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CENTRO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL Autorização nº 47 da DN PSP
MANUAL DE FORMAÇÃO
UFCD: BAS01
Diversidade, direitos fundamentais e direitos do homem
Edição: Abril 2020
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Nota de Direitos de Autor
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Conteúdo I – Objetivos gerais: ...................................................................................................................................... 4
II - Objetivos específicos: .............................................................................................................................. 4
III - Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ............................................................................................. 4
3.1. Convenção Europeia dos Direitos do Homem ................................................................................... 5
3.1.1. Direito à Vida .............................................................................................................................. 5
3.1.2. Proibição da tortura ................................................................................................................... 8
3.1.3. Direito à liberdade e à Segurança ............................................................................................... 9
3.1.4. Direito ao respeito pela vida privada e familiar ....................................................................... 13
3.1.5. Liberdade de pensamento, consciência e de religião ............................................................... 16
3.1.6. Liberdade de expressão ............................................................................................................ 19
3.1.7. Proibição da discriminação ....................................................................................................... 20
IV - Constituição da República Portuguesa ................................................................................................. 22
4.1. Noção de Direito Constitucional ...................................................................................................... 22
4.2. Princípios Fundamentais ................................................................................................................. 23
4.2.1. Princípio da Legalidade ............................................................................................................. 26
4.2.2. Princípio da Soberania Popular ................................................................................................ 27
4.2.3. Estado de Direito Democrático ................................................................................................. 27
4.2.4. Cidadania portuguesa ............................................................................................................... 28
4.2.5. Estado Unitário ......................................................................................................................... 30
4.2.6. Sufrágio Universal e partidos políticos ..................................................................................... 30
4.3. Órgãos de Soberania ....................................................................................................................... 32
4.3.1. Presidente da República ........................................................................................................... 32
4.3.2. Assembleia da República .......................................................................................................... 33
4.3.3. Governo .................................................................................................................................... 33
4.3.4. Tribunais ................................................................................................................................... 33
4.4. Direitos Fundamentais .................................................................................................................... 34
4.4.1.Direito de Resistência (Artigo 21º da CRP) ................................................................................ 37
4.4.2. Direito à Vida (Artigo 24º da CRP) ............................................................................................ 38
4.4.3. Direito à integridade Pessoal (Artigo 25º da CRP) .................................................................... 40
4.4.4. Direito à Liberdade e Segurança (Artigo 27º da CRP) ............................................................... 41
4.4.5. Direito ao bom nome e reputação (Artigo 26º da CRP) ........................................................... 41
4.4.6. Direito à imagem (Artigo 26º CRP) ........................................................................................... 42
4.4.7. Direito à inviolabilidade do Domicílio e da Correspondência (Artigo 34º CRP)........................ 43
4.4.8. Liberdade de Expressão (Artigo 37º e 38º da CRP) .................................................................. 44
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4.4.9. Direito de Reunião e de Manifestação (Artigo 45º CRP) .......................................................... 46
Conclusão ................................................................................................................................................... 48
Legislação ................................................................................................................................................... 49
C.C. .......................................................................................................................................................... 49
C.R.P. ...................................................................................................................................................... 49
DUDH ...................................................................................................................................................... 49
Abreviaturas ............................................................................................................................................... 49
Bibliografia.................................................................................................................................................. 50
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I – Objetivos gerais:
✓ Noção dos Direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do
Homem;
✓ Conhecer a noção de Direito Constitucional;
✓ Conhecer as questões relevantes e suas noções dos Direitos,
Liberdades e Garantias.
II - Objetivos específicos:
✓ Distinguir e identificar os Direitos Fundamentais na Convenção Europeia
dos Direitos do Homem;
✓ Identificar a noção de Direito Constitucional;
✓ Identificar alguns princípios constitucionais;
✓ Distinguir e conhecer os Direitos Fundamentais consagrados na
Constituição da República Portuguesa.
III - Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é um tribunal internacional.
Tem competência para examinar queixas provenientes de pessoas singulares,
organizações e sociedades que se considerem vítimas da violação de um dos
direitos previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O Tribunal não tem competência para examinar todo o tipo de queixas.
Os seus poderes são definidos pelos critérios de admissibilidade previstos na
Convenção.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é a mais alta instância
jurisdicional europeia, com jurisdição sobre 800 milhões de europeus em 47
países da Europa, de Portugal à Rússia, da Islândia à Turquia. Só a
Bielorrússia ainda não se encontra submetida à jurisdição deste Tribunal,
porque não é membro do Conselho da Europa em virtude do carácter totalitário
do seu regime político.
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É composto por 47 juízes, tantos quantos os membros do Conselho da
Europa.
O Tribunal foi criado pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
aprovada depois da segunda guerra mundial no seio do Conselho da Europa. É
o órgão fiscalizador do cumprimento das obrigações decorrentes da
Convenção nos países membros do Conselho da Europa. Os assuntos
submetidos à sua jurisdição dizem respeito ao direito à vida, direito à
integridade física, direito à segurança, direito ao processo justo, princípio da
legalidade, direito ao respeito pela vida privada e familiar, liberdade religiosa,
liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de associação,
liberdade de ensino, direito à propriedade, entre outros.
3.1. Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Esta convenção foi criada em 4 de Novembro de 1950e com entrada em
vigor na ordem internacional a 3 de setembro de 1953, com a finalidade de
proteção e o desenvolvimento dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais, reafirmando o seu profundo apego a estas liberdades
fundamentais, que constituem as verdadeiras bases da justiça e da paz no
mundo e cuja preservação repousa essencialmente, por um lado, num regime
político verdadeiramente democrático e, por outro, numa conceção comum e
no comum respeito dos direitos do homem.
Ninguém pode ser condenado por uma ação ou uma omissão que, no
momento em que foi cometida, não constituía infração, segundo o direito
nacional ou internacional. Assim como também não pode ser imposta uma
pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi
cometida (Principio da legalidade – art. 7.º da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem).
Entre outros os direitos consagrados na Convenção Europeia dos
Direitos do Homem são:
3.1.1. Direito à Vida
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Consagrado no seu artigo 2º afirma que o direito à vida de
qualquer pessoa está protegido por lei.
“Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida, salvo em
execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no
caso de o crime ser punido com esta pena pela lei.” 1
O artigo 3.º, a primeira pedra-angular da Declaração, proclama
o direito à vida, liberdade e segurança pessoal, um direito essencial
para o gozo de todos os outros direitos. Este artigo é o ponto de
partida para os artigos 4.º a 21.º, onde se proclamam outros direitos
civis e políticos que incluem, nomeadamente, a proibição da
escravatura e da servidão, a proibição da tortura e de penas ou
tratamento cruéis, desumanos ou degradantes, o direito ao
reconhecimento, em todos os lugares, da personalidade jurídica, o
direito a uma proteção judicial eficaz, a proibição da prisão, detenção
ou exílio arbitrários, o direito a um julgamento equitativo e à audição
pública por um tribunal independente e imparcial, o direito à
presunção de inocência até que a culpabilidade seja provada, a
proibição de intromissões arbitrárias na vida privada, na família, no
domicílio ou na correspondência, a liberdade de circulação e de
residência, o direito de asilo, o direito a ter uma nacionalidade, o
direito de casar e de constituir família, o direito à propriedade, o
direito de pensamento, de consciência e de religião, a liberdade de
opinião e de expressão, o direito de reunião e associação pacíficas e
o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país
e de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu
país.
Exemplo:O direito à vida do recluso foi afirmado pelo Tribunal em
face de agressões de um outro recluso no caso Edwards v. Reino
Unido, de 2002, em face de supostas agressões do recluso pelos
1 Artigo 2º n.º 1 e 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
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seus detentores no caso Anguelova v. Bulgária, de 2002, em face de
autoagressões do recluso no caso Keenan v. Reino Unido, de 2001,
e em face do desaparecimento do detido no caso Timurtas v.
Turquia, de 2000. No primeiro caso, o artigo 2 da Convenção foi
violado pela administração prisional por o recluso ter sido espancado
até à morte por um companheiro de cela com antecedentes
psiquiátricos, sem que a administração prisional tenha feito um
escrutínio prévio da adequação do internamento de ambos na
mesma cela. O artigo 2 foi também violado processualmente por não
ter sido realizada uma investigação capaz ao incidente, sendo
condição para tal que ela fosse aberta aos pais do falecido e que as
testemunhas pudessem ser compelidas a depor.
Exemplo:No caso Anguelova v. Bulgária, o artigo 2 foi violado quer
por falta de uma explicação pelo Estado das circunstâncias em que
ocorreu a morte do detido, quer por omissão de assistência médica
que se provou em um dos relatórios médicos juntos ter sido fatal,
quer ainda por ocorrência de uma investigação parcial e lacunosa
das causas da morte do detido em virtude de uma autópsia
deficiente, da omissão de perguntas decisivas aos responsáveis pelo
detido, de uma reconstrução parcial dos factos e da falta de
esclarecimento das contradições entre dois relatórios médicos.
Assim, o Tribunal identificou claramente quatro obrigações para os
Estados, em caso de morte de um detido: a obrigação de proteger a
vida do detido, a obrigação de proceder a uma investigação
adequada da morte do detido, a obrigação de desaprovar as
condutas inadequadas das autoridades responsáveis pela verificação
do resultado da morte e a obrigação de fornecer uma explicação
razoável das causas da morte do detido. A violação do artigo 2, com
base no desrespeito de uma ou mais destas obrigações, pode ainda
concorrer com a violação do artigo 3, pela verificação de várias
lesões no corpo de detido que não fossem em si causais da morte,
mas tivessem um grau de severidade suficientemente sério, e com a
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violação do artigo 13, por falta de remédio nacional para identificar e
punir os responsáveis e compensar a lesão causada a um ou mais
direitos convencionais.
3.1.2. Proibição da tortura
O papel fundamental que o artigo 3º da Convenção assume no
que se refere à proteção conferida aos estrangeiros relativamente à
sua entrada, permanência e saída dos Estados Parte depreende-se
desde logo da própria jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem, que ao longo dos anos tem vindo a enfatizar o
seu carácter absoluto nas decisões que profere. Embora seja um dos
artigos mais curtos da Convenção Europeia, este preceito é também
um dos que tem maior importância, desde logo pela preocupação
que denota para com a integridade física e mental dos indivíduos
como parte inerente da dignidade do ser humano.
Esta norma não só impõe aos Estados Parte a obrigação de
não submeterem ninguém a tortura e a penas ou tratamentos
desumanos ou degradantes, como também lhes impõe que não
coloquem ninguém em risco de ser sujeito a um daqueles
tratamentos, devendo proteger todos aqueles que se encontrem sob
sua jurisdição, em qualquer circunstância.
A tortura e os maus tratos são uma ameaça direta à
segurança de qualquer pessoa ou grupo.
A proibição de tortura é absoluta. É um direito inderrogável2.
A tortura nunca pode ser justificada com base em nenhuma
circunstância.
Existe dois tipos de tortura:
2 Por força do artigo 15º, nº2 da Convenção, o direito nele consagrado é inderrogável17, não lhe sendo admitidas quaisquer restrições ou exceções, independentemente das circunstâncias em questão. Mesmo que a conduta da pessoa ou as suas atividades sejam perigosas ou indesejáveis, a natureza absoluta do artigo 3º não é atingida, pois nada pode justificar qualquer forma de maus tratos.
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Tortura física: causa dor aguda e um sofrimento excessivo, pode
levar a mutilação, desfiguração ou lesões permanentes bem como a
morte.
Tortura psicológica: inclui técnicas de privação e exaustão, o
confinamento solitário, técnicas de coerção e intimidação.
Todos os métodos são uma grave afronta à dignidade do ser
humano e uma violação dos seus direitos humanos.
O artigo 3º estabelece uma proibição absoluta e universal, ou
seja, a tortura e os tratamentos desumanos e degradantes, quaisquer
que sejam as circunstâncias em questão e os factos que a elas
levaram, não encontram justificação alguma na Convenção Europeia,
sendo este o entendimento professado pelo Tribunal Europeu nos
casos Soering, de 1989, Vilvarajah e outros, de 1991, e Chahal, de
1996.
3.1.3. Direito à liberdade e à Segurança
O direito à liberdade deve ser entendido no sentido clássico da
expressão, ou seja, como a liberdade física de a pessoa ir e vir.
A segurança da pessoa deve se essencialmente
compreendida na noção ampla de liberdade. Todas as decisões
relativas à segurança da pessoa devem respeitar as exigências
formais e substanciais previstas na lei.
Exemplo:Caso Salduz v. Turquia, 36391/02, de 26 de abril de 2007.
YusufSalduz foi detido pela polícia da secção antiterrorista, em 29 de
maio de 2001, por suspeitas de participação numa manifestação
ilegal de apoio a uma organização ilegal, o PKK (Partido dos
Trabalhadores do Kurdistão), tendo sido interrogado, em 30 de maio
de 2001, antes de ser apresentado ao Ministério Público, por polícias
da secção referida, na ausência de advogado. Neste caso o
demandante YusufSalduz queixou-se, além do mais, de que lhe
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havia sido negada a assistência de um advogado durante a sua
detenção. Neste caso o Tribunal Europeu de Direitos Humanos
emitiu uma decisão inovadora, considerando que as pessoas detidas
em esquadras ou postos policiais têm o direito de acesso a um
advogado.
Exemplo:Caso Khaled Al-Masri v. Antiga República Jugoslava da
Macedónia, n.º 39630/09, de 13 de dezembro de 2012. Trata-se de
um caso que envolveu uma situação de «rendição extraordinária».
Nesta decisão, o TEDH condenou a Antiga República Jugoslava da
Macedónia (FYROM3) pela "extrema gravidade" das violações da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigos 3.º, 5.º, 8.º e
13.º) durante a entrega extraordinária de Khaled El-Masri. Embora
este caso envolva outras situações, iremos apenas fazer referência
às situações que levaram à violação do artigo 3.º da CEDH na
perspetiva, como referimos supra da falta de investigação de
alegados maus-tratos durante a detenção e na prisão. O recorrente,
cidadão com nacionalidade alemã, em 31 de dezembro de 2003, foi
detido ilegalmente em Tabanovce, na fronteira, e transportado para
Skopje (ambas localidades situadas na antiga República Jugoslava
da Macedónia) e aí mantido preso desde essa data até 23 de janeiro
de 2004 e depois transportado para o Afeganistão, em 23-24 de
janeiro de 2004, onde foi mantido até maio de 2004 e submetido a
tratamento degradante e desumano. Em Skopje foi levado para um
quarto no último andar de um hotel. Durante a sua detenção no hotel,
foi sempre acompanhado por uma equipa de nove homens que eram
rendidos de seis em seis horas. Três deles estavam com ele em
todos os momentos, mesmo quando dormia. Foi interrogado várias
vezes ao longo da sua detenção. Os seus pedidos para contactar a
embaixada alemã foram recusados. Um destes homens disse-lhe
que poderia voltar à Alemanha se confessasse ser membro da Al-
Qaeda. Iniciou uma greve de fome no décimo terceiro dia da sua
detenção. Foi-lhe transmitido, uma semana depois de ter iniciado a
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greve de fome, que iria ser transferido, por via aérea, para a
Alemanha. Foi algemado, vendado e levado de automóvel, em 23 de
janeiro de 2004, para o aeroporto de Skopje. No aeroporto foi-lhe
provocado o "choque de captura" que consistiu no seguinte:
espancamento, desnudamento, introdução violenta de supositório no
ânus (após vestido com roupa que não lhe pertencia), agrilhoamento
dos pés e das mãos, vendado e escoltado até ao avião. Num
relatório, referido no Acórdão do TEDH, é dito que «fomos capazes
de provar o envolvimento da CIA na transferência do Sr. El-Masri
para o Afeganistão, num voo a partir de Skopje, na Antiga República
Jugoslava da Macedónia, com escala em Bagdá (Iraque), até Cabul
(Afeganistão), a 24 de Janeiro de 2004». Enquanto nas mãos dos
macedónios e das autoridades norte-americanas, Khaled El-Masri
não teve acesso a qualquer processo legal, nem lhe foi permitido
qualquer contacto com o mundo exterior, apesar dos seus repetidos
pedidos para entrar em contacto com a sua esposa, com um
advogado e com a embaixada alemã. O recorrente alegou que as
autoridades nacionais realizaram uma investigação superficial e
grosseiramente inadequada, lenta e ineficaz O governo alegou que o
recorrente não foi maltratado e, admitiu que a investigação do M. P.
não foi eficaz por a denúncia criminal ter sido apresentada
tardiamente e contra agressores não identificados.
Terceiros tiveram intervenção individual, como o Alto Comissariado
da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a Interights
(Theinternational centre ofthe legal protectionofhumanrights), e
conjunta, como a Amnistia Internacional (AI) e a Comissão
Internacional de Juristas (CIJ). O Tribunal referiu, como princípios
gerais e tal como no caso Labita v. Itália que referiremos infra, que,
quando uma pessoa faz uma afirmação credível de que sofreu
tratamento violador do artigo 3.º por parte de autoridades do Estado
(guardas prisionais, forças de segurança, etc.), é exigido ao Estado
uma investigação eficaz, rápida e séria5 que leve à identificação e
punição dos responsáveis, resultando tal, implicitamente, da
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conjugação dos artigos 1.º e 3.º da CEDH, sob pena da proibição
legal geral da tortura e tratamentos desumanos e degradantes poder
ser inútil na prática e levar à total impunidade dos causadores de
maus-tratos. Além disso, a investigação deve ser independente do
executivo, independência essa que implica não apenas a ausência
de uma ligação hierárquica ou institucional mas também uma
autonomia em termos práticos. O TEDH considerou que o Estado
não fez uma aplicação prática destes princípios. Desde logo, na sua
opinião, a descrição pelo requerente das ações e os elementos
periféricos disponíveis eram suficientes para levantar pelo menos
uma suspeita razoável de que a queixa poderia ser imputada às
autoridades do Estado, observando-se um caso, prima facie, de má
conduta por parte das forças de segurança do Estado demandado,
que justificavam uma investigação por parte das autoridades, em
conformidade com os requisitos do artigo 3 º da Convenção. Em
dezembro de 2008, quase dois meses e meio depois de ter
conhecimento da denúncia, o Ministério Público de Skopje rejeitou-a
por falta de provas. Apenas recolheu informações junto do Ministério
do Interior, não tendo realizado quaisquer outras diligências de
investigação para examinar as alegações da recorrente (o Governo
confirmou que o Ministério Público não tinha inquirido o denunciante
nem as pessoas que trabalhavam no hotel no momento dos factos).
As autoridades de Skopje atestaram que uma aeronave havia
pousado no Aeroporto de Skopje, a 23 de janeiro de 2004, sem
quaisquer passageiros e que tinha descolado, na manhã seguinte,
levando apenas um passageiro. Isto confirma as alegações do
recorrente em relação à sua transferência para o Afeganistão, tanto
em termos de tempo como de forma. O M. P. não procurou obter
esta informação e, por isso, não investigou a identidade do
passageiro que embarcou. A complexidade do caso e a gravidade
das imputações requeria uma resposta independente – não apenas
limitada às informações do Ministério do Interior – e adequada, por
parte da autoridade judiciária mencionada. Outro aspeto sublinhado
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pelo TEDH, na linha da intervenção de terceiros no caso, revelador
do caráter inadequado da investigação, foi o impacto da investigação
sobre o direito à verdade que a vítima e a sua família viram
sonegado. O TEDH assinalou que alguns governos europeus têm
obstruído a busca da verdade - e continuam a fazê-lo -, invocando o
conceito de segredo de Estado, não dando explicações aos órgãos
parlamentares e impedindo que as autoridades judiciais estabeleçam
os fatos e processem os culpados de crimes. No presente caso, a
mesma abordagem levou as autoridades da Antiga República
Jugoslava da Macedónia a esconder a verdade. O TEDH, embora
admita que possa haver obstáculos ou dificuldades que impeçam o
progresso de uma investigação numa situação particular, destaca
que uma resposta adequada por parte das autoridades em investigar
alegações de violações graves de direitos humanos, como no
presente caso, tem de ser considerada como essencial para manter
no público a confiança e a adesão ao Estado de Direito, afastando
deste a ideia de qualquer aparência de conluio ou de tolerância de
atos ilícitos. Fez notar que a impunidade deve ser combatida, por
uma questão de justiça para as vítimas, como um elemento
dissuasor para prevenir novas violações e para defender o Estado de
Direito e a confiança do público no sistema de justiça.
O TEDH concluiu, em face do conjunto das situações supra
expostas, que a investigação sumária realizada no caso vertente não
pode ser considerada eficaz e adequada à procura da identificação e
punição dos responsáveis pelos factos alegados e reveladora de que
visou estabelecer a verdade. Neste contexto, o TEDH considerou
que houve uma violação do artigo 3.º da CEDH, ao nível processual.
3.1.4. Direito ao respeito pela vida privada e familiar
O artigo 8º visa defender o indivíduo das ingerências
arbitrárias dos poderes públicos na sua vida privada e familiar.
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A par dessa obrigação negativa (ou de “non facere”3), existem
obrigações positivas destinadas a efetivar o respeito pela vida
privada, que podem implicar a adoção de medidas que assegurem a
proteção da vida privada mesmo nas relações dos indivíduos entre
si.
A definição da fronteira entre estas obrigações positivas e
negativas é por vezes difícil de estabelecer; é necessário encontrar
um justo equilíbrio dos interesses concorrentes do indivíduo e da
comunidade no seu conjunto, para o que gozam os Estados de uma
certa margem de apreciação.
O artigo 8º impõe obrigações positivas aos Estados, mas
também – em certos casos – a adoção de uma determinada conduta
por parte das pessoas envolvidas, como seja o dever que se impõe a
um progenitor de permitir o acesso e o contacto (nomeadamente
através do exercício do direito de visita) do outro progenitor ao filho
de ambos.
O Tribunal europeu dos Direitos do Homem engloba a família
constituída por filiação biológica ou a decorrente da adoção, As
famílias monoparentais, saídas de separação ou divórcio, ou ainda,
as famílias que se fundam em laços sociais e afetivos, sem vínculo
biológico ou de parentesco.
Exemplo:Foi assim no Caso X. Y. e Z. c. Reino Unido, Ac. de 22 de
Abril de 19974, em que o Tribunal reconheceu a existência de “vida
familiar” entre o transsexual e o filho da sua companheira, que havia
sido inseminada artificialmente.
3Obrigação de Não Fazer: caracteriza-se por uma abstenção de um ato, normalmente por parte do
devedor, em benefício do credor ou de terceiro.
4 Caso em que pela 1ª vez o Tribunal declarou a existência de vida familiar sem que existisse qualquer laço de sangue.
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Há questões que parecendo caber na fronteira da “vida
familiar”, o Tribunal tem vindo a enquadrar no âmbito da “vida
privada” como sejam as relativas:
• Direito ao nome – enquanto elemento de identidade pessoal que é
escolhido pelos pais;
• Direito de acesso a informação pessoal – como seja a relativa à
primeira infância ou às origens familiares;
• Impugnação ou investigação da paternidade;
• Inseminação artificial ou procriação medicamente assistida.
O artigo 8º não exige propriamente que se reconheça um
qualquer direito geral de aquisição por doação ou de uma qualquer
quota da herança do autor da sucessão. Em matéria patrimonial
remete-se aos Estados a escolha dos meios que habilitem os
indivíduos a viver uma vida familiar normal, sendo que estes direitos
aquisitivos não são indispensáveis à persecução desse fim.
Todavia, a leitura conjugada do artigo 8º - o direito ao respeito
efetivo da vida familiar – e do artigo 14º da Convenção que consagra
a proibição de discriminação, designadamente em razão do
nascimento, proíbe tratar diferentemente (em termos patrimoniais)
filhos “naturais” (nascidos fora do casamento) e filhos “legítimos”.
Exemplo:Caso MERGER e CROS c. FRANÇA, ac. de 22 de
Dezembro de 2004 «Na condição de filha natural do autor da
sucessão, a primeira requerente viu-se na incapacidade legal de
receber de seu pai, em vida ou por morte, mais de metade do
património que lhe estaria reservada se fosse sua filha legítima. O
TEDH não encontrou razão que justifique semelhante discriminação
que se funda no nascimento fora do casamento, pelo que declarou a
violação, no caso, dos artigos 8º e 14º da Convenção, que se
aplicam conjuntamente.»
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Exemplo:Caso LEBBINK c. HOLANDA, ac. de 1 de Junho de 2004
«Uma criança nascida no seio de um casal que vive em situação
análoga à dos cônjuges faz parte ipsoiure5 dessa unidade familiar
desde a data, e por força, do seu nascimento; assim, entre a criança
e os seus pais existe uma relação que constitui “vida familiar”.
A vida em comum e a companhia mútua de pais e filhos
constitui um elemento fundamental da vida familiar. Todas as
medidas que a possam afetar constituem uma ingerência no direito
protegido pelo artigo 8.º da Convenção. Tal ingerência será violadora
desta disposição, salvo se estiver prevista na lei, prossiga uma
finalidade legítima nos termos do nº 2.º do artigo 8.º e seja
necessária numa sociedade democrática.
3.1.5. Liberdade de pensamento, consciência e de religião
É uma das liberdades fundamentais que constituem alguns
dos pilares de uma sociedade democrática respeitadora dos direitos
humanos.
Estes direitos ou liberdades que são exercidos a todos os
níveis da sociedade e numa grande diversidade de ambientes e
situações, por exemplo no âmbito das atividades religiosas ou
filosóficas da pessoa, no cumprimento de compromissos educativos
ou através da palavra falada ou escrita. Contudo, em muitas
situações em que existem problemas com a efetivaproteção dos
direitos humanos no decurso dos procedimentos de aplicação da lei,
regista-se frequentemente uma correspondente falta de tolerância
para com as convicções religiosas da pessoa ou pelas suas
convicções políticas ou de outra natureza manifestadas em reuniões
públicas, em livros ou nos meios de comunicação social. Para
caminhar no sentido de uma plena e completa proteção dos direitos e
liberdades do indivíduo, os Estados tomaram providências
5 Expressão que deriva do latim que tem como significado “que deriva do direito”.
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adequadas para promover a causa dos direitos humanos em todas
as dimensões relevantes da sociedade.
O Artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
diz que:
“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de
consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de
religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua
religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e
em privado, por meios do culto, do ensino, de práticas e da
celebração de ritos.
2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual
ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as
que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa
sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem,
da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de
outrem”.
O artigo 9.º, n.º 1 da Convenção Europeia protege a liberdade
de toda a pessoa de “manifestar a sua religião ou a sua crença,
individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do
culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos”.
Exemplo:No caso Kokkinakis contra Grécia, o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem considerou que a “liberdade de pensamento, de
consciência e de religião” consagrada no artigo 9.º “é um dos pilares
de uma sociedade democrática no sentido utilizado pela Convenção.
É, na sua dimensão religiosa, um dos elementos mais fundamentais
que molda a identidade dos crentes e a sua concepção da vida, mas
é também um bem precioso para os ateus, agnósticos, cépticos e
indiferentes. O pluralismo indissociável de uma sociedade
democrática, ganho a muito custo ao longo dos séculos, depende
dela”13. No entanto, o mesmo Tribunal deixou claro no caso Kalaç
18 | P á g i n a
contra Turquia que o artigo 9.º “não protege todos os actos
motivados ou inspirados pela religião ou pela convicção. Para além
disso, ao exercer a liberdade de manifestar a sua religião, o indivíduo
pode necessitar de ter em conta a sua situação específica”14. Este
caso resultou de uma queixa apresentada pelo Senhor Kalaç, juiz
auditor no exército turco, que foi reformado compulsivamente por ter
“adoptado opiniões fundamentalistas ilegais”; foi considerado como
sendo, pelo menos de facto, membro da seita muçulmana
Süleyman15. Segundo o Governo, a sua reforma compulsiva “visou
afastar dos serviços jurídicos do exército uma pessoa que havia
manifestado a sua falta de lealdade para com os pilares
fundamentais da nação turca, nomeadamente o secularismo, que
compete às forças armadas garantir”. O queixoso alegou, por outro
lado, que não sabia da existência da seita Süleyman e que o direito
interno não dava indicações quanto ao significado da expressão
“opiniões fundamentalistas ilegais”, invocadas como fundamento
para a sua reforma compulsiva. O Tribunal Europeu concluiu contudo
não ter havido violação do artigo 9.º neste caso. Considerou, em
particular, que “Ao escolher uma carreira militar, o Senhor Kalaç
aceitou por sua própria vontade um sistema de disciplina militar que,
pela sua própria natureza, implica a possibilidade de impor a certos
direitos e liberdades dos membros das forças armadas restrições que
não podem ser impostas a civis […]. O Tribunal observou que não foi
contestado “que o queixoso, dentro dos limites impostos pelas
exigências da vida militar, teve a possibilidade de cumprir as
obrigações que constituem as formas normais através das quais um
muçulmano pratica a sua religião”. Foi-lhe, em particular, permitido
rezar cinco vezes por dia e desempenhar os seus restantes deveres
religiosos, como o jejum no Ramadão e a comparência nas orações
de Sexta- -feira na mesquita. Por último, a decisão do Supremo
Conselho Militar não se baseou nas “opiniões e convicções
religiosas” do queixoso “ou na forma como ele desempenhava os
seus deveres religiosos, mas sim nas suas condutas e atitudes”, as
19 | P á g i n a
quais, de acordo com as autoridades turcas, “violavam a disciplina
militar e contrariavam o princípio do secularismo”. Não tinha pois
havido neste caso qualquer violação do artigo 9.º. Deve referir-se
que, uma vez que o Tribunal concluiu que a reforma compulsiva do
queixoso não constituiu ingerência no seu direito à liberdade
religiosa, não foi necessário examinar o caso à luz do artigo 9.º, n.º 2
da Convenção.
3.1.6. Liberdade de expressão
O artigo 10º, n.º 1 da Convenção refere que o direito à
liberdade de expressão égarantido a qualquer um “sem que possa
haver ingerência de quaisquer autoridadespúblicas”, avançando o
n.º 2 que “o exercício desta liberdade (…) pode ser submetido
acertas formalidades, condições, restrições ou sanções”. Permite-se,
portanto, constatar que“não estamos perante um direito ilimitado ou
absoluto”.
Não há, é certo, nenhuma obrigação de limitação por parte
dos EstadosContratantes, falando-se somente de uma “mera
possibilidade”que ao ser aplicadasegundo os pressupostos do artigo
enunciado será, em princípio, considerada como válida.
Prevê-se expressamente no corpo do artigo 10.º a
possibilidade de os Estados submeterem “as empresas de
radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a umregime de
autorização prévia”, indicando-se logo a específica ingerência que se
admite.
Enquanto noutros contextos, o que a disposição consagra é
uma previsão geral derestrição, acompanhada de requisitos a que as
ingerências daí resultantes devem obedecer.
O que, naturalmente, é importante, no momento em que o
Estado aplica qualqueringerência, é que esteja certo de que o que
vai impor se encontra previsto na Convenção.
20 | P á g i n a
3.1.7. Proibição da discriminação
Dispõe o artigo 14º da Convenção: “O gozo dos direitos e
liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser
assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no
sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem
nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o
nascimento ou qualquer outra situação”.
Uma diferença de tratamento é discriminatória nos termos do
artigo 14.º da Convenção se não se basear numa justificação objetiva
e razoável, isto é:
• se não prosseguir um fim legítimo; e
• se não houver uma relação de razoável proporcionalidade entre os
meios empregues e o fim visado.
Exemplo:Caso SALGUEIRO DA SILVA MOUTA c. Portugal, ac. 21
Dezembro 1999 «Para anular a decisão do Tribunal de Família de
Lisboa e atribuir o poder paternal à mãe em detrimento do pai, o
Tribunal da Relação introduziu um elemento novo, a saber, o facto de
o requerente ser homossexual e viver com outro homem. O Tribunal
Europeu [concluiu] que houve uma diferença de tratamento entre o
requerente e a mãe de M., que se baseou na orientação sexual do
requerente, noção que é abrangida, sem dúvida, pelo artigo 14º. da
Convenção.»
«O Tribunal da Relação considerou, nomeadamente, que “uma
criança de tenra idade, deve, em regra, ser confiada à guarda e
cuidados da mãe, salvo se existirem razões ponderosas em
contrário” Considerou, por outro lado, que não havia razões
suficientes que permitissem retirar à mãe o poder paternal que lhe
tinha sido confiado por acordo estabelecido entre os pais.»
«O Tribunal da Relação teve, então, em consideração o facto de o
requerente ser homossexual e viver com outro homem para observar
que “a menor deve viver no seio (...) de uma família tradicional
21 | P á g i n a
portuguesa” e “não é este o lugar próprio para averiguar se a
homossexualidade é ou não uma doença ou uma orientação sexual
que preferência as pessoas do mesmo sexo. Em qualquer dos casos,
estamos perante uma anormalidade e uma criança não deve crescer
à sombra de situações anormais”.
«De acordo com o Tribunal, estas passagens do acórdão, longe de
constituírem simples fórmulas inábeis ou infelizes, (…) levam a
pensar que a homossexualidade do requerente pesou de modo
determinante na decisão final. Forçoso é constatar que o Tribunal da
Relação fez uma distinção ditada por considerações que têm a ver
com a orientação sexual do requerente, distinção que não se poderá
tolerar segundo a Convenção».
22 | P á g i n a
IV - Constituição da República Portuguesa
A Constituição6 é a lei suprema do país. Consagra os direitos fundamentais
dos cidadãos, os princípios essenciais por que se rege o Estado português e as
grandes orientações políticas a que os seus órgãos devem obedecer, estabelecendo
também as regras de organização do poder político.
Define a estrutura do Estado, ou seja as funções dos quatro órgãos de
soberania (Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais)
e dos órgãos de poder político (regiões autónomas e autarquias) e a forma como se
relacionam entre si.
Todas as outras leis têm que respeitar a Constituição - se não a respeitarem,
são inconstitucionais e, por isso, inválidas.
A Constituição da República Portuguesa foi aprovada em 1976 e desde então
já foi modificada diversas vezes(Revisão Constitucional em 1982, 1989, 1992, 1997,
2001, 2004 e 2005).
4.1. Noção de Direito Constitucional
É um ramo do Direito Público interno, dedicado à análise e interpretação
das normas constitucionais. Essas normas são consideradas leis supremas de
um estado soberano.
6 A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo
português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação
revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes
direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição
que corresponde às aspirações do país.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional,
de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia,
de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade
socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre,
mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa
23 | P á g i n a
O Direito público consiste num conjunto de normas que se destina a
proteger o interesse geral, da colectividade.
Em todos os Estados, as leis apresentam uma hierarquia (uma ordem de
importância), na qual as de menor grau devem obedecer às de maior grau. Eis
a hierarquia das leis em Portugal:
4.2. Princípios Fundamentais
O estado não é um aparelho sem objetivos, nem pode selecionar
livremente os seus objetivos. Enquanto estado constitucional, ele está
submetido à Constituição e comprometido na realização dos objetivos
constitucionais. O estado está constitucionalmente vinculado quanto aos meios
e quanto aos fins.
São tarefas fundamentais do Estado:
Lei Constitucional
Tratado internacional
Lei ordinária
Decreto-Lei
Decreto regional
Decreto regulamentar
Decreto regulamentar regional
Resolução do Conselho de Ministros
Portaria
Despacho
Postura
24 | P á g i n a
a) Garantir a independência nacional (Função de Segurança) e
criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a
promovam;
b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos
princípios do Estado de direito democrático (Soberania Popular);
c) Defender a Democracia política, assegurar e incentivar a
participação democrática dos cidadãos na resolução dos
problemas nacionais (Legalidade Democrática).
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a
igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos
direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a
transformação e modernização das estruturas económicas e
sociais (Função de Justiça e bem estar);
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português,
defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais
e assegurar um correto ordenamento do território (Função de
Justiça e bem estar);
f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e
promover a difusão internacional da língua portuguesa (Melhoria
da qualidade de vida dos Portugueses);
g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território
nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter
ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira
(Função de Justiça e bem estar);
h) Promover a igualdade entre os homens e mulheres (Função de
Justiça e bem estar).
As primeiras quatro alíneas do artigo 9º da Constituição da República
Portuguesa são quatro princípios políticos fundamentais contidos no art. 1º e
2º: independência nacional, Estado de direito, democracia e Estado social.
Estas tarefas fundamentais concretizam-se em múltiplas tarefas de
segundo grau, isto é, em diretrizes de atividade política ou obrigações
concretas do Estado, criando assim uma articulação funcional.
25 | P á g i n a
Exemplo: na alínea a) do artigo 9º remete para o artigo 81 alínea g) e o artigo
88º.
Na alínea b) do artigo 9º remete para os artigos 202º alínea f) e 272º.
Os direitos, liberdades e garantias não são absolutos nem ilimitados, ou
seja, a Constituição não se limita a reconhecer por exemplo o valor da
liberdade: liga os direitos a uma ideia de responsabilidade social e integra-os
no conjunto dos valores comunitários.
O problema dos limites dos direitos fundamentais coloca-se como um
conflito prático entre valores no contexto do sistema constitucional. Este limite é
acima de tudo um problema de interpretação das normas constitucionais. O
que se pretende com a harmonização dos direitos, liberdades e garantias é que
não existam conflitos ou colisões de direitos.
Exemplo:
António chama de besta a Bento. Bento não gosta do que ouviu e desfere uma
facada em António.
António Bento
Colisão de Direitos
26 | P á g i n a
Estes problemas de colisão e de conflitos implicam uma limitação
recíproca dos direitos e valores conflituais que podem surgir em abstrato, ao
nível legislativo, quando o preceito constitucional não tenha previsto qualquer
restrição de determinado direito ou se torne necessário ir além das restrições
legislativas previstas.
A figura da restrição legislativa que a Constituição estabelece no seu
artigo 18º deve ser autonomizada, uma vez que implica uma autorização do
legislador. Esta autonomização impõe-se quando se entende que a lei restritiva
só é permitida, entre nós, nos casos e para os efeitos em que seja
expressamente prevista pelos preceitos constitucionais relativos a esses
direitos.
Os direitos, liberdades e garantias são de aplicação imediata. E esta
aplicação direta traduz-se no seguinte:
a) Os preceitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias
não necessitam de mediação, pois os mesmos se aplicam na ausência
de lei;
b) São inválidas as leis que infrinjam os preceitos relativos aos direitos,
liberdades e garantias.
4.2.1. Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade, conhecido por meio da expressão latina
nullumcrimen, nullapoena sine lege, que significa que 'não há crime, nem pena,
sem lei anterior que os defina', é muito importante no estudo do Direito, sendo
um norteador para leis e dispositivos. Esse princípio encontra-se em várias
partes da Constituição da República e também em códigos penais e outros
documentos.
Através da lei é possível criar deveres, direitos e impedimentos, estando
os indivíduos dependentes da lei. Nesse princípio, aqueles que estão dentro
dele devem respeitar e obedecer a lei. Pode-se ainda dizer que esse princípio
representa uma garantia para todos os cidadãos, prevista pela Constituição,
pois por meio dele, os indivíduos estarão protegidos pelos atos cometidos pelo
Estado e por outros indivíduos. A partir dele, há uma limitação no poder estatal
em interferir nas liberdades e garantias individuais do cidadão. Assim, de modo
27 | P á g i n a
geral, é permitido a todos realizarem qualquer tipo de atividade, desde que esta
não sejaproibida ou esteja na lei.
O Estado Subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade
Democrática (artigo 3º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).
4.2.2. Princípio da Soberania Popular
Está inerente no artigo 1º da Constituição da República.
“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa
humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade
livre, justa e solidária” (Soberania Popular).
A soberania popular é a doutrina pela qual o Estado é criado e sujeito à
vontade das pessoas, que são a fonte de todo o poder político.
A Soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as
formas previstas na Constituição (artigo 3º n.º 1 da Constituição da República
Portuguesa).
A soberania popular é um conceito distinto de soberania territorial. Como
muitos exemplos de divisões territoriais mostram, a soberania territorial é
celebrada por um governo, não pelas pessoas.
4.2.3. Estado de Direito Democrático
O Estado corresponde a uma comunidade de cidadãos politicamente
organizada, mas também a uma estrutura organizada de poder e acção — que
se manifesta através de órgãos, serviços, relações de autoridade. Tal estrutura
organizada destina-se a garantir a convivência ordenada entre os cidadãos e
manter a segurança jurídica. O Estado consegue fazê-lo porque regula
vinculativamente a conduta da comunidade, ou seja, cria normas e impõe a
conduta prescrita, inclusivamente a si próprio. Neste sentido, a estrutura
organizativa a que chamamos Estado deve obediência ao direito — isto é, cria
direito e vincula-se a ele —, não sendo outro o sentido da expressão Estado de
direito (art. 2º da Constituição da República Portuguesa).
28 | P á g i n a
Não existe, portanto, a ideia de poder legítimo sem a ideia de direito,
pois o direito legitima o exercício do poder, na medida em que o controla e
modera. Por isso, a expressão «Estado de direito» significa que o exercício do
poder público está submetido a normas e procedimentos jurídicos
(procedimentos legislativos, administrativos, judiciais) que permitem ao cidadão
acompanhar e eventualmente contestar a legitimidade (leia-se: a
constitucionalidade, a legalidade, a regularidade) das decisões tomadas
pelas autoridades públicas.
Este «Estado de direito» é um «Estado democrático», o que significa
que o exercício do poder baseia-se na participação popular. Tal participação
não se limita aos momentos eleitorais, mediante «sufrágio universal, igual,
direto e secreto», mas implica também a participação ativa dos cidadãos na
resolução dos problemas nacionais, o permanente controlo/escrutínio do
exercício do poder por cidadãos atentos e bem informados, o exercício
descentralizado do poder e o desenvolvimento da democracia económica,
social e cultural — ou seja, a responsabilidade pública pela promoção do
chamado Estado social: a satisfação de níveis básicos de prestações sociais e
correção das desigualdades sociais.
4.2.4. Cidadania portuguesa
Num sentido amplo, a cidadania é reconhecida como o «direito a ter
direitos». Por isso, há quem a entenda como um estatuto que confere um leque
de direitos constitucionalmente previstos.
Embora a Constituição da República Portuguesa não o defina,
a cidadania pode ser compreendida como um direito fundamental ligado a uma
nacionalidade: o «direito a ser membro da República Portuguesa». Exige,
portanto, um vínculo ou conexão relevante a Portugal — ter nascido em
território português, ser filho ou neto de portugueses, casar-se com
um cidadão português — que justifique tal estatuto de inclusão/pertença à
comunidade política e jurídica portuguesa. De qualquer forma,
a Constituição não admite distinções entre cidadãos originários e cidadãos
naturalizados; excetua-se a exigência de que o presidente da República seja
português de origem.
29 | P á g i n a
Importa notar que a Constituição adota o termo «cidadania» em
detrimento de «nacionalidade» ou «nação», a fim de escapar à carga
antidemocrática que o Estado Novo lhes imprimiu. Assim, a cidadania
portuguesa não deve se interpretada num sentido exclusivo (ou seja, distintivo
do «nós» e dos «outros») porque a Constituição reconhece aos estrangeiros e
apátridas que se encontrem ou residam em Portugal os mesmos direitos do
cidadão português. Neste sentido, todos os cidadãos portugueses — e
estrangeiros a eles equiparados pelo princípio da universalidade — gozam dos
direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição. Há, todavia,
direitos exclusivos dos portugueses (sobretudo direitos políticos) e direitos
exclusivos dos estrangeiros (como o direito de asilo).
A Constituição protege a cidadania, atribuindo-lhe o regime dos direitos
fundamentais.
Esta proteção implica, sobretudo, o direito a não ser privado
da cidadania por motivos políticos — ou seja, em consequência de ações ou
opções políticas, mesmo aquelas tidas como «antipatrióticas» — ou como
resultado de uma pena ou de um efeito de pena.
A Constituição e a lei apenas preveem a perda de cidadania em caso de
renúncia pelo seu titular. Por isso, a perda da cidadania portuguesa depende
exclusivamente da declaração da vontade do cidadão em causa — e desde
que tenha outra nacionalidade, a fim de que não se torne apátrida. Assim, só
perde a nacionalidade portuguesa o cidadão que, sendo nacional de outro
Estado, declare que não quer ser português.
Deve evitar-se a apátrida, isto é, a condição de quem não tem
nacionalidade, porque a ausência desse estatuto priva a pessoa de um
conjunto de direitos importantes como os de circular livremente, entrando e
saindo do território do Estado, e o direito a votar e ser eleito para cargos
políticos.
No plano europeu, a apátrida deve ser evitada na medida em que a
atribuição da cidadania europeia depende de o indivíduo ser nacional de um
Estado-membro da União Europeia pelo que a perda da nacionalidade de um
Estado-membro implica a perda da cidadania europeia e dos direitos que lhe
são associados.
30 | P á g i n a
4.2.5. Estado Unitário
Portugal é um estado unitário regional7.
É constante do direito português a unitariedade do Estado. Contudo o n.º
6 da CRP converte Os Açores e Madeira em regiões autónomas dotadas de
estatutos político administrativo e de órgãos de governo próprio.
Existe autonomia político administrativa e não só administrativa.
Desde logo o art. 225º8 da Constituição da República Portuguesa aponta
os fundamentos as finalidades e os limites da autonomia fiscal. Aponta para
elementos políticos económicos e sociais.
No essencial o regime político administrativo das regiões autónomas
caracteriza-se por:
• Poderes atinentes à prossecução dos interesses
específicos regionais, designadamente poderes legislativos - 227ºn.º1
alíneas a) c) b); regulamentares - 227º n.º 1 alíneas d) e); executivos -
227º n.º 1 alíneas g) h) m) da C.R.P.
• Poderes de participação em atos de órgãos do Estado
central que afetem especificamente as regiões - 227ºn.º1 alíneas e) f) p)
r) da C.R.P.
Participar na integração europeia – 227ºn.º1 alínea t) da C.R.P.
• Poderes de garantia – 281ºn.º2 alínea g) da C.R.P.
• Assembleia representativa e governo perante ela
responsável como órgãos de poder próprio – 231º da C.R.P.
• Articulação dos órgãos de soberania e dos órgãos de
autonomia.
4.2.6. Sufrágio Universal e partidos políticos
7 No estado unitário existe um único núcleo de órgãos detentores do poder político. No estado unitário regional, todo o território encontra-se abrangido por regiões autónomas detentoras de competência politica e administrativa delegada pelo poder central. 8As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respetivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma.
31 | P á g i n a
Atualmente, com a evolução do conceito de cidadãos ativos, no plano
politico, o direito de sufrágio, no nosso país, assiste a todos os cidadãos
maiores de 18 anos, ou seja, é um direito universal que tem a idade como
único limite, não existindo qualquer tipo de restrição, seja em função do sexo,
das habilitações literárias, dos rendimentos ou da propriedade. As primeiras
eleições por sufrágio universal, em Portugal, foram as eleições para a
Assembleia Constituinte, em 1975. O direito de sufrágio compreende duas
vertentes, uma ativa e outra passiva. A primeira consiste no direito de votar e a
segunda garante o direito de poder ser eleito para qualquer cargo público,
abrindo-se uma exceção relativamente ao limite de idade dos 18 anos que
reside no facto de só ser elegível para Presidente da República quem for maior
de 35 anos.
A eleição não era universal, pois excluía, por exemplo, o direito de voto
às mulheres, aos menores de 25 anos e aos filhos de família que estivessem
na companhia e poder dos pais. Apesar de algumas modificações, permaneceu
um critério fortemente censitário que limitava a capacidade eleitoral ativa e
passiva. Por exemplo, alei fundamental de 1911 consagrou o sufrágio direto
mas continuavam a não ter capacidade eleitoral, ativa e passiva, as mulheres e
os analfabetos. Durante o Estado Novo (em que vigorou a Constituição de
1933) não era permitida, na prática, a criação de partidos políticos, uma vez
que a formação de quaisquer associações políticas dependia de autorização
administrativa que nunca era concedida.
O sufrágio universal e os partidos políticos (art. 10º da CRP) são uma
concretização do princípio democrático assente na vontade popular, no Estado
de direito democrático, na soberania do povo, a quem pertence o poder politico.
A nossa democracia é essencialmente representativa e as eleições são
protagonizadas, regra geral, pelos partidos políticos. A exceção é o referendo,
paradigma da democracia participativa. O sufrágio é universal, (um direito de
todos os cidadãos), igual (um voto para cada cidadão com eficácia idêntica),
direto (sem instâncias mediadoras), secreto e periódico (mandatos obtidos por
períodos certos e conhecidos antecipadamente. A constituição dos partidos
políticos é um direito fundamental dos cidadãos e encontra-se positivado no
art.51 da nossa lei fundamental. A sua existência é uma garantia institucional
32 | P á g i n a
da organização politica. São uma forma de organização e de expressão da
vontade popular.
É vedado o exercício aos incapazes, segundo a lei civil, designadamente
aos interditos. Como se trata de uma restrição aos direitos, liberdades e
garantias, a lei que os restringir terá que obedecer aos requisitos impostos pelo
nosso legislador constituinte no art. 18º. Quanto a ser permitida a existência de
penas de suspensão do referido direito, nada se conclui pelo teor da norma.
Mas já o n.º 4 do art. 30º, da nossa constituição, proíbe a perda de direitos
políticos como consequência imediata da condenação em determinadas penas.
Porém, a lei penal prevê penas dessa natureza relacionadas com a violação
dos deveres de cidadania e de responsabilidade política.
4.3. Órgãos de Soberania
Os órgãos de soberania são entidades que representam os poderes
(político e judicial) do estado. São eles:
a) Presidente da República;
b) Assembleia da República;
c) Governo;
d) Tribunais.
4.3.1. Presidente da República
É eleito por sufrágio direto9 e universal10, para mandatos com duração
de cinco anos, não podendo exercer mais de dois mandatos sucessivos.
É:
• Chefe de Estado (representa juridicamente a comunidade nacional e o
estado português no plano internacional);
• Comandante supremo das forças armadas;
• Pode dissolver a Assembleia da República;
• Nomeia o Primeiro- Ministro e pode demitir o governo.
9 O sufrágio direto consiste no sufrágio em que os cidadãos elegem os governantes sem intermediários. 10 O sufrágio universal consiste o direito de voto para eleição dos representantes de uma nação exercido por todos os indivíduos de maioridade e não incapazes por lei.
33 | P á g i n a
4.3.2. Assembleia da República
É a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses.
É um órgão parlamentar, unicameral, composto por deputados11 eleitos
por sufrágio direto, por círculos eleitorais definidos geograficamente, por
mandatos de quatro anos.
É:
• Órgão legislativo – compete-lhe fazer leis;
• Função política de controlo e de debate político;
• O Presidente da República da Assembleia da República é a segunda
figura do estado;
• Elege outros órgãos (juízes do tribunal constitucional, provedor de
justiça, membros do conselho de estado, etc).
4.3.3. Governo
É um órgão colegial constituído pelo primeiro-ministro, ministros,
secretários de estado e subsecretários de estado. A constituição do governo
decorre de uma decisão do presidente da república que tem em conta a
composição político-partidária do Parlamento. Como este é, em princípio, de
quatro em quatro anos, o tempo normal de permanência em funções num
governo é também de quatro anos.
É:
• Órgão executivo – compete-lhe fazer cumprir as leis;
• Conduz a política geral do País;
• Superintende à Administração Pública.
4.3.4. Tribunais
Têm competência para Administrar a Justiça em nome do Povo (Artigo
202.º da CRP).
✓ Tribunal Constitucional (Artigos 221.º a 224.º CRP);
11 230 deputados.
34 | P á g i n a
✓ Tribunais Judiciais (Artigos 209.º a 211.º CRP);
Organização judiciária comum assume natureza piramidal,
começando pelo topo temos:
1 – Supremo Tribunal de Justiça – É o órgão superior da
hierarquia dos tribunais judiciais, ou seja, é a última instância de recurso;
2 – Tribunais de segunda instância ou tribunais da relação –
Compete apreciar os recursos das decisões dos tribunais de primeira
instância;
3 – Tribunais de primeira instância ou tribunais de comarca –
Cabe-lhes apreciar as causas pela primeira vez, com competência
genérica (geral) ou de competência especializada (ex. Tribunais de
Família).
✓ Tribunais Administrativos e Fiscais (Artigo 212º a 268.º
CRP);
✓ Tribunais Arbitrais (Artigo 209.º n.º2 da CRP);
✓ Tribunal de Contas (Artigo 214.º CRP);
▪ Procuradoria Geral e Ministério Público (Artigos 219.º e
220.º CRP);
A procuradoria geral é o órgão superior do Ministério Público a
quem compete designadamente:
Fiscalizar superiormente a actividade processual dos órgãos de
Polícia Criminal;
Promover a defesa da legalidade democrática.
O Ministério Público é o órgão do Estado encarregado de o
representar, exercer a acção penal e defender a legalidade democrática
e os interesses que a lei determinar.
▪ Provedor de Justiça (Artigo 23.º da CRP).
4.4. Direitos Fundamentais
Os direitos fundamentais são as posições jurídicas básicas reconhecidas
pelo direito português, europeu e internacional com vista à defesa dos valores
e interesses mais relevantes que assistem às pessoas singulares e coletivas
35 | P á g i n a
em Portugal, independentemente da nacionalidade que tenham (ou até, no
caso dos apátridas, de não terem qualquer nacionalidade).
O Estado tem a obrigação respeitar os direitos fundamentais e de tomar
medidas para os concretizar, quer através de leis, quer nos domínios
administrativo e judicial. Estão obrigadas a respeitá-los tanto as entidades
privadas quanto as públicas, e tanto os indivíduos quanto as pessoas coletivas.
Mesmo os cidadãos portugueses que residam no estrangeiro gozam da
proteção do Estado para o exercício dos direitos fundamentais, desde que isso
não seja incompatível com a ausência do país.
À luz da nossa Constituição, existem duas grandes categorias de direitos
fundamentais: os direitos, liberdades e garantias, por um lado, e os direitos e
deveres económicos, sociais e culturais, por outro. Os primeiros — por ex., o
direito à liberdade e à segurança, à integridade física e moral, à propriedade
privada, à participação política e à liberdade de expressão, a participar na
administração da justiça — correspondem ao núcleo fundamental da vivência
numa sociedade democrática. Independentemente da existência de leis que os
protejam, são sempre invocáveis, beneficiando de um regime constitucional
específico que dificulta a sua restrição ou suspensão.
Em contraste, os direitos económicos, sociais e culturais — por exemplo,
o direito ao trabalho, à habitação, à segurança social, ao ambiente e à
qualidade de vida — são, muitas vezes, de aplicação diferida. Dependem da
existência de condições sociais, económicas ou até políticas para os efetivar. A
sua não concretização não atribui a um cidadão, em princípio, o poder de
obrigar o Estado ou terceiros a agir, nem o direito de ser indemnizado.
Os direitos fundamentais devem ser garantidos por todas as instituições
próprias de um Estado de direito democrático. Quanto aos cidadãos, além de
se poderem manifestar, apresentar petições, queixar ao Provedor de Justiça,
deverão ter acesso a todos os meios legais de defesa contra qualquer violação
de um direito fundamental, nomeadamente o direito de acesso aos tribunais.
Os direitos fundamentais estão protegidos pela Constituição contra
eventuais acuações de qualquer órgão de soberania ou do Estado que os
possam lesar. Existe uma proibição genérica de os restringir ou suspender,
seja por via legal, seja por qualquer outra via (por ex., administrativa).
36 | P á g i n a
Quando um direito fundamental se encontra sob ameaça ou é ofendido,
o meio de defesa por excelência é o recurso aos tribunais. Podem-se invocar
violações de direitos fundamentais em qualquer tipo de tribunal, embora cada
um tenha a sua competência específica. No caso de direitos cuja violação seja
crime — por ex., o direito à vida, o direito à integridade pessoal, o direito à
intimidade da vida privada e familiar ou o direito à propriedade privada —, o
cidadão deve acionar penalmente o infrator (seja este outro cidadão ou uma
pessoa coletiva pública ou privada), denunciando ou queixando-se
às autoridades competentes.
Fora do plano criminal, o cidadão afetado nos seus direitos fundamentais
pode recorrer aos tribunais civis ou administrativos: por exemplo, mediante
providências cautelares para suspender os efeitos de determinado ato da
Administração, de ações para declarar um direito, para intimar ou condenar em
determinadas prestações (como uma indemnização para um dano causado),
para impor proibições ou regras de conduta.
Em qualquer tribunal, um cidadão pode invocar a invalidade ou
inconstitucionalidade das normas jurídicas que considere lesivas de um direito
fundamental, com o objetivo de suspender ou extinguir os efeitos dessas
normas.
Os cidadãos têm ainda um direito de resistência que lhes dá o poder de
se oporem a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e
garantias. À luz do direito de resistência, pode ainda, no limite, repelir pela
força uma agressão quando não seja possível recorrer à autoridade pública,
nomeadamente aos tribunais. O exercício desse direito tem de ser necessário e
proporcional ao bem que visa defender.
Finalmente, se houver violação de direitos fundamentais pela
Administração Pública, os cidadãos podem sempre recorrer aos órgãos de
soberania ou ao Provedor de Justiça, mediante uma petição, reclamação ou
queixa. Podem ainda apelar para instâncias internacionais, como o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem (esgotado o recurso aos tribunais
portugueses) ou o Tribunal de Justiça da União Europeia, ou reclamar para
várias instituições da União Europeia.
37 | P á g i n a
A concretização de um direito fundamental estará muito mais limitada se
esse direito não beneficiar do regime dos direitos, liberdades e garantias. Os
direitos económicos, sociais ou culturais (por ex., o direito à proteção da saúde
ou o direito à habitação) possuem um grau de proteção mais reduzido e estão
dependentes da capacidadeeconómica do Estado para os concretizar.
Caso o direito económico, social ou cultural em causa seja
suficientemente concreto na sua previsão constitucional, pode pedir-se, em
determinadas circunstâncias, que o Estado seja condenado a praticar o ato em
falta.
A ideia da proteção da pessoa humana e da sua dignidade orienta todo
o ordenamento jurídico. Nele se consagram os chamados direitos de
personalidade, aos quais uma pessoa não pode renunciar nem por sua livre
vontade, e que não se podem transmitir nem ceder a outrem, seja por forma
gratuita ou contra um pagamento.
Os direitos de personalidade incluem o direito à integridade física, moral
e psíquica; a reserva da intimidade da vida privada; a liberdade de consciência;
a imagem social; a honra; e a inviolabilidade do domicílio e de
correspondência, entre outros que se encontram nos preceitos legais e
constitucionais e que dizem respeito àquilo que é o núcleo essencial da
pessoa.
Sendo irrenunciáveis, há manifestações dos direitos de personalidade
cujo exercício pode ser voluntariamente limitado pelo seu titular. Por exemplo,
cabe a cada pessoa decidir quais as informações sobre a sua vida pessoal que
pretende transmitir aos meios de comunicação social ou através de redes
sociais. O mesmo se aplica no que respeita ao direito à integridade física: a
pessoa pode praticar desportos, como boxe ou karaté, que podem implicar
ofensas ao corpo.
Em qualquer caso, a limitação voluntária ao exercício de um direito de
personalidade deve ser consciente, ponderada e prestada de forma expressa.
4.4.1.Direito de Resistência (Artigo 21º da CRP)
38 | P á g i n a
Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus
direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão,
quando não seja possível recorrer à autoridade pública.
Quanto à forma de manifestação esta resistência esta poderá ser:
a) Resistência passiva, mais caracterizada na desobediência civil, onde
as pessoas deixam de cumprir e observar determinada lei;
b) Resistência defensiva, quando direitos, liberdades e garantias, são
violados pelo governo através da força, defendendo-se as populações também
pela força, ato este que legitima a invocação da legítima defesa;
c) Resistência agressiva, praticado pela rebelião, pela revolta contra leis
injustas ou contra o próprio poder político constituído.
Quanto á legitimação do Direito de resistência, este deverá ser sempre
invocado, nos casos em que haja violação do Estado de Direito Democrático ou
na ofensa dos direitos fundamentais, surgindo então a resistência como
argumento jurídico e político devidamente sustentado, na tentativa imperiosa
do mais urgente retorno à ordem democrática, isto porque, o direito de
resistência pressupõe mais do que a simples admissão formal no texto
constitucional, mas de uma “relação justa” entre o comando normativo e as
práticas constitucionais.
4.4.2. Direito à Vida (Artigo 24º da CRP)
O direito à vida é um direito de personalidade que não está
regulado em especial no Código Civil, isto é., não encontra neste
articulado legal um regime próprio. No entanto, encontramo-lo
consagrado no artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa
(CRP) que declara que «a vida humana é inviolável» e que «em caso
algum haverá pena de morte».
O legislador deu a conhecer que num Estado de Direito
Democrático o direito à vida adquire uma posição de supremacia face
aos demais direitos, e assim confere uma elevada dignidade à pessoa
humana, porquanto todos os restantes direitos sejam eles direitos,
liberdades e garantias ou somente direitos fundamentais devem ceder
perante a inviolabilidade da vida humana. Também o Código Penal
39 | P á g i n a
reconhece a mais elevada importância à vida humana, porquanto
considera a ofensa a esta como um crime de extrema gravidade e como
tal punindo-o com a mais pesada pena, em moldura abstrata, no
primeiro artigo e seguintes da Parte Especial do seu articulado.
Não obstante o grau de proteção conferida ao direito à vida
humana, situações há que podem violar este direito, o que pode resultar
de uma atuação dolosa ou negligente e ilícita ou lícita. Em regra as
atuações dolosas e negligentes são ilícitas, sendo esta ilicitude e a
medida da culpa que determinam a necessidade de se punir ao nível
penal e que faz o agente incorrer na obrigação de indemnizar. Há, no
entanto, casos em que a conduta dolosa não acarreta sanção penal,
nem responsabilidade civil, pelo facto de a conduta não ser ilícita, como,
por exemplo, a atuação em legítima defesa. Por conseguinte, cingir-nos-
emos às situações sobre as quais é possível um juízo de ilicitude e de
culpa para a partir daí extrairmos os efeitos jurídicos da violação do
direito à vida.
As violações do Direito à vida são em princípio ilícitas, salvo
quando se provar que o agente da violação atuou no exercício de um
direito ou no cumprimento de um dever. O juízo de ilicitude, além de
apurar a existência de um destes dois requisitos, tem igualmente de
ponderar os direitos em conflito no caso concreto. Isto significa que o
exercício de um direito só poderá prevalecer sobre o Direito à vida de
outrem em circunstâncias verdadeiramente excecionais, como, por
exemplo, no exercício do direito à legítima defesa própria ou de
terceiros. Também o cumprimento de um dever só em casos muito
excecionais poderá prevalecer sobre o Direito à vida de outrem, como,
por exemplo, quando um elemento policial dispara sobre um sujeito,
provocando-lhe a morte, em legítima defesa de terceiro cuja vida
também estava em perigo. Por conseguinte, constatamos que o juízo de
ilicitude consiste numa ponderação das circunstâncias, designadamente
a atuação do lesante, a atuação do lesado e a necessidade de conduta
lesiva. Apenas quando a lesão for necessária para afastar o perigo para
a vida de outrem é que ela pode ter lugar. Na apreciação de uma
40 | P á g i n a
conduta lesante é igualmente necessário um juízo de culpa, que releva
nos casos em que a ilicitude não é afastada, em que é essencial verificar
se existem causas de exclusão da culpa e, em caso contrário, graduar a
culpa, isto é, apurar a medida da culpa do lesante no caso concreto.
Estabelecido o juízo sobre a conduta do lesante e apurando-se que a
mesma foi ilícita e culposa, a título de dolo ou mera culpa, haverá lugar à
responsabilidade civil por factos ilícitos, tendo o lesante obrigação de
indemnizar consoante o consagrado nos artigos 495.º e 496.º do CC.
4.4.3. Direito à integridade Pessoal (Artigo 25º da CRP)
Contra agressões físicas:
Intencionais - Contra ameaças e agressões que se traduzem nas lesões
da integridade física e psíquica das pessoas – Ex: Ofensa corporal lesão da
personalidade, tortura física ou à prática de lavagem do cérebro, são violação
da integridade física e psíquica;
Não intencionais: Lesão da integridade física e psíquica mas que tenha o
mesmo resultado.
Exemplos:
– Ruídos provocados durante a noite devido a obras;
– Ruídos provenientes de estabelecimentos de diversão Noturna,
ou a emissão de gazes industriais.
– A pessoa pode requerer ao tribunal que adote as medidas
adequadas à prevenção ou cessação da ofensa ou à atenuação
dos seus efeitos.
Vem tipificada como crime no Artigo 143º do Código Penal - crime de
ofensa à integridade física simples surge como o tipo legal fundamental em
matéria de crimes contra a integridade física;
O tipo legal do art. 143º CP fica preenchido mediante a verificação de
qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou
sofrimento causados, ou de uma eventual incapacidade para o trabalho;
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Contra agressões morais:
Direito à inviolabilidade Moral - Liberdade Religiosa: Artigo 18º
DUDH/Artigo 41º CRP e 71º e 70º do CC, o respeito pelos mortos e respeito
pela Honra.
4.4.4. Direito à Liberdade e Segurança (Artigo 27º da CRP)
O direito à segurança implica que os cidadãos devem poder viver
de forma segura e tranquila, livres de ameaças ou agressões por parte
dos poderes públicos e dos outros cidadãos.
As autoridades públicas têm, assim, um duplo dever: não
ameaçarem a segurança dos cidadãos e, por outro lado, garantirem essa
mesma segurança.
A omissão desta obrigação de garantir a segurança por parte do
Estado e, em especial, das instituições públicas que têm essa
incumbência — por exemplo, as polícias e os demais corpos de
segurança — pode fundamentar um pedido de indemnização pelos danos
causados ao cidadão.
4.4.5. Direito ao bom nome e reputação (Artigo 26º da CRP)
O direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no
direito de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou
consideração social, mediante imputação feita por outrem, bem como no
direito de defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação.
Todas as pessoas têm direito à honra pelo simples facto de serem
pessoas, uma vez que são seres morais, dotados de valores éticos
importantes que integram a sua personalidade e que, como
consequência, merecem tutela jurídica.
Além disso, a honra liga-se umbilicalmente ao nome de cada
pessoa, pelo que a consideração que cada um desfruta na sociedade
exprime o seu bom nome. Por sua vez, é o bom nome que, em razão
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direta com as valorações positivas da opinião pública que são feitas em
relação a uma pessoa, dá origem à reputação da mesma.
Cumpre referir que relativamente à tutela do Direito ao Bom Nome
e à Reputação, a Constituição da República Portuguesa dispõe no seu
art. 26º nº1, que “a todos são reconhecidos o direito (…) ao bom nome e
reputação (…)”.
A ofensa ao crédito e ao bom nome exige normalmente medidas
de correção e de reposição da verdade que não se esgotam na
responsabilidade civil.
4.4.6. Direito à imagem (Artigo 26º CRP)
Os direitos à imagem encontram-se protegidos
constitucionalmente, a par de outros direitos de personalidade, no n.º 1
do artigo 26.º da Constituição.
O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou
lançado no comércio sem consentimento dela, não carecendo desse
consentimento quando assim o justifique a sua notoriedade, o cargo que
desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas,
didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier
enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público
ou que hajam decorrido publicamente, salvo se do facto resultar prejuízo
para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada (artigo
79.º do Código Civil).
O cargo público exercido é incluído pela lei entre os casos de
limitação legal do direito à imagem, já que o interesse público em
conhecer a imagem dos respetivos titulares sobreleva, nessas
hipóteses, o interesse individual.
A proteção de forma autónoma e individualizada do direito à
imagem está penalmente tutelada pelo artigo 199.º do Código Penal,
dependendo o respetivo procedimento criminal de queixa, por força das
disposições combinadas do n.º 3 do artigo 199.º e do artigo 198.º,
ambos do Código Penal, sendo titular da queixa a pessoa cuja imagem
foi captada ou utilizada.
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4.4.7. Direito à inviolabilidade do Domicílio e da Correspondência (Artigo 34º CRP)
A Constituição da República Portuguesa, no artigo acima transcrito,
garante-nos um direito constitucional extremamente importante que é o
da inviolabilidade do domicílio e da correspondência. O que a constituição
tem subjacente a este princípio é que cada pessoa tem o direito à reserva
da vida privada e que ninguém se pode imiscuir nos seus assuntos de
foro íntimo.
Atualmente garantir um direito constitucionalmente consagrado,
como este, é extremamente difícil com o desenvolvimento constante das
tecnologias de informação que, se por um lado nos permitem uma maior
celeridade no tratamento, envio e transferência de dados, por outro lado
também a vulnerabilidade dessa transferência é acrescida com o
desenvolvimento dessas mesmas técnicas que nos tão úteis são.
A utilidade da internet não merece actualmente qualquer
contestação, todos nós a utilizamos, seja para enviar um postal de
aniversário a um amigo distante, um relatório de trabalho ou
simplesmente para aceder a milhões de informações úteis para o nosso
dia a dia (ler um vulgar jornal por exemplo). O problema reside no facto
de o conteúdo de um simples e-mail poder ser lido por alguém com
conhecimento do funcionamento da WorldWide Web não muito
desenvolvido, violando assim o princípio constitucional da inviolabilidade
da correspondência.
Com a violação da correspondência, colocam-se problemas ainda
maiores decorrentes da divulgação do conteúdo desses mesmos e-mails,
podendo eventualmente denegrir a imagem de uma pessoa (quiçá com
um cargo de elevada importância…) causando assim danos na vida
pessoal e profissional de alguém que pode muito bem ser você!
A violação da privacidade da correspondência, coloca assim em
causa outros dois direitos constitucionalmente consagrados; art. 25º
“direito à integridade pessoal; art. 26º “direito ao bom-nome e reputação”
e “direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar”.
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4.4.8. Liberdade de Expressão (Artigo 37º e 38º da CRP)
A Constituição da República Portuguesa conferiu a maior dignidade
jurídico-constitucional à atividade de divulgação de ideias e imagens
através dos órgãos de comunicação social, consagrando
constitucionalmente a liberdade de expressão e informação e a liberdade
de imprensa como direitos fundamentais.
Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 37.º "todos têm o direito de
exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela
imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de
se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações",
não podendo o exercício destes direitos ser impedido ou limitado por
qualquer tipo ou forma de censura (n.º 2 do artigo 37.º).
Este preceito constitucional consagra dois conjuntos de direitos: o
direito de expressão do pensamento e o direito de informação.
O direito de expressão do pensamento, é, desde logo e em
primeiro lugar, a liberdade de expressão, implicando, enquanto direito
negativo ou de defesa perante o poder público, "o direito de não ser
impedido de exprimir-se", incluindo, na sua dimensão positiva, um "direito
de acesso aos meios de expressão", com afloramentos, segundo os
citados autores, nos artigos 37.º, n.º 4 (direito de resposta), 40.º (direitos
de antena, de resposta e de réplica política) e 41.º, n.º 5 (direito das
igrejas e outras comunidades religiosas a meios de comunicação social
próprios).
Por seu turno, o direito de informação configura um feixe de
direitos fundamentais: o direito de informar, o direito de se informar e o
direito de ser informado.
Se resulta inequivocamente do n.º 2 do artigo 37.º que a
Constituição não permite "qualquer tipo ou forma de censura" ao exercício
dos direitos de livre expressão e de informação, isto não significa que não
possa haver limites a tal exercício.
O que está vedado é colocar obstáculos, no caso de o falado
exercício observar os limites autorizados pela própria lei fundamental.
45 | P á g i n a
Na verdade, ao prescrever no n.º 3 do artigo 37.º que "[a]s
infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos
princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social,
sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos tribunais
judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei", a
lei fundamental está a admitir a existência de limites constitucionalmente
autorizados ao respetivo exercício, cuja infração pode ser punida através
da instituição de tipos penais ou contraordenacionais.
"Esses limites visam salvaguardar os direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de
proteção penal."
A liberdade de expressão e informação é um dos direitos, liberdades e
garantias consagrados na Constituição da República Portuguesa e recebe
também proteção na generalidade dos instrumentos jurídicos internacionais e
europeus em matéria de direitos humanos. Esta liberdade integra o direito de
exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra, pela imagem ou por
qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser
informado, sem qualquer discriminação, impedimento ou limitação —
nomeadamente por qualquer tipo de censura.
A Constituição tem ainda um conjunto de disposições que completam a
regulamentação desta liberdade fundamental, mediante regras específicas
quanto à liberdade de imprensa e meios de comunicação social (incluindo o
estabelecimento de uma entidade administrativa independente que assegure
essas liberdades) e da previsão de alguns direitos particulares de expressão e
informação: os direitos de antena, de resposta e de réplica política.
Não obstante a enorme relevância que assumem em qualquer Estado de
direito, fundamentais como são para o desenvolvimento saudável da vida
pública nas suas várias esferas, estes direitos e liberdades têm os seus limites
naturais, os quais decorrem de outros direitos igualmente protegidos pela
Constituição. Assim, a liberdade de expressão cessa quando se traduzir numa
ofensa injustificada à integridade moral, ao bom nome ou à honra de outra
pessoa. A Constituição garante a todas as pessoas um direito de resposta e de
46 | P á g i n a
retificação, bem como o direito a uma indemnização por danos eventualmente
sofridos.
4.4.9. Direito de Reunião e de Manifestação (Artigo 45º CRP)
É o direito que cada cidadão, ou grupo de cidadãos, tem de reunir, de se
expressar e de se manifestar com os demais. Constitui um pressuposto
necessário da reflexão com os outros e da formação e expressão da opinião
pública, sendo uma liberdade essencial num Estado de direito democrático.
Através do seu exercício, garante-se o exercício de outras liberdades,
designadamente a política (reuniões e manifestações políticas, comícios e
desfiles eleitorais), a sindical (reuniões e manifestações laborais), a religiosa
(reuniões e manifestações religiosas, procissões e cerimónias) e a associativa
(reuniões e manifestações de associados).
Este direito compreende a liberdade de se reunir e manifestar, de não
ser perturbado por outrem no exercício desse direito e de escolher local, hora,
forma e conteúdo, sem prejuízo dos limites decorrentes do exercício de outros
direitos fundamentais. O direito de reunião pode ser exercido em privado ou em
público e não tem de pressupor a expressão de uma mensagem dirigida a
terceiros, pelo que pode servir objetivos muito variados.
Quando a reunião for pública, passa a ser um exercício de manifestação.
Os cidadãos têm sempre o direito de se reunir e manifestar de forma pacífica e
sem armas. O exercício deste direito não carece de nenhuma autorização, mas
pode exigir comunicação prévia dos seus promotores às autoridades públicas.
O exercício deste direito está sujeito a alguns limites e condições.
Os cidadãos devem reunir e manifestar-se de forma pacífica e sem
armas, isto é, sem que a concretização desse direito assuma carácter
tumultuoso ou violento. A caracterização de uma reunião ou manifestação
nesses termos deve assentar em factos ocorridos, logo, na verificação de atos
violentos por parte significativa dos participantes, contra terceiros ou entre eles
mesmos.
A escolha do local, da hora, da forma e do conteúdo também pode ter
limitações decorrentes do exercício de outros direitos importantes. Por
47 | P á g i n a
exemplo, não se compreenderia uma manifestação de milhares de pessoas
numa zona residencial a horas tardias, implicando prejuízos para o descanso
noturno de um número significativo de cidadãos, ou uma manifestação de
pessoas a pé que interrompesse o tráfego num eixo rodoviário importante
como uma autoestrada.
Por outro lado, sendo proibidas as associações armadas ou de tipo
militar ou paramilitar, bem como as organizações racistas ou que perfilhem a
ideologia fascista, a realização de reuniões e manifestações desse tipo também
se afiguraria ilegítima.
Por último, embora o exercício do direito de reunião e manifestação não
careça de autorização, pode exigir comunicação prévia
às autoridades públicas. As pessoas ou entidades que pretendam realizar
reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos devem
avisar, com antecedência mínima de dois dias úteis, o presidente da câmara
municipal competente. O aviso deve ser assinado por três dos promotores,
devidamente identificados.
O exercício do direito de reunião e manifestação não tem de ser
previamente autorizado. Qualquer proibição ou dissolução da iniciativa só se
justificará em situações de violência ou tumultos, de reuniões ou manifestações
de organizações militares, paramilitares, racistas ou fascistas, ou de reuniões
ou manifestações que impliquem a violação inadmissível de outros direitos
fundamentais (garantia da liberdade e segurança das pessoas, por exemplo).
Além disso, as forças de autoridade podem obstar à realização de
manifestações em locais públicos quando:
- ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e
às Forças Armadas;
- sejam feitas com ocupação abusiva de edifícios públicos ou
particulares;
- se situem a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania,
das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos
estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou
consulares e das sedes de partidos políticos.
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A realização de reuniões ou manifestações em lugares públicos pode
ainda ser interrompida pelas autoridades se for desviada da sua finalidade pela
prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem gravemente a
ordem e a tranquilidade públicas.
As autoridades competentes devem lavrar um auto no qual descrevam
os fundamentos da interrupção, entregando cópia aos promotores da
manifestação. Em termos gerais, qualquer ação policial e administrativa nesta
matéria terá de observar o princípio da legalidade e da proporcionalidade das
medidas de polícia.
No caso dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em
serviço efetivo, bem como dos agentes dos serviços e das forças de
segurança, existem restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião,
manifestação, associação e petição coletiva e capacidade eleitoral passiva (ou
seja, a capacidade de serem candidatos a uma eleição).
Os membros das Forças Armadas e, por analogia, os elementos da Guarda
Nacional Republicana em efetividade de serviço só podem participar em
manifestações — legalmente convocadas e sem natureza político-partidária ou
sindical — desde que se encontrem desarmados, trajem civilmente, não
ostentem nenhum símbolo nacional ou das Forças Armadas e a sua
participação não ponha em risco a coesão e a disciplina militares.
Conclusão
49 | P á g i n a
Legislação
C.C. http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis
C.R.P. http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=4&tabela=leis
DUDH https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf
Nota: O site da procuradoria geral distrital de lisboa encontra-se atualizado ao
dia. Daí que sempre que acedam ao site ele irá mostrar a lei em vigor. Já as
outras leis terão de ter o cuidado de ver se as mesmas se encontram
atualizadas.
Abreviaturas
CC – Código Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem
TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
50 | P á g i n a
Bibliografia
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Portuguesa Anotada”, 3ª Edição Revista, 1993, Coimbra Editora;
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• CRUZ, Raquel Sofia Pires Antunes, “A Jurisprudência do artigo 10º da
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Dissertação de Mestrado, na Área de Especialização em Ciências
Jurídico-Forenses, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, sob orientação do Senhor Professor Doutor Rui Gens de
Moura Ramos, 2016Coimbra;
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Teoria Política”, 1996, Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior
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