machado, dyonélio - reunião em família in um pobre homem

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  • 8/15/2019 MACHADO, Dyonélio - Reunião Em Família in Um Pobre Homem

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    eunião em f míli

    A Medeiros e Albuquerque

    Realizava-se na casa do meritíssimo juiz dr. Abelardo e a ela haviacomparecido o mundo elegante da cidade.

    Lindas mulheres, feias danças - que é o grande díptico llIundanodo século. A família do magistrado, mãe e filha, cativante, duma gentileza perturbadora.

    Tinha-me levado láo meu amigo Justino Jordão, nome conhecido

    na imprensa , e que ocupava as horas vagas com um emprego qua lquerna polícia

    Eu fui apresen tado por es te rapaz , que es ter il izava o seu ta lenlo

    na cozinh a diária dos jornais, como uma audacio sa organizaçãod homem de negócios .

    Essas frases possuem o scu prestígio, infundem mesmo Ulllcenoter ror sagrado nos mcios burgucscs Elas valiam ao meu amigo o StT opivô das palestras intelectuais. Os homens, sobretudo, em particularaquelcs que tinham uma certa educação literária , f icavam, ainda pormuito tempo, com as palavras dc Jordão na boca, silenciosos, l ll lninando-as corno confeitos.

    Depois do lanche fizemos um círculo escolhido: o dr. Savério, médico tagarela , por is so que a inda novo, o dr. Mer ití ss imo ju iz, Jus tinoJordão e eu. Os assuntos arrastavam-se preguiçosamente, quando Justino teve a intuição de centralizar as atenções:

    -

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    34 1)\ )NEUC) MACHADO UM 1 )lHa~1I MI M ::15

    - Soube hoje dum caso que me impressionou. Um caso verdadeiramente extraordinário.

    Jord;lo era da polícia. IOflUOcr,u.h..l:iJl.lf1laisQuer dizer: da fonteI{)esma dos acontecimentos. Porque ()pÜblico eSlá cel1O,e eu com ele,que os falos seriam muros, lograriam divnso desenvolvimento, se nãotivessem de passar pelo llre ll dum delegado de pol íc ia e pelas rodasduma Marinoni, que, invariavelmente, Ihcs imprimem feição inleiramente nova e, às vezes, bem mais verdadeira e real. As alenções nãopodiam, pois, deixar de assediar o meu amável companheiro.

    Nesse ponto, porém, da palestra apareceu a digníssima esposa domagistrado. Chegou-se, atraída pelas Ü/timas palavras de Justino.

    - Posso ouvir?Asua longa prática em lratar os casos de policia e de jornais, de

    uma moralidade mais do que equívoca, no ominoso tempo que alravessarnas, di tou ao eméri lo jurista um geslO de alta previdência social:ergueu os olhos para Jordào, como que indagando: - Pode ouvir?

    Jordão compreendeu e aquietou-os:- Pode ouvir, minha senhora.Houve um silêncio.- É um caso como não há muitos - disse, cO/llepndo.Imagine-se, com efeito, um casal t ranqüi lo , ambos moços, ele

    fazendeiro. Em sua companhia, como empregado humilde, mas deconfiança, Inácio, tipo acaboclado, bruto, reservado, sereno

    Inácio pouca coisa t inha a fazer na cstância: l rner a pipa d 'água,cortar a lenha no mato próximo. Ele não era um peJo, um campeiro. A peonada , abri fa , belicosa, host il , f icava lá para os lados do galpào,onde Inácio raramcnte ia, cosido sempreà eIS:I, nos sem peqllcninosmistercs indispensáveis.

    Uma manhã Inácio saiu, a cavalo, com o jovem fazendeiro, emdireção ao mato, onde deviam cortar uns lTIoinJcs para o ar:lIllado.Àtare/e, voltou só. Sem mOlivoccl1o, selll ódio, selll paix(-)cs,havia assassinado o palrào com urna machadada llOmeio da cabeça.

    No primeiro momento, julgoll-se que ele cobiçava a mulher do fazendeiro. Era um móvel , mesmo um móvel s imp:í lico para o cstranhocrime, e todos ficaram tranqüilos. O desespero veio mais tarde, quandose chegou à constatação de que esse, absolutamente, não poderia ter

    s ido o motivo, pois nem antes , nem depois do fato, ele mostrara a mcnor preferência pela amedrontada e vil1uosa senhora. Parecia mesmoum tipo insensível ao amor.

    --- Há confissão expressa do criminoso? - interrompeu o magisIrado, que, com esse inleresse aplicadamente profissional, deu limaprova pÜblica da sua solicitude.

    -Há.- E que declarou ele? - inquiriu, ansiosa, numa vozinha educa-

    da, a excelente matrona.

    - Ora, o que havia de declarar, minha senhora? - disse Savério,intervindo. - Que matou, porque lhe deu vontade de matar . .

    - O doutor ouviu o depoimento do réu? - interrogou, vis ivelmente mordido, Jordão.

    - Nào. Nem precisava. O caso é vulgar - tornou o facultativo,com o seu ar impel1inente. - Com as descrições , naturalmenle palpitantes e vivas, que você deu do assassino, logo percebi que ele só poderia ter agido como agiu: sem paixões. sem ódios, por simples desejo.

    - Então. para o doutor, t raIa-se de um criminoso nalO?- Para mim? Essaé boa Pelo contrário: eu o tenho como lIm tipo

    çquilibrado e normal.\ -Nàofallava ...

    - Para classificá-Ia como um delinqüente nalO- prosseguiu, voIÜvel,o médico - era preciso descobrir-lhe estigmas degeneralivos maisou IIlcnos acusados. Ele os telll~-- E voltando-se para o dr. Abelardü:

    - Eleos tem? Diga o senhor- Que lhe posso eu dizer, homem Eunão vi o sujei to- Não os deve ter - continuou Savério. - Os seus traços, corno

    os de todo indiálico, descendente dos aborígines, devem realizar, dentro da grosseria e dureza próprias da raça, um equilíbrio anatômicoperfeito, com o seu cânon grego característico, até. Não pensa assim,meu caro juiz?

    O juiz havia-se empenhado num acesso de tosse interminável:

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    36 I)Y()NI·:I.I() f\I II DO UM POlUIr OM M

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    - Claro é - respondeu, por fim, consolado por ver que o facul tativo n;10esperara pela sua opiniào p:lra prosseguir,CIl/1I0 j:í ) fizera:

    - ... Umtipo primitivo, pois. Nenhuma degeneraç;10, física, menral, afetiva, porque ele ainda não pode ser sen:lo um1/ I/lIIS bO/llo umcomeço, uma inicial. Ea prova di.sso