mães que entregam seus filhos para adoção: uma realidade
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Mães que entregam seus filhos para adoção: uma realidade negada
Resumo: Esta pesquisa possibilitou a aproximação de uma realidade cheia de segredos, vergonhas,
culpas, medos e preconceitos históricos presentes no cotidiano de muitas famílias envolvidas nos
processos de adoção. A realidade da mãe que decide não criar seu filho, através do Juizado da
Infância de Palmas-TO. Escutamos estas mães sobre suas motivações, sentimentos, processo de
decisão da entrega e como elas vivem e sentem atualmente. Estudamos os autos de adoção buscando
perceber esta mãe no cenário da adoção e qual a importância reconhecida dela. A metodologia
adotada foi à pesquisa qualitativa, tendo por instrumentais a entrevista semi-estruturada, a pesquisa
documental e bibliográfica. As mães entrevistadas declararam sentimento de saudade, culpa,
vergonha e necessidade de apoio psicossocial para lidarem com a perda do filhos, um sentimento de
luto que por diversos não é elaborado. Percebemos o descrédito que elas alimentam em relação a si
mesmas que acaba por lhes roubar a condição de atualizarem e desdobrarem novas possibilidades de
vida e ainda uma crença de que é necessário encontrar um homem para si e que é preciso dar a ele
um filho, o que termina desencadeando a repetição de gravidez fora de condições para a
maternidade. Essas mulheres têm dificuldades imensas para reorganizarem suas vidas. Foi possível
conhecer um pouco do sofrimento dessas mães e de suas famílias, bem como o incomodo que esse
assunto traz no cenário da adoção em Palmas-TO. A pesquisa denunciou ainda as falhas existentes
nos Autos de Adoção e de Destituição do Poder Familiar, pois só é registrado o mínimo necessário
sobre a família biológica da criança a ser adotada, o que fatalmente impedirá que a criança se um dia
desejar conheça sua história de vida, são muitos os temores e as dúvidas sobre a melhor maneira de
se proceder com os envolvidos em um processo de adoção, o que acaba por determinar um trabalho
as vezes economizado e tímido por parte do Judiciário, inclusive da Equipe Técnica, psicólogos e
assistentes sociais. Assim esta pesquisa, investigou e sugeriu formas de trabalho junto às mães
biológicas nos Processos de Adoção.
Palavras-chave: Mães biológicas, adoção, filhos.
Mães que entregam seus filhos para adoção: uma realidade negada
Luciane Rodrigues do Prado Leão
CEULP/ULBRA – Centro Universitário Luterano de Palmas. Curso de Psicologia
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
305 sul QI 01, Lt 45, Rua 10 – Centro
CEP 77015-428 - Palmas-TO
Email: [email protected]
Raquel de Moraes Sampaio Araújo
Mestre em Saúde Pública
Professora do curso de psicologia do CEULP/ULBRA – Centro Universitário Luterano de Palmas.
Coordenadora de Pós-Graduação em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde
Email: [email protected]
1. INTRODUÇÃO: Em um contexto de estudo sobre adoção, decidimos aprofundar neste aspecto
que antecede a adoção: a decisão da mãe biológica em não criar seu filho. Sabemos que este é um
assunto de repercussão social, com uma construção histórica e moral definidora de alguns conceitos
e interpretações que serão levantados na pesquisa. Uma interpretação bastante comum consiste em
atribuir o abandono a motivos morais e econômicos.
Para fazermos uma discussão mais consistente buscamos: Compreender a história da mulher, da
maternidade e da entrega de filhos no Brasil recorrendo à pesquisa bibliográfica; conhecer os
resultados de estudos feitos no Brasil sobre mães biológicas que entregam filhos para adoção e ainda
aspectos da adoção, da revelação das origens, posicionamento e atendimento nos Juizados da
Infância e Juventude; verificar os registros sobre essas mulheres nos processos de adoção do Juizado
da Infância e Juventude de Palmas-TO e conhecer através das próprias mães quais seus sentimentos
em relação à entrega se de seus filhos para adoção, quais as motivações da decisão, como elas vivem
e se percebem e como convivem com a sociedade e familiares e então propormos algumas ações.
Esperamos que ao ler este trabalho, o leitor não o faça buscando aprender ou enquadrar essas mães
em um perfil. Não é nosso interesse classificar essas mães, nem ensinar ou explicar sobre o tema
abordado, mas compartilhar uma interpretação compreensiva do vivido dessas mulheres, no sentido
fenomenológico existencial que segundo Fonseca (2005) é desdobrar as possibilidades de
compreensão, como a própria constituição do vivido de ser no mundo, refletindo assim a
compreensão dessas próprias mães. Buscamos através de uma relação dialógica e de empatia com
essas mães apreender, sentir junto e então com a permissão e participação delas, compartilhar com o
leitor: impressões, medos, vergonha, negações, defesas, angústias, desejos e sonhos presentes no
vivido dessas mães biológicas que entregam seus filhos para adoção em nossa sociedade, pertinho de
mim e de você.
Não existe explicação que possa levar á compreensão.
(Takuan Soho. In A Mente Liberta)
1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE A MULHER, SOBRE A MÃE NO BRASIL:
Priore (1989, 1993,1997), pesquisadora da história da mulher brasileira conta-nos que a mulher
brasileira sofreu muito com uma trama social, com a violência do sistema colonial.
Segundo a autora, alguns instrumentos foram usados para o adestramento dessas mulheres, tais
como: o discurso normatizador religioso que determinava os padrões ideais de comportamento e o
discurso normativo médico, que embasava o religioso e versava sobre o funcionamento do corpo
feminino na função natural e única de procriação.
“Fora do manso território da maternidade, alastrava-se a melancolia, vicejava a luxúria, e por tudo
isso a mulher estava condenada à exclusão”. (Priore, 1993, p. 27).
Neste contexto histórico o casamento era muito valorizado pela segurança que proporcionava, e
restavam às mulheres diante de tantas castrações e do machismo reinante, se apegarem a
maternidade, aos cuidados da casa e se realizarem na figura criada pela igreja da “santa-mãezinha”,
pois isto fazia parte do processo de domesticação da mulher.
Enquanto isso os homens viviam seus mais ardentes desejos, enchendo as mulheres de promessas de
casamento, de cuidados e de proteção e depois as abandonando, como descrevem muitos
documentos nas obras da autora.
"No século XVIII, houve um crescimento da população livre e pobre e junto com ele o abandono de
crianças, ao desamparo pelas ruas e lugares imundos.” (Priore, 1989. P. 48).
"Um filho ilegítimo (de mulheres negras e mestiças) não desonrava a mãe no mesmo grau de uma
mulher branca.” (Priore, 1989, p. 198). Dessa forma, a ‘Roda dos Expostos’ procurava evitar os
crimes morais, protegendo as mulheres brancas e solteiras dos escândalos, ao mesmo tempo
facilitava à crueldade do infanticídio. Portanto, é de se supor que muitos enjeitados no Brasil
colonial fossem resultado das relações ilícitas de mulheres de condição social elevada, para as quais
era fundamental a manutenção da honra. No entanto, é necessário lembrar que a mãe solteira ou
concumbina acabou sendo aceita nas cidades e vilas do século XVIII. Assim sendo, "o modelo
patriarcal que contrapõe o recato da mulher branca à promiscuidade das escravas é uma grosseira
simplificação da realidade" (Priore, 1989. p. 199).
No decorrer da história, verificamos muitas libertações, muitas vitórias, muitos avanços, porém,
ainda é possível ver no cenário histórico presente, mulheres e crianças sendo violentadas das mais
variadas maneiras, inclusive nos processos de rompimento de vínculos entre mães e filhos, nas
motivações que levam a decisão, nos procedimentos de entrega do filho pela mãe, nos registros da
história de vida da criança, no lugar histórico que ocupa na sociedade essa mãe antes e depois que
entrega seu filho para adoção.
2. PROBLEMA E OBJETIVOS:
2.2.1 Objetivo geral
Investigar como se dá o processo de decisão da mãe biológica em entregar seu filho para
adoção, bem como os aspectos psicossociais envolvidos nesse ato.
2.2.2 Objetivos específicos
Conhecer o perfil das mães nos processos de adoção;
Conhecer como estão organizados os processos de adoção, em relação às informações
estratégicas sobre a mãe biológica e a história da criança;
Verificar se existem padrões repetitivos de abandono na história de vida dessas mães;
Conhecer a forma de entrega desses filhos para adoção;
Conhecer os fatores que mais influenciaram na decisão de entregar o filho para adoção;
Perceber como essas mães vivenciam a separação dos filhos para adoção;
Conhecer o nível de aceitação de si mesmas dessas mães e da sociedade;
Verificar a percepção dessas mães de como a sociedade às vê;
Propor a partir das demandas apresentadas por estas mães a criação de sistemas de apoio
através do Juizado da Infância e Juventude de Palmas-TO e ainda se for o caso, alteração nas formas
de atendimento e registros nos Processos de Adoção e de Destituição do Poder Familiar.
3. PROCEDIMENTOS: Este trabalho se deu embasado na fenomenologia existencial presente na
Abordagem Centrada na Pessoa e na Gestalt, que possibilitaram uma aproximação dessas mães de
maneira dialógica e empática. Para a análise dos dados fizemos uso da análise gestáltica, que
segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) é um método de argumentação que inclui o contexto
total do problema, inclusive as condições da experienciação, o meio social e as “defesas” do próprio
observador. Buscamos produzir um texto que mostre o movimento de vida dessas mães.
Respeitando-as como indivíduos capazes de superação, desdobramentos de possibilidades e de lida
com o trágico. Como pessoas que precisam de aceitação incondicional, que não podem ser
conhecidas e reconhecidas fora do contexto de suas vidas reais e de seus sentimentos, percepções e
juízos de valores. De acordo com Rogers (1987) o centro de avaliação está no próprio indíviduo, na
experiência organísmica, que é a fonte interna de orientação e avaliação mais apurada que temos.
No contato com estas mães, privilegiamos o vivido e as atualizações de possibilidades na própria
pesquisa. Na relação ‘eu-tu’, nos envolvemos com as entrevistadas, nos demos o direito de sentir e
vivenciar nossas emoções, e assim além de apreendermos a situação, nossas entrevistadas foram
cada vez mais fazendo uso do espaço do encontro para contatarem algumas de suas experiências
sufocadas.
“As respostas, e o conhecimento das respostas, para a questão sobre o que é que é o homem? São
dadas concreta e efetivamente, a cada momento imediato da existência imediata de cada ser humano,
a cada momento da invenção da vida e do devir de cada ser humano... a cada momento vivido e dês-
frutado, a cada crise, a cada resolução, a cada re-volta, a cada re-volvida, a cada criação, invenção,
produção, superação.” (Fonseca, 2005, p. 10).
A pesquisa foi qualitativa, social e exploratória, incluindo também a pesquisa documental, para tal
usamos entrevistas semi-estruturadas individuais, realizadas em locais escolhidos pela mães. Foi
recolhido assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). De acordo com Suely
Ferreira Deslandes, no livro organizado por Minayo (1999) na pesquisa qualitativa a fase
exploratória antecede a construção do projeto, quando o pesquisador aproxima do campo de
observação para delinear os instrumentos de investigação e o grupo de pesquisa. Assim aconteceu
nesta pesquisa.
Foram entrevistadas cinco mães biológicas que entregaram seus filhos para adoção, encontradas
através dos endereços registrados nos processos de adoção do Juizado da Infância e Juventude de
Palmas-TO. Em um universo de duzentos e três autos de adoção foram escolhidos trinta e cinco que
constavam os endereços das mães biológicas em Palmas/TO e desses trinta e cinco, somente cinco
mães moravam nos endereços registrados, sendo que alguns endereços conferiram, mas a mãe já
havia mudado e ninguém sabia informações, outros a mãe mudara para outros estados. Nos chamou
a atenção, que em vinte e três casos ou a mãe jamais morou no endereço ou o endereço era
inexistente, o que nos levou a concluir que elas informaram endereços errados propositalmente. As
cinco mães encontradas tiveram filhos nos últimos quatro anos. Ainda procedemos à leitura dos
trinta e cinco autos e de aproximadamente dez em que o endereço da mãe biológica é desconhecido
ou incerto, para conhecermos o que tem registrado nesses autos sobre a mãe e a família biológica das
crianças adotadas.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES: Segundo Giberti, Gore e Taborda apud Freire (2001),
conhecemos pouco dessas mães porque lhe escutamos pouco e perguntamos mal e muitas vezes
quando perguntamos é com julgamentos negativos antecipados.
Ao procurarmos as mães para a realização da pesquisa, através dos endereços registrados nos autos
de adoção, verificamos que a maioria das mães biológicas não deixam pistas de seus paradeiros, não
entregam seus filhos através do Juizado da Infância e Juventude e não aparecem espontaneamente
para deixar informações, as que passaram pelo Juizado foram encaminhadas pela maternidade ou
pelos pais adotivos. Essas mães nos informaram que não tinham noção de quem procurar para
entregarem seus filhos. Assim que as procuramos para as entrevistas, elas reagiram com um pouco
de receio, ficaram um pouco desconfiadas, depois de algum tempo de conversa, elas tranqüilizaram e
começaram a se abrirem. Tivemos a impressão de que elas se defendiam, como que querendo nos
explicar que não cometeram um ato ilegal ao entregarem seus filhos para adoção. Todas as
entrevistadas quiseram que os nossos encontros fossem em lugares reservados, três delas aceitaram
que fôssemos a seus endereços, mas conversávamos na calçada da esquina, ou na praça ou na
residência, se não tivesse ninguém em casa. Foi interessante observar, que com exceção da
entrevistada C que disse não querer que ninguém soubesse, todas afirmaram que não tinham
problemas para falarem sobre o assunto, com frases do tipo: “não tenho o que esconder”, “não fiz
nada de errado”, “eu é que sei da minha vida”, “fiz o que achava que ia ser melhor pro meu filho”,
mas ao falarem sobre o sentimento quanto à decisão que tomaram, fizeram declarações, como:
“sinto vergonha”, “mãe que é mãe não faz isso”, “as pessoas daqui olham pra mim diferente”, “já
me disseram que onde cabe um, cabe dez”, “me falaram que eu tenho coração de cobra”, “me sinto
como uma marginal, mas sei que não sou”, “as pessoas fazem a gente se sentir um lixo”, “o
preconceito dói mais que dar o filho”.
No caso das entrevistadas A e D os irmãos não falam com elas e não deram nenhum tipo de apoio.
Os irmãos da entrevistada A, chegaram a saírem da casa da mãe, a culpando “pela filha não
prestar” (sic.).
Observamos desconforto nessas mulheres quando falavam de seus pais, suas famílias e suas
infâncias, em várias de suas falas, em momentos diferentes, pudemos observar um discurso de quem
teve de aprender a não reclamar, como: “minha mãe deixou a gente muito pequeno com meu pai, ele
foi pai e mãe, mas não culpo ela não. Cada um sabe de si, né?”(entrevistada D); “tento fazer tudo
que posso dentro de casa além de trabalhar fora, pra ver se alivia o trabalho e a despesa que eu
dou, mas minha mãe nunca está satisfeita” e “ele era casado...não podia assumir meu filho” e “não
sei contar histórias, minha mãe não me contou nenhuma. As mães de hoje não contam histórias para
os filhos” (entrevistada C);
Três das entrevistadas engravidaram de homens casados e as mães disseram que se envolveram sem
saber da situação conjugal deles.
A idade das entrevistadas quando entregaram filhos para adoção era entre dezoito e vinte e seis anos
e todas entregaram seus filhos ainda recém-nascidos.
As entrevistadas C e D foram as que doaram filhos mais recentemente, entre dois e oito meses e
também foram as que mais vivenciaram expressões de dor e sofrimento durante as entrevistas, suas
falas demonstraram muitos conflitos. A entrevistada C disse: “estava desempregada quando
engravidei. Descobri que o pai era casado, ele não podia assumir, eu sabia que não poderia ter
aquele filho só, minha mãe não aceitaria nem ele e nem eu. Passava o dia na rua, na casa de Maria,
na praça e procurando emprego. Eu chorava demais, passava mal e sentia muita fome, não tinha
com quem conversar. Ninguém ficou sabendo”; “Me confessei vária vezes para o padre. Rezo todo
dia. Preocupei com o psicológico da criança. Ela sentiu minha rejeição?”; “não conheço os pais
adotivos. Foi tudo difícil demais. Ele era tão miudinho. A dor é insuportável. Sinto saudade. Não
pude dar o peito. Rejeitei ele a gravidez inteira, escondi a barriga (choro), pensei em abortar. Acho
que Deus não pode me perdoar”; “tomara que ele seja feliz!” e a entrevistada D: “Penso todo
minuto”, “sinto saudade”, “vi ela, os traços do rosto, a mãozinha(choro)”, “a saudade é muito
grande(choro)”, “não tem como esquecer”, “eu não queria dar minha filha, mas o pai era casado e
covarde, não quis assumir, ainda quis que eu abortasse, eu não abortei, mas dei minha filha.”, “os
irmãozinhos dela pergunta sempre sobre ela, eu contei a verdade para eles, eles ficam bravo
comigo”. Na época que estas duas mães entregaram seus filhos para adoção tivemos a oportunidade
de acompanhar o serviço técnico no hospital e no juizado e vimos de perto o quanto elas estavam
decididas pela entrega, acreditavam não ter como cuidar das crianças e que os filhos teriam uma vida
melhor junto a outros pais. Na época das entrevistas a entrevistada C afirmou: “Não quero mais ter
filho”, “não quero ser mãe”, “se pudesse eu me operaria hoje”, “isso não podia ter acontecido
comigo, foi meu primeiro homem, me cuidei tanto, esperei tanto...”, “acho que nasci para sofrer,
não tem como ser feliz”, já a entrevistada D na época da doação do filho pediu ajuda para conseguir
uma laqueadura, mas na entrevista disse que: “não quero mais operar, vai que eu conheço um cara
legal... vou querer ter uma família com ele”, “se eu não tivesse dado minha filha, eu ia conseguir
cuidar dela, eu dou conta dos outros três”.
A entrevistada E está grávida e disse que quer operar para não ter mais filhos. “Eu criei uma que já
está moça, eu dei outra por causa da depressão e essa eu vou criar, mas não quero mais”. As outras
três disseram que não operaria, pois pode ser que futuramente encontrem um “parceiro legal” (sic.) e
precisem ter filhos com eles.
As entrevistadas A e B disseram que quando entregaram os filhos queriam operar, mas que hoje
não operariam, pois podem conhecer alguém e querer constituir família.
Elas moram sozinhas ou com um de seus pais, nenhuma das mães entrevistadas tem parceiro fixo.
Todas ganham entre um e três salários mínimos e tiveram entre dois e quatro filhos, só a
entrevistada C teve um único filho.
Elas doaram de um a dois filhos e todas afirmaram nunca terem abortado ou tentado aborto.
Nenhuma delas é regular no uso de métodos contraceptivos, nenhuma é operada e uma delas está
grávida de sete meses.
È interessante frisar que todas elas quando entregaram os filhos para adoção afirmaram querer
operar, o tempo passou e elas mudaram de idéia, menos as entrevistadas C e E, sendo que a C é a
da doação mais recente e a E está grávida.
A entrevistada E teve parto cesariano e todas foram para o hospital acompanhadas de alguma amiga
e uma delas acompanhada da mãe que ia adotar a criança.
As histórias das gestações e dos partos que essas mães tiveram também denunciam perdas e
dificuldades muito fortes. Todas foram ignoradas pelos companheiros quando estes souberam das
gestações, a única ajuda que eles ofereceram foi para um aborto, com exceção do pai de um dos
filhos da entrevistada B que os avós quiseram a criança.
Uma delas recebeu apoio da mãe adotiva durante a gravidez e parto.
Todas contaram sobre as dores e o sentimento de solidão durante a gravidez, na maternidade e após
o parto.
Todas são filhas de pais separados, o que não serve para desenhar um perfil, pois vivemos uma
geração de muitos filhos de pais separados, filhos de mães solteiras e de famílias com muitos
conflitos relacionais. Mas se relacionarmos esta informação com os fatos de que: nenhuma
entrevistada tem parceiro fixo; que embora tenham empregos, vivem com muitas necessidades,
verificamos isto indo à casa de todas, com exceção da entrevistada C; e que foram deixadas várias
vezes por parceiros quando souberam que elas estavam grávidas. Fica fácil verificar os muitos tipos
de abandonos sofridos por essas mulheres ao longo da vida, incluindo o de perder o filho no ato da
entrega para adoção.
Silva apud Freire (2001) fala do abandono pela abandonada, afirmando inclusive que em muitos
casos a decisão da mãe biológica é uma antecipação à ação do Estado, antes que ele as destitua do
poder familiar elas entregam os filhos.
Não podemos ignorar que essas perdas necessitam da elaboração do luto, do vivenciar da dor para
depois recompor-se, porém o luto por ter perdido o filho na doação, não é reconhecido, todas as
mães entrevistadas choraram e choram escondido, vejamos suas declarações: “eu decidi dar a
criança sozinha, eu conhecia um casal que queria um filho, demorei falar com eles, esperando que o
pai da criança se posicionasse, decidisse se ia assumir o filho ou não, não deu para confiar nele, eu
não tinha como ficar com ela. Quando ela se foi, eu chorei muito. Chorava escondido olhando para
os meus seios cheios de leite” (entrevistada A); “eu não queria dar minha filha, mas moro com
minha mãe, é ela quem me ajuda com os outros meninos e ela não quis a criança. Minha mãe
arrumou tudo com a vizinha. Entreguei em casa para a mãe biológica, depois que elas saíram,
chorei demais no quarto”, “eu arrependi, fui atrás do Juizado, mas era tarde, não contei para
minha mãe que arrependi. Não deixo ela me ver chorando” (entrevistada B); “chorei antes, chorei
depois e choro até hoje. Choro porque eu não quis ele, rejeitei meu filho” (entrevistada C);
“Decidi dar minha filha no hospital, quando o pai chegou lá e cochichou no meu ouvido que a filha
não era dele e que era pra mim dar ela para alguém e disse que eu não podia falar para ninguém
que tive um filho dele, eu estava deitada, meio dopada de remédio, só virei de costas pra ele, não
falei nada, só chorei”, “eu arrependi, fui atrás dos meus direitos no Juizado, mas me explicaram
que minha filha já estava em outro estado e que seria muito difícil trazê-la de volta, eu me
conformei, mas choro todo dia” (entrevistada D); “eu tive depressão depois do parto, chorava
muito e tinha medo de tudo”, “eu que quis dar minha filha para minha irmã”, “eu só vou assinar os
papéis da adoção quando minha irmã vier aqui, eu preciso olhar nos olhos dela para a gente
resolver isso aí, ela foi e não veio mais aqui, tem cinco anos, eu só quero conhecer minha filha. Eu
choro porque sinto saudade, vontade de ver”(entrevistada E). De acordo com Motta (2001) o luto
da mãe biológica que entrega seu filho para outra pessoa criar é um luto não autorizado socialmente,
e essa mãe possivelmente não saberá nenhuma notícia de seu filho. Deykin, Campebell e Patti in
Motta (2001) opinam que como a decisão clara e irrevogável da mãe é indispensável para a
formalização da adoção, ela é pouco incentivada a falar do seu luto, para não correr o risco de
desistir da entrega. Se diante da família e da sociedade essa mãe não pode chorar, porque não tem
direito ao luto e diante da Justiça também não por causa da necessidade dos pais adotivos, como ela
elaborará essa dor? Possivelmente esta situação trará conseqüências para toda a vida dessa mãe e dos
que conviverem com ela. Viost (2003) diz que as estratégias de defesa contra a dor da separação,
podem causar entre outros problemas a: indiferença emotiva, necessidade compulsiva de cuidar de
outras pessoas ou autonomia prematura, a armadura rígida do adulto autoconfiante.
Verificamos que das três entrevistadas que contaram sobre seus sonhos para o futuro, como estudar,
trabalhar e formar uma família, só uma tem alterado seu estilo de vida, esta está trabalhando como
autônoma nas horas vagas e como funcionária de uma empresa exercendo uma profissão, está
trabalhando com crianças em uma igreja e procurando reconquistar os familiares. As demais não
alteraram o estilo de vida e duas delas disseram que não acreditam que possam ser felizes ainda.
A decisão da entrega não dá a essas mães a oportunidade de pensarem muito, e nem alternativas que
as acalmem. Através de suas falas vamos compreendendo um pouco de suas vidas e sentimentos:
“Terminei o namoro sem saber que estava grávida. Eu morava com meus tios e já tinha uma filha
que minha mãe criava. O pai não quis assumir. Decidi dar sozinha. Não pedi opinião de ninguém.
Eu não tinha como criar e trabalhar. Eu não ia deixar minha mãe cuidar de outra filha minha
sozinha” (entrevistada A);
“Ganhei o bebê e parecia estar tudo difícil para mim. Eu não queria dar. Minha mãe queria que eu
desse, arrumou tudo com a vizinha”, “Já entreguei um filho meu para os pais do pai dele cuidar e
minha mãe me ajuda a criar dois” (entrevistada B);
“Fui para o hospital sabendo que não tinha para onde ir. Não tinha nada. Tinha muito medo da
minha mãe e o pai da criança era casado... falei com a enfermeira, eu não podia sair do hospital
com aquela criança. Ninguém sabe dessa história e eu só vou contar o dia que eu não depender
mais da minha mãe” (entrevistada C);
“Me sinto traída pelo (pai da criança). Sinto ódio e pena dele. Ele foi covarde, era casado e não
quis assumir o filho e me mandou abortar e depois dar a criança. Eu não abortei, mas dei. Ele
questionou se o filho era dele. Ainda hoje meus filhos perguntam pelo bebê que eles não viram
voltar do hospital. Eu contei a verdade mas eles não aceitam. Só tenho o apoio do meu pai, que está
muito doente”(entrevistada D);
“No sétimo mês eu tinha falado para minha irmã que se fosse homem eu dava. O marido dela queria
muito um filho. Eles moram (em outro Estado). Eu não conheço o marido dela... eu tive depressão
depois do parto, aconteceram muitas coisas ruins na minha vida. Chorava muito. Tinha medo de
tudo e não ficava só. Aí liguei para minha irmã do (outro Estado) vir buscar a nenê e ela veio
imediatamente” (entrevistada E).
Percebemos de forma marcante na fala dessas mulheres que elas não podiam ficar com os filhos, que
os pais biológicos, exceto um que aparece na história de uma delas, não assumem ou nem são
citados, essas mães tiveram que decidir sem visualizarem outras saídas.
Sobre a entrega, a saudade e as memórias elas disseram:
“Chorei muito. Olhava seios cheios de leite, lembrava dela! Quando a vejo, evito pegar, evito tudo”
(entrevistada A);
“Entreguei em casa para a mulher que adotou, depois que eles saíram, chorei no quarto. Lembro
bem dele. No começo desse ano ainda o vi” e “Não queria que eles sumissem (pais adotivos)”
(entrevistada B);
“Não conheço os pais adotivos. Foi difícil demais. Ele tão miudinho. Dor insuportável (choro).
Saudade, muita saudade. Não pude dar o peito. Rejeitei ele” (entrevistada C); “Penso todo minuto
nela. Vi ela, os traços do rosto, a mãozinha, dá uma saudade muito grande (choro), não tem como
esquecer (choro)” e “Gostaria de ter informação, ver fotos dela e que ela soubesse de mim, para o
caso de um dia se ela precisar de sangue, de órgãos, de qualquer coisa que a mãe adotiva não
puder dar, como a gente vê na televisão”(entrevistada D);
“Dei para minha irmã, agora ela tem medo de vir aqui em Palmas... ela não quer contar a verdade
para nossa filha”, “Até uns três anos eu chorava muito. Mãe é mãe, nada substitui”, “ No dia que
recebi alta,a médica não deixou minha filha ir para casa. Fui no berçário e vi a cabeçinha dela
raspada, a enfermeira não me explicou nada. Me desesperei” (entrevistada E).
A entrevistada A vê o filho de nove meses sempre, mas afirmou que evita aproximar para não
constranger a mãe adotiva e não correr o risco de se apegar, “eu me coloco no lugar dela, deve dá
um medo de perder o filho” e ainda “os pais adotivos já me avisaram que podem se mudar a
qualquer momento, até para o exterior”, “não tem problema, eu quero o melhor pra ele” e a
entrevistada B viu o filho até os três anos de idade, depois os pais adotivos mudaram de cidade e
tem um ano que ela não tem notícias e sobre isso, disse: “não queria que eles sumissem”, “sinto
saudade”, “sei que não tem jeito de ter ele de volta, eu conheço a lei. Eles não precisavam sumir”.
Embora essas mães tenham doado seus filhos, os entregado com as próprias mãos, o sentido que
marca suas falas é de perda o que faz ter sentido a reflexão do autor: “Quando uma mãe pobre, em
pleno puerpério, entrega seu bebê para salvá-lo da fome, o discurso do senso comum diz que ela deu
sua criança. Nunca se ouve dizer que ela perdeu o filho”. (KALOUSTIAN, 1998, p. 53).
As declarações das mães sobre o tipo de ajuda que elas gostaria de receber foram: “gostaria que a
sociedade fosse conscientizada de que a mãe que dá o filho não é um monstro”e “acompanhamento
psicológico” (entrevistada A); “eu queria que a gente tivesse tempo de ter certeza que quer mesmo
dá o filho, com um acompanhamento da psicóloga”(entrevistadas B e D); “queria que a justiça
cuidasse da gente igual cuida de quem vai adotar”(entrevistada B); “gostaria que tivesse um apoio
psicológico num lugar que não tivesse perigo da família da gente ficar sabendo, um lugar seguro” e
“queria ter alguém para conversar, só conversar, igual a gente ta fazendo agora”(entrevistada C);
“eu queria receber fotos da minha filha e ficar sabendo de vez em quando como ela está. Também
queria que eles soubessem de mim, para no caso dela precisar de alguma coisa que só mãe de
sangue pode dar, tipo um órgão do corpo, igual a gente vê na televisão” e “podiam atender melhor
a gente no hospital, o neném já tava nascendo e a enfermeira mandou eu subir na maca e nem me
ajudou, senti muita dor, eu tava sozinha” (entrevistada D); “nada. Não tem jeito de fazer nada pela
gente, só tratar melhor no hospital, dar informação pra gente sobre o filho. Vi minha filha na
incubadora com a cabeça raspada, fiquei desesperada e a enfermeira não falou nada”(entrevistada
E).
Será que alguma coisa pode ser feito por essas mulheres depois de tanto sofrimento e tanta perda?
Em um estudo sobre o luto da mãe biológica encontramos que “... é necessário que essas mulheres
possam readquirir sua autoconfiança, seu relacionamento com as pessoas e reecontrar fontes de
apoio... é fundamental que elas possam ser ajudadas a erigir sentimentos positivos em relação a si
mesmas e que aprendam a cuidar de si”. (Motta, 2001, p. 97). Acreditamos que isso seja possível se
a adoção for enfrentada com todas as suas belezas quanto com suas incertezas e dores, partindo da
compreensão de que ao mesmo tempo em que não é natural e saudável promover a dor, também não
o é negá-la e é pertinente que algum serviço que tenha contato com essas mulheres, ou no sistema de
saúde pública ou no Juizado da Infância e Juventude ofereça a elas acompanhamento psicoterápico.
De acordo com a Gestalt “o sofrimento emocional é um meio de impedir o isolamento do problema
para que, trabalhando o conflito, o ‘self’ cresça no campo do existente. Quanto mais cedo estivermos
dispostos a afrouxar a luta contra o conflito destrutivo, a relaxar com relação à dor e à confusão,
tanto mais cedo o sofrimento terminará... para o médico, naturalmente, o perigo do conflito e do
sofrimento emocionais é que, ao grassarem, destruam o paciente, arrasem-no. Este é um perigo
genuíno. Entretanto, não se deve enfrentá-lo necessariamente enfraquecendo o conflito, mas
fortalecendo o ‘self’ e a ‘awareness’ de si próprio” (Perls, Hefferline e Goodman, 1997).
Quanto ao preconceito e ao julgamento indiscriminado feito pela sociedade pode ser útil a
provocação de alguns questionamentos como: qual mãe, biológica ou adotiva, que em algum
momento não desejou não ter tido os próprios filhos?
Será que a dificuldade de tentar compreender a mãe biológica tem haver com o mito da ‘boa mãe’ da
‘mãe sagrada’, tão bem explorado nos textos de Motta (2001) e de Priore (1993) que faz com que a
sociedade Brasileira tenha dificuldade de lidar com uma realidade negada, mas comum no nosso
meio, nas nossas próprias famílias?
Continuamos nossa pesquisa, agora nos autos de adoção procurando pelos registros sobre as mães
biológicas das crianças adotadas, verificamos que nas adoções em que as mães passaram pelo
Juizado através do hospital ou dos pais adotivos que as trouxeram ou informaram seus endereços,
ficou registrado o termo da oitiva, que é a audiência onde a mãe é ouvida pelo Juizado e Ministério
Público sobre a sua decisão e então tudo que ela fala fica registrado e também a cópia de seus
documentos pessoais. Nos autos onde a mãe não é encontrada, que são maioria, resta só o que o
advogado que pede a adoção para os pais adotivos narra sobre a história da entrega, essa narração é
sempre parte de uma peça documental técnica.
Giberti, Gore e Taborda apud Freire (2001), questionam os motivos da exclusão dessas mães,
perguntando se seria a falta de instituições para protegê-las, ou a suposição de que elas não precisem
de acompanhamento jurídico ou clínico, ou ainda se é necessário que elas desapareçam e sejam
impedidas de estabelecer qualquer vínculo com a criança que geraram? E ainda afirmam que o
destino dessas mães é desaparecer da vida e da história da criança.
De acordo com Motta (2001), essas mães são esquecidas, tão logo entregam seus filhos em adoção.
O sistema as esquece, e elas lidam com seu luto, com a vergonha, com o arrependimento muitas
vezes de maneira solitária e escondida, e ainda que elas próprias introjetem os valores sociais e
morais que as condenam e talvez por isso não sintam o direito de esperar ou exigir coisa alguma.
Verificamos que a exclusão dessas mulheres e seu ocultamento não se dá exclusivamente porque o
judiciário não as privilegiem ou porque os pais adotivos as temem, mas vimos que muitas mães
biológicas desaparecem, driblam o Juizado, não se permitem serem encontradas, porém faz sentido
os estudos de Giberti, Gore e Taborda apud Freire (2001) ao afirmar que a omissão dessa mãe
inclusive nos autos judiciais possa ser produto de uma atitude ideológica, que as colocam como mães
que abandonam e que a questão ideológica está na forma de pensar de que o futuro da criança só é
possível se a mãe biológica se tornar invisível, pois o que ela fez não corresponde àquilo que define
sagradamente a maternidade.
Motta (2001), aborda a necessidade de visibilidade da mãe biológica no processo de adoção e
defende que se não cuidarmos das mães, não cuidaremos das crianças e ainda que “... tanto as
violências sociais como as psicológicas estão de fato presentes na entrega, mas ampliando a
compreensão... a desistência da entrega de um filho em adoção também pode ser incluída entre as
violências sociais.” (Motta, 2001, p. 262), pois o fato de uma mãe criar seu próprio filho não garante
que essa criança não será criada em situação de abandono, ou simplesmente criada por outras
pessoas que não sejam as próprias mães.
Talvez a forma cultural de pensarmos essas relações terminam por influenciar as ações de todos os
atores presentes em torno da adoção, inclusive os profissionais que lidam diretamente com a mãe
biológica e os impeça de dar a atenção devida a essa mulher.
Segundo Giberti, Gore e Taborda apud Freire (2001) existem profissionais nas equipes técnicas dos
juizados que realizam uma cuidadosa entrevista e até mantêm um diálogo extenso com essas mães,
mas não registram por escrito, por não ser solicitado pelos superiores e também por suas práticas
terem ensinado que a conservação dessas informações não tem utilidade. Concordando com a obra
de Fávero, Melão e Jorge (2005) que defende o exercício profissional baseado na luta pelo acesso
aos direitos e fundado no compromisso com a implementação de um projeto profissional que aponte
para a transformação real da sociedade em que vivem. Nos inspiramos para através desta pesquisa
buscar transformação social no tema abordado.
“Não seria correto afirmar que, frente a essa questão da entrega de filhos falta uma mediação psico-
social e econômica que se responsabilize pela mãe e pelo filho?... essas mulheres são então excluídas
dos benefícios técnicos-administrativos (dos apoios previdenciários, de ajudas de custo, de
orientação e apoio médico, etc.).” (Giberti, Gore e Taborda apud Freire, 2001, p.179).
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei federal nº 8.069/90, no capítulo III, seção
III, subseção IV, a adoção é um dos meios de garantir à criança e ao adolescente o direito a
convivência familiar e comunitária. Para que esse direito seja garantido é preciso pensar todos os
aspectos de família e pensarmos medidas preventivas, lembrando o que diz (Weber, 2006, p. 22) “...
não considero a adoção uma panacéia que resolverá todos os problemas. O combate deve iniciar-se
muito antes, em relação ao abandono de crianças, à miséria e às condições abandonantes da
sociedade. No entanto, as medidas não são excludentes e podem ser pensadas simultaneamente.”
Se os estudos feito sobre as mães biológicas promoveram alterações culturais e nas ações presentes
no processo de adoção, talvez muita coisa seja alterada, como por exemplo o futuro da criança
adotada. Vejamos algumas reflexões de alguns autores:
VIDELA apud FREIRE(2001) cita uma fala de Françoise Dolto “que deve ficar muito clara a
importância de dizer a verdade” e comenta que as crianças desejam essa verdade não só de maneira
inconsciente, mas que necessitam dela e têm o direito de conhecê-la. Essa mesma autora afirma que
esse silêncio enganador gera angústia e deve ser questionado, pois a verdade pode ser dolorosa, mas
se é dita, permite que a pessoa reconstrua-se.
Videla apud Freire (2001) diz que a criança tem necessidade da verdade para desenvolver suas
potencialidades humanas e que “As histórias cheias de silêncio pertencem a vidas sem sentido”.
O raciocínio que leva a mãe esconder-se, os pais adotivos fugirem e a justiça a ser muito discreta
causa problemas para aquele que todos querem proteger: a criança! Vejamos esta afirmação “...o
ocultamento da verdade sobre as origens é tão grave como o de seqüestrar uma criança, é um
verdadeiro delito afetivo, porque, de maneira premeditada, a criança está sendo privada de algo que é
seu, produzindo assim um vazio em seu processo histórico, impossibilitando sua função de
historiador de si mesma”. (Videla apud Freire, p. 16)
Segundo Dolto apud Videla apud Freire (2001), o segredo gera o silêncio enganador que causa
angústia e que precisa ser questionado, e ainda, que por mais que este tipo de verdade seja
freqüentemente dolorosa, e o é, se é dita, permite que a pessoa possa reconstruir-se, e humanizar-se.
Então observando os objetivos desta pesquisa e analisando os relatos descritos, organizamos abaixo
os resultados encontrados:
- As mães entrevistadas eram jovens, com exceção de uma todas tiveram mais de um filho e já
entregaram outros filhos ou para adoção, ou para um parente cuidar, todas ganham entre um e
três salários mínimos e moram nas casa de alguém, com exceção de uma que paga seu aluguel;
- Os processos de adoção acontecem antes do processo de destituição familiar, e nestes
processos existem poucas informações sobre a família biológica, inclusive sobre a mãe, não
existem fotos nos processos, histórico familiar, tipo sanguíneo, e outras informações;
- As mães entrevistadas narraram histórias de abandono em suas vidas, ora pelos pais, ora por
vários parceiros;
- As mães entrevistadas entregaram os filhos na maternidade ou para algum conhecido;
- O fator comum, narrado por todas, que foi decisivo na entrega dos filhos para adoção, é não
ter o apoio do pai biológico ou um parceiro que as aceitasse com um filho;
- Todas as entrevistadas demonstraram sofrerem um luto, praticamente sem expressão, por
causa da vergonha e do sentimento de culpa. Também foi possível verificar que essas mães
sentem saudade, curiosidade de saber como estão seus filhos e ainda medo de um dia serem
encontradas e acusadas pelos filhos de abandono e rejeição. Se preocupam muito se serão
perdoadas pelos filhos e por Deus;
- Elas prosseguem suas vidas, arriscam em novos relacionamentos, alimentam o sonho de
constituírem uma família com esposo e filhos, por isso acabam engravidando novamente de
algum parceiro que lhes pareça um bom companheiro, porém muitas vezes vivenciam
novamente o abandono e as acusações da família e sociedade, o que as desmotivam, as fazem
crer que são ruins como mulheres e como pessoas;
- Sentem vergonha e raiva da sociedade, não se sentem apoiadas e se sentem criticadas, a
revolta e a vergonha são visíveis.
Finalmente, nos resultados desta pesquisa vivenciamos um fator relevante para o tema abordado, a
cooperação do Juizado da Infância e Juventude na pessoa da juíza, equipe do cartório e equipe
técnica (Psicologia e Serviço Social). Percebemos neste Juizado a abertura para o diálogo,
disposição para discussão, coragem para identificação e denúncia de demandas, de necessidades, de
falhas, de constatação de vícios culturais e entendemos que só permite essa exposição quem se
implica socialmente, quem vivencia o incômodo da necessidade de mudança e de crescimento. Esse
fator destacado por nós nesta pesquisa nos motiva a acreditar em grandes avanços em Palmas e no
Estado do Tocantins.
5. CONCLUSÃO: Reconhecemos através desta pesquisa que o assunto abordado é complexo e
cheio de nuances, que não é possível encontrar um culpado por essa realidade e ao mesmo tempo só
a criança não é responsável de nenhuma maneira, embora sofra como ou mais do que os demais
sujeitos dessas histórias, terminando na maioria das vezes sendo privada do direito a verdade, a sua
história, ao desenvolvimento de suas habilidades de enfrentamento, crescimento organísmico e
reorganização pessoal. O que fazer então? Se temos um problema social que não é resolvido
responsabilizando um só grupo, mas que todos tem suas responsabilidades, pois não podemos fechar
os olhos para decisões e atitudes que ferem a ética do respeito ao próximo e neste caso, que um ser
humano indefeso e totalmente dependente como a criança fica com um grande prejuízo: ou são
abortados, ou viram filhos da rua, filhos do governo(abrigados), ou filhos adotivos (muitos por
famílias que desejam ter filhos e muitos por famílias que desejam mão de obra ou companhia).
Toda a sociedade faz parte desta história, pois a cultura da individualidade, do culto ao prazer, as
conseqüências da religiosidade moralista, impura e interesseira, o objetivismo e inflexibilidade da
ciência, o domínio do capitalismo, o ranço forte do coronelismo, o sistema educacional repassado
como receitas prontas formadoras de massas, individualista, mas massas, e muitos outros fatores,
tem gerado: o esfriamento do amor, o enfraquecimento da sensibilidade, a indiferença, a
desconfiança, o questionamento de princípios e valores ao ponto de não mais se conseguir
reconhecer nenhum, a desmoralização do humano, a falta de pensamento crítico, a falta de
espontaneidade e assim por diante.
Esta pesquisa nos fez ter contato não só com as mães, mas com nós mesmos e sentirmos o peso
angustiante do nosso sistema sócio-econômico-cultural, e como sabemos que não existe um sistema
a parte de nós mesmos, tivemos que criar alternativas urgentes para darmos conta do sofrimento,
então partimos do mesmo raciocínio que tem levado a humanidade para re-agir de diversas maneiras
na busca de salvar o que for possível da natureza destruída pelo própria humanidade, decidimos usar
a vivência para convidarmos a sociedade de Palmas a princípio para sentar em círculo e conversar
sobre a cultura da adoção, sobre a família, sobre o machismo, sobre as gestações inconseqüentes,
sobre a entrega de crianças para adoção, enfim sobre essas mulheres que parecem lendas: as mães
biológicas que dão seus filhos para adoção, esse assunto que “cheira mal e incomoda” (conforme
minha orientadora diz). Sabemos que é difícil, mas quem disse que a vida é fácil? Quem disse ser
possível viver sem o trágico?
Fonseca (1988) lembra-nos que Nietzsche já dizia que o trágico é belo, porque o trágico possibilita
os recomeços, a criatividade, a plasticidade. Nós mesmos ao entrarmos em contato (com-ato) com
essas mães fomos impactados, levados a repensarmos a sociedade que vivemos na qual somos
incluídos e pensar de novo, agora vivencialmente, pensar na hora, pensar na pele. Quase tomamos
outros rumos, quase optamos por um discurso repetitivo, de dó, de pena, de culpabilização, mas aí
percebemos que ninguém precisa disso: nem nós pesquisadores, produtores de cultura, nem a
sociedade, nem as mulheres entrevistadas.
Precisamos (re)-agir e desejamos que comece conosco, acadêmicos e profissionais da Psicologia, do
Serviço Social e do Direito, a introjeção de uma cultura da adoção que contemple todos os
envolvidos e que não negue nenhuma verdade, nenhuma etapa. Que possamos ouvir, discutir, tendo
contato com o vivido, com a realidade, com o ‘vir a ser’ e nos abrirmos para a atualização constante,
não de conhecimento, mas de desdobramentos, sermos criativos, evitando os adoecimentos
mascarados, as revoltas, os recalques, as mentiras.
Este trabalho foi além de ouvir para conhecer, possibilitou-nos a refletir para projetar um ou alguns
ângulos de uma realidade presente na nossa sociedade que leva pessoas a sofrimentos intensos,
sofridos em segredo. Concluímos este trabalho com as seguintes sugestões ao Juizado da Infância e
Juventude de Palmas/TO:
- Escutar as mães biológicas possibilitando-lhes privilegiar os sentimentos de forma livre e não
constrangedora, seja esse sentimento o não desejo pela maternidade ou do desejo envolvido de
medo, a insegurança, ou seja, lá qual for. Ouvi-las durante o pré-natal, na maternidade, no Juizado da
Infância, no CRAS, pelos profissionais da Saúde da Família, nas escolas dos seus outros filhos.
Providenciar informativos sobre o assunto que indiquem inclusive locais com profissionais que as
acolham com segurança;
- Criar mecanismos de acolhimento para mães e filhos, durante um período para certificação ou não
da decisão de entregar para adoção;
- Criar um cadastrado estadual de todos os serviços prestados na sociedade tanto pelo governo
federal, estadual, municipal, como pelo terceiro setor e pela comunidade para encaminhamento das
demandas dessas mães e dessas crianças;
- Humanizar os autos de adoção através do registro do máximo de informação sobre a mãe e a
família biológica do adotante, como: história de vida, fotos, cópias de documentos, cartas, desenhos,
poemas, informações médicas e ainda um genograma de pelo menos três gerações, sugerimos mais
ainda, a disponibilização desses dados para que os pais adotantes os coloquem no álbum do filho se
assim o quiserem e para que a criança tenha acesso a sua história;
- Promover um programa de educação sobre adoção, com palestras, campanhas, grupos,
informativos e etc;
- Criar no Juizado da Infância e Juventude ou em outro lugar para que o Juizado encaminhe, um
serviço de acompanhamento psicológico individual e em grupos para as mães biológicas, que as
ajude enfrentar suas realidades, elaborarem o luto e reorganizarem suas vidas, juntamente com um
acompanhamento social que as encaminhem e incluam em programas sociais que as ajudem a
reiniciarem seus sonhos e projetos de vida;
- Promover através de parcerias um programa de produção cultural sobre planejamento familiar, que
contemple: a discussão do papel da mulher, de suas possibilidades, direitos e deveres; a valorização
do corpo, da mente e a importância das escolhas para que a mulher seja sujeito de sua própria
história;
- Começar a discutir no Tocantins, através de: seminários, mesas redondas, fóruns, produções
científicas por acadêmicos e de profissionais da área, a cultura da adoção, as possibilidades da
adoção aberta, onde a mãe biológica participar pelo menos um pouco na escolha dos pais adotivos,
mediada pelo Juizado da Infância e Juventude;
- Criar vagas para mais magistrados e equipe técnica nos Juizados da Infância e Juventude do
Tocantins, possibilitando assim a implantação de tantas ações.
“A vergonha existe onde quer que exista o mistério.”
(Nietzsche)
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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