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MANUAL DO PROFESSOR

Coleção É só o Começo CLÁSSICOS ADAPTADOS PARA NEOLEITORES

Luís Augusto Fischer

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ÍNDICE

1. Conversa com o professor / 42. A filosofia da coleção / 93. Formando nosso leitor / 214. Explorando o texto narrativo / 28

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1. CONVERSA COM O PROFESSOR

Caro professor, leitor destas linhas,

Acoleção É só o Começo é fruto de uma aposta: a L&PMEditores, contando com uma equipe de vários professores com ótima experiência no ensino de língua e literatura, apos-

ta que a leitura de clássicos, adaptados segundo bons critérios e amelhor perspectiva sociolinguística, é acessível a todos e deve serproporcionada a todos. Porque todos merecem ter acesso a estepatrimônio cultural da humanidade que é o livro.

Foi pensando nessa filosofia que levamos a efeito esta Cole-ção. Imaginamos que qualquer leitor alfabetizado, com algum tem-po de escolaridade e com uma certa experiência de vida, pode ul-trapassar a barreira existente entre o comum das pessoas e a maissofisticada cultura letrada. Em nosso país, em que apenas agora aescola está realmente acessível a todos – com um atraso de pelomenos um século em relação aos países desenvolvidos culturalmen-te –, tem aparecido com bastante evidência a figura do neoleitor.

Quem é o neoleitor?Ele é o jovem com acesso irregular à escolaridade ao longo de

sua formação e que, em certo ponto de sua trajetória pessoal, retornaaos estudos a fim de se qualificar para o mercado de trabalho. Ele éo aluno que está saindo da infância e entrando na adolescência, paraquem as histórias infantis já são passado mas os livros adultos aindaconstituem um horizonte distante. Ele é, também, o adulto que re-solveu vencer a barreira do analfabetismo, começando a estudar ouretomando os estudos, adulto que tem já grande experiência de vidamas pouca intimidade com a tradição letrada, para quem os livrossão apenas objetos inanimados, até agora, mas que se dispõe a

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conhecer melhor o que naquelas páginas vai escondido, de que tan-to se fala bem.

Bem sabemos, uma coisa é oferecer livros aos alunos que têmem casa o exemplo da leitura – porque seus pais, tios, irmãos, vizi-nhos e colegas têm em alguma medida o hábito da leitura –, e bemoutra é convencer das virtudes da leitura quem nunca conviveu comlivro e apenas de vez em quando tem à disposição algum jornal.Para aqueles primeiros, aprender a ler um livro inteiro é tarefa rela-tivamente fácil, ainda que não seja cem por cento certo que a convi-vência com livros baste para formar leitores; mas para esses últimoso livro é qualquer coisa de estranho, um objeto de que ele ouviufalar bem mas com o qual não tem intimidade.

Então a primeira tarefa que a coleção É só o Começo querdesempenhar junto aos neoleitores é bastante simples, mas podero-sa: oferecer o contato, talvez bem inicial, com o objeto chamadolivro, que, há muitos séculos, tem sido provado e comprovado comoum eficaz aliado da inteligência, da cultura, de muitas virtudes querepresentam o melhor da capacidade humana. Para lembrar umacélebre frase: “Todos os instrumentos inventados pelo homem são

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uma extensão de sua mão; mas o livro é uma extensão de sua imagina-ção”, disse o escritor argentino Jorge Luis Borges, com sabedoria.

Livro, para quê?Então vamos começar o segundo passo desta conversa com a

seguinte imagem: o livro estende a imaginação humana, oferece ou-tros horizontes, alarga o repertório do que é conhecido.

Entre as capas de um livro, cabe quase tudo: ciência, fantasia,memória, depoimento, ficção delirante, realidade crua, poesia. Sequisermos resumir numa palavra tudo que cabe ali, podemos perfei-tamente usar o termo empregado por Borges: imaginação. Seja aimaginação científica, seja aquela de tipo jornalístico, seja aindaaquela que costumamos chamar de “literatura”, é disso que se trata– imaginação, a matéria-prima do livro.

Muitas vezes, na escola, encontramos alunos sem muito apre-ço pela imaginação – ao menos num primeiro momento. Não é raroo professor pedir que uma turma por exemplo invente uma cena,uma situação, uma solução para algum conflito, vertendo tudo issonum texto escrito; e não é nada estranho que os alunos rejeitem essatarefa, ou que tenham resistência a ela. Para que imaginar? Para queescrever? Todo professor de língua e literatura já passou por isso,certamente.

Nessa hora, não há fórmula fácil para convencer a turma. Comoexplicar o valor da fantasia, da invenção? Dependendo da idade dogrupo e das condições objetivas da vida de cada um, pode bem serque a “imaginação” proporcionada e induzida pelos clássicos daliteratura pareça ser uma espécie ruim de “fuga”, quer dizer, derenegação da vida real, que as letras de rap abordam de maneiracrua mas prestigiada entre muitos jovens de periferia, ou da existên-cia sonhada por eles, que tendem a apreciar a vida glamurosa dascelebridades e a considerar, ingenuamente, que essa sim é que valea pena. E é realmente difícil ultrapassar tal resistência.

A leitura, em especial dos clássicos literários, pode certamenteajudar nesse empenho. Se o professor estiver devidamente conven-

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cido da força que tem a imaginação – a dos alunos ali diante dele,mas também a dos escritores de outros tempos e circunstâncias –, osalunos por certo encontrarão motivos para experimentar dessa poçãonada mágica, mas profundamente humana, chamada literatura.

Quem não apreciará conhecer a história de Robinson Crusoé,que já tem trezentos anos de vida e continua a encantar, entre outrosmotivos exatamente pela força da imaginação, que nos transportade nossa vida cotidiana, talvez acinzentada, para aquela ilha de de-safios em que ele viveu? Quem não gostará da história do amalucadoAlienista, médico capaz de encarcerar a maioria da população se-gundo um critério estranhíssimo de loucura? Quem não reviverá suaspróprias experiências de amor e desilusão ao conhecer a impressio-nante relação entre Romeu e Julieta, encarnação de qualquer um denós em nossos momentos de paixão?

Ler para viverTudo pode talvez ser concentrado em uma tese: ensinar litera-

tura é ensinar o valor da imaginação. Quem lê imagina, com o auxíliode outra imaginação já existente e já escrita; e quem imagina, sabe-mos bem, tem mais chance de encarar com sucesso os desafios domundo.

Qual o papel do professor nisso tudo?O terceiro passo desta conversa precisa falar de pedagogia.

Não a pedagogia genérica, nem qualquer método abstrato de tra-balho em sala de aula, muito menos uma dessas modas educacio-nais que a cada tanto aparecem dando a impressão de que agorasim tudo está explicado. Nada disso; quem dá aulas de língua ma-terna e de literatura sabe bem que há valores muito mais sólidos emjogo. De que se trata?

Trata-se dos valores superiores de nosso trabalho, de nossasespecíficas atribuições. Porque está na nossa mão, mais do que emoutras também imprescindíveis mãos que militam no ensino, o ensi-

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nar a ler e a escrever, chave número um do conhecimento, anteriormesmo ao conhecimento dos números, das ciências e das artes. Osprofessores de língua e literatura não somos melhores que nossoscolegas de outras áreas; mas em nossas mãos está uma das respon-sabilidades civilizatórias mais decisivas, porque ler e escrever sãohabilidades de valor rigorosamente universal, que nos permitem co-municar e compreender por meio do código escrito.

Para além de qualquer plano de ensino, diretriz educacional ouprograma de vestibular, é fundamentalmente conosco que está a ta-refa de oferecer os caminhos e as práticas de acesso ao patrimônioescrito que a humanidade já acumulou – sabendo nós que exata-mente na escrita está reunido o mais precioso acervo de tudo que jáinventou a experiência humana. Claro que precisamos seguir planose metas particulares a cada mês, bimestre, semestre ou ano; o quemais importa, no entanto, não é senão uma e apenas uma diretriz:fazer falar, fazer ler, fazer escrever. E é nessa diretriz que se encon-tra o sentido mais radical e profundo dos livros desta Coleção, aooferecer clássicos indiscutíveis da tradição literária brasileira e uni-versal em linguagem acessível aos que começam a se aventurar nomundo da literatura e que talvez encontrem aqui os primeiros com-panheiros impressos de sua vida.

O que importa de nosso trabalho, em primeira e em últimaanálise, é transformar o maior número possível de alunos em leito-res; o resto – programas, rotinas, provas, rigorosamente tudo o mais– vem depois.

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2. A FILOSOFIA DA COLEÇÃO

A coleção É só o Começo pretende ser o que o nome diz: ocomeço da relação entre o leitor e o livro. E “começo” su- gere continuidade: o que mais queremos é que aquele que

vai penetrar no mistério e na aventura de ler um livro aprenda, emseu coração e em sua mente, que a leitura dos clássicos é realmenteum caminho sem volta na direção de outras leituras, cada vez maisexigentes, cada vez mais recompensadoras.

Podemos recuar um pouco o raciocínio para melhor entenderde que estamos falando. O caso é que todo e qualquer leitor madu-ro um dia começou a ser leitor, transformou-se em leitor. Muitasvezes, nós mesmos, professores, cometemos o erro involuntário deconsiderar apenas dois estágios da vida do aluno que temos emmãos: o período em que ele não é leitor, de um lado, e o período emque ele, idealmente, já é um leitor. Mas não é assim que funciona,porque entre esses dois extremos há uma série de pontos intermediá-rios, que variam conforme acesso ao livro, condições de vida, fami-liaridade com a leitura, experiências proporcionadas pela escola,idade, maturidade emocional, adequação dos livros ofertados aohorizonte do candidato a leitor, existência de estímulos familiares esociais, etc.

O certo é que ninguém, nem mesmo o professor que agoraestá lendo este texto, se tornou leitor num estalo, num dia, com umtexto apenas. Todos nós formamos nossa condição de leitores pau-latinamente, experimentando e gostando, experimentando e não gos-tando, e assim por diante. Não gostar de um livro, abandonaruma leitura, deixar de ler por um tempo depois de ter aprendi-do, tudo isso faz parte da transformação do sujeito em leitor.

Aqui entra a coleção É só o Começo: aqui o neoleitor tem,concretamente, uma porta de entrada para a grande aquisição inte-

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lectual que é o tornar-se leitor. Pela natureza dos clássicos que com-põem a coleção, de um lado, e pelos cuidados técnicos da adapta-ção, de outro, a coleção funciona objetivamente como um acessoadequado para vastos contingentes de candidatos a leitor.

Adaptações literárias: um retrospectoO objetivo geral de qualquer adaptação é oferecer a um leitor

menos habilitado ou menos experiente (na língua escrita, na tradiçãoliterária ou em ambas) a oportunidade concreta de ler clássicos daliteratura, de ter um primeiro e significativo contato com eles. Isso sefaz há muito tempo. Podemos começar o raciocínio lembrando ocaso absolutamente notório da adaptação dos vários livros que com-põem a Bíblia (considerada neste raciocínio como texto literário,não como elemento de crença religiosa). No todo ou em partes, aBíblia é traduzida e adaptada ao largo de todoo planeta já faz séculos, com vistas a finsreligiosos, por certo, mas também porsuas virtudes narrativas e poéticas.

Outro caso amplamente conhecido éo dos épicos de Homero. Como se sabe,tanto a Ilíada quanto a Odisseia se com-põem de várias histórias que foram sen-do concebidas e divulgadas por muitospoetas, por um longo tempo, semprede maneira oral, recitada e cantada,até que, em certa altura, alguém asescreveu (não há certeza de que te-nha de fato existido um su-jeito chamado Homero,nem que ele, pessoal-mente, tenha redigido as duas obras quesão a ele atribuídas). E escreveu-as emversos, que eram a linguagem digna,naquele tempo, para aquelas narrativas

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heroicas de Ulisses, seus companheiros e seus inimigos, num mundopovoado de deuses impressionantes e tomado por guerras, perigose maravilhas. Ao longo dos tempos, as histórias homéricas, no todoou em parte, foram adaptadas de incontáveis maneiras: recontadasem prosa, publicadas segundo interesse em determinadas passa-gens (todo mundo conhece, por exemplo, o episódio do Cavalo deTroia, que faz parte da Ilíada mas foi publicado isoladamente),revisitadas pelo cinema, etc. Os clássicos de Homero tinham funçãopedagógica, e essa dimensão era a diretriz central dos trabalhos deadaptação.

Outro dos mais conhecidos casos de adaptação de clássicos éo de Charles Lamb, jornalista e escritor inglês que viveu entre 1775e 1834 e que publicou em parceria com sua irmã Mary, no remotoano de 1807, um livro chamado Contos de Shakespeare, destina-do a crianças. Shakespeare (1564-1616), como se sabe, nunca es-creveu contos, apenas dramas e poemas; Charles e Mary tomaramvinte de suas peças, concebidas para o palco, e as recontaram emprosa, com vocabulário e enredo simplificados, com vistas à leiturade leitores iniciantes. Pelo trabalho dos irmãos Lamb, que teve enormesucesso e recebeu edições ilustradas (tendo sido traduzido mundoafora, no Brasil por ninguém menos que Mario Quintana), o grandeShakespeare passou a ser conhecido de outro público, o que terácontribuído para sua permanência e a divulgação de sua obra.

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No Brasil, há um exemplo sensacional de adaptação,protagonizado por Monteiro Lobato (1882-1948). O genial cria-dor do Sítio do Pica-Pau Amarelo reescreveu para seu públicotanto histórias passadas no Brasil, como As aventuras de HansStaden, adaptação de um livro do século 16, como outras históriaseuropeias, a exemplo do caso de Dom Quixote, o imortal persona-gem de Miguel de Cervantes, além de uma série de histórias daantiguidade grega, como Os doze trabalhos de Hércules.

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Tirando o caso de Lobato, a tradição geral das adaptações declássicos na língua portuguesa tem sido a de entregar a tarefa a umescritor. Toma-se um clássico, selecionado segundo critério varia-do, e pede-se a alguém experiente na área que reduza, simplifique,reconte enfim aquela história, com vistas a um público menos habi-litado, em geral o público jovem. Pode-se imaginar o procedimentodo escritor: concentrado em seu foco, ele muda o vocabulário, alte-ra a ordem de alguma informação, reparte uma frase mais longa emduas ou três menores, tira de cena personagens e episódiosirrelevantes para o enredo, etc. Em diferentes momentos da históriado século 20, escritores profissionais trabalharam como adaptações.Fizeram o serviço autores como Orígenes Lessa, Rubem Braga,Carlos Heitor Cony, entre vários outros.

Pode-se levar em conta um caso análogo ao da nossa Cole-ção, um caso estrangeiro, que de alguma maneira inspirou nossainiciativa: objetivamente a série de clássicos da Penguin, editora in-glesa. Países que ocupam ou ocuparam posição central no Ociden-te, nomeadamente a Inglaterra e a França, se ocupam há tempos depromover a exportação de sua língua e, com ela, de sua culturaletrada. Para isso, há muitos anos pensaram o tema e encaminharamalgumas ações de grande interesse para nosso caso.

O exemplo mais imediato é o da mencionada série da Penguin,que publica clássicos adaptados segundo níveis diferenciados deexigência vocabular (até quinhentas palavras, até mil, etc. – núme-ros esses referentes ao repertório de palavras, não ao total de pala-vras do texto final). Tal controle responde, fundamentalmente, a umaconcepção de aprendizado do inglês como língua estrangeira. (Nosso

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caso não é exatamente esse, mas, como veremos depois, tem muitoa ver com ele.) Cabe anotar ainda que os ingleses chegaram a taispadrões numéricos após décadas de trabalho, envolvendo o mundoeditorial e o mundo acadêmico – esforço que em nosso país nuncaaconteceu sistematicamente; mesmo assim, na nossa Coleção con-seguimos também estabelecer padrões numéricos para cada volu-me – o volume de nosso Robinson Crusoé tem em torno de 1.300palavras, enquanto nosso Dom Quixote tem por volta de 2.000,por exemplo –, o que pode ajudar o professor a decidir estratégias detrabalho. Aprender a ler também é adquirir vocabulário, na prática.

A profissão de fé da coleção É só o ComeçoÉ só o ComeçoÉ só o ComeçoÉ só o ComeçoÉ só o ComeçoNo nosso caso, tratamos de oferecer adaptações de clássicos

para neoleitores. Já vimos quem são os neoleitores, em nossa concep-ção. Pensamos em dois perfis bastante genéricos: primeiro, ima-ginamos um leitor jovem ou adulto, recém-alfabetizado, alfabe-tizado há tempos e/ou com pouca escolarização posterior àalfabetização, que não tem prática regular de leitura – uma situaçãoparecida com a do “analfabeto funcional”, aquele que, no limite, atépode decifrar as letras e formar algumas sílabas e mesmo palavras,mas é incapaz de ler um texto (e ler um texto, como todos nós sabe-mos e as estatísticas estão nos informando, para nossa vergonha, lerum texto é coisa que ainda apenas uma minoria consegue fazer pro-ficientemente, no Brasil); segundo, imaginamos um leitor que fre-quenta escola regular e esteja entrando na adolescência (entre osdez e os quatorze anos, digamos), mas que não é leitor regular, pornão ter acesso aos livros e/ou por não haver criado o hábito. Osdois têm em comum a pouca ou nenhuma intimidade com a tradiçãoletrada, fruto da pouca (e possivelmente precária) escolarização eda provável ausência de cultura literária entre os seus parentes eamigos.

Na outra ponta, precisamos lidar com o problema da língua por-tuguesa no Brasil. Trata-se de questão ultracomplexa, que aqui vaiabordada apenas em linhas muito gerais, para definir nossa concep-

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ção. Para começar, levamos em conta a tradição da exclusão: regrageral, os brasileiros remediados e pobres de todas as idades não leem,em parte porque a língua portuguesa escrita é pouco acessível a eles;e é pouco acessível porque a escola não os alcança, ou os alcança emcondições muito precárias (poucas escolas, poucos anos de escola,escolas em geral muito mal aparelhadas em matéria de livros, comprofessores formados numa tradição literária elitista que também paraeles, os professores, muitas vezes é distante).

A língua portuguesa escrita é igualmente pouco acessível numnível mais sutil, que tem a ver com os caminhos separados que alinguagem oral e a escrita foram tomando em nosso país (não sónele, claro): de um lado, a fala popular, ricamente variada por regiãoe por grupo social mas excluída, regra geral, da escola e da literatu-ra; de outro, uma língua escrita fortemente marcada pela tradiçãoelitista, que corresponde ao velho paradigma bacharelesco, da tra-dição luso-brasileira que via como supremo valor o fato de o sujeitofalar difícil e empolado, modelo que em alguns nichos tem forçaainda hoje.

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E olha que esse modelo recebeu vários ataques consistentes, acomeçar de José de Alencar (1829-1877), que em 1860 já postu-lava que a língua portuguesa entre nós devia distanciar-se da portu-guesa de Portugal pela via da incorporação dos brasileirismos, pas-sando pelos modernistas dos anos 1920, que disseram a mesmacoisa aos gritos, e alcançando escritores como Graciliano Ramos(1892-1953), que refez a língua portuguesa no Brasil para ela darconta de falar do que não se falava, da vida dos miseráveis sem fala,ou como Erico Verissimo (1905-1975) e Jorge Amado (1912-2001),que souberam encontrar um português escrito ao mesmo tempocomunicativo e requintado.

Isso tudo sem contar a enorme quantidade de escritores cha-mados de “regionalistas”, que fizeram e fazem um elogiável esforçopara dar foro de cidadania ao dialeto de sua aldeia. Se eles nemsempre obtiveram resultado estético superior, em todos os casosseu trabalho é culturalmente válido, como tentativa de colocar emcontato o culto e o inculto, o urbano e o rural, o escolarizado e obruto. Resumindo: a coleção É só o Começo confronta essa tradi-ção de exclusão, oferecendo ao neoleitor um texto que ele de fatopossa ler.

E isso implica, sim, contrariar a tradição de um abstrato “res-peito ao texto original”, advogada com algumas boas razões pormuitos letrados, que se horrorizam com a hipótese de facilitar a vidado neoleitor, mas com péssimos outros motivos por alguns intelec-tuais elitistas, que julgam os “de baixo” como incapazes de conhe-cer os maiores feitos do espírito humano nas artes e nas letras. Asboas razões, é claro, são as que procuram preservar a manifestaçãodo artista da palavra, que escreveucomo escreveu e por isso me-rece ser respeitado. Mashá o outro lado, que paranós, concretamente, pesamais: se de fato fosse segui-da ao pé da letra a tese do“respeito ao texto original”, não

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deveria haver nem mesmo traduções, porque, como todo mundosabe, não há como reproduzir perfeitamente os efeitos linguísticosde uma língua em outra – tradução, por mais perfeita que seja, ésempre uma aproximação ao texto original. De certa forma, a nossaColeção se concebe como uma tradução dos clássicos – não ape-nas entre duas línguas reconhecidas como tais, como o inglês e oportuguês, mas entre registros de linguagem muito distantes entre si.

Critérios da coleçãoExplicando melhor: é claro que respeitamos o texto original. A

questão é saber como e até que ponto respeitá-lo, levando em con-ta nosso objetivo (não há tradução perfeita, não há adaptação semmodificação, tanto quanto não se faz omelete sem quebrar ovos).Se tivéssemos escolhido para adaptação livros de intenso trabalholinguístico – por exemplo, Grande sertão: veredas, de Guimarães

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Rosa (1908-1967), ou qualquer livro de poesia – naturalmente aadaptação poderia matar elementos essenciais do original.

Não foi o caso: buscamos romances cujo centro de interesseestá mais no enredo, nas questões históricas que aborda, nas perso-nagens que constrói e apresenta, do que no trabalho de linguagem.Isso significa que nossas preocupações com o respeito ao investi-mento autoral se concentraram no enredo, nas personagens e nascondições históricas da produção do romance – por exemplo, leva-mos em conta que Bernardo Guimarães (1825-1884) queria mes-mo discutir a escravidão, ainda que forma arrevesada, inventandouma escrava de pele branca, e que Lima Barreto (1881-1922) tinhatodo o interesse em discutir o lugar das classes subalternas na cons-trução do país, em seu tempo.

Assim, pode-se dizer que de fato o que fizemos foi adaptar oslivros, escritos em português culto brasileiro (ou, quando escritos emoutra língua, também concebidos no padrão culto), traduzindo-os paraum leitor que não lê (nunca leu e, muito possivelmente, sem trabalhoscomo o nosso nunca vai ler) e que vive, na vida real, em outra língua.Um português de fato diferente, porque se trata de língua com recur-sos expressivos muito distintos daqueles que operam na língua escritaliterária, em termos de vocabulário mas também em aspectosmorfossintáticos, como logo adiante vamos especificar. E vale subli-nhar que “diferente”, para nós, quer dizer apenas isso mesmo, dife-rente, mas para a tradição da escola brasileira e da cultura letradanacional quer dizer “errada”, “regional”, “inculta”, “miserável”, logoindesejável, reprimível, que não se deve levar em conta, etc.

Como foram feitas as adaptaçõesO processo da adaptação dos livros da coleção É só o Co-

meço, na prática, passa por três estágios. Primeiro, entregamos aum escritor ou jornalista experiente e com ótima formação universi-tária em Letras (ou em Tradução e Jornalismo) a tarefa de reduzir otexto, levando em conta aqueles dois modelos de neoleitor, massem maiores preocupações a não ser de reduzir o tamanho do texto

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aos limites necessários editorialmente e de simplificar o vocabulário.Até aqui, em termos amplos, mantivemos aquele procedimento men-cionado antes, em outras edições de clássicos adaptados. (Em ca-sos de textos escritos em outra língua, o texto-base é uma ediçãoconfiável na língua original.)

Em segundo lugar, reprocessamos a adaptação, numa revisãorigorosa feita por um especialista, um linguista de excelente forma-ção na área da Sociolinguística, o professor da UFRGS PedroGarcez, agora com o diagnóstico de que falamos há pouco e segun-do critérios sociolinguísticos mais estritos – como está apontado naNota Editorial dos volumes publicados, nós alteramos a redação defrases em busca de maior eficácia comunicativa, numa dimensãopropriamente linguística e numa dimensão literária. Em terceiro lu-gar, revisamos tudo, cotejando o resultado das duas fases com ooriginal e medindo o mais precisamente possível a aproximação daadaptação aos leitores desejados.

A Nota Editorial que vai em cada volume diz o seguinte: “Estaedição foi baseada na versão integral do texto publicado pelo autor.O texto original foi reduzido em tamanho e a linguagem foi adaptadapara um público específico, o de neoleitores, segundo critérioslinguísticos (redução do repertório vocabular, supressão ou mudan-ça de pronomes, desdobramento de orações, preenchimento de

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sujeitos, etc.) e literários (abertura de capítulos, desdobramento deparágrafos, reordenação de informações no tempo e no espaço,ênfase na caracterização de personagens etc.) que visam a ofereceruma narrativa fluente, acessível e de qualidade”.

*

No plano específico da língua, nossa atitude de reescritura pau-tou-se por critérios de observação da língua portuguesa realmenteexistente, conforme falada e escrita no Brasil. Por exemplo, “cujo”foi evitado, assim como foram evitadas as estruturas em que apare-ciam construções como “de que”, “com que” e similares; alteramosos futuros dos verbos (tanto o futuro quanto o futuro do pretérito:cantarei e cantaria deram lugar a grupos verbais, vou cantar e iacantar, de acordo com a realidade da língua portuguesa falada noBrasil); também evitamos o uso de formas verbais que só existem nalíngua escrita, em favor das formas equivalentes que fazem partetanto da língua falada como da língua escrita informal (por exemplo,fizera passou a ser tinha feito).

Certos usos dos pronomes pessoais possessivos que não ocor-rem na língua falada foram substituídos, mesmo que às vezes indocontra a noção trivial de correção: Falar com sua irmã passou aFalar com a irmã dele, por exemplo. Evitou-se o uso dos pronomespessoais oblíquos (que ocupam posição de objeto, como em levá-la, dar-lhe, etc.). Todas essas mudanças, repetimos, tiveram moti-vação na observação da realidade da língua e na consideração deestudos abalizados em torno do tema, tanto os estudossociolinguísticos sobre o português do Brasil realizados nos últimostrinta anos como os estudos contemporâneos sobre a natureza doprocesso psicolinguístico da leitura.

Com essas restrições, fizemos sempre esforço para que o tex-to permanecesse o mais próximo possível da norma escrita da lín-gua, preservando as concordâncias, as regências e a ortografia for-mais. O objetivo é que o leitor possa ter facilidade de processamento

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psicolinguístico do texto ao mesmo tempo em que também se depa-re com as marcas da língua escrita que ele, se de fato se transformarem leitor habitual, como desejamos, vai encontrar vida afora.

Outra providência tomada nesta Coleção foi agregar algunselementos para aumentar a legibilidade do texto adaptado, apresen-tando-o num contexto cultural enriquecido, como deve sempre acon-tecer. Logo no início, expusemos um resumo do livro, bem comouma pequena biografia do autor, como forma de propagandear oque vai naquelas páginas. Depois, estampamos uma lista de perso-nagens e cenários, que pode funcionar como um guia para o leitorque estiver atravessando as páginas: sempre se poderá consultaressa lista para relembrar o nome daquele vilão ou daquela cidade.Ainda na parte pré-texto vai uma carta que convida à leitura.

Acrescentamos algumas ilustrações, para aliviar a leitura e paraajudar a materializar certas informações. Não há dúvida de que elasajudam os leitores iniciantes a processar as informações. Tambémagregamos mapas, sempre úteis para ampliar a perspectiva de leitu-ra, além de algumas notas explicativas, para facilitar a compreensãode palavras e conceitos pouco usuais para nosso leitor e cujo des-conhecimento pode atrapalhar a compreensão da história. Ao final,acrescentamos algumas informações suplementares e algumas su-gestões de discussão em torno dos temas do livro, imaginando quea leitura possa deflagrar reflexões e debates na sala de aula e ondemais for. Por esses caminhos é certo que um professor ou um ani-mador de leitura podem se guiar para sempre abrir mais as perspec-tivas de leitura.

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3. FORMANDO NOSSO LEITOR

O nome dessa coleção, É só o Começo, não foi escolhido por acaso. De fato, desde sempre tivemos em mente a ideiade que o leitor deve ter, na melhor hipótese, total liberdade

de movimentação dentro do universo mais culto possível. Quer di-zer: a leitura que será feita dos volumes de nossas adaptações pre-tende ser a primeira, a inicial, e nunca foi concebida para ser umponto de chegada. Queremos que os neoleitores se tornem leitoresmaduros e livres, com capacidade de discernimento cultural, literá-rio, linguístico e tudo o mais. Que leiam os livros originais, depois dese haverem habilitado na leitura das adaptações.

Mas, propondo-se a ser uma leitura inicial, a Coleção preten-de que seja uma experiência proveitosa e prazerosa. Proveitosa por-que, como sabemos nós – os que somos leitores –, aquele que co-nhece por dentro, com intimidade, um grande livro da tradição cultaganha incalculáveis riquezas. Ao ler, o leitor revive experiências quetraz consigo e que são mobilizadas pela memória e pela inteligência,tendo a chance de reprocessá-las e compreendê-las melhor, mastambém vive outras vidas, por assim dizer, ao entrar em contatocom trajetórias diversas da sua, em tempos distantes e lugares des-conhecidos.

O prazer da leitura, por sua vez, também é variado.Há o gosto pelo acompanhamento do enredo, daintriga, dos movimentos feitos pelos personagensem busca do que consideram sua felicida-de. Há o prazer mais sutil de des-vendar mistérios, que muitasvezes acompanham ospersonagens do livro eque nos permitem refletir sobre

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nossa vida mesma, também ela atravessada de mistérios. Há ainda apossibilidade de desfrutar da inteligência daquele autor, que inven-tou aquelas tramas e vidas ao mesmo tempo parecidas com as nos-sas e tão diferentes.

Uma verdade eterna da literatura e da arte é que elas nos dãoacesso a uma mente poderosa, criativa, que no exercício de suainteligência inventou os mundos que sua arte transmite; através des-sas obras, no fim das contas, passamos a conhecer uma inteligênciaem ação, e isso é um grande ganho.

Pelo leitor destemido Uma boa pergunta para fazer, quando se está refletindo sobre

o processo de leitura, é a seguinte, simples e direta: que leitor quere-mos formar, a partir das ações da escola e na sociedade em geral? Aresposta que a coleção É só o Começo oferece é também simplese direta: queremos um leitor destemido. Vale a pena tentar explicitaro que entendemos com esse adjetivo.

Em primeiro lugar, é preciso perceber que atrás, aliás, dentroda palavra “destemido” existe a palavra “temor”. Quer dizer: preci-samos admitir que os candidatos a leitor, na escola ou fora dela, têmmedo do livro. Em regra, o livro não está entre os itens da convivên-cia íntima e amistosa do jovem e do adulto brasileiros: não faz partede sua formação regular, nem da rotina familiar ou da cesta de com-pras habitual. Livro ainda é, em grande medida, um elemento quediz respeito apenas às classes superiores em renda e instrução, edentro delas apenas uma minoria tem o livro entre suas preferênciasde lazer e instrução. Lamentável, mas verdade. Admitido esse te-mor, é preciso atacar o problema. De forma também simples e dire-ta, a pergunta é:

Como fazer para diminuir o medo que os candida-tos a leitor têm a respeito do livro?

1) Colocar o livro à sua disposição, no sentido mais ime-diato possível, ou seja, no sentido físico. É preciso que o livro

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esteja fisicamente próximo do sujeito que pode vir a ser leitor, portodos os motivos, a começar pela desmistificação: ao manusear umvolume, o candidato a leitor se familiariza com ele e perde o medo.Se o sujeito só tem contato com livro uma vez por mês ou menosainda, na escassa biblioteca da escola – quase não há bibliotecaspúblicas apetitosas, na esmagadora maioria das cidades brasileiras, e aslivrarias e pontos de venda de livro também não são tão abundantes

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quanto poderiam –, como vai abrir suas páginas, cheirar o objeto,verificar de que trata, averiguar os tipos de impressão e as ilustra-ções, naquele agradável contato que os leitores costumeiros têmcom os livros de que se enamoram?

2) Derrubar as barreiras que a escola mesmo, ao longodo tempo, coloca entre o aluno e a literatura – para não dizerentre o aluno e o livro físico (de certa forma isto é o mais importante,porque diz respeito ao trabalho da escola, em qualquer nível). Ocorreque, tomada em conjunto, a tradição do ensinode literatura no Brasil (não só aqui, mas aquicom uma força descomunal) privilegia em seusprogramas e em suas práticas um contato indi-reto com a literatura. Pode conferir: em regra,quanto mais anos de escolaridade tem o alu-no, mais ele é induzido a conhecer (e darconta, nas provas e trabalhos) um dis-curso sobre os livros, e não exatamenteos livros. Fazendo uma caricatu-ra, podemos dizer que a es-cola brasileira quer que osalunos saibam que Joséde Alencar foi um român-tico e nacionalista, mais doque quer que os alunos leiamsua obra.

Aqui cabe uma compa-ração, feita pela primeira vezpelo professor de Literatura ecrítico literário Northrop Frye.(A comparação tem algumas limi-tações, como toda comparação;mas é eloquente sobre certos as-pectos de nossa vida em sala deaula.)

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O professor de Física nunca chega em aula para dizer que ele vaiensinar a natureza: ele vai ensinar Física, que é um conjunto de ex-plicações para certos fenômenos da natureza. Mas o professor es-pera que os alunos tenham contato com a natureza, que tenhamvisto deslocamentos de pessoas, a queda dos objetos lançados parao ar, fenômenos enfim que a Física descreve. Mas o professor deLíngua e Literatura muitas vezes tem a ilusão de que vai ensinarliteratura, quando literatura é material para experiência direta, con-tato pessoal e intransferível; o que a gente ensina é Gramática, ouHistória da Literatura, essas disciplinas que teoricamente dependemde leitura dos livros.

Em lugar daquela tradição de mais falar sobre literatura do quelê-la, esta coleção compreende que, especialmente nos anos daadolescência e da juventude, o ensino deve privilegiar o contato doaluno com o texto, diretamente, com a mediação do professor-lei-tor. Não significa que aprender História da Literatura e das Artesseja irrelevante, porque não é; mas significa que o ponto zero, oalvo número um, é transformar o aluno em leitor. Sim, é preferívelque o aluno tenha lido mesmo que poucos livros na vida escolar aque ele saiba quem é parnasiano ou simbolista, quem era modernis-ta de um jeito ou de outro. Formar leitor exige leitura direta.

3) Aparelhar o candidato a leitor com experiências deleitura ao mesmo tempo significativas para ele como indiví-duo, relevantes para a literatura como arte e como depoimen-to humano e representativas em relação aos gêneros, às épo-cas, aos estilos de literatura conhecidos. Um conhecimento assimhabilita o leitor a encarar qualquer livro, por ter sido apresentadoaos gêneros literários e aos maiores autores.

Imagina que maravilha qualquer um de nossos alunos podersair da escola dizendo, para si mesmo, que de Shakespeare conhe-ce, digamos, Romeu e Julieta, que sabe o que significa a loucura deDom Quixote, que leu a história do amalucado médico de O alienista,de Machado de Assis. Maravilha para ele mesmo, como pessoa, ecertamente um ganho para a tarefa de fazer um país melhor.

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Desintegrando preconceitosPara superar esse medo que os candidatos a leitor têm do li-

vro, é preciso também pensar sobre os preconceitos que a escolapode impor aos não-leitores, sem se dar conta, muitas vezes. Pen-semos por exemplo nas enormes quantidades de frustração que en-volvem o aprendizado da leitura. Frustrações que nós, leitores, sou-bemos superar, mas que muitas vezes representam barreirasintransponíveis para os que não tiveram a nossa sorte. Vamos re-passar algumas delas, que todos nós, repita-se, já experimentamos,mas depois esquecemos – e que, porém, para formar o neoleitor,precisamos relembrar, para dar a ele o direito de também fraquejar.

A primeira barreira a superar talvez seja aquela que implicaabandono da leitura começada. Quantos não param definitivamentepor ali? Começaram um livro com ótimas intenções, devidamentemotivados pelo professor ou pela dica de um amigo, principiaram abatalha silenciosa pela constituição do sentido, que se faz letra aletra, palavra a palavra, página a página – mas simplesmente para-ram, sem conseguir ir adiante. O que fazer?

Muita calma nessa hora, como se diz. Os motivos do abando-no podem ser inúmeros. Falta de tempo para embalar a leitura inicial,até criar aquela gostosa mas exigente intimidade com os persona-gens ou com o enredo. Falta de jeito, por não haver aprendido queé bom não espaçar demais as visitas ao livro que se está lendo, sobpena de perdermos até mesmo o embalo que conseguimos obter nocomeço. Falta de paciência para compor as informações que todahistória apresenta e de que depois necessita. Falta de gosto mesmo,quer dizer, falta de entusiasmo por aquela história, aqueles persona-gens, aquele enredo.

(Também não custa lembrar que nem sempre é a hora de de-terminada história acontecer dentro de nossa mente, em nosso co-ração. Muitíssimas vezes, o mesmo romance pode parecer ruim aosquatorze anos e revelar-se excelente aos trinta. Esse ritmo cada umprecisa descobrir, e o professor deve ter sabedoria para não exigirque todos sintam a mesma empatia para com um determinado enre-

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do. Literatura e arte dependem da maturidade, das convicções, dorepertório de experiência que o leitor traz consigo.)

Muita calma porque – essa é uma convicção que o professor pre-cisa ter em mente, em sua intenção de formar leitores – qualquer leitortem direito a essas paradas, aos abandonos, aos desgostos. Abrir efechar um livro sem concluir sua leitura faz parte do jogo. Claro que pornós, leitores felizes com nossa condição de leitores, todos deveriamgostar dos livros importantes, e ninguém deveria abandonar uma leitura,nunca. Mas não é assim que funciona, pura e simplesmente; e o melhora fazer é ter tais percalços em mente, para evitá-los, para driblá-los ou,quando inevitáveis, lidar com eles, para superá-los.

Tenha um plano BFalhou uma tentativa? Pois bem: vamos para outra – outra lei-

tura, outro gênero, outro autor, outro livro, outra estratégia, outroacompanhamento. Saiamos do romance de amor para o romancede ação; abandonemos por ora este Shakespeare em favor daqueleMachado de Assis, ou o contrário; abramos mão de discutir as vir-tudes do enredo do livro lido, se for necessário, para deixar os alu-nos abordarem um assunto apenas remotamente relacionado com aleitura, mas que parece urgente e afinal pode ter sido motivado, porvias transversas, exatamente pela leitura que nós proporcionamos.

Enquanto o aluno estiver conosco não abandonaremos a tesecentral de transformar a todos em leitores.

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4. EXPLORANDO O TEXTONARRATIVO

Como explorar adequadamente um texto com alunos? Essa édaquelas perguntas para as quais todo professor gostaria deter respostas fortes, prontas e definitivas. Mas não é assim

que acontece: do mesmo modo como nas grandes tarefas formativasdos indivíduos, não há caminhos óbvios para a formação do leitor.Mas há algumas experiências bem-sucedidas, em geral já conheci-das pelos professores, se não em sua prática de aula, ao menos nosrelatos de outros mestres.

Vamos então relembrar algumas dessas estratégias.

Ler em voz altaA primeira, mas não a menos importante, é pura e simplesmen-

te a leitura compartilhada: o professor e os alunos com o textodiante dos olhos, e alguém lendo – o professor mesmo, que é oleitor mais traquejado do grupo todo e por isso tem o dever de fazerleituras em voz alta, em todos os anos da escola e não apenas nosiniciais. É uma ilusão achar que adolescentes, jovens e adultos nãoqueiram mais ouvir alguém ler: quando se ouve uma leitura bem fei-ta, com as pausas e as ênfases bem distribuídas, se tem uma experiên-cia vital para depois praticar a leitura individual e silenciosa.

Ler em voz alta não significa ler tudo, todo o texto. Uma boaestratégia consiste em ler trechos de capítulos, ou capítulos inteiroscaso isso seja possível, e depois solicitar a leitura dasequência, do final do capítuloou dos subsequentes;fica então marcadopara a próxima aula, apróxima semana, o

Romeu e Julieta, ilustr. de Fraga

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ponto em que o texto será retomado. Digamos: lê-se o primeirocapítulo de um livro em uma determinada aula inicial, e solicita-se aleitura dos três seguintes; na outra semana, volta-se a ler o livro nocapítulo cinco. Naturalmente, a cada nova rodada de leituras é con-veniente relembrar os fatos transcorridos antes, para poder ir com-pondo os vários sentidos do livro.

Conforme o caso, é possível motivar alguns leitores a fazerema leitura em voz alta, para interpretarem personagens específicos,em cenas de diálogos. Pode parecer pouco, mas é um grande apren-dizado descobrir como fala cada personagem, segundo seu tempe-ramento e o fluxo do enredo.

Essa estratégia pode ser cansativa para alguns, os mais habi-tuados à leitura, e portanto ser um elemento de dispersão para eles.Mas um professor sabe avaliar em que medida pode avançar, emfavor dos mais rápidos, ou deve permanecer mais tempo num mes-mo momento do livro, em favor dos mais lentos. Se serve de conso-lo, vale lembrar que nunca, em sala de aula alguma, há homogeneidade

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de ritmo, em qualquer matéria. Os programas e as práticas de aulasão concebidos para um ritmo médio, que pode ser mais ou menosadequado a determinados grupos. No caso da leitura, o critério prin-cipal é fazer o máximo esforço para que o maior número possível dealunos acompanhe a atividade com interesse.

Explicação e contextualizaçãoEssas leituras em voz alta podem ser precedidas por alguma ex-

planação do professor sobre o texto que se vai ler, sobre o autor, suaépoca, etc. Assim também, vale a pena promover algum tipo de bus-ca e pesquisa, por parte dos alunos. Quando a busca tem origem nospróprios interessados, não há possibilidade de erro ou desperdício.

Hoje em dia, com a internet e o acesso que ela permite afontes variadíssimas de pesquisa, e estando a internet acessível empraticamente todas as escolas do país, e dada ainda sua impressio-nante atratividade sobre crianças, jovens e adultos, é óbvio que nãotem cabimento privar os alunos de ter acesso às fontes que ela pro-porciona. Pelo contrário: a escola precisa aprender a lidar com aevidência de que os alunos acessam a internet para tudo, e issoinclui os trabalhos escolares.

Não estamos dizendo que é bom que o aluno simplesmentecopie materiais e textos que leu na rede; mas mesmo se for apenasisso, sem qualquer reprocessamento por parte do aluno, é precisoadmitir que essa é a regra do jogo mínima, em nossos dias, em queportanto não tem lógica pensar o contrário. O esforço do professore da escola deve ser na direção de obrigar o aluno a consultar, co-piar se for o caso, mas em seguida ler e entender o que consultou ecopiou. A vida do autor, as situações históricas envolvidas em cadaromance, a obra dele, tudo isso vale a pena conhecer com antece-dência, para então deflagrar a leitura, seja ela em voz alta ou não.

É claramente um ganho para a motivação de leitura que existauma demanda concreta para aquela leitura. Digamos, em exemplo:se os alunos estiverem estudando a expansão dos impérios coloniais,em que os mares passaram a ser estradas para as frotas de vários

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países europeus, uma leitura como a de Robinson Crusoé cai comouma luva: ali se vai ler um caso extremo de aventureiro, que se deubem e mal, alternadamente, em viagens desse tipo. (A coleção É sóo Começo, como já dissemos, oferece mapas e outras informaçõesrelativas a cada romance justamente por isso, para auxiliar nas pes-quisas conexas com a leitura.)

Sem preliminares – direto ao assuntoMas também pode funcionar muito bem uma leitura começada

do nada, sem aviso anterior. É uma boa experiência ser jogado dire-tamente numa história interessante, sem mais, até mesmo quando sóo professor tem o texto na mão (situação que não é a ideal, natural-mente), como acontece quando somos por assim dizer atropeladospor um filme que nosseduz sem que te-nhamos lido sequerum comentário posi-tivo. É uma grandeaventura.

O único queprecisa estar prepa-rado, naturalmente, éo professor: ele deveter lido e repassadotodo o texto antes,para entender tudoque for possível en-tender antecipada-mente, de forma apoder, na aula, ir ofe-recendo dimensões nãoimediatas do texto, as-pectos que vão sendosugeridos de modo sutil para

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compor um grande resultado lá adiante. Ele deve também dar contade uma missão bem mais singela, como é a de conhecer o vocabu-lário do texto, os conceitos que são nele empregados, quem sabeaté as informações históricas implicadas.

Nossa Coleção, como já foi dito, trabalha essas dimensõesde modo muito cuidadoso, para dotar cada volume da quantidadenecessária de informações complementares exigidas para uma com-petente intelecção do texto. Todo o nosso esforço vai na direção deproporcionar a maior autonomia possível para o leitor, no contatodireto dele com o livro que tem nas mãos. Mas é claro que o papeldo professor, avaliando as reações concretas dos alunos, continua-rá sendo sempre imprescindível – só ele pode avaliar adequada-mente quando é hora de aprofundar uma explicação ou de abreviá-la, quando se faz necessário parar tudo e criar espaço para adiscussão ou sugerir outra leitura; só ele sabe fazer o que é suaprerrogativa, a mediação entre aqueles alunos específicos que estãodiante dele e o mundo do saber, da ciência, das artes.

Atividades paralelas enriquecem a leituraPara além da leitura direta, muitas atividades podem auxiliar a

leitura. Cada livro pressupõe alguns temas, que são verdadeiros ei-xos em tornos dos quais gira o enredo e vivem as personagens.Esses temas sempre podem render debates, conversas, pesquisas.Adolescentes e adultos são muito receptivos (salvo casos de muitatimidez) a fazer modalidades de júri sobre temas polêmicos associa-dos a leituras. Quem não gostaria de discutir até que ponto DomQuixote é louco mesmo, ou pelo contrário tem uma visão crítica dascoisas? E o Alienista, quem recusa debater o sempre vivo e nuncaterminado problema da delimitação entre a sanidade e a loucura? Éimpossível que uma história como a de Robinson Crusoé passe indi-ferente aos olhos de quem a lê e sabe do fascínio e da dificuldadesda vida solitária para todos nós que vivemos coletivamente.

Não necessariamente júris de debate oral, claro, mas certa-mente julgamentos, como aqueles que se podem fazer por escrito.

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Aliás, escrever impressões de leitura é das coisas mais importantespara a formação do indivíduo. Quaisquer que sejam: impressõesmesmo, anotações de nomes e cenas, comentários morais e políti-cos, confissões pessoais associadas a leituras feitas, tudo isso ajudaa viver o livro de modo mais intenso e profundo.

Não estamos aqui aplaudindo as antigas e quase sempre inú-teis, quando não perniciosas, “fichas de leitura”, que tantas vezesbotam a perder o gosto da leitura, querendo impor ao aluno umatarefa meramente burocrática de anotar dados, como se o melhordo ato de ler fosse fazer uma ata fria. Nada disso: o texto a sersolicitado ao aluno deve o mais possível se aproximar dos debatesque ele precisa enfrentar ou que ele já aprecia, assim como devetrazer a marca das coisas relevantes – a marca da vida.

Provocando o escritor que há no leitorOutra modalidade de produção escrita muito interessante é

aquela que apresenta passagens do livro e solicita que os alunosdesenvolvam a história em outra direção, que não aquela tomadapelo autor do livro. O que aconteceria se Robinson tivesse casado e

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levado para a ilha sua esposa? E se Peri tivesse raptado Ceci ecasado com ela? E se Policarpo Quaresma tivesse conseguido im-plantar uma produção moderna em seu sítio? A criatividade do pro-fessor, em companhia da inteligência dos alunos, sempre encontrarátemas e situações de interesse para a redação de textos que valhamo empenho.

Aliás, escrever e ler são atividades irmãs: aprende melhor aescrever quem lê, aprende melhor a ler quem escreve. Isso não éuma abstração pedagógica: isso é fato neuronal e motor. Quandotenta escrever, por menos que escreva, o sujeito se depara comproblemas concretos, que vão da ortografia das palavras à organi-zação sintática da frase e às sutilezas semânticas – e quando lê en-contra um exemplo bem-sucedido de um texto que conseguiuequacionar suas necessidades comunicativas com suas possibilida-des expressivas. E o contrário também. Pode ter certeza: ler e es-crever se ajudam reciprocamente.

E aqui, por fim, retorna a questão antes mencionada acercade derrubar os obstáculos entre o leitor potencial e o livro: serásempre preferível que o aluno escreva algo, o que quer que seja, aque não escreva. E é sempre preferível que escreva inventivamentea que escreva apenas aquilo que o livro didático já diz, apenas aqui-lo que o professor tradicional pede. Para que, afinal, serve escreverum texto banal e redundante, salvo para a reiteração dos lugares-comuns, tantas vezes inúteis e até mesmo maléficos?

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Talvez valha mesmo um avanço nessa matéria: está na horade a escola brasileira, assim como mais amplamente a sociedade denosso país, fazer mais esforços na direção de atribuir ao indivíduo-leitor a prerrogativa de achar coisas, de ter sensações, de fazer as-sociações segundo sua sensibilidade.

Não porque cada aluno seja o ponto final, o juiz supremo namatéria, e justamente pelo contrário: porque os palpites e as sensi-bilidades individuais, educadas ao longo dos anos, constituem umainstância forte, talvez a mais forte de todas, para a invenção – sem-pre urgente, sempre inacabada – do leitor.

Luís Augusto Fischer

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É sóoComeço

Clássicos adaptados para neoleitores

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