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Função Logarítmica
Sumário
14.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
14.2 A Função Exponencial . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
14.3 Caracterização da Função Exponencial . . . . . . . 7
14.4 Funções Exponenciais e Progressões . . . . . . . . . 9
14.5 Textos Complementares . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Unidade 15 Introdução
15.1 Introdução
Nesta unidade, começamos a estudar as funções logarítmicas, de�nidas
como inversas das funções exponenciais. No começo da Seção 2, são apre-
sentadas as relações algébricas que decorrem diretamente da de�nição como
inversa da função exponencial:
aloga x = x loga (ax) = x.
É apresentada também a ideia fundamental para o conceito de logaritmo:
loga x é o expoente ao qual se deve elevar a base a para obter o resultado x.
Os logaritmos talvez correspondam a um dos tópicos mais arti�cialmente
misti�cados no Ensino Médio, devido à ênfase excessiva em procedimentos re-
petitivos apresentados de forma mecanizada (tais como a resolução de equações
logarítmicas por meio de truques algébricos particulares) � em detrimento do
enfoque no próprio conceito.
Sendo assim, na abordagem de logaritmos no Ensino Médio, é fortemente
recomendada a ênfase na ideia fundamental de que o logaritmo é o expoente
em uma exponenciação. Esta ideia pode facilitar consideravelmente a com-
preensão das propriedades e características básicas das funções logarítmicas:
propriedades algébricas fundamentais, variação de sinal, limites no in�nito e em
0, comportamento grá�co (também estudadas na Seção 2 desta unidade).
É interessante ainda chamar a atenção para o fato de que a propriedade
algébrica fundamental dos logaritmos � transformar produtos em soma � está
no centro de sua origem histórica. Observe que, sem o auxílio de calculadoras e
computadores, com os quais estamos cada vez mais acostumados, efetuar uma
multiplicação é muito mais trabalhoso que efetuar uma adição, principalmente
no caso de números com muitos algarismos decimais. Por isso, uma ferramenta
matemática que permitisse reduzir o trabalho de fazer uma multiplicação ao de
uma adição era muito importante no passado.
Outra observação importante, feita na Seção 2, diz respeito ao crescimento
da função logarítmica. Ao contrário do caso da função exponencial, o cres-
cimento da função logarítmica é extremamente lento. Por exemplo, no caso
da função logarítmica decimal, cada vez que multiplicamos a variável indepen-
dente por 10, somamos apenas 1 unidade ao valor da variável dependente. De
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Unidade 15Função Logarítmica
forma mais geral, passos multiplicativos na variável independente de uma função
logarítmica correspondem a passos aditivos na variável dependente.
Na Seção 3, é apresentada uma caracterização com base nas propriedades
algébricas da função. Observe a importância da hipótese de monotonicidade e
da densidade dos racionais na demonstração deste fato.
15.2 Funções Logarítmicas
Vimos na Unidade 14 que, para todo número real positivo a 6= 1, a função
exponencial f : R → R+, f(x) = ax, é uma correspondência biunívoca entre
R e R+, crescente se a > 1, decrescente se 0 < a < 1, com a propriedade
adicional f(x + y) = f(x) · f(y) para quaisquer x, y ∈ R. Segue-se que f
possui uma função inversa.
A inversa da função exponencial de base a é a função
loga : R+ → R,
que associa a cada número real positivo x o número real loga x, chamado o
logaritmo de x na base a. Por de�nição de função inversa, tem-se
aloga x = x e loga(ax) = x.
Assim, loga x é o expoente ao qual se deve elevar a base a para obter o número
x. Ou seja,
y = loga x ⇔ ay = x.
Segue-se imediatamente da relação au · av = au+v que
loga(xy) = loga x+ loga y
para x e y positivos quaisquer. Com efeito, se u = loga x e v = loga y então
au = x e av = y, logo
xy = au · av = au+v,
ou seja,
loga(xy) = u+ v = loga x+ loga y.
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Unidade 15 Funções Logarítmicas
Esta propriedade de transformar produtos em somas foi a motivação original
para a introdução dos logaritmos, no início do século 17, e de sua popularidade,
até bem recentemente, como um e�ciente instrumento de cálculo.
O uso generalizado das calculadoras, cada vez mais desenvolvidas, fez com
que essa utilidade inicial dos logaritmos perdesse o sentido. Entretanto, a fun-
ção logaritmo continua extremamente importante na Matemática e em suas
aplicações.
Essa importância é permanente; jamais desaparecerá porque, sendo a inversa
da função exponencial (portanto equivalente a ela), a função logaritmo está
ligada a um grande número de fenômenos e situações naturais, onde se tem
uma grandeza cuja taxa de variação é proporcional à quantidade da mesma
existente no instante dado.
A função loga : R+ → R é crescente quando a > 1 e decrescente quando
0 < a < 1. Como a0 = 1, tem-se loga 1 = 0. É importante ressaltar que
somente números positivos possuem logaritmo real, pois a função x 7→ ax
somente assume valores positivos.
As funções logarítmicas mais utilizadas são aquelas de base a > 1, espe-
cialmente as de base 10 (logaritmos decimais), base 2 (logaritmos binários) e
base e (logaritmos naturais, às vezes chamados neperianos). Estes últimos são
os mais adequados cienti�camente, e voltaremos a eles logo mais.
Como loga x é uma função crescente de x quando a > 1, e como loga 1 = 0,
segue-se que, para a > 1, os números compreendidos entre 0 e 1 têm logaritmo
negativo e os maiores do que 1 têm logaritmo positivo. Ao contrário, se 0 <
a < 1 então loga x é positivo quando 0 < x < 1 e negativo quando x > 1. A
Figura 15.1 mostra os grá�cos das funções f(x) = log2 x e g(x) = log1/2 x.
Se tivéssemos traçado os grá�cos das funções y = loga x e y = logb x, com
a > 1 e 0 < b < 1 quaisquer, as �guras obtidas teriam mesmo aspecto. Mais
precisamente, existiriam constantes positivas c, d tais que loga x = c · log2 x e
logb x = d · log1/2 x para todo x > 0.
Com efeito se u = loga x e v = log2 x então au = x e 2v = x. Portanto, se
escrevermos c = loga 2 teremos ac = 2, logo
x = au = 2v = (ac)v = acv
portanto u = cv, isto é, loga x = c · log2 x para todo x > 0, onde a constante
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Unidade 15Função Logarítmica
c é igual a loga 2. A igualdade
loga x = loga b · logb x
é válida em geral (mesmo raciocínio) e se chama a fórmula de mudança de base
para logaritmos. Quando a e b são ambos maiores ou ambos menores do que 1
então loga b > 0. Se um dos números a, b é maior e o outro é menor do que 1
então loga b < 0. A fórmula acima diz que duas funções logarítmicas quaisquer
diferem por um fator constante.
Figura 15.1: Grá�cos das funções logarítmicas
Como loga : R+ → R é uma correspondência biunívoca, portanto sobre-
jetiva, segue-se que y = loga x é uma função ilimitada, tanto superiormente
quanto inferiormente. Mais precisamente, tem-se, para a > 1
limx→+∞
loga x = +∞ e limx→0
loga x = −∞.
A primeira destas igualdades signi�ca que se pode dar a loga x um valor
tão grande quanto se queira, desde que x seja tomado su�cientemente grande.
A segunda quer dizer que, dado arbitrariamente A > 0, tem-se loga x < −Adesde que x seja um número positivo su�cientemente pequeno.
Ao contrário da função exponencial, que cresce rapidamente, loga x tende
a +∞ muito lentamente quando x → +∞. Com efeito, dado um número
M > 0, tem-se loga x > M ⇔ x > aM . Assim, por exemplo, se quisermos que
log10 x seja maior do que mil, será preciso tomar um número x cuja expressão
decimal tenha pelo menos mil e um algarismos.
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Unidade 15 Caracterização das Funções Logarítmicas
Esse crescimento lento do logaritmo, que contrasta com o crescimento rá-
pido da exponencial, é bem ilustrado pelos grá�cos das funções y = ax e
y = loga x, que, como sabemos, são simétricos em relação à diagonal de R2,
pois uma função é a inversa da outra.
Figura 15.2: Crescimento do logaritmo
15.3 Caracterização das Funções Logarítmi-
cas
Provaremos a seguir que, entre as funções monótonas injetivas de R+ e R,somente as funções logarítmicas têm a propriedade de transformar produtos em
somas. Antes observemos que se f : X → Y é sobrejetiva e g : Y → X é tal
que g(f(x)) = x para todo x ∈ X, então tem-se necessariamente f(g(y)) = y
para todo y ∈ Y e g = f−1, já que dado qualquer y ∈ Y existe x ∈ X tal que
f(x) = y e, consequentemente,
f(g(y)) = f(g(f(x)) = f(x) = y.
Assim, se g : R+ → R é tal que g(ax) = x para todo x ∈ R então g(y) = loga y
para todo y ∈ R+, já que f : x ∈ R 7→ ax ∈ R+ é sobrejetiva (estamos supondo
a > 0 diferente de 1).
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Unidade 15Função Logarítmica
Teorema 1Caracterização das
Funções Logarítmicas
Seja f : R+ → R uma função monótona injetiva (isto é, crescente ou
decrescente) tal que f(xy) = f(x) + f(y) para quaisquer x, y ∈ R+. Então
existe a > 0 tal que f(x) = loga x para todo x ∈ R+.
DemonstraçãoPara �xar as ideias, admitamos f crescente. O outro caso é tratado igual-
mente. Temos f(1) = f(1 · 1) = f(1) + f(1), logo f(1) = 0. Provemos o
teorema inicialmente supondo que exista a ∈ R tal que f(a) = 1. Depois mos-
traremos que isto sempre acontece, logo não é uma hipótese adicional. Como
f é crescente e f(a) = 1 > 0 = f(1), tem-se a > 1. Para todo m ∈ N vale
f(am) = f(a · a · · · a)= f(a) + f(a) + · · ·+ f(a)
= 1 + 1 + · · ·+ 1 = m.
Assim,
0 = f(1) = f(am · a−m)= f(am) + f(a−m) = m+ f(a−m),
donde f(a−m) = −m. Se r = m/n com m ∈ Z e n ∈ N então rn = m,
portanto
m = f(am) = f(arn) = f((ar)n) = n · f(ar)
e daí f(ar) = mn= r.
Se x ∈ R é irracional então, para r e s racionais tem-se
r < x < s ⇒ ar < ax < as ⇒ f(ar) < f(ax) < f(as)⇒ r < f(ax) < s.
Assim todo número racional r, menor do que x, é também menor do que f(ax)
e todo número racional s maior do que x é também maior do que f(ax). Com
isto, f(ax) = x. Caso contrário, f(ax) < x ou x < f(ax). Se f(ax) < x,
pela densidade de Q em R, existiria s ∈ Q com f(ax) < r < x. Como todo
racional menor do que x é também menor do que f(ax), isto não pode ocorrer.
De modo análogo, não pode ocorrer x < f(ax).
Consideremos agora o caso geral, em que se tem uma função crescente
g : R+ → R tal que
g(xy) = g(x) + g(y),
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Unidade 15 Caracterização das Funções Logarítmicas
sem mais nenhuma hipótese. Então g(1) = 0 e, como 1 < 2, devemos ter
g(2) = b > 0. A nova função f : R+ → R, de�nida por f(x) = g(x)/b,
é crescente, transforma somas em produtos e cumpre f(2) = 1. Logo, pela
primeira parte da demonstração, tem-se f(x) = log2 x para todo x > 0. Isto
signi�ca que, para todo x > 0, vale
x = 2f(x) = 2g(x)/b = (21/b)g(x) = ag(x),
com a = 21/b. Tomando loga de ambos os membros da igualdade ag(x) = x
vem, �nalmente, g(x) = loga x.
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Unidade 15Função Logarítmica
Exercícios Recomendados
1. Use as aproximações log10 2 ∼= 0, 301, log10 3 ∼= 0, 477 e log10 5∼= 0, 699
para obter valores aproximados para:
(a) log10 9
(b) log10 40
(c) log10 200
(d) log10 3000
(e) log10 0, 003
(f) log10 0, 81
2. Uma interpretação do logaritmo decimal é a sua relação com a ordem de
grandeza, isto é, com o número de algarismos na representação decimal.
As questões a seguir exploram esta relação.
(a) Considere o número x = 58.932, 1503. Qual é a parte inteira de
log10 x?
(b) Considere x > 1 um número real cuja parte inteira tem k algarismos.
Mostre que a parte inteira de log10 x é igual a k − 1.
(c) Generalizando o item anterior, considere o sistema de numeração
posicional de base b ≥ 2. Mostre que, se a representação de um
número real x > 1 nesse sistema tem k algarismos, então, a parte
inteira de logb x é igual a k − 1.
3. Considere x, y ∈ R tais que x = 10ky, com k ∈ Z. Qual é a relação
entre log10 x e log10 y?
4. (a) Mostre que uma função logarítmica transforma toda progressão ge-
ométrica em uma progressão aritmética.
(b) Interprete a propriedade acima com base no crescimento da função
logarítmica.
(c) A propriedade demonstrada no item (a) pode ser considerada uma
caracterização para as funções logarítmicas, isto é, é verdade que
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Unidade 15 Caracterização das Funções Logarítmicas
uma função é logarítmica se, e somente se, transforma toda pro-
gressão geométrica em uma progressão aritmética?
5. (UNIRIO/1994) Um explorador descobriu, na selva amazônica, uma es-
pécie nova de planta e, pesquisando-a durante anos, comprovou que o
seu crescimento médio variava de acordo com a fórmula A = 40 (1, 1)t,
onde a altura média A é medida em centímetros e o tempo t em anos.
Sabendo-se que log10 2∼= 0, 30 e log10 11
∼= 1, 04, determine:
(a) a altura média, em centímetros, de uma planta dessa espécie aos 3
anos de vida;
(b) a idade, em anos, na qual a planta tem uma altura média de 1, 6m.
6. (UERJ/2008) Admita que, em um determinado lago, a cada 40cm de
profundidade, a intensidade de luz é reduzida em 20%, de acordo com
a equação I = I0 0, 8k/40, onde I é a intensidade da luz em uma pro-
fundidade h, em centímetros, e I0 é a intensidade na superfície. Um
nadador veri�cou, ao mergulhar nesse lago, que a intensidade da luz, em
um ponto P , é de 32% daquela observada na superfície. Determine um
valor aproximado para a profundidade do ponto P .
7. O acidente do reator nuclear de Chernobyl, URSS, em 1986, lançou na at-
mosfera grande quantidade do isótopo radioativo estrôncio-90, cuja meia-
vida é de vinte e oito anos. Supondo ser este isótopo a única contami-
nação radioativa e sabendo que o local poderá ser considerado seguro
quando a quantidade de estrôncio-90 se reduzir, por desintegração, a116
da quantidade inicialmente presente, em que ano o local poderá ser
habitado novamente?
8. Os grá�cos a seguir foram desenhados por um programa de computa-
dor, em eixos x′y′ com escalas logarítmicas decimais. Isto é, se xy é o
sistema de coordenadas cartesianas convencional, então x′ = log10 x e
y′ = log10 y. A janela grá�ca é 0, 1 ≤ x′ ≤ 10 e 0, 1 ≤ y′ ≤ 10.
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Unidade 15Função Logarítmica
(a) O grá�co acima, à esquerda, representa a família de curvas y = k x,
em que k ∈ N varia de 1 a 10. Explique por que as curvas têm este
aspecto.
(b) O grá�co acima, à direita, representa a família de curvas y = xk,
em que k ∈ N varia de 1 a 10. Explique por que as curvas têm este
aspecto.
(c) Observe que os intervalos escolhidos para ambos os eixos nessa es-
cala começam em 0, 1. Como você justi�caria essa escolha? Faria
sentido começar os eixos em 0?
(d) Nesses eixos, cada unidade linear corresponde a uma multiplicação
por 10. Explique esta a�rmação.
9. Em algumas situações, para expressar certas grandezas, é mais conveni-
ente empregar as chamadas escalas logarítmicas do que as escalas lineares
convencionais. Este é o caso, por exemplo, da escala Richter de terre-
motos. Na escala Richter, a intensidade I de um terremoto, expressa em
graus, é de�nida da seguinte forma:
I =2
3log10
(E
E0
)Em que E representa a energia liberada pelo terremoto, medida em kWh,
e E0 = 10−3kWh.
(a) Qual é a energia liberada por um terremoto de 3 graus na escala
Richter? E por um terremoto de 9 graus?
(b) Qual é a relação entre a energia liberada por um terremoto de grau
k e a energia liberada por um terremoto de grau k + 1 na escala
Richter?
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