mantoan - o direito de ser sendo diferente

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SOCIEDADE PUC MINAS INCLUSIVA Pró-reitoria de Extensão Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Anais III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva Ações Inclusivas de Sucesso Belo Horizonte 24 a 28 de maio de 2004 Realização:

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o Direito de Ser Sendo Diferente

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  • SOCIEDADE

    PUC MINASINCLUSIVA

    Pr-reitoria de Extenso

    Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais

    Anais

    III Seminrio InternacionalSociedade Inclusiva

    Aes Inclusivas de Sucesso

    Belo Horizonte24 a 28 de maio de 2004

    Realizao:

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 1

    Mesa Redonda Polticas Pblicas de Direitos Humanos e para Pessoas com Deficincia

    O DIREITO DE SER, SENDO DIFERENTE, NA ESCOLA

    Maria Teresa Eglr Mantoan

    Universidade Estadual de Campinas Unicamp

    Rua Barreto Leme, 1845 3 andar. CEP 13025 085 Cambu Campinas /SP

    Telefone: (19) 3251 040

    E-mail: [email protected]

    Breve Introduo

    No Brasil, a Educao Especial se estruturou segundo modelos assistencialistas e

    segregativos de atendimento e pela segmentao das deficincias, fatos esses que

    contriburam para que a formao escolar e a vida social das crianas e jovens com

    deficincia aconteam ainda, na maioria dos casos, em um mundo parte.

    Os movimentos de apoio incluso foram desencadeados por inmeros problemas

    gerados no interior de nossas escolas e que, no geral, esto relacionados ao ensino

    conservador nelas ministrado e ao seu carter seletivo e discriminador.

    A maioria dos alunos que lotam as classes e as escolas especiais so os que no esto

    conseguindo acompanhar os seus colegas de turma, ou os que so indisciplinados, filhos

    de lares pobres, de negros e outros.

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 2

    Pautada para atender a um aluno idealizado e ensinando a partir de um projeto escolar

    elitista, meritocrtico e homogeneizador de competncias, a escola tem produzido

    quadros de deficincia que deveriam ser atribudos s suas prticas, mas que tm,

    injustamente, prejudicado a trajetria educacional de muitos estudantes.

    Pela ausncia de laudos periciais competentes e de queixas escolares bem

    fundamentadas, h alunos que correm o risco de ser admitidos e considerados pessoas

    com deficincia e encaminhados, indevidamente, aos servios da Educao Especial.

    Esse quadro situacional perpetua desmandos e transgresses ao direito educao e

    no discriminao que algumas escolas e redes de ensino esto praticando, por falta de

    um controle efetivo dos pais, das autoridades de ensino e da justia em geral.

    Hs que se acrescentar tambm, o sentido dbio da Educao Especial, acentuado pela

    impreciso dos textos legais, que fundamentam nossos planos e propostas educacionais.

    Ainda hoje, patente a dificuldade de se distinguir a Educao Especial, tradicionalmente

    praticada, da concepo consentnea e vigente dessa modalidade de ensino: o

    atendimento educacional especializado.

    Com isso, no evoluem as iniciativas que visam adoo de posies/medidas

    inovadoras para a escolarizao de alunos com e sem deficincia, nas escolas comuns

    de ensino regular, assim como as que se referem aos servios educacionais

    especializados.

    Problemas conceituais, desrespeito a preceitos constitucionais, interpretaes

    tendenciosas de nossa legislao educacional e preconceitos distorcem o sentido da

    incluso escolar, reduzindo-a unicamente insero de alunos com deficincia no ensino

    regular, e desconsideram os benefcios que essa inovao educacional propicia

    educao dos alunos em geral, ao provocar mudanas de base na organizao

    pedaggica das escolas, bem como na maneira de se conceber o papel da instituio

    escolar na formao das novas geraes.

    S muito recentemente, a partir da ltima dcada de 80 e incio dos anos 90, as pessoas

    com deficincia, elas mesmas, tm se organizado, participando de Comisses e

    Coordenaes, Fruns e movimentos, para assegurar, de alguma forma, que os seus

    direitos, duramente conquistados, sejam reconhecidos e respeitados. Esses movimentos

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 3

    esto se infiltrando em todos os ambientes relacionados ao trabalho, transporte,

    arquitetura, urbanismo, segurana, previdncia social.

    As pessoas com deficincia buscam afirmao e querem ser ouvidas, como demais vozes

    das minorias. Mas, infelizmente, apesar de estarem presentes e terem mostrado uma

    atuao efetiva em vrios mbitos da vida social, os referidos movimentos no esto

    ainda suficientemente afinados com as mais recentes interpretaes da legislao

    educacional, a qual lhes garante a incluso escolar total e irrestrita.

    As escolas e as instituies especializadas ainda resistem bastante s mudanas

    provocadas pela incluso, alegando motivos que expem a fixidez organizacional dos

    servios dispensados a seus alunos e assistidos.

    Desconhecimento, interesses corporativistas envolvendo pais, professores e especialistas

    insistem em defender a educao de alunos com deficincia em ambientes segregados,

    desconsiderando as novas possibilidades de se atender s necessidades desses

    educandos a partir de alternativas educacionais includentes.

    Avanos da legislao

    uma nova interpretao da Educao Especial

    A Constituio Federal de 1988 elucida muitas questes e controvrsias referentes

    incluso escolar, respaldando os que propem avanos significativos para a educao

    escolar de pessoas com e sem deficincia, ao eleger como fundamentos da Repblica a

    cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1, incisos II e III), e como um dos seus

    objetivos fundamentais a promoo do bem de todos, sem preconceitos de origem, raa,

    sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (art. 3, inciso IV). Ela

    garante ainda o direito igualdade (art. 5), e trata, no art. 205 e seguintes, do direito de

    todos educao. Esse direito deve visar ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu

    preparo para a cidadania e sua qualificao para o trabalho.

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 4

    Alm disso, nossa atual Constituio institui como um dos princpios do ensino a

    igualdade de condies de acesso e permanncia na escola (art. 206, inciso I),

    acrescentando que o dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a

    garantia de acesso aos nveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criao

    artstica, segundo a capacidade de cada um (art. 208, V).

    Ao garantir a todos o direito educao e ao acesso escola, a Constituio Federal no

    usa adjetivos e, em assim sendo, toda escola deve atender aos princpios constitucionais,

    no excluindo nenhum aluno em razo de sua origem, raa, sexo, cor, idade ou

    deficincia.

    Estes dispositivos j seriam suficientes para que ningum pudesse negar a qualquer

    aluno com deficincia o acesso mesma sala de aula que qualquer outro colega, sem

    deficincia. Mas, no Captulo III, Da Educao, da Cultura e do Desporto, artigo 205, a

    Constituio prescreve em seu art. 208, que o dever do Estado com a educao ser

    efetivado mediante a garantia de: [...]atendimento educacional especializado aos

    portadores de deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino.

    Como j anunciamos anteriormente, a Educao Especial, na tica inclusiva e na

    Constituio Federal de 1988, deve ser entendida como atendimento educacional

    especializado e estar disponvel em todos os nveis de ensino. Esse atendimento

    complementar e necessariamente diferente do ensino escolar. Destina-se a atender s

    especificidades dos alunos com deficincia, abrangendo principalmente instrumentos

    necessrios eliminao das barreiras que as pessoas com deficincia apresentam,

    naturalmente, para relacionar-se com o ambiente externo, como por exemplo: ensino da

    Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS; ensino de Lngua Portuguesa para surdos; Sistema

    Braile; orientao e mobilidade para pessoas cegas; soroban; ajudas tcnicas, incluindo

    informtica; mobilidade e comunicao alternativa/aumentativa; tecnologia assistiva;

    educao fsica especializada; enriquecimento e aprofundamento curricular; atividades da

    vida autnoma e social.

    O atendimento educacional especializado funciona em moldes similares a outros cursos

    que suplementam conhecimentos adquiridos nos nveis de ensino Bsico e Superior,

    como o caso dos cursos de lnguas, artes, informtica e outros.

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 5

    Diferentemente de outros cursos livres, o atendimento educacional especializado foi

    explicitamente citado na Constituio Federal, para que alunos com deficincia pudessem

    ter acesso ao ensino escolar regular. Esta garantia, alm do acesso, propicia-lhes

    tambm condies de freqentar a escola comum, com seus colegas sem deficincia e da

    mesma faixa etria, no ambiente escolar que nos parece o mais adequado para a quebra

    de qualquer ao discriminatria e que favorece todo tipo de interao promotora do

    desenvolvimento cognitivo, social, motor, afetivo dos alunos, em geral.

    A Constituio admite ainda que o atendimento educacional especializado seja oferecido

    fora da rede regular de ensino, em outros estabelecimentos pblicos e particulares,

    dedicados unicamente a esse fim.

    O direito ao atendimento educacional especializado est igualmente previsto nos artigos

    58, 59 e 60 da Lei 9394/96 LDBEN, que, para no ferir a Constituio, ao usar o termo

    Educao Especial deve faz-lo, segundo sua nova interpretao, baseada no que a

    Constituio inovou ao prever o atendimento educacional especializado e no mais a

    Educao Especial, como constava das legislaes anteriores.

    Dizemos uma nova interpretao da Educao Especial, pois esta sempre foi vista como

    a modalidade de ensino que podia substituir a escolaridade regular, em escolas comuns.

    Das modalidades de ensino referidas na LDBEN, a Educao de Jovens e Adultos a

    nica com carter substitutivo, pois existe para que os alunos que no cursaram o Ensino

    Fundamental na faixa etria prpria dessa etapa da Educao Bsica, venham a ter mais

    uma oportunidade de freqent-lo e possam dar prosseguimento aos seus estudos

    subseqentes.

    A Educao Especial, em sua nova concepo, apenas perpassa e complementa as

    etapas da Educao Bsica e Superior, pois, tratando-se de uma modalidade, no

    constitui um nvel de ensino.

    Por esse motivo, os alunos com deficincia especialmente os em idade de cursar o

    Ensino Fundamental no podem freqentar unicamente os servios de Educao

    Especial (classes especiais, salas de recursos etc). Eles devem, obrigatoriamente, estar

    matriculados e freqentando de modo regular as turmas de sua faixa etria, nas escolas

    comuns. Trata-se de cumprir uma prerrogativa legal, que diz respeito ao direito

    indisponvel de todo e qualquer aluno educao e que, no sendo acatada, pode

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 6

    acarretar aos pais e responsveis por esses alunos, penalidades decorrentes do crime de

    abandono intelectual de seus filhos. Os pais/responsveis que deixam seus filhos dessa

    idade sem o ensino obrigatrio, vem-se sujeitos s penas do artigo 246 do Cdigo Penal,

    que trata do crime de abandono intelectual. possvel at que os dirigentes de

    instituies que incentivam e no tomam providncias em relao a essa situao,

    possam incorrer nas mesmas penas (art. 29, CP). O mesmo pode ocorrer se a instituio

    simplesmente acolhe uma criana com deficincia, recusada por uma escola comum (o

    que tambm crime, art. 8, Lei 7.853/89), e silencia a respeito, no denunciando a

    situao. Os Conselhos Tutelares e autoridades locais devem ficar atentos para cumprir

    seu dever de garantir a todas as crianas e adolescentes o seu direito de acesso

    escola.

    Embora existam pessoas com deficincias bastante significativas, no podemos esquecer

    que, como alunos, elas tm o mesmo direito de acesso educao, em ambiente escolar

    no segregado que aqueles pares com deficincias menos severas e os alunos sem

    deficincia, da mesma faixa de idade. A participao de alunos severamente

    prejudicados, nas salas de aula de escolas comuns deve ser, portanto, garantida, para

    que eles possam se beneficiar do ambiente regular de ensino e aprender conforme as

    prprias possibilidades. Alis, so esses os alunos que, de fato, provocam mudanas

    drsticas e necessrias na organizao escolar e que fazem com que seus colegas e

    professores vivam a experincia da diferena, nas salas de aula.

    A Educao Especial, na perspectiva inclusiva tem, papel imprescindvel e no pode ser

    negado, embora dentro dos limites de suas atribuies, sem extrapolar seus espaos de

    atuao especfica. Essas atribuies, conforme j nos referimos, complementam e

    apiam o processo de escolarizao de alunos com deficincia, regularmente

    matriculados nas escolas comuns, por meio do atendimento educacional especializado.

    Conveno Interamericana para a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Pessoa Portadora de Deficincia Decreto 3.956/2001

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 7

    Posterior LDBEN/1996, surge esse documento, celebrado na Guatemala, em maio de

    1999.

    O Brasil signatrio dessa Conveno, que foi aprovada pelo Congresso Nacional por

    meio do Decreto Legislativo n 198, de 13 de junho de 2001, e promulgada pelo Decreto

    n 3.956, de 08 de outubro de 2001, da Presidncia da Repblica. A Conveno da

    Guatemala tem valor de norma constitucional, j que se refere a direitos e garantias

    fundamentais da pessoa humana.

    A importncia da Conveno no entendimento e na defesa da incluso acha-se no fato de

    que deixa impossibilitada qualquerdiferenciao com base na deficincia, distiguindo a

    discriminao como

    [...] toda diferenciao, excluso ou restrio baseada em deficincia, antecedente de deficincia, conseqncia de deficincia anterior ou percepo de deficincia presente ou passada, que tenha o efeito ou propsito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exerccio por parte das pessoas portadoras de deficincia de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais (art. I, n 2a).

    O texto da Conveno, no artigo I, n 2,b esclarece que no constitui discriminao

    [...]a diferenciao ou preferncia adotada para promover a integrao social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficincia, desde que a diferenciao ou preferncia no limite em si mesma o direito igualdade dessas pessoas e que elas no sejam obrigadas a aceitar tal diferenciao ou preferncia (art. I, n 2, b).

    Como a educao deve visar ao pleno desenvolvimento humano e ao preparo para o

    exerccio da cidadania, segundo o artigo 205 da Constituio qualquer restrio ao

    acesso a um ambiente, que reflita a sociedade em sua diversidade como meio de

    preparar a pessoa para a cidadania, seria uma diferenciao ou preferncia a limitar em

    si mesma, o direito igualdade dessas pessoas.

    Conforme documento editado pelo Ministrio Pblico Federal - Procuradoria Geral dos

    Direitos do Cidado, denominado O acesso de alunos com deficincia s classes e

    escolas comuns da rede regular de ensino 1 e de acordo com o novo parmetro

    relacionado ao princpio da no discriminao, concebido pela Conveno da Guatemala,

    1 O referido documento foi editado em 2001 e est disponvel on-line, no site: http://www.pgr.mpf.gov.br/pfdc/html

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 8

    espera-se que a adoo da mxima tratar igualmente os iguais e desigualmente os

    desiguais e que se admitam as diferenciaes com base na deficincia somente para se

    permitir o acesso aos direitos, no para o fim de negar o exerccio deles. Por esse

    documento da Procuradoria, no caso de um aluno com graves problemas motores

    necessitar de um computador para acompanhar suas aulas, esse instrumento deve ser

    garantido pelo menos para ele, caso no seja possvel para os demais alunos. Trata-se

    de uma diferenciao em razo de uma deficincia, mas com a ressalva de lhe permitirem

    continuar tendo acesso educao como seus colegas. Pela Conveno, no ser caso

    de discriminao, contudo, se essa pessoa no estiver obrigada a aceitar tal

    diferenciao.

    Ocorre, todavia, que a LDBEN/1996 no contempla o direito de opo das pessoas com

    deficincia e de seus pais ou responsveis, limitando-se a prever as situaes em que

    dar-se- a Educao Especial, normalmente, na prtica, por imposio da escola ou rede.

    Assim, todos os encaminhamentos de alunos com deficincia a servios complementares

    (atendimento educacional especializado) ou a atendimentos clnico-teraputicos devem

    contar com a concordncia expressa dos pais/responsveis ou do aluno, quando possvel.

    Pela Conveno da Guatemala, os servios de apoio especializado, tais como os de

    intrpretes de lngua de sinais, aprendizagem do sistema Braile e diferentes recursos

    especiais de ensino e de aprendizagem, no caracterizam e sequer podem substituir as

    funes do professor responsvel pela sala de aula da escola comum regular, que tem

    alunos com deficincia.

    Neste e em outros casos, a Conveno da Guatemala no est sendo cumprida,

    atualmente e, para esse fim, no h necessidade de revogao expressa da LDBEN, pois

    esta, no que se refere Educao Especial, j ocorreu com a internalizao da

    Conveno nossa Constituio.

    Em resumo, para se ajustarem Conveno faz-se indispensvel que os nossos

    estabelecimentos de ensino eliminem barreiras arquitetnicas e adotem prticas de

    ensino adequadas s diferenas dos alunos em geral, oferecendo alternativas que

    contemplem sua diversidade, alm de recursos de ensino e equipamentos especializados,

    de modo a atender a todas as necessidades educacionais dos educandos, com e sem

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 9

    deficincias, mas sem discriminaes, restries ou excluses. (Mantoan, 2001; Forest,

    1985).

    Para tanto, os cursos de formao de professores precisam sofrer modificaes nos seus

    currculos, levando os futuros professores a aprender prticas de ensino adequadas

    heterogeneidade das turmas escolares. A formao de professores especializados em

    Educao Especial tambm ter de sofrer mudanas, de maneira a oferecer preparo e

    condies de esses profissionais prestarem atendimento educacional especializado em

    escolas comuns e em instituies especializadas para terem conhecimentos do cdigo

    Braile, LIBRAS, tcnicas, enfim que facilitem o acesso da pessoa com deficincia ao

    ensino e outros recursos didtico-pedaggicos com a mesma finalidade.

    Como o acesso a todas as sries do Ensino Fundamental obrigatrio e

    incondicionalmente garantido a quaisquer alunos, os critrios de avaliao e de

    promoo, com base no aproveitamento escolar, previstos na LDBEN/1996 (art. 24), tero

    de ser re-organizados para cumprir os princpios constitucionais da igualdade de direito ao

    acesso e permanncia na escola, bem como aos nveis mais elevados do ensino, da

    pesquisa e da criao artstica, segundo a capacidade de cada um.

    Para que se cumpra a Conveno da Guatemala, os rgos responsveis pela emisso

    de atos normativos infralegais e administrativos relacionados Educao (Ministrio da

    Educao, Conselhos de Educao e Secretarias de todas as esferas administrativas)

    devero emitir diretrizes para a educao bsica, em seus respectivos mbitos, com

    orientaes adequadas e suficientes para que as escolas em geral recebam, com

    qualidade, a todas as crianas e adolescentes.

    Os rgos oficiais responsveis pelo reconhecimento, credenciamento, autorizao, ou

    renovao de quaisquer desses atos, no podem deferir os respectivos pedidos das

    escolas e das instituies especializadas que no preencherem os aspectos fundamentais

    aqui elencados. Bem como justo deferir prazos para que as interessadas procedam

    adequao necessria de seus servios s novas exigncias legais.

    A Conveno da Guatemala representa um avano no sentido de se abolirem todas as

    normas e diretrizes educacionais, escolares, que garantiam s pessoas com deficincia o

    direito de acesso e freqncia ao ensino regular sempre que possvel, desde que

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 10

    capazes de se adaptar. Essas situaes, tpicas da insero escolar conhecida como

    integrao esteve bastante forte, principalmente no Brasil.

    O movimento de integrao, contrape-se radicalmente ao atual movimento mundial de

    incluso, que no aceita a excluso em qualquer hiptese ou condio, mesmo que o

    aluno seja severamente prejudicado. Enquanto o aluno no tiver quaisquer condies de

    interao com o meio externo, estar temporariamente desobrigado da educao escolar

    e, nesse caso, no elegvel nem mesmo para as escolas especiais, pois necessita de

    cuidados de sade que o impedem de estar em um ou outro ambiente educativo.

    difcil para a nossa compreenso to condicionada a esteretipos e preconceitos -

    entender esse direito, especialmente quando se trata de acesso e freqncia desses

    aluno a uma escola comum. Mas, caso ocorra uma pequena melhora em seu estado de

    sade, esse aluno, por direito e por lhe ser mais proveitoso e desafiador, dever

    freqentar escolas comuns da rede regular. L ele ter a oportunidade de se desenvolver

    melhor no aspecto social e, quanto aprendizagem dos contedos curriculares,

    certamente ter mais ocasies de aprender o que lhe for possvel em uma escola comum

    do que em ambientes escolares segregados, nos quais conviver com colegas com

    problemas semelhantes ou mais graves de aprendizagem.

    Mesmo que no consigam aprender tanto quanto os seus colegas, h que se garantir a

    eles o direito convivncia escolar e formao com os de sua gerao.

    Os alunos sem deficincia tambm sero beneficiados pela experincia de estudar com

    esses novos colegas e, quanto mais drstica ela for, mais provocar mudanas e levar a

    aprendizagens de convvio natural com as diferenas.

    O papel das instituies especializadas

    Uma instituio especializada ou escola especial so assim reconhecidas justamente pelo

    tipo de atendimento que oferecem, ou seja, o atendimento educacional especializado. O

    papel da instituio o de oferecer o que no prprio dos currculos da base nacional

    comum e, como defensoras dos interesses das pessoas com deficincias,elas devem

    cuidar para que as escolas comuns cumpram o seu papel.

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 11

    No lhes cabe, portanto, ministrar ensino escolar e, assim, os alunos unicamente

    matriculados nos servios de Educao Especial, como ocorre em inmeros casos, no

    esto gozando plenamente do direito educao escolar.

    A escolaridade dos alunos com deficincia compete s escolas comuns da rede regular

    que, para no continuarem criando situaes de excluso, dentro e fora das salas de

    aula, devem responder s necessidades de todos os educandos com prticas que

    respeitem as diferenas.

    As instituies filantrpicas que mantm uma escola especial, ainda que ofeream

    atendimento educacional especializado, devem alertar os pais/responsveis e tomar as

    providncias imediatas para a matrcula dos alunos que atendem, pelo menos os com

    idade entre 07 e 14 anos, no Ensino Fundamental, em escolas comuns da rede regular.

    Para os jovens que ultrapassarem essa idade limite, na matrcula inicial, importante que

    lhes seja garantida entrada em escolas comuns, na modalidade de Educao de Jovens e

    Adultos - no lhes sendo possvel freqentar o Ensino Mdio.

    Nada impede que, em perodo distinto daquele em que forem matriculados no ensino

    comum, os alunos continuem a freqentar as instituies para receberem atendimento

    clnico e/ou atendimento educacional especializado, que visam complementao

    curricular especfica a cada caso. Mas o atendimento educacional especializado no pode

    ser confundido com reforo escolar, como usualmente acontece.

    Vale tambm lembrar que a chamada incluso ao contrrio tem sido aventada como um

    artifcio, uma soluo para que o atendimento escolar se mantenha nas instituies

    especializadas. Estas se propem a abrir e/ou a transformar esse atendimento j

    existente para alunos com deficincia e/ou com problemas de aprendizagem e, inclusive,

    para alunos sem deficincias e mesmo sem dificuldades de acompanhar/cursar escolas

    comuns.

    A incluso ao contrrio no procede, porque a escola deve se constituir em um ambiente

    que reproduz a sociedade tal como ela , condio essa que atende ao disposto no art.

    205, da Constituio Federal: proporcionar pleno desenvolvimento humano e preparar

    para a cidadania.

    Escolas mistas, constitudas por relativo nmero de pessoas com a mesma deficincia e

    por algumas outras sem deficincia, l inseridas, no atendem a tal dispositivo.

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 12

    Se uma instituio especializada quiser transformar sua escola especial em escola

    comum da rede regular, aberta a todos os alunos, ela ter de oferecer as etapas de

    educao escolar alm do atendimento educacional especializado complementar. Nesse

    sentido, precisar retificar o seu regimento escolar e a sua autorizao de funcionamento

    junto s Secretarias de Educao. O nmero de alunos com deficincia a serem

    atendidos por essa escola no poder ultrapassar o percentual desse segmento na

    populao, e seus alunos sero recrutados entre os que residem nas suas redondezas.

    Nessa hiptese, a instituio deixar de ter atuao exclusiva em Educao Especial e,

    assim, no far mais jus a apoio tcnico e financeiro pelo Poder Pblico, de acordo com o

    disposto no artigo 60 da LDBEN.

    O sistema oficial de ensino, por meio de seus rgos, nos mbitos federal, estadual e

    municipal, deve dar prazo s escolas especiais, para que adotem as providncias

    necessrias, de modo a que suas prticas educacionais possam atender Constituio

    Federal e Conveno Interamericana para a Eliminao de Todas as Formas de

    Discriminao contra a Pessoa Portadora de Deficincia - Decreto 3.956/2001.

    Crise e transformao das escolas comuns

    novos paradigmas e conhecimento escolar

    Estamos vivendo um tempo de crise global, em que os velhos paradigmas da

    modernidade esto sendo contestados e em que o conhecimento, matria-prima da

    educao escolar, est passando por uma re-interpretao.

    As diferenas culturais, sociais, tnicas, religiosas, de gnero, enfim, a diversidade

    humana est sendo cada vez mais desvelada e destacada e condio imprescindvel

    para se entender como aprendemos, entendemos o mundo e a ns mesmos.

    Um novo paradigma do conhecimento est surgindo das interfaces e das novas conexes

    que se formam entre saberes outrora isolados e partidos e dos encontros da subjetividade

    humana com o cotidiano, o social, o cultural. Redes cada vez mais complexas de relaes

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 13

    geradas pela velocidade das comunicaes e informaes esto rompendo as fronteiras

    das disciplinas e estabelecendo novos marcos de compreenso entre as pessoas e o

    mundo em que vivemos.

    Diante dessas novidades, a escola brasileira no pode continuar ignorando o que

    acontece ao seu redor, anulando e marginalizando as diferenas nos processos atravs

    dos quais forma e instrui os alunos. E muito menos desconhecer que aprender implica

    saber expressar, dos mais variados modos, o que sabemos, representar o mundo a partir

    de nossas origens, valores, sentimentos.

    Precisamos reverter esta situao crtica, marcada pelo fracasso e pela evaso de uma

    parte significativa dos seus alunos, os quais so marginalizados pelo insucesso, pelas

    privaes constantes e pela baixa auto-estima resultante da excluso escolar e da

    sociedade.

    certo que os alunos com deficincia constituem uma severa preocupao para os

    educadores inclusivos, mas todos sabemos que a maioria dos alunos que fracassam nas

    nossas escolas so crianas que no vm do ensino especial, mas que possivelmente

    acabaro nele (Mantoan, 1999)!

    O conhecimento cientfico no consegue, por si s, enfeixar todos os fios que constituem

    a trama dos sentidos de um mesmo objeto de estudo. Como Santos (1995) nos aponta, a

    comunidade acadmica no pode continuar a pensar que s existe um nico modelo de

    cientificidade e uma nica epistemologia, e que, no fundo, todo o resto um saber vulgar,

    um senso comum que ela contesta em todos os nveis de ensino e de produo do

    conhecimento. A idia de que o nosso campo de conhecimento muito mais amplo do

    que aquele que cabe no paradigma da cincia moderna, traz a cincia para um campo de

    luta mais igual, em que ela tem de reconhecer e se aproximar de outras formas de

    entendimento e perder a posio hegemnica em que se no se mantm, ignorando o

    que foge aos seus domnios.

    A excluso escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e quase

    sempre o que est em jogo a ignorncia do aluno, diante dos padres de cientificidade

    do saber escolar. De fato, a escola se democratizou abrindo-se a novos grupos sociais,

    mas no aos novos conhecimentos. Exclui, ento, os que ignoram o conhecimento que

    ela valoriza e entende que a democratizao massificao de ensino; no cria a

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 14

    possibilidade de dilogo entre diferentes lugares epistemolgicos e no se abre a novos

    conhecimentos que no couberam at ento, dentro dela.

    O pensamento disjuntivo uma outra barreira para os que pretendem, como ns, inovar a

    escola. Nesse sentido, imprescindvel questionar esse modelo de compreenso que nos

    imposto desde os primeiros passos de nossa formao escolar e que prossegue nos

    nveis de ensino mais graduados.

    Toda trajetria escolar precisa ser repensada, considerando-se os efeitos cada vez mais

    nefastos das hiper-especializaes (Morin, 2001) dos saberes, que nos dificultam a

    articulao de uns com os outros e de termos igualmente uma viso do essencial e do

    global.

    Se o que pretendemos que a escola seja mais que especial, urgente que seus planos

    se re-definam para uma educao voltada cidadania global, plena, livre de preconceitos

    e disposta a reconhecer as diferenas, a interdependncia, a complementaridade entre as

    pessoas.

    Esses planos requerem que se adotem outros referenciais terico-metodolgicos e a idia

    de complexidade proposta por Morin (2001) uma delas. Para esse autor, o pensamento

    complexo aquele que, segundo o sentido original do termo, tecido junto (Morin,

    2001), existindo complexidade quando os componentes do todo so inseparveis e

    sustentados por uma trama interdependente e interativa entre essas partes e o todo e o

    todo e as partes.

    O ensino curricular de nossas escolas, organizado em disciplinas, isola, separa os

    conhecimentos, ao invs de reconhecer as suas inter-relaes. Contrariamente, o

    conhecimento evolui por recomposio, contextualizao e integrao de saberes, em

    redes de entendimento, no reduz o complexo ao simples, tornando maior a capacidade

    de reconhecer a multidimensionalidade dos problemas e de suas solues.

    Os sistemas escolares tambm esto montados a partir de um pensamento que recorta a

    realidade, que permite dividir os alunos em normais e deficientes, as modalidades de

    ensino em regular e especial, os professores em especialistas, nesta e naquela

    manifestao das diferenas. A lgica dessa organizao marcada por uma viso

    determinista, mecanicista, formalista, reducionista prpria do pensamento cientfico

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 15

    moderno, que e ignora o subjetivo, o afetivo, o criador, sem os quais no conseguimos

    romper com o velho modelo escolar, para produzir a reviravolta que a incluso impe.

    Essa reviravolta exige, em nvel institucional, a extino das categorizaes e das

    oposies excludentes iguais/diferentes, normais/deficientes. Em nvel pessoal, implica

    em que busquemos articulao, flexibilidade, interdependncia entre essas dicotomias

    que se conflitavam nos nossos pensamentos, aes, sentimentos. A proposta escolar

    inclusiva difere muito daquela que tpica das escolas tradicionais, em que ainda

    atuamos e em que fomos formados para ensinar.

    Chegamos a um impasse, como nos afirma Morin (2001), pois no se pode reformar a

    instituio sem a prvia reforma das mentes, mas no se pode reformar as mentes sem

    uma prvia reforma das instituies (p.99).

    identidade e diferena

    Assim como o pensamento complexo essencial para que se produzam novidades e

    conhecimentos de sustentao e de defesa de uma escola para todos, os estudos

    culturais contemporneos (Silva, 2000; Hall, 2000; Mc Laren, 2000) nos apiam na

    discusso dos processos inclusivos escolares.

    Quando tentamos caracterizar os alunos, emerge a necessidade de serem revistos os

    conceitos de identidade e diferena. Temos de reconhecer as diferentes culturas, a

    pluralidade das manifestaes intelectuais, sociais, afetivas, enfim, precisamos construir

    uma nova tica escolar, que advenha de uma conscincia ao mesmo tempo individual,

    social e, por que no, planetria!

    No desejo de assegurar a homogeneidade nos grupos sociais, nas turmas escolares,

    destruram-se muitas diferenas que consideramos valiosas e importantes, hoje, nas

    salas de aula e para alm delas. Ao nos referirmos a uma cultura global e globalizao,

    parece contraditria a luta de grupos minoritrios por uma poltica identitria, pelo

    reconhecimento de suas razes- como fazem os surdos, os deficientes, os hispnicos, os

    negros, as mulheres, os homossexuais. H, pois um sentimento de busca de razes e de

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 16

    afirmao das diferenas e, em conseqncia, contesta-se a Modernidade em sua

    averso pela diferena.

    Ocorre que nem todas as diferenas, necessariamente, inferiorizam as pessoas. H

    diferenas e h igualdades, e nem tudo deve ser igual e nem tudo deve ser diferente.

    Ento, como conclui Santos (1995), [...] num debate multicultural, nessa tal configurao

    cognitiva que proponho, preciso, como princpio de conversa, aceitar um imperativo:

    temos o direito a ser iguais quando a diferena nos inferioriza, temos o direito a ser

    diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.

    A identidade fixa, estvel, acabada, prpria do sujeito cartesiano unificado e racional

    tambm est em crise (Hall, 2000). Mas, ao destacar os essencialismos identitrios,

    muitos movimentos sociais das minorias clamam pela incluso, mas biologizando raa,

    gnero, sexualidade. (Woodward, 2000).

    A idia de identidade mvel desconstri o sistema de significao escolar excludente,

    normativo, elitista, com suas medidas e mecanismos de produo da identidade e da

    diferena.

    O processo de normalizao, pelo qual a Educao Especial tem proclamado o seu

    poder, prope sutilmente, com base em caractersticas devidamente selecionadas como

    positivas, a eleio arbitrria de uma identidade normal (Silva, 2000) como um padro

    de hierarquizao e de avaliao de alunos, de pessoas. Temos, portanto, de assumir

    uma posio contrria perspectiva da identidade normal, que justifica a

    homogeneidade das turmas escolares.

    Se a igualdade referncia, podemos inventar o que quisermos para agrupar e rotular os

    alunos. Se a diferena tomada como parmetro, no fixamos mais a igualdade como

    norma e fazemos cair toda uma hierarquia das igualdades e diferenas que sustentam a

    normalizao. A diferena , pois, o conceito que se impe para que possamos defender

    a tese de uma escola nica e para todos.

    De certo que as identidades naturalizadas do estabilidade ao mundo social. Pensamos,

    como Silva (2000) e Serres (1993), que a mistura, a hibridizao, a mestiagem

    desestabilizam as identidades, constituindo uma estratgia provocadora e questionadora

    de toda e qualquer fixao da identidade. Os movimentos em favor da incluso, dentre os

    quais os educacionais/escolares devem seguir outros caminhos que os propostos por

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 17

    nossas polticas (equivocadas?) de incluso, pois no s acreditamos nas aes que

    contestam as fronteiras entre o regular e o especial, o normal e o deficiente, enfim os

    espaos simblicos das diferentes identidades, como possumos sustentao legal para

    efetiv-las, conforme j detalhado nos tpicos anteriores deste artigo.

    Uma escola mais que especial

    O grupo de pesquisa que coordenamos na Universidade Estadual de Campinas/ Unicamp

    - So Paulo/Brasil est se empenhando no sentido de concretizar essa escola mais que

    especial. Vrios so os projetos arquitetados por educadores e pesquisadores do

    Laboratrio de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade - LEPED, na Faculdade de

    Educao/Unicamp. Este grupo de pesquisa pioneiro no Brasil em estudos sobre

    incluso escolar e tem formado professores e modificado a estrutura organizacional das

    redes de ensino pblico h mais de 10 anos. H inmeras teses de doutorado de alunos

    do LEPED j defendidas e em andamento alm de pesquisas, de livros e artigos

    publicados por seus professores, nestes ltimos anos. Todo esse material constitui um

    importante acervo de conhecimentos sobre os avanos que este Laboratrio tem

    propiciado educao escolar, especialmente para o ensino bsico.

    Em todo o mundo despontam, aqui e ali, propostas similares de transformao das

    escolas, o que muito nos anima, pois vm reafirmando a nossa determinao e a de

    outros educadores, de assegurar o pleno direito dos escolares a uma educao de

    qualidade (Ainscow, 1999; Staimback, 1984; Booth e Ainscow, 1998; Armstrong,

    Armstrong e Barton, 2000; Mantoan e Valente, 1998).

    Certamente no existe uma regra geral para se construir esta escola que queremos - uma

    escola para todos. Mas podemos nos aproximar cada vez mais dela, se encararmos a

    transformao das escolas que hoje temos da forma mais realstica possvel, abolindo-se

    tudo o que nos faz pens-las e organiz-las a partir de modelos que as idealizam, como

    temos feito at ento.

    J se impe, mesmo timidamente, uma tendncia de re-orientao das escolas, segundo

    uma lgica educacional regida por princpios sociais, democrticos, de justia, de

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 18

    igualdade, contrapondo-se que sustentada por valores econmicos e empresariais de

    produtividade, competitividade, eficincia, modelos ideais, que tantas excluses tm

    provocado na educao, em todos os seus nveis. Temos de acreditar e promover uma

    virada crtica na educao escolar.

    Sabemos da necessidade e da urgncia de impulsionarmos uma reforma estrutural e

    organizacional das nossas escolas, diante dos apelos da realidade injusta em que

    vivemos e na qual a incluso revela a crise escolar, desnuda a fixidez da identidade

    institucional, abala a identidade dos professores e re-significa a identidade do aluno.

    Na escola tradicional, o aluno essencialmente o mesmo. Ou seja, uma reproduo do

    sujeito da razo e da conscincia, determinado por quadros de referncia que mantm

    estvel o mundo escolar. So os bons e os maus alunos, caracterizados pelos sistemas

    de ensino, que definem os espaos das escolas e as regularizam, decretando as

    repetncias e legalizando os caminhos marginais do ensino especial.

    O aluno da escola inclusiva outro sujeito, que no detm uma identidade fixa,

    permanente, essencial. Esse aluno engloba um conjunto diversificado de identidades,

    diante de um eu que no sempre o mesmo, seguro e coerente mas um eu cambiante,

    cada um dos quais com que podemos nos confrontar e nos identificar temporariamente

    (Hall, 2000; Mc Laren, 2000).

    Os desafios para a concretizao dos ideais inclusivos na educao brasileira so

    inmeros, como dado a perceber no aqui exposto.

    Se, do ponto de vista legal, mister conciliarmos os impasses entre nossa Constituio e

    as leis infraconstitucionais referentes educao, do ponto de vista educacional, urgente

    se faz estimular as mudanas, buscando e divulgando novas prticas pedaggicas,

    experincias de sucesso, saberes adquiridos em estudos desenvolvidos no cotidiano das

    nossas escolas.

    H ainda que vencer os desafios que nos impem o conservadorismo das instituies

    especializadas e enfrentar as presses polticas e das pessoas com deficincia ainda

    severamente habituadas a viver de seus rtulos e de benefcios que acentuam a

    incapacidade, a limitao, o paternalismo e o protecionismo social .

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 19

    O essencial, na nossa opinio, que todos os investimentos atuais e futuros da educao

    brasileira no repitam o passado. E reconheam e valorizem as diferenas na escola.

    Temos de ter sempre presente que o nosso problema se concentra em tudo o que torna

    nossas escolas injustas, discriminadoras e excludentes, e que, sem solucion-lo, no

    alcanaremos o nvel de qualidade de ensino escolar, exigido para se ter uma escola mais

    que especial, onde os alunos tenham o direito de ser (alunos), sendo diferentes.

  • Anais do III Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Aes Inclusivas de Sucesso 20

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