor dizer-lhes em suaves acentos: "A Minha graça te basta, porque o Meu poder se aperfeiçoa na fráqueza."1

Neste capítulo, reproduziremos em pinceladas rápidas um perfil biográfico dos catorze presidentes da Associação Geral, autênticos "príncipes em Israel", eleitos pela Providência para executar os Seus planos em relação à Sua igreja – "objeto de Seu supremo amor".

JOHN BYINGTON

Ao longo de uma estrada sinuosa e estreita caminhava John Byington, absorto, mergulhado em inquietantes devaneios. Era então um menino de sete anos. Perturbava-o um grande sentimento de culpa. Seu pai, Justus Byington, havia inculcado em sua mente infantil os ideais perfectivos proclamados por Wesley e outros pregadores pietitas dos séculos XVII e XVIII.

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Introdução 214 Convertendo-se ao metodismo, Justus Byington sustentava a crença

de que todos os homens são pecadores, suscetíveis de perdão; que Deus ama entranhavelmente o pecador, mas aborrece a iniqüidade. Aceitando os ensinos metodistas relacionados com a santificação, cria ser possível ao homem, através da operação do Espírito Santo, "viver uma vida santa, em constante harmonia com Deus e os seus semelhantes". John não entendia as implicações de tais ensinos. Sabia, entretanto, que todo ato de desobediência constitui uma ofensa contra Deus.

Viveu durante seus tenros anos o imenso drama descrito pelo apóstolo: "Muitas vezes sei que tenho vontade de praticar o bem, mas não o consigo, isto é, não faço aquilo de bom que pretendo, mas sim o mal que não quero."2 Desejou viver uma vida de obediência, mas afligia-se ao perceber suas debilidades de caráter. À semelhança do pregador das nações, interrogava: "Quem me libertará das garras da minha natureza pecaminosa?"3

Era o sexto entre os dez filhos da família Byington. Nasceu em Hinsburg, Vermont, no dia 8 de outubro de 1798, precisamente no fim dos 1.260 anos anunciados na profecia (Apoc. 12:6). Consoante a interpretação profética adventista, o ano 1798 marcou "o fim do tempo" anunciado pelos oráculos divinos, e inaugurou o começo do "tempo do fim".

Aos dezoito anos de idade assistiu a uma reunião campal metodista em Saint Albans, Vermont. Os hinos cantados, as orações proferidas e as mensagens pregadas naquela oportunidade, produziram em seu coração um efeito confortante e inspirador. Em resposta a um apelo, caminhou com outros em direção ao púlpito, onde entre lágrimas confessou seus desvios e extravios, e manifestou a determinação de seguir ao Senhor sob qualquer circunstância.

Algum tempo mais tarde sentiu-se grandemente oprimido por uma insidiosa enfermidade que o prostrou durante quase três anos. Satanás valeu-se da situação para fazer recrudescer em seu espírito os mesmos sentimentos de culpa e indignidade que o afligiram na infância.

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Introdução 215 Porém, em meio à aflição, estando a sós, no recesso de um bosque,

ao derramar a alma atribulada perante o Senhor, sentiu-se estranhamente alentado por um Poder sobrenatural que, como por encanto, o transformou. Este memorável batismo do Espírito foi para ele qual âncora segura, firmando-o em meio às tempestuosas investidas de Satanás, nos momentos sombrios de incerteza e dúvida.

Recuperado fisicamente, retornou às atividades regulares, ocupando-se com os trabalhos agrícolas e os labores religiosos a serviço da Igreja Metodista Episcopal.

Em 1841, seu nobre e generoso coração foi inflamado pelo fermento das idéias abolicionistas que então permeavam a nação. O infamante comércio dos escravos submetia homens, mulheres e crianças a toda a sorte de vilanias e humilhações. Vozes de protesto erguiam-se por toda parte, denunciando as condições subumanas impostas aos escravos, vítimas da prepotência e do arbítrio.

Na infância, John ouviu histórias fascinantes relacionadas com as lutas pela liberdade. Dos lábios do pai ouviu a descrição de algumas batalhas nas quais participou, na luta pela independência nacional. Estas narrativas cristalizaram em sua mente o amor pela liberdade e justiça. Para ele, liberdade era algo mais que um princípio abstrato; era um direito natural e inalienável, outorgado por Deus a todos os homens. Esta convicção inspirou-o a lutar pela causa dos escravos, transformando sua casa em refúgio clandestino, onde os escravos foragidos encontravam amparo e proteção.

Em 1844 Byington ouviu a proclamação da breve volta de Cristo. A mensagem de Miller, entretanto, embora apresentada com inusitado fervor, não o convenceu plenamente.

Oito anos mais tarde leu nas páginas de um exemplar da Review and Herald que lhe chegou às mãos, vários artigos apologéticos destacando a validade do sábado – memorial imperecível da Criação. Perplexo, dispôs-se a rejeitar o que então lhe parecia uma discutível e fantasiosa interpretação das Escrituras. Porém, examinando

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Introdução 216 cuidadosamente a Palavra de Deus, comparando texto com texto, concluiu aceitando a vigência e santidade do quarto mandamento.

No dia 20 de março de 1852, com o coração lanceado por profunda dor, Byington acompanhou o féretro da filha, Teresa, ceifada ainda no verdor dos anos pelo alfanje trágico da morte. Afligido pela perda irreparável, tomou a decisão solene de observar o quarto mandamento na letra e no espírito.

No dia 3 de junho do mesmo ano, ele, a esposa e os dois filhos maiores foram batizados em Buck's Bridge, pequena comunidade rural, onde então residiam. Com este acontecimento, Buck's Bridge, embora destituída de significação na geografia nacional, transformou-se em um centro de relevante importância no mapa denominacional. Consoante A. W. Spalding, o mais talentoso dentre os historiadores adventistas, em Buck's Bridge encontramos ''o fascinante romance das primeiras coisas".4 Da quietude daquele lugar saiu o primeiro presidente da Associação Geral. Edificou-se ali a primeira Igreja Adventista do Sétimo Dia, onde também funcionou a primeira escola, dirigida por uma das filhas de John Byington.

Em 1857 mudou-se para o Estado de Michigan, onde prestou à Igreja infante um frutífero serviço. Sem descuidar dos trabalhos agrícolas e os deveres para com os seus, durante 15 anos, montado a cavalo, cruzou o Estado em todas as direções, conduzindo reuniões de reavivamento e visitando os fiéis dispersos por toda a parte.

Na história e na profecia o cavalo tem sido usado como símbolo de morte e destruição. Os grandes conquistadores ampliaram seus domínios pisoteando com o cavalo montanhas de cadáveres e os escombros de cidades saqueadas e destruídas. John Byington, entretanto, no dorso de seu corcel, difundiu por toda parte a fé, a esperança e o amor.

Em maio de 1863, a Igreja reunida em histórica assembléia, aprovou a organização e indicou um grupo especial para estudar e trazer ao plenário a sugestão de alguém para dirigir o movimento em sua nova fase organizacional. Os membros da comissão não vacilaram em

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Introdução 217 recomendar o nome de Tiago White, o enérgico, dinâmico e versátil líder para ser o primeiro a ocupar a presidência da Associação Geral. Porém, uma vez que havia promovido com tanto entusiasmo a necessidade de alguma forma de organização na Igreja, preferiu declinar a indicação, evitando deste modo a acusação de se haver empenhado na adoção de um sistema administrativo animado pelo afã de alcançar alguma posição hierárquica.

Diante da firme recusa de Tiago White em aceitar a nova investidura, a escolha recaiu de forma natural na pessoa de John Byington, chamado afetuosamente "Pai Byington", por ser o mais velho entre os líderes da Igreja naqueles idos.

Byington e outros leigos adventistas foram os legítimos sucessores espirituais dos ministros leigos do passado. Com efeito, o uso de pregadores leigos encontra seus antecedentes na própria História. Amós foi um pregador leigo. Assim foi Isaías. Os doze discípulos e os setenta enviados por Jesus para proclamar as boas novas do reino de Deus também foram pregadores leigos a serviço de um grande ideal. No sábio uso do "sacerdócio de todos os crentes" o adventismo redescobriu o espírito que galvanizou a igreja cristã primitiva e a guiou em seu vitorioso programa de evangelização.

O novo presidente, embora contando setenta e um anos de idade, mostrou-se incansável em seus esforços por manter a unidade da Igreja. Viajou constantemente, pregando, ministrando por toda parte a Santa Ceia, animando os crentes, batizando os novos conversos e organizando grupos e congregações. Quando terminou seu mandato, voltou á fazenda. Mas os cuidados com a Igreja e a paixão pelas almas o acompanharam até o fim da vida.

A seguinte anotação inserida em seu diário após haver completado oitenta anos nos permite concluir que, apesar do peso dos anos, ele desfrutava de uma saúde razoável: "Minha esposa me ajudou a carregar duas cargas de feno."5 Após haver completado oitenta e dois anos, mudou-se para viver com a filha Marta. Mas levou consigo o cavalo,

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Introdução 218 uma vaca, e as galinhas. Aos oitenta e seis anos, despertava-se nas primeiras horas da madrugada para ordenhar a vaca e distribuir o leite entre os vizinhos.

Pregava ocasionalmente sobre seu tema favorito – o Espírito Santo e Seu poder. Anotava no diário o nome de cada pregador que pregava em sua igreja, bem como os textos empregados na mensagem.

À medida que as forças se esvaíam e os achaques se acumulavam, quando na linguagem poética de Eclesiastes, "já se escureciam o sol, e a luz, e a lua, e as estrelas", quando um manto de tristezas e apreensões parecia envolvê-lo, as mesmas preocupações que o afligiram durante a infância, recrudesceram.

Ele resumiu as inquietudes da alma em uma pergunta em seu diário: "Repontam todos os erros de minha vida e quem os poderá apagar?'' Com o seu próprio punho registrou uma resposta consoladora: "unicamente o sangue expiatório de Jesus."6

No dia 3 de dezembro de 1886, escreveu: "Este é um dia de conforto e paz. Senti que os meus pecados eram

muitos; pedi e encontrei a graça do Salvador e agora, a todos declararei o Seu amor perdoador."7

Com admirável paciência e resignação, suportou as dores próprias da enfermidade que lhe ceifou a vida. A todos que o visitavam dirigia palavras de ânimo, conforto e esperança.

Finalmente, no dia 7 de janeiro de 1887, numa sexta-feira, pouco antes das 13 horas, em paz com Deus e os homens, descansou de suas obras e fadigas. Deixou, entretanto, anotado o texto que desejava que fosse lido nas cerimônias fúnebres que o acompanhariam até a mansão do silêncio: "Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no Meu trono."8

Foi sepultado no cemitério de Oak Hill, em Battle Creek, ao lado do túmulo de David Hewitt, o primeiro, em Battle Creek, a aceitar a mensagem do terceiro anjo.

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Introdução 219

TIAGO WHITE

Era um jovem pregador com deméritos suficientes para desclassificá-lo ao exercício de uma obra ministerial frutífera. Sua formação acadêmica e preparo teológico eram extremamente limitados. Possuía constituição física frágil, constantemente minada por enfermidades. Seus olhos revelavam uma evidente tendência estrábica. Um acidente sofrido enquanto trabalhava em uma serraria, fê-lo caminhar defeituosamente, coxeando de uma perna. Mas nele cumpriram-se mais uma vez as palavras inspiradas: "Mas Deus chama e escolhe aquilo que o mundo considera louco para confundir os sábios e escolhe o que o mundo chama fraco para confundir os fortes... e tudo isto para que ninguém se gloríe."9

Tiago* White era um pregador acossado por contínuos e desalentadores problemas econômicos. Sua biblioteca se resumia em um exemplar das Escrituras e uma surrada Concordância Bíblica. Em sua luta contra o pauperismo, carregou pedras em uma estrada de ferro em construção e, mais tarde, trabalhou rachando lenha para ganhar 50

* Tiago é o equivalente a James, em português.

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Introdução 220 centavos por dia, dinheiro insuficiente para dar á esposa, Ellen, e ao filho Henrique, um padrão mínimo de decoro e saúde.

Mas apesar de todas estas insuficiências ele se destacou em seu ministério de tal forma que hoje podemos dizer, sem nenhum favor, que no firmamento adventista ele fulgura como estrela de primeira grandeza. Como organizador, do caos que se seguiu ao grande desapontamento, ele restaurou a ordem e disciplina. Como editor e escritor, com sua pena versátil e fecunda, contribuiu para produzir na Igreja unidade na doutrina. Como pregador, com voz grave e ungida de fé, confirmou a confiança de milhares nos ideais da "bem-aventurada esperança''. A poeira do tempo jamais poderá esmaecer o brilho da obra por ele realizada, na consolidação de um movimento profético, que veio à existência "vitorioso e para vencer''.

Tiago S. White nasceu no dia 4 de agosto de 1821, em Palmyra, Maine. Seus ancestrais viveram a grande epopéia que representou a fuga das perseguições religiosas da Europa, para se estabelecerem no Novo Mundo. Era um dos descendentes diretos de uma criança nascida no Mayflower,** quando da travessia através das águas no Atlântico, rumo à América. Seu pai era conhecido por todos como piedoso e honrado agricultor, radicado por mais de meio século em Palmyra, no condado de Samerset. Sua virtuosa mãe era neta do Dr. Samuel Shepard, respeitado pastor batista.

Em virtude de sua fragilidade física, não lhe foi dado o privilégio de receber os benefícios de uma educação em seus primeiros anos. Esta oportunidade, entretanto, foi-lhe concedida ao atingir os 16 anos de idade. Três anos mais tarde ingressou em uma escola secundária, onde após três meses de intensos estudos, recebeu um certificado que lhe conferia o direito de ensinar. Mais tarde, durante 17 semanas, desfrutou o privilégio de estudar filosofia, álgebra e latim, em uma escola situada

** Mayflower: Ver capítulo 1, "E a Terra Ajudou a Mulher".

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Introdução 221 em Reedfield, Maine. Foi assim que, em um limitado período de estudos, ele obteve sua educação formal.

Em setembro de 1842 ouviu a mensagem pregada por Guilherme Miller, numa reunião campestre celebrada ao leste do Estado de Maine. Sentiu-se imediatamente obcecado pela idéia de se associar ao pregador na proclamação de que a "hora do juízo" se aproximava. Comprou alguns diagramas proféticos e algumas publicações que julgou indispensáveis para estudo pessoal. Certo dia, numa manhã ensolarada, montado a cavalo, partiu levando no bolso do capote três sermões e os diagramas proféticos, com os quais começou sua obra a serviço da causa milerita.

Certa vez, enfrentando os rigores do inverno, quando os campos se apresentavam cobertos de neve, dirigiu-se a uma escola situada ás margens do rio Kennebec para pregar sobre a esperança que ardia em seu coração. A sala estava cheia de pessoas dispostas a ouvi-lo. Havia, entretanto, entre eles, alguns que se opunham ferozmente aos ensinos relacionados com a volta de Cristo. Após haver anunciado a reunião para a noite seguinte, um amigo o advertiu dizendo que uma turba de aproximadamente 300 indivíduos haveria de esperá-lo nas cercanias da escola e que se ele voltasse poria em risco integridade física.

Ao retornar na noite seguinte, foi interrompido no meio do caminho por um homem que, furibundo, o ameaçou dizendo: "Suas reuniões terão que cessar de qualquer maneira."

"Está bem, senhor", respondeu Tiago imperturbável. "Se for vontade de Deus, isto há de ocorrer." Confiando que Deus haveria de protegê-lo, sereno abriu caminho por entre a turba vociferam rumo à sala da escola. Uma bola de neve atirada por um dos agitadores passou rente à sua cabeça e se desintegrou de encontro à parede. Ele leu um texto das Escrituras, mas poucos puderam ouvi-lo, dado o tumulto produzido por aquela turba de irreverentes. Inflamados por uma legião de demônios, os agitadores ululavam de forma histérica, proferindo toda classe de

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Introdução 222 insultos e impropérios. Do exterior, através das janelas, bolas de neve em quantidade eram arremessadas contra o pregador, molhando suas roupas.

Tiago fechou a Bíblia e, dramático, tomou nas mãos um pedaço de madeira que alguém atirou contra ele na noite anterior, e erguendo os braços estendidos em forma de cruz, disse: "Ontem à noite algum pobre pecador tentou atingir-me com esta madeira. Que Deus dele Se apiade. ... Por que deveria eu mostrar-me ressentido com tal provocação, quando o meu Mestre os afugentou com a Sua mão?"

A turba indócil silenciou. O jovem pastor pregou então sobre o dia do juízo e lhes falou acerca do amor e sacrifício de Jesus.

"Quantos estão dispostos a seguir ao Senhor e comigo sofrer perseguições, preparando-se para a Sua vinda?", interrogou White, solene. Sua mensagem foi semelhante a um dardo inflamado penetrando o coração dos ouvintes. Aproximadamente cem pessoas, naquela noite, atenderam à voz do Espírito Santo.

Com efeito, apesar de sua frágil constituição física, revelou sempre uma coragem indômita e extraordinária bravura na defesa dos ideais da cruz.

Em suas exaustivas andanças missionárias, cruzou o Estado de Maine em todas as direções, deixando ao longo dos caminhos percorridos, grupos e congregações firmados nos ideais da promessa do Senhor. Desenvolveu um método eficiente com o qual chamava a atenção daqueles que o ouviam. Valendo-se de sua voz melodiosa, iniciava as reuniões cantando com contagiante fervor a esperança adventista. Em Litchfield, Plains, ele iniciava cada noite a reunião cantando:

Verei o Senhor regressar, Verei o Senhor regressar, Verei o Senhor regressar, Dentro de mais alguns dias,

Enquanto uma banda de música, Enquanto uma banda de música, Enquanto uma banda de música, Repercutir seus acordes no ar.

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Introdução 223 Durante seis semanas, Tiago White, mercê de Deus, logrou

conduzir aproximadamente mil almas a aceitar o ensino relacionado com a segunda vinda de Cristo.

Revelando a visão própria de um líder e o dinamismo de um autêntico dirigente, fundou instituições médicas e educacionais. Porém, sua contribuição mais relevante à causa adventista foi prestada na área das publicações. Indubitavelmente, ele viveu uma existência mergulhada na glória de uma visão – a visão do uso da página impressa na difusão das "riquezas incomparáveis de Cristo''.

Embora carente de recursos e sem experiência editorial, ouviu a voz de Deus falando através de sua esposa:

"Tenho uma mensagem para ti. Deves começar a publicar um pequeno jornal e mandá-lo ao povo. Seja pequeno a princípio; mas, lendo-o o povo, mandar-te-ão meios com que imprimi-lo, e alcançará bom êxito desde o princípio. Desde este pequeno começo foi-me mostrado assemelhar-se a torrentes de luz que circundavam o mundo."10

A glória desta visão iluminou a mente do jovem pregador. Como Paulo, ele podia repetir: "Não fui desobediente à visão celestial."11 Escrevendo e imprimindo pela fé, com júbilo viu a obra se expandir. Surgiram as casas publicadoras e com elas multiplicaram-se as publicações, circundando a Terra com os fulgores da mensagem do terceiro anjo.

Reconhecido como um autêntico príncipe em Israel, foi convocado para dirigir os destinos do movimento adventista em três diferentes períodos. Durante os anos 1865 a 1867, 1869 a 1871, e 1874 a 1880, serviu como presidente da Associação Geral. Foram dez anos fecundos, caracterizados por grandes e memoráveis realizações. Seu lema era: "Gastar-se e se deixar gastar no serviço do Senhor."

Foi um homem conhecido por sua ardente disposição, temperamento inquieto, por vezes arrebatado, embora jamais indiferente aos problemas e angústias humanas.

Desde cedo compreendeu a magnitude da obra a ser realizada. Com energia e determinação tomou nas mãos a tarefa hercúlea de organizar o

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Introdução 224 movimento que então ensaiava os primeiros passos. Malgrado a oposição dos que temiam ver a Igreja transformar-se numa instituição autocrática, ele permaneceu firme como "torre e fortaleza'', lutando por uma causa que lhe parecia justa. Graças a sua determinação e pertinácia, as vozes opositoras gradualmente silenciaram e em 1863, a Igreja reunida em memorável assembléia, aprovou uma estrutura organizacional que lhe deu unidade de ação e a protegeu contra a anarquia e a impostura.

Durante quatro décadas de exaustivas e esgotadoras atividades, viu sua saúde muitas vezes comprometida e sua existência ameaçada. Aos sessenta anos contudo, uma doença fatal o prostrou. O seu corpo cansado não mais possuía resistência suficiente para combater os avanços da enfermidade. Após uma semana no hospital de Battle Creek, no sábado 6 de agosto de 1881, com a serenidade própria dos justos, exalou o último suspiro.

Em seus derradeiros momentos, sua esposa Ellen, o interrogou carinhosamente: "É Jesus precioso para ti?" "Oh, sim" – respondeu como num sussurro. E assim descansou alentado pela confortadora segurança de poder contemplar o rosto amorável de Jesus, na gloriosa alvorada da ressurreição.

O serviço fúnebre, um dos mais concorridos na história da cidade, foi celebrado no sábado seguinte, 13 de agosto de 1881. No grande tabernáculo, Uriah Smith que, como colaborador e amigo o acompanhou durante tantos anos, com voz pausada e grave, dirigiu palavras de consolo e esperança à Igreja e à família enlutada.

Para surpresa de todos, a Sra. White, que também havia estado hospitalizada junto com o esposo, conseguiu reunir energias suficientes para levantar-se e expressar seus sentimentos mais íntimos. Entre outras coisas, disse:

"Estarei sozinha, mas não em solidão, pois o meu Salvador estará comigo.... Antecipo aquela manhã quando os laços familiares que agora se rompem serão então reatados e contemplaremos o Rei em Sua formosura. ... Ali cantaremos juntos ao redor do grande trono branco."12

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Introdução 225 Um silêncio impressionante permeava o grande santuário. Alguém

entre os presentes, sob o impulso de uma grande emoção, exclamou: ''Não o sepultem. Oremos ao Senhor pedindo que a vida lhe seja restituída."13

Junto à tumba, no cemitério de Oak Hill, concluindo o cerimonial, Uriah Smith sentenciou solene:

"E agora que o sepultamos, devemos retornar à vida e seus deveres, e trabalhar com disposição."14

J. Roberto Oppenheimer, festejado cientista atômico, escreveu: "A melhor maneira de transmitir uma idéia é encarná-la em pessoa.'' Tiago White foi o espírito e a mensagem do adventismo encarnados em uma pessoa.

JOHN N. ANDREWS

Acontecimentos surpreendentes ocorriam em Paris, pequena comunidade rural plantada sobre uma graciosa colina, no Estado de Maine, nos Estados Unidos da América do Norte. Os adventistas que ali residiam, frustrados com o desapontamento de 22 de outubro de 1844, aguardavam perplexos uma palavra providencial capaz de guiá-los em meio à escuridão que os envolvia. No afã por entender os propósitos de Deus, muitos caíram nas ciladas maquinadas por Satanás e se tornaram presas inermes do fanatismo.

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Introdução 226 Havia alguns que, proclamando as virtudes de uma vida humilde,

arrastavam-se no chão como crianças. Outros, doutrinavam que o milênio já estava em processo e por esta razão os fiéis adventistas deveriam abster-se de todo e qualquer trabalho de natureza secular. Dogmatizavam outros que a porta da graça se havia fechado. A glossolalia, associada às demonstrações ruidosas e explosões histéricas, manifestou-se de forma ostensiva, suscitando irritação entre os incrédulos, trazendo opróbrio à causa adventista.

John N. Andrews, então um jovem de dezenove anos, acompanhava com o coração perplexo o caos religioso que se havia instala4o na outrora pacífica e bucólica comunidade em que vivia. Viu com profundo pesar a ação devastadora do fanatismo ameaçando destruir a igreja infante.

Em 1849, entretanto, o Pastor Tiago White e a esposa, guiados pela Providência, dirigiram-se a Paris, onde com autoridade e vigor censuraram o fanatismo, silenciaram a heresia e, mercê de Deus, lograram restaurar a ordem eclesiástica e a unidade na doutrina. Descrevendo os sucessos então ocorridos, a Sra. White assim se expressou:

"Estavam presentes os irmãos Bates, Chamberlain, Ralph e outros crentes de Topsham. O poder de Deus desceu, até certo ponto como o fez no dia de Pentecostes, e cinco ou seis dos que haviam sido iludidos e levados em erro e fanatismo, foram prostrados ao chão. Pais confessaram aos filhos, e os filhos aos pais, e uns aos outros. O irmão J. N. Andrews, com profunda emoção, exclamou: Trocaria mil erros por uma verdade. . . . Aquela reunião, que foi o começo de melhores dias para os filhos de Deus em Paris, foi-lhes um oásis no deserto. O Senhor estava preparando o irmão Andrews para ser útil, no futuro, e lhe estava proporcionando uma experiência que lhe seria de grande valor em seus futuros trabalhos."15

John N. Andrews nasceu em Poland, Maine, no dia 22 de julho de 1829. Seus ancestrais viveram os rigores e as incertezas próprias da vida de fronteira. Vítimas de um ataque traiçoeiro, alguns de seus antepassados – Ezre e seus quatro filhos, sucumbiram. Da família restou

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Introdução 227 um único varão, o filho menor, que, devido a uma indisposição física, permaneceu em casa, escapando assim do aleivoso ataque perpetrado pelos índios. Este se tornou um ancestral de John N. Andrews.

À semelhança de outros co-fundadores do adventismo, Andrews não desfrutou as vantagens de uma esmerada educação formal, mas aplicando-se com entusiasmo e disciplina ao estudo e à investigação, acumulou um respeitável acervo de conhecimentos. Seu tio, homem de grande influência e prestígio, eleito posteriormente deputado federal, reconheceu no sobrinho as qualificações capazes de projetá-lo no futuro como respeitado homem público.

– John, sugeriu o tio – se você vier morar em minha casa enviá-lo-ei às melhores escalas no país, onde receberá o preparo para ser um homem de negócios, juiz, ou mesmo um político.

– De que forma afetará isto a minha experiência cristã? – interrogou John.

– Penso que você poderá ser um cristão e seguir uma carreira política.

– Mas, de que forma afetará isto as minhas convicções pessoais no tocante à verdade?

– Creio, John, que você terá que modificar algumas idéias pessoais, ou até mesmo abandoná-las – respondeu o tio honestamente.

Sem titubeios ou vacilações, John declinou da proposta que lhe foi dirigida. Jamais haveria de permutar sua fé na Palavra de Deus por uma honrosa cadeira no parlamento.

Aos quinze anos, após ouvir a proclamação milerita, uniu-se com entusiasmo e devoção ao grupo dos fiéis que aguardavam a iminente vinda do Senhor. Sofreu a terrível e refinadora experiência que significou o grande desapontamento de 1844. Viveu as incertezas e as angústias que se seguiram ao 22 de outubro. Testemunhou posteriormente os ruidosos acontecimentos que ocorreram em Paris e a maneira providencial como Deus operou por intermédio do casal White. Como resultado, no dia 14 de setembro de 1849, decidiu lançar sua sorte com o

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Introdução 228 "pequeno rebanho", tornando-se posteriormente uma de suas figuras mais expressivas.

Durante trinta e quatro anos serviu a Igreja como evangelista, teólogo, administrador e missionário. Sua dedicação infatigável aos ideais do adventismo fê-lo antecipar prematuramente o crepúsculo dos seus dias. Aos cinqüenta e quatro anos, após um ministério pleno de realizações, a chama da sua existência se apagou, deixando na Igreja um imenso vazio, que em vida soube preencher não só com o brilho de sua erudição, mas também com o fervor com que executou as tarefas que lhe foram confiadas.

Aos vinte e um anos iniciou suas atividades como evangelista e escritor. Em 1850, quando as publicações adventistas ensaiavam os primeiros e vacilantes passos, foi nomeado membro do conselho editorial da casa publicadora "Review and Herald", tornando-se em pouco tempo um dos seus mais prestigiados escritores. De sua pena fluíram centenas de artigos nos quais encontramos habilidade editorial, erudição e um profundo conhecimento das Escrituras.

Perspicaz, sereno e despretensioso, destacou-se como talentoso do pensamento teológico adventista, revelando sempre em seus livros e artigos, a força de uma lógica brilhante e convencedora.

Foi o primeiro adventista a defender com fundamento bíblico o da observância do sábado, de um a outro pôr-do-sol. Foi o primeiro a discernir ''na besta que subiu da terra'', no capítulo 13 de Apocalipse, um símbolo dos Estados Unidos da América.

Mas seu trabalho mais relevante, no qual se empenhou durante vários anos, foi sem dúvida a publicação de um livro de 341 páginas, intitulado History of the Sabbath and First Day of the Week (A História do Sábado e do Primeiro Dia da Semana.) Vindicando neste livro a genuinidade do sábado, tanto do ponto de vista bíblico como histórico, Andrews logrou conquistar o respeito e a admiração da comunidade intelectual de seus dias.

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Introdução 229 Em 1867, os delegados convocados pela Quinta Assembléia da

Associação Geral, elegeram-no para dirigir os destinos da Igreja. As estatísticas denominacionais apresentavam então os seguintes números: 28 ministros, 160 igrejas, 4.320 membros, e fundos disponíveis de 4.212 dólares e 17 centavos. Apesar dos enormes obstáculos que pareciam insuperáveis, a Igreja gradualmente ''alongava as suas cordas e firmava as suas estacas''.

Sob sua liderança o movimento adventista iniciou a marcha vitoriosa rumo ao Oeste. Ocorria então a grande epopéia da expansão dos Estados Unidos no vasto território em direção às praias do Pacífico. Homens e mulheres empacotavam seus limitados pertences e lotavam com eles os carroções e, em seguida, moviam-se centenas e milhares de quilômetros em busca de melhores oportunidades e possibilidades. Sob a orientação de Andrews a Igreja também avançou, alcançando no Oeste seus mais assinalados triunfos.

Com efeito, após haver plantado raízes profundas no leste e no centro, a Igreja Adventista avançava agora triunfalmente em direção ao sul e ao oeste dos Estados Unidos.

Entretanto, o imperativo de proclamar o evangelho além das fronteiras nacionais parecia não figurar nos planos da Igreja naqueles idos. Não obstante, Deus procurava um homem qualificado para inaugurar o programa de evangelização em "todas as nações, tribos, línguas e povos".

No dia 15 de setembro de 1874, John N. Andrews, já viúvo, embarcava com uma filha e um filho no porto de Boston, rumo à Europa, onde lançaram os fundamentos da obra adventista. Com este evento – a partida do primeiro missionário adventista – abriu-se uma nova era na história denominacional, quando a Igreja passou a conhecer a atração dos horizontes distantes.

O embarque de Andrews foi, com efeito, um dos grandes momentos de nossa história. O adventismo retomava então a herança apostólica, e iniciava uma gloriosa epopéia marítima, que com o transcurso dos anos haveria de lhe dar uma extraordinária dimensão internacional.

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Introdução 230 A vida de Andrews foi um constante salmo de vitória sobre a dor e

o infortúnio. No início do ministério sofreu um conjunto de distúrbios orgânicos que tornaram sua vida um fardo opressivo e esmagador. Sofria de dispepsia, insônia, e prostração nervosa. Tal era o seu estado físico, que foi obrigado a abandonar temporariamente os labores ministeriais.

Em 1872, morreu Angelina, fiel e dedicada companheira, deixando-o com dois filhos adolescentes. Com incansável fidelidade e amorável esperança, assistiu-a até o derradeiro momento. Perdeu a batalha, mas não a confiança em Deus e Seus insondáveis desígnios.

Em 1878 retornou da Suíça aos Estados Unidos, trazendo consigo a filha Maria, então debilitada por uma enfermidade insidiosa e cruel. Esperava vê-la recuperada no sanatório de Battle Creek. Viu, entretanto, suas esperanças frustradas. Maria, em quem ele cifrara suas melhores esperanças de assistência em seus trabalhos editoriais, morreu aos dezenove anos, vítima de padecimentos cruéis. Com o coração quebrantado por tamanha perda, entristecido, sentenciou: "Parecia estar-me agarrando a Deus com mão amortecida.''16

Naquela ocasião a Sra. White escreveu-lhe uma carta consoladora, da qual extraímos o seguinte parágrafo:

"Vi-o em minha última visão. Sua cabeça inclinava-se para a terra, e o irmão com lágrimas acompanhava a querida Maria ao último lugar de descanso neste mundo. Então vi o Senhor contemplando-o pleno de amor e compaixão. Vi Aquele que há de dar a vida aos nossos corpos mortais, e sua esposa e filhos saírem, da sepultura revestidos de imortal esplendor."17

Andrews não se assemelhava a vasos de cristal ou porcelana. As pressões e opressões da vida ele as suportou com a resistência própria de uma peça de aço. Sua vida não foi como a de uma planta nascida em um viveiro, mas semelhante a um carvalho altaneiro, fustigado pela tormenta.

Após a morte da filha, regressou a Basiléia, Suíça, disposto a continuar a obra pioneira que havia começado alguns anos antes. Porém, sentia-se agora fisicamente alquebrado. A tuberculose – terrível flagelo do século – iniciava sua ação erosiva, minando-lhe o corpo cansado. Em março de 1881, escreveu:

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Introdução 231 "Lastimo não poder falar mais favoravelmente a respeito de minha

saúde. Estou lutando com uma doença mortal, a tísica, e minha situação é bem séria. A dificuldade está agora confinada aos pulmões. Outras coisas que em casos de pessoas tísicas são geralmente desfavoráveis, são todas, no meu caso, favoráveis. Mas as garras da morte pesam-me sobre os pulmões, e a não ser que isto possa ser dominado, eles serão consumidos. Esta enfermidade dos pulmões enfraqueceu-me tanto que me vejo na contingência de ficar de cama, e faço todo o meu trabalho escrito ditando; mas há muitos dias em que não posso escrever senão três ou quatro sentenças, e dias há em que não me é possível escrever uma palavra sequer. Devido à doença, o último artigo que mandei para a Review... levou dez dias de trabalho."18

No dia 6 de maio de 1883, Jean Vuilleumier, um dos obreiros da casa publicadora da Basiléia, Suíça, assistente de Andrews em seus trabalhos editoriais, após visitá-lo, escreveu:

"Fui vê-lo na noite passada. Ele eslava deitado. Tinha os olhos úmidos. Começou a falar acerca de seu trabalho e acrescentou: 'Se Deus não me der forças para escrever para este número, tomarei isto como sinal de que devo morrer. O motivo de eu ficar triste por morrer agora é que tenho naquelas caixas grande quantidade de manuscritos que gostaria de terminar. ... Se eu morrer tudo isso se perderá, pois os que vierem depois de mim não saberão de sua existência. Mas seria melhor que eu descansasse, e devo orar continuamente a Deus para que me ajude a resignar-me a Sua santa vontade.' "19

Algumas semanas mais tarde a Associação Geral enviou sua idosa mãe e o Sr. B. C. Whitney, seu amigo particular, para assistirem e confortarem o solitário e cansado obreiro em seus derradeiros dias. Encontraram-no já desfigurado, vencido pela enfermidade. Não obstante seu estado desesperador, apegava-se com impressionante dedicação à vida e ao trabalho.

Jean Vuilleumier visitou-o outra vez no dia 21 de outubro, quando os raios solares, já esmaecidos penetravam naquele quarto. Uma idosa senhora abanava carinhosamente a face do filho moribundo. John N. Andrews vivia os momentos de agonia que precederam a morte.

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Introdução 232 Seus últimos anos foram especialmente carregados de pesares e

quebrantos. Mas em meio às suas angústias e aflições, encontrou as inspirações mais puras, cantou os mais belos cânticos e sentiu os mais sublimes êxtases.

JORGE I. BUTLER

A madrugada de 12 de novembro de 1834 despontou silenciosa e

calma. Um alvo lençol de neve cobria os campos e as pradarias que circundavam Waterbury, em Vermont, nos Estados Unidos. As árvores acumulavam em seus galhos desnudos graciosos flocos de neve, emprestando àquela paisagem encanto e sedução. Naquela hora matinal, no lar da família Butler, ecoou um vagido agudo e penetrante. Era Jorge* anunciando de forma ruidosa sua chegada ao mundo.

Seu avó, Ezra Butler, havia sido influente e aclamado homem público. Após haver ocupado alguns cargos de relevante importância na comunidade, tornou-se governador do Estado de Vermont, em 1826.

Seu pai, Ezra Pitt Butler II, era respeitado por todos como um homem religioso, nobre e íntegro. Evidentemente, Jorge foi favorecido por um precioso legado biológico. Do avó herdou a tenacidade, o espírito

* Jorge é o correspondente a George, em português.

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Introdução 233 frugal e a habilidade executiva; do pai recebeu como patrimônio a honradez, a piedade e uma inquebrantável confiança em Deus e Seus soberanos desígnios.

Em 1839, a família Butler – os pais e seis filhos – à semelhança de muitos milhares, aceitou a proclamação milerita. Em duas oportunidades Guilherme Miller os visitou e os instruiu no conhecimento das profecias.

Nos primeiros alvores da manhã de 22 de outubro de 1844, Jorge, seus irmãos e irmãs, seus pais e muitos outros reuniram-se para cantar e orar, enquanto aguardavam a gloriosa manifestação de Cristo "em Sua vinda e em Seu reino''. Mas transcorreram as horas matinais e o Senhor não veio. Passou a tarde e o sol se ocultou no poente, e a "bem-aventurada esperança" não se materializou.

"Ele virá à noite", afirmaram alguns, plenos de convicção e esperança. E entre anseios e apreensões, aguardaram-nO até a meia-noite. Mas a vinda do Senhor não se consumou.

Aquela foi, com efeito, uma noite amarga, cheia de tristezas e desenganos. Os fiéis adventistas e, entre eles a família Butler, sentiram-se envoltos pelas sombras impenetráveis de uma insuportável solidão espiritual.

Jorge era demasiado jovem para entender as razões do grande desapontamento. O ridículo e a zombaria que sofreram levaram-no aos abismos escuros da incredulidade.

Os anos descuidados da juventude, ele os viveu sem preocupações de natureza religiosa. Até os vinte e dois anos, revelou-se cético, com evidentes tendências agnósticas. Leu a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse duas ou três vezes. Admitiu haver encontrado em suas páginas "muitas coisas preciosas". "Porém" – acrescentou – "suas inúmeras contradições, tornam-na incompreensível." Mas, apesar de seu espírito irreligioso, decidiu conduzir-se sempre com retidão e integridade.

Em 1856, enquanto viajava em um barco ao longo do rio Missouri, desceu em Rock Island, onde a embarcação se deteve para receber um carregamento especial. Enquanto vagava pelas ruas da cidade, seu

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Introdução 234 pensamento mergulhou em profundas reflexões. Sua mente foi então iluminada com as cintilações de um texto bíblico que lhe era favorito: "Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai."20

Uma interrogação agitou seu espírito: "Por que rejeitar as boas coisas existentes nas Escrituras?'' E enquanto meditava decidiu em Seu coração aceitar as porções da Bíblia que lhe pareciam compreensíveis e proveitosas. Após esta decisão, sentiu a alma inundada por uma doce paz interior. Regressou à embarcação e, de joelhos, entregou a vida ao Senhor. Posteriormente, confessou publicamente sua fé no Salvador e foi batizado pelo Pastor J. N. Andrews.

Suas qualificações inatas levaram os membros de sua congregação a nomeá-lo diácono e posteriormente ancião. No exercício destas funções conduziu-se sempre com contagiante entusiasmo e admirável dinamismo e consagração.

Pouco tempo depois, uma grave crise irrompeu no Estado de Iowa, ameaçando fraturar a unidade da Igreja. Os pastores Snook e Brinkerhoff, respectivamente presidente e secretário-tesoureiro da Associação, inspirados por sentimentos inconfessáveis, rebelaram-se contra a autoridade da Associação Geral. Quando viram suas intenções postas a descoberto, renunciaram.

Aquele foi um momento crucial para a Igreja, carregado de tensões e incertezas. Butler, que até então se ocupava dos labores agrícolas, foi escolhido para conduzir os destinos da Associação. Com extraordinária energia lançou-se à obra, restaurando a unidade, inaugurando naquele Campo uma era de paz e acelerado progresso estatístico. Dois anos após sua eleição como presidente, foi ordenado ao ministério.

Em 1871, depois de haver conduzido com indiscutível êxito os destinos da Associação de Iowa, foi eleito presidente da Associação Geral.

Sob sua administração o movimento adventista viveu um momento de acelerado crescimento e acentuada expansão. Desfrutando uma saúde

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Introdução 235 exuberante, acompanhou a Igreja em todos os seus principais eventos. Assistiu às grandes reuniões campais, pregando sobre os grandes temas. de fé, aos milhares de fiéis congregados. Aos obreiros reunidos em concílios ministeriais, renovava amiúde sua confiança na autenticidade do adventismo e aos administradores ocupados em comissões, dirigia sempre uma mensagem orientadora e conselheira.

"Estou convencido'' – declarou em certa ocasião – "de que os jovens devem ser preparados para servir à Igreja. A causa Adventista do Sétimo Dia se expande rapidamente. Necessitamos de uma boa instituição educacional." Esta convicção o animou a lançar, em 1874, os fundamentos de um colégio em Battle Creek, onde centenas de estudantes foram preparados para servir à Igreja em seus diversos setores.

Ao fim de seu mandato como presidente da Associação Geral, em 1874, retornou à presidência da Associação de Iowa, sendo substituído por Tiago White, convocado então pela terceira vez para dirigir os destinos da Igreja.

Em 1880 foi convidado outra vez para tomar em suas mãos o timão da embarcação adventista. Embora altamente dotado para exercer as funções de liderança da Igreja, a administração era para ele um ônus insuportável.

Em uma carta dirigida a Artur G. Daniells, que mais tarde haveria de se tornar também presidente da Associação Geral, expressou seus sentimentos mais íntimos dizendo:

"Digo-lhe, Artur, que havendo sido presidente por três anos e retirando-me... preferiria agora a morte a ter que assumir o encargo outra vez."21

Não ocultou suas preocupações ao antecipar as graves crises que em breve haveriam de agitar a Igreja. Por isso, deplorando a morte do Pastor White ocorrida em 1881, um ano após sua reeleição, escreveu: "Ao vê-lo em seu ataúde, tão calmo e sereno, quase invejei a sua sorte.''22

Porém, apesar de insatisfeito com a idéia de assumir outra vez a presidência da Associação Geral, logrou conduzir a nau adventista com serenidade e firmeza, em meio ás tormentas que a acossaram durante seu tormentoso mandato.

Page 236: Mão de Deus ao Leme - EC

Introdução 236 Pouco depois de sua reeleição, a Igreja foi agitada por uma crise

inquietante. A autoridade da Sra. White foi seriamente questionada. Butler publicou na Review and Herald uma série de dez artigos defendendo a legitimidade do dom profético manifestado na Igreja. Mas o tratamento dado ao assunto foi incorreto e, por isso, a Sra. White lhe enviou uma mensagem pessoal censurando-o por alguns pensamentos vertidos em seus artigos.

Ao pressentir a apostasia de D. M. Canright, e temendo suas conseqüências sobre a Igreja, empregou seus melhores esforços para salvá-lo de um naufrágio espiritual. Vendo baldados seus esforços, declarou com o coração quebrantado:

"Ele (Canright) se desanimou. Ignoramos as razões do seu desalento. Porém, de acordo com vários testemunhos, podemos concluir que a causa de seu abatimento reside no desapontamento sofrido por não haver sido eleito presidente da Associação Geral."23

Mais tarde, preocupado com as idéias defendidas por A. T. Jones e E. J. Waggoner, jovens editores da revista The Signs of the Times, que pareciam ignorar deliberadamente a importância da lei de Deus, decidiu arvorar a bandeira de luta em defesa da "verdade ameaçada". Para ele os dois jovens redatores se apresentavam no seio da Igreja como intérpretes de um evangelho desfigurado. Com a pena e a voz intentou neutralizá-los. Mas, surpreso e perplexo, descobriu que os novos ensinamentos eram endossados pela Sra. White.

A controvérsia teológica entre o presidente da Associação Geral e seus associados e os jovens redatores e seus simpatizantes, encontrou seu ponto culminante na assembléia geral celebrada em Minneapolis, em 1888.

Tendo a esposa seriamente enferma e sentindo sua própria saúde debilitada, Butler decidiu não comparecer ao encontro em Minneapolis, excluindo-se desta forma dos debates históricos que marcaram aquela assembléia. Entendeu, entretanto, que não mais deveria continuar na presidência. Embora ausente, recebeu dos delegados merecida homenagem,

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Introdução 237 pois sob sua liderança a Igreja cresceu de quinze mil, quinhentos e setenta, para vinte e seis mil, cento e doze membros. Foi então aprovado um voto de apreciação por seu "fiel e dedicado labor... acompanhado com os melhores desejos de recuperação física, para que a causa possa ainda ser beneficiada com os conselhos resultantes de sua valiosa experiência''.24

Butler se retirou para desfrutar a quietude de uma existência longe das pressões e tensões de Battle Creek. Sua esposa, entretanto, vítima de um derrame cerebral, tornou-se inválida, e por treze anos, com admirável dedicação e desvelo, ele a acompanhou até o dia quando entre lágrimas e esperanças, a levou à morada do silêncio.

Em sua solidão, refletindo sobre os acontecimentos que precederam e sucederam o turbulento encontro de Minneapolis, compreendendo então o significado da doutrina da justificação pela fé defendida pelos irmãos Jones e Waggoner, escreveu um artigo expressando seu mais profundo arrependimento e pesar. Entre outras coisas, ele disse:

''Admito francamente, que durante um determinado período fui perturbado pela dúvida sobre estes assuntos (a justificação pela fé e temas afins)... Estando enfermo não assisti à assembléia da Associação Geral em Minneapolis. ... Aqueles foram anos de aflições, tristezas, tentações e perplexidades. ...

"Não pretendo apresentar uma escusa pelos erros e equívocos que marcaram minha vida. Não suplico simpatia. Desejo, sobre todas as coisas, encerrar com alegria o registro de minha vida. Muitas vezes tenho orado como Davi: 'Não me desampares quando se forem acabando as minhas forças.' Salmo 71:9 Cristo me é muito precioso. ... Meu coração muitas vezes arde dentro de mim, sempre quando trago uma alma a Cristo. Espero ainda poder servi-Lo humildemente em Sua vinha."'25

Na assembléia da Associação Geral celebrada em 1915, na cidade de São Francisco, Califórnia, quando da discussão de uma proposta para fechar a Faculdade de Medicina de Loma Linda, devido a alguns problemas financeiros, Butler, já vergado ao peso dos anos, pediu a palavra e assim se expressou:

Page 238: Mão de Deus ao Leme - EC

Introdução 238 "Estou velho agora, e já não sei muito. Vocês são jovens e vigorosos e

sabem o que deve ser feito. Logo será tomado o voto, porém antes que isso ocorra, deixem-me dizer o seguinte: Vocês sabem que eu sou Jorge I. Butler. Fui presidente da Associação Geral e penso que recebi mais testemunhos da serva do Senhor que qualquer um de vocês, e, em sua maioria foram de reprovação. ... Entretanto, esta mão não aprendeu a votar o fechamento do que Deus disse que deveria ser aberto."26

A Faculdade de Medicina de Loma Linda não foi fechada. Em 1918 os médicos diagnosticaram nele um tumor maligno na

cabeça. Butler recebeu a notícia com admirável estoicismo e resignação. Com as notas harmoniosas de um velho hino, expressou o gozo irradiante de uma vida escondida em Cristo:

Embora pobre, desprezado e esquecido, De mim, porém, não Se olvidou o Senhor. Ele me tem guiado e protegido, Seu amor é para mim doce penhor.

Afinal, no dia 25 de julho de 1918, enquanto os canhões rugiam destruidores, ensangüentando os campos na velha Europa, descansou suavemente G. I. Butler, um príncipe em Israel.

OLE A. OLSEN

Em 1850, na crista de uma imensa onda migratória, Andrew Olsen, a esposa e um pequeno filho – Ole – transferiram sua residência na

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Introdução 239 Noruega, seu país natal, para os Estados Unidos da América do Norte, a fim de participarem da fascinante aventura que significou a conquista de um extenso território, rico e selvagem, no Novo Mundo.

Do convés da embarcação que os levou à América, o Sr. Olsen contemplava comovido, pela última vez, as lindas praias do país natal, de onde partiram os Vikings em suas célebres e legendárias incursões náuticas. Aquele era um momento carregado de emoções. Sua mente parecia inundada por um dilúvio de suaves e enternecedoras recordações. Depois de uma emotiva incursão ao passado, seus pensamentos o transportaram ao futuro com as suas incertezas, apreensões e interrogações.

– Papai – perguntou-lhe o filho – quando voltaremos a rever a Noruega?

Absorto, mergulhado em profundas reflexões, pareceu não ouvir a pergunta suscitada por Ole, um menino de cinco anos.

– Por que estamos nós viajando? – insistiu o filho. – Porque queremos começar uma nova vida, em um novo país

respondeu o pai, interrompendo suas reflexões e devaneios. – Quanto tempo levaremos para chegar lá? Com sua mirada vagamente voltada para a paisagem cada vez mais

distante, respondeu: – Sessenta e três dias. – E acrescentou: – Se os ventos ajudarem. E os dias transcorreram, uns ociosos e monótonos, outros agitados e

excitantes. Após mais de dois meses de exaustiva jornada marítima, chegaram a Nova Iorque, então fascinante centro por onde cruzavam numerosas e bulhentas levas de imigrantes, em busca de horizontes mais amplos e melhores oportunidades econômicas.

De Nova Iorque seguiram para o Estado de Wisconsin, conhecido por todos como o eldorado agrícola. Após haver escrutinado cuidadosamente todas as áreas disponíveis, o Sr. Olsen escolheu uma linda gleba, de cujo solo, com o favor divino, haveria de arrancar colheitas generosas e abundantes. Com energia e determinação, derrubou as primeiras árvores, abrindo espaço para edificar a casa onde então se

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Introdução 240 estabeleceram. Uniram-se à Igreja Metodista Episcopal, localizada nas cercanias de onde mais tarde se retiraram para formar uma pequena congregação integrada por oito famílias norueguesas que observavam o sábado.

Em 1858, após uma série de conferencias conduzida por Waterman Phelps, o Sr. Olsen e família aceitaram a mensagem adventista, e, através da experiência do batismo, tornaram-se membros da comunidade adventista local.

Aos dezenove anos de idade, o jovem Ole completou os estudos secundários em uma escola Batista do Sétimo Dia, situada a poucos quilômetros de sua casa. Em 1867, matriculou-se no colégio adventista de Battle Creek, onde freqüentou algumas classes especiais, porém jamais completou qualquer currículo acadêmico. Sua insuficiência acadêmica, entretanto, foi compensada com os benefícios de um intenso e disciplinado programa de leituras e observações.

Em 1868, casou-se com Jennie Nelson, jovem piedosa, filha de um colono que também se havia estabelecido naquela região. Inspirado pelos sermões pregados pelos vários pastores que freqüentemente os visitavam em Oakland, acariciou no coração o ideal de dedicar a vida à obra ministerial.

Reconhecendo nele uma vocação pastoral inata, os dirigentes da Associação de Wisconsin decidiram convidá-lo a dedicar-se a Deus e à causa adventista. Em 1869, foi-lhe oficialmente outorgada uma licença ministerial e, com ela, a tarefa de evangelizar as colônias norueguesas em Wisconsin. No dia 2 de julho de 1873, foi ordenado ao ministério e, um ano depois, aos 29 anos de idade, foi eleito presidente da Associação local.

Revelando-se um administrador firme, sereno e equilibrado, foi mais tarde eleito presidente das Associações Dakota do Sul, Minnesota e Iowa. Era, entretanto, um obreiro destituído de pretensões. Apesar de respeitado por todos como eficiente líder, preferiu interromper as atividades administrativas para voltar ao país de origem, de onde partiu aos cinco anos, para se ocupar em um incansável programa de evangelização.

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Introdução 241 Nas páginas de seu diário encontramos as evidências de um

entusiasmo que não conhecia limites. Pregava todos os dias da semana, em algumas ocasiões até duas e três vezes ao dia. Jamais repetia o mesmo sermão ou usava o mesmo texto. Caminhava muitas vezes quinze a vinte quilômetros sobre a neve, enfrentando os rigores e as adversidades próprias da estação invernal, a fim de levar uma palavra de esperança às congregações que o aguardavam ansiosas.

As anotações registradas em seu diário nos revelam a dedicação de um pai terno e amoroso, preocupado com a sorte dos filhos. Enquanto em uma de suas incursões missionárias, recebeu a inquietante notícia de que o filho Clarence estava enfermo, e seu estado inspirava cuidados. As seguintes linhas, inseridas em seu diário, traduzem as angústias e apreensões de um pai atribulado pela incerteza: "Caminhei vinte e quatro quilômetros até uma agência do correio para buscar uma carta escrita por Jennie (sua esposa) com notícias do nosso pequeno Clarence."27 Ele faleceu aos 10 anos de idade, deixando dois irmãos – Alfredo, que se tornou médico e diretor do nosso hospital na Inglaterra, e Mahlon, que se dedicou às atividades educacionais.

Em outubro de 1888, na tormentosa assembléia da Associação Geral celebrada em Minneapolis, Minnesota, Ole A. Olsen foi escolhido para dirigir os destinos da igreja mundial. Diante das controvérsias que marcaram aquele histórico encontro, impunha-se como imperativa a presença de um timoneiro hábil e sereno, capaz de restaurar a harmonia e consolidar a unidade da Igreja.

Olsen não participou dos trabalhos e discussões daquela assembléia. Suas atenções estavam centralizadas de forma absorvente no programa de evangelização da Escandinávia. Entretanto, em seu diário pessoal registrou "haver recebido dos irmãos a informação'' 28 de que havia sido eleito presidente da Associação Geral. Não obstante, continuou cumprindo normalmente seu extenuante itinerário, visitando os fiéis dispersos e confirmando-os na esperança.

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Introdução 242 Para um homem modesto e destituído de qualquer pretensão, não

havia grande diferença entre continuar pregando em seu país de origem, ou assumir a presidência da Associação Geral.

Alguns meses mais tarde, em seu diário encontramos um lacônico registro: "Embarcando hoje rumo à América para assumir os deveres da Associação Geral.''29

Sua primeira tarefa, ao tomar o timão da embarcação adventista, foi pacificar os espíritos conturbados com as controvérsias teológicas que agitaram a última assembléia da Associação Geral. Com imperturbável serenidade conseguiu reduzir as áreas de atrito, restaurando gradualmente a unidade e a paz. Um ano após sua eleição, declarou com alegria:

"Sinto-me grato pelo espírito que agora permeia a obra, e confio que haveremos de avançar com fé e coragem como nunca antes. Espero que a unidade no trabalho aumente mais e mais, de forma progressiva e constante."30

Sob sua administração a Igreja alargou suas fronteiras geográficas, não somente nos Estados Unidos, mas também na Europa, África e América do Sul. Sua paixão por conquistar os horizontes distantes, inspirou-o a elaborar grandes planos de ação, tendo em vista ampliar e fortalecer o programa missionário em regiões longínquas. A fim de melhor se familiarizar com os problemas, desafios e oportunidades da obra em expansão, decidiu submeter-se aos rigores próprios que caracterizavam naqueles idos as longas viagens ao redor do mundo.

Em 1897 cruzou o Atlântico, rumo à África, com o propósito de visitar Solusi, em Zimbabwe, o primeiro posto avançado no "continente escuro''. Depois de haver desembarcado na Cidade do Cabo, no sul do continente, seguiu de trem até Balawayo, completando a última etapa desta extenuante viagem, em uma carroça puxada por uma parelha de bois. Sua chegada a Solusi foi um acontecimento emotivo e pleno de significação para os missionários que ali conduziam uma obra pioneira.

A história daquele posto missionário, em seus primeiros anos, foi escrita ''com suor, sangue e lágrimas''. Passou a ser o símbolo sinistro de

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Introdução 243 uma grande tragédia. Os primeiros missionários que ali chegaram, vítimas das condições insalubres então prevalecentes, pagaram um tributo demasiado alto. Vítimas de uma febre epidêmica, morreram o Dr. Carmichael, o Pastor Tripp e seu filho, a irmã F. B. Armitage, o irmão F. C. Mead, heróis anônimos que tombaram enquanto serviam ao Senhor.31

Olsen não ocultou suas preocupações ao sentir a necessidade de melhores condições sanitárias e maior provisão de alimentos nutritivos, tendo em vista proteger aquelas famílias contra as enfermidades que, insidiosas, infestavam a região. Após completo estudo dos problemas existentes em Solusi, ordenou algumas medidas urgentes, tendo em vista prover aos missionários e suas famílias melhores condições de trabalho e mais elevados índices de salubridade.

W. H. Anderson, um dos missionários que vivia naquela estação missionária, escreveu mais tarde:

"Nossos corações foram alentados cola a visita do Pastor Olsen. Apreciamos imensamente seus conselhos. Depois de havermos estado isolados por um longo tempo daqueles que partilham a mesma fé, foi agradável a oportunidade de assistir outra vez a uma série de estudos bíblicos, dirigidos por um professor tão eficiente colmo o Pastor Olsen."32

Após a visita a África, conhecendo suas necessidades e desafios, repetia constantemente em seus apelos: "Necessitamos mais jovens piedosos, dispostos a ir àquelas regiões distantes e proclamar o poder redentor de Cristo."33

Durante seu mandato presidencial a Igreja viveu um período de grande crescimento e acentuada expansão. A obra de publicações foi ampliada, as escolas se multiplicaram e através de intenso e coordenado programa de evangelização, milhares de almas foram batizadas.

Liberado de suas esgotantes responsabilidades como presidente da Associação Geral, foi enviado à África para consolidar o trabalho iniciado entre os nativos, e assessorar no estabelecimento de novas estações missionárias.

Alexandre Mackay, antes de partir como missionário para a África, fez o seguinte pronunciamento:

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Introdução 244 "Sabeis que de cada oito que partem para a África, ao menos um

morrerá antes dos seis meses. Pois bem, quero pedir que quando chegar a notícia de meu falecimento, ninguém desanime, mas mandem outro imediatamente para tomar o meu lugar."34

O Pastor Olsen conhecia muito bem o alto custo da penetração missionária em solo africano. Havia visto compungido, em Solusi e em outros lugares, as humildes e solitárias tumbas dos missionários que sucumbiram enquanto lutavam para promover os triunfos da causa de Deus. Mas, apesar dos riscos, aceitou de bom grado suas novas tarefas.

Posteriormente foi chamado para dirigir o trabalho na Europa. Em 1905, embarcou para a Austrália, onde permaneceu durante vários anos "lutando a boa milícia da fé", consolidando a boa obra iniciada pela Sra. White, Daniells e outros pioneiros do trabalho naquele continente.

Regressando aos Estados Unidos, foi eleito vice-presidente da Associação Geral, e nesta responsabilidade serviu ao Senhor até a morte.

Foi um dirigente de coração puro e hábitos irrepreensíveis. Viveu e morreu animado pelo afã de magnificar a Cristo e Sua obra redentora. Poderia, no crepúsculo da vida, sintetizar sua experiência ministerial repetindo as palavras de Paulo: ''Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé."

JORGE A. IRWIN

Page 245: Mão de Deus ao Leme - EC

Introdução 245 Foi um momento de grave crise na história americana. Uma

explosiva e apaixonante controvérsia minava de forma insidiosa a unidade nacional. Abraão Lincoln, após tumultuosa campanha contra o odioso regime escravocrata, venceu as eleições (1861), tornando-se o décimo sexto presidente dos Estados Unidos. Sua eleição foi a senha para o início de uma guerra fratricida e cruel, conhecida como a "Guerra da Secessão". Seis Estados do Sul que favoreciam o aviltante comércio dos escravos separaram-se da União, para formar uma nação independente, a Confederação dos Estados da América.

Em discurso memorável, Lincoln apresentou à nação uma vibrante conclamação à luta, tendo em vista esmagar a rebelião e restaurar a unidade nacional. Como resultado, uma onda de fervor patriótico inundou o país. Jorge* Irwin, então um agricultor com dezessete anos, contagiado por um enorme fervor cívico, alistou-se como voluntário para lutar contra a Confederação separatista.

Foi enviado á capital – Washington – onde recebeu o treinamento necessário para participar no conflito contra a rebelião. Posteriormente, integrando a Primeira Companhia do Segundo Regimento de Infantaria dos Voluntários de Ohio, foi enviado às linhas de frente. Animava-o a esperança de que dentro de noventa dias as tropas do Sul seriam vencidas. As forças adversárias, porém, com inesperado e surpreendente poder de fogo, lograram prolongar o conflito durante cinco penosos anos, caracterizados por angústias, privações e incertezas.

Após haver participado com bravura em dezessete batalhas, e testemunhado com assombro a tragédia da guerra com todo seu espanto e horror, foi tomado como prisioneiro pelos exércitos inimigos. Com centenas de outros companheiros de infortúnio, foi levado à prisão de Andersonville, sórdido campo de concentração conhecido pelas atrocidades cruéis a que eram submetidas suas infelizes vítimas.

* Jorge é o correspondente para George, em português.

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Introdução 246 Perplexo, viu homens desnudos, uns afligidos pela fome, outros

torturados por agudas infeções intestinais. Em meio às condições abjetas e subumanas que caracterizavam aquele lugar, acompanhou comovido soldados em seus últimos estertores, vítimas do tétano, tuberculose, tifo e outras enfermidades fantasmas que, sinistras, rondavam aquele desventurado acampamento de prisioneiros.

Um ministro os visitava regularmente na prisão, assistindo não somente aos enfermos, mas também dirigindo a todos palavras de fé, consolo e esperança. Um dia, Jorge recebeu o exemplar de um livro intitulado Saint's Everlasting Rest (O Descanso Eterno dos Santos), escrito por Baxter, conhecido pregador puritano. A estimulante leitura deste livro transformou-lhe o coração, levando-o contrito a aceitar a Jesus.

Finalmente, no dia 9 de abril de 1865, numa manhã primaveril, retumbou por toda a parte o eco festivo de uma alegre nova: O conflito havia terminado. Os jornais, com grandes manchetes, anunciavam em sucessivas edições o festivo e histórico acontecimento:

EXTRA! EXTRA! O General Lee Rendeu-se ao General Grant. A guerra terminou. As prisões militares abriram seus imensos

portões. Entre os milhares que foram liberados, estava Jorge, feliz por poder respirar uma vez mais o ar fresco da liberdade e pela ventura de haver escapado com vida dos horrores daquela conflagração civil.

O conflito havia deixado por toda parte terríveis rastros de morte e destruição, bem como um desventurado contingente de indivíduos com deficiências físicas irreparáveis.

Retornando a Ohio, Jorge passou a assistir a uma igreja congregacional, transferindo-se posteriormente a uma igreja metodista situada nas cercanias de sua casa. No dia 7 de setembro de 1867, contraiu núpcias com Nettie Johnson, atraente professora que se destacava por suas maneiras graciosas e aspecto gentil.

No inverno de 1884, a família Irwin uniu-se aos vizinhos, assistindo a uma série de conferências conduzida por D. W. Lindsay e W. H.

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Introdução 247 Saxby, dois talentosos evangelistas adventistas. Jorge, a esposa e Carlos, um filho de quinze anos, sob a influência convincente do Espírito Santo, aceitaram a mensagem adventista e uniram-se, mediante o batismo, à igreja de Monte Vernon, Ohio.

A esperança adventista deu-lhes uma nova experiência religiosa, uma dimensão espiritual mais abarcante e profunda. "Servirei a Deus com afeto indiviso", declarou Jorge, resoluto. "Viverei uma existência frugal a fim de poder contribuir mais generosamente para a Sua causa.... Santificar-me-ei pela obediência à verdade em sua plenitude."35

Reconhecendo nele qualificações latentes para o exercício da obra ministerial, a Associação de Ohio dirigiu-lhe um convite para cuidar de diversas igrejas localizadas nas proximidades de sua residência. Pouco mais tarde se tornou tesoureiro desta Associação, sendo posteriormente eleito presidente.

Depois recebeu um convite para dirigir o programa adventista de penetração no sul do país. As marcas de sua obra pioneira na região podem ser vistas ainda em nossos dias, nas igrejas e instituições então edificadas. Dele podemos dizer que foi um diligente "lavrador". A lâmina do seu arado penetrou sempre de forma profunda o solo onde lhe foi dado exercer suas atividades ministeriais.

Em março de 1897, foi celebrada em Lincoln, Nebraska, mais uma assembléia da Associação Geral. Os delegados representando 38 associações e cinco campos missionários, ouviram atentos os relatórios e as estatísticas descrevendo o crescimento quantitativo, qualitativo e orgânico alcançados pela Igreja. Novos dirigentes foram nomeados para liderar a Igreja em seus vários ramos de ação missionária.

Jorge A. Irwin foi eleito presidente da Associação Geral. Aproximava-se então a alvorada do século XX, e um espírito de

contagiante otimismo permeava o ar. O mundo desfrutava um de seus raros períodos de paz e concórdia entre as nações. A Revolução Industrial, precipitando rápidas transformações sociais e econômicas, parecia prenunciar o início da "idade de ouro" da História.

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Introdução 248 No seio do adventismo, entretanto, despontavam alguns inquietantes

problemas que haveriam de ocupar o novo presidente em esgotadoras gestões administrativas. O esquema organizacional aprovado em 1863, quando a Igreja ainda vivia seus primeiros anos, mostrava-se agora insuficiente e inadequado. Impunha-se como imperativa a necessidade de nova estrutura organizacional. A grande concentração de adventistas em Battle Creek, e a presença de tantas instituições junto à sede da Associação Geral, além de militar contra o programa de expansão e penetração em novas áreas, tornavam a Igreja quase ingovernável. As idéias panteístas defendidas por Kellogg** e seus admiradores, introduzidas na Igreja com astúcia e solércia, geravam crescentes e deploráveis confrontações.

Mas Irwin não se permitiu abater sob o peso dos graves e complexos problemas então existentes. Com grande disposição participou das reuniões gerais de avivamento, apresentando sempre inspiradoras mensagens de confiança em Deus e Sua liderança. Suas palavras ungidas de fé eram ouvidas e entesouradas pelos fiéis adventistas, dispersos por toda parte.

Suas convicções no tocante ao enfoque de suas mensagens eram claras e definidas:

"Discursos contundentes e cortantes " – disse ele – "podem produzir comichão nos ouvidos, porém raramente alcançam o coração de um honesto inquiridor da verdade."36

Era um homem conhecido por sua vibração e dinamismo. Tinha o costume de registrar numa pequena agenda os problemas que reclamavam soluções urgentes, bem como as perguntas que sentia deverem ser dirigidas à Sra. White.

Ao regressar aos Estados Unidos, após uma viagem transoceânica, retomou suas atividades regulares no país, visitando as igrejas e pregando nas grandes concentrações campais. Em um culto de consagração,

** Ver "A Crise Panteísta", no capítulo "As Portas do Inferno Não Prevalecerão".

Page 249: Mão de Deus ao Leme - EC

Introdução 249 dirigindo-se a um grupo de fiéis, leu a seguinte declaração escrita pela Sra. White:

"Satanás atua com intensidade de propósito a fim de induzir o nosso povo a investir seu tempo e dinheiro na satisfação de supostas necessidades. Isto constitui uma forma de idolatria."37

Após o culto, um jovem entregou um embrulho ao Pastor Irwin. "Aqui estão os meus ídolos", disse o moço. "Converta-os em dinheiro e empregue-o no serviço do Senhor."

Irwin guardou o pequeno embrulho. Chegando em casa abriu-o sobre a mesa e encontrou um revólver e uma pequena caixa, onde supôs estivessem os cartuchos.

"Este é um bom revólver", declarou, dirigindo-se à esposa. "Mas quem irá comprá-lo? Guardá-lo-ei por enquanto, até que apareça alguém disposto a adquiri-lo."

Pouco tempo depois uma jovem do sanatório de Battle Creek visitou o casal Irwin para apresentar-lhes seus planos e ideais futuros. Ela iria ao Sul para trabalhar como professora em uma pequena escola rural no Mississippi. Quando a jovem visitante falou sobre as dificuldades financeiras existentes para manter a escola, o Pastor Irwin mencionou possuir uma pistola doada para ser vendida, e os recursos obtidos deveriam ser aplicados em algum projeto missionário. Entusiasmada com a possibilidade de lograr alguma ajuda financeira especial, ela se dispôs a procurar no Sul um eventual comprador.

Algumas semanas mais tarde o Pastor Irwin recebeu uma carta procedente do Mississippi: "Se o revólver ainda não foi vendido" escreveu a jovem – "envie-mo, pois estou segura que poderei vendê-lo."

Irwin tomou em suas mãos a arma que havia guardado em uma gaveta e a pequena caixa que imaginava conter os cartuchos. Abriu-a pela primeira vez e, surpreso, encontrou um par de abotoaduras de ouro e vários outros ornamentos também trabalhados em ouro. O dinheiro apurado com a venda destes objetos foi suficiente para edificar uma escola paroquial em uma colina no vale do Mississippi.

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Introdução 250 Na histórica assembléia da Associação Geral celebrada em 1901,

com o coração transbordante de gozo, Irwin apresentou os grandes triunfos alcançados pela Igreja. No grande e imponente tabernáculo de Battle Creek, com suas poltronas vermelhas e candelabros artísticos, mais de 4.000 pessoas se reuniram para ouvir o relatório apresentado pelo presidente e também a palavra orientadora da Sra. White, que havia regressado recentemente da Austrália, onde durante nove anos conduziu uma obra pioneira.

As dimensões alcançadas pela Igreja demandavam uma urgente reestruturação. "O que desejamos agora", sentenciou solene a Sra. White, "é uma reorganização... sobre um princípio diferente."38

Um novo sistema administrativo mais racional foi aprovado, tendo em vista preservar a unidade de procedimentos, a pureza da fé e acelerar a proclamação da esperança adventista.

A fim de implementar o novo esquema denominacional, a assembléia elegeu como presidente da Associação Geral, o Pastor A. G. Daniells. Embora quase desconhecido em Battle Creek, seus êxitos administrativos alcançados na Austrália, qualificaram-no como o homem providencial para uma hora de transição.

Liberado de suas responsabilidades no centro administrativo da Igreja, Irwin foi enviado a Austrália, onde, com exemplar humildade, deu continuidade à obra realizada por seus antecessores. As seguintes palavras extraídas de uma de suas cartas traduzem o espírito que o animava:

"Minha esposa e eu não buscamos fama, honra ou possessões terrenas. Estas coisas nós as abandonamos quando aceitamos a verdade. Desfrutamos agora muito mais alegrias no serviço do Senhor. . . . embora tenhamos mais provas e perplexidades. . . . que antes quando nos esforçávamos por construir uma casa e estabelecer um lugar [a fazenda] para nós mesmos."39

Em 1903 o Pastor Irwin retornou aos Estados Unidos para assistir, como delegado, à trigésima quinta assembléia da Associação Geral, realizada em Oakland, Califórnia. Valendo-se da oportunidade, decidiu

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Introdução 251 visitar a Sra. White, em Elmshaven, a uns 110 quilômetros de Oakland. Em seu itinerário, cruzando o verdejante vale de Napa, passou por Yountville, pequena cidade, onde se erguiam os edifícios do "Lar dos Veteranos", construído pelo governo para abrigar os soldados que, feridos na guerra civil, se tornaram inválidos. Visitando-os, dirigiu-lhes palavras de consolo, esperança e fé.

Quando terminou o culto, um homem assentado em uma cadeira de rodas veio ao seu encontro e, com um sorriso afetuoso, interrogou-o: "Lembra-se de mim?" Segurando de modo cordial a mão do Pastor Irwin, declarou com emoção: "Nós estivemos juntos na prisão de Andersonville. Nos estivemos juntos na guerra civil."

Trinta e oito anos se haviam escoado na ampulheta do tempo. Ambos tinham agora os rostos sulcados por grandes rugas e, no corpo, carregavam o implacável peso dos anos. Porém, malgrado a passagem do tempo, Irwin se lembrou do seu companheiro de infortúnio. Alegrou-se pela oportunidade de encontrá-lo outra vez. Após algumas palavras de encorajamento e ânimo no Senhor, despediu-se renovando sua gratidão a Deus por havê-lo guardado da morte ou invalidez, nos anos sombrios do conflito que enlutou a nação.

Em 1905, foi eleito vice-presidente da Associação Geral. Cinco anos mais tarde tocou-lhe dirigir a União do Pacífico, onde trabalhou durante dois anos. Finalmente, em 1912, aceitou assumir a presidência da comissão executiva da Faculdade de Médicos Evangelistas (hoje Universidade de Loma Linda), cargo que ocupou até a morte.

Os últimos quatro anos de sua vida foram vividos sob constantes cuidados médicos. Contudo, jamais proferiu uma palavra de amargura ou lamento. Sofrendo problemas cardíacos resultantes das privações e sofrimentos vividos em sua juventude na prisão de Andersonville, pressentia agora aproximar-se, de forma irreversível, o fim da existência. Mas, olhando retrospectivamente para suas experiências como obreiro, alegrava-se por haver dado suas melhores energias a Deus e à Sua causa.

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Introdução 252 Finalmente, no dia 23 de maio de 1913, aos 68 anos de idade, Irwin

descansou animado pela esperança de ouvir no grande e glorioso dia de Jeová, as palavras proferidas pelo "justo Juiz" – "Bem está, servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor".

No cerimonial fúnebre, um grupo coral prestou-lhe uma última e comovida homenagem, cantando:

Andando triste aqui, na solidão, Paz e descanso a mim, Teus braços dão. Sempre hei de suplicar: mais perto quero estar, Mais perto quero estar, meu Deus de ti.

Em seguida, vivendo um momento de grande emoção, o Pastor O. A. Olsen leu as palavras de Jesus dirigidas a Marta: "Teu irmão há de ressuscitar." E concluiu solene: "Sim, Irwin, nosso irmão também há de ressuscitar. Alegrai-vos uns aos outros com esta esperança."40

ARTUR G. DANIELLS

A batalha travada em Antietan Creek, Sharpsburg, nas cercanias de Maryland, foi sem dúvida uma das mais brutais e encarniçadas da Guerra da Secessão. Mais de 22.000 soldados sucumbiram na violenta confrontação de forças entre os soldados do General Grant e as tropas confederadas do Sul. O Dr. Thomas G. Daniells tenente-médico alistado entre os combatentes do norte, sofreu no conflito um grave ferimento do

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Introdução 253 qual jamais se recuperou. Faleceu no ano seguinte, deixando a esposa e três filhos – Artur, Jessie e Carlos – em angustiosa e comovente situação econômica.

Consternada, a Sra. Daniells viu-se na contingência dolorosa de confiar os filhos aos cuidados de terceiros, a fim de ocupar-se em alguma atividade remunerada, tendo em vista obter os recursos indispensáveis à sobrevivência.

Aquela foi uma decisão difícil. Com o coração consternado e os olhos umedecidos, levou as crianças a um centro fundado pelo governo para albergar os filhos dos militares que pereceram no grande conflito armado.

"Crianças" – disse ela com a voz embargada pela emoção "agora haveremos de nos separar. Sentirei falta de vocês. Tenho certeza, entretanto, de que nosso amorável Pai os guardará até o dia quando haveremos de nos reunir outra vez."

Para o menino Artur, sua irmã e o irmão, aquela foi uma experiência traumática. Viram a mamãe partir com o rosto banhado em lágrimas, deixando-os sozinhos em um ambiente estranho e frio.

Transcorridos alguns meses, chegou-lhes a excitante notícia de que em breve teriam um novo lar. Com efeito, a Sra. Daniells casou-se em segundas núpcias com um agricultor chamado Lippincott.

Após a bênção matrimonial, dirigindo-se à esposa, o Sr. Lippincott se expressou dizendo: "Agora, buscarei as crianças. Elas necessitam o cuidado e o carinho da mamãe e eu envidarei os melhores esforços para que tenham um bom lar."

A Sra. Daniells, agora Lippincott, era uma mulher piedosa. Perturbava-a, entretanto, seus limitados conhecimentos da Palavra de Deus. Um dia, ao visitar um ex-vizinho, conhecido como fiel observador do sábado, pediu-lhe recomendar alguma leitura que a ajudasse a obter uma melhor compreensão das Escrituras. Este emprestou-lhe um exemplar do livro History of the Sabbath (A História do Sábado), escrito por J. N. Andrews. Após a leitura do livro em referência, e havendo

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Introdução 254 esquadrinhado a Bíblia com grande diligência, ela se uniu à Igreja Adventista, mediante o batismo. Mais tarde, aos dez anos de idade, Artur, o filho mais velho, também se batizou.

Alguns anos depois, quando já adolescente, Artur declarou: "Há momentos em minha experiência quando me sinto terrivelmente

desalentado. Um grande sentimento de culpa e indignidade me impedem de expressar-me em nossas costumeiras reuniões de testemunhos.

"Numa manhã de sábado eu me sentia completamente deprimido e dizia para mim mesmo: Não nasci para ser cristão! Devo desistir! Quando a reunião terminou, retirei-me a fim de evitar encontrar-me com outros. Mas, enquanto esperava minha mãe, o ancião da igreja, com seus cabelos grisalhos e um bondoso sorriso, se aproximou de mim.

"– Artur, desejo conversar com você. – E, com um acento paternal, acrescentou: – Tenho observado seu silencio nas três últimas reuniões de testemunhos. Desejaria saber qual é o problema que o aflige, a fim de ajudá-lo.

"– Não creio existir esperança para mim – respondi. – Não nasci para ser cristão. Esforcei-me, mas fracassei. E agora não tentarei outra vez.

"– Mas, não desanime – exortou o ancião. – Orarei por você cada dia durante esta semana. Você orará também e estou seguro que o Senhor ouvirá a nossa súplica.

"Deus me visitou durante aquela semana. ... Aquele ancião ergueu-me do abismo escuro ande me encontrava. ... Desde então, jamais voltei a dizer: Não tentarei outra vez."41

Posteriormente, Daniells, referindo-se àquele piedoso ancião, disse: "Tenho-o claramente em minha lembrança. Um bolso em seu paletó

era seu e o outro era consagrado ao Senhor. Segundo seu costume, sempre que recebia um dólar, separava dez centavos no bolso dedicado a Deus. Vendo-o em suas transações comerciais, separando fielmente a parte que pertencia ao Senhor, meu coração era alentado pela influencia extraordinária de sua vida."42

A vida para o jovem Artur não foi um oceano de rosas. Seu padrasto, vítima de sucessivas disfunções orgânicas, sentiu o vigor físico declinar rapidamente, obrigando-o a transferir a responsabilidade de gerir a fazenda a Artur, o filho mais velho. Conquanto ainda no verdor dos anos, ele assumiu seus deveres e obrigações com notável senso de

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Introdução 255 responsabilidade. Arava, semeava e colhia os produtos da terra. Velava sobre as ovelhas, o gado e os cavalos. Nas madrugadas frias de inverno, quando as estrelas ainda cintilavam, portando uma lanterna, ele iniciava as atividades do dia e, após completadas, dirigia-se apressadamente a uma escota, nas cercanias de sua casa, onde a voracidade de sua fome intelectual era aplacada.

Aos dezesseis anos completou os estudos secundários. Era então um jovem de hábitos austeros, introvertido, com uma tartamudez parcial que o levava a tropeçar na articulação de algumas palavras.

– Mamãe – disse ele um dia – em lugar de consumir toda a minha existência em atividades agrícolas, desejaria educar-me para ser um professor.

– Sim, meu filho – respondeu com ternura sua bondosa mãe – você poderá ser um bom professor. – E animando-o a perseguir este ideal, acrescentou: – Trabalhando nas fazendas vizinhas durante o verão, você poderá obter os recursos suficientes para enfrentar um ano de estudos em Battle Creek.

Com efeito, com esforço e dedicação, trabalhando cada dia desde o romper da aurora até ao cair da tarde, Artur conseguiu amealhar os recursos necessários para pagar seu programa escolar em Battle Creek. Entretanto, por razões de saúde, após completado um ano letivo, viu-se obrigado a interromper o seu programa acadêmico. A combinação de uma dieta extremamente frugal, o excesso de trabalhos físicos e as inúmeras e esgotadoras obrigações acadêmicas, com suas noites mal dormidas, cobraram um tributo demasiado alto. Com a saúde combalida, dominado por grande frustração, voltou para casa.

No dia 30 de novembro de 1876, casou-se com a jovem Maria Ellen Hoyt, com quem partilhou o romance de uma venturosa experiência conjugal, que durou aproximadamente sessenta anos.

Por um pouco de tempo, ambos se dedicaram ao magistério, ensinando em uma escola pública. Certa ocasião, enquanto caminhava rumo à escola, refletindo sobre sua experiência religiosa, sentiu-se

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Introdução 256 compelido a deter-se em um lugar solitário para um momento de comunhão com Deus. E enquanto orava, sentiu em forma inconfundível o chamado divino para dedicar-se ao ministério. Mas um enorme senso de indignidade fê-lo sentir-se insuficiente. Sua esposa, entretanto, animou-o a fazer deste assunto motivo de constante oração. Um dia, enquanto derramava a alma atribulada perante Deus, rendeu o coração ao Senhor e consagrou a vida ao Seu serviço.

Iniciou sua experiência ministerial em 1878, no Texas, sob a liderança do Pastor Roberto H. Kilgore. Seu primeiro sermão, pregado a um pequeno número de fiéis, foi para ele uma experiência vexatória. Preparou-se para ocupar o púlpito durante uma hora, porém, passados apenas alguns minutos, concluiu sua mensagem, esmagado pelo peso de um imenso e humilhante fiasco.43

Apesar deste desastroso começo, Daniells, através de exercícios vocais constantes, logrou superar algumas de suas deficiências naturais, desenvolvendo aptidões que o tornaram um pregador talentoso e apreciado. Como Moisés, era um orador "pesado de língua",44 mas seus pensamentos fluíam de forma lógica, atraente e persuasiva. Como evangelista, tanto nos Estados Unidos como na Austrália e Nova Zelândia, logrou com a bênção de Deus triunfos memoráveis.

Estando ainda no seu primeiro ano ministerial, o Pastor Tiago White e sua esposa chegaram ao Texas, a fim de conhecer in loco o florescente trabalho conduzido por Kilgore e seus associados. Artur e a esposa foram incumbidos de dar assistência ao casal White, durante a permanência entre eles. Iniciou-se assim entre a Sra. White e Daniells uma extraordinária relação de trabalho que se prolongou através de trinta e sete anos de lutas e vitórias.

O ano de 1886 marcou de forma indelével sua vida. Aceitando um convite para trabalhar em terras distantes, embarcou rumo à Nova Zelândia, onde, com grande êxito, conduziu uma obra pioneira. Quatro anos mais tarde anunciou com irradiante júbilo a presença de 250 adventistas naquele país.

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Introdução 257 Em 1891, por razões de saúde, foi transferido para a Austrália, onde

ocupou a presidência da Associação. Pagando o preço do noviciado, cometeu sérios erros administrativos. Porém, gradualmente desenvolveu as qualificações próprias de um líder, preparando-se para uma gigantesca obra que Deus, em Seus infinitos desígnios, lhe estava reservando.

Sua presença na Austrália coincidiu com o ministério profético da Sra. White naquele país. Dela recebeu constantes mensagens pessoais, algumas censurando-o e outras animando-o. Mas em todas elas Daniells percebia a voz amorável de Deus, falando através da inspiração.

Como seres humanos nos inclinamos muitas vezes a emitir juízos severos sobre outros. Em certa oportunidade, dirigindo-se a um grupo de pessoas que de forma descaridosa criticavam a obra do jovem presidente, a Sra. White escreveu:

"Abandonai os vossos sentimentos contra Daniells.... Ele não é perfeito e comete erres, mas apesar disto deveis manter-vos unidos. ... Os olhos do Senhor estão sobre ele. ... O Senhor ama ao Pastor Daniells, e Ele o corrigirá e o instruirá, bem como a vós, ande estiverem equivocados. "45

Um líder deve possuir uma percepção clara para ver os problemas e as suas soluções, com melhor discernimento que os seus associados. Esta virtude ele a desenvolveu de forma extraordinária quando ainda dirigia o trabalho na Austrália.

Após oito anos de vitoriosa experiência administrativa, embarcou em 1901 rumo aos Estados Unidos, a fim de assistir à assembléia da Associação Geral em Battle Creek. A Igreja vivia então uma grave crise de crescimento. Sua estrutura organizacional aprovada em 1863, quando a Igreja possuía apenas 3.000 membros, mostrava-se agora inadequada e obsoleta. Em vão esforçaram-se os Pastores Olsen e Irwin por introduzir mudanças no esquema administrativo denominacional.

Os delegados reunidos no histórico encontro de 1901 ouviram atentos o dramático discurso proferido pela Sra. White, que havia regressado da Austrália, sublinhando a imperiosa necessidade de uma reorganização. Como resultado um novo esquema administrativo foi

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Introdução 258 aprovado, e Artur G. Daniells, aos quarenta e três anos de idade, embora quase desconhecido nos Estados Unidos, foi elevado à cúpula da administração da Igreja. Com grande dinamismo e incansável dedicação, durante vinte e um anos conduziu os destinos do movimento adventista. Sua influência e prestígio como administrador e condutor de almas permanecem insuperados nos anais de nossa história.

Suas atividades administrativas gravitaram em torno de quatro importantes áreas:(1) Reorganização da Igreja;(2) Evangelismo urbano; (3) Ampliação do programa de penetração mundial; e (4) Grande empenho na proclamação da justificação pela fé.

A influência de sua liderança sobre a igreja foi incomparavelmente maior que a dos demais presidentes que o precederam. Sob sua inspiração, novos estatutos, praxes e esquemas administrativos foram elaborados e postos em execução. Podemos afirmar sem risco de exageros, que a estrutura que hoje possuímos constitui um precioso legado que ele nos transmitiu.

Nos primeiros nove anos de sua administração, enfrentou problemas maiúsculos que demandavam o melhor de suas energias e capacidade de execução. Malgrado a intransigente oposição dos "tradicionalistas", transferiu a sede da Associação Geral e a casa publicadora "Review and Herald" de Battle Creek para Washington, capital do país. Resistiu com inquebrantável firmeza a heresia do panteísmo na Igreja. Acompanhou atento as manobras articuladas por Kellogg e seus associados, que resultaram na perda do controle do sanatório em Battle Creek. Testemunhou perplexo a apostasia gradual de Jones e Waggoner, com imensos reflexos sobre a Igreja.

Estes e inúmeros outros problemas constantes em sua agenda, levaram-no inconscientemente a descuidar da obra de evangelização. Um dia, estando na Califórnia, decidiu ir a Elmshaven, para um encontro com a Sra. White. Mas, surpreso, recebeu, por intermédio de Willie White a notícia de que sua mãe não o receberia. "Deveria voltar a Washington'' – foi a mensagem que a Sra. White lhe enviou por intermédio

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Introdução 259 do filho – "e promover um programa de evangelismo envolvendo a Igreja em sua totalidade.''46

Após esta humilhante experiência, estando em Washington, enviou a seguinte carta à Sra. White:

"Lamento não me tenha sido dada a oportunidade de conversarmos, quando estive em Santa Helena sobre o trabalho em nossas cidades. Desejo dizer-lhe que me empenharei com todo o coração neste trabalho. Tenho- me preocupado grandemente durante meses sobre este assunto, e agora sinto ser meu dever tomar este trabalho em minhas mãos. Farei o melhor a fim de investir recursos financeiros e humanos mesta obra. Disponho-me também a dedicar, se necessário, meses em esforços pessoais com os obreiros."47

Daniells inaugurou então uma nova etapa em sua administração, caracterizada por um programa dinâmico de evangelismo que galvanizou a Igreja, e acelerou seu crescimento. Expressando seu gozo com esta nova ênfase, a Sra. White escreveu:

"Alegro-me em ouvir que o irmão foi levado a entender as condições existentes nas cidades onde ainda não penetramos.... Peço-lhe estimular nosso povo a redimir o tempo."48

O evangelismo e o programa de penetração nos campos missionários passaram a ocupar em sua agenda um lugar prioritário. Como resultado, a Igreja testemunhou um período áureo, caracterizado por acelerada expansão missionária.

Desobrigado da presidência, em 1922, ocupou a secretaria da recém-instituída Comissão Ministerial, pouco depois modificada para Associação Ministerial. Em suas novas funções, esforçando-se por descobrir as razões de suas próprias imperfeições e debilidades, bem como as razões ocultas de nossa apatia espiritual como Igreja, começou a rever o passado a fim de aprender as lições básicas como orientação para o futuro.

Estudando especialmente o grande tema da justificação pela fé, deparou com as mensagens apresentadas na histórica assembléia de

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Introdução 260 Minneapolis.* Estas produziram um extraordinário efeito sobre seu coração, levando-o de forma compulsória a partilhar suas descobertas e convicções com o ministério e a Igreja em geral. Como resultado, importantes reuniões foram celebradas, as quais produziram na Igreja uma transformadora experiência, um reavivamento da verdadeira piedade.

O precioso material apresentado nestas reuniões foi posteriormente publicado em forma de livro, sob o título Christ Our Righteousness (Cristo Nossa Justiça). Esta valiosa publicação exerceu influência profunda sobre os obreiros, que em suas páginas encontraram a fórmula para a triunfante proclamação do evangelho sob o poder do Espírito Santo.

Mais tarde, em 1934, ocupou-se em escrever um segundo livro sobre o Espírito de Profecia e sua influência sobre a Igreja através dos séculos. E, enquanto ocupado na redação deste livro, sentiu-se acometido por alguns distúrbios orgânicos, que o levaram a uma série de exames médicos. No dia 27 de janeiro de 1935, com admirável serenidade e sem qualquer demonstração de temor, recebeu uma infausta notícia, declarando-o vítima de uma enfermidade insidiosa e maligna.

Sabendo que lhe restava pouco tempo, solicitou a assistência de um jovem ministro – L. E. Froom – para ajudá-lo a terminar seu livro, The Abiding Gift of Prophecy (O Permanente Dom de Profecia). Iniciou-se então uma dramática corrida contra o tempo. Longas e exaustivas horas foram dedicadas à redação do livro em referência. Os últimos dias que precederam sua morte ele os ocupou com a revisão final dos manuscritos. Embora atormentado por dores atrozes, completou a obra, reafirmando sua confiança no triunfo da verdade.

No dia 22 de março de 1935, seu coração parou, seus lábios silenciaram e suas mãos tornaram-se inativas. Mas, com o testemunho admirável de sua vida, o vigor de sua pregação e a influência de seus

* Ver "Assembléia de 1888", no capítulo "O Justo Viverá da Fé".

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Introdução 261 escritos, logrou avivar a chama nos altares adventistas, e inspirou a Igreja a renovar a determinação de conquistar o mundo para Cristo.

GUILERME A. SPICER

Era uma manhã ensolarada. O grande tabernáculo de Battle Creek regurgitava de fiéis. A Escola Sabatina, com suas classes, havia terminado. Os adoradores agora, em silêncio, uns meditando, outros orando, aguardavam expectantes o início do culto divino. Entre eles estava Guilherme,* um menino vivaz, que em Sua providência Deus haveria de moldar para a realização de uma obra inolvidável no seio da Igreja.

Subitamente, o reverente silêncio que permeava o recinto foi quebrado. Uma voz melodiosa e penetrante repercutia por toda a extensão do santuário, anunciando o início do culto divino. Era o Pastor White que, segundo seu costume, caminhava pelo corredor central, seguido por outros pastores e diáconos, cantando com o seu característico fervor:

O dia eu não sei, do regresso do Esposo, Porém os Sinais, vêm encher-me de gozo; Pois presto virá, este evento faustoso, Mas o dia, não sei!

* Guilherme é o correspondente a William, em português

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Introdução 262 Andando de forma solene, marcando sobre a Bíblia o compasso

rítmico da melodia, repetia com a sua voz musical: Cristo vem, vigiemos, oremos, Ele vem. Aleluia! Aleluia! Sobre nuvens virá, Com os anjos da glória, Mas o dia. não sei!

Contemplar o Pastor White com a sua barba grisalha, terno escuro, coxeando levemente, cantando um dos seus hinos favoritos enquanto caminhava em direção ao púlpito, era uma experiência inolvidável para a congregação e o menino Guilherme.

Vivendo em Battle Creek, epicentro das crises e triunfos do adventismo, Guilherme acompanhou desde os seus mais tenros anos, ora como testemunha, ora como personagem, um longo e fascinante capítulo de nossa história denominacional.

Guilherme nasceu no dia 19 de dezembro de 1865, oito meses após o brutal assassinato de Abraão Lincoln, presidente dos Estados Unidos. Seus pais, membros da Igreja Batista do Sétimo Dia, eram conhecidos por sua piedade e profundas convicções no tocante à instituição do sábado e sua santidade.

Situando-o dentro dos marcos de nossa história, destacamos a ocorrência de seu nascimento cinco anos após a escolha do nome Adventista do Sétimo Dia, com o qual nos identificamos como Igreja, e dois anos depois da organização da Associação Geral como entidade religiosa. Poucos meses após haver celebrado seu oitavo aniversário, embarcou o primeiro missionário adventista, J. N. Andrews, levando do Novo ao Velho Continente a mensagem do "evangelho eterno".

Spicer ufanava-se de haver acompanhado passo a passo, ao longo dos seus oitenta e sete anos de existência, o exuberante crescimento da Igreja. Quando nasceu, os adventistas podiam congregar-se todos dentro de um auditório de tamanho médio. Quando morreu, em 1952, a igreja contava em suas estatísticas com mais de três quartos de milhão de fiéis dispersos por todos os quadrantes da Terra.

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Introdução 263 Foi o caçula da sua família. Sua mãe destacou-se como uma das

primeiras mulheres a graduar-se em uma Universidade, numa época em que as mulheres eram restringidas em seus direitos por obter uma educação superior.

Após haver assistido, noite após noite, a uma série de conferências conduzida em uma tenda, a família Spicer aceitou a tríplice mensagem angélica. Estando ainda nos primeiros anos da adolescência, Guilherme também decidiu unir-se à Igreja Adventista. A leitura atenta de O Grande Conflito dissipou suas dúvidas e o levou contrito à experiência batismal.

Aos dezesseis anos, enquanto estudava no colégio adventista de Battle Creek, vivendo a rotina das atividades estudantis, seu pai sofreu um fulminante derrame cerebral. Seu irmão mais velho, Hale Julien, professor de grego e latim, por razões de saúde interrompeu suas atividades regulares para se submeter a um tratamento médico intensivo. Coube a Guilherme, como alternativa, abandonar os estudos e trabalhar a fim de obter os recursos indispensáveis para ajudar a família a enfrentar os contratempos gerados pela morte e enfermidade.

Começou trabalhando no Sanatório, como ajudante de escritório. Entretanto, seu afã por progredir inspirou-o a assistir a algumas classes noturnas de mecanografia. Havendo alcançado um apreciável grau de proficiência, tanto como datilógrafo como taquígrafo, foi convidado pelo Dr. Kellogg para servi-lo como um dos seus secretários particulares.

Um dia, enquanto caminhava despreocupado por um dos corredores do Sanatório, sentiu-se subitamente cativado pelos encantos de uma jovem chamada Geórgia Halper, que também trabalhava na mesma instituição. À medida que o afeto que os atraía se intensificava, crescia também a convicção de que deviam casar-se. Entretanto, alguns líderes representantes da "velha guarda", vislumbrando o iminente fim de todas as coisas, desaconselharam o casamento.

Com um enorme sentimento de frustração, aceitaram os conselhos dados por respeitados dirigentes da Igreja, e interromperam o idílio que por um curto período de tempo os envolveu num róseo manto de sonho,

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Introdução 264 amor e poesia. Geórgia embarcou para Washington D.C., onde iniciou sua experiência como instrutora bíblica e, pouco mais tarde, em 1887, Guilherme seguiu para a Inglaterra, a fim de servir como secretário do Pastor S. N. Haskell e, ao mesmo tempo, colaborar com os editores da revista Present Truth (Verdade Presente), em sua preparação, publicação e distribuição.

Geórgia evidentemente carecia de vocação para o trabalho de instrutora bíblica. Descrevendo, anos mais tarde, sua pobre contribuição neste ramo da obra, recordava os dias quando desejava ardentemente que a chuva caísse abundante, desobrigando-a do dever de sair em busca das almas dispostas a receber estudos bíblicos. Jamais alcançou o triunfo sobre a timidez e por isso não se sentia realizada em seu trabalho em favor dos perdidos.

Embora separados pelas águas do Atlântico, estas foram insuficientes para extinguir a chama de um amor que os atraía de modo irreversível. Um dia, Geórgia enviou um pedido de uma Bíblia impressa em Londres. Guilherme identificou a letra, comprou o exemplar solicitado e um marca-página, onde escreveu: "Que o doador desta Bíblia e a pessoa que há de recebê-la, possam um dia se encontrar no Céu." Ao receber a Bíblia e a mensagem não assinada, escrita no marca-página, ela também reconheceu a letra e as chamas do amor se avivaram intensamente.

De alguma forma, olvidando ou ignorando o conselho de não se unirem em casamento porque a vinda do Senhor estava próxima, Geórgia recebeu um dinheiro enviado por Guilherme para a viagem à Inglaterra, e no dia 17 de abril de 1890, uniram-se nos laços de uma sagrada e feliz união, que se alongou através de sessenta e dois anos de feliz convivência conjugal.

Depois de curto período na Inglaterra, regressaram a Battle Creek, trazendo como grata recordação um precioso bebê, o filho primogênito. Spicer assumiu então a secretaria da Comissão Missionária Internacional. No exercício destas funções, no dia 14 de outubro de 1893, foi ordenado ao ministério.

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Introdução 265 No ano seguinte a família retornou a Londres, onde Spicer tomou a

responsabilidade editorial da revista Present Truth. Com o seu estilo ameno, direto e destituído de ornamentos lingüísticos, conseguiu ampliar o número de leitores, alcançando tiragens muito além das expectativas mais otimistas.

Depois de quatro anos de exaustivos labores, escrevendo constantemente, entre o cheiro de tinta e o ruído cadenciado dos linotipos, recebeu dois chamados para servir ao Senhor no campo missionário, um procedente da África e o outro da Índia.

Especialista em missiologia, conhecia bem os grandes desafios existentes na Índia, um subcontinente habitado por enormes massas humanas entorpecidas pela filosofia do paganismo, vítimas desventuradas da inanição física e espiritual.

Mas, deixaria Spicer as atrações e encantos de Londres para sofrer as angústias, incertezas e insalubridade dos campos missionários?

Um jovem apresentou-se certa vez pedindo uma oportunidade para trabalhar como missionário em algum lugar no mundo pagão. Fizeram-lhe então diversas perguntas:

– Já considerou que terá que deixar sua família e amigos para viver entre estranhos?

– Sim, considerei – respondeu o jovem. – Já pensou o que significa sair de sua terra natal com todos os

privilégios para tornar-se um estrangeiro? – tornaram a inquirir-lhe. – Considerei tudo. – Já anteviu a possibilidade de ter a saúde minada por terríveis

enfermidades tropicais? – indagaram ainda. – Sim, e se tivesse mil vidas, eu as daria todas ao meu Salvador.

Mas, senhores, não me interroguem mais, enviem-me! Deus nos dirige uma só pergunta: "A quem enviarei, e quem há de

ir por nós?'' Sem rodeios, Spicer respondeu: ''Eis-me aqui, envia-me a mim.''49

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Introdução 266 Nas páginas da Review and Herald encontramos a reprodução da

seguinte carta postada por ele em Calcutá, Índia. "No dia 18 de fevereiro de 1898, minha família e eu embarcamos em

Londres e chegamos a Calcutá depois de trinta e três dias de viagem. Sentimo-nos agradecidos por haver chegado a estas praias e por poder saudar os irmãos e irmãs aqui. Sinto grande interesse pelas coisas relacionadas com o progresso da obra nesta cidade. O trabalho está apenas no começo e este ainda é o dia das coisas pequemos na Índia....

"Minha esposa e eu não desejávamos vir à Índia sem a certeza de que o Senhor nos chamava para trabalhar neste lugar; a princípio escolhemos permanecer em Londres. ... Mas pesava sobre nós o desafio de virmos à Índia, e nos sentimos felizes por estarmos aqui."50

Dois anos após sua chegada ao novo campo, Spicer testemunhou deprimido o alto custo da penetração missionária. D. R. Robinson e F. W. Brown, fiéis missionários, sucumbiram atacados pela varíola. Com o coração quebrantado pela tristeza, tomou as providências indispensáveis para o sepultamento dos dois mártires que tombaram no exercício do dever como soldados da cruz. Outras tumbas se abririam mais tarde para acolher os restos mortais de outros heróis a serviço da causa adventista. Sobre este trágico acontecimento, escreveu:

"Sepultamos os irmãos Robinson e Brown sob uma árvore em um campo que eles mesmos araram, tendo em vista uma semeadura posterior. 'Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só. 'Sabemos que aqui estamos plantando sementes que o Senhor em Sua bondade fará frutificar. ... Os obreiros aqui são tão necessários, que nos parece estranho, do ponto de vista humano, entender por que o Senhor nos privou de Sua assistência. Não obstante, nos alegramos no Senhor... e aguardamos ver a Sua glória aqui na Índia."51

Spicer assistiu em 1901 à assembléia da Associação Geral celebrada em Battle Creek. Em um discurso dramático, repetindo as palavras inspiradas, "alonga as tuas cordas e firma bem as tuas estacas'', ressaltou a imperiosa necessidade de ampliação e consolidação do programa missionário em outras terras. A comissão de nomeações indicou-o para assumir outra vez a secretaria da Comissão Missionária Internacional.

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Introdução 267 Spicer enviou à família um telegrama comunicando a necessidade

de regressarem à América, pois havia sido "detido temporariamente". Pretendia com estas duas palavras que sua permanência em Battle Creek haveria de ser curta, podendo depois regressar à Índia.

Em suas novas funções, viu-se envolvido nas grandes crises que, em sucessão, durante a primeira década deste século encapelaram as águas sobre as quais singrava a "embarcação de Sião".

Sua familiaridade com o pensamento filosófico hindu permitiu-lhe dialogar inteligentemente com o Dr. Kellogg, seu ex-chefe, sobre a falácia do panteísmo e a inconsistência dos argumentos vertidos em seu livro The Living Temple. ** Na manhã do dia 18 de fevereiro de 1902, quando se dirigia à estação ferroviária de Battle Creek para iniciar uma viagem, passando em frente do Sanatório viu algumas línguas de fogo e uma cortina de fumaça que se projetavam de uma das janelas, e percebeu que um incêndio se havia iniciado. Regressou apressadamente a sua casa, situada nas cercanias do hospital, e tomou todas as providências cabíveis, a fim de limitar a extensão do desastre.

Onze meses mais tarde, do vagão de um trem que o levava para atender um compromisso administrativo, viu perplexo e contrafeito as labaredas de um outro incêndio que transformou a casa publicadora "Review and Herald" em escombros e cinzas.

Em 1922, foi eleito presidente da Associação Geral. Um diário sensacionalista, publicado em São Francisco, Califórnia, sob o título "Adventistas Escolhem Líder em Áspero Debate", descreveu de forma deturpada a eleição do novo presidente, dizendo:

"Depois de uma controvérsia que sacudiu os fundamentos da Associação Mundial dos Adventistas do Sétimo Dia e ameaçou fragmentar o movimento, um compromisso foi ontem efetivado entre os dois principais líderes, resultando na unânime aceitação da sugestão da Comissão de Nomeações que indicou o nome de Guilherme A. Spicer como presidente, e

** Ver "A Crise Panteísta" no capítulo "As Portas do Inferno Não Prevalecerão".

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Introdução 268 a destituição de Artur G. Daniells da presidência, para assumir o cargo de secretário, posto ocupado por Spicer durante vinte e dois anos. ''52

A nota periodística era evidentemente incorreta. Ignorando os mecanismos que orientam as eleições na Igreja, o jornalista se equivocou na interpretação do processo que resultou na eleição de Spicer.

Daniells havia estado à frente da Igreja durante mais de duas décadas. Convocado para substituí-lo, Spicer mostrou-se relutante e indeciso. Não se sentiu qualificado para a obra que o aguardava. Finalmente, após um período de vacilações, aceitou a responsabilidade, confiando que Deus haveria de sustentar-lhe as mãos trementes.

Dirigindo-se aos delegados reunidos na manhã de 24 de maio, assim se expressou:

"Creio que a indicação de meu nome para presidir a Associação Geral constitui a evidência de que chegamos a um tempo quando nosso trabalho se tornou tão grande que não mais necessitamos no centro um grande administrador. ...

"Penso ser oportuno desviarmos algumas vezes os nossos olhos dos homens. O Senhor escolhe as coisas débeis deste mundo, para que os homens entendam que todo o poder neste trabalho depende de nossa relação com Ele.''53

Spicer foi eleito numa época em que o mundo, exausto e empobrecido, erguia-se da tragédia da guerra, celebrando o amanhecer de um novo período de paz e prosperidade. Os Estados Unidos viviam a descontraída "era do jazz" com suas grandes e fantásticas especulações financeiras. Mas as esperanças que marcaram o início da década apagaram-se com o desastre econômico que, em 1929, abalou os alicerces da estrutura financeira internacional.

Ao terminar seu primeiro mandato (1926), celebrando os retumbantes triunfos alcançados pela Igreja, cantou com os milhares de delegados e irmãos reunidos em Milwaukee, Wisconsin, seu hino predileto:

Eles chegam do norte e sul; Do oeste e leste vêm. À mesa eles vão sentar com Jesus; Morar com o Pai no além. Contemplam a Jesus enfim, coberto de glória e luz,

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Introdução 269 Jubilosos cantam lá, a vitória da cruz.

Era um quadro emocionante ver tantos fiéis procedentes de todas as latitudes, representando dezenas de nacionalidades, culturas, idiomas e grupos étnicos, reunidos para comemorar os triunfos do evangelismo.

Reeleito nesta assembléia, ele conduziu os destinos da Igreja durante mais quatro anos. Concluindo seu segundo mandato, dirigindo-se aos delegados, declarou com irradiante alegria:

"Jamais vimos algo semelhante. Os últimos quatro anos, no que diz respeito à conquista de almas, foram os melhores de nossa história. . .

"O último foi o melhor de todos. Em números, batizamos o equivalente à formação de uma nova igreja de mais de oitenta membros cada dia do ano."54

Apesar de suas múltiplas e estafantes atividades, sempre encontrou tempo para escrever. De sua pena fluíram mais de 2.500 artigos e sete livros, nos quais destilou sua contagiante confiança no triunfo da verdade. Sua frase favorita, referindo-se ao movimento adventista, era: "As ondas podem desfazer-se, mas a maré certamente prevalecerá."

Foi um homem conhecido por seus hábitos simples e austeros. Uma vez, quando censurado por viajar em terceira classe, escusou-se dizendo: "Desculpem-me, eu não sabia que havia uma quarta." Amava a paz e evitava sempre que possível a controvérsia sobre assuntos doutrinários e administrativos. Não era, entretanto, uma alma tímida ou irresoluta. Com freqüência agigantava-se na defesa de um princípio ameaçado. Foi uma das maiores figuras que esta Igreja jamais produziu. Visitando as igrejas, dava à mensagem um novo ímpeto, aos ministros uma nova inspiração e a todos a certeza do triunfo da esperança adventista.

Convidado para pregar na manhã de sábado no Concílio Anual da Associação Geral, celebrado em 1949, apresentou uma de suas características mensagens de confiança em Deus e no triunfo do movimento adventista. Sobre seus ombros cansados pesavam então oitenta e quatro janeiros. E enquanto pregava, confundiu-se com as luzes artificiais que iluminavam o recinto. Olhou o relógio e se assustou pensando que havia se alongado demasiado em suas considerações, e que

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Introdução 270 já era quase meia-noite. A congregação entendeu respeitosamente a confusão momentânea vivida pelo encanecido líder.

No dia 17 de outubro de 1952, poucos dias antes de completar oitenta e sete anos de vida, vítima de uma embolia que atingiu seu coração, Spicer descansou em Cristo. E a Igreja cobriu-se de crepe, pranteando a morte de seu bem-amado líder, um homem que por preceito e exemplo personificou a "bem-aventurada esperança".

CARLOS H. WATSON

Em uma clareira aberta em meio a uma plantação de gigantescos e frondosos eucaliptos, nas cercanias de Yambuk, pequena vila a uns 350 quilômetros de Melbourne, Austrália, erguia-se uma casa de madeira pequena e humilde. Ali, no dia 8 de outubro de 1877, nasceu Carlos, um dos doze filhos do casal Henry Watson. Em Seus insondáveis desígnios, Deus haveria de usá-lo para conduzir o movimento adventista em um dos mais atribulados períodos de sua história.

Aos vinte e cinco anos de idade Carlos aceitou a mensagem adventista. Antes dele, outros membros de sua família se uniram à Igreja, mediante o batismo. Ele, entretanto, se opunha com obstinado vigor à proclamação adventista. Porém, em certa ocasião, enquanto assistia ao cerimonial fúnebre de sua irmã Adelina, ouviu uma mensagem proferida pelo Pastor W. A. Henning, que lhe produziu no coração uma impressão

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Introdução 271 indelével. Como resultado, a intransigente oposição foi substituída por uma disposição mais afável e receptiva. Pouco depois ele e sua esposa aceitaram a mensagem adventista.

Posteriormente assistiu a uma reunião campal celebrada em Royal Park, Melbourne. Ao ouvir a pregação do Pastor Roberto Hare, sentiu nascer no coração a chama de um grande ideal – dedicar a vida a Deus e à Sua causa.

Era então um hábil homem de negócios. Cônscio, porém, de que os que militam a boa milícia não se embaraçam com "os negócios desta vida'', resolveu ''queimar as pontes e destruir os barcos'', tendo em vista não mais voltar a se ocupar em suas atividades comerciais. Dirigiu-se ao Colégio Adventista de Avondale, onde recebeu o preparo indispensável para realizar a obra que a Providência lhe havia reservado.

Após graduar-se, em 1909, iniciou as atividades pastorais em Maitland, Nova Gales do Sul, onde demonstrou as evidências inequívocas de seu chamado. Em 1912, pouco depois de sua ordenação ao ministério, foi eleito presidente da Associação de Queensland. Três anos mais tarde foi escolhido para dirigir a União Australasiana.

Em 1922, na assembléia da Associação Geral celebrada em São Francisco, Califórnia, viu seu nome aclamado para assumir a vice-presidência da Associação Geral, e oito anos mais tarde, em 1930, foi eleito para substituir o Pastor Spicer na condução dos destinos da igreja mundial.

Apoiando-o em sucessivas e ascendentes eleições, a Igreja reafirmava sua confiança em suas qualificações administrativas e habilidade executiva.

Sua eleição como presidente da Associação Geral ocorreu em um momento de grande perplexidade internacional. No ano anterior, em 1929, se consumou em Nova Iorque a quebra da bolsa de valores, atirando os Estados Unidos e os cinco continentes nos anos turvos de desapontamentos e amargura, de desemprego e miséria, de esperanças frustradas e brutais reações. O desastre econômico iniciado nos Estados

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Introdução 272 Unidos abalou os alicerces das finanças de todos os países. Desencadeou por toda a parte falências em cadeias de monopólios comerciais e empresas bancárias. O desemprego chegou a índices sem precedentes. Ocorriam por toda a parte greves, agitações de rua, passeatas de fome, ocupação e depredação de fábricas, filas para pão, desamparo, descrença e fermentação revolucionária. Em cada indivíduo atingido pela depressão econômica, em cada família, em cada fábrica, em cada banco, um sentimento dominava em forma soberana: o medo. Em um esforço por restaurar a confiança de seus concidadãos no futuro nacional, Franklin D. Roosevelt assim se expressou: "Nada temos a temer senão o próprio medo."

A Igreja também foi sacudida pelo vendaval do desastre econômico. Watson, entretanto, com sua genial percepção financeira, reunia as condições imprescindíveis para conduzir este movimento sobre as areias movediças da incerteza econômica. Era o homem certo para a ocasião certa.

Ao assumir a presidência, sua primeira tarefa foi analisar as disponibilidades financeiras, e com base nos recursos acessíveis, definir suas prioridades administrativas. Com serenidade ouvia seus conselheiros na área financeira, mas depois de longas e tediosas exposições técnicas, com a habilidade que lhe era própria, sintetizava os problemas em forma objetiva, e indicava o caminho a seguir. "A organização não buscará empréstimos bancários para enfrentar a emergência" – declarava enfático – "mas terá que reduzir drasticamente os seus gastos operacionais." Medidas austeras foram então postas em execução, tendo em vista aliviar a crise. O quadro de obreiros foi reduzido em quase cinqüenta por cento. Os demais obreiros que permaneceram nas folhas de pagamento da Organização admitiram uma dedução de trinta por cento em seus salários. Inúmeras medidas radicais e impopulares se fizeram necessárias, uma vez que a Igreja havia sofrido uma redução de aproximadamente cinqüenta e quatro milhões de dólares em sua receita, durante o período agudo da recessão.

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Introdução 273 Mas, as angustias econômicas que marcaram aqueles anos não

foram suficientes para limitar os triunfos do movimento adventista. Durante sua gestão administrativa, a Igreja recebeu "noventa mil novos membros, organizou quarenta e oito novas missões, edificou aproximadamente mil templos novos, e inaugurou uma obra de penetração em cento e oitenta e quatro novos países e ilhas, usando cento e vinte e duas novas línguas e dialetos".55

Quando analisamos as características pessoais de Watson, e entendemos a extensão da crise econômica que sacudiu a estrutura financeira mundial durante sua gestão administrativa, concluímos seguros de que ''o Senhor não deixa o navio (Sua Igreja) um momento sequer nas mãos de pilotos incapazes".57

Em 1936, após seis anos de liderança, regressou ao país natal. Como fiel mordomo, havia cumprido seu dever. Retornou, entretanto, levando em seu corpo exaurido, as conseqüências inevitáveis dos excessos de uma obra cumprida com zelo e fervor.

Dois anos mais tarde, quando já refeito das lutas e embates da liderança em Washington, voltou a ocupar posições administrativas na Austrália. Foi eleito presidente da União Australasiana e, posteriormente, presidente da Divisão, cargo que exerceu com brilho e dedicação até 1944, quando então se aposentou.

Foi um líder de convicções firmes e definidas. Seu entranhável amor pela causa adventista inspirou-o a formular um rígido programa administrativo, tendo em vista a consolidação financeira da Igreja e a extensão de seu programa missionário. Embora dotado de incomum habilidade empresarial, jamais descuidou a importância do crescimento espiritual. Para ele o progresso econômico deveria ser sempre dimensionado por um crescimento espiritual equivalente.

Em sua administração na Austrália, mostrou-se especialmente interessado na consolidação e desenvolvimento da fábrica de produtos alimentícios. Graças à sua visão, possuímos hoje na Austrália e Nova Zelândia, uma poderosa organização industrial, gerando oportunidades

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Introdução 274 de trabalho para centenas de adventistas e produzindo lucros generosos, destinados ao vitorioso programa missionário nas ilhas do Pacífico.

Era um líder conhecido por um sadio senso de humor. Em certa ocasião usou com grande habilidade a publicidade então mui conhecida dos caramelos de marca MINTIES. A publicidade deste produto parecia saturar todos os meios de comunicação. Viam-se nos diários e até mesmo nos transportes coletivos, a figura de um indivíduo vivendo um momento de angústia e perplexidade. Acompanhando o quadro, lia-se a seguinte legenda: "Em momentos como este, você necessita de MINTIES.'' Esta publicidade lhe veio à mente em uma ocasião, quando dirigia uma reunião administrativa da Divisão Australasiana.

Um membro da comissão, conhecido por seu espírito inflamado e natureza arrebatada, expressava-se com grande veemência, criticando a atuação do diretor do departamento de Deveres Cívicos. O obreiro criticado, extremamente ofendido e, inflamado por uma descarga de adrenalina em sua corrente sangüínea, preparava-se para refutar o acusador. O ambiente estava carregado de tensões. Watson sentiu a seriedade do debate e, levantando-se, introduziu a mão em seu bolso, de onde tirou uma pequena caixa contendo caramelos MINTIES e, dirigindo-se amistosamente ao obreiro, ofendido, lhe ofereceu dizendo: "Em momentos como este, você necessita de MINTIES." Os membros da comissão explodiram em ruidosa gargalhada. Tanto o acusador como o acusado uniram-se no riso inesperado. Um espírito amistoso e calmo voltou a permear a discussão.58

Watson era respeitado por uma singular combinação de talentos e virtudes. Como eloqüente pregador, conduziu muitas almas á Cruz. Como vigoroso líder espiritual, estabeleceu novos padrões de liderança cristã. Com excepcional memória para guardar rostos e nomes, granjeou o respeito e a admiração de seus coobreiros e da Igreja em geral.

Guilherme Booth, o fundador do Exército de Salvação, em uma audiência histórica com o rei Eduardo, da Inglaterra, fez uma declaração lapidar:

A paixão de alguns é a arte, A paixão de outros é a fama;

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Introdução 275 Uns ambicionam riquezas, Minha ambição são as almas.

O ministério de Watson se caracterizou também por uma consumidora paixão pelas almas. Ouvindo acerca dos grandes triunfos do evangelismo nas Filipinas, decidiu visitar algumas de suas ilhas, onde, durante várias semanas, acompanhou a obra dinâmica realizada por vários evangelistas, secundados por irmãos fiéis e dedicados.

Deteve-se em sua visita em uma pequena cidade, onde um pregador filipino planejava dirigir uma cruzada de evangelismo, mas não conseguiu um lugar para erguer sua tenda. Todas as possibilidades de alugar um terreno lhe foram negadas. Decidiu então conduzir seu programa de evangelização em uma pequena igreja com capacidade para umas cem pessoas. O frágil piso de madeira do templo se erguia a uns 80 centímetros do chão. As paredes eram de bambu e o teto de palha. Uma noite, Watson pregou a um público que perigosamente excedia os limites do humilde santuário. E, enquanto pregava com seu característico fervor sobre a segunda vinda de Cristo, o excesso de peso produziu um colapso. Uma das paredes de bambu ruiu e muitos caíram no chão. Quando cessou o pânico, descobriram com alegria que ninguém se havia ferido e a reunião continuou.

No dia seguinte Watson interrogou o pregador filipino: – Que faremos para dar continuidade ao trabalho? – Desejaria encontrar um terreno baldio disponível para levantar a

minha tenda – respondeu o jovem evangelista. – Mas, os vários proprietários deste lugar se recusam a alugar o terreno para fins religiosos.

Os dois caminhavam ao longo de uma estrada poeirenta, enquanto conversavam sobre o assunto. Em um dado momento Watson sugeriu que entrassem em um bosque para a sós, apresentar o problema ao Senhor. Ajoelharam-se, oraram sobre o assunto e no dia seguinte conseguiram um excelente lugar para erguer a tenda e conduzir uma frutífera campanha evangelística.

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Introdução 276 Com efeito, Watson era um homem de fé, que confiava de forma

ilimitada nos recursos infinitos da oração. Foi um líder de convicção. Amou a Deus com um coração indiviso e empregou suas melhores energias na edificação de Sua causa na Terra.

Em 1962, no mês de dezembro, um dia antes das celebrações natalinas, no Sanatório de Sydney, Austrália, descansou sereno, com a consciência do dever cumprido.

"Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham."59

J. L. MCELHANY

Na assembléia da Associação Geral celebrada em São Francisco, Califórnia, em 1936, os delegados procedentes de todos os quadrantes, após a aprovação de um voto de reconhecimento pela obra administrativa realizada por Watson, elegeram a J. Lamar McElhany para dirigir o leme da embarcação adventista. A depressão econômica estava então em declínio, suscitando no mundo financeiro moderadas expectativas. Nuvens densas, entretanto, cobriam o céu das esperanças humanas, prenunciando dias tormentosos para o mundo e para a Igreja. Inspirando-se em sentimentos revanchistas e idéias anti-semíticas, despontava na Europa um nacionalismo exacerbado, respirando ódio e vingança.

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Introdução 277 Ignorando os acordos de Locarno, Hitler anexou a Romênia ao seu

país. Naquele mesmo ano, 1936, eclodia a guerra civil espanhola, convertendo a nação em um cruento laboratório onde se experimentaram novas armas e modernas técnicas de destruição. As tropas de Mussolini, em seus ambiciosos sonhos de expansão territorial, tomaram a capital da Abissínia (ou Etiópia), Adis-Abeba, e proclamaram o Império Italiano.

Estes três sucessos bélicos somados a outros fatores, serviram mais tarde como elementos detonantes do grande conflito armado que, com todo seu horror, haveria de se abater sobre o mundo.

Com efeito, McElhany iniciou seu mandato sob o signo da guerra, e durante quatorze anos (foi reeleito duas vezes) ocupou-se continuamente com os problemas gerados pelos conflitos armados, e suas implicações sobre a Igreja e seu programa missionário.

Alguns dos grandes desafios que enfrentou em sua liderança estavam relacionados com a guerra: a proteção dos missionários nas áreas atingidas pela turbulência bélica, os esforços por lograr a liberação dos que estavam confinados em campos de concentração, a provisão de fundos para as situações de emergência, e um programa de assistência aos refugiados de guerra.

Porém, antes de continuamos discorrendo sobre sua obra administrativa, cremos oportuno descrever algo sobre suas origens e a maneira como Deus o preparou para a liderança de Sua Igreja.

Seu pai, em 1854, então um jovem de quatorze anos, à semelhança de muitos outros, emigrou para a Califórnia, animado pela esperança de encontrar no eldorado do Pacífico uma perspectiva mais luminosa para sua vida. Lá conheceu Mary Ford, uma jovem nativa do Estado de Missouri que também se mudara para a Califórnia fascinada pelas promessas do Oeste. Atraídos por uma afeição recíproca, casaram-se e se estabeleceram em uma área conhecida pela fertilidade de suas terras, no vale de Santa Clara. Ali, no dia 3 de janeiro de 1880, nasceu J. Lamar McElhany.

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Introdução 278 Pouco depois, alcançada pelo poder da mensagem do terceiro anjo,

a família McElhany decidiu mudar-se para Healdsburg, um grande centro adventista, situado a uns quatrocentos quilômetros ao norte do Estado, a fim de dar aos filhos os benefícios de uma educação cristã.

Um dia, enquanto estudavam as profecias do Apocalipse, o jovem Lamar e seus colegas de classe sentiram-se envolvidos no calor de uma inflamada polêmica sobre os 144.000 e sua exegese. Estimulados por um espírito especulativo, interrogavam entre si: "Quem são os que hão de integrar este grupo?" A ausência de uma resposta convincente levou-os à conclusão de que unicamente a Sra. White poderia ajudá-los na interpretação deste tema. Depois de haver estado na Austrália durante nove anos, ela havia regressado, estabelecendo como residência um aprazível lugar situado a uns sessenta quilômetros de Healdsburg.

McElhany, então um jovem de vinte e um anos, diante dos colegas de classe, tomou a decisão de visitá-la, animado pela esperança de trazer uma resposta clara e indiscutível sobre o assunto em questão.

Em uma determinada manhã, quando ainda era escuro, ele e um colega de estudos prepararam um lanche frugal e, após haverem encilhado dois cavalos, iniciaram uma excitante jornada em direção a Elmshaven, onde a Sra. White vivia o outono de sua existência.

Enquanto cavalgavam, sentindo no rosto a brisa suave e refrescante da madrugada, conversavam entre si sobre seus planos, sonhos e aspirações. No horizonte despontava o sol, inaugurando mais um dia com suas surpresas e expectativas.

À medida que avançavam contemplavam embevecidos as montanhas adjacentes com suas graciosas saliências cobertas com uma vegetação viçosa e luxuriante. O pensamento de que em breve haveriam de estar na presença da mensageira de Deus, enchia-os de reverente emoção.

À tarde, após cruzarem o verdejante vale de Napa, aproximaram-se, já cansados, dos contrafortes da serra de Howell, nas cercanias de Santa

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Introdução 279 Helena, onde, entre árvores sombrosas, viçosos vinhedos e encantadores jardins, vivia a serva do Senhor.

Recebidos pela Sra. White, sentiram imediatamente o cordial contágio de uma hospitalidade descontraída, sem cerimônias ou formalidades. Conduzidos ao seu escritório, viram com reverência o lugar onde, entre orações, livros, manuscritos e papéis diversos, ela escrevia seus testemunhos e cartas pessoais, e elaborava seus extensos e laboriosos manuscritos.

Depois de um momento de silenciosa reflexão, dando à voz uma inflexão especial, o jovem McElhany apresentou as razões de sua visita. Falou sobre as discussões travadas em classe em torno dos 144.000 e seu significado, e concluiu expressando o desejo de obter alguma resposta ao problema em referência.

Após ouvi-lo com a devida atenção, a Sra. White expressou-se declarando: "Nada tenho a dizer sobre este assunto."

Embora frustrado pela ausência de uma resposta ao problema que o levou a Elmshaven, aquele encontro foi em sua vida um evento inolvidável. Posteriormente, a leitura de um dos escritos da Sra. White iluminou-lhe a mente, capacitando-o a entender as razões que a levaram a não se expressar sobre o polêmico tema:

"Quando os homens" – escreveu ela – "apanham esta e aquela teoria, quando são curiosos de saber alguma coisa que não lhes é necessário saber, Deus não os está conduzindo.... Não é Sua vontade que eles se metam em discussões acerca de questões que os não ajudam espiritualmente, tais como: Que pessoas vão constituir os cento e quarenta e quatro mil?"60

Em 1901, após haver completado seu programa de estudos em Healdsburg, McElhany iniciou uma leal e afetuosa relação de serviço com a Igreja, que se estendeu através de cinqüenta e oito anos de frutífera atividade como missionário, evangelista e administrador.

No ano seguinte contraiu núpcias com Cora Belle, uma atraente enfermeira, que com desvelada dedicação o acompanhou em suas árduas batalhas por Cristo e sua Igreja.

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Introdução 280 Após seu casamento, durante quase quatro anos (1903-1906) ele se

ocupou em um vigoroso programa de evangelismo na Austrália. Sua esposa o ajudou de modo infatigável, ora cantando, ora dirigindo a música, incentivando-o muitas vezes em momentos depressivos, corrigindo seus erros gramaticais, seus gestos grotescos, seus maneirismos impróprios e sua postura inconveniente no púlpito.

Em 1906, foram chamados para trabalhar nas Filipinas. O salário que então recebiam era insuficiente para satisfazer suas necessidades básicas. Seus irmãos nos Estados Unidos, conhecendo suas penúrias econômicas, enviavam pelo correio caixas contendo nozes e frutas secas. Um dia os olhos castanhos de Cora brilharam intensamente quando descobriu que uma das caixas estava forrada com velhos exemplares da revista Signs of the Times (Sinais dos Tempos). Em sua mente cintilou uma idéia: venderia as revistas, embora fossem edições atrasadas, e empregaria o dinheiro na compra de alimentos para prover sua empobrecida despensa. Este detalhe ilustra a inquebrantável disposição de uma mulher que após haver posto a mão no arado, recusou-se olhar para atrás.

A importância da mulher na vida da Igreja foi claramente demonstrada no papel que elas desempenharam nos grandes acontecimentos que se seguiram à crucifixão. Enquanto caminhavam rumo a Emaús, um discípulo dirigindo-se a Jesus prestou-lhes um tributo, dizendo: "... algumas mulheres que conosco estavam nos surpreenderam."61 A dedicação de Cora e de centenas de outras mulheres adventistas, à semelhança das mulheres do primeiro século, nos enchem também de admiração e assombro.

Alguns anos mais tarde (1910) McElhany regressou à América, onde após um curto período de atuação como capelão em dois hospitais, ocupou sucessivamente a presidência de quatro Associações e duas Uniões, demonstrando sempre as qualificações próprias de um autêntico líder.

E. D. Dick, conhecido administrador, que com ele trabalhou durante vários anos, descreve-o dizendo:

"Possuía as qualidades de um líder inconteste, e uma devoção incondicional ao seu Mestre. Era generoso em suas opiniões, permitindo que

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Introdução 281 outros diferissem, sem rotulá-los como obstinados. Foi conservador e intrépido, e suas decisões foram sempre tomadas sem precipitações."62

Eleito vice-presidente da Associação Geral em 1926, conduziu-se com uma serenidade digna de emulação. Jamais se mostrou espetacular ou impetuoso; suas palavras e ações produziam as evidências inconfundíveis de uma vida escondida em Cristo.

Finalmente, em 1936, a assembléia da Associação Geral, celebrada em São Francisco, Califórnia, o escolheu para conduzir os destinos da Igreja, em um período da história conhecido por suas angústias econômicas e turbulência bélica. Uma decisão precipitada ou imprudente, naqueles dias, bastaria para produzir um desastre econômico com suas imprevisíveis conseqüências. McElhany, entretanto, demonstrou sempre as virtudes de um hábil timoneiro, conduzindo com serenidade a nau adventista através das águas agitadas de um encapelado mar.

McElhany, como líder, revelou a habilidade própria dos grandes cirurgiões. Muitas vezes, como dever de ofício, sentiu-se obrigado a realizar intervenções delicadas e dolorosas, tendo em vista a erradicação do orgulho, ou outros males próprios da natureza humana. A incisão de seu bisturi pastoral, entretanto, embora profunda algumas vezes, deixava com freqüência cicatrizes quase imperceptíveis.

Depois de haver conduzido durante dez anos (1936-1946) os negócios da Igreja, levando sobre os ombros o peso esmagador dos grandes problemas gerados pela Segunda Guerra Mundial, com expressões de gozo e gratidão ao Senhor, apresentou em 1946, aos delegados reunidos em assembléia geral, os consagradores triunfos do evangelismo.

Reeleito pela segunda vez, chorou convulsivamente, afligido com a magnitude dos desafios que o aguardavam. Mas, com espantosa capacidade prática e admirável gênio administrativo, logrou novas e alentadoras vitórias nos ásperos combates contra o poder das trevas.

A ele se aplicam apropriadamente as palavras com as quais a Sra. White descreve a obra de liderança conduzida por Moisés:

"A grande obra que lhe era confiada, desejava fazê-la com o maior êxito possível, e pôs sua confiança toda no poder divino. Sentiu sua

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Introdução 282 necessidade de auxílio, pediu-o, adquiriu-o pela fé e saiu na certeza de manter a força."63

No dia 25 de junho de 1959, após haver completado setenta e nove anos de idade, alquebrado sob o peso dos anos, sentindo que a chama bruxuleante da vida se apagava, sereno, reclinou a fronte cansada e dormiu no Senhor.

A infausta notícia de sua morte alcançou o editor da Review and Herald, Pastor F. D. Nichol, cumprindo um longo itinerário na Europa. Com o coração quebrantado pela tristeza, ele escreveu:

"São transcorridos já oito meses desde que o visitei pela última vez. Sempre que viajava à Califórnia tomava algum tempo para visitá-lo. Concluímos nosso último encontro dirigindo-nos a Deus em oração. Naquela oportunidade senti de maneira vívida a presença divina em nosso coração. Quando levantamos, ele enxugou algumas lágrimas e, dirigindo-se a mim, disse: 'Irmão Nichol, eu o amo.' Depois disto nos separamos. Desde então, tenho com freqüência refletido sobre aqueles preciosos momentos, quando o Céu me pareceu tão real. Guardarei sempre na memória a doce lembrança daquela ocasião quando um grande homem de Deus de forma simples e espontânea, se expressou dizendo: 'Eu o amo.' Seu amor foi sem dúvida genuíno. Conceda-nos Deus mais homens como ele." 64

McElhany foi sem dúvida um homem de elevado ideal em um elevado cargo. Em sua liderança mostrou ser o homem certo em um momento difícil de nossa história.

GUILHERME H. BRANSON

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Introdução 283 O dia da abertura da quadragésima sétima assembléia da

Associação Geral, celebrada em 1950, na cidade de São Francisco, Califórnia, se caracterizou por alguns acontecimentos memoráveis. Dirigindo-se aos delegados procedentes de muitas nações, o governador da Califórnia, Earl Warren, exprimiu com eloqüência sua profunda apreciação pelos adventistas e sua obra mundial. Entre os que ocupavam a plataforma estavam obreiros dos mais distantes lugares da Terra, líderes de experiência, que haviam passado por imensas tribulações, homens que conduziram a Igreja através de difíceis e probantes experiências, mas que se mostraram fiéis ao depósito que lhes foi confiado.

Figurava entre eles o Pastor J. L. McElhany, então em processo de recuperação de uma séria enfermidade que o havia acometido.

O relatório do presidente foi uma inspiradora e histórica exposição de bênçãos e desafios. E tornou-o duplamente significativo o fato de o Pastor McElhany não o ter podido apresentar, embora se encontrasse presente. O diretor da Faculdade de Medicina de Loma Linda anunciou antes da leitura do relatório, que foi com relutância que McElhany, convalescendo de uma grave enfermidade, aceitou o conselho dos médicos, não se arriscando à tensão emocional de apresentar pessoalmente seu relatório. Esta tarefa recaiu sobre seu secretário, A. W. Cormack.

Terminada a leitura, McElhany ergueu-se solene e, diante dos milhares de adventistas reunidos, anunciou sua decisão de não mais continuar na presidência. As responsabilidades administrativas haviam sido demasiado pesadas e, agora, alquebrado fisicamente, pediu a liberação do ônus, pressões e encargos próprios da administração.

Em um ambiente triunfalista, carregado de confiança em Deus e Suas eternas providências no cuidado da Sua Igreja, os delegados aprovaram o nome de Guilherme* H. Branson para ocupar a presidência da Associação Geral.

* Guilherme é o correspondente a William, em português.

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Introdução 284 Guilherme nasceu no Estado de Illinois, em uma área notória pela

pobreza de seu solo, onde o verão era conhecido como intensamente tórrido e o inverno extremamente glacial. Seu pai, embora diligente e incansável nos labores agrícolas, vivia o drama próprio das colheitas insuficientes, que o limitavam em seus anseios de conceder à família melhores e mais promissoras condições econômicas.

Quando tinha seis anos de idade, a família sentiu-se atraída por uma série de conferências dirigida por um pregador adventista, em uma igreja situada nas cercanias do lugar onde viviam. A Sra. Branson, singular combinação de piedade cristã e habilidade executiva, reunia cada noite os cinco filhos em uma carroça, e, tangendo os animais, seguia em direção à Igreja, com o propósito de receber as bênçãos do estudo da Palavra de Deus. Não tardou para que ela e os filhos aceitassem a mensagem adventista. O esposo, entretanto, mostrando-se inflexível à idéia de uma reformulação em seu pensamento religioso, declarou convicto: "A Igreja Batista Primitiva ainda é suficientemente boa para mim."

Afligido por uma bronquite asmática que se intensificava com o transcurso dos anos, o Sr. Branson decidiu mudar-se com a família para a Flórida, no sul do país, onde as condições climáticas mais favoráveis poderiam atenuar seus padecimentos físicos. A mudança, além de lhe haver produzido um efeito benéfico sobre a saúde, permitiu-lhe conceder à família uma melhor status econômico.

Desfrutando os privilégios de um clima mais cálido e a satisfação de uma situação econômica menos angustiosa, Guilherme crescia cultivando as virtudes cristãs que haveriam de adornar seu caráter e moldá-lo para a gigantesca obra de liderança denominacional.

Aos treze anos de idade dirigiu-se a Battle Creek a fim de receber em nosso colégio os benefícios de uma educação cristã. Custeou os estudos trabalhando como cozinheiro no Sanatório. Dois anos mais tarde continuou suas atividades acadêmicas no colégio adventista situado em Berrien Springs, Michigan, conhecido hoje como a Universidade Andrews, onde permaneceu durante o período de um ano.

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Introdução 285 Regressando a sua casa, encontrou fortuitamente em uma reunião

campal uma jovem que cativou seus olhos, acelerou seus batimentos cardíacos e inaugurou um encantador romance que o levou ao altar e se alongou através de trinta e um anos de venturosa experiência conjugal.

Três anos após haver contraído núpcias com a jovem Minnie, foi convidado pela Associação de Flórida para trabalhar como obreiro regular. Recebia como remuneração a soma de oito dólares semanais.

''Crê você, Minnie, que seremos capazes de sobreviver com um salário de trinta e dois dólares por mês?" – interrogou preocupado. O lar havia sido enriquecido com o advento do pequeno Ernesto, mas animava-o a certeza de que, apesar das responsabilidades adicionais, com o favor divino lograriam subsistir. Aqueles foram tempos heróicos, caracterizados pela presença de uma admirável estirpe formada por grandes homens e mulheres de pequeno salário.

Em 1910, com a idade de trinta e três anos, foi ordenado ao ministério. Aceitou, no ano seguinte, a presidência da Associação Cartolina do Sul, inaugurando então um frutífero programa administrativo, pleno de realizações. Como presidente, entretanto, jamais permitiu que os balanços financeiros, os gráficos estatísticos ou a burocracia denominacional, apagassem em seu coração a chama do fervor pela obra da evangelização.

Enquanto dirigia uma série de conferências na cidade de Johnson, Tennessee, sua pequena filha Raquel faleceu, vítima de fulminante meningite. Mais tarde, quando ocupado em outra cruzada de evangelismo em Grays Ville, também no Tennessee, seu lar foi alegrado com o advento de Luís, o quarto filho.

Em 1915, assumiu a presidência da União do Sul, sendo cinco anos mais tarde indicado para dirigir a Divisão Africana.

Durante os anos que trabalhou no "continente negro", percorreu imensas regiões sem estradas. Viajou de trem, em carroças, a cavalo e a pé, contemplando por toda a parte paisagens selvagens, habitadas por leões, leopardos, hipopótamos e elefantes. Enfrentou o perigo constante

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Introdução 286 de mosquitos transmissores de terríveis enfermidades tropicais e a hostilidade de nativos avessos à presença do homem branco.

Viu a influência ruinosa e degradante do paganismo na vida de milhões de nativos envoltos na mais densa escuridão religiosa. Inspirado no afã de iluminar a África com as luzes fulgurantes da esperança adventista, implantou por toda a parte estações missionárias que, com o decorrer dos anos se transformaram em poderosas agências evangelizadoras, conduzindo milhares de nativos ao conhecimento de Cristo.

Suas experiências em território africano, ele as resumiu em dois livros intitulados Pioneering in the Lion Country (Pioneiro no País do Leão), e Missionary Adventure in Africa (Aventura Missionária na África). Lendo-os descobrimos que para o autor, a África passou a significar aventura e sedução, mistério e fascínio, contrastes e confrontos, rivalidades tribais e uma surpreendente cacofonia de sons – o desafio de centenas de dialetos falados por seus habitantes.

Mas, acima de tudo, para o enérgico líder, a África significava seres humanos enfermos, analfabetos, angustiados e aflitos – almas preciosas pelas quais Cristo morreu.

Em 1930, depois de extraordinária obra de penetração e consolidação do trabalho em solo africano, foi eleito vice-presidente da Associação Geral. Destacou-se como construtor dinâmico e incansável. Igrejas e instituições sem conta foram erigidas em muitos lugares. Porém, mais que um construtor de edifícios, ele foi um construtor de caracteres. Por preceito e exemplo logrou moldar a vida de centenas e milhares de jovens que se dedicaram aos ideais da causa adventista.

Foi respeitado por seus contemporâneos como talentoso pregador arquiteto de idéias, pensador arguto, escritor prolífico e um líder, com convicções claras e definidas. Para cada problema encontrava sempre uma solução oportuna e providencial.

Em 1935 faleceu a Sra. Branson, após haver partilhado durante trinta e um anos as alegrias e tristezas, os triunfos e os desapontamentos

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Introdução 287 que caracterizaram a experiência ministerial do esposo. Este acontecimento doloroso repercutiu profundamente no coração do incansável líder como uma tragédia inominável.

Casou-se mais tarde com Elizabeth H. Robbins, que o acompanhou posteriormente em suas novas responsabilidades como presidente da Divisão Chinesa (1946-1950). A igreja vivia então, naquele imenso país, um período de tensão, perplexidade e incerteza. Nas montanhas inacessíveis do norte irrompeu um movimento revolucionário, desafiando a autoridade do poder central. Um ano após sua chegada à China, o governo mobilizou a nação para a luta contra a insurreição institucional.

Branson acompanhou a guerra civil com preocupação e pesar. As forças revolucionárias avançavam em todas as frentes, logrando vitórias espetaculares. Não tardou para que lograssem transpor a Grande Muralha. Estreitavam-se gradualmente as fronteiras para o programa de evangelização adventista.

Em 1949 os exércitos revolucionários alcançaram os limites do Vietnã, conquistando em sua marcha triunfal inúmeras províncias e, com elas, importantes centros urbanos. À medida que avançavam, nossas igrejas eram fechadas, nossos hospitais e escolas eram nacionalizados.

Somente Deus sabe as angústias e pesares vividos pelo casal Branson quando com muitos outros missionários tiveram que abandonar precipitadamente o país ao qual dedicaram suas melhores energias. As palavras do anjo a Ló e sua família – "Escapa-te por tua vida; não olhes para trás'' – se revestiam agora para eles de um significado que lhes era mui familiar.

Em seu relatório apresentado à Associação Geral, descrevendo as angustias e aflições daqueles dias, assim se expressou:

"A experiência de nossos obreiros na China durante os últimos quatro anos, é apropriadamente descrita pelas palavras do apóstolo Paulo: 'Em tudo sereis atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desamparados; abatidos mas não destruídos.'''65

E depois acrescentou uma nota de otimismo, dizendo:

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Introdução 288 "Em vez de lamentar-nos por causa da retirada dos nossos

missionários, regozijemo-nos por Deus haver suscitado na China dirigentes nacionais capazes, leais e de confiança, os quais podem empunhar as rédeas da direção em um tempo de crise como este e levar avante os interesses da Igreja.''66

Em 1950, quando eleito presidente da Associação Geral, surpreendido com a indicação de seu nome para tão elevada investidura, com a voz embargada pela emoção, declarou solene:

"Sempre imaginei o líder do povo de Deus como um homem de elevado padrão. ... Jamais me senti qualificado para satisfazer as medidas definidas por este modelo. . . . Não possuo habilidades naturais para realizar a obra que me pedem. Vejo em minha vida tantas fraquezas e imperfeições que me fazem tremer ao aceitar esta tarefa santa."67

Embora sentindo-se insuficiente para a obra que lhe foi comissionada, destacou-se em sua gestão como homem de Deus, administrador sereno, líder dinâmico e homem de visão. Durante quatro anos conduziu os destinos da Igreja com distinção e habilidade.

Sua secretaria, Srta. Williams, que o assistiu durante vários anos, resumiu a vida e obra deste líder em poucas e selecionadas palavras:

"Quando comecei meu trabalho, servindo-o como secretaria, escrevi uma carta aos meus país, comparando o seu cérebro ao de William Marshal Bullitt, jurista conhecido internacionalmente, cujos honorários excediam a soma de cem mil dólares, na defesa de uma só causa. Jamais conheci alguém mais versátil e prolífico, e com tão genial disposição.''68

Nos curtos intervalos de seu intenso e agitado programa administrativo, escreveu os seguintes livros que enriqueceram sobremaneira a bibliografia denominacional: The Way to Christ (O Caminho a Cristo), The Holy Spirit (O Espírito Santo), In Defense of the Faith (Em Defesa da Fé), How Men are Saved (Como São Salvos os Homens) e Drama of the Ages (O Drama dos Séculos).

Ao completar seu mandato, sentindo os devastadores sintomas do mal de Parkinson, anunciou sua determinação de não mais continuar na liderança da Igreja.

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Introdução 289 "Esta enfermidade tem afetado em forma acentuada o meu ministério

público", ele explicou. "A irritação nervosa causada por esta enfermidade se exacerba toda vez que eu tento falar em público ou me encontro sob tensão." E então acrescentou enfático: "Estou pronto para apoiar aquele que for escolhido, com todas as forças que Deus me conceder." 69

Em seu último sermão, dirigindo-se aos delegados reunidos naquele encontro (1954), destacou com entusiasmo e vigor a importância da evangelização. "A principal tarefa da igreja é a salvação de almas'', exortou solene. E sem poder dissimular os efeitos insidiosos da enfermidade que minava seu corpo cansado, com a voz trêmula, sentenciou:

"Jesus em breve voltará. Sobre este tema devemos cantar e pregar. Nesta esperança devemos firmar nossa fé; e para este acontecimento devemos preparar o nosso coração."70

Guilherme H. Branson morreu no dia 21 de janeiro de 1961. Coberta de luto, a Igreja pranteou sua morte. No cerimonial fúnebre celebrado na igreja da Universidade de Loma Linda, Denton E. Rebock, rendendo-lhe uma última e sentida homenagem, declarou: "O mundo foi enriquecido e melhorado com a sua vida; empobrecido e debilitado com a sua morte."71

RUBEM R. FIGUHR

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Introdução 290 Através dos tempos o lar tem demonstrado ser o lugar ideal para os

grandes e extraordinários começos. Foi numa rústica manjedoura, no seio de uma obscura família de Nazaré, que ocorreu o mais auspicioso de todos os começos – a comovente história da redenção. Foi também no seio de um lar simples, em Wisconsin, nos Estados Unidos, que Rubem R. Figuhr, décimo segundo presidente da Associação Geral, teve seu abençoado e providencial começo.

No século XVIII, seus ancestrais emigraram da Alemanha para se estabelecerem na Província de Volynie, nas cercanias de Kiev, na Rússia. Posteriormente, informados sobre as riquezas, oportunidades econômicas e clima de liberdade existentes no Novo Mundo, seus pais decidiram romper os vínculos com o país onde viviam e, após empreender uma fuga dramática, cruzando a fronteira escondidos entre o feno transportado por uma carroça, e atravessando as águas do Atlântico, chegaram às praias da América do Norte.

Estabeleceram-se no Estado de Wisconsin, onde passaram a integrar uma colônia formada por parentes e amigos que, como eles, também haviam emigrado em busca de um futuro mais promissor. E enquanto ainda desfrutavam as emoções de uma nova experiência nas terras livres da América, no dia 20 de outubro de 1896, celebraram com demonstrações de alegria o advento do menino Rubem.

Um dia, as famílias que formavam aquela laboriosa colônia de imigrantes receberam algumas publicações adventistas, impressas na Alemanha. Lendo-as, alguns concluíram precipitados que "elas difundiam doutrinas espúrias do anticristo anunciado nas profecias''. Outros, lendo acerca da importância do sábado, lembraram-se de que na Rússia ouviram informações sobre a existência de algumas comunidades cristãs que observavam o sábado conforme o mandamento.

À medida que estas publicações eram lidas, crescia entre eles o interesse por entender mais claramente as verdades bíblicas. Porém, como membros da Igreja dos Irmãos Morávios, perceberam que lhes seria difícil romper os laços que os prendiam àquela feliz e unida

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Introdução 291 comunhão de fiéis. Concluíram também que mais difícil ainda lhes seria enfrentar o preconceito e a intolerância que de forma inevitável haveriam de se manifestar entre os parentes e amigos.

Em uma noite silenciosa, entretanto, em virtude da oposição intransigente de seus esposos, a Sra. Figuhr e sua irmã, foram conduzidas sigilosamente por um ministro adventista às águas serenas de um riacho, onde foram batizadas.

A Sra. Figuhr era uma rara combinação do espírito de serviço de Marta e o fervor indiviso de Maria. Com incansável dedicação, velava sobre os cuidados da casa e as necessidades físicas de seus quatro filhos. Porém, jamais permitiu que a fastidiosa rotina de seus labores domésticos militasse contra seus hábitos devocionais. Dia após dia, esforçava-se por inculcar na mente de suas crianças os princípios da verdadeira religião e virtude. Amava-os com toda a devoção de um coração de mãe. Considerava-os como preciosas dádivas do Céu, e sentia ser seu dever prepará-los para o serviço de Deus.

Animada pelo desejo de educar os filhos no temor do Senhor, enviou Lídia, sua filha mais velha, e Rubem, para um colégio adventista, situado no Estado de Washington (Walla Walla College). Posteriormente, se transferiram para outra instituição educacional adventista, situada no Estado de Idaho, próximo ao lugar onde a família passou a residir. Por razões desconhecidas, Rubem mais tarde decidiu estudar na escola adventista de Laurelwood, estabelecida a uns sete quilômetros no sudeste de Gaston, Oregon.

Foi numa ardente tarde de verão, quando o calor parecia haver atingido extremos quase intoleráveis, que ele chegou pela primeira vez àquela pequena cidade. A viagem havia sido monótona e cansativa. Na velha estação ferroviária, ninguém o esperava. Deixando a mala aos cuidados do agente da estação, iniciou a pé sua caminhada rumo ao campus da instituição onde haveria de continuar os estudos.

Depois de uma longa e exaustiva jornada através de um caminho arenoso, transpirando abundantemente, foi assaltado pela impressão de

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Introdução 292 estar seguindo uma direção equivocada. Deteve-se por um pouco para descansar à sombra de uma árvore. Depois, enxugando a fronte umedecida pelo suor, perscrutou a paisagem em diferentes direções, buscando ansiosamente descobrir naquelas paragens distantes, um edifício de três andares onde se alojavam os moços, um prédio de dois andares onde as aulas eram ministradas, o dormitório das moças e outras instalações edificadas ao sopé de uma colina.

E, enquanto exaurido pela sufocante canícula e perplexo com a possibilidade de estar seguindo um fumo equivocado, viu aproximar-se uma jovem atraente a quem interrogou: ''O colégio adventista ainda está muito longe?" Com um gracioso sorriso e um olhar gentil, ela respondeu: "Oh, não. Estamos bem próximos." E acrescentou em forma cordial: "Eu estudo naquele colégio. Chamo-me May Holt." Os olhos azuis de Rubem se encheram de encanto e admiração ao contemplar aquela jovem que, de forma quase providencial, apareceu para guiá-lo em um momento de fadiga e desorientação.

Aquele encontro casual na vida de Rubem se revestiu de grande importância e significação. May Holt, alguns anos mais tarde, compareceu ao seu lado diante do altar para receber de Deus a bênção sobre seu matrimônio.

Após haver completado seus estudos em Laurelwood, durante dois anos o jovem Figuhr se ocupou ensinando em uma escola elementar. Mas, enquanto envolvido na rotina de suas responsabilidades escolares, seu pensamento voava constantemente nas asas da imaginação, em direção a May Holt, a encantadora musa de seus sonhos.

O mundo vivia então a turbulência e os horrores da Primeira Guerra Mundial. Nos campos ensangüentados da velha Europa, milhares de soldados, resistindo ao frio, à lama, à sujeira e aos bombardeios maciços, avançavam entre o arame farpado do inimigo, através do qual as metralhadoras vomitavam a morte. Em abril de 1917, os Estados Unidos entraram no conflito ao lado da Inglaterra e da França, na luta contra a Alemanha e seus aliados.

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Introdução 293 Rubem Figuhr foi convocado para servir à pátria, engajando-se no

exército. Quatro dias antes, entretanto, casou-se com a jovem May Holt, em uma cerimônia simples, destituída de pompas, oficiada pelo Pastor H. W. Cottrell. Após a lua-de-mel, ele se dirigiu a São Diego, Califórnia, a fim de receber o treinamento militar na área de primeiros socorros. Um dia, enquanto recebia as instruções indispensáveis para seu futuro serviço, eclodiu com grande repercussão a alegre nova, anunciando o fim do grande conflito armado.

O trágico balanço de mortos, mutilados, feridos e desaparecidos era assombroso e aterrador. Mas, o armistício foi assinado e Rubem, com grande alívio e uma sensação de euforia, retornava à vida civil.

Os quatro anos que se seguiram ele os dedicou a um programa de estudos no colégio adventista de Walla Walla, preparando-se para melhor servir ao Senhor.

Em 1923, recebeu um inesperado convite para trabalhar nas Filipinas. A idéia de ir para um lugar tão distante como aquele jamais havia passado por sua mente. Impelido, entretanto, por uma curiosidade natural, buscou em uma enciclopédia as respostas para algumas indagações pessoais e descobriu surpreendido que as Filipinas eram um arquipélago formado por sete mil e duzentas ilhas de origem vulcânica. Descobriu ainda, que além deste perfil geográfico irregular, seus habitantes representavam diferentes grupos étnicos, falando oito línguas e noventa dialetos. Para um jovem como ele, educado em uma cultura monolingüística, aquela imensa Torre de Babel se constituía em um enorme obstáculo limitando a proclamação da esperança adventista.

Porém, as informações obtidas, embora surpreendentes, não o intimidaram. Com coragem e determinação, decidiram – ele e a esposa – aceitar o chamado, e embarcaram fumo às Filipinas, dispostos a enfrentar os desafios, perigos e oportunidades oferecidos pelo campo missionário.

Após exaustiva viagem transoceânica, chegaram em maio de 1923 à cidade de Manila, onde iniciaram uma obra extraordinária, escrita com

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Introdução 294 suor e lágrimas. Uma de suas primeiras decisões no campo missionário foi aplicar-se ao estudo do Tagalag, vernáculo falado por um quarto de seus habitantes. Pouco depois, embora ainda carente de fluência no uso do novo idioma, preparou uma série de três sermões, e os pregou em um sem-número de igrejas rurais. Após haver apresentado seus três temas em um lugar, dirigia-se a outra área, onde os repetia a um grupo diferente de ouvintes. Deste modo, com empenho e determinação, dominou a língua, comunicando-se com o homem comum sem as barreiras do idioma.

Durante os dezoito anos de sua permanência em território filipino, viu a ação devastadora de inúmeros tufões que, com violência, flagelaram a região. Enfrentou com espírito de sacrifício as condições sanitárias desfavoráveis e os constantes perigos de enfermidades endêmicas e epidérmicas. Mas, apesar das condições adversas sob as quais trabalhou, viu com alegria os triunfos da causa adventista.

Quando chegou, a Igreja acusava em seus registros a presença de cinco mil adventistas dispersos em suas inúmeras ilhas. Quando partiu, os relatórios estatísticos informavam a existência de vinte e cinco mil fiéis, unidos pelos laços da bem-aventurada esperança. Com efeito, sob sua liderança, a Igreja nas Filipinas lançou raízes profundas, cresceu em número de membros e instituições, e, pela graça de Deus alcançou admirável vitalidade denominacional.

Em 1941, quando o mundo vivia outra vez o pesadelo da guerra, e sob o reinado do arbítrio, milhões eram exterminados nos campos de concentração da Europa, Figuhr foi nomeado presidente da Divisão Sul-Americana, então com sede estabelecida em Buenos Aires. Aí chegando, com extraordinária determinação, novamente se propôs vencer a barreira de outro idioma e dentro em pouco conseguiu falar fluentemente o espanhol.

Poucos meses após sua partida para a Argentina a fim de assumir suas novas funções, a base naval norte-americana no Pacífico, Pearl Harbor, sofreu um fulminante e devastador ataque, seguido pelo

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Introdução 295 desembarque e ocupação das Filipinas. Todos os missionários adventistas foram presos e confinados em campos de concentração, onde permaneceram sob circunstâncias probantes e subumanas. Providencialmente, Figuhr escapou dos infortúnios produzidos pela guerra e, na América do Sul, então uma ilha de paz em um mundo revolto, inaugurou um novo capítulo caracterizado por grandes realizações e assinalados triunfos.

O novo líder não ocultou suas preocupações com o lento crescimento da Igreja na América Latina. Depois de quarenta e seis anos de árduo labor, frustrações e desapontamentos, nossas estatísticas indicavam a existência de apenas trinta e três mil adventistas na América do Sul. O emprego de um enfoque protestante na obra da evangelização entre os católicos produzia resultados desalentadores.

Um dia, com exultante gozo, Figuhr encontrou um intrépido evangelista – Walter Schubert – o qual, experimentando novos e mais apropriados métodos de evangelização lograva resultados alentadores, dignos de especial atenção. Levou-o à Divisão Sul-Americana para dirigir a Associação Ministerial e orientar a obra do evangelismo. Sob a orientação de Schubert, a Igreja que parecia vítima de um complexo de inferioridade, começou a dar as evidências de surpreendente vitalidade, precipitando o início de uma grande explosão denominacional.

Além de suas preocupações com o evangelismo, Figuhr deu à obra médica um tratamento prioritário. Sob sua administração, malgrado as grandes limitações financeiras, surgiram três importantes instituições médicas – o Hospital Adventista Silvestre, Rio de Janeiro e o Hospital Adventista de Belém, Pará, no Brasil, e o Hospital Adventista de Lima, no Peru. Estes hospitais ocupam hoje um relevante lugar em nossa estratégia missionária.

Ao completar sua obra em terras ibero-americanas, após nove anos de incansável dedicação, escreveu:

"A obra na América do Sul caminha avante, e há de triunfar gloriosamente. Muito tem sido feito por meio dos que, desde o começo têm

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Introdução 296 trabalhado tão fielmente. A tarefa ainda não está completa no grande campo sul-americano.

"Cremos ver na América do Sul o começo de um movimento muito maior, o qual trará para a Igreja crescente número de conversos."72

Em 1950 Figuhr foi eleito vice-presidente da Associação Geral. Quatro anos mais tarde, na assembléia da Associação Geral celebrada em São Francisco, Califórnia, os delegados representando cento e nove nações e centenas de línguas e dialetos, escolheram-no para conduzir os destinos do movimento adventista.

Durante os doze anos de sua administração (foi reeleito duas vezes) enfrentou problemas administrativos maiúsculos e desafios teológicos suscitados por grupos dissidentes, mas testemunhou também o ingresso no seio da Igreja de mais de meio milhão de novos conversos.

"Quando alguém se situa à sombra dos setenta, começa a sentir o peso inevitável dos anos." Com estas palavras como introdução, Figuhr anunciou sua determinação de recolher-se aos benefícios da aposentadoria.

Durante quarenta e sete anos lutou sem esmorecimento a boa "batalha da fé". Sem amarguras ou ressentimentos, completou sua luminosa carreira. Em seu coração manteve a chama ardente da fé no triunfo da Igreja. Seu nome permanecerá para sempre gravado no glorioso panteão da nossa história.

ROBERT H. PIERSON

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Introdução 297 Moody, o festejado evangelista do século passado, recebeu um dia

um periódico com um artigo que lhe cativou a atenção. Intitulava-se: "Estão dentro todas as crianças?" Descrevia de forma comovente as reações de uma encanecida senhora, já quase nos estertores da morte. Delirando, sob os efeitos da febre, respirando com evidente dificuldade, abriu os olhos cansados e interrogou:

– Já é tarde? – Sim, Joanita – respondeu afetuosamente seu esposo – já é noite

escura. – Mas, estão dentro todas as crianças? – perguntou outra vez com a

voz ofegante. Nos seus derradeiros momentos de existência, ela vivia as gratas e

emotivas recordações dos dias quando ainda era jovem e se ocupava com o cuidado das crianças. Seu filho menor havia falecido havia mais de vinte anos. Porém, em seu delírio, interrogou solene: "Estão dentro todas as crianças?"

Na história do adventismo o nome da Sra. Pierson deveria figurar com maior destaque. Como mãe exemplar, sentiu as mesmas preocupações sintetizadas na pergunta: "Estão dentro todas as crianças?" Seu filho Roberto, vivendo uma adolescência despreocupada e sem cuidados, havia perdido gradualmente o entusiasmo pelo "reino de Deus e Sua justiça". O amor aos esportes ocupava um lugar preferencial em seu coração. Com freqüência, nas horas caladas da noite, a Sra. Pierson se levantava para derramar perante Deus sua alma atribulada e aflita, intercedendo em favor daquele que era um prolongamento de sua vida, desdobramento do seu amor. Confiava que suas orações subiriam a Deus como incenso suave, e as misericórdias do Senhor desceriam sobre seu coração angustiado como o refrescante orvalho da madrugada.

Não podemos dizer que Roberto fosse um jovem irreverente, dominado por vícios ou hábitos dissolutos. Apesar de negligente em sua experiência cristã, ainda conservava em seu coração um espaço limitado para Cristo. Em seu trabalho, recusava-se sistematicamente violar a

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Introdução 298 santidade do sábado, embora isso lhe custasse evidentes prejuízos econômicos. Evitava as conversações profanas e banais, Pois estas não se harmonizavam com os seus nobres e elevados ideais. Faltava-lhe entretanto, experimentar a graça transformadora de Cristo no coração.

Mas, à semelhança da viúva importuna descrita nos evangelhos, a Sra. Pierson insistia diante de Deus, invocando-O em angústia, murmurando o desejo de seu coração, suplicando pelo regresso de Roberto a Cristo. E suas orações não permaneceram muito tempo sem serem atendidas.

Um dia, o jovem recebeu uma notícia que se abateu sobre ele como um terrível raio. Com as mãos trêmulas e o coração pulsando descompassadamente, leu a mensagem contida no telegrama: "Mamãe gravemente enferma. Regresse com urgência."

Roberto não vacilou um só instante. Após os devidos arranjos com os seus empregadores em uma fábrica de laticínios, em Brooklyn, Iowa, iniciou em seu velho carro uma longa e exaustiva viagem de retorno à Flórida, na esperança de ainda rever sua piedosa mãe.

E enquanto viajava, reminiscências enternecedoras passavam por sua mente como em uma tela panorâmica. Por vezes as lágrimas fluíam abundantes e incontroláveis. Em meio a um mundo de emotivas recordações, projetava-se sempre o meigo perfil de sua piedosa mãe. Com a imaginação podia vê-la com sua mão e braço esquerdos deformados, marcados por profundas rugas e escuras cicatrizes. Eram as evidências indeléveis de sua bravura no esforço por salvar a vida de seu pequeno irmão. Ao ver a casa sendo destruída pelas chamas de um incêndio voraz, a Sra. Pierson não vacilou um só momento. Correu para o interior da casa, tomou a criança nos braços e protegendo-a com o seu corpo, passou por entre as labaredas crepitantes que transformaram sua residência em um imenso holocausto. O filho estava salvo, mas a mãe foi levada ao hospital para o tratamento de suas horrendas e deformadoras queimaduras.

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Introdução 299 Indiferente à paisagem que se descortinava ao longo do caminho,

Roberto refletia agora sobre as virtudes admiráveis que adornavam o caráter de sua mãe. Para ela, Deus não era apenas uma abstração filosófica, mas sim uma realidade tangível e consoladora. Confortava-a a segurança de que Ele era um Amigo certo e constante. Em seu espírito havia uma sede insaciável que a levava a suspirar continuamente por uma vida que ultrapassasse as fronteiras da Terra.

A distância entre os Estados de Iowa e Flórida era evidentemente extensa, e uma pergunta agitava constantemente seu espírito: ser-lhe-ia dado o privilégio de chegar em tempo para dizer à sua mãe que ele não mais estava fora do redil do Senhor? Com efeito, o Espírito Santo estava realizando sua obra poderosa e transformadora no coração de Roberto.

Afinal, após três dias de viagem (2.400 quilômetros), deteve seu carro em frente a uma pequena casa em Belleview, Flórida. Desceu apressado, e enquanto caminhava em direção à porta, recebeu a infausta notícia de que sua mãe havia perdido a consciência e já vivia os momentos que precedem a morte. Antes de entrar em coma disseram-lhe – havia perguntado por ele. Desejava intensamente vê-lo. Queria ter a segurança de que já estava outra vez dentro do aprisco do Bom Pastor. Mas era demasiado tarde. Desceu ao mundo do silêncio sem saber que suas súplicas intercessórias foram ouvidas.

Com o coração alanceado por uma profunda tristeza, Roberto buscou um aposento para a sós dialogar com Deus. Ajoelhou-se junto a uma cama, abriu a Bíblia diante dele e, em pranto convulsivo sentenciou: ''Senhor, aqui estou, exatamente onde deveria ter estado há anos. Agora, a Ti me entrego sem reservas. Que queres que eu faça?"

Como resposta, fulgurou em sua mente o texto inspirado: "Dá-Me, filho Meu, o teu coração e os teus olhos observem os Meus caminhos.''73 E ali mesmo, sobre os seus joelhos, assumiu um solene compromisso de servir ao Senhor em qualquer tempo, em qualquer circunstância e em qualquer lugar.

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Introdução 300 Roberto Howard Pierson nasceu no dia 3 de janeiro de 1911, na

pequena cidade de Brooklyn, Iowa. Cresceu em um ambiente sadio, com recursos e sem preocupações econômicas. Sua mãe, mediante desvelada solicitude, se esforçava cada dia por tornar o lar em recanto acolhedor, alegre e aprazível.

Seu pai, embora membro da Igreja Metodista, não se opunha às práticas piedosas de sua virtuosa esposa, tampouco impedia que os filhos fossem educados na fé e disciplina adventistas. Foi presidente de um banco rural (Poweschiek Country Bank) até os dias sombrios da Depressão, quando todas as instituições de crédito de pequeno porte, sacudidas pelo vendaval econômico, de 1929, tiveram que interromper suas atividades. Mudou-se então com a família para o Estado de Flórida, para tentar a sorte como corretor de imóveis.

Um dia, uma ex-colega de estudos de Roberto, chamada Dollis, então professora em uma escola na Flórida, decidiu assistir a uma reunião campal adventista. Conhecia mui pouco sobre a Igreja, sua história e sua doutrina. A única coisa que ela realmente sabia sobre os seus membros, era que, à semelhança de Roberto, não participavam de eventos esportivos no sábado.

A primeira reunião a que assistiu produziu-lhe uma impressão indelével e profunda. Surpreendeu-se com o entusiasmo e fervor existentes entre os fiéis congregados naquele lugar.

Algumas horas mais tarde, neste mesmo encontro campal, ouviu uma inspiradora mensagem apresentada pelo Pastor J. A. Stevens, da Associação Geral. Em seu ouvido repercutiram com grande ressonância as palavras do pregador: "Quantos desejam aceitar a Cristo nesta manhã?" Embora vacilando, Dollis respondeu ao apelo do pregador, levantando-se.

"Os que desejam andar com Cristo ao longo dos caminhos da vida, venham até à frente para selar sua decisão com uma oração especial", exortou o pregador.

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Introdução 301 Ela hesitou. Agarrou-se firmemente ao espaldar da cadeira e se

determinou permanecer onde estava. A voz do pastor, entretanto, a alcançou em forma direta e persuasiva: "A jovem lá de trás que se levantou, não desejaria vir também ao encontro de Cristo? Venha sem demora, o Senhor compassivo a espera."

Triunfando sobre o medo e a dúvida, ouviu a voz de Deus e, com determinação, caminhou em direção ao altar. Entregou o coração a Jesus e aceitou a mensagem de esperança e fé. Pouco depois, Dollis e Roberto se casaram, e por cinqüenta anos têm estado juntos proclamando em muitas terras a Cruz e seu poder redentor.

Três dias após a cerimônia nupcial, viajaram para o colégio adventista do sul (S. M. C.) em Collegedalle, Tennessee, onde Roberto receberia a educação teológica que o qualificaria para o exercício do ministério. Carecia, é certo, de recursos financeiros para enfrentar o programa acadêmico. Mas jamais permitiu que suas limitações econômicas ou qualquer outro obstáculo, frustrassem os ideais de seu coração. Levantava-se todos os dias às três horas da madrugada para ordenhar as vacas do colégio e depois carregava para um determinado lugar, pesados latões cheios de leite. Após cumpridas suas tarefas no estábulo, preparava-se apressadamente para assistir às aulas do dia e, ainda encontrava tempo para nos sábados e domingos conduzir reuniões de evangelismo.

Na cerimônia de formatura ocorrida em 1933, como orador da turma, descreveu em forma jocosa o apartamento em que viviam, como contendo "três dormitórios, uma sala de estudos, uma sala de estar e cozinha, tudo em um só aposento''. Com grande senso de humor, descreveu seu banheiro privativo – "privativo para dezenove de nós que vivemos no segundo andar de um velho edifício''. E acrescentou emocionado:

"Mas Deus foi bom. Jamais nos faltou o essencial para viver. Não tínhamos muito bolo e sorvete, mas nosso pão e nossa água foram sempre certos, e até mesmo alguma abundância de alimentos saudáveis. Nesses

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Introdução 302 dias ganhávamos 25 centavos por hora e – faz gosto lembrar – podíamos retirar dez por cento do total em dinheiro. E o resto ficava para as despesas com estudo e a compra de alimentos no armazém do colégio.

"Por que conto estas experiências pessoais?" – sublinhou o jovem estudante – "para dar testemunho da bondade de Deus nesses tempos difíceis."74

Sua primeira tarefa como obreiro foi em Columbus, Geórgia. A Associação o chamou para trabalhar como pastor e professor da escola paroquial. Dollis, sua esposa, ensinava durante a manhã, enquanto ele cuidava do bebê. À tarde ele lecionava e depois visitava os membros e os amigos da igreja, dando-lhes estudos bíblicos. Dirigia também um programa radiofônico na emissora local, e nos domingos conduzia uma reunião de evangelismo. Ganhava 65 dólares por mês, 35 pelos trabalhos com a escola e 30 por suas atividades pastorais. (Dollis não era assalariada.)

Em 1936, embarcaram para a Índia, onde dedicou um frutífero período de sua vida, ministrando em favor de homens e mulheres obcecados pela filosofia do paganismo. Com grande dramatismo, assim descreveu a angustia de um povo sem Cristo:

"Sempre que eu saía de minha casa nos subúrbios de Bombaim ... eu o via ali... usando apenas uma espécie de tanga em torno do corpo. Seu corpo estava coberto cola cinzas de esterco de gado. Ele se assentava complacentemente numa espécie de cama de pregos, fumando o sen cachimbo. Os pregos eram agudos, e en decidi um dia investigar.

"Quando lhe perguntei por que vivia assim por onze longos anos, sua resposta não me surpreendeu. Mediante o autoflagelamento, ele procurava de algum modo "expiar" os seus erros. ...

"Em terras não-cristãs milhões de almas sobrecarregadas procuram libertação. ... Eles se cortam e se mutilam, na esperança de encontrar libertação. Estão procurando, procurando, procurando. Estão lutando, lutando, lutando. Estão sofrendo, sofrendo, sofrendo. Mas, o alto preço de seus esforços, está sempre além deles."75

Pierson afligia-se cada dia ao contemplar enormes e fervilhantes massas humanas carentes de Cristo e destituídas de esperança. Em angústia, declarou certa vez: "Existem agora na Índia milhões mais do

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Introdução 303 que quando Carey iniciou sua obra pioneira neste país." E concluiu perplexo, com as palavras proferidas por Cecil Rhodes: "Tanto por fazer! Tão pouco feito."

Em 1944, foi eleito presidente da União das Índias Ocidentais, integrada por um conjunto de ilhas do Caribe. Com sua experiência e habilidade administrativa, logrou transformar a Jamaica e ilhas adjacentes em áreas densamente povoadas por adventistas. Uma das Associações do Caribe apresenta hoje em suas estatísticas a existência de um adventista para cada dezenove habitantes. Esta surpreendente explosão denominacional começou a ser detonada sob sua inspiração administrativa.

Qual o segredo de seu êxito como administrador? Era um líder que se orientava sempre por princípios e jamais por circunstâncias ou conveniências. Em suas decisões, revelava invariavelmente coragem, determinação e um santo entusiasmo pela obra em favor das almas. Conciliava com rara habilidade a firmeza e o amor. Definindo seu estilo administrativo, disse um evangelista: "Ele possui mãos de ferro, calçadas com luvas de veludo."

Em 1950, regressou à Índia para assumir a presidência da Divisão Sul-Asiática. Apesar de ausente durante vários anos, seu amor pela Índia e seu povo hospitaleiro não sofreu solução de continuidade.

Posteriormente, foi convocado para servir como presidente da Divisão Transafricana. A África vivia então um período de grande exacerbação nacionalista. As nações recém-emancipadas identificavam no missionário a exploração econômica, os abusos e o paternalismo dos tempos coloniais. As controvérsias ideológicas, os conflitos raciais, as rivalidades tribais, o pauperismo, a superstição e a poligamia, eram alguns entre os inúmeros problemas que obstaculizavam a proclamação adventista.

Pierson, entretanto, não se permitiu abater por um desespero pusilânime. Confiando nas eternas providências de Deus, determinou transpor os "altos muros" e vencer os "poderosos gigantes", tendo em vista consolidar a presença adventista em solo africano.

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Introdução 304 Hoje celebramos a existência de mais de um milhão de adventistas

dispersos naquele grande continente. Em certa ocasião, assistindo aos trabalhos da comissão executiva da

União do Congo (hoje Zaire), em Elizabethville, viu-se subitamente no centro de uma feroz fuzilaria, entre os soldados da Organização das Nações Unidas e as tropas que representavam a rebelião separatista da província de Katanga. As balas, granadas e obuses cruzavam o espaço, produzindo um ruído aterrador. Os trabalhos da comissão foram interrompidos, e medidas acauteladoras foram tomadas, visando proteger os obreiros ali reunidos, contra eventuais fatalidades.

Após 52 horas de combate sem trégua, concluíram que era chegada a hora de abandonar aquele terrível inferno. Perceberam-se, porém, que qualquer intento de fuga poderia lhes resultar em alguma tragédia. Mas, no momento quando tudo lhes parecia desesperador, alguém bateu à porta do edifício da União, informando-os de que um avião estava pronto para resgatá-los, e que deviam sair dentro de cinco minutos.

Entre colunas de soldados, o ensurdecedor troar dos canhões, e os escombros produzidos pelos bombardeios, foram rapidamente levados ao aeroporto, escapando dos horrores daquele enfrentamento bélico.

Posteriormente, escrevendo sobre sua dramática experiência vivida em Elizabethville, reproduziu de forma apropriada as palavras de Paulo: "Foi Deus que nos preservou da morte iminente, e ainda hoje nos preserva também."76

Na qüinquagésima primeira assembléia da Associação Geral, celebrada em 1966, a condução dos negócios da Igreja passou às mãos capazes do Pastor Pierson. Animava-o então uma aspiração obsessiva: ver a obra concluída em seus dias. Seus anseios e ideais foram claramente condensados em uma carta enviada a todos os dirigentes da Igreja. Os seguintes parágrafos traduzem os propósitos de seu coração.

"Deus nos chamou para dirigir Sua igreja numa das horas mais decisivas de sua história. Somente Ele sabe o que poderá acontecer durante os quatro próximos anos. Mas Ele confia grandemente em nós como Seus

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Introdução 305 dirigentes para revelar a espécie de liderança que corresponde à solene hora em que labutamos. Ele espera mais de vós e de mim do que de quaisquer líderes que existiram antes de nós, pois vivemos mais perto do fim do tempo da graça e da volta de Cristo do que qualquer de nossos predecessores. ...

"Nos dias atuais devemos empreender maiores coisas para Deus do que jamais no passado. A hora está avançada. Somos um povo com um encontro marcado, e esta hora se aproxima rapidamente. Como dirigentes da igreja de Deus, não ousemos atrasar-nos. . . .

"Não devemos desapontar a Deus nem às milhares de pessoas de nosso querido povo que esperam tanto de nós. Oremos juntos, uns pelos outros. Avancemos de joelhos para a conclusão da obra – em nossa própria vida, em nossa igreja e no mundo, em nossa geração!"77

E com esta "carta aberta" inaugurou um programa internacional motivado pelo surpreendente poder existente em três palavras comuns no vocabulário adventista: Reavivamento – Reforma – Evangelismo.

Em 1978, após doze anos de incansável labor, como conseqüência de alguns problemas circulatórios, e seguindo o conselho de seu médico, apresentou sua renúncia. Não viu a obra concluída, conforme suas aspirações, mas podia alegrar-se com o pensamento de que sob sua administração e com as bênçãos divinas, a Igreja havia crescido mais que em qualquer outro período de sua fascinante história.

Após haver passado ao seu sucessor o ''manto da continuidade'', Pierson não ensarilhou as armas. Sua voz, cheia de vigor, continua sendo ouvida em campanhas de evangelismo e reuniões campais. Vemos em sua vida a resposta de Deus a uma oração que escreveu quando ainda dirigia os destinos da Igreja:

"Ajuda-me a ser um homem de oração e um homem da Palavra – e que meu incentivo aos outros nestes dois importantíssimos requisitos para o êxito espiritual jamais seja simples preceito. Oxalá cada dia comece e termine em Ti.

"Que eu nunca ache uma tarefa impossível, com o auxílio divino. "Ajuda-me a dedicar a Ti e à Tua obra o máximo que estiver ao meu alcance – 'boa medida, sacudida... e transbordando'.

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Introdução 306 "Que eu sempre torne a Cristo, o primeiro, o último e o melhor em

tudo." 78 Nesta simples oração encontramos o segredo de uma existência

vitoriosa, de uma vida de fé a serviço de um grande ideal.

NEAL C. WILSON

O concílio anual de 1978, celebrado em Washington, D.C., teve seu começo num clima de contagiante otimismo e convicção triunfalista. Inaugurando-o, no dia 10 de outubro, o presidente da Associação Geral, Roberto Pierson, apresentou uma solene e expressiva exposição de necessidades, bênçãos e vitórias. Após haver mencionado um sem-número de obstáculos e desafios, concluiu reafirmando sua inabalável confiança "na igreja militante prestes a se tornar a igreja triunfante''. A reunião inaugural terminou deixando em cada coração a certeza de que "a mão de Deus está posta ao leme", conduzindo com segurança os destinos deste movimento.

Exceto dois ou três itens novos, os demais assuntos constantes na agenda eram de natureza rotineira. Tudo fazia crer que aquele seria um concílio normal, destituído de maior significação e importância. E, entretanto, aquele encontro haveria de figurar nos anais da Igreja como um dos mais relevantes de nossa história. Os que assistiram tiveram a

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Introdução 307 oportunidade de ver de forma evidente a mão do grande Piloto, girando habilmente o timão de Sua preciosa nave.

Os trabalhos do concílio, com suas comissões e subcomissões, tiveram seu desenrolar dentro de uma normalidade esperada. Porém, após três dias de atividades regulares, os presidentes das Divisões foram convocados para uma reunião especial. Acompanhado por três médicos, o Pastor Pierson surpreendeu seus colaboradores com a notícia de que em virtude de problemas circulatórios que pareciam se agravar, apresentaria ao plenário, no dia seguinte, sua irrevogável renúncia. Atônitos e desnorteados com a notícia imprevista, alguns interrogaram os médicos presentes sobre a possibilidade de mantê-lo até ao final do seu mandato, com suas responsabilidades diminuídas. Os doutores responderam de forma unânime, apresentando os riscos aos quais Pierson estaria exposto se aceitasse tal sugestão.

A sorte parecia lançada. A decisão do presidente era evidentemente irreversível. Suas esmagadoras obrigações administrativas, os problemas desafiadores que havia enfrentado, suas constantes preocupações com cuidado da Igreja e as inúmeras noites mal dormidas, haviam cobrado um tributo exorbitante.

No dia seguinte, a renúncia de Pierson foi apresentada a um plenário estupefato. Era a primeira vez em nossa história denominacional que um presidente da Associarão Geral interrompia suas funções, deixando um mandato incompleto.

Afortunadamente, na Assembléia Geral da Associação Geral celebrada em Viena, Áustria, três anos antes (1975), um documento foi aprovado, estabelecendo as diretrizes básicas para a eleição de um presidente em situações de emergência. Nele, entretanto, havia omissões que então se evidenciaram.

Um grupo de trabalho, sob a direção do Pastor Moysés S. Nigri, após atento e cuidadoso estudo, recomendou a introdução de uma pequena emenda e uma substancial adição no documento em referência,

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Introdução 308 estabelecendo os mecanismos indispensáveis para a indicação de uma comissão especial de nomeações.

Depois da aprovação deste documento, uma comissão de nomeações, reunindo representantes de todas as Divisões, num espírito de súplica e total submissão às impressões do Espírito Santo, iniciou seus trabalhos. Ao fim de duas horas de deliberações, foi levado ao plenário, como recomendação, o nome de Neal C. Wilson, para assumir a liderança da Associação Geral, como seu 14º. presidente.

A recomendação foi recebida com uma explosão de entusiasmo e alegria. O novo presidente e esposa foram convidados para subir à plataforma para receber das mãos do Pastor Pierson e esposa a honrosa investidura, com os seus pesados encargos e imensas responsabilidades. Vivendo um momento de intensa emoção, Wilson assim se expressou:

"Se o meu rosto se mostrar descolorido, é porque reconheço a solenidade desta decisão.

"Não sinto com freqüência o palpitar do meu coração, mas quando me apercebo de ser esta a decisão da Igreja, há somente uma resposta que posso dar. Se pudesse encontrar uma boa razão para declinar, eu o faria. Desejaria ser um dentre os que pediram que os seus nomes fossem excluídos da lista sob consideração. [Uma referência ao fato de que na comissão de nomeações vários líderes, já na fronteira da aposentadoria, pediram que os seus nomes fossem eliminados da lista sob consideração.] Porém, também entendo que Deus permitiu a alguns de nós trabalhar durante vários anos com o nosso atual presidente – Pastor Pierson. Deus concedeu a alguns de nos experiências variadas, algumas fora dos limites da América do Norte.

"Pessoalmente, porque vivi a metade de minha vida fora do meu país de origem, sinto-me parte da família mundial. Como menino, quando tinha 4 anos e meio, fui com os meus pais para África Central. Lá, cavando com os dedos dos meus pés o solo africano, e unindo-me aos pequenos amigos africanos em atividades tipicamente infantis, firmei minhas primeiras raízes... culturais e lingüísticas. ... Depois fui para a África do Sul e, posteriormente para a Índia, onde me familiarizei com uma cultura diferente. . . . Vivi durante

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Introdução 309 15 anos no Oriente Médio, outra área cultural, onde meu serviço como jovem obreiro resultou em proveitoso aprendizado. ...

"Permiti-me agora sumariar a maneira como Elinor (sua esposa) e eu hoje nos sentimos, ao calor desta demonstração de amor, revelada no aplauso com que fomos recebidos por vós. Sentimos como Salomão, quando convidado para reinar sobre a grande nação de Israel."79

Com esta eleição a Igreja demonstrou haver alcançado extraordinária maturidade. Quando os grandes partidos ou associações de classe se reúnem com o propósito de eleger seus dirigentes, ocorrem com freqüência as manobras de bastidores. Há aqueles que se esforçam por promover um candidato e os que proclamam as virtudes de outros postulantes, e a campanha se torna por vezes áspera, intensa e exacerbada. Na eleição de Wilson, como de resto nas eleições da Igreja em geral, verificou-se a ausência de manobras políticas, ou pressões de grupo. Houve, é certo, uma eleição, porém jamais cabalas eleitorais ou articulações nos bastidores. A comissão de nomeações retirou-se para uma sala, e, de joelhos diante de Deus, buscou a orientação necessária para o cumprimento de sua missão. E nesse espírito continuou até que seus membros lograram um consenso.

Neal nasceu na cidade de Lodi, situada entre os férteis e verdejantes Vales da Califórnia, com seus aromáticos vinhedos e extensas pradarias. Cresceu em um lar onde as atividades de cada dia gravitavam ao redor do altar da fé e do exercício da piedade. De seus país recebeu uma rica herança religiosa, de tal maneira que cresceu ''em sabedoria, estatura e em graça diante de Deus e dos homens".

No discurso pronunciado no dia de sua eleição, Wilson rendeu emotiva homenagem à sua piedosa mãe que, com grande discernimento e devoção inculcou em sua mente infantil os princípios da verdadeira religião e virtude. "Serei sempre grato à minha mãe'' declarou – "que desde os meus tenros anos guiou-me no estudo das Escrituras e escritos de Ellen White. Orientou-me a crer firmemente e confiar implicitamente nos conselhos dados por Deus à Sua Igreja através de Sua mensageira – Ellen White."80

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Introdução 310 Mas a influência dominante em sua vida, modelando seu estilo

administrativo foi, sem dúvida, a de seu venerando pai, que se destacou como talentoso administrador, servindo a Igreja em quatro continentes. Em uma entrevista concedida ao editor da Adventist Review, Wilson declarou: "Ele é o meu herói."81 Na verdade, o filho em seu aspecto físico (alto e esguio), gestos suaves, mente analítica e atitudes serenas, se nos afigura um prolongamento de seu pai, agora desfrutando os benefícios de merecida jubilação.

Até a década de 1950, a maioria dos adventistas vivia nos Estados Unidos, Europa e Austrália. A partir de 1960, entretanto, uma explosão denominacional começou a ocorrer em muitas nações do Terceiro Mundo, mudando o centro de gravitação da Igreja, das nações industrializadas para os países de economia emergente. A partir de então começou a se acentuar a necessidade de líderes com maior vivência internacional, capazes de entender os desafios de um mundo estremecido por aceleradas transformações geopolíticas, com a presença de dezenas de nações novas, representantes de culturas múltiplas e problemas complexos, regionais e sub-regionais.

Deus, entretanto, em Seus insondáveis desígnios, com grande antecipação, iniciou uma paciente obra, preparando um líder de formação eclética, tendo em vista fortalecer no meio de uma numerosa e heterogênea família internacional os vínculos indissolúveis de unidade e fraternidade cristãs.

Levado ao coração da África quando ainda menino, Neal assimilou rapidamente os costumes, língua e hábitos característicos da região. Sua familiaridade com o Swahili, idioma falado em vários países da África, permitiu-lhe a oportunidade de acompanhar nos anos de sua infância os obreiros da Associação Geral, traduzindo suas mensagens para o idioma do povo.

Mudando-se mais tarde com os seus país para a África do Sul, conviveu em meio a uma outra cultura diametralmente oposta, onde aprendeu a falar o afrikans. Recentemente, visitando aquele país ao sul

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Introdução 311 do continente, surpreendeu a família adventista ao dirigir-lhes uma afetuosa saudação na língua nacional.

Como parte de seu longo e frutífero aprendizado, viveu também um período de sua juventude nas terras místicas e legendárias da Índia. Estudando em nosso colégio naquele país (Spicer College), além de enriquecer sua experiência através de uma vivência diária com a cultura indiana e seu culto panteísta, incorporou ao seu acervo lingüístico o conhecimento do idioma hindui, falado por milhões de habitantes ao longo da vasta península da Ásia meridional.

Em 1942, após haver completado sua formação teológica básica no Colégio Adventista do Pacífico (USA), Wilson contraiu núpcias com a Srta. Elinor Newman, iniciando então uma romântica e venturosa relação conjugal, caracterizada por árduas lutas e compensadoras vitórias.

Depois de curto pastorado nos Estados Unidos, aceitou como desafio um chamado para trabalhar no Egito. Dois mil anos antes, registra o evangelho: "O anjo do Senhor apareceu a José em sonhos, dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe e foge para o Egito. ... E, levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi para o Egito.''82 E assim, o Egito se transformou em uma casa de refúgio para Cristo.

Apesar deste episódio dramático ocorrido na vida do infante Jesus, com o transcurso dos séculos o Egito se transformou em um bastião poderoso da fé islâmica. Wilson, porém, não se deixou abater ou intimidar frente aos obstáculos que sabia haveria de enfrentar em seu entusiasmo por proclamar, no país dos faraós, as "riquezas insondáveis de Cristo".

Com inquebrantável disposição aplicou-se ao estudo do idioma árabe, e durante 15 anos serviu ao Senhor como pastor e evangelista, dirigente da Missão do Egito e, posteriormente, como responsável pela União do Nilo.

Seu conhecimento do idioma árabe, sua familiaridade com a cultura islâmica e extraordinária habilidade para o diálogo com homens públicos,

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Introdução 312 permitiram-lhe negociar inteligentemente e com êxito a abertura do trabalho adventista na Líbia, Sudão e Adem.

Graças às suas vinculações com as autoridades locais, logrou ser admitido como assessor do governo do Cairo nos assuntos relacionados com a liberdade religiosa.

Reconhecido como infatigável e destemido campeão da causa da temperança, a Liga Árabe o nomeou oficialmente conselheiro para os assuntos relacionados com o combate aos tóxicos e alucinógenos.

Depois de haver passado tantos anos no exterior, Wilson regressou em 1958 ao seu país natal, plenamente amadurecido para assumir maiores responsabilidades na condução dos negócios da Igreja. Deus não somente o preparou para uma obra de liderança, mas também o preservou em forma providencial para o cumprimento de Seus insondáveis desígnios.

Quando ainda menino, ao banhar-se nas águas tíbias de um dos rios da África, ouviu surpreendido a gritaria histérica de um grupo de nativos reunidos na praia. Gesticulavam nervosos, inquietos e agitados. Neal decidiu nadar em direção à margem do rio, a fim de descobrir as razões de tão grande bulha. Ao sair da água descobriu atônito e aterrorizado que enormes crocodilos estavam em seu encalço e o perseguiram até mesmo na praia. De modo miraculoso, Deus o preservou de morte cruel, triturado pelas mandíbulas de vorazes crocodilos que infestavam aquele rio. Anos mais tarde Deus o guardou de perecer entre as muitas vítimas das sucessivas revoluções, guerras civis e conflitos armados que freqüentemente ameaçavam a paz no Oriente Médio.

Em seu país de origem, ocupou sucessivamente a liderança do Departamento de Liberdade Religiosa na União Colúmbia, a presidência da mesma União e, posteriormente, a liderança da Divisão Norte-Americana. Em cada função que lhe foi confiada, conduziu-se sempre com reconhecida habilidade e notável brilho. Reconhecendo os serviços por ele prestados à causa do advento, o Conselho Acadêmico da Universidade Andrews aprovou conceder-lhe um doutorado honoris

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Introdução 313 causa (Doctor of Divinity), láurea que lhe foi conferida em cerimônia solene celebrada no dia 5 de junho de 1977.

Sua posterior eleição para conduzir os destinos do movimento adventista abriu um nova capítulo na história denominacional. Sem demasiado apego ao status quo, Wilson imediatamente iniciou a formulação de uma nova estratégia missionária, tendo em vista acelerar a obra do evangelismo, tornando-a mais vigorosa e dinâmica.

Satanás, entretanto, em seu deliberado esforço por neutralizar os novos planos, com solércia e astúcia, suscitou nos arraiais adventistas uma grande controvérsia em torno da doutrina do Santuário, forçando o presidente a desviar-se de suas metas prioritárias para se ocupar com as disputas e confrontações de natureza teológica.

Poucos meses após o início de sua gestão presidencial, o Dr. Desmond Ford, respeitado professor de Teologia, em uma palestra apresentada perante um grupo de intelectuais adventistas, na Califórnia, questionou a validade bíblica da doutrina do santuário, fundamento de nossa fé. Suas afirmações suscitaram não pouca agitação. A heresia havia afinal levantado outra vez sua cabeça altiva e arrogante, ameaçando fraturar a unidade denominacional.

Wilson, porém, não levantou as mãos em desespero ou angústia. Ele tinha melhores trabalhos para elas. "Há quatro coisas que um cristão pode fazer com as mãos. Pode torcê-las em fútil piedade de si mesmo. Pode conduzi-las em ociosa passividade. Pode erguê-las em oração. Pode empregá-las em uma obra útil."83 Wilson escolheu as duas últimas alternativas. Com espírito de oração e determinação, enfrentou a heresia e, mercê de Deus, consolidou "a unidade da fé'' pelos ''vínculos da paz''. (Ver o capítulo "As Portas do Inferno não Prevalecerão".)

Superada a crise teológica, apresentou um programa de ação que galvanizou a Igreja, precipitando resultados estatísticos surpreendentes. Crendo no cumprimento da promessa do Senhor, que mais de mil almas se converteriam em um só dia, apresentou aos delegados reunidos no Concílio Anual de 1981 o plano conhecido sob o título "Mil Dias de

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Introdução 314 Colheita". Este período teria início no dia 18 de setembro de 1982 e concluiria no dia 15 de junho de 1985, ao ensejo da 54ª. Assembléia da Associação Geral, em Nova Orleans, Estados Unidos. Durante este tempo, um milhão de almas seriam acrescentadas à família adventista através do batismo.

Pondo de lado sua absorvente agenda de trabalho, decidiu conduzir uma grande cruzada de evangelismo em Manila, Filipinas, cujo término haveria de coincidir com o início dos ''Mil Dias de Colheita". Como resultado de sua campanha evangelizadora, 1.156 almas foram batizadas em uma memorável cerimônia celebrada por 108 ministros.

A princípio a meta de 1.000 almas por dia, durante 1.000 dias, se assemelhou na mente de muitos a um ideal visionário. Porém, ao fim do primeiro trimestre dos "Mil Dias de Colheita", as computadoras anunciaram uma média de 1.171 batismos diários. Em sua linguagem silenciosa, as estatísticas passaram a anunciar o começo de um momento glorioso na história do adventismo.

Com efeito, Wilson apoiou-se no Senhor e em Suas preciosas promessas, ao antecipar o batismo de um milhão de almas durante mil dias de incansável e coordenado labor missionário.

Em um histórico sermão pregado em 1792, Guilherme Carey sentenciou eloqüentemente: "Empreendei grandes coisas para Deus; esperai grandes coisas de Deus." Motivado por este lema, N. C. Wilson, o 14º. Presidente da Associação Geral, contempla o movimento adventista mobilizado para cumprimento de sua missão final. O poder renovador do Espírito Santo coroará de êxito a obra realizada pela Igreja e a luz da verdade irromperá por toda a parte. E a Terra será iluminada com os raios fulgurantes da glória de Jeová.

Referências: 1. II Coríntios 12:9 2. Romanos 7:18.

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Introdução 315 3. Romanos 7:24. 4. A. W. Spalding, Foot Prints of the Pioneers, pág. 130. 5. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 15. 6. Idem, pág. 16. 7. Ibidem. 8. Apocalipse 3:21 9. I Coríntios 1:28, 30.

10. Ellen G. White, Vida e Ensinos, pág. 127. 11. Atos 26:19. 12. In Memoriam, págs. 40, 41. 13. Ellen G. White, Carta 396, 1906. 14. Virgil Robinson, James White, pág. 302. 15. Ellen G. White, Vida e Ensinos, págs. 129, 130. 16. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, pág. 238. 17. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 50. 18. Everett Dick, Fundadores da Mensagem, págs. 240, 241. 19. Idem. pág. 243. 20. Filipenses 4:8. 21. Virgil Robinson, James White, pág. 302. 22. Ibidem. 23. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág, 70. 24. Review and Herald, 11 de novembro de 1888. 25. Review and Herald, 13 de junho de 1893. 26. F. D. Nichol, Loma Linda, a Story of Faith Rewarded: Publicado

na Review and Herald, 24 de junho e 1º. de julho de 1965. 27. Citado por Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents,

pág. 82. 28. Idem, pág. 83. 29. Ibidem. 30. Ibidem. 31. A. W. Spalding, Origin and History of Seventh-day Adventists,

vol. 4, pág 13.

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Introdução 316 32. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 84. 33. Ibidem. 34. Citado por Miguel Rizo, em Esboços de Sermões, pág, 77. 35. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 94. 36. Idem, pág. 36. 37. Ellen G. White, Testimonies, vol. 8, pág. 51. 38. Boletim da Associação Geral, 1901, pág. 26. 39. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 101. 40. Review and Herald, 5 de junino de 1913. 41. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 109. 42. Ibidem. 43. J. Robertson, A. G. Daniells: The Making of a General

Conference President, pág. 16. 44. Êxodo 4:10. 45. Ellen G. White, Manuscrito 36, 1895. 46. Harvard B. Weeks, Adventism Evangelism, págs. 37, 38. 47. A. G. Daniells, Carta, 26 de maio de 1910, dirigida a Ellen G.

White. 48. Ellen G. White, Carta, 26 de junino de 1910, dirigida a A.G.

Daniells. 49. Isaías 6.8. 50. Review and Herald, 24 de maio de 1898. 51. Review and Herald, 13 de fevereiro de 1900. 52. S. Francisco Chronicle, 23 de maio de 1922. 53. Review and Herald, 5 de junho de 1922. 54. Review and Herald, 30 de maio de 1930. 55. Godfrey T. Anderson, Spicer: Leader With the Common Touch,

pág. 92. 56. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 170. 57. Ellen G. White, Counsels to Writers and Editors, pág. 42. 58. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, págs. 165, 166. 59. Apocalipse 14:13.

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Introdução 317 60. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 174. 61. Lucas 24:22. 62. E. D. Dick, Review and Herald, 16 de junho de 1959. 63. Ellen G. White, Educação, pág. 63. 64. F. D. Nichol, Review and Herald, 23 de julho de 1959. 65. II Coríntios 4:8, 9. 66. Revista do Advento, setembro de 1950, págs. 5, 6. 67. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 199. 68. Review and Herald, 9 de fevereiro de 1961, pág. 5. 69. Daniel e Grace Ochs, The Past and the Presidents, pág. 201. 70. Ibidem. 71. Review and Herald, 9 de fevereiro de 1961, 72. Revista do Advento, setembro de 1950, pág. 10. 73. Provérbios 23:26. 74. Roberto H. Pierson, Fé Para o Nosso Tempo, pág. 73. 75. Idem, pág. 75. 76. II Coríntios 1:10 (versão de J. B. Philips e Antônio Fernandez). 77. O Ministério Adventista, maio e junho de 1967, págs. 8, 9. 78. O Ministério Adventista, março e abril de 1967, pág. 2. 79. Review and Herald, 9 de novembro de 1978, págs. 1, 2. 80. Review and Herald, 2 de novembro de 1978, pág. 13. 81. Review and Herald, 24 de fevereiro de 1983, pág. 10. 82. Mateus 2:13, 14. 83. Halford E. Luccock, Endless Line of Splendor, pág. 59.

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Introdução 318

CONCLUSÃO Laodicéia foi por muito tempo um dos mais importantes centros

econômicos da Ásia Menor. Seu extraordinário movimento comercial e intensa atividade bancária deram à cidade surpreendente opulência material.

Esta prosperidade econômica teve uma influência marcante no comportamento dos habitantes de Laodicéia, conhecidos como presunçosos, soberbos e arrogantes. Quando vítimas de um terremoto que lhes destruiu a cidade no ano 61 DC, se mostraram altivos, recusando a ajuda que lhes foi oferecida pelos romanos.1

Lendo no Apocalipse a mensagem dirigida à igreja de Laodicéia, encontramos que o mesmo espírito que permeava a comunidade se refletia também no próprio seio da igreja: "Pois dizes: Estou rico e abastado ...''2

Estas palavras, de acordo com a exegese tradicional adventista, se aplicam ao povo de Deus no tempo presente.

Com efeito, como igreja, nos sentimos em exaltada condição material. Recebemos dos nossos maiores um extraordinário patrimônio, a saber:

1. Uma monolítica estrutura eclesiástica internacional adaptável às diferentes culturas e circunstâncias geográficas.

2. Uma rede intercontinental de escolas, colégios e universidades, orientados pelos princípios de uma filosofia educacional divinamente inspirada.

3. Uma cadeia multinacional de hospitais, sanatórios, clínicas e ambulatórios nos quais os pacientes recebem a terapêutica para as enfermidades do corpo e o bálsamo divino para as feridas da alma.

4. Um expressivo conjunto de casas editoras dispersas por todos os quadrantes da Terra, produzindo literatura com a mensagem de redenção para um mundo sem esperança.

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Introdução 319 Ao pensarmos neste extraordinário legado – esta complexa estrutura

eclesiástica com suas numerosas instituições – somos por vezes possuídos por um incontido orgulho denominacional, e com um sentimento de suficiência própria, repetimos as palavras que traduzem o espírito de Laodicéia: "... de nada tenho falta..."

Que maior ilusão poderia sobrevir à Igreja que a confiança ilimitada em sua prosperidade material? Diz-se dos macedônios que eles levavam em suas mãos ociosas as riquezas de seus país, sem haverem herdado o espírito que os caracterizou. Poderia ser dito o mesmo a nosso respeito?

Será que contemplamos com orgulho laodiceano esse patrimônio que nos foi legado, enquanto negligenciamos cultivar as virtudes que marcaram a vida dos pioneiros fundadores deste movimento?

Disse um filósofo no campo da economia: "Leva três gerações para sair das mangas arregaçadas e volver às mangas arregaçadas."3 Com esta afirmação queria dizer que por meio do esforço diligente e intenso labor, a primeira geração de uma família acumula um apreciável patrimônio; a segunda geração herda esta fortuna, desfruta-a e a diminui; e a terceira geração dissipa o capital restante. Para sobreviver é levada a arregaçar as mangas e aplicar-se outra vez ao trabalho árduo e perseverante.

Este círculo vicioso se repete na própria vida da Igreja. A primeira geração, integrada pelos pioneiros, se destaca por intenso fervor espiritual. Caracteriza-se por uma vigorosa consciência missionária. Defende com zelo e fervor as normas e princípios bíblicos. Forma a estrutura do movimento religioso. A segunda geração herda esse precioso acervo, mas pouco realiza tendo em vista ampliá-lo. Com a terceira geração, o capital religioso original se dissipa. Esta geração volta ao estado de completa indigência espiritual.

Um encanecido orador ilustrou esta realidade, dizendo: "Quando eu era menino trabalhava de 12 a 14 horas diárias na lavoura. Nos dias de culto, montava um cavalo para ir à igreja, situada a 15 quilômetros de minha casa e ali cantávamos com entusiasmo e fervor: 'Vamos, enquanto é dia, com força trabalhar.' Agora'', acrescentou o orador, "o trabalho

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Introdução 320 agrícola é feito com máquinas modernas e sofisticadas. Ocasionalmente o meu neto e sua família entram em um automóvel moderno com ar condicionado e se dirigem à igreja por uma estrada pavimentada. Assentam-se confortavelmente nas poltronas do templo como se fosse uma casa comum e ouvem as palavras cantadas pelo coro: 'Estamos fracos, tão cansados...' "

De acordo com observações feitas por Ernesto Troelstch e um Weber, quase todos os movimentos religiosos começam com arroubos de fé, acomodam-se em consolidações e terminam em formalismos.

Que diremos acerca de nossa experiência denominacional? Os próceres do adventismo, pioneiros deste movimento, trabalharam com grande entusiasmo na formação desta valiosa herança. Depois deles surgiu uma geração que com dedicação consolidou as estruturas deste movimento profético. Agora, entretanto, vemos com preocupação na Igreja uma nova geração conhecida por sua ausência de fervor denominacional. São os adventistas por tradição, por costume, por herança. Nasceram na fé e jamais experimentaram o milagre do novo nascimento. A este importante segmento da Igreja se aplicam as severas palavras da fiel testemunha: "Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio, ou quente! Assim, porque és morno, e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da Minha boca."4

Porém, apesar do espírito laodiceano que parece minar a vitalidade do adventismo, coisa alguma neste mundo possui tanta segurança de êxito como a igreja de Cristo. Somos admoestados pelo Senhor a "nunca pensar, muito menos falar em fracasso em Sua obra''.5

A nau de Sião encontra-se em excelentes condições de navegabilidade. Sua bússola é fiel e temos a bordo o divino Piloto. De modo que nada temos a recear diante do prenúncio de eventuais tormentas. Se o passado é um guia para o futuro, não temos razões para temer. A serva do Senhor assim se expressou:

"Ao recapitular a nossa história passada, havendo revisado cada passo de progresso até ao nosso nível atual, posso dizer: Louvado seja Deus! Ao

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Introdução 321 ver o que Deus tem realizado, encho-me de admiração e de confiança na liderança de Cristo. Nada temos que recear quanto ao futuro, a menos que esqueçamos a maneira em que o Senhor nos tem guiado, e os ensinos que nos ministrou no passado."6

João Wesley, o fundador do metodismo, no dia 6 de agosto de 1776, registrou no diário suas preocupações, dizendo:

"Não tenho medo de que o povo chamado metodista um dia deixe de existir, tanto na Europa como na América: mas tenho medo que existam somente como uma seita morta, rendo a forma de religião sem poder."

Não tememos que isto possa ocorrer com o adventismo. Temos a segura promessa de que o fogo não morrerá em nossos altares. Anima-nos a certeza de que a luz fulgurante da mensagem do terceiro anjo não se extinguirá. Inspira-nos a convicção de que o ideal de conquistar o mundo para Cristo motivará a Igreja a completar em rápidos e vibrantes movimentos a obra que lhe foi confiada.

Referências: 1. Enciclopedia de La Bíblia, Ediciones Garriga, S.A. vol. 4, pág.

914. 2. Apocalipse 3.17. 3. Kenneth H. Wood, Reflexões para Modernos, pág. 167. 4. Apocalipse 3:15, 16. 5. Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, pág. 19. 6. Ellen G White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 443.

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Introdução 322

APÊNDICE

CRISTO NO SANTUÁRIO CELESTIAL A doutrina de Cristo como nosso Sumo Sacerdote no santuário

celestial nos traz certeza e esperança. Ela conferiu significação à vida dos pioneiros da Igreja Adventista do Sétimo Dia; ainda é um campo fecundo para nossa meditação e crescimento espiritual.

Este ensino característico foi reafirmado na Declaração de Crenças Fundamentais adotada pela assembléia da Associação Geral, em Dallas, no mês de abril de 1980. Nossa reiterada convicção foi ali expressa da maneira que segue:

"Há um santuário no Céu, o verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem. Nele Cristo ministra em nosso favor, tornando acessíveis aos crente os benefícios de Seu sacrifício expiatório, oferecido uma vez por todas, na cruz. Ele foi empossado como nosso grade Sumo-Sacerdote e começou Seu ministério intercessório por ocasião de Sua ascensão. Em 1844, no fim do período profético dos 2300 dias, Ele iniciou a segunda e última etapa de Seu ministério expiatório. É uma obra de juízo investigativo, a qual faz parte da eliminação final de todo o pecado, prefigurada pela purificação do antigo santuário hebraico no Dia da Expiação. Nesse serviço típico, o santuário era purificado com o sangue do sacrifício de animais vivos, mas as coisas celestiais são purificadas com o perfeito sacrifício do sangue de Jesus. O juízo investigativo revela aos seres celestiais quem dentre os mortos dorme em Cristo, sendo, portanto, nEle, considerado digno de ter parte na primeira ressurreição. Também torna manifesta quem, dentro vivos permanece em Cristo, guardando os mandamentos e a fé de Jesus, estando, portanto, nEle, preparado para a transladação ao Seu reino eterno. Esse julgamento vindica a justiça de Deus em salvar os que crêem em Jesus. Declara que os que permanecem leais a Deus, receberão o reino. A terminação do ministério de Cristo assinalará o fim do tempo da graça para os seres humanos, antes do Segundo Advento. (Heb. 1:3; 8:1-5; 9:11-28; Dan. 7:9-27; 8:13 e 14; 9:24-27; Núm. 14:34; Ezeq. 4:6; Mal. 3:1; Lev. 16; Apoc. 14:12; 20:12; 22:12).

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Introdução 323 Este documento é uma confirmação da declaração de Dallas. Ele

apresenta o consenso da Comissão Revisora do Santuário, que se reuniu nos dias 10 a 15 de agosto de 1980, em Glacier View, Colorado. A comissão procurou fazer uma avaliação séria e franca de nossas posições históricas, analisando-as á luz de críticas e interpretações alternativas que têm sido sugeridas. Tais sugestões são benéficas porque nos impelem ao estudo, nos obrigam a elucidar nossa interpretação, conduzindo-nos desse modo a melhor compreensão e mais profundo apreço das verdades que formaram o Movimento do Advento.

Assim, a doutrina do santuário, que tanto significou para os adventistas primitivos, incide sobre os crentes em nosso tempo. Vê-la com mais clareza é ver mais claramente a Cristo; e essa visão avivará a vida cristã e dará poder a nossa pregação e testemunho.

I. O Significado da Doutrina Embora o simbolismo do Santuário seja proeminente em toda a

Escritura, com Cristo, o Sumo Sacerdote, como a idéia dominante no livro de Hebreus, o pensamento cristão tem dado relativamente pouca atenção a este assunto. No século dezenove houve, porém, um repentino desabrochar de interesse em Cristo no santuário celestial. Nossos pioneiros relacionaram as idéias de Levítico, Daniel, Hebreus, Apocalipse e outras partes das Escrituras numa singular síntese teológica que combinou o sumo sacerdócio de Cristo com a expectativa do fim da História. Cristo não estava simplesmente ministrando no santuário celestial; Ele iniciara a etapa final desse ministério, correspondendo ao Dia da Expiação de Levítico 16.

Para os primeiros adventistas do sétimo dia essa nova doutrina "foi a chave que desvendou o mistério do desapontamento de 1844'' (O Grande Conflito, pág. 423). Constituiu o meio pelo qual esses crentes que acreditavam firmemente no iminente regresso de Jesus podiam conciliar-se com suas expectativas não cumpridas. Conferiu-lhes um

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Introdução 324 novo senso de identidade religiosa; encheu sua vida de significação, pois ''revelou um conjunto completo de verdades, ligadas harmoniosamente entre si e mostrando que a mão de Deus dirigira o grande movimento do advento e apontara novos deveres ao trazer a lume a posição e obra de Seu povo" (Ibidem). Assim, eles puderam ver que embora se houvessem equivocado, não estavam completamente enganados; e ainda tinham uma missão e uma mensagem.

A crença de que Cristo é nosso Sumo Sacerdote no santuário celestial não é uma relíquia de nosso passado adventista; ela ilumina todas as outras doutrinas; aproxima-nos de Deus e Sua salvação de um modo que nos dá "plena certeza'' (Heb. 10:22); revela-nos que Deus está ao nosso lado.

No Céu, há Alguém que vive sempre "para interceder" por nós (Heb. 7:25). É Jesus, nosso Sumo Sacerdote, o qual, "nos dias da Sua carne'' (Cap. 5:7), sofreu, suportou a prova e morreu por nós. Pode ''compadecer-Se das nossas fraquezas'' (Cap. 4:5) e envia ''socorro em ocasião oportuna" do trono da graça (Caps. 2:18 e 4:16). Podemos achegar-nos, portanto, confiadamente à presença de Deus, sabendo que somos aceitos em virtude dos méritos de nosso Mediador.

A doutrina do santuário nos dá uma nova visão de nós mesmos. A humanidade, a despeito de suas fraquezas e rebelião, é importante para Deus, sendo amado supremamente por Ele. Deus demonstrou Sua consideração por nós tomando sobre Si a natureza humana e retendo-a para sempre na pessoa de Cristo, nosso Sumo Sacerdote celestial. Somos o povo do Sacerdote, a comunidade de Deus que vive para adorá-Lo e para produzir fruto para Sua glória.

Esta doutrina também abre uma nova perspectiva para o mundo. Nós o encaramos como uma parte de uma luta cósmica, o ''grande conflito" entre o bem e o mal. o santuário celestial é o divino centro de operações nessa peleja; garante que finalmente o mal deixará de existir e Deus será tudo em todos (I Cor. 15:28). Sua obra de julgamento procedente do santuário resulta num povo redimido e num mundo restaurado.

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Introdução 325 II. As Fontes de Nossa Compreensão Embora o assunto do santuário esteja presente em toda a Escritura,

é visto com mais clareza em Levítico, Daniel, Hebreus e Apocalipse. Estes quatro livros, que atraíram a atenção dos primeiros adventistas, continuam sendo o centro de nosso estudo a respeito do santuário no Céu.

Sob o aspecto da ênfase, esses livros se dispõem em pares. Ao passo que Levítico e Hebreus versam principalmente sobre as funções sacerdotais relacionadas com o santuário, Daniel e Apocalipse mencionam a atividade divina no santuário até o fim do mundo. Podemos dizer, portanto, que o principal realce do primeiro par é a intercessão, ao passo que o maior realce do segundo par é o julgamento.

O livro de Levítico descreve as diversas cerimônias do santuário do Velho Testamento. Lemos a respeito dos sacrifícios contínuos, apresentados cada manhã e tarde, em favor do povo de Israel (Lev. 6:8-13). Lemos também acerca de diversos tipos de ofertas individuais para expressar confissão, ações de graça e consagração (Capítulos 1-7). E o ponto culminante de todo o sistema de sacrifícios, o Dia da Expiação, é descrito pormenorizadamente no capítulo 16.

O livro de Hebreus compara e contrasta essas cerimônias com o sacrifício de Jesus Cristo no Calvário (Cap. 9:1 a 10:22). Ele argumenta que por Sua morte, uma vez por todas, Jesus realizou o que os freqüentes sacrifícios de Israel jamais puderam efetuar. Ele é a realidade simbolizada pelos sacrifícios do Dia da Expiação, bem como por todas as cerimônias antigas. Embora tenha sido sugerido que essas referências no livro de Hebreus demonstram que o Dia da Expiação escatológico começou na cruz, esse livro, na verdade, não trata da questão do templo; ele se concentra na completa suficiência do Calvário.

Para as respostas às nossas perguntas acerca da sucessão dos acontecimentos no santuário celestial, recorremos aos livros de Daniel e Apocalipse. Em especial as profecias do "tempo", de Daniel 7 a 9,

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Introdução 326 continuam sendo importantes para a compreensão adventista do santuário. Apontam além do primeiro advento de Cristo, para a obra final de julgamento da parte de Deus, do santuário celestial.

O significado exato das profecias do Velho Testamento é um assunto que requer acurado estudo. A investigação deve procurar ser fiel à variada natureza das profecias individuais, levar em conta as diferentes perspectivas dos leitores (no Antigo Testamento, no Novo Testamento e nos tempos modernos), discernir a intenção divina nas profecias e manter a tensão entre a soberania divina e a liberdade humana. Além disso, seu estudo deve dar o devido valor ao forte e amplo senso do iminente Segundo Advento que encontramos no Novo Testamento (p. ex.: Rom. 13:11 e12; I Cor. 7:29-31; Apoc. 22:20).

Os escritos de Ellen White também contêm muito material referente a Cristo no santuário celestial (p. ex. : O Grande Conflito, págs. 408-431, 479-491 e 581-675). Eles acentuam o significado dos acontecimentos de 1844 no plano divino e dos acontecimentos finais que procedem do trono de Deus. Esses escritos não foram, porém, a fonte da doutrina de nossos pioneiros sobre o santuário; antes, confirmaram e complementaram as idéias que os adventistas primitivos estavam encontrando na própria Bíblia. Distinguimos hoje a mesma relação; os escritos de Ellen White provêem a confirmação de nossa doutrina de Cristo no santuário celestial e completam nossa compreensão a seu respeito.

Na parte restante deste documento, apresentamos uma breve explanação dessa doutrina. Os elementos bíblicos em que ela está baseada se dividem em duas etapas correlatas. Volvemo-nos para a primeira delas: intercessão.

III. O Ministério Intercessório de Cristo O sistema sacrifical do Antigo Testamento foi instituído por Deus.

Constituía o caminho da salvação pela fé para aqueles tempos, instruindo o povo de Deus sobre o terrível caráter do pecado e apontando para o meio escolhido por Deus para acabar com o pecado.

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Introdução 327 Não havia, porém, eficácia alguma na multiplicidade desses

sacrifícios em si. O pecado é uma ofensa moral que não é resolvida pela matança de animais. "É impossível que sangue de touros e de bodes remova pecados. " Heb. 10:4. O pecado só pode ser removido por Jesus Cristo. Ele não somente é nosso Sumo Sacerdote, mas também o nosso Sacrifício. É "o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo'' (S. João 1:29), o Cordeiro pascal sacrificado por nós (I Cor. 5:7), Aquele a quem Deus propôs, no Seu sangue, como propiciação pelos pecados de toda a humanidade (Rom. 3:21-25).

À luz de Jesus Cristo, todas as cerimônias do santuário do Velho Testamento encontram seu verdadeiro significado. Sabemos agora que o santuário hebraico era apenas uma figura ou um símbolo do verdadeiro santuário "que o Senhor erigiu, não o homem" (Heb. 8:2; 9:24), uma realidade muito mais gloriosa do que nossa mente pode abranger (Patriarcas e Profetas, pág. 370). Sabemos agora que todos os sacerdotes levíticos e sumo sacerdotes aarônicos eram apenas prefigurações dAquele que é o grande Sumo Sacerdote, por ser ao mesmo tempo Deus e homem (Cap. 5:1-lo). Sabemos agora que o sangue de animais cuidadosamente escolhidos, de modo que fossem sem defeito (p. ex. Lev. 1:3 e 10), era um símbolo do sangue do Filho de Deus, o qual, morrendo por nos, nos purificaria do pecado (I S. Pedro1:18 e 19).

A primeira fase do ministério celestial de Cristo não é de natureza passiva. Como nosso Mediador, Jesus aplica continuamente os benefícios de Seu sacrifício por nós. Ele dirige as atividades da Igreja (Apoc. 1:12-20). Envia o Espírito (S. João 16:7). É dirigente das forças do Bem no grande conflito com Satanás (Apoc. 19:11-16). Recebe a adoração do Céu (Cap. 5:11-14). Sustenta o Universo (Heb. 1:3; Apoc. 3:21).

Todas as bênçãos promanam da contínua eficácia do sacrifício de Cristo. O livro de Hebreus salienta suas duas grandes realizações: ele

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Introdução 328 provê livre acesso à presença de Deus e remove completamente o pecado.

A despeito da importância do santuário do Antigo Testamento, ele representava limitado acesso a Deus. Só os que nasciam para o sacerdócio podiam entrar nele (Heb. 9:1-7). Mas no santuário celestial Cristo nos abriu a porta à própria presença de Deus; pela fé nos achegamos confiantemente ao trono da graça (Cap. 4:14-16; 7:19; 10:19-22; 12:18-24). Assim, os privilégios de todo cristão são até mesmo maiores do que os dos sumos sacerdotes do Antigo Testamento.

Não há um passo intermediário em nossa aproximação de Deus. Hebreus salienta o fato de que nosso grande Sumo Sacerdote Se encontra à direita de Deus (Cap. 1:3), "no mesmo Céu,... diante de Deus" (Cap. 9:24). A linguagem simbólica do Lugar Santíssimo, "além do véu", é usada para certificar-nos de nosso cabal, direto e livre acesso a Deus (Caps. 6:19 e 20; 9:24-28; 10:1-4).

E agora não há necessidade de oblações e sacrifícios adicionais. Os sacrifícios do Antigo Testamento eram "imperfeitos" – isto é, incompletos e incapazes de acabar definitivamente com o pecado (Cap. 9:9). A própria repetição dos sacrifícios denotava sua ineficácia (Cap. 10:1-4). Em contraste com isso, o Sacrifício designado por Deus realizou o que os sacrifícios antigos não puderam fazer, ocasionando assim o seu fim (Cap. 9:13 e 14). ''Todo sacerdote se apresenta dia após dia a exercer o serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca jamais podem remover pecados; Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-Se à destra de Deus.'' Cap. 10:11 e 12.

Destarte, o Calvário é de conseqüência duradoura. Ao contrário de qualquer outro acontecimento na História, seu poder é invariável. Acha-se eternamente presente, porque Jesus Cristo, que morreu por nós, continua a fazer intercessão por nós no santuário celestial (Cap. 7:25).

É por isso que o Novo Testamento vibra de confiança. Com semelhante Sumo Sacerdote, com semelhante Sacrifício, com semelhante

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Introdução 329 intercessão, temos "plena certeza" (Cap. 10:22). Nossa confiança não está em nós mesmos – no que temos feito ou podemos fazer – e, sim, em Cristo e no que Ele efetuou e continua efetuando.

Esta certeza jamais encarará levianamente o sacrifício que lhe deu origem. Ao olharmos pela fé para Jesus no santuário celestial o nosso santuário – e para as atividades que Ele desempenha ali, somos habilitados pelo Espírito a levar uma vida santa e a dar urgente testemunho ao mundo. Sabemos que é uma coisa horrível desprezar o sangue que nos remiu (Caps. 6:4-6; 10:26-31; 12:15-17).

A fase final do ministério de Cristo no santuário celestial é a de julgamento, vindicação e purificação. Devemos estar certos, porém, de que embora Cristo seja Juiz, Ele ainda é nosso Intercessor. Consideremos primeiro o tempo do juízo e, depois, a sua natureza.

IV. O Tempo do Juízo O período profético dos 2.300 dias (Dan. 8:14) continua sendo uma

Pedra angular da interpretação adventista do julgamento final. Embora esta parte de nossa doutrina do santuário seja a mais freqüentemente contestada, cuidadoso estudo das críticas à luz das Escrituras confirma sua importância e validez.

Três aspectos dessa profecia, em especial, têm sido postos em dúvida: a relação dia-ano; o significado da palavra traduzida por "Purificado" (Dan. 8:14) e sua conexão com o Dia da Expiação (Lev. 16); e o contexto da profecia.

A relação dia-ano tem apoio bíblico, embora não seja explicitamente identificada como princípio de interpretação profética. Parece ser óbvio, porém, que certos períodos de tempo profético não devem ser interpretados literalmente (p. ex.: os curtos períodos mencionados em Apoc. 11:9 e 11). Além disso, o Velho Testamento provê ilustrações do intercâmbio dia-ano no simbolismo (Gên. 29:27; Núm. 14:34; Ezeq. 4:6; Dan. 9:24-27).

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Introdução 330 A relação dia-ano também é reconhecível no encadeamento de

Daniel 8 e 9. Apoio adicional encontra-se nas profecias paralelas dos 1.260 dias-anos em Daniel e Apocalipse (Dan. 7:25; Apoc. 12:14; 13:5). Visto que a profecia de Daniel 8 é paralela às dos capítulos 2, 7, 11 e 12, todas as quais culminam no reino de Deus por ocasião do fim da História, é apropriado esperar que o período representado pelos 2.300 dias alcance o tempo do fim (Dan. 8:17). Isto se torna possível para nós pela aplicação exegética da relação dia-ano.

De acordo com muitas versões bíblicas mais antigas, no fim dos 2.300 dias o santuário seria "purificado". A palavra hebraica, nesse caso é nisdaq, a qual tem uma amplitude de possíveis significados. Sua idéia fundamental é "endireitar", "justificar", "vindicar" ou "restaurar"; mas "purificar" e "limpar" podem ser incluídos em seu âmbito conceitual. Em Daniel 8:14 é evidente que esse vocábulo denota o oposto do mal causado pelo poder simbolizado pela "ponta pequena", e, portanto, provavelmente deveria ser traduzido por "restaurar".

Embora não haja forte vínculo verbal entre esse versículo e o ritual do Dia da Expiação de Levítico 16, essas passagens, no entanto, se acham relacionadas por suas idéias paralelas de retificar ou purificar o santuário dos efeitos do pecado.

Daniel 8 apresenta o problema contextual de como relacionar exegeticamente a purificação do santuário, no fim dos 2.300 dias, com as atividades da "ponta pequena" durante os 2.300 dias. Esse poder iníquo deita abaixo o lugar do santuário (Dan. 8:11), ocasionando assim a necessidade de sua restauração ou purificação. A "ponta pequena", entretanto, está na Terra, ao passo que inferimos que o santuário se acha no Céu. Mas o cuidadoso estudo de Daniel 8:9-26 indica uma solução para essa dificuldade. Torna-se evidente que o Céu e a Terra são correlatos, de modo que os ataques da "ponta pequena" têm tanto um significado cósmico como histórico.

Destarte podemos ver como a restauração do santuário celestial corresponde – em sentido contrário – à atividade terrena da "ponta

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Introdução 331 pequena". Contudo, embora creiamos que nossa interpretação histórica de Daniel 8:14 é bem fundada, desejamos estimular o estudo mais acurado desta importante profecia.

Nossa convicção de que o fim do período profético dos 2.300 dias, em 1844, assinala o início de uma obra de julgamento no Céu, é corroborada pelo paralelismo de Daniel 8 e Daniel 7, que descreve explicitamente semelhante obra, e pelas alusões ao julgamento celestial no livro do Apocalipse (Caps. 6:10; 11:18; 14:7; 20:12 e 13).

Assim, nosso estudo reforça nossa crença de que chegamos realmente ao tempo do julgamento que antecede o Segundo Advento, ao qual, historicamente, temos chamado "juízo investigativo". Ouvimos novamente o chamado de Deus para proclamar o evangelho eterno ao redor do mundo porque "é chegada a hora do Seu juízo" (Cap. 14:6 e 7).

V. A Natureza do Julgamento O ensino do "juízo vindouro" tem sólida base na Escritura (Ecl.

12:14; S. João 16:8-11; Atos 24:25; Heb. 9:27; etc.). Para o crente em Jesus Cristo, a doutrina do juízo é solene mas tranqüilizadora, pois o juízo é a própria intervenção de Deus no curso da história humana, a fim de endireitar todas as coisas. É o descrente que considera este ensino um assunto de terror.

A obra do julgamento divino procedente do santuário celestial tem dois aspectos: um deles se centraliza no povo de Deus sobre a Terra; o outro envolve todo o Universo, à medida que Deus conduz a grande luta entre o bem e o mal a uma conclusão bem-sucedida.

A Escritura nos diz que "importa que todos nos compareçamos perante o tribunal de Cristo'' (II Cor. 5:10), e que teremos de prestar contas até mesmo "de toda palavra frívola'' (S. Mat. 12:36). Este aspecto dos acontecimentos do tempo do fim revela quem é de Deus (ver O Grande Conflito, págs. 479-491). A questão de transcendental importância tem que ver com a decisão que tomamos a respeito de Jesus, o Salvador do mundo. Ter aceito Sua morte em nosso favor é já ter passado da

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Introdução 332 morte para a vida, da condenação para a salvação; rejeitá-Lo é condenar-se a si mesmo (S. João 3:17 e 18).

Portanto, esse julgamento no tempo do fim, por ocasião do término do período dos 2.300 dias, revela nossa relação com Cristo, evidenciada na totalidade de nossas decisões. Indica a atuação da graça em nossa vida, ao nos mostrarmos sensíveis ao Seu dom da salvação; revela que pertencemos a Ele.

A obra de julgar os santos faz parte da erradicação final do pecado do Universo (Jer. 31:34; Dan. 12:1; Apoc. 3:5; 21:27). No fim do tempo da graça, pouco antes dos acontecimentos finais na história terrestre, o povo de Deus será confirmado na justiça (Apoc. 22:11 ). A atividade divina procedente do santuário celestial (Cap. 15:1-8) resultará na sucessão dos acontecimentos que finalmente purificarão o Universo de todo pecado e de Satanás, seu originador.

Para os filhos de Deus, o conhecimento da intercessão de Cristo no juízo traz certeza, não ansiedade. Sabem que há Alguém ao lado deles e que a obra do julgamento está nas mãos de seu Intercessor (S. João 5:22-27). Na justiça de Cristo, o cristão está seguro no Juízo (Rom. 8:1). Ademais, o julgamento anuncia a hora de transição da fé para a vista, dos cuidados e frustrações terrestres para a eterna alegria e realização na presença de Deus.

O juízo de Deus, entretanto, diz respeito a algo mais do que nossa salvação pessoal; sua esfera de ação é cósmica. Ele desmascara o mal e todos os sistemas perniciosos. Expõe a hipocrisia e o engano. Restaura o domínio da justiça no Universo. Sua expressão final é um novo Céu e uma nova Terra, nos quais habita justiça (II S. Ped. 3:13), um puro cântico de amor de criação a criação (O Grande Conflito, págs. 659-675).

E, nesse ato do juízo divino, evidencia-se que o próprio Deus é absolutamente justo. A reação universal a Seus atos finais do santuário celestial é a seguinte: "Grandes e admiráveis são as Tuas obras, Senhor Deus, Todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os Teus caminhos, ó Rei das nações!" Apoc. 15:3.

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Introdução 333 Conclusão Esta doutrina de Cristo no santuário celestial, este ensino singular

dos Adventistas do Sétimo Dia requer intenso estudo da parte de todo crente. Nossos pioneiros descobriram-na por meio de diligente investigação da Palavra e foram incentivados por ela. Nós também precisamos descobri-la por nós mesmos e torná-la uma parte de nossa vida. Temos de compreender que ''o santuário no Céu é o próprio centro da obra de Cristo em favor dos homens" e que Seu ministério ali "é tão essencial ao plano da redenção, como o foi Sua morte sobre a cruz'' (O Grande Conflito, pág. 492.).

Ao procurarmos conhecer e compreender a Cristo no santuário celestial com tanto fervor como o fizeram os primeiros adventistas, experimentaremos o avivamento e a reforma, a certeza e a esperança que advém de uma visão mais clara de nosso grande Sumo Sacerdote.

ELLEN G. WHITE E AS QUESTÕES DOUTRINÁRIAS "Um dos dons do Espírito Santo é a profecia. Este dom é uma

característica da igreja remanescente e foi manifestado no ministério de Ellen G. White. Como a mensageira do Senhor, seus escritos são uma contínua e autorizada fonte de verdade e provêem para a Igreja conforto, orientação, instrução e correção. Também tornam claro que a Bíblia é a norma pela qual deve ser provado todo ensino e experiência."

As Escrituras do Antigo e Novo Testamento são divinamente

inspiradas. Este cânon da Escritura é a norma de fé e prática. Ellen G. White foi inspirada no mesmo sentido que os profetas bíblicos, mas seu ministério e seus escritos foram dadas para exaltar a Bíblia. Os escritos de Ellen G, White, por seu próprio testemunho, não se destinam a transmitir novas doutrinas, mas para dirigir as mentes para as verdades já

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Introdução 334 reveladas na Escritura (Testimonies, vol. 5, págs. 663-665; Primeiros Escritos, pág. 78).

Embora as doutrinas fundamentais da Igreja sejam estruturadas na autoridade dos escritores bíblicos, mais ampla compreensão e discernimento para seu cabal desenvolvimento podem ser encontrados nos escritos de Ellen G. White. Estes escritos também confirmam a verdade bíblica, sem a menor intenção de inibir a pesquisa séria baseada em sólidos princípios de interpretação.

Reconhecendo que a operação do Espírito Santo na vida e nos escritos de Ellen G. White por um período de aproximadamente setenta anos resultou no aumento de sua interpretação da Bíblia e das atividades de Deus em prol da humanidade, cremos que sua autoridade transcende à de todos os intérpretes não inspirados.

Vemos a necessidade de cuidadosa exposição dos escritos de Ellen G. White. Nem todas as suas aplicações da Escritura foram destinadas a prover uma exposição estrita do texto bíblico. Às vezes ela emprega a Escritura homileticamente. Outras vezes desprende certas passagens de seu contexto bíblico para aplicações especiais. Também pode usar a linguagem bíblica meramente por requinte literário. Sempre se deve levar em consideração o contexto total e a situação na vida de Ellen G. White, dando-se atenção ao tempo e ao lugar.

Afirmamos que os escritos de Ellen G. White são significativos para o nosso tempo, segundo foi acentuado por sua declaração: ''Seja ou não poupada a minha vida, meus escritos falarão sem cessar, e sua obra irá avante enquanto o tempo durar.'' – Mensagens Escolhidas, Livro 1, pág. 55.