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Prefácio à edição brasileira, 9Prefácio à primeira edição, 11Nota Editorial, 13ANTROPOLOGIA E ANTROPOLOGIAS, 19

I | TEMAS INTRODUTÓRIOSCap. I. O OBJETO DE ESTUDO DA ANTROPOLOGIA CULTURAL: A CULTURA HUMANA. Conceitode cultura. Cultura ideal e cultura real. Normas culturais. Aprendizagem e cultura, 27

Cap. II. O MÉTODO DA ETNOLOGIA. Interesse do estudo antropológico dos povos comculturas tradicionais. Relativismo cultural versus etnocentrismo. O trabalho de campocomo método próprio da antropologia cultural. Observação participante e técnica, 37

II | TEMAS HISTÓRICOSCap. III. A ETAPA PRÉ-EVOLUCIONISTA. A antropologia cultural no mundo antigo. O des-cobrimento da América e os primeiros indigenistas: Pané, Bartolomé de Las Casas,Motolinía, Acosta, Landa. Bernardino de Sahagún e a cultura asteca. J.F. Lafitau e osiroqueses. O protoevolucionismo de W. Robertson, 51

Cap. IV. O EVOLUCIONISMO DO SÉCULO XIX. A idéia evolucionista aplicada à cultura:L.H. Morgan, hipótese e etapas da evolução cultural. Crítica ao esquema de Morgan.Tylor e Frazer: animismo, magia e totemismo. Do status ao contrato: H.S. Maine.Bachofen e o matriarcado primitivo. O materialismo cultural de Marx e Engels. A ori-gem da família, a propriedade privada e o Estado, 73

Cap. V. O DIFUSIONISMO CULTURAL E O PARTICULARISMO HISTÓRICO DA ESCOLA DE F.BOAS. Difusionismo britânico e alemão. F. Boas e a análise de área. Kroeber e “osuperorgânico”. O difusionismo moderado de R. Lowie. Crítica a Morgan e ao materia-lismo cultural, 87

Cap. VI. A ESCOLA ANTROPO-PSICOLÓGICA DA CULTURA E A PERSONALIDADE. Psicanálise eantropologia. A contribuição de Freud à antropologia cultural: Totem e tabu e O mal-estar na civilização. Simbologia cultural (Jung, Roheim, Mendel). Psicanálise culturalistaamericana (Kardiner, Fromm). Novas contribuições (Linton, Whithing, Child, Levine), 97

Cap. VII. FUNCIONALISMO SOCIAL. B. MALINOWSKI. Precursores: A escola sociológicafrancesa (E. Durkheim e M. Mauss). O conceito de função e o método de Malinowski emOs Argonautas do Pacífico Ocidental. A sexualidade nas sociedades primitivas. Radcliffe-Brown e o estruturalismo, 115

Cap. VIII. O ESTRUTURALISMO EM ETNOLOGIA: CLAUDE LÉVI-STRAUSS. Influências rece-bidas por Lévi-Strauss. Da “regra do dom” (Mauss) ao princípio de reciprocidade de “Asestruturas elementares do parentesco”. O pensamento selvagem e o mito. O tema do“homem” e do “sujeito” em Lévi-Strauss, 123

Cap. IX. ECOLOGISMO CULTURAL E NOVAS TENDÊNCIAS. O neoevolucionismo de L. A.White. As contribuições de M. Harris. Godelier e o estruturalismo marxista. Antropolo-gias simbólica e hermenêutica, 145

Sumário

III | TEMAS SISTEMÁTICOSCap X. ETNOLINGÜÍSTICA. LINGUAGEM E CULTURA. Existem linguagens primitivas? Adiversidade lingüistica. A origem da linguagem. Estudo da mudança lingüística: sintático(glotocronologia) e semântico. Língua e cultura: discussão sobre a hipótese de Sapir-Whorf, 155

Cap XI. ETNOLINGÜÍSTICA. O MITO. As “regiões” do simbólico. Características do mito.Hermenêuticas psicoantropológicas do mito: psicanálise, funcionalismo, estruturalis-mo e cognitivismo. Exemplos de interpretações míticas, 165

Cap. XII. ETNOPSICOLOGIA. PERSONALIDADE E CULTURA. Problemática do capítulo. Prin-cipais concepções, 181

Cap. XIII. ETNOPSIQUIATRIA. DOENÇA MENTAL E CULTURA. Breve resenha histórica daetnopsiquiatria. O conceito metacultural de enfermidade psíquica. As doenças mentaisnos povos primitivos. As terapias grupais e xamanísticas, 199

Cap. XIV. ETNOHISTÓRIA. MUDANÇA CULTURAL. Síntese das principais teorias sobre amudança cultural. A evolução e o progresso social. A antropologia e as mudanças soci-ais em todo o mundo, 213

Cap. XV. ANTROPOLOGIA SOCIAL. INCESTO, UNIÃO E MATRIMÔNIO. Natureza, extensãoe exceções do tabu do incesto. Uniões preferenciais: o matrimônio entre primos e osenlaces de substituição. O preço da progênie e outros modos de estabelecer parentes-cos, 221

Cap. XVI. ANTROPOLOGIA SOCIAL. SISTEMAS DE PARENTESCO.Tipos de famílias: conju-gal nuclear e conjugal estendida. Classificação do parentesco segundo: Morgan, Lowie,Lévi-Strauss e Murdock. Análise de dois casos de família unida: apache e tanala. Afamília troncolocál do Norte da Espanha, 231

Cap. XVII. ANTROPOLOGIA SOCIAL. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E POLÍTICAS. Fraternidadestribais. Classes de idade. Análise do caso massai. Tipos de organizações políticas emsociedades tradicionais, 245

Cap. XVIII. ANTROPOLOGIA SOCIAL. SISTEMAS RELIGIOSOS. O sagrado e o profano. Oanimismo: teoria de Tylor. Magia, ciência e religião. Ritos e cerimônias. Xamanismo.Diversos cultos e concepções religiosas da divindade, 251

Cap. XIX. ANTROPOLOGIA SOCIAL E ETNOGRAFIA. ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA E SATIS-FAÇÃO DE NECESSIDADES PRIMÁRIAS.Tecnologia e economia “primitivas”. Divisão dotrabalho, comércio e consumo nestas sociedades. Satisfação de necessidades primári-as: alimentação, moradia e indumentária, 257

Cap. XX. ETNOGRAFIA. Arte e tradição cultural. A expressividade musical e a dança.Análise etnográfica do folclore: festas, gastronomia, literatura oral etc, 263

BIBLIOGRAFIA, 269BIBLIOGRAFIA DE ANTROPOLOGIA NO BRASIL, 359ÍNDICE REMISSIVO, 371

Manual de Antropologia Cultural | 9

Angel-B. Espina Barrio

Prefácio à edição brasileira

A advertência que fizemos no prefácio à primeira edição espanholadeste Manual de antropologia, em relação à vital importância de fo-mentar a convivência intercultural e inter-religiosa dos povos, talveztenha parecido algo retórico, naquela ocasião. Hoje ninguém duvidade que é imperiosamente necessário atender àquele alerta – e com ur-gência –, se quisermos não somente conviver, mas até sobreviver, nofuturo, ao menos de maneira estável e pacífica.

Só promovendo a comunicação e a convivência inter-racial, intercul-tural e inter-religiosa, poderemos nos salvar da violência, das guerras edo terrorismo. Não há outro caminho. E para progredir nele a ciênciaantropológica termina por ser um auxiliar imprescindível, pois é co-nhecendo os povos, suas culturas, seus costumes e religiões, que pode-mos chegar a entendê-los e a respeitá-los. A ignorância só produz medo,desentendimentos e conflitos. O conhecimento mútuo gera intercâm-bios, cooperação e amizade.

No Brasil e na Espanha, há muito, pensamos assim. Por isso, é tãourgente incrementar o contato e a cooperação, especialmente entre osestudiosos da antropologia de ambos os países. É o objetivo fundamen-tal da edição em português deste Manual de antropologia cultural.

A antropologia sociocultural tem uma vertente aplicada muito evi-dente em aspectos sociais de importância para a época atual: no cam-po da comunicação, da atenção aos imigrantes e a sua integraçãocultural, no da cooperação para o desenvolvimento, no da educaçãomulticultural etc.

Coube-me a honra de dirigir vários congressos e publicações naUniversidade de Salamanca sobre alguns destes temas, em que par-ticiparam destacados antropólogos de diversas universidades euro-péias e americanas, e também brasileiras. Mas a antropologiaaplicada precisa, para realizar bem seu importante trabalho, de umabase sólida e de um conhecimento profundo da antropologia teóri-ca. Necessita de um detido estudo de suas divisões e conceitos bási-cos, de uma compreensão clara de sua metodologia específica e desua história como disciplina, com seus antecedentes, escolas e auto-res principais e, por último, de sua relação com outras ciências huma-nísticas, assim como de um tratamento dos temas e variáveis culturaisque lhe são mais próprios. Tais são os conteúdos deste texto, sem oconhecimento dos quais não se poderia depois enfrentar coerente-mente nenhuma das aplicações expressas.

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Angel-B. Espina Barrio

A perspectiva comparativa e transcultural é essencial no conheci-mento etnológico e é a que se defende neste livro e também em todasas pesquisas, teses e obras ao nosso cuidado, especialmente do pro-grama interuniversitário de doutorado Antropología de Iberoamérica,que coordeno, e do Instituto de Investigaciones Antropológicas deCastilla y León, que impulsionamos há bastante tempo. A busca docontato entre os povos da Iberoamérica (onde incluímos o Brasil, Por-tugal, Espanha e os países hispano-americanos) através do conheci-mento de suas culturas, obtido com sérios trabalhos de pesquisa, énosso norte, nosso empenho e nosso guia. Felizmente, esse trabalhocomeça a dar frutos, inclusive com projetos conjuntos de pesquisasreconhecidos pelos governos de diversos países e que se fortalece diaapós dia com as redes estabelecidas formalmente e também atravésde dezenas de doutores e doutorandos, entre os quais se encontramde maneira destacada os procedentes de prestigiosas universidadesdo Brasil.

A presente obra pretende ser uma contribuição aos estudos paraprofessores e alunos brasileiros e ao leitor da língua portuguesa demodo geral.

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Angel-B. Espina Barrio

Prefácio à primeira edição

A posição de destaque que alguns filósofos do século XIX vatici-naram para a antropologia como disciplina-chave das chamadas ci-ências humanas foi cumprida em nosso tempo. Poucos estudos epesquisas humanísticas desdenham os conteúdos ou as metodologiasconsideradas antropológicas. Num mundo que às vezes fica pequenodevido ao desenvolvimento dos meios de comunicacão e transporte,o conhecimento antropológico se mostra indispensável na importan-te tarefa de facilitar a convivência entre as diferentes culturas. Assimcomo a ecologia revelou a importância do conhecimento e respeito àsleis dos sistemas do meio natural, a antropologia nos desvela conhe-cimento e respeito aos sistemas culturais humanos. Não é possível asobrevivência sem adequação e preservação do “meio”; não é possívela convivência sem o respeito pelos “outros”: os outros povos, as outrasmentalidades, as outras culturas.

Na atualidade, já se reconhece que a humanidade não caminhapara uma uniformização radical de suas maneiras de viver, ideais oucostumes, e que é melhor defender e respeitar as diferentes identida-des dos povos, já que, do contrário, se podem gerar movimentos ereações muito destrutivas. O estudo antropológico não corre nenhumrisco de desaparecimento diante da extinção das microestruturas tribaisque eram o seu tradicional objeto de estudo. Em primeiro lugar, por-que a antropologia não é só uma sociologia das sociedades exóticas,também porque, como dissemos, é cada vez mais importante adilucidação do tema da identidade cultural, tanto própria como alheia.

Na Espanha, o trabalho antropológico vive seus melhores momen-tos, depois de ter sido praticado por poucos, ainda que notáveis auto-res – de formação geralmente histórica, sociológica ou filosófica –que dedicaram o seu tempo à pesquisa no campo da religiosidadepopular, dos costumes, do folclore etc, no momento presente contacom uma importante presença nos centros de cultura popular e nasuniversidades com formação específica e com um núcleo de pesquisa-dores que integram um setor de conhecimento que cada vez mais vai-se definindo com maior clareza. A inclusão da disciplina antropológicanos estudos de sociologia, história, filosofia, ciências da informação,ciências da educação e ciências humanas em geral evidencia o seuinteresse e sublinha o caráter intensamente interdisciplinar e integradordo saber antropológico. Na preparação deste Manual de antropolo-gia cultural, especialmente em sua parte sistemática, levou-se muito

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Angel-B. Espina Barrio

em conta a grande relação da disciplina tratada com outros sabereshumanísticos, pois, embora não devendo diluir-se neles, a etnologiatem que mostrar claramente a recíproca complementareidade que deveexistir entre os mesmos.

O tratado de antropologia que apresentamos quer servir a um du-plo propósito: ajudar todos aqueles que se aproximam pela primeiravez do estudo da antropologia cultural, apresentando um compêndiode seus temas principais, e, por outro lado, desenvolver alguns dessestemas de uma maneira nova e útil, inclusive para especialistas na ma-téria. Depois de um capítulo inicial de demarcação terminológica, sedesenvolve a específica história da etnologia, em que se destacam oscapítulos dedicados à etapa pré-evolucionista (com um amplo desen-volvimento do primeiro indigenismo espanhol do século XVI, esque-cido em muitos tratados), à escola de cultura e personalidade e aoestruturalismo etnológico de Claude Lévi-Strauss. Na parte sistemá-tica, dissemos que se busca a concorrência e a mútua influência entreos temas antropológicos e os da lingüística (língua e cultura, mito),psicologia (cultura e personalidade), psiquiatria (cultura e doençamental), história (mudança cultural) etc. Por último, se oferece umbreve estudo dos principais temas da antropologia social: família,parentesco, instituições, modos de subsistência etc. Não resta dúvidade que o propósito é muito ambicioso e nos contentaríamos com queo texto, orientado destacadamente à docência, terminasse por ser,mesmo que minimamente, um fator positivo na direção apontada.

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Angel-B. Espina Barrio

Nota Editorial

Este manual cumpre dupla função: a de ser um guia para o iniciantee um útil instrumento ao professor e ao especialista no ensino e apren-dizado da antropologia, em sua dimensão básica e panorâmica.

O autor não é somente um dos mais dinâmicos animadores daantropologia na Espanha na atualidade, mas um entusiasta das rela-ções de cooperação que vêm rendendo bons frutos para a Espanha e oBrasil.

Ele vem promovendo esses contatos, na verdade, com toda a Amé-rica Latina. Em disciplinas que ensina, congressos que promove, cur-sos de pós-graduações que dirige. É sempre a antropologia vista comolhar amplo o que viceja no seu trabalho.

A sólida formação do autor nas áreas de filosofia e psicologia faci-lita e estimula o diálogo interdisciplinar que empreende. Isso está bemflagrante em muitas passagens deste livro.

Autor de um importante livro comparativo entre Freud e Lévi-Strauss, o professor Angel Espina Barrio alcançou também com estemanual um merecido destaque e repercussão no meio hispânico.

O seu Manual de antropologia cultural, que já teve várias ediçõesna língua original, é muito usado nos cursos de graduação e pós-graduação europeus. Certamente o mesmo ocorrerá no Brasil.

Na tradição desenvolvida por Gilberto Freyre (e de certo modoantevista por Oliveira Lima e Joaquim Nabuco) o contato entre oBrasil e seus pares latinos ainda é um fértil e largo campo, mas queprecisa ser muito mais desenvolvido.

Como órgão promotor da pesquisa no Nordeste, é natural que aFundação Joaquim Nabuco por meio de sua editora se ocupe de di-fundir bons trabalhos acadêmicos e supra-acadêmicos como este, oque certamente agradaria a Freyre e Nabuco.

Somente algumas poucas alterações foram feitas nesta edição comrelação à original: a bibliografia foi reunida toda em notas e ao final.O único capítulo suprimido foi um sobre linguagem e contracultura,pois sendo os seus exemplos de gíria muito particulares do espanhol enão havendo uma correspondência possível e verossímil em portu-guês, teria que sofrer adaptação ao contexto brasileiro.

Na parte relativa a um amplo quadro de línguas e, particularmen-te, nas comparações da evolução de palavras, além do espanhol, la-tim e outras línguas, acrescentou-se o português. Usou-se o dicionárioHouaiss, para as informações etimológicas e históricas.

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Angel-B. Espina Barrio

No caso das grafias de nomes espanhóis, geralmente preferiu-semanter a forma original (o caso de Bartolomé de Las Casas, por exem-plo). E seguiu-se também o mesmo critério para expressões comoencomienda e encomenderos.

Acrescentou-se uma bibliografia de livros de antropologia dispo-níveis em português e, de modo a valorizar e facilitar a navegaçãopelo texto, foi também incluído um índice remissivo.

Num país como o Brasil – dos mais ricos do mundo no campo daantropologia – ainda são poucos, no entanto, os manuais destinadostambém aos não-especialistas. A Editora espera contribuir para dimi-nuir esta lacuna e estimular novas traduções e publicações.

Preferiu-se quase sempre citar os títulos dos livros referidos nooriginal em espanhol, no corpo bibliográfico. Mas no decorrer dotexto do livro a melhor opção foi traduzir para o português. De modogeral, os clássicos citados já têm edições brasileiras.

No caso de uma obra como O mal-estar na cultura, que seria amaneira literal de verter o espanhol, preferiu-se o já bem conhecidoO mal-estar na civilização, sem entrar na óbvia explicação das seme-lhanças e distinções de conceitos como civilização e cultura.

As notas, ao invés de enumeradas apenas em duas seqüências, comono original, são apresentadas recomeçando de 1 a cada parte novaenglobadora de todo um conjunto amplo de informações.

As ilustrações utilizadas são mais alusivas que mecanicamente re-ferentes ao texto. Buscam tornar leve o percurso por este livro que,contanto ser escrito em linguagem clara, é mesmo assim técnico eexige leitura atenta e concentrada.

Agradecemos ao autor e ao seu editor espanhol (Amarú Ediciones)a autorização para a tradução. Tentou-se apresentar o texto maiscorreto possível em português. Todas as falhas e imprecisões são deúnica responsabilidade do tradutor-editor.

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Angel-B. Espina Barrio

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Angel-B. Espina Barrio

Índio Karajá. Foto anônima,tirada aproximadamente

em 1900. Acervo doLaboratório de Antropologia

da Universidadede São Paulo.

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Angel-B. Espina Barrio

Sully. Retrato de UmHomem. Foto tirada

aproximadamente em 1870.

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ANTROPOLOGIA E ANTROPOLOGIAS

Afirmar que a antropologia é a ciência do homem não quer dizermuito, pois qualquer disciplina entre as chamadas ciências humanas(psicologia, sociologia etc) trata do homem e é também, portanto,uma ciência do homem. Sendo a antropologia, ao pé da letra, (anthro-pos – homem; logos – ciência) ciência do homem, o que quer dizeristo de modo especial?

Em primeiro lugar, significa que é o único saber que acima de tu-do, com toda a sua grande diversidade temática, tem uma preocupa-ção constante em definir o homem. A resposta à pergunta kantiana –o que é o homem? – pode-se colocar de diversos pontos de vista.Pode-se responder desde a perspectiva empírica, formulando conclu-sões gerais sobre o homem e sua natureza, mediante o conhecimentopara o qual contribuem as observações sistemáticas, à recompilaçãodos dados recolhidos por todo o mundo e o estudo comparado dasvariantes físicas e culturais que se observam en-tre os diferentes grupos humanos. Mas tambémpodemos responder de uma perspectiva huma-nística e filosófica que trate do homem, de seuscostumes e seus diferentes modos de vida, de suasdimensões fundamentais, de seu destino etc. To-das estas posições são próprias da antropologiaporque, conforme nos diz Hoebel1, cumprem astrês características essenciais que distinguem estetipo de conhecimento:

1ª – Tratam do homem e suas manifesta-ções como um todo (visão holística).2ª – Empregam o método comparativo.3ª – Levam em conta o conceito de cultu-ra como âmbito próprio do humano.

Esta última característica é também válida paraa antropologia filosófica, pois o conceito de cul-tura traz intrínseco um conceito de homem.2

1 HOEBEL. A. E.Antropología: elestudio del hombre.Omega (Barcelona,1973)4-6.2 Algo similar expressaJ. Azcona quando dizque: “o conceito decultura encerra aproblemática teórica daantropologia, mas, porsua vez, o que osantropólogos pensarame pensam sobre ohomem. O valorideológico do conceitode cultura é comfreqüência maisimportante que seuvalor analítico eheurístico.” AZCONA,J., Para comprender laantropología. 2.Lacultura. Verbo Divino(Navarra. 1988)7.

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Angel-B. Espina Barrio

Sem dúvida, a tarefa que se atribui à antropologia é muito vasta, oque facilita a proliferação de subdivisões e paradigmas distintos agru-pados sob esta denominação comum. Denominou-se a antropologiacomo cultural, física, econômica, social, aplicada, médica, psicológica,lingüística, filosófica, cognitiva, ecológica, hermenêutica, funcional, sim-bólica, estrutural etc. Cada uma destas denominações encerra umaparticular forma de entender a antropologia e uma série de atividades,às vezes muito divergentes: observação, medição de ossos e fósseis,reflexão, medição de variáveis corporais, entrevistas, escavações...Definir a antropologia como aquilo que fazem os antropólogos é, comovemos, muito difícil, ao menos a princípio. Vamos tentar pôr um poucode ordem em todas estas possíveis especializações antropológicas.

Divisões da AntropologiaSão muitas, mas quase todas se concebem de uma bipartição ema-

nada presumivelmente do mesmo ser humano em sua dupla dimen-são de ser natural (corpóreo e biológico) e ser de cultura (civilizado,simbólico). Traduzem-se aqui clássicas dicotomias (natureza-cultura,biologia-sociedade etc). Uma antropologia se ocupará do pólo natu-ral (antropologia física) e outra do sociocultural-simbólico (antropo-logia cultural ou etnologia). Naturalmente que a estas duas divisõesempíricas do saber sobre o homem deve-se somar a especulativa, pró-pria da antropologia filosófica.

Portanto, podemos definir a antropologia física (ou biológica) comoo estudo do homem enquanto organismo vivo, atendendo, além dis-so, a sua evolução biológica dentro das espécies animais. Quer dizerque o antropólogo físico tem que se ocupar da origem e evolução dohomem (processo de hominização) e das diferenças físicas que se dãoentre os seres humanos, da variação genética e das adaptações fisio-lógicas do homem frente aos diversos ambientes. Para isso, conta comuma série de estudos e de áreas de especialização: primatologia (estu-do dos primatas, grupo animal próximo ao homem), paleoantropologia(estudo da evolução humana através dos fósseis), antropomorfologia(anatomia comparada de diversos tipos e raças humanas), genéticaantropológica, ecologia humana etc. A atividade concreta destes ci-entistas costuma consistir em trabalhos próximos da arqueologia,recolhimento de fósseis, antropometria (medição de partes corporaishumanas, especialmente, o crânio – craneometria) e, ultimamente,análises mais sofisticadas relativas às características serológicas, gené-ticas ou fisiológicas e sua relação com o ambiente.

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Angel-B. Espina Barrio

Por outro lado, definiremos a antropologia cultural como o estu-do e descrição dos comportamentos aprendidos que caracterizam osdiferentes grupos humanos. O antropólogo cultural (ou sociocultural,como é costume denominar-se hoje em dia) tem que se ocupar dasobras materiais e sociais que o homem criou através de sua história eque lhe permitiram fazer frente a seu meio ambiente e relacionar-secom seus congêneres. Também na antropologia cultural há várias sub-divisões: a arqueologia, quando estuda os vestígios materiais de cul-turas que não contaram com testemunhos escritos. A lingüísticaantropológica (ou etnolingüística), que se ocupa de todas as línguaspassadas e presentes, com seus dois enfoques principais: estrutural egenético. A linguagem é uma parte da cultura e pode esclarecer mui-tos aspectos da história da cultura e da mudança cultural.3

O resto da antropologia cultural, precisamente sua parte mais subs-tancial e genuína, está compreendido sob o rótulo de etnologia geral(estudo dos povos) e, segundo o enfoque que siga, será denominada deetnografia (se descrever as formas de vida de determinados grupos so-ciais); etnologia (se enfatiza a comparação de culturas, a reconstruçãoda história das culturas ou o tema da mudança cultural) ou antropolo-gia social (que também compara as culturas, mas de modo a estabele-cer generalizações acerca da ligação sociedades humanas-grupos sociais).

A etnografia (escrever sobre os povos) é a disciplina mais próximados dados empíricos e a primeira que praticaram os antropólogosculturais. Prepondera nela o enfoque descritivo e utiliza como técnicade coleta de dados o trabalho de campo,principalmente, e as contribuições arqueo-lógicas. É a base de toda a antropologia cul-tural, pois proporciona os elementos sobreos quais vão trabalhar os demais teóricos.

A etnologia vai além da descrição e pre-tende comparar, analisar as constantes evariáveis que se dão entre as sociedades hu-manas, e estabelecer generalizações e recons-truções da história cultural.

Por sua vez, a antropologia social se refe-re a problemas relativos à estrutura social:relações entre pessoas e grupos, instituiçõessociais, como a família, o parentesco, as as-sociações políticas etc. Aqui a perspectiva émais sincrônica que diacrônica.

3 Naturalmente, tanto aarqueologia como alingüística são duas ciênciasque podem desenvolver seutrabalho teórico semrelação com a antropologia.Aqui ressaltamos aaplicação delas ao estudodo fato cultural, momentoem que integram aantropologia cultural. Assimo confirmam obras como:ALCINA-FRANCH, J.Arqueología antropológica,Akal (Madri, 1990), eCASADO VELARDE, M.Lenguaje y cultura. Síntesis(Madri, 1988).

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Segundo essa perspectiva, o campo antropológico se desdobra nasseguintes divisões que, salvo diferenças terminológicas de que fala-remos em seguida, já podem ser consideradas clássicas:

Mas as disciplinas assinaladas não são as únicas que na atualidadedesenvolvem campos interdisciplinares como o da etno-história (re-construção do passado cultural através de documentos escritos) ou oda antropologia psiquiátrica (cujo tema central é o das relações entre acultura e a doença mental), matérias novas que estão assinalando ocaminho deste conhecimento holístico que é o antropológico. Não háperigo de dissolução da disciplina nos demais saberes humanísticos (psi-cologia, psiquiatria, medicina, sociologia, história, psicanálise, semióticaetc), mas pode resultar numa confluência fecunda de interesses e umacomparação de resultados muito necessária. Por isso, na estruturaçãodo programa da disciplina de antropologia cultural preferi, sem esque-cer os conteúdos e metodologia exclusivos do etnológico, ressaltar essaunião indissolúvel que se dá entre as ciências humanas, já que sua metaé a mesma: compreender e explicar o homem.4

Desse modo, o quadro do conhecimen-to antropológico que já nos introduz naradicação deste saber nas ciências huma-nas e que será, conforme foi dito, seguidono programa, é o seguinte:

ANTROPOLOGIA

Antropologia empírica Antropologia filosófica

Antropologia física Antropologia cultural

Arqueologia Etnologia geral Lingüística

EtnografiaEtnologiaAntropologia social

4 Umas põem a ênfase noexplicar, outras no

compreender, até chegar àantropologia filosófica que,

será a mais geral ecompreensiva de todas.

Manual de Antropologia Cultural | 23

Angel-B. Espina Barrio

Relação da antropologia com outras ciênciasA antropologia, desde que se constituiu como saber organizado,

desempenhou tradicionalmente um papel unificador em muitas áreasda pesquisa científica, assim como em humanidades, e o pôde fazerporque é um conhecimento integral e integrador.

As classificações estritas de objetos de estudo foram muito frutífe-ras no desenvolvimento das ciências, mas, hoje em dia, cada vez hámaior interesse por aquelas áreas nebulosas que se encontram nos limi-tes das taxonomias clássicas (como o demonstra o desenvolvimento deciências intermediárias: físico-química, bioquímica, astrofísica etc). Domesmo modo, o enfoque integral para estudar o homem exige que cadavez que se estude uma parte – sejamos conscientes: só é uma parte – elaseja posta em conexão com o resto. O conhecimento antropológicoenvolve o uso de técnicas e teorias de muitas disciplinas e, por sua vez,as técnicas e conceitos da antropologia possuem ramificações econsequências que se prolongam muito além dela. Na situação anteri-or, podemos ver algumas destas conexões que dão lugar a estudosinterdisciplinares, concretamente:

A etnolingüística, cujo tema central se apresenta como a dicotomialinguagem-cultura.A etnopsicologia e seu estudo das relações entre cultura versus per-sonalidade (nome adotado por toda uma escola antropológica).

ANTROPOLOGIA

Antropologia empírica Antropologia filosófica

Antropologia física Antropologia culturalou Etnologia geral

EtnolingüísticaEtnopsicologiaEtnopsiquiatriaEtnohistóriaAntropologia socialEtnoeconomiaEtnografia

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A etnopsiquiatria: cultura-doença mental.A etno-história: a mudança cultural, as aculturações sucessivas etc.5

Mas a antropologia agrega a estes saberes sua especificidade holís-tica, seu interesse pela cultura e seu exclusivo método comparativo,além das técnicas e metodologias de campo que examinaremos no pró-ximo capítulo. A antropologia se distingue da história, uma vez quenão se limita ao documento, em seu método, nem ao devir em seuobjetivo. Difere da psicologia, já que não lhe interessam as individuali-dades nem usa de experimentos nem testes, em sua pesquisa (pelo me-nos, de forma sistemática). Não coincide plenamente com a sociologia,pois seu ponto de vista é mais geral, sua metodologia não é o questio-nário direto, e seu objetivo são as normas e os códigos de conduta esimbólicos que chamamos de cultura. Não é uma sociologia de socie-dades “atrasadas” ou “estranhas”, pois também pode e deve praticar-se nas ocidentais.

Simplesmente é conhecimento humano que trata do homem, desuas manifestações como espécie, de suahumanidade, com uma perspectiva global,aberta, integradora.6

5 Todas estas disciplinas sãocapítulos do programa do

estudo da antropologia emsua parte sistemática.

6 Devido a certacomplicação de

nomenclaturas sobre ossaberes antropológicos,

reproduzo o já conhecidoquadro de J. Alcina-Franchpara recordar diversos usos

terminológicos diferentesdos aqui utilizados. Por

exemplo, na Grã-Bretanha,onde a antropologia culturalcostuma ser denominada de

antropologia social, ou naFrança e muitas partes da

Europa, onde a antropologiafísica se denomina

simplesmente antropologiae a antropologia cultural,

etnologia. Veja-se: ALCINA-FRANCH, J., En torno a la

antropología cultural, JoséPorrúa Turanzas

(Madri, 1975).

Antropologiafísica

Antropologiacultural

Antropologiafísica

Antropologiasocial

Antropologia

Etnologia

América Grã-Bretanha Europa cont.

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Marajás da Índia.

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I | TEMAS INTRODUTÓRIOS

Cap. I. O OBJETO DE ESTUDO DA ANTROPOLOGIA CULTURAL: A CUL-TURA HUMANA. Conceito de cultura. Cultura ideal e cultura real.Normas culturais. Aprendizagem e cultura.

O sentido do termo cultura que empregamos difere amplamentedo que o senso comum está acostumado a atribuir a tal vocábulo e étambém diferente de outros muitos que historicamente foram associa-dos a esse termo. É o sentido antropológico o que nos interessa e o quenos levará a afirmar que a cultura é o objeto de estudo privilegiado denossa disciplina.

Proveniente do latim clássico, com significados associados ao cul-tivo e à criação, o vocábulo cultura seria aplicado só recentemente(cerca de 1750) ao âmbito das sociedades humanas, suplantando, emparte, o termo civilização. Mas observemos atentamente como se deuesta evolução tão crucial para o que se constituiria depois como an-tropologia cultural.

Conceito de culturaTanto o conceito de cultura como o de civilização estiveram asso-

ciados no Iluminismo à melhora progressiva das faculdades humanasem todos os níveis (tal é o sentido outorgado por Herder, Jenisch etc).Pouco a pouco se vão referindo os autores com estes vocábulos, so-bretudo na Alemanha, à organização dos povos e ao conjunto doscostumes. Desse modo, se oferecem algumas ten-tativas de distinção às vezes contraditórias. As-sim, Humboldt une a cultura às atividadestecnoeconômicas (esfera do material) e a civiliza-ção ao espiritual e mais elevado; Spengler, por suavez, diz que a civilização é a fase final, não criati-va, de uma cultura, e Weber, mais contraditórioainda que o anterior, identifica “civilização” como material e “cultura” com o espiritual. A civili-zação é irreversível, cumulativa, técnica, enquan-to que os produtos da cultura são variados,únicos, não imanentes.1 O que fica claro é quecada vez se oferece uma definição de cultura mais

1 Decerto que estamesma distinção é aque realiza Unamunoem seu famoso artigo:“Civilización ycultura”: “...deve-selibertar a cultura dacivilização que asufoca, e romper oquisto que escraviza onovo homem.”UNAMUNO, M., ObrasCompletas, AfrodisioAguado (Madri,1950)271.

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próxima da referência dos atributos e produtos, próprios das sociedadeshumanas, que não têm nada a ver com o herdado biologicamente, querdizer, vai-se dando um sentido mais científico e antropológico ao ter-mo “cultura”.

Possivelmente, um dos primeiros autores que ofereceram uma a-cepção inequivocamente etnológica para o verbete “cultura” foi Tylorque, identificando-a com civilização, nos diz da cultura:

É aquele todo complexo que inclui conhecimento, cren-ças, arte, lei, moral, costumes e qualquer outra capaci-dade e hábito adquirido pelo homem como membro dasociedade.2

Durante muito tempo, o termo cultura e a definição de Tylor nãotiveram o papel destacado a que estariam destinados, já que a esco-la triunfante na Europa seria a durkheiminiana, que baseia a suateoria na categoria de “sociedade”.3 Isto explica a preferência quetanto na França como na Inglaterra se dá pela denominação antro-pologia social. Na América do Norte, pelo contrário, seus estudio-sos, que estão mais preocupados com os “valores” dos povos do quecom as vinculações concretas constitucionais desses povos, utiliza-ram mais o termo “antropologia cultural” para designar seus traba-lhos e “cultura” para referir-se aos modos de viver e conceber aexistência por parte de um determinado grupo. Tal é o caso de auto-res como Boas, Sapir, Benedict, Mead etc. Neste contexto se ofere-

ceram muito numerosas definições de “cultura”que situam o conceito definitivamente no âm-bito do não-biológico, não-individual, mas nãono simbólico. Distinguindo-se freqüentementedo termo civilização (que serve para designaros aspectos materiais) e do termo sociedade(base orgânica e humana), o conceito de cultu-ra prevaleceu na antropologia. Por tratar algu-ma definição concreta de entre as muitas quese acumulam de tal termo, podemos terminareste segmento do nosso manual analisando umaque pode considerar-se muito generalizada en-tre os antropólogos, segundo a qual a cultura é:

um sistema integrado de padrões de con-duta aprendidos e transmitidos de uma ge-

2 Veja-se: TYLOR,E.B., Cultura

Primitiva I, Ayuso(Madri, 1981)19.

3 Embora seja certoque esta categoria é

muito próxima em seuuso pela escola de

Durkheim,do que entendemos

hoje por cultura.Desta maneira, a

sociologia por elespraticada poderia seruma culturologia ao

estilo da propugnadarecentemente por

Herskovits, White etc.

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ração a outra, característicos de um grupo humano ousociedade.4

Portanto, nos estamos referindo a uma realidade organizada, siste-mática, mas abstrata. 5 Abstraem-se “padrões de conduta” ou “mode-los de vida” dos atos dos indivíduos e de quantos materiais manipulam.Pretende-se que estes padrões ou modelos estejam integrados (logo ve-remos se isto é possível) e que se transmitam su-pra-individualmente, de uma geração a outra, porherança não biológica, mas simbólica. Estes mo-dos de vida, além disso, diferem de um grupo hu-mano a outro e adquirem um valor emblemáticoe afetivo (além de funcional e adaptativo) para osindivíduos que integram essa sociedade e seguem(supõe-se majoritariamente) esse estilo cultural.

Todos esses extremos serão tratados e anali-sados a seguir. Agora, é bastante que fiquemoscom esta idéia geral do problemático campo deestudo da antropologia chamada sociocultural.

Cultura ideal e cultura realMuitos antropólogos se interessam funda-

mentalmente pelas idéias que uma sociedade,em seu conjunto, difunde sobre o que um indi-víduo deve fazer, sobre como tem que viver,pensar e comportar-se. Quer dizer, preocupam-se com chegar a conhecer a cultura ideal (asnormas ideais) de um povo. Outros estudiososconsideram mais interessante, pelo contrário,anotar e ver qual é o verdadeiro comportamen-to dos indivíduos dessa sociedade, a culturareal, as normas reais de comportamento.6 Sa-bemos que muitas vezes há grande distânciaentre o que os indivíduos dizem que fazem, oudeveriam fazer, e o que verdadeiramente exe-cutam. As normas ideais têm muitas formasde cumprir-se e, inclusive, de descumprir-se(exemplos disso são a variabilidade de cum-primento das normas de trânsito, das de sau-dação – ou das consideradas normais – nocomportamento sexual etc).

4 Esta definição é umacombinação dasapresentadas porKluckhohn e Hoebelem seus tratados deantropologia. Veja-se:KLUCKHOHN, C.Antropología, FCE(México. 1971)33-48. EHOEBEL, Laantropología: elestudio del hombre.Omega (Barcelona.1973)5.

5 Ao menos assim aconsideram muitosantropólogos não“materialistas”(Kroeber, Herskovits,Beals etc) e os quemencionamos(Kluckhohn e Hoebel).

6 Estes antropólogoscostumam seguir oenfoque funcionalista,perspectiva em que sedestacou B. Malinowskicom uma preocupaçãomarcadamenteempirista. A culturaideal interessa maisaos estruturalistas,dado que sua visão émais racionalista.Ambos os enfoques,como diremos a seguir,são imprescindíveis ecomplementares.

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Contudo, a cultura ideal tem extraordinário influxo na vida do ho-mem, pois é um guia que, sendo seguido ou não, está permanentemen-te presente para os indivíduos de uma cultura. Em todas as sociedades,as pessoas costumam envergonhar-se ao serem advertidas que a suaconduta se afasta da considerada ideal e, embora existam mecanismosculturais que facilitam certos tipos de desvio, as normas ideais exercemmuita pressão sobre a conduta, inclusive quando não estão expressasformalmente, legalizadas, ou permaneçam no âmbito do tácito, pranão dizer do inconsciente. A maioria destas normas ideais tem comofim a preservação e coesão do grupo e, às vezes, a permanência daestrutura social e do sistema de classes e hierarquias estabelecido. Emalgumas ocasiões, a evolução das normas ideais provoca a mudançanos comportamentos culturais e outras vezes são as próprias condutasreais as que moldam a norma ideal. Como exemplo do primeiro casotemos o ideal existente entre as classes médias da Índia, muito contrá-rio à divisão da sociedade em castas. Este ideal, que gera o processochamado de sanscritização, ou de mudança de comportamentos demodo a adotar os estilos de vida de castas consideradas superiores, sechoca frontalmente com a realidade hindu, especialmente fora das gran-des cidades. Entretanto, esse ideal está conseguindo transformar a rea-lidade social daquele país. Como exemplo do contrário, isto é, daconduta prévia moldando o posterior ideal, temos o caso de nossa altaconsideração atual das famílias nucleares e limitadas, sendo este fatofruto de uma limitação prévia no número de filhos por parte dos paisque pretendem subir na escala social. Este ideal não se segue em socie-dades eminentemente agrícolas, mas se cumpre nas nossas, onde o ní-vel de vida não depende da quantidade de mão-de-obra familiar. Dequalquer forma, as normas ideais muitas vezes não são perfeitamenteclaras e permitem uma margem ampla de condutas legítimas. Existemmuitas maneiras de ser um “bom cidadão”, “um bom pai”, pelo me-nos é assim em sociedades não-dominantes e flexíveis. O indivíduopode manipular as normas culturais em seu favor mantendo as aparên-cias. Em resumo, a relação entre o ideal e o real nas culturas é maisintrincado do que parece e o antropólogo tem que estar atento paraobservar ambas as realidades. O caderno do pesquisador tem que sepreencher com as expressões ideais e simbólicas de seus anfitriões ecom as observações concretas de suas condutas e de seus materiais.

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Normas culturaisConvém, sem mais delongas, definir claramente o que entende-

mos por norma cultural, que tipos de normas podem existir (além dasideais e das reais) e que relação há entre elas.

Define-se norma como o modo de comportamento que compõe acultura de qualquer sociedade e que resulta da generalização da con-duta da maioria dos membros dessa sociedade. Podem-se distinguirentre as normas culturais algumas que devem cumprir todos os indi-víduos, outras que só parte da população está obrigada a cumprir eoutras que são mais ou menos aconselháveis segundo as circunstânci-as. Temos, assim, normas:Universais: Formas de conduta que se esperam de todos os membrosde uma sociedade (ex.: cumprimento de horário, hábitos morais, lin-guagem etc).Especiais: Comportamentos próprios de um subgrupo ou classe soci-al determinada, diferentes dos do resto do conjunto social (ex.: mo-delos de relação entre jovens, determinados tabus dos feiticeiros etc).Estas regras poderiam chegar a conformar uma subcultura, termoque não carrega nenhum sentido pejorativo, ape-nas designa uma cultura específica dentro de ou-tra mais ampla.Alternativas: Formas de comportamentos diferen-tes que a cultura considera igualmente válidas.7

Alguns autores utilizam o termo “tema” parareferir-se a um conceito identificável com o de“norma”, quando querem estudar os valores do-minantes que expressam o pensamento e senti-mentos essenciais ou principais de uma culturaconcreta. Discutiu-se muito se estas normas outemas das culturas são unitários, coerentes entresi, ou, inclusive, contraditórios. Revendo-se poralto toda a gama de possibilidades, temos em pri-meiro lugar o configuracionismo de R. Benedict,teoria que nos fala de poucas normas culturais,coordenadas entre si (ao menos nas culturas cha-madas integradas), e tendentes a um ideal soma-tivo que percorreria a maioria das facetas da vidade um povo. Assim, ao estudar os kwakiutl,Benedict observou um modelo cultural geral (ide-

7 Kluckhohn nosoferece umaclassificação maiscompleta ao nos falarde normas:obrigatórias (quandosó existe uma respostaaceitável para umacultura), preferidas(quando existemvárias respostaspossíveis, mas uma seconsidera melhor),típicas (quando acultura nãohierarquiza asrespostas, mas uma sedá com maiorfreqüência),alternativas (váriasrespostas igualmentepossíveis) erestringidas (formasde comportamentopróprias dassubculturas).

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al) de tipo dionisíaco, quer dizer, uma tendência a alcançar estadosemocionais fortes como a embriaguez, o transbordamento, o frenesietc. Podiam ser observados em suas festas, ritos e também nos famosospotlatch, cerimônias em que se dava uma maciça destruição de bens eum consumo esbanjador de mantimentos e utensílios, quase megalo-maníaco. Pelo contrário, Benedict também se refere a culturas que se-guem o ideal oposto, que atribuem ao apolíneo, à moderação, à mesura,à ordem e à consciência ordinária as máximas confiança e estima.8

Alguns discípulos de R. Benedict, entre os quais se destacou MorrisOpler, observaram como os ideais se diversificavam muito e que eramais prático falar de temas não somativos. Entendendo os citadostemas como postulados, declarados ou implícitos, que controlam usu-

almente o comportamento ou estimulam a ativi-dade e que são promovidos por uma sociedade,não se chega a afirmar que penetrem em todosos âmbitos da vida do grupo humano. Não háadição de temas a não ser equilíbrio entre osmesmos, equilíbrio que pode ser instável. Nãoobstante estas correções, muitos antropólogos(M. Harris, entre eles) consideram que é possí-vel identificar quase sempre valores e atitudescontraditórios dentro de uma mesma cultura.Há normas que coexistem com outras quaseopostas sempre que não se apliquem ao mes-mo tempo ou sob as mesmas circunstâncias.9

Aprendizagem e culturaSe a espécie homo sapiens realiza todas as

suas atividades, incluídas as relacionadas coma satisfação de suas necessidades biológicas,com uma enorme variabilidade e flexibilidade,desconhecida nas demais espécies animais, istoé devido a que a influência do automatismo ins-tintivo tem menor importância no homem quea que possui em seus parentes do reino anima-do. Esta menor influência é devida a um desen-volvimento neuronal mais prolongado, a umperíodo de criação maior e a uma elevada per-centagem de condutas aprendidas. Todos estesaspectos estão imbricados entre si e é difícil res-

8 Como se podeobservar, a infuência deNietzsche é patente na

definição desses doisideais (apolíneo e

dionisíaco), com osquais Benedict pensava

estarem configuradas asnormas das culturasintegradas. Veja-se:

BENEDICT, R. El hombrey la cultura, Edhasa

(Barcelona. 1971) 97.

9 M. Harris cita oexemplo extraído dos

Estados Unidos segundoo qual nenhum norte-americano quer “ser

menos que seusvizinhos” e às vezes

chega, por isso, aconsumos

desnecessários, quandotambém é geral nessa

mesma cultura aconsideração de que um

sobre-consumo inútil édaninho e estúpido.

Veja-se: HARRIS. M.,Introducción a la

antropología general. Alianza(Madri. 1986)499.

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saltar um que seja o desencadeador de um processo que se chama dehominização. No começo do século passado, os partidários da neoteniadefendiam um desenvolvimento filogênico para o homem apoiado noprocesso da fetalização ou infantilização do cérebro do indivíduo.Segundo esta teoria, determinados primatas foram adiando o seu de-senvolvimento neuronal (retardando a mielinização axônica), o quelhes permitiu aumentar o volume de aprendizagens e conexões cere-brais e o que não só lhes outorgou um aspecto mais juvenil, mas tam-bém uma maior capacidade de respostas flexíveis e inteligentes.Deixando de lado os paralelismos biologicistas nos quais se apóiaesta teoria, é certo que o maior período de criação assim como odesenvolvimento do indivíduo humano em sociedade (unido à capa-cidade, que veremos depois, de simbolização) permitem o desenvol-vimento da cultura humana tal como a conhecemos. Dissemos que acultura é aprendida, entretanto os animais ditos irracionais tambémsão capazes de aprendizagens, como demonstraram numerosos expe-rimentos. Por que então não desenvolvem cultura? A resposta é muitosimples. Não só se necessita para acumular uma cultura da capacidadede aprendizagem, mas também da capacidade de poder armazenar essaaprendizagem e transmiti-la com grande rapidez e eficácia a outrosindivíduos. Os animais ditos irracionais aprendem por tentativa-erroou por imitação e, com estas modalidades, não podem acumular muitasexperiências nem as compartilhar maciçamente com os seus compa-nheiros ou os seus descendentes. O homem, pelo contrário, conta coma capacidade da simbolização (pode substituir os objetos da realidadecomo significantes) que lhe permite evocar ações, situações e objetos,embora não estejam presentes. Da mesma maneira, mediante o símbo-lo se faz mais contínua e complexa a experiência humana e pode trans-mitir-se a outros rapidamente. O símbolo permite, pois, acumularsaberes, experiências, normas etc, precisamente tudo aquilo que disse-mos que forma os acervos culturais de um povo.

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Índia Botocudo.Daguerreótipo de 1844, por

E. Thiesson. Acervo doMuseu do Homem, Paris.

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