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190 MAIS DO MENAS: ONDE A EXPOSIÇÃO JAMAIS ESTEVE Thayane Santos Antunes (UERJ) 1 Ricardo Joseh Lima (UERJ) RESUMO: Este trabalho tem dois objetivos centrais. O primeiro é a apresentação de uma discussão sobre a exposição “Menas, o certo do errado e o errado do certo”, realizada pelo Museu da Língua Portuguesa, no primeiro semestre de 2010. São descritas as instalações que fazem parte dessa exposição e em seguida análises críticas dessas instalações são levantadas. Essas análises se centram nas dificuldades que os curadores tiveram de concretizar o objetivo de transmitir informações sobre o conceito de erro, que seria considerado como relativo e atrelado à inadequação de registros. As falhas apontadas são de várias ordens: informações incompletas, contraditórias e ambíguas. O segundo objetivo é a apresentação de uma proposta de instalação “extra” para a exposição Menas, que procura solucionar as dificuldades que essa exposição enfrentou para transmitir suas informações. Utilizando muito menos estrutura e materiais, essa instalação “extra” pretende agir diretamente na questão do conceito de erro, o que leva também a focalizar o tema do Preconceito Linguístico, que permaneceu ausente da exposição Menas. A instalação “extra” também pode ser pensada de modo autônomo em relação ao Menas, podendo constituir um instrumento de divulgação de combate ao Preconceito Linguístico. 1) Introdução (ou: O que é e para que serve uma exposição?) Entre os meses de março e julho de 2010, o Museu da Língua Portuguesa realizou a exposição temporária “Menas: o certo do errado e o errado do certo”, a primeira do Museu, focalizando um assunto linguístico e não literário. O título da exposição não é apenas chamativo, mas também é provocador: coloca em destaque uma palavra estigmatizada e propõe um jogo de inversão de valores a respeito dos conceitos de “certo” e “errado” (ver Bagno 1999 e Leite 2008). Nesta Introdução, vamos fazer alguns comentários sobre o conceito de exposição e suas relações com o tema da divulgação científica, especificamente, da divulgação linguística. Podemos, inicialmente, definir exposição como sendo a utilização de um espaço por um determinado período de tempo para apresentar informações, por diversos meios, a um público. Uma exposição pode ser a reunião de obras que tenham algum ponto em comum, por exemplo, quadros do mesmo período ou tratando de um mesmo tema, com a finalidade de despertar no público uma consciência a respeito de seus objetivos. Para tanto, pode-se conceber uma espécie de roteiro, fruto de um planejamento em que as partes de uma exposição dialogam entre si, fazendo conexões que vão, fatalmente, levar à finalização de um conjunto de ideias que seja apropriado para uma reflexão consciente. Deve ficar claro que estamos apontando para uma possibilidade de direcionamento de uma exposição, deixando com isso em aberto a existência de outros modelos, uma vez que o tema do nosso trabalho é uma exposição voltada para um assunto que tem mais proximidade com a ciência do que com a arte. Se a pretensão é divulgar informações a respeito do trabalho e das descobertas de uma ciência, no caso, a Linguística, a concepção de exposição descrita acima pode, ou até deve, ser tomada como parâmetro para o sucesso dessa tarefa. Em se tratando da Linguística, a discussão sobre a concepção de exposição e a questão da divulgação científica se torna mais complexa. Isso porque não se tem notícia de um evento de tal extensão e alcance midiático que tenha focalizado um tema linguístico e, além disso, esse é um tipo de tema que desperta paixões e polêmicas, quase sempre mal compreendidas. Portanto, o desafio de comunicar com o público conceitos de “certo” e “errado” em língua 1 Aluna de graduação em Letras, orientada pelo Prof. Dr. Ricardo Joseh Lima (UERJ).

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MAIS DO MENAS: ONDE A EXPOSIÇÃO JAMAIS ESTEVE

Thayane Santos Antunes (UERJ)1 Ricardo Joseh Lima (UERJ)

RESUMO: Este trabalho tem dois objetivos centrais. O primeiro é a apresentação de uma discussão sobre a exposição “Menas, o certo do errado e o errado do certo”, realizada pelo Museu da Língua Portuguesa, no primeiro semestre de 2010. São descritas as instalações que fazem parte dessa exposição e em seguida análises críticas dessas instalações são levantadas. Essas análises se centram nas dificuldades que os curadores tiveram de concretizar o objetivo de transmitir informações sobre o conceito de erro, que seria considerado como relativo e atrelado à inadequação de registros. As falhas apontadas são de várias ordens: informações incompletas, contraditórias e ambíguas. O segundo objetivo é a apresentação de uma proposta de instalação “extra” para a exposição Menas, que procura solucionar as dificuldades que essa exposição enfrentou para transmitir suas informações. Utilizando muito menos estrutura e materiais, essa instalação “extra” pretende agir diretamente na questão do conceito de erro, o que leva também a focalizar o tema do Preconceito Linguístico, que permaneceu ausente da exposição Menas. A instalação “extra” também pode ser pensada de modo autônomo em relação ao Menas, podendo constituir um instrumento de divulgação de combate ao Preconceito Linguístico. 1) Introdução (ou: O que é e para que serve uma exposição?) Entre os meses de março e julho de 2010, o Museu da Língua Portuguesa realizou a exposição temporária “Menas: o certo do errado e o errado do certo”, a primeira do Museu, focalizando um assunto linguístico e não literário. O título da exposição não é apenas chamativo, mas também é provocador: coloca em destaque uma palavra estigmatizada e propõe um jogo de inversão de valores a respeito dos conceitos de “certo” e “errado” (ver Bagno 1999 e Leite 2008). Nesta Introdução, vamos fazer alguns comentários sobre o conceito de exposição e suas relações com o tema da divulgação científica, especificamente, da divulgação linguística. Podemos, inicialmente, definir exposição como sendo a utilização de um espaço por um determinado período de tempo para apresentar informações, por diversos meios, a um público. Uma exposição pode ser a reunião de obras que tenham algum ponto em comum, por exemplo, quadros do mesmo período ou tratando de um mesmo tema, com a finalidade de despertar no público uma consciência a respeito de seus objetivos. Para tanto, pode-se conceber uma espécie de roteiro, fruto de um planejamento em que as partes de uma exposição dialogam entre si, fazendo conexões que vão, fatalmente, levar à finalização de um conjunto de ideias que seja apropriado para uma reflexão consciente. Deve ficar claro que estamos apontando para uma possibilidade de direcionamento de uma exposição, deixando com isso em aberto a existência de outros modelos, uma vez que o tema do nosso trabalho é uma exposição voltada para um assunto que tem mais proximidade com a ciência do que com a arte. Se a pretensão é divulgar informações a respeito do trabalho e das descobertas de uma ciência, no caso, a Linguística, a concepção de exposição descrita acima pode, ou até deve, ser tomada como parâmetro para o sucesso dessa tarefa. Em se tratando da Linguística, a discussão sobre a concepção de exposição e a questão da divulgação científica se torna mais complexa. Isso porque não se tem notícia de um evento de tal extensão e alcance midiático que tenha focalizado um tema linguístico e, além disso, esse é um tipo de tema que desperta paixões e polêmicas, quase sempre mal compreendidas. Portanto, o desafio de comunicar com o público conceitos de “certo” e “errado” em língua

1 Aluna de graduação em Letras, orientada pelo Prof. Dr. Ricardo Joseh Lima (UERJ).

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requer que os construtores dessa comunicação tomem uma série de cuidados que, em outra ocasião, não seriam necessários (ver os casos discutidos por Possenti 2009a,b) . Assim, por exemplo, o subtítulo da exposição deve ser assimilado de igual maneira por esse público: o destaque dado ao “certo do errado” precisa também ser dado ao “errado do certo”; e, a ambos, partes da exposição necessitam fazer menção, de tal maneira que o jogo de palavras não seja visto de modo confuso pelo público. Ao final... O que se pretende com o final? Dado o caráter polêmico do tema, pode-se, no máximo, convidar o público a fazer uma reflexão sobre ele? É possível, desejável, que esse final seja mais do que um convite, podendo assim, expressar uma ideia a ser defendida pelos expositores? As questões apresentadas nos parágrafos acima constituíram o foco da nossa análise a respeito da exposição “Menas”. Na seção seguinte, detalharemos a estrutura dessa exposição, com destaque para seus objetivos. Depois, apresentaremos uma visão crítica a respeito desses objetivos, investigando em que grau eles foram (des)cumpridos. Por fim, retomamos as ideias principais dessa Introdução, apresentando um roteiro de exposição que conjuga os ideais que formaram o “Menas”, concretizando-os de um modo simples, original, divertido e, crucialmente, radical. 2) Descrição da exposição Menas

A exposição “Menas: o certo do errado e o errado do certo” foi composta por sete instalações. Todas as instalações, exceto a primeira, possuíam um texto explicativo sobre seus objetivos e motivações, e, inclusive, havia um texto explicativo sobre a própria exposição, o qual explicava que “MENAS, a exposição, defende a ideia de que há mais maneiras de analisar a linguagem do que a velha dicotomia do certo ou errado.” e que “Entre brincadeiras, reflexões, frases de todo tipo e arte literária, MENAS propõe uma discussão que desafia nossas certezas, diluindo parte das fronteiras entre o culto e o popular”.

A primeira instalação acontecia na entrada dos visitantes no Museu. Eram cartazes espalhados perto da bilheteria e do elevador que levava ao andar da exposição. Alguns continham “erros de português” e outros continham perguntas provocativas. O fato de não haver nenhum texto explicativo, ao contrário das demais instalações, e de não haver nenhum elo entre os cartazes fez com que poucos visitantes dessem atenção a essa instalação. Em vídeos de apresentação da exposição, um dos curadores apresenta instalação por instalação, mas não começa por essa, o que pode ser explicado pelos problemas levantados. Na segunda instalação, denominada “Óculos”, havia diversos quadros transparentes com palavras soltas e, em frente a cada um, um local por onde o visitante deveria posicionar os olhos em posição frontal para o quadro, através de um pequeno buraco, como é possível ver na Figura 1. O texto explicativo dessa instalação aborda o fato de, muitas vezes, vermos as coisas de modo diferente do que são, ou seja, de uma maneira distorcida, devido à perspectiva que adotamos ao observá-las. Essa instalação propõe que olhemos a nossa língua de um novo ângulo, utilizando novas lentes, para que, durante a exposição, possamos abrir nossos olhos a novas possibilidades de pensar a Língua Portuguesa e a questão do certo e do errado.

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Figura 1. A estrutura da instalação “Óculos” Ao posicionar os olhos na direção indicada, o visitante via formada uma frase. O objetivo desta instalação era mostrar que nem tudo fica claro se visto apenas de um ponto de vista. É necessário que se observem todos os lados de uma situação, no caso, o “erro”, e somente dessa forma, será possível perceber que nem tudo é o que parece. As frases “escondidas” nessa instalação tratavam de temas diferentes acerca da Língua Portuguesa, todas defendendo um ponto de vista supostamente discriminado. Em cada frase havia um aspecto diferente relativo à Língua Portuguesa, ou seja, não havia um padrão nem uma ordem acerca dos quais as frases discorriam. As frases são as seguintes: - Todos têm sotaque. Ainda bem. - Se alguém usou uma palavra, ela existe. - O erro de hoje pode ser o acerto de amanhã. - Saber falar e escrever é fazer-se compreender. - Não existem erros absolutos em língua. - Língua é uso. - A língua varia no tempo e no espaço. - As crianças dão à língua a lógica que ela não tem. - As gramáticas têm mais dúvidas do que certezas. - Quero ser um poliglota na minha própria língua.

A terceira instalação, “Erros Nossos de Cada Dia”, era composta de uma grande parede dividida em vários quadros, no total 100, como se vê na Figura 2. Em cada quadro havia um exemplo de erro cometido por nós brasileiros no uso da Língua Portuguesa e, abaixo do exemplo, a explicação do erro ou do modo correto de uso da expressão ou palavra, segundo os gramáticos. Os erros mostrados nessa instalação não possuíam padrão, ou seja, foram inclusos erros de ortografia, concordância, registro, entre outros.

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Figura 2. Parede com exemplos de erros cometidos na Língua Portuguesa

Nessa instalação, o texto explicativo diz que “é tênue a linha que separa o certo do

errado” e “Não há certo absoluto. Não há erro absoluto”, além de fazer uma comparação entre a variedade aprendida na escola – norma padrão da língua – e a aprendida no ambiente familiar – norma não padrão. Mas o ponto mais importante se encontra em uma das últimas frases do texto, que diz o seguinte: “É bem provável que, no futuro, muitos desses ‘nossos erros’ se tornem acertos.”

Alguns exemplos apresentados na parede da instalação, com suas respectivas explicações: (1) - “Há menas pessoas aqui do que ontem.” No padrão culto da língua, a palavra “menos”, quando funciona como pronome indefinido, permanece invariável, mesmo quando se refere a um substantivo feminino. (2) - “Ele tinha chego atrasado.” O português dispõe de alguns verbos que admitem duas formas de particípio passado: aceitar (aceitado e aceito), imprimir (imprimido e impresso), eleger (elegido e eleito) etc. Estendendo essa possibilidade morfológica, obtêm-se formas como chego, ainda não acolhidas pela norma culta. (3) - “Espero que seje bom pra você.” O verbo em negrito está no presente do subjuntivo, por estar subordinado a espero que. Nos verbos regulares terminados em –er e –ir, esse tempo verbal se forma com a vogal a (como em espero que beba, espero que parta) e nos verbos terminados em –ar, com a vogal e (como em espero que fale). Portanto, o presente do subjuntivo do verbo irregular ser é seja. A forma seje não é aceita pela norma culta.

Na quarta instalação, o visitante se depara com “computadores” compostos de uma tela e alguns botões abaixo, nos quais aparecem perguntas sobre o uso da Língua Portuguesa,

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cada uma com três ou quatro opções distintas (em algumas questões, havia quatro opções, enquanto em outras, apenas três). O visitante deverá escolher uma delas. Esta instalação chama-se “Jogo do Certo e do Errado” e, de acordo com o texto explicativo da mesma, aborda, principalmente, as questões “estritamente gramaticais”. No texto, entretanto, há ainda explicações sobre “erros de linguagem”, que ocorrem “porque escolhemos um registro linguístico incompatível com a situação de comunicação”, além de erros de outra natureza, como semânticos, lexicais e de construção do texto. O “Jogo do Certo e do Errado” funciona de modo bem simples: o visitante vê a sua frente, na tela, uma pergunta sobre um uso de certa palavra ou expressão na Língua Portuguesa, e deve, após ler as opções, escolher uma delas. A questão principal, é que, neste jogo, todas as respostas são consideradas corretas (ou incorretas, dependendo da pergunta), isto é, independentemente da escolha do visitante, o computador lhe dirá que está correto. Na mesma tela em que a resposta é dita como correta, aparece ainda uma explicação breve sobre o uso da opção escolhida, uma porcentagem de quantos visitantes escolheram aquela mesma opção e a explicação de por que todas as alternativas eram corretas. Abaixo, nas Figuras 3 e 4, exemplo de uma das questões e da mensagem seguinte à resposta:

Figura 3. Exemplo de uma das questões do “Jogo do Certo e do Errado”

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Figura 4. Mensagem seguinte à resposta: Todas as alternativas sempre estão corretas.

No total, o “Jogo do Certo e do Errado” possuía 15 questões neste mesmo estilo. Ao

final do jogo, uma tela aparecia com a seguinte mensagem, convidando o visitante a iniciar o jogo novamente: “Parabéns! Você chegou ao fim do Jogo do Certo e do Errado. Mas o desafio continua. No dia a dia você vai encontrar um monte de situações em que algo parece estar certo (mas não está) e descobrir outras palavras ou expressões que você tem certeza de que são erros (e, na verdade, não são). A língua é assim mesmo, parece complicada, mas é ótima para jogar. Vamos começar novamente?”. “Biblioteca de Babel” é o nome da quinta instalação da exposição Menas. O nome, propositalmente contraditório, é explicado da seguinte forma no texto explicativo da instalação: “Biblioteca de Babel é uma expressão poderosa, que capta a língua portuguesa no que ela tem de estruturado, ordenado, previsível, convivendo com o imprevisível, o criativo, o poético.” Essa instalação, por sua vez, era composta de diversos materiais: livros, móveis, instrumentos musicais, estantes, quadros, entre diversos outros. Dentro dessa “organização desorganizada”, encontram-se trechos de obras literárias, músicas, poemas, textos de grandes autores, todos com “erros”, variedades diferentes da norma culta ou frases que remetiam ao objetivo da exposição, como se observa nas Figuras 5 e 6.

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Figura 5. Trecho de música com “erros” Figura 6. Trecho de música com “erros”

Chegando à penúltima instalação, o visitante encontra uma grande tela dividida em

quatro partes, como vemos na Figura 7, nas quais é reproduzido um vídeo sobre quatro mulheres que se encontram no banheiro da própria exposição. “Norma, a Camaleoa” é o nome do vídeo e também o nome da instalação. São quatro mulheres com o mesmo nome – “Norma” – que discutem sobre a nossa língua. Cada uma das personagens tem seu ponto de vista em relação à Língua Portuguesa: Norma Helena, a norma gramatical; Norma Lígia, a norma semântica; Norma Brigite, a norma lexical; e Norma Maria, a norma discursiva. O vídeo dura cerca de dez minutos e o texto explicativo desta instalação expõe que “Elas (as Normas) são quatro em uma, quando uma mesma expressão apresenta problemas oriundos dos quatro sistemas. Elas são uma em quatro, quando o erro proveio de um sistema só”.

Figura 7. Vídeo das Normas. A última instalação da exposição “Menas: o certo do errado, o errado do certo” recebeu o nome de “Janelas Abertas”, e trata-se realmente disto. As janelas do Museu da Língua Portuguesa, geralmente fechadas, encontram-se abertas, com ampla visão para o lado

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de fora. Na instalação, montada no corredor final da exposição, que leva o visitante diretamente à saída, como mostra a Figura 8, há diversos exemplos de “erros” e frases populares localizadas nas paredes, dois destes apresentados na Figura 9. Há ainda, em áudio, os comentários de Nuno Ramos, Paulo Lins, Suzana Salles e Manuel da Costa sobre o tema da exposição e uma discussão entre eles sobre as frases e expressões apresentadas na instalação “Janelas Abertas”. A última frase do último texto explicativo da última instalação é a seguinte: “É hora de voltar à rua, para arejar a língua e fazer circular palavras”.

Figura 8. A 7ª instalação, no corredor Figura 9. Placas com erros na 7ª instalação.

3) Objetivos da exposição

Não é uma tarefa fácil realizar uma análise crítica dos objetivos da exposição Menas. Isso se deve ao fato de não existir um documento ou material disponível em que se apresente um tópico chamado de “Objetivos”. O que temos como material são os textos que descrevem as instalações e entrevistas concedidas pelos curadores da exposição. Ainda assim, a lista de objetivos obtida é demasiado grande para que seja realizada uma análise individual. Portanto, tivemos que adotar alguns critérios para obter uma lista que, mesmo reduzida, fosse capaz de englobar as principais ideias que motivaram o Menas. Além da análise dos objetivos da exposição, cabe nesta seção uma retomada das considerações feitas na Introdução a respeito de temas como Divulgação Científica e Linguística, entre outros.

Podemos, esquematicamente, apresentar os principais objetivos da exposição Menas: (a) Fazer um convite ao visitante para refletir sobre os conceitos de “certo” e de “errado” para que ele possa mudar sua percepção desses conceitos; (b) Apresentar uma nova definição de “erro”, que passa a ser concebido como o uso inadequado de uma forma (ou seja, o uso de um registro informal em um ambiente formal e vice-versa); (c) Desmistificar o conceito de “erro”, relativizando-o e apresentando justificativas para o uso de uma forma inadequada.

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O objetivo (a) é abordado de imediato pela exposição na instalação “Óculos”, que traz frases como “O erro de hoje pode ser o acerto de amanhã” e “Não existem erros absolutos em língua”, que tratam diretamente dos conceitos de “certo” e “errado”. Embora o texto que acompanha a instalação apresente informações sobre as ideias contidas nessas frases, a instalação em si não traz nenhum outro material a respeito do tema. O visitante deve, então, ir para a instalação seguinte, “Erros nossos de cada dia”, para formar uma opinião mais segura. Essa instalação será analisada quando da exploração do item (c). Por enquanto, fica um registro marcante a respeito dela: quando perguntada sobre os tipos de erro que apareciam no imenso mural da instalação, uma monitora da exposição respondeu literalmente “tudo o que está aí nesse painel em frente está errado mesmo”.

Essa resposta está em confronto direto com o objetivo (a), uma vez que apenas reproduz um pensamento conservador e retrógrado a respeito do conceito de erro. No entanto, não caberia julgar o sucesso de (a) apenas por essa resposta. Por isso, analisamos diversos vídeos realizados acerca da exposição. Em vários deles, há entrevistas com visitantes, e decidimos classificar as falas desses visitantes em relação ao objetivo (a), como “opostas”, “neutras” e “coerentes” com esse objetivo. Um total de 15 comentários foi analisado. Quatro foram considerados como “coerentes”, três como “neutros” e oito como “opostos”. Considerando que dos quatro comentários coerentes, dois foram feitos por professores, temos uma proporção de comentários “opostos” bastante significativa e problemática para os idealizadores da exposição.

Dentre os comentários coerentes, destacamos: “abriu meu olhar pra língua... tem muitos jeitos diferentes de falar...”; “todos os erros que nós cometemos, que a gente pode cometer, não é pecado”. Dentre os opostos ao objetivo (a), destacamos: “Deixa eu estudar... mas quase todo mundo fala “para mim”, quem fala “para mim” é índio”; “quando eu vou falar, às vezes uso menas (a repórter pergunta: “agora não vai falar mais?”), espero que não”. Os comentários opostos deixam transparecer uma visão preconceituosa (“quem fala pra mim é índio”) e estigmatizada (a pessoa não vai mais falar menas). Desse modo, podemos concluir que o objetivo de mudar os conceitos dos visitantes a respeito do certo e do errado não se concretizou como os idealizadores da exposição imaginaram.

O objetivo (b) enfatizava a “metáfora da roupa”: assim como não se vai de bermuda a um casamento, não se vai de terno à praia; do mesmo modo, não se deve usar um registro informal em um ambiente formal e não se deve usar um registro formal em um ambiente informal. Essa metáfora fez parte várias vezes das falas dos idealizadores da exposição. A instalação “Norma, a camaleoa” era a parte da exposição em que se veiculava a ideia de que a língua possui várias normas e de que não haveria uma superior a outra. Um dos personagens do vídeo, no entanto, encarnava a “Norma Gramatical”, que não aceita outras normas, corrigindo-as. Durante todo o vídeo, as demais “Normas” argumentam e rebatem as críticas feitas pela “Norma Gramatical”. O final, porém, é surpreendente para o enredo da metáfora da roupa: uma das “Normas” diz “Vamos marcar de se ver” e é corrigida pela “Norma Gramatical”, “Vamos marcar de nos ver”; a correção é aceita pelas demais “Normas” e o vídeo termina. O detalhe crucial é que a ação do vídeo se passa no banheiro do Museu da Língua Portuguesa. A pergunta que não quer calar é: ora, o banheiro é um ambiente informal, portanto, nada haveria de mais em usar um registro informal (“vamos marcar de se ver”). Mesmo assim, o registro informal não apenas é corrigido, como essa correção é aceita. No final das contas, o “certo” venceu o “errado” e a ideia de que o erro é apenas um uso inadequado não vingou, pois nem esse uso inadequado teve chance, tendo vencido a (velha) ideia de que o “errado” não deve ser pronunciado.

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O objetivo (c) está diretamente relacionado à instalação “Erros nossos de cada dia”, uma vez que o imenso painel montado não trazia apenas os 100 erros mais comuns, mas, abaixo de cada um, um comentário. De acordo com os idealizadores da exposição, esses comentários seriam explicações, que justificariam os “erros”. Assim, o visitante passaria a entender a existência dos erros como suportada por uma lógica e, com isso, mudaria seu conceito sobre “erro”. Embora alguns comentários sejam explicações tal como descrito acima, a maioria não cumpriu esse papel e, muito pelo contrário, em muitos casos descrevia o erro de tal forma que se tornava praticamente impossível aceitá-lo. No primeiro grupo, temos para “Ele tinha chego atrasado”, o seguinte comentário: “como há verbos que admitem duas possibilidades de particípio (eleger – elegido e eleito), estendeu-se isso ao verbo chegar”. Para o segundo grupo, há casos como o de “Espero que seje bom para você: Verbos de 2ª conjugação no subjuntivo terminam em –a (comer-coma, beber-beba) e o mesmo acontece com o verbo ser (ser-seja)” e “O carro dele deu perca total”: “No padrão culto da língua, a palavra “perda” é que costuma ser usada, mesmo que alguns dicionários (como o Houaiss) já registrem a forma “perca””. No primeiro caso, tem-se uma explicação de como se conjuga o verbo “ser”, mas não de por que a forma “seje” existe. A situação é problemática porque o comentário apresenta a lógica da norma padrão, o que pode fazer o visitante pensar que “seje” não possui nenhuma lógica. No segundo caso, embora se destaque que a forma “perca” já é até registrada, não se apresenta uma justificativa para seu uso. Devemos notar que a forma “perca” é bastante estigmatizada e, portanto, não se encontra em situação de variação com “perda”. A ausência de explicação deixa, mais uma vez, o visitante sem ter noção do porquê de os “erros” existirem.

As análises acima mostram um quadro preocupante: não se pode dizer que os principais objetivos da exposição Menas foram atingidos. O “certo do errado” (ou seja, a lógica do erro) pouco apareceu e não foi colocado em destaque; O “errado do certo” (ou seja, a postura preconceituosa) também não foi abordado de modo direto; além do mais, quando apareceu, no vídeo das “Normas”, não foi criticado. Cabe-nos, agora, perguntar por que os objetivos não foram atingidos. Há várias possibilidades. Uma delas é que, por causa da amplitude dos objetivos, os idealizadores acabaram não conseguindo focalizá-los como deveriam. Outra possível explicação é que os idealizadores não quiseram tratar de tema tão espinhoso (a revisão dos conceitos de “certo” e “errado”) de modo direto e claro. Ainda, podemos pensar em uma terceira possibilidade: mesmo com o uso de vídeos, apoio visual, computadores, etc. a premência do que deve ser um evento de Divulgação Científica para a Linguística não foi incorporada pelos idealizadores. A revisão dos conceitos de “certo” e “errado” e a consequente luta contra o preconceito linguístico são temas que devem guiar o formato de um evento como esse de tal modo que o evento seja visível e compreensível de modo direto e claro. Talvez as três possibilidades de explicação juntas deem conta do que aconteceu na exposição Menas. A seguir, apresentamos uma atividade que visa superar esses obstáculos e atingir plenamente os objetivos traçados. 4) Uma outra “exposição”

A proposta da exposição “Menas: o certo do errado, o errado do certo” é interessante e promissora. Porém, seus curadores pecaram em não respeitá-la durante a elaboração do evento.

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De acordo com os próprios organizadores, seus objetivos eram “defender a ideia de que há mais maneiras de analisar a linguagem do que a velha dicotomia do certo ou errado” e propor “uma discussão que desafia nossas certezas, diluindo parte das fronteiras entre o culto e o popular”. Entretanto, ao analisarmos a exposição, seus detalhes, seus elementos e, principalmente, o que é aprendido por seus visitantes, percebemos claramente que tudo que foi dito como objetivo nunca chegou a se concretizar. Ao contrário, esses objetivos podem ser encarados somente como estratégia de marketing para atrair a atenção do público – assim como o próprio nome polêmico da exposição: “Menas”. Esse nome, aliás, desperta o interesse das pessoas por ser diferente, considerado anormal e, em outras palavras, errado. A exposição, que deveria mudar esse pensamento estereotipado, explicando as regras deste chamado “desvio” e desmistificando o velho conceito de errado, faz com que o visitante saia do local tendo a certeza de que, nas palavras de um dos monitores do Museu, “tudo que está aí, está errado mesmo.”

Nossa proposta alternativa para solucionar este problema na concepção da exposição é um pouco radical, porém justa e fiel aos verdadeiros objetivos declarados pelos idealizadores da exposição. Uma nova instalação com outra abordagem, mais clara e explicativa.

Essa instalação seria a última da exposição, como o complemento final para garantir que as pessoas que a visitaram tenham assimilado o verdadeiro espírito de todo esse evento: o combate ao preconceito linguístico, a prova de que todos os usos da Língua Portuguesa estão corretos e são igualmente importantes, de que todos os considerados erros não são erros e possuem lógica e explicação. A estrutura da instalação encontra-se na Figura 10:

Figura 10. Estrutura da 8ª instalação A 8ª instalação – uma vez que a exposição original já contava com sete – começaria

com um exemplo explícito de preconceito linguístico, especificamente em relação à pronúncia da palavra menas. O visitante encontraria logo à sua frente, ao entrar na instalação, um vídeo da série “Orto&Grafia” da TV Escola. Neste vídeo, claramente voltado para o público infantil, dois fantoches conversam de modo gramaticalmente correto, explicitando a maneira certa de se falar e usar as palavras. No caso do vídeo sobre o menas, duas crianças e um adulto são apresentados conversando, falando frases como ‘menos laranja’, ‘menos maçã’ e ‘menos chatice’, buscando mostrar como se deve falar, ou seja, utilizando a palavra menos antes de qualquer substantivo. Ao final, em uma parte chamada “Dor de Ouvido”, o uso do menas é condenado e o vídeo termina da pior maneira possível, com a frase: “Menas não existe”.

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Logo após esse vídeo, uma voz diria o seguinte: “No vídeo que você acabou de ver, o personagem diz que ‘menas não existe’. Mas sabemos que as pessoas falam menas! Como pode algo não existir – especificamente uma palavra – se é usado (no caso, falada) pelas pessoas? Não haveria uma explicação para esse uso? Sim, há. Vamos analisar essa palavra, comparando-a com outras de mesma classe gramatical. Veja a tabela a seguir”. O visitante seria então, guiado à próxima etapa de nossa instalação: uma tabela explicativa sobre o uso da palavra menas, na forma da Figura 11.

Figura 11 – Tabela comparativa entre “pouco”, “muito” e “menos” Acompanhando a tabela, haverá novamente uma voz que explicará a mesma para o

visitante: “Pouco, Muito e Menos são advérbios de quantidade, como em “pouco magro”, “muito magro” e “menos magro”. Quando o adjetivo muda para o feminino, não há mudança no advérbio: “pouco magra”, “muito magra” e “menos magra”. Esses advérbios podem fazer o papel de pronomes. Acompanhe na tabela: em ‘pouco requeijão’, o advérbio faz papel de pronome e está no gênero masculino, concordando com o substantivo. Em ‘muito requeijão’, o mesmo ocorre. Quando o substantivo é modificado para ‘manteiga’, ‘pouco’ e ‘muito’ viram ‘pouca manteiga’ e ‘muita manteiga’, novamente concordando com o substantivo feminino. Se isso ocorre com estes advérbios atuando como pronomes, por que não pode ocorrer com o ‘menos’? Veja: ‘menos requeijão’, concordância correta; ‘menas manteiga’, concordância correta do mesmo modo. Temos então a prova de que o uso da palavra ‘menas’ quando concordando com o substantivo feminino que a acompanha, é perfeitamente lógico e justificado.”

Continuando o caminho pela instalação, chegando agora em sua terceira etapa, novamente temos a voz que guia o visitante: “Agora que você já viu a explicação do uso do menas e ainda, que esse uso é lógico, vamos acompanhar um vídeo de resposta ao primeiro apresentado, também com temática infantil e divertido, buscando desmistificar a noção de erro que temos do uso do menas e de outras palavras e expressões consideradas incorretas”.

Este vídeo, realizado por alunas da Graduação em Letras da UERJ, tem um modelo similar ao do vídeo do Orto&Grafia: são dois fantoches, também conversando espontaneamente, porém, com uma diferença: neste vídeo, chamado Sô&Ci (pronúncia do sobrenome do pai da Linguística, Ferdinand de Saussure), os personagens utilizam expressões e palavras consideradas incorretas, explicando depois que as mesmas têm lógica e não estão erradas. A ordem do vídeo é a seguinte:

Primeiramente, há uma abertura com a imagem de Sô&Ci, como mostrada na Figura 12.

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Figura 12. Imagem dos fantoches Sô&Ci Primeira parte do vídeo (Diálogo): - Sô, nós vai no jogo de futebol hoje? - Ai, Ci, eu não sei... Tem tanta coisa pra mim fazer. - Puxa! Não dá pra deixar pra amanhã? Ia ser mais bom... - Ah, acho que dá pra ir no jogo sim. É só eu fazer menas coisas hoje e o resto amanhã! - Então! Eu se lembro que o jogo só começa à noite, então dá tempo! - É né? Então a gente vamos! Segunda parte do vídeo (chamada de: Dor de Cotovelo): - Você sabia que tudo que foi falado aqui tem uma lógica e não é errado? - Não vá sair por aí corrigindo as pessoas, é muito feio! - Corrigir uma coisa que você acha que é errado, sem saber que pode estar certa, é preconceito. - Tchau pessoal! O vídeo é finalizado com os devidos créditos. Após a apresentação deste último vídeo, temos novamente a voz que diz: “E então, o

que você aprendeu hoje? Vimos que algo que é estigmatizado por ser errado, estranho ou anormal, na verdade, é natural. Foi provado que o uso do menas e de outras palavras e expressões que a maioria pensa ser incorreta é perfeitamente normal e certo. Moral da história: Menas existe.”

Essa conclusão finalizaria a instalação e a exposição, deixando claro o que o visitante, provavelmente, deve saber ao final de tudo que foi visto. A proposta desta 8ª instalação surgiu depois de ficar claro a nós que somente as sete instalações apresentadas na exposição original não cumpriam o que deveriam, ou seja, defender e proporcionar uma reflexão sobre a norma não-padrão brasileira. Entretanto, a nossa instalação, mesmo apresentada de forma independente, pode perfeitamente explicitar o

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conteúdo que desejamos, sem a necessidade da exposição vista no Museu da Língua Portuguesa. Além disso, toda a nossa proposta pode ser realizada em modo de vídeo, o que proporciona uma facilidade de divulgação, não somente por nós, mas por qualquer pessoa que deseja fazê-la. A descrição da instalação feita anteriormente pode ser gravada em um único vídeo, podendo assim ser disponibilizado a escolas, eventos, professores, entre outros. Com apenas um computador ou um data show, é possível apresentar esta “nova exposição” a um grande número de pessoas, sem custos e sem grandes dificuldades. Para comprovar esta possibilidade, há um projeto em andamento de uma pequena “exposição” a ser realizada utilizando este vídeo, entre outros materiais como: vídeos cotidianos e televisivos que mostrem o uso da palavra menas e de outras expressões e palavras consideradas erradas, matérias de jornal, fotos, entre diversos outros.

Nossa pequena exposição, provavelmente, dará frutos muito mais próximos dos ideais explicados pelos curadores da Menas. Com esse projeto, pretendemos mostrar que, apesar de uma grande exposição ter sido realizada em um grande museu com um grande objetivo, infelizmente, o comprometimento e a coragem foram pequenos diante da opinião preconceituosa e majoritária da sociedade. Referências Bagno, M. (1999). Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. Loyola : São Paulo. Leite, M. (2008). Preconceito e intolerância na linguagem. Contexto : São Paulo. Possenti, S. (2009a). Língua na mídia. São Paulo : Parábola. Possenti, S. (2009b). Malcomportadas línguas. São Paulo : Parábola.