lÉxico de conceitos e definiÇÕesml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmjzgtytjpy.pdf ·...

73
1 N.º CONCEITOS PATRIMOLOGIA LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso Este LÉXICO DE PATRIMOLOGIA é a consciência do longo percurso de Aperfeiçoamento e Reflexão sobre os diferentes Caminhos para o Estudo e a Gestão do Património, isto é, da Relevância e sua transmissibilidade. Que começou muito antes daquilo que ocorreu na história da Europa após o Renascimento e a Revolução Industrial e Política do séc. XVII, e que muitxs, ainda, etnocentricamente, supõem ter tido aí início; o que é, aliás, uma subversão ou uma ingenuidade sobre a história do Património na sua relação com a Humanidade. DEFINIÇÕES 1 ADAPTAÇÃO A possibilidade de Continuidade na Existência i) A possibilidade de Continuidade na Existência (também designada por Consciência/Vida/Natureza/Universo/Realidade). ii) Processo permanente e contínuo de ajustamento e calibragem das características físicas, químicas, morfológicas, fisiológicas e comportamentais dos Seres (ditos «vivos») ou dos «Objetos» (ditos «inertes») («objeto», no sentido usado neste Léxico) perante os constrangimentos que a Existência impõe, com o objetivo de garantir a Continuidade individual e coletiva (dita «população, espécie, conjunto, agregado») no Presente (agora) e Futuro (depois). Se se reduzisse a um ano a idade da Terra, os mamíferos tinham aparecido apenas por volta do dia 10 de Dezembro desse ano, os primatas tinham surgido por altura do dia 27 desse mês, o género humano somente tinha iniciado o seu desenvolvimento umas quatro ou cinco horas antes da meia-noite do fim do ano, e o Ser-Humano atual tinha acabado de entrar na sala onde nos encontramos, precisamente no momento em que tínhamos aberto e começado a ler o livro da História escrita. A vida de um ser-humano (70-80 anos) dura apenas cerca de meio segundo desse ano.” (B. Peyer, 1944) 2 AGIR HUMANO vs. ATIVIDADE FÍSICA-CORPORAL O Acto é mais (em intencionalidade, premeditação, perpretação ou intuição) do que a Atividade i) Agir Humano é o acto consciente e intencional perpetrado por um Ser dito Humano que provoca um efeito ou a percepção de uma mudança/alteração/diferença. Provavelmente o que o especifica mais é ser um fenómeno físico-químico com a propriedade de Decisão e de Codificação (Pedro Manuel- Cardoso). ii) Atividade Física é “qualquer movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos que resulte num gasto energético relativamente à taxa metabólica de repouso ” (Caspersen, C. J., Powell, K. P., Christenson, G. M., 1985; Bouchard, C., Shepard, R. J., Stephans, T., 1994) iii) Decisão no sentido de «a um tempo-espaço, com toda a informação disponível aí, para além da dúvida razoável, e da limitação do decisor, escolho ou prefiro isto a aquilo, e defino assim e não de outro modo». Codificação no sentido de «um sistema de informações (significantes, índices, ícones, símbolos, códigos, algoritmos, logaritmos) que traduz o que chega à percepção por outra linguagem acedível à cognição do Ser-Humano provocando uma

Upload: others

Post on 01-Aug-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

1

N.º

CONCEITOS

PATRIMOLOGIA

LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES

por Pedro Manuel-Cardoso

Este LÉXICO DE PATRIMOLOGIA é a consciência do longo percurso de Aperfeiçoamento e Reflexão sobre os diferentes Caminhos para o Estudo e a Gestão do Património, isto é, da Relevância e sua transmissibilidade. Que começou muito antes daquilo que ocorreu na história da Europa após o Renascimento e a Revolução Industrial e Política do séc. XVII, e que muitxs, ainda, etnocentricamente, supõem ter tido aí início; o que é, aliás, uma subversão ou uma ingenuidade sobre a história do Património na sua relação com a Humanidade.

DEFINIÇÕES

1

ADAPTAÇÃO

A possibilidade de Continuidade na Existência i) A possibilidade de Continuidade na Existência (também designada por Consciência/Vida/Natureza/Universo/Realidade). ii) Processo permanente e contínuo de ajustamento e calibragem das características físicas, químicas, morfológicas, fisiológicas e comportamentais dos Seres (ditos «vivos») ou dos «Objetos» (ditos «inertes») («objeto», no sentido usado neste Léxico) perante os constrangimentos que a Existência impõe, com o objetivo de garantir a Continuidade individual e coletiva (dita «população, espécie, conjunto, agregado») no Presente (agora) e Futuro (depois).

“Se se reduzisse a um ano a idade da Terra, os mamíferos tinham aparecido apenas por volta do dia 10 de Dezembro desse ano, os primatas tinham surgido por altura do dia 27 desse mês, o género humano somente tinha iniciado o seu desenvolvimento umas quatro ou cinco horas antes da meia-noite do fim do ano, e o Ser-Humano atual tinha acabado de entrar na sala onde nos encontramos, precisamente no momento em que tínhamos aberto e começado a ler o livro da História escrita. A vida de um ser-humano (70-80 anos) dura apenas cerca de meio segundo desse ano.” (B. Peyer, 1944)

2

AGIR HUMANO vs. ATIVIDADE FÍSICA-CORPORAL

O Acto é mais (em intencionalidade, premeditação, perpretação ou intuição) do que a Atividade i) Agir Humano é o acto consciente e intencional perpetrado por um Ser dito Humano que provoca um efeito ou a percepção de uma mudança/alteração/diferença. Provavelmente o que o especifica mais é ser um fenómeno físico-químico com a propriedade de Decisão e de Codificação (Pedro Manuel-Cardoso). ii) Atividade Física é “qualquer movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos que resulte num gasto energético relativamente à taxa metabólica de repouso” (Caspersen, C. J., Powell, K. P., Christenson, G. M., 1985; Bouchard, C., Shepard, R. J., Stephans, T., 1994) iii) Decisão no sentido de «a um tempo-espaço, com toda a informação disponível aí, para além da dúvida razoável, e da limitação do decisor, escolho ou prefiro isto a aquilo, e defino assim e não de outro modo». Codificação no sentido de «um sistema de informações (significantes, índices, ícones, símbolos, códigos, algoritmos, logaritmos) que traduz o que chega à percepção por outra linguagem acedível à cognição do Ser-Humano provocando uma

Page 2: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

2

re-leitura, ou uma re-interpretação, ou uma transformação/re-criação do que é observado/percepcionado». A Codificação é, deste modo, um mecanismo de tradução e convergência de diferentes linguagens/informações/comunicações. iv) A “Vida” pode ser perspetivada como “sistema” (“sistema químico com a propriedade de auto-organização e autocatálise capaz de seguir uma evolução darwiniana”) ou como “ação/agir” (fenómeno físico e químico com a propriedade de Decisão/Escolha e de Codificação), são dois modos de perspetivar a mesma coisa.

3

AGIR HUMANO (Matriz e Equação do Agir Humano)

Agir Humano = [Ge. (Mo.Fi.Ag.Il.Mi.Al.Lu.Pa.) / Ep.Tp.] i) Em termos Positivistas e Realistas, provavelmente, apenas uma convergência entre as linguagens dos mecanismos bioquímicos e dos processos de atribuição de sentido, feita através da informática e da matemática, acrescentará Conhecimento e vantagens Adaptativas. A Codificação é, aliás, um mecanismo de tradução e convergência de diferentes linguagens/informações/comunicações. Nesse sentido, e apenas no contexto dessa crença e atitude, é possível traduzir o Agir Humano através de uma Matriz e de uma Equação contendo as onze Variáveis que nele estão envolvidas:

Agir Humano = [Ge. (Mo.Fi.Ag.Il.Mi.Al.Lu.Pa.) / Ep.Tp.]

Decido (gestus) [variável 1] que o meu Corpo (motus) [variável 2] faz esta ação/acto/técnica (figuratio) [variável 3] com esta quantidade de competição/desafio/confronto/superação (agon) [variável 4], de vertigem/aventura/excitação (ilinx) [variável 5], de simulacro/simulação/fingimento (mimicry) [variável 6], de sorte/aleatoriedade/aposta no desconhecido/oportunidade/chance (alea) [variável 7], e com esta quantidade de ordem/regras/encadeado/estruturação/limite/disciplina/obrigatoriedade (ludus) [variável 8] e de prazer/liberdade/criatividade/invenção/divertimento/destruturação (paidea) [variável 9], neste Espaço [variável 10] e neste Tempo [variável 11]. A determinação do comportamento humano (agir humano) poder-se-á antecipar através do cálculo permitido por esta Equação? A cada Palavra corresponde um Limiar Bioquímico diferente, possível de detetar empiricamente, e de descrever através da Linguagem Matemática e Informática?

ii) MATRIZ DO AGIR HUMANO: A ação/comportamento/agir humano será redutível à motricidade, biomecânica, bioenergética, ao sistema nervoso e hormonal? A Ação Humana – as suas intencionalidades e premeditações, as suas decisões, os seus efeitos sociais, e os limites que lhe são impostos culturalmente pela axiologia e pela ética de cada época – serão possíveis de descrever cientificamente pela Motricidade ou pela Biomecânica? De facto, a cada motricidade ou “padrão neuromuscular” não corresponde qualquer Comportamento específico ou particular.

AGON

competição desafio/confronto

superação

ILINX vertigem aventura excitação

MIMICRY simulacro fingimento

mimesis

ALEA sorte

aleatoriedade

LUDUS

regras ordem/encadeado

PAIDEA

prazer criatividade

Page 3: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

3

oportunidade aposta chance

limites/disciplina obrigatoriedade

estruturação

invenção/liberdade divertimento destruturação

MOTUS [Corpo]

(funcionamento independente da

decisão e da vontade). Motricidade.

Biomecânica/ Bioenergética.

Hormonal/nervoso. Química/fisiologia.

[objeto]

FIGURATIO

[Comportamento] (forma/estética/coreog

rafia/ modo/modalidade do agir reconhecível pela

percepção e pelo olhar/visão).

Acto/atividade/ação/agir.

Técnica/Desempenho. Efeito/Resultado.

técnica/figura/modalidade

[uso]

GESTUS [Cérebro]

(intervenção do cérebro e da cognição na

decisão e intenção). Decisão/Consciência. Atitude/Intencionalida

de. Perpetração.

Praticante/Pessoa. consciência/mente/cog

nição

[valor]

iii) Roland Fischer em 1971 tentou fazer corresponder a cada tipo/modo de comportamento-agir uma quantidade e um limiar elétrico-químico:

“Varieties of conscious states [are] mapped on a perception-hallucination continuum of increasing trophotropic arousal (left) and a perception-mediation continuum of increasing trophotropic arousal (right). These levels of hyper and hypoarousal are interpreted by man as normal, creative, psychotic, and ecstatic states (left) and Zazen and samadhi (right). The loop connecting ecstasy and Samadhi represents the rebound from ecstasy to Samadhi, which is observed in response to intense ergotropic excitation. The numbers 35 to 7 on the perception-hallucination continuum are Goldstein’s coefficient of variation…, specifying the decrease in variability of the EEG amplitude with increasing ergotropic arousal. The numbers 26 to 4 on the perception-mediation continuum, on the other hand, refer to those beta, alpha, and theta EEG waves (measured in hertz) that predominate during, but are not specific to, these states.” (Roland FISCHER, 1971, “Cartography of the Ecstatic and Meditative States”, Science 174 (Nov.26), p.898 [897-904]).

4

AGIR HUMANO (Níveis e Tipos)

Um processo de ação e transformação que tende para níveis de complexidade i) Os Níveis de Complexidade para que tende o Agir/Comportamento Humano não é uma questão de “culturalizar a Natureza” ou de “naturalizar a Cultura” como dizem D. Sperber, B. Latour, P. Descola, T. Ingold, e outros. É uma questão de algo (talvez até com um corpo próprio) que germina em todas as formas de Vida e de Objetos, e que encontra em cada diferente corpo/espécie/sistema um

Page 4: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

4

limite e uma possibilidade para desenvolver essa complexidade intrínseca, latente, ou potencial. Um desenvolvimento que é feito através da transformação (re-criação) física da Natureza (Realidade, Contexto/Ecologia). Um processo de transformação que tende para níveis de complexidade. Provavelmente latente em todas as espécies de corpos/seres ditos Vivos/Vida (ou até mesmo em Objetos, já que no seu seio a Física não é nada de «inerte», e há até codificações e organização nessas escalas das partículas sub-atómicas), desenvolvendo-se nos que não impedem essa evolução/reação. Sobre essa força latente [vulgarmente designada por «pulsão», «motivação», «impulso», ou «capacidade cognitiva» (o que talvez seja um modo antropocêntrico e redutor de interpretar o fenómeno)] Charles Sanders Peirce disse: “(….) a mente é um instrumento que organiza o mundo de acordo com as suas próprias necessidades e desejos” (C.S. Peirce, 1960, “Collected Papers”, V: ¶375, Charles Hartshore & Paul Weiss (orgs.), Cambridge (Mass.): Harvard University Press, in Manuel Frias MARTINS, 1995, “Matéria Negra: Uma Teoria da Literatura e da Crítica Literária”, 2.ª edição revista, Col. Cosmos-Literatura, Lisboa: Edições Cosmos, pág. 256). A preocupação com estes Níveis pode ser observada em vários autores desde o início do pensamento humano. Por exemplo:

AUTORES

GRAUS E NÍVEIS DO AGIR

ARISTÓTELES (-384?/-322)

1.ATIVIDADE COMUM 2.ATIVIDADE ARQUITETÓNICA

R. DESCARTES (1637)

1.EVIDÊNCIA 2.ENUMERAÇÃO 3.ANÁLISE 4.SÍNTESE

E. KANT (1724-1804)

1.FENÓMENOS 2.REGRAS 3.PRINCÍPIOS

G.W.F. HEGEL (1807) (“Fenomenologia do Espírito”)

1.CONSCIÊNCIA 2.CONSCIÊNCIA DE SI 3.RAZÃO 4.ESPÍRITO

C. S. PEIRCE (1839-1914)

1.PRIMEIRIDADE (such; tal como é/ isso; tychist view) 2.SECUNDIDADE (this; o que distingue; anacist view) 3.TERCEIRIDADE (all; tudo/todxs/ generalização/ princípio universal; agapist view)

N. HARTMANN (1882-1950) “Levels of Reality”

1.RECORRÊNCIA 2.MODIFICAÇÃO 3.NOVUM/EMERGÊNCIA 4.DISTÂNCIA ENTRE NÍVEIS (….) 1.INORGÂNICO 2.ORGÂNICO 3.FÍSICO-EMOCIONAL 4.INTELECTUAL

S. FREUD (1856-1939)

1.ID 2.EGO 3.SUPER-EGO

Page 5: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

5

JOSÉ MARINHO (1904-1975) 1.VISIONAR 2.TEORIZAR 3.CONCEBER

TEILHARD DE CHARDIN (1955)

1.GEOSFERA 2.BIOSFERA 3.NOOSFERA [Ponto Ómega]

P. MANUEL-CARDOSO & M. I. TRISTANY (1987)

1.FRAGMENTAR 2.RECONSTRUIR 3.SIMULAR/EXPERIMENTAR 4.INTEGRAR/RE-CRIAR

P. RICOEUR (1988)

1.INDIVÍDUO 2.INDIVIDUAÇÃO 3.IDENTIFICAÇÃO 4.IMPUTAÇÃO

P. MANUEL-CARDOSO (2012)

1.MIMESIS 2.CODIFICAÇÃO 3.ALGORITMICIDADE 4.LOGARITMICIDADE 5. ESPÍRITO/RE-CRIAR

5

AGIR HUMANO (Processo do Agir Humano)

Quatro Variáveis independentes e descontínuas i) O Modelo Antropológico do Comportamento/Agir Humano ou Modelo Bio-Socio-Cultural do Processo Comportamental Humano obriga a considerar quatro Variáveis

independentes e descontínuas. Porque 1234. Ou seja: 1. Os padrões neuro-musculares e as pré-disposições codificadas não são comportamentos; 2. Os comportamentos não são as intenções e as decisões nem as consequências; 3. E, as intenções, decisões, e consequências não são os limites que lhes são impostos pela regulação social e pela perpetração cultural (simbólica, ética, axiológica, ou política). Logo, OBJETO – USO – VALOR são Variáveis independentes que não determinam causa-efeito.

1

PRÉ-DISPOSIÇÃO

2

COMPORTA-MENTO

3

COMPORTA-MENTO

4

LIMITES IMPOSTOS

SOCIALMENTE AOS

COMPORTAMENTOS, E SUAS CONSEQUÊN-

CIAS

BIO

“programa fechado”

(E. Mayr)/ “automatismos”

herdados ou codificados

INDIVÍDUO

Ação/Decisão

(Variação)

SOCIAL

Contexto/Popula-

ção (Adaptação)

CULTURAL

Continuidade

(Seleção)

OBJETO (corpo)

USO

USO

VALOR

Page 6: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

6

Aquilo que não depende do arbítrio e da intencionalidade humana.

Aquilo que depende do arbítrio, da decisão, e da intencionalidade humana

Os efeitos e as consequências do comportamento.

A definição do intervalo permitido socialmente para os limites dos comportamentos.

O núcleo energético-informacional que impulsiona e desencadeia o agir humano.

O “programa aberto” (E. Mayr) pela interferência cognitiva do

cérebro humano.

O que constitui a Realidade em cada Contexto e Época.

A Ética e a Axiologia de cada Contexto e Época.

Homo sapiens sapiens

Esta é a razão por que o Ser-Humano é

o que é.

DESCONTINUIDADE

Esta é a razão por

que há tantas Modalidades do

Comportamento/Agir e tão diversas.

DESCONTINUIDADE

Esta é a razão por

que em cada Contexto e Época

são escolhidas/preferid

as certas Modalidades do

Agir/Comportamento e outras não.

DESCONTINUIDADE

Esta é a razão por que a Relevância

que fica em Memória, ou que é transmitida, não é exatamente tudo

aquilo que em cada Contexto e Época

se escolheu/preferiu.

6

AGIR HUMANO (Resultados da capacidade humana de Agir; o Output do Agir)

As capacidades Humanas de agir i)

N.º

Tipos/Modos

do Agir Humano

(capacidades

humanas de agir, conhecer e

compreender a Realidade

produzidas até Hoje)

(Heterónimos do Agir Humano)

Objetivo/Tarefa

(atitude, motivação, ação, estudo, interpretação,

explicação, compreensão de:)

Contra-

Objetivo/Tarefa Inversa

(Objetivo inverso/Tarefa simétrica e isomorficamente

antagónica)

1 Axiologia A natureza do Valor. Contra o Valor

2 Cosmologia A natureza do Universo. Contra o Universo

3 Epistemologia A natureza do Conhecimento. Contra o Conhecimento

4 Ética A natureza do Bem. Contra o Bem

5 Estética A natureza do Belo. Contra o Belo

6 Metafísica A natureza da Realidade. Contra a Realidade

7 Ontologia A natureza do Ser. Contra o Ser

8 Política A natureza do Bem Comum. Contra o Bem Comum

9 Teologia A natureza de Deus. Contra Deus

ii) Que outros tipos/modos de agir humano existem? Que outras motivações existem que impulsionem outros tipos/modos de actos conscientes e intencionais perpetrados por um Ser dito Humano que provoquem um efeito ou a percepção de uma mudança? iii) A simetria isomórfica é uma estrutura (uma instrução programada a priori?) presente na Existência (Realidade, Universo, Natureza, Sociedade, Cultura) que funciona como uma espécie de espelho, duplo, cópia invertida, ou simetria. Talvez a sua função seja testar as soluções adoptadas em cada Contexto/Momento impedindo que o sistema/vida/coisa estagnem perante as

Page 7: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

7

exigências da Adaptação e da Continuidade. Ou seja, um mecanismo causador de neguentropia.

7

ANTROPOLOGIA

Estudo e compreensão do fenómeno designado por Ser-Humano i) Em 3 dezembro de 2016, Pedro Manuel-Cardoso, na Conferência a convite da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia (SPAE) intitulada “O Corpo em Mutação”, que ocorreu na Fundação Eng.º António de Almeida no Porto, afirmou:

A questão agora é saber se o Ser-Humano tem um Corpo a uma escala diferente da do Corpo Humano, ou não?

Permitam uma imagem para elucidar a questão: Imagine-se um observador exterior à sala onde estamos. Esse observador ouvia-nos, e dizia: “estão lá dentro”. E tomava o nosso corpo por esta sala. Porque era apenas isso que a sua percepção lhe indicava. Porém, como é evidente para nós, que estamos cá dentro, o nosso corpo não é esta sala. Seria o mesmo que tomar o piloto pela nave, ou a placenta pelo que nasce nela. As Neurociências caem no mesmo erro. Acham que o Ser-Humano se reduz à sala-de-controlo-da-máquina, esse órgão a que chamam cérebro na sua relação com o Exterior. A sala não é o autor, e o controlo é já em si um efeito. Para as Neurociências o Ser-Humano é reduzido a um assunto de neurónios, seja no Funcionalismo de Jerry Fodor, no Eliminativismo de Patricia e Paul Churchland, no Conexionismo inspirado por Jonh Searle, na Neuro-Fenomenologia de Francisco Varela, ou na Hétero-Fenomenologia de Daniel Dennet. A complexidade cerebral para as atuais Neurociências é investigada, reduzida, e equiparada à complexidade de Chaitin-Kolgomorof (1965): “Qualquer objeto, comportamento, ou resultado cognitivo é o mais pequeno programa/algoritmo possível de ser escrito e lido por um «computador»” (Jean-Paul Delahaye, 1999, p.66). «Consciência», «compreensão», «mente», «pensamento», «imaginação», «sentimento», «pulsão», «intencionalidade», «premeditação», e outros «modos humanos de agir» são palavras a eliminar, como afirmam Patricia e Paul Churchland. Que devem ser substituídas pelas palavras «comportamento» e «cognitivo» definidas por aquele conceito de Chaitin-Kolgomorof. Porém, o que os dados da Etnografia mostram, em termos Evolutivos, é que a relação do Ser-Humano com o Corpo (incluindo o cérebro) é, primeiro, idêntica à de algo que germina de uma semente, ou se emancipa de um ovo. Mas depois, no tempo, cada vez mais, idêntica a uma Decisão que codifica e manipula a Matéria, chame-se-lhe natureza, máquina, corpo, órgão, ou partícula. Dois exemplos servem para dar um sentido Positivista e Realista ao que acabámos de afirmar: 1) Primeiro exemplo. No passado dia 9 de setembro (2016), na Conferência Internacional de Tecnologia realizada em Bordéus, foi apresentada a resolução do problema matemático designado por “Problema Booleano dos Trios Pitagóricos”. Três matemáticos, com a ajuda de um algoritmo e de uma supercalculora, mostraram à comunidade científica a solução. A extensão do cálculo teve a dimensão de 200 terabytes. A calculadora levou dois dias a calcular 10 elevado a 2300 possibilidades, isto é, 10 elevado à potência de um número com 2300 zeros. Ora um Ser-Humano, apenas para ler esse cálculo, de acordo com

Page 8: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

8

a estimativa do CNRS, levaria … 10 mil milhões de anos. É deste tipo concreto de Codificação e de Manipulação que estamos a falar nesta Palestra. É com esta profundidade e escala que o atual Ser-Humano entra nos Objetos e na Natureza. 2) Segundo exemplo. No que diz respeito à capacidade de reincarnação, ressuscitação, rematerialização ou transmutação temos o relato, no passado dia 20 de setembro (2016), na prestigiada revista científica Nature Communications, de um Ser Vivo que consegue dividir o seu ADN em pedaços, consegue secar 99% da água que o seu corpo contém em estado normal, e reduzir a atividade vital a 0,01%, ou seja, a um centésimo. E depois, no processo de re-idratação, consegue reparar o próprio ADN sem sofrer qualquer lesão. Ora, esta capacidade do minúsculo TARDÍGRADO (também designado por urso-da-água) permite-lhe passear por dentro do gelo ou por água a ferver, e sobreviver a condições de pressão e radiação mortais para a Vida dos restantes seres vivos que se conhecem até ao momento no planeta Terra (Nature Communications, 2016/09/20). Mas mais relevante ainda é que a proteína que confere este poder de adaptação e resistência ao Tardígrado pode ser transferida para as células de

outros animais, inclusive os Humanos. Ora, é deste tipo realista e

concreto de reincarnação, ressuscitação, rematerialização e transmutação que estamos a falar nesta Palestra. As quais serão ainda mais ampliadas com os projetos ReAnima e Encode que referi no início. O Corpo em Mutação mostra um Corpo desde sempre fabricado por um Autor. Talvez a Antropologia tenha andado tempo demais a procurar o seu objeto no sítio errado. Não acreditou na sua Etnografia. Doravante é impossível falar do Ser-Humano sem falar de algo (provavelmente com um corpo próprio) que germina em todas as formas de Vida (Natureza), mas também nos Objetos a que chamamos Matéria. E que encontra em cada diferente corpo/partícula/espécie/sistema um limite e uma possibilidade de desenvolvimento. Um desenvolvimento que é feito através da transformação física da Natureza, do Contexto, da Ecologia, da Proteína e dos Minerais. Não é de Adaptação darwiniana que se trata, é de Re-criação da Realidade. Um processo de transformação que tende para níveis de complexidade como têm vindo a dizer Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel, C.S. Peirce, Hartman, Freud, Chardin, Ricoeur e outros. Portanto, uma Física na qual não há Objetos Inertes ou Inorgânicos como nos ensinaram na Escola. Mas uma Física onde há codificações e organização, mesmo nessas Escalas onde pulsam as partículas sub-atómicas. Corpos que se desenvolvem dentro de Outros Corpos ou Partículas, desde que não impeçam essa Transformação. O erro – ou melhor dito, a incapacidade para explicar o Ser-Humano – por parte do evolucionismo biológico e das teorias naturalistas inspiradas no argumento de Darwin e Wallace, sejam as filogenéticas ou as epigenéticas, resulta da presunção de que a dependência do Interior face ao Exterior é tal que a explicação não pode estar senão num mecanismo de Adaptação dessa lógica interna à lógica externa. A Sociologia faz o mesmo com a Sociedade e o Social. Ora o Exterior a que o Interior se adapta é a lógica do que o Interior fabrica e recria. Claro que há mais Exterior do que esse, mas não é a essa Totalidade (ao Mundo todo, a um País, ou sequer a uma Cidade) que cada Interior se adapta. Era o mesmo que dizer que andamos de sobretudo numa casa aquecida por estar frio lá fora. Esta reflexão podia prolongar-se, mas aqui-e-agora não há esse tempo. Assim, para abreviar, indicaremos apenas as condições que

Page 9: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

9

impusemos à Investigação. E se houver oportunidade, noutra altura, poderemos apresentar alguns Resultados já alcançados até ao momento. A nível Metodológico impusemos as seguintes Sete Exigências:

1ª Exigência… Partir da hipótese de que, em termos físicos e químicos, o Corpo do Ser-Humano é diferente do Corpo Humano. Um Corpo que se aloja (ou germina) nos outros, passando a comandá-los [tal como se pode verificar com o iCAS em 14setembro2016; ou com as Repetições Palindrómicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas (CRISPR) em 2012]. Um Corpo que: Ou evoluiu em complexidade, Ou inseminou-se a partir do exterior do planeta, Ou ambas as situações conjugadas. 2ª Exigência… Procurar descrever o Agir-Comportamento desse Corpo e a Vida Especificamente Humana como uma reação com a propriedade química de Decisão e de Codificação. Cuja principal habilidade (output) é codificar tudo aquilo que recebe do exterior enquanto percepção (input), como etapa prévia para provocar uma transformação que permita a re-criação desse exterior num Ambiente e numa Ecologia Artificial adaptada à lógica do seu desenvolvimento interno. Portanto, não se trata da Adaptação darwiniana, ou da Simbiose gene-cultura tão cara à Epigenética. Trata-se de Transformar e de Re-criar a Natureza/o Mundo (a matéria, a física, a química, as moléculas, e a Vida) através de uma lógica proveniente de uma codificação que está a montante do output químico e biológico. 3ª Exigência… Procurar o Corpo do Ser-Humano como sendo «a Física dessa reação química com essa propriedade de Decisão e de Codificação». 4ª Exigência… Investigar com especial cuidado a relação entre a formação desse Corpo Especificamente Humano e o aparecimento da Estratégia de Vida Eucariote40. Porque é nesse momento que é mais visível a não-dependência do Interior face ao Exterior. Isto é, a não-dependência de um agir vindo do Interior face aos contrangimentos do Exterior. O que permite fazer a ligação com a “Física das topologias insensíveis a perturbações externas”, e estabelecer a relação com a tal “matéria inerte” que deu origem à Vida como vimos na atual definição de Vida. Aliás, no passado dia 4 de outubro foi atribuído o Prémio Nobel de Física ao estudo deste tipo de transições entre fases da matéria. 5ª Exigência… Ter por premissa que a escala e a dimensão desse Corpo será provavelmente menor ou igual à das onde ele conseguir entrar (rematerializar, reincarnar, ressuscitar, transmutar, etc., … tal como a Etnogafia nos ensinou). Portanto, estar preparado para encontrar esse Corpo do Ser-Humano dentro de outros corpos e objetos com os quais partilha a existência energética, molecular, proteica, e mineral. 6ª Exigência… Exigir que a descrição dos resultados da Investigação possa ser feita numa base matemática, para permitir a convergência interdisciplinar entre a linguagem bioquímica, a linguagem informática dos 0e1, e as linguagens simbólicas e culturais.

Page 10: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

10

7.ª Exigência... A designação Ser-Humano apenas têm um valor heurístico e comunicacional. É apenas um Nome, uma etiqueta, uma convenção que designa a Coisa a Investigar.

PARA TERMINAR PERMITAM QUE ACRESCENTE O SEGUINTE: De facto, estes avanços e mutações no Saber Antropológico conduzem-nos a um novo tempo e a um novo paradigma do Conhecimento. E desafiam a pergunta kantiana53 fundadora da Antropologia “o que é o Ser-Humano?”. E portanto, o entendimento antropológico sobre «quem somos», «onde estamos», e «para onde havemos de ir». Desafiam o próprio modo de formular a Pergunta54. Em que a palavra Ser-Humano deixa de ser um substantivo e passa a ser um adjectivo… de algo que desconhecemos mais do que julgávamos. De algo comum e latente nos outros «Objetos ditos inertes» e nos outros «Seres ditos vivos». Provavelmente com um Corpo, a uma Escala diferente. Talvez à espera que sejamos capazes de mudar a nossa antiga visão-do-mundo e o nosso atual conceito de corpo. Pedro Manuel-Cardoso

8

ARQUITETURA E PATRIMÓNIO

Projetos cuja concepção (programa preliminar e estudo prévio) e a avaliação final sejam obrigatoriamente feitos por Patrimólogxs i) Arquitetura de Património designa qualquer tipo de intervenção ou projeto arquitetónico relacionado com o Património em que o Programa Preliminar e o Estudo Prévio são obrigatoriamente concebidos e desenhados por Patrimólogas/os (Patrimólogxs).

9

ARQUIVO

Conjunto de Objetos sujeitos à intenção de Preservação e Transmissibilidade

10

ARTE

Um dos nove Heterónimos (tipos/modos) do Agir Humano relacionado com a capacidade Estética e Criativa (imaginativa, inventiva, exploratória, expressiva, experimentalista) i) A Patrimologia estuda e gere a Arte enquanto Património. Tendo em consideração a permanente atualização das interpretações e explicações que lhe foram dadas. Concretamente: “forma estética” (C. Bell); “expressão e sentimento estético” (R.G. Collingwood); “essência ou estrutura do invisível estético-artístico” (Nietzsche, Adorno, Heidegger, W. Benjamin, M. Mandelbaum, J. Lichtenstein); “utilidade e função” (Tolstoi); a recusa de qualquer “essência”, substituída pelas “semelhanças de família” (Wittgenstein, Weitz); interpretável pelos “mundos-da-arte” e pelos “contextos institucionais” (Beardsley, Dickie, Danto, Stolnitz, Goodman); «transgressão sistemática das normas da Tradição ou do status quo»; «deve ser medida pelo grau de indignação do recetor/consumidor/destinatário»; «um jogo de comunicação entre o autor e o recetor, e entre a coisa e a sociedade». Em 2016 ocorreram os óculos não-expostos por Kevin Nguyen no Museu de Arte Moderna de São Francisco (EUA). Em junho de 2016 no Japão, a propósito da relação entre “Robots-Inteligência Artificial – Humanos” foi proposto um código ético e legislação.

Page 11: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

11

ii) Desse modo, ao longo do percurso etno-histórico foram surgindo obras-de-Arte às quais se deram os seguintes nomes: arte lítica, arte rupestre, românico, gótico, renascimento, barroco, rocócó, romantismo, impressionismo (1872), pós- e neo-impressionismo (1885), cubismo, futurismo, surrealismo, dadaísmo, suprematismo, expressionismo, expressionismo abstracto, video art, realismo, minimal art/minimalismo, neo-plasticismo, abstraction-création, espacialismo, nova escola de paris, arte cinética, grupo zero, diferentes perspetivas da figuração, figuração existencialista, presentness is grace, colour field, descolagismo, neo-realismo/nouveau-réalisme, neodadaísmo, pop art, arte conceptual/conceptualismo, arte naif, new media art, pintura sistémica, abstracionismo, pós-minimalismo, corpo revolucionado, support-surface e bmpt, land art, arte povera, reincidência do género, apropriacionismo, fotografia-arte alemã, realismo traumático, discursos-actos de alteridade, arte digital, arte atual, «art brut», «arte adventícia», «arte ansiosa», «geek art», «street art», energismo (S.R. Pansera, 2011), «impronuncialismo» (Pedro Manuel-Cardoso).

10

CAMPO DISCIPLINAR DA PATRIMOLOGIA

Ciência que Estuda e Gere o Património com a finalidade de contribuir para a obtenção de uma vantagem Adaptativa, ou a mera possibilidade de prosseguimento, no processo de Continuidade i)

Patrimologia é a “Ciência que Estuda e Gere o Património (entendido como os Objetos considerados suficientemente Relevantes para serem transmitidos às gerações seguintes) com a finalidade de contribuir para a obtenção de uma vantagem Adaptativa, ou a mera possibilidade de prosseguimento, no processo de Continuidade (vida/existência/natureza) ” (Pedro Manuel-Cardoso, 2008):

EXISTÊNCIA/VIDA – OBJETO – PATRIMÓNIO – MEMORIA – ADAPTAÇÃO/CONTINUIDADE

VIDA/

EXISTÊN-CIA*

OBJETO/

SER/ CORPO

PATRIMÓ-

NIO

MEMÓRIA

ADAPTAÇÃ

O/ CONTINUI

DADE

A

CONTINUI-DADE

A Continuidade em si mesma. A Existência/Vida/ Universo/Realidade/ Natureza em si mesma.

AS

PARTES As Partes dessa Existência/Vida/ Universo/Realidade/ Natureza. (Qualquer Parte da Existência que o sistema de percepção e a cognição humana detetem e distingam como sendo uma Diferença).

A

ESCOLHA A escolha do que é Relevante.

O QUE SE

TRANSMITE A resolução do Esquecimento, e do que pode ser Relembrado.

A

POSSIBILI-DADE

A possibilidade de Continuidade. A possibilidade de Existência/Vida/ Universo/Realidade/ Natureza. Permanecer versus Transformar-se/ Mudar (Parménides vs. Heraclito).

Page 12: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

12

* - Existência: ver Fernando GIL, 1996, “Tratado da Evidência”, col. Séries Universitárias – Estudos Gerais, Lisboa: IN-CM, pp.253-264.

ii)

VIDA/

EXISTÊNCIA

OBJETO/

SER/CORPO

PATRIMÓ

NIO

MEMÓR

IA

ADAPTAÇÃO/

CONTINUIDADE

A

CONTINUIDADE

AS

PARTES

A

ESCOLHA

O QUE

SE TRANSMI

TE

A

POSSIBILIDADE

Consciência, Vida, Natureza, Universo, Real, Realidade. Não apenas a Vida, que é uma modalidade química originada de matéria inerte por processos de autocatálise e auto-organização, e que é explicada como sendo autónoma e prosseguindo uma continuidade darwinista/wallaceana. Reduzir a Existência à Vida, ou reduzir a Consciência à neurobiologia e à biologia molecular da cognição, é uma perspetiva antropocêntrica, materialista, e socio-biologista.

Qualquer Parte da Existência que o sistema de perceção e a cognição humana detete e distinga como sendo uma Diferença. Logo, um Objeto é: «diferença», «distinção», «sinais-de-diferença/distinção», «informação», «ideia», «essência», «instrução», «valor», «uso», «bem», «testemunho», «vestígio», «nome», «índice», «ícone», «símbolo», «representação», «imagem», «dado ou meta-dado», «substrato», «coisa», «substância», «gradiente», «suporte», «partícula», «molécula», «conjunto», «agregado», «população», «universo», «mundo», «documento», «corpo», «fenómeno», «comportamento», «norma», «processo», «estrutura», «sistema», «parte», «coisa», e assim

Decidir a Relevância a transmitir ao futuro; escolher o que é Relevante para ser transmitido ao futuro.

Resolver o Esquecimento ou/e a perda de Objetos. Evitar a perda de Objetos. Escolher o que se guarda e o que se perde.

Dialética permanecer/adaptar-se versus desenvolver/mudar/ transformar-se. Parménides versus Heraclito. Conservadorismo versus Desenvolvimentismo. A Continuidade Possível. A continuidade da Consciência/Vida. A possibilidade de Continuidade não apenas da Vida, a qual é apenas uma das modalidades da Existência.

Page 13: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

13

sucessivamente.

iii)

CAMPO DISCIPLINAR DA PATRIMOLOGIA

RELEVÂNCIA e

CONTINUIDADE (Destino, Teleonomia,

Sobrevivência, Adaptação) A Relevância é um fenómeno biológico (molecular e epigenético). Que, evidentemente, tem a montante uma infraestrutura físico-química, e a jusante, uma expressão social, cultural, e simbólica. O Património é um tipo de Relevância. E é simultaneamente esse fenómeno e uma decisão. São eles que accionam o processo de codificação que se designa por PATRIMOLOGIA. A Continuidade a dar a essa relevância patrimonial é o que motiva o trabalho patrimológico. São estas duas tarefas (decidir o que é Relevante e dar-lhe uma Continuidade) que estabelecem a especificidade da Patrimologia em termos epistemológicos.

Vector Realista/Positivista

CONTEXTO-MUNDO

Sociedade/Natureza

PATRIMÓNIO

OBJETO PATRIMONIAL

Processo de Classificação [SIMBÓLICO]

PATRIMOLOGIA

OBJETO CODIFICADO ou

SEGUNDO OBJETO

Processo de Patrimonização [OPERATÓRIO]

MEMÓRIA

OBJETO MEMÓRIA

Processo de Memória [FÍSICO E BIO-

QUÍMICO]

Processo de transformação da Realidade (coisas, objetos, documentos) em «Património»

Processo de transformação do Património numa «Representação-Codificação», de modo a ter possibilidade de ser guardada-codificada-acedida em Memória (individual e coletiva).

O Processo efetivo (físico-químico) de transformação do Património em Memória Individual (a concretização efetiva da codificação no cérebro) e/ou Coletiva (a codificação em suportes, arquivos, bibliotecas, museus, e outros, desde que possíveis de aceder pelos cérebros dos presentes e vindouros).

Exige uma Descrição Conceptual [pois é uma operação de transformação simbólica equivalente não

Exige uma Descrição Operatória [por ex. as que se encontram nos manuais, na legislação, nas normas, e

Exige uma Descrição físico-química, molecular, e matemática [por ex., John O’Keefe,

Page 14: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

14

apenas ao processo de Formação da Identidade (por ex., Paul Ricoeur, 1987) mas também ao processo de Codificação (Pedro Manuel-Cardoso, 2014)]

procedimentos que constituem as funções da museologia/património]

1971; Squire & Kandel, 2002, 2012; May-Britt e Edvard Moser, 2014]

Vector Fenomenológico

CONTEXTO-CONSCIÊNCIA

Indivíduo/Cognição

12

CODIFICAÇÃO

Registo e Tradução/Transferência da percepção noutra linguagem i) Codificação no sentido de «um sistema de informações (significantes, índices, ícones, símbolos, códigos, algoritmos, logaritmos) que traduz-transfere o que chega à percepção por outra linguagem acedível à cognição do Ser-Humano provocando uma re-leitura, ou uma re-interpretação, ou uma transformação/re-criação do que é observado/percepcionado». A Codificação é, deste modo, um mecanismo registo-tradução-transferência e convergência de diferentes linguagens/informações/comunicações. ii) Um Sistema/Ser/Objeto apenas consegue ler-se a si mesmo (percepcionar-se e observar-se a partir do seu interior), e interferir consigo mesmo (transformar-se a partir de dentro), se for capaz de forjar uma premissa exterior a si mesmo (por exemplo, «imaginar-se», «transformar e fazer equivaler o como se em é», «simular e experimentar», «autorepresentar-se», «criar um duplo de si mesmo/doppelgänger», «forjar um espelho de si», «criar um simetria isomórfica»). A Codificação, com essa capacidade de transferência de linguagens é, juntamente com o Jogo e a Ritualização, um dos elementos que permite essa operação de Consciência de Si, e permite ainda transmitir às gerações seguintes a Memória. iii) As principais Codificações humanas ocorrem junto dos principais receptores da percepção (orientação, auditivo, háptico, feromonal-gustativo, sensitivo, visual) – tal como as cidades ou os agregados populacionais se juntam na confluência de determinadas vias-de-comunicação. Razão pela qual as principais Codificações humanas correspondem às Modalidades da Percepção (gestualidade, feromicidade, literalidade, narratividade, sonoridade/oralidade, visualidade) e tendem a estruturar-se em Níveis (ver neste Léxico: «Agir Humano – Níveis e Tipos»). iv) Verifica-se que muito da Relevância (Património) considerada e classificada pelo Ser-Humano corresponde a essas Modalidades. De facto, as Modalidades do Comportamento (o Agir Humano) estabelecem uma correlação com essas Codificações e com as respetivas Modalidades da Percepção. v) A proposta que fizemos (“1.mimesis – 2.codiicação – 3.algoritmicidade – 4.logaritmicidade – 5.re-criação/espírito”) permite uma visão-de-conjunto, oferece mais sistematicidade, e relativiza o valor baseado apenas numa modalidade da percepção perspetivada como autónoma (dispersa e fragmentada). vi) Os Níveis de Complexidade para que tende o Agir/Comportamento Humano não é uma questão de “culturalizar a Natureza” ou de “naturalizar a Cultura” como dizem D. Sperber, B. Latour, P. Descola, T. Ingold, e outros. É uma questão de algo (talvez até com um corpo próprio) que germina em todas as formas de Vida e de Objetos, e que encontra em cada diferente corpo/espécie/sistema um limite e uma possibilidade para desenvolver essa complexidade intrínseca,

Page 15: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

15

latente, ou potencial. Um desenvolvimento que é feito através da transformação (re-criação) física da Natureza (Realidade, Contexto/Ecologia). Um processo de transformação que tende para níveis de complexidade. Provavelmente latente em todas as espécies de corpos/seres ditos Vivos/Vida (ou até mesmo em Objetos, já que no seu seio a Física não é nada de «inerte», e há até codificações e organização nessas escalas das partículas sub-atómicas), desenvolvendo-se nos que não impedem essa evolução/reação. Sobre essa força latente [vulgarmente designada por «pulsão», «motivação», «impulso», ou «capacidade cognitiva» (o que talvez seja um modo antropocêntrico e redutor de interpretar o fenómeno)] Charles Sanders Peirce disse: “(….) a mente é um instrumento que organiza o mundo de acordo com as suas próprias necessidades e desejos” (C.S. Peirce, 1960, “Collected Papers”, V: ¶375, Charles Hartshore & Paul Weiss (orgs.), Cambridge (Mass.): Harvard University Press, in Manuel Frias MARTINS, 1995, “Matéria Negra: Uma Teoria da Literatura e da Crítica Literária”, 2.ª edição revista, Col. Cosmos-Literatura, Lisboa: Edições Cosmos, pág. 256). A preocupação com estes Níveis pode ser observada em vários autores desde o início do pensamento humano [ver neste Léxico em «AGIR HUMANO (Níveis e

Tipos)»].

13

COLEÇÃO

Conjunto de Objetos agrupados pelos critérios codificados na “Estrutura da Relevância” i) Conjunto de Objetos agrupados pelos critérios codificados na “Estrutura da Relevância” ou “Estrutura do Valor Patrimonial” (analogia, abdução, diferença, dedução, indução, anterioridade, procedência, simultaneidade), e por outros inventados pela capacidade cognitiva do Ser-Humano e pela perpetração ideológica e política de cada contexto sociocultural.

14

COMUNICAÇÃO

Fenómeno e Processo de reação e retroação causado pelo envio, recepção, apresentação ou partilha de Objetos i)

Para a Patrimologia os Objetos (Património) adquirem valor/significado cultural porque são realizados no decurso das relações sociais. O que implica ter em consideração os seguintes pressupostos:

A — i) “L’essence de notre message au lecteur est que la communication est la matrice dans laquelle sont enchâssées toutes les activités humaines.” (1951, Ruesch, J e Bateson, G.). “Par conséquent, nous pouvons voir dans la communication le mécanisme de l’organisation sociale, tout comme la transmission de l’information est le mécanisme du comportement communicatif.” (A. E. Scheflen, 1981, Systèmes de la communication humaine, in: “La Nouvelle Communication”, p.157). ii) «La communication peut, en somme, être définie comme le système de comportement intégré qui calibre, régularise, entretient et, par là, rend possibles les relations entre les hommes (R. Birdwhistell, 1965). iii) “On ne peut pas ne pas communiquer”. (1967. P. Watzlawick, J. H. Beavin e D. D. Jackson, “Pragmatics of Human Communication”). B — A interação social e cultural desenrola-se sempre dentro de contextos particulares. Sendo no seio de situações específicas que os Objetos adquirem o respetivo valor/significado. Quatro (4) contextos são decisivos: i) o contexto físico-ecológico; ii) a ocasião; iii) a estrutura social; iv) a estrutura cultural. C — Nas interações humanas os Objetos não se restringem apenas aos modelos de interpretação e explicação baseados na linguagem verbal, podem incluir e estar associados aos seguintes comportamentos (M. Argyle, 1979:243-269): i) O comportamento vocal (linguístico, para-linguístico, prosódia, etc.). ii) O comportamento quinésico (movimentos mímico-faciais, movimentos provenientes do sistema neurovegetativo, a postura, os ruídos corporais, etc.). iii) O comportamento táctil.

Page 16: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

16

iv) O comportamento territorial e proxémico. v) Os comportamentos vestimentar, cosmético e ornamental.

“Habitualmente a linguagem só salienta uma das partes de qualquer interação” (G. Bateson, Natureza e Espírito, 1987:62)

D — As diversas modalidades de comportamento que contextualizam os Objetos podem entrecruzar-se, constituindo diferentes canais de interacção e comunicação (por exemplo, locutivo-auditivo, quinésico-visual, táctil-proxémico, etc.). “Within their personal phylogenetic constraints species have chosen and molded sensory channels in astonishingly diverse combinations.” (E. O. Wilson, 1975:241). E — A variabilidade entre modalidades é condicionada pela estrutura sociocultural, dependendo basicamente da:

i) Composição do grupo (género, estatuto social, número de interactuantes e composição, etc.). ii) Natureza das relações durante a interação (normas, sistemas de valor, tabus, etc.). iii) Designação de papéis (por exemplo, comportamentos especializados executados apenas por determinados indivíduos em determinadas situações, etc.). iv) Regulação e calibragem (individual e cultural) utilizadas na comunicação e na interação.

F — Os Objetos Patrimoniais assumem a polissemia e a plurissignificação. Há três tipos de circunstâncias capazes de desencadeá-las: i) as situações críticas; ii) a inovação; iii) a meta-comunicação. G — Em suma, tendo em consideração os limites que a “Pragmática da Comunicação” (G. Bateson e all, 1981) apontou a um conceito estritamente matemático da comunicação humana, sobretudo porque baseado apenas na função de “transmissão” (Winkin, 1981), poderíamos ter como referência para a Definição de Comunicação em Patrimologia a definição de Wilson (1975): “Communication has been defined as the process by which behavior of one individual alters the probability of behavioral acts in other individuals. This concept has the advantage of being directly transportable into a mathematical statement. Our formalism recognizes the following minimal set of six entities:

Individuals

A B Acts

X1 X2 Probabilities of acts occurring

p(X1) p(X2)

Communication occurs when p(X2. X1) p(X2). In words, the conditional probability that act X2 will be performed by individual B given that A performed X1 is not equal to the probability that B will perform X2 in the absence of X1” (E. O. Wilson, 1975:194). H — Ou, de forma simplificada, perspetivar a Comunicação pela resposta à famosa asserção de Lasswell: “who says/do what to whom in which channel with what effect?”.

15

COMUNICAR E INFORMAR

Em Patrimologia, Comunicar não é Transmitir i) Em Patrimologia, Comunicar não é transmitir (expor, apresentar, enviar-receber). Transmitir no sentido que lhe foi dado pela Teoria Matemática da Comunicação. ii) Comunicar não é Informar. iii) A Informação não é a Mensagem. iv) Informar é estabelecer sempre uma relação aqui-e-agora com o Objeto que se transmite, envia, recebe ou se partilha.

Page 17: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

17

16 COMPREENDER E INTERPRETAR

Em Patrimologia, Compreender não é Interpretar i) Compreender é um procedimento que tende a unir e a sintetizar. Interpretar é um procedimento que tende a separar e a descrever analiticamente. São dois caminhos diferentes. ii) A Hermenêutica ainda não solucionou esta dualidade, presente no modo como a cognição humana apreende e explica os Objetos.

“(….) a Hermenêutica como disciplina filosófica e corrente nuclear do pensamento contemporâneo, indo também às suas origens no séc. XIX, onde Schleiermacher e Dilthey são indiscutivelmente os principais nomes a considerar. Destacam-se três linhas de investigação, que serão estruturantes deste programa: 1) Interpretação de texto: Schleiermacher, Ricoeur. 2) Interpretação de si: Ricoeur, Foucault. 3) Interpretação da obra de arte: Gadamer, Jauss.” (in Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: «Projeto PARA UMA HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA CONTEMPORÂNEA (2014-2018)» “A concepção narrativa da identidade pessoal constitui a matriz de inúmeros programas de investigação em Filosofia, Estudos Literários e Ciências Sociais. Porém, depois do aparente consenso sobre o valor da hipótese do Eu Narrativo, baseado nas obras de A. MacIntyre, P. Ricoeur e Ch. Taylor, emerge uma consciência crítica geral da vulnerabilidade desse cogito hermenêutico que este projeto visa aprofundar.” (in Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: «Projeto POIÉTICA DO EU: MEMÓRIA, IMAGINAÇÃO E NARRATIVIDADE 2013-2015 (Projeto FCT PTDC/MHC-FIL/4203/2012»).

iii) “Unir versus Separar”, o “cálculo Diferencial versus o cálculo Integral”, “Qualitativo versus Quantitativo”, etc., constituem um limite humano que a Patrimologia tem em consideração na Gestão do Património. iv) Para Pedro Manuel-Cardoso, Compreender implica que o Observador se transforme (na totalidade ou nalguma parte de si mesmo) na coisa que quer compreender. No sentido de só se compreender o choro se já alguma vez se chorou, e assim sucessivamente. Muitas vezes Compreender implica uma mudança no próprio Sujeito/Observador que pretende Compreender para a compreensão ser alcançada.

17

CONTRA-MEMÓRIA

“Um processo paródico, dirigido contra a opressão da causalidade histórica e contra a ideia de História como reminiscência ou reconhecimento; um processo dissociativo, dirigido contra as Identidades homogéneas; um processo sacrificial, conduzido contra a exigência imperial da Verdade, opondo-se desta forma à História como Conhecimento” i) Para Michel Foucault “Contra-Memória” é um triplo processo, simultaneamente, “paródico”, “dissociativo” e “sacrificial”: - “Um processo paródico, dirigido contra a opressão da causalidade histórica e contra a ideia de História como reminiscência ou reconhecimento; um processo dissociativo, dirigido contra as Identidades homogéneas; um processo sacrificial, conduzido contra a exigência imperial da Verdade, opondo-se desta forma à História como Conhecimento” (Michel Foucault, 2001, Surveiller et Punir, naissance de la prison, Paris, 1975: Gallimard, p.374). ii) Em 2010 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

"Os locais etnográficos escolhidos por estes quatro artistas (Cardillo, em ‘montes criollos’; Pomero, em ‘locais pré-históricos de arte lítica’; Fernandez, com os locais metafóricos a que chama ‘Terra-Mãe’; e Capelán, com ‘Biblioteca’), são ambíguos na medida em que têm servido historicamente para uma transmissão selectiva, e ao mesmo tempo também para o apagamento da memória cultural no Uruguai. Na reformulação destes locais-sítios os artistas apresentam um desafio duplo de amnésia colectiva que faz com que esses locais sejam transcendidos. Os seus trabalhos produzem um

Page 18: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

18

questionamento sobre a amnésia das suas próprias sociedades e das populações indígenas, mas também questionam a amnésia das sociedades ocidentais em relação ao Uruguai e aos países da América do Sul. Fazem sobressair o lado de arrogância da amnésia, e o poder económico que lhe subjaz, porque há algumas gerações atrás, para os europeus, esses países representaram o progresso, a modernidade e o futuro. Ora foi isso que absolveu os actos praticados sobre as populações nativas, porque quem os praticou serviu-se dessa ideia externa para construir as ‘utopias’ de que era ‘colono’ ou ‘imigrante’ com as quais se auto-absolveu, permitindo dar uma continuidade tranquila ao seu presente e futuro.” (Arnd Schneider. 2000, “Sites of Amnesia, Non-Sites of Memory: Identity and Other in the Work of Four Uruguayan Artists”, p.178). Com efeito, os factos patrimoniais ampliam o carácter conflitual intrínseco ao projecto da Patrimologia ao pretender construir um saber científico no qual o objecto é simultaneamente o sujeito desse conhecimento. Em que, como diz Paul Ricoeur, “não posso enunciar os motivos da minha acção sem ligar esses motivos à acção de que eles são o motivo” (Ricoeur, 1988).” (Pedro MANUEL-CARDOSO, 2010, “O Património perante o Desenvolvimento”, Lisboa: ULHT, pp. 44-45)

18

DECISÃO

«A um tempo-espaço, com toda a informação disponível aí, para além da dúvida razoável, e da limitação do decisor, escolho ou prefiro isto a aquilo, defino assim e não de outro modo, vou por este caminho e não por outro» i) Decisão no sentido de «a um tempo-espaço, com toda a informação disponível aí, para além da dúvida razoável, e da limitação do decisor, escolho ou prefiro isto a aquilo, e defino assim e não de outro modo».

19

DESIGN E PATRIMÓNIO

Projetos cuja concepção (programa preliminar e estudo prévio) e a avaliação final sejam obrigatoriamente feitos por Patrimólogxs i) Design de Património designa qualquer tipo de intervenção ou de projeto de Design relacionado com o Património em que a concepção e a avaliação final sejam feitas obrigatoriamente pela Patrimologia (isto é, por patrimólogas/os).

20

ESQUECIMENTO

Sentimento ou facto concreto de perda cognitiva e/ou material de Objetos i) Sentimento ou facto concreto de perda cognitiva e/ou material de Objetos. ii) « La découverte de la protéine PP1 a montré que l’oubli est un processus actif. Se souvenir, c’est simplement arrêter d’oublier » [MÉRAT, Marie-Catherine (2014) « Quand la science prend le contrôle », Science & Vie, Hors-série n.º 268, Septembre2014, p.34] iii) Em 2015 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“O que acontece à convenção passado-presente-futuro quando ocorre o apagamento de uma memória por outra, a crer na descoberta publicada revista Nature Neuroscience em março de 2015? A propósito da qual Maria Wimber (Universidade de Birmingham) e os seus colegas do MRC Cognition and Brain Sciences Unit (Cambridge, UK) afirmaram que “As pessoas estão habituadas a pensar o esquecimento como algo passivo, mas a nossa pesquisa mostra que as pessoas se esforçam mais do que percebem para moldar o que lembram das suas vidas. Não significa que esquecemos algo todas as vezes que entra uma lembrança nova. O cérebro parece pensar que as coisas que usa com frequência são as coisas realmente importantes para nós. Dessa forma, tenta simplificar o processo. Para se certificar de que poderemos aceder a essas lembranças importantes

Page 19: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

19

facilmente, ele expulsa, tira do caminho as memórias que estão a competir ou a interferir.” (M. Wimber, 2015) ?”.

21

ESTRATÉGIA DE VIDA EUCARIOTE

«Guardar, protegidas por uma membrana no núcleo da célula, as informações vitais a serem transmitidas às gerações vindouras por causa das vantagens e benefícios Adaptativos que conferem» i) Processo anterior ao Ser-Humano, inscrito na Filogenia da Vida, que consiste em «guardar, protegidas por uma membrana no núcleo da célula, as informações vitais a serem transmitidas às gerações vindouras por causa das vantagens e benefícios Adaptativos que conferem». ii) Para a Patrimologia a Estratégia de Vida Eucariote é importante para o estudo científico do Património. Porque há uma analogia profunda, impossível de não-considerar, entre aquilo que caracteriza e distingue esta estratégia e a finalidade do trabalho Patrimológico (incluindo o Processo de Patrimonial ou Processo de Patrimonização). iii) Ao comparar esta estratégia com as outras duas estratégias da Vida verifica-se empiricamente o seguinte: - A Estratégia Eucariote produziu 1.738.571 espécies (nas quais se inclui o Ser-Humano); a Estratégia de Vida Eubactérias produziu 9021 espécies; a Estratégia de Vida Arcados produziu 259 espécies (LECOINTRE, Guillaume & LE GUYADER, Hervé (2001), Classification Phylogénétique du Vivant. Paris: Belin). iv) Deste modo, há uma consequência importante na Variabilidade da Vida por causa da adopção de cada um destes três caminhos diferentes. De facto, em termos empíricos e científicos, «guardar, protegidas por uma membrana no núcleo da célula, as informações vitais a serem transmitidas às gerações vindouras por causa das vantagens e benefícios Adaptativos que conferem» é um trabalho que liga o Património à própria origem da Vida Humana e confere uma probabilidade maior de aumentar a Variação. v) Guillaume LECOINTRE e Hervé LE GUYADER definiram Eucariote do seguinte modo :

“(…) êtres vivants de tailles et de formes extrêmement variées, unicellulaires ou multicellulaires, dont l’information génétique est contenue dans le noyau de la cellule. Ce noyau est limité par une membrane nucléaire. Le cytoplasme est très structuré, en particulier par le cytosquelette ; un réseau membranaire interne réalise une compartimentation (réticulum, appareil de Golgi, lysosomes…). Enfin, des organites (mitochondries et chloroplastes) remplissent les fonctions énergétiques de la cellule. La cellule eucaryote

mesure entre 10 e 100 m. La taille des organismes varie entre quelques m (eucaryotes unicellulaires) à plus 100 mètres (la baleine mesure jusqu’à 33 mètres pour un poids de 130 tonnes ; la partie aérienne de certes plantes et arbres terrestres ont dépassé 100 mètres).“ (LECOINTRE, Guillaume & LE GUYADER, Hervé (2001). Classification Phylogénétique du Vivant. Paris: Belin, p.56)

22

ESTRUTURA DA RELEVÂNCIA

Sistema de critérios codificados na Memória gerados durante a filogénese que exercem uma pressão seletiva a priori sobre a escolha e a decisão da Relevância i) “O mapa cognitivo e o sistema de critérios codificados na Memória (analogia, abdução, diferença, dedução, indução, anterioridade, procedência, simultaneidade) gerados durante a filogénese, provavelmente por oferecerem uma vantagem Adaptativa, que exercem uma pressão seletiva a priori sobre a escolha e a

Page 20: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

20

decisão da Relevância e do Valor Patrimonial dos Objetos que constituem a Realidade em cada contexto espácio-temporal” (Pedro Manuel-Cardoso, 2008). ii) Em 2010 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

Porque a Memória é constitutiva da Vida Eucariote («Vida» definida por «Continuidade da consciência»; e «Adaptação» definida por «Possibilidade de Vida»)? O «estudo e gestão do que é Relevante (Património)» fornece alguma competência/benefício para a Adaptação a longo-prazo? Qual? Se for «evitar o esquecimento», então, a Memória é um fenómeno neguentrópico constitutivo da Vida. Assim, o «estudo e gestão do património» (Patrimologia) terá legitimidade e utilidade enquanto disciplina autónoma no seio da Ciência. Consciência… será: «decidir, escolher, duvidar, pensar em “programa aberto” (E. Mayr), ver-de-fora, «ser capaz de construir o modelo de compreensão do real/universo/existência»? Os Museus não irão, assim, desparecer? A Memória (quer a resolução do Esquecimento em geral, quer a resolução do esquecimento do que é Relevante) não será resolvida pela tecnologia? A Expografia será o único modo de acesso ao Património no sentido da sua «interpretação, explicação, compreensão»? O Hipocampo não deve ser entendido tanto como «reservatório onde está tudo guardado», mas mais como «o Livro de Endereços ou da Indexação daquilo que está guardado/codificado noutras regiões (córtex) do cérebro». As competências de codificação/indexação do hipocampo não serão exteriorizadas? Não é isso que são as bases-de-dados e de meta-dados hoje?

iii) Em 2013 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“Ao investigarem o processamento da Memória, Squire & Kandel (2002), demonstraram que qualquer nova aprendizagem obriga a uma nova geometria do percurso cortical, e a uma alteração da força sináptica. Para que a percepção de um Objeto se torne numa aprendizagem, ou numa Memória, será necessário ocorrer uma síntese de proteínas que possibilite organizar novas moléculas. Já que serão elas que permitirão manter o fluir dos sinais de transmissão que tornam madura, estável e consolidada essa percepção. Assim, o programa de processamento preceptivo do Património ocorrerá em consonância com as fases de: [codificação – armazenamento – evocação – esquecimento/lembrança]. Antoine Danchin, referindo-se aos resultados de Takeshi Yagi da Universidade de Osaka, constatou que existe um mecanismo que fixa de modo seletivo as sinapses necessárias à memorização,

“(…) tudo indica que as sinapses conservadas foram seleccionadas de um conjunto

muito mais vasto (…) E verificamos que a génese da variabilidade o tamanho do

jogo de base dos elementos variáveis aumenta no decurso da evolução dos vertebrados” (Danchin, 2002, p.91).

Quando falamos de Memória, e da passagem do património para ela, ter-se-á que ter em consideração os actuais conhecimentos que estão disponíveis. Tal como referiram Squire e Kandel, “... a biologia molecular da cognição promete completar o ciclo de unificação da mente à molécula. Na verdade o estudo da Memória é talvez o primeiro caso de um processo cognitivo que se torna acessível à análise molecular” (Squire & Kandel, 2002, p.219). Ou seja, a Cultura terá que ter em consideração que a aquisição do Património pela Memória implica, forçosamente, um ponto de intersecção com o sistema cerebral (cérebro) e com o funcionamento da mente. E que, portanto, a investigação do Património enfrenta na atualidade dois desafios: o que deriva da Filogenia, e o que deriva da Ontogenia. Por um lado, no tempo da evolução ou da diacronia, o estudo comparado dos modos de memorizar entre organismos; por outro, no plano da sincronia, o estudo dos mesmos processos de memorização durante o ciclo de maturação de cada organismo. Depois, será preciso cruzar a ‘abcissa’ do tempo histórico com a ‘ordenada’ da maturação individual, e pôr cada caso no contexto social e cultural onde ocorreram. A passagem do Património para a Memória exige que haja no cérebro, para cada «objecto patrimonial», um determinado número finito de caracteres e sinais que constituirão a sua representação. Mesmo que essas mesmas células sirvam para construir outra configuração e outra memória de outros objetos. E essa representação não é o ‘objeto patrimonial’, é o ‘objeto museológico’. Esta distinção

conceptual entre os dois tipos de ‘objectos’ entre o objecto patrimonial (realidade)

e o objeto museológico (representação) é crucial para o entendimento do património pela antropologia. Porque, todo o trabalho patrimonial está implicado nesta operação de equivalência e de restituição. O ‘objeto museológico’, mais do que a materialidade física do património, é o instrumento da sua transferência para a memória” (Pedro MANUEL-CARDOSO, 2013, “Museologia e Ciência. Campo

Page 21: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

21

Disciplinar e Objeto de Investigação, Contributo para a construção da problemática que contextualiza o campo disciplinar da SocioMuseologia”, pp. 20-21)

iv) Em 2010 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“(….) A descoberta da “Estrutura da Relevância” ou “Estrutura do Valor Patrimonial” permite perceber que existe uma «estrutura de codificação do que é Património» com estabilidade mnésica. E independente quer do arbítrio individual quer dos contextos sociais (ideológicos ou históricos). Uma codificação que não é a única a nível do comportamento social humano. Aliás, o que especifica o ser humano em relação às outras espécies é, mais do que qualquer outra capacidade, a maior competência para ‘pôr a realidade em código’. Quase todos, senão a totalidade dos comportamentos humanos em sociedade, estão submetidos a uma codificação. Desde as posturas gestuais, à expressão das emoções básicas, á linguagem em geral, até aos códigos culturais particulares. Portanto, existir uma codificação a nível do Património, e dos

valores patrimoniais do que se deve transmitir de vital ou pertinente para as

gerações seguintes não é um caso para estranhar. Estranho seria não existir esta codificação também no domínio do Património.

É a existência desta codificação intermédia que se interpõe entre o

«indivíduo» e a «sociedade» que evita a perda «do que é crucial e do que tem valor patrimonial». E os preserva da instabilidade provocada pelos efeitos da diversidade social ou da alteridade individual. Uma instabilidade que Philippe Descola chamou a atenção no seu estudo sobre os Índios Jivaros da Amazónia,

"Poucos Achuar conhecem o nome de seus bisavós, e essa memória da tribo, que ronda no máximo quatro gerações, será engolida periodicamente na confusão ou no esquecimento. As inimizades ou as alianças que herdaram dos seus pais apagam as mais antigas que os seus bisavós tinham estabelecido, porque nenhum dos memoralistas se dá ao trabalho de remomerar os altos feitos realizados há decénios por aqueles cujo nome já não evoca nada a ninguém nesse presente. Para além dos rios e espaços fugazes em renovação permanente, não há lugar a outra qualquer enunciação. Os locais de habitação são transitórios, raramente ocuparam mais de quinze anos antes de desaparecerem novamente sob a floresta conquistadora, e mesmo a recordação de uma clareira desvanece com a morte de quem a tinha desmatado." (Descola, 1993, p.83).

Mas Dan Sperber contrapõe. Afirmando que, apesar dessa instabilidade, há simultaneamente nessa mesma sociedade uma outra transmissão mais estável e durável.

"Todavia, mesmo entre esses Jivaros, por exemplo, determinadas representações, mitos e saberes-fazer permanecem relativamente estáveis através de múltiplas transmissões e, podem, mesmo com alguma variação, ser partilhadas por todo um grupo social durante séculos." (Sperber, 2006, p.81). Reclamando que, mesmo nas «sociedades sem escrita», onde somente os indivíduos que participavam nas cerimónias públicas (“représentations publiques”) recebiam as mensagens dos outros indivíduos, não havendo outro modo de obter a transmissão ou de pôr em rede a memória do passado, mesmo nessas sociedades, existia a necessidade dessa transmissão mais estável e durável: "A estabilização de uma memória coletiva a longo prazo continua a ser, nestas circunstâncias, uma espécie de proeza colectiva pelo que é ingénuo acreditar que em todas as sociedades a tradição por transmissão oral se faz do mesmo modo e no mesmo grau". (Sperber, 2006, p.81). Sperber reclama a existência dessa transmissão mais estável e durável, e mostra exemplos dela. Chegando mesmo a chamar ‘Cultura’ a essa parte mais estável da transmissão das memórias por uma sociedade: "As representações que são transmitidas de geração para geração, ou distribuídas por uma população inteira, são esta parte relativamente estável da memória distribuída a que chamamos Cultura." (Sperber, 2006, p.81).

Mas até ao momento da descoberta da “Estrutura do Valor Patrimonial” esta transmissão mais durável era um fenómeno apenas difuso e genérico. Um comportamento com objetividade empírica e sustentado em múltiplos exemplos empíricos, mas apenas feito deles em avulso. A “Estrutura do Valor Patrimonial” introduz um facto novo nesse estado-da-arte. Mostra uma estrutura de codificação que organiza e dá estabilidade a algumas dessas memórias que se transmitem a médio e longo prazo. Essas memórias que Sperber afirmava existirem paralelamente àquelas que se perdiam pelo esquecimento, e que Philippe Descola chamava a atenção, deixam de ser apenas uma soma de exemplos dispersos. Com a da “Estrutura do Valor Patrimonial” a pertinência e a seleção convergem para uma estrutura que se mantém estável e independente.

Com a descoberta da “Estrutura do Valor Patrimonial” ficámos a saber que a famosa “memória coletiva” de Maurice Halbwachs não é, nem exclusivamente social (como defendiam Durkheim, Mauss ou o funcionalismo de Mallinowski, e por aí adiante até ao sociologismo em museologia), nem exclusivamente individual (como defendiam o estruturalismo de Lévi-Strauss ou o geneticismo de N. Chomsky, e por aí adiante até á bio-museologia). Entre a ditadura do “facto social total” e a ditadura das “regras inconscientes“ (que tornavam o indivíduo num mero bricolador, não podendo escapar ao destino de mero permutador ou comutador dessas instruções genéticas) surge uma terceira realidade. Uma fenomenologia construída pela acção do indivíduo,

Page 22: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

22

que influencia e manipula aquelas duas ditaduras, e que aumenta de poder à medida que a sua cognição se complexifica. Uma estrutura de codificação do que é patrimonial, capaz de organizar e dar estabilidade aos valores patrimoniais escolhidos pelo individuo, e funcionando por transmissão e por aprendizagem até obter um automatismo suficientemente independente quer da materialidade do que é escolhido, quer do contexto social. A Estrutura do Valor Patrimonial tem uma existência independente de cada indivíduo isolado e de cada sociedade particular. Portanto, também de cada tempo histórico datado.” (Pedro MANUEL-CARDOSO, 2010, “O Património perante o Desenvolvimento”, Lisboa: ULHT, pp. 116-117)

23

EVIDÊNCIA

O resultado de cada acto de percepção i) “Nada é menos Evidente do que a Evidência” (F. Gil, 1996) ii) (….) “Nada é menos Evidente do que a Evidência. Graças a que poder uma proposição, um ritual, uma profecia, certas instituições do direito arcaico afirmam, sem mais preocupações de prova, a sua verdade ? (….) A questão «cartesiana» do signo – o índex sui et veri – e a questão «husserliana» do preenchimento procedem de um fundo comum.” (….) Tentou-se uma dedução da Evidência a partir da experiência sensorial e da língua que a descreve. A Evidência remete para uma esfera arcaica da representação, o seu operador é uma «alucinação» que tem mais que ver com o registo simbólico do que com a figura clínica. Este estudo situa-se na linha de Freud e de Husserl: a alucinação originária está em consonância com um pensamento da Evidência que tem por modelo «o existente absoluto». (….) Uma epistemologia da Evidência deverá mostrar de que modo ela joga nos saberes científicos (….) Eis o ponto de partida desta investigação. O discurso da Evidência constitui um corpus que, de Ockham a Husserl, revela uma unidade.” (….) A Evidência do raciocínio – versão fraca do em pessoa-aí no modo de uma identidade que a demonstração transfere de um termo para o termo seguinte – pertence a uma epistemologia. É pela sua própria singularidade que o existente individual contribui para a Evidência, a apodicticidade exclui o ser-de-outra-maneira, Husserl explicou-o, tal como Wittgenstein, que reúne adequação e apodicticidade no preenchimento da expectativa. O seu modelo é o ajustamento [o conceito de adaptação, diria eu PM-C] – contínuo – de um cilindro a uma câmara cilíndrica, a sua figura simétrica o espaço vazio, o jogo não determinado, arquétipo (Urbild) da insatisfação (Unbefriedigung). Wittgenstein emprega as mesmas palavras que Husserl e Kant, o Ideal da razão pura é a linguagem da Evidência. A relação entre a expectativa e a satisfação é interna, existe apenas um tipo de satisfação para cada expectativa: «que um acontecimento reduza ao silencia o meu desejo, não significa que o satisfaça (erfüllt)». Wittgenstein joga no mesmo registo que Husserl. O Urbild (arquétipo) da satisfação reencontra a Urdoxa, o preenchimento sempre adquirido da alucinação existente. Adequação e contentamento, realização e expectativa, apodicticidade da determinação única aí se encontram preconstituídos.” (p.264) (Fernando GIL, 1996, “Tratado da Evidência”, col. Séries Universitárias – Estudos Gerais, Lisboa: IN-CM). iii) “As nossas Coleções não nos mostram a realidade exterior; mostram-nos apenas a imagem de nós mesmos … para Pitt Rivers, como para todos nós, o vidro de uma vitrina apresenta simultaneamente uma visão transparente e um reflexo da nossa própria face [do nosso modo de a ver].” (Susan Pearce, 1996, pp.150-151). iv) “The list, which in previous installations served as evidence of an ethnographic method which makes art of other people’s lives, emerges in Birthday Ceremony as the technique of situating the ethnographic. Etched into the glass of each cabinet, the list holds our attention and draws us further into the small world contained within. And suddenly, as if by chance, we see that what we thought was an artwork – designed as installation for and within the abstract context of the gallery environment – is in fact «the living person personified». As it finds its subject in objects turned art, ethnography may never be the same again.” (Susanne Kuchler, 2000, p.108).

Page 23: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

23

24 EVOLUÇÃO (perspetiva Positivista e Realista influenciada pelo argumento de C. Darwin/A.R. Wallace)

Uma teoria e uma perspetiva sobre o modo como se processa a Mudança e a Transformação i) Conjunto de Teorias sobre as características (morfológicas, fisiológicas e comportamentais) que se vão transformando em função do modo como os seres vivos (e populações) se vão adaptando de geração em geração aos desafios e constrangimentos daquilo que os/as rodeia (realidade, contexto, ambiente, natureza, universo, mundo, existência). ii) A atual definição de Vida, definida pelo Positivismo/Realismo, está baseada no argumento Evolucionista de C. Darwin/A.R. Wallace e na tradição aristotélica (teleonomia) e kantiana (forma especial de organização dotada de uma finalidade):

- “…um sistema químico autónomo capaz de seguir uma evolução darwiniana”

(in Yves SCIAMA & Mathilde FONTEZ, “De la Vie au cœur de la Terre: la quête des origines relancée”, Science & Vie, Août 2013, pp.46-65). - [.…] “a criação de seres vivos ocorreu a partir de matéria inerte através de processos de auto-catálise (moléculas com a capacidade de criarem cópias de si mesmas) e de processos de auto-organização (moléculas com a capacidade de criarem espontaneamente estruturas mais complexas a partir de estruturas mais simples)” [….] “a evolução química (aparecimento de novas espécies de moléculas por via química) segue o mesmo padrão do que a evolução biológica (organismos que se reproduzem sexualmente, por meiose)” (Otto Sijbren, Universidade de Groningen, no artigo publicado na revista Nature Chimestry, em 4jan2016). - “Em 1790, Emmanuel Kant formulou a primeira concepção moderna de Vida, ao propor que por «essência» se entendesse «uma forma especial de organização dotada de uma finalidade”. In ”Les Origines de la Vie”, Les Dossiers de La Recherche, 2013 mars, p.18. - Nesta perspetiva Positivista e Realista as cinco condições necessárias para o aparecimento de Vida na Terra:

1) Materiais orgânicos e minerais; 2) Reações entre eles; 3) Compartimentação/ Fronteira; 4) Informação; 5) Um modo efetivo de a informação se transmitir.

iii) É o próprio Charles Darwin a reconhecer que o Evolucionismo que propôs é um “argumento”:

“Alguns dos meus críticos dizem : «É um bom observador, mas não consegue raciocinar». Duvido, na medida em que a Origem das Espécies não é senão uma longa argumentação do princípio ao fim, e conseguiu convencer mais do que uma pessoa competente.” (Charles Darwin, 1887, Autobiographie, in René Girard (2004), “Les Origines de la Culture“, Paris: Desclée de Brouwer, p.7).

iv) A Teoria Evolucionista de Darwin/Wallace explica a Mudança e a Origem da Vida do seguinte modo:

“1. Não há duas criaturas (“seres vivos”; “formas de Vida”) completamente iguais; 2. As criaturas têm a capacidade de se multiplicar exponencialmente [mas, de onde vem, e quem ou o quê dá a ordem/instrução para se duplicarem exponencialmente? Vem do It ou do Bit?]. 3. O que impede e limita essa possibilidade reprodutiva? 4. Todas as criaturas lutam pela sua sobrevivência e reprodução [isto é, transmissão à descendência do património codificado no ADN], mas muitas falham; 5. Porque há criaturas que têm maior probabilidade de serem bem-sucedidas na reprodução do que outras? 6. As criaturas que nasceram com uma vantagem adaptativa têm maiores probabilidades de se reproduzir; 7. Os progenitores transmitem as suas características vantajosas à descendência. 8. “À preservação de variações favoráveis, e purga de variações lesivas, eu chamo Seleção Natural” (C. Darwin); 9. A “Evolução Biológica” significa “Descendência com modificações”. A “acumulação de pequenas modificações que

Page 24: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

24

ocorrem à medida que se prolonga e sucede a cadeia de transmissão de pais para filhos”; 10. Dentro de cada célula humana existem moléculas que contêm um código químico a que chamamos ADN; 11. Cada ADN não é um esquema ou uma forma pré-definida, mas uma espécie de receita (instrução) que serve para guiar o processo de síntese das proteínas, cujo resultado final será sempre diferente em pormenores mas estruturalmente idêntico, fixo e estável.” (LOXTON, Daniel (2009), “Evolution”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa).

v) Na atualidade (por exemplo em Scientific American, march2013, “Evolution of Creativity: the rise of the innovative mind”) os fenómenos de simbiose, miscigenação, parasitagem colocam alguns problemas à explicação darwinista. Em 1979, Gregory Bateson, em “Mind and Nature” definiu “Co-Evolução” do seguinte modo: “Um sistema estocástico de alteração evolucionária em que duas ou mais espécies inter-actuam de maneira a que as alterações na espécie A preparem o caminho para a Seleção Natural de alterações na espécie B. Por sua vez, as alterações posteriores na espécie B, preparam caminho para a seleção de alterações semelhantes na espécie A.” (G. Bateson, 1987, Natureza e Espírito, Lisboa, Dom Quixote, pp.197).

“Pensava dentro de outras cabeças, e na sua, outras cabeças pensavam. É este o verdadeiro pensamento.” (B. Brecht in Augé & Colleyn, 2007, p.86). “(…) we daily take the ideas of others and pu tour own twist on them, adding one modification after another, until we end up with something new and very complex (…) such technological achievements arise from the creative insights of generations of inventors (…) the ability to pass on knowledge from one individual to another (…) worked collaboratively – talking among themselves, offering encouragement and showing one another the right way to do things (…) equipped with these social skills and cognitive abilities, our ancestors could readily transmit knowledge to others – a key prerequisite for cultural ratcheting (…) ratcheting process and push H. sapiens to new creative heights in Africa some 90,000 to 60,000 years ago and in Europe 40,000 years ago (…) large connected populations who can ‘infect’ one another” (Heather Pringle, march2013, Scientific American, pp. 28-29)… “It’s not how smart you are. It’s how well connected you are” (Mark Thomas, University College London, march2013, Scientific American, p. 28) Porém, «quem somos Nós?»:

“Só através do outro de si mesmo se pode ter o si mesmo…. Com esta estrutura do duplo que liga o portador do papel à figura do papel, acreditamos ter encontrado uma constante. A estrutura do duplo (Döppelganger) torna possível toda a auto-compreensão.” (Helmuth Plessner, 1928).

“Conhecer é ser capaz de dizer pelas suas próprias palavras” (P. Valéry, 1937).

“Je suis un Outre” (Brecht).

“Compreender um texto é encadear um novo discurso no discurso do texto” (P. Ricoeur)

“(…) Ethics is figured as a process of becoming-with constitutive others” (Sarah Kember, 2014). “O Outro é um heterónimo do Mesmo” (Pedro Manuel-Cardoso, 2006, “A Ignominia do Outro”, Lisboa: IGAC).

vi) Em 2016, na Conferência proferida na Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, Pedro Manuel-Cardoso escreveu: - “Porém, chama-se a atenção para o facto de na atualidade, com a capacidade de introduzir alterações no ADN, o mecanismo da Adaptação deixa de servir para selecionar a Decisão (pois a duplicação deixa de estar totalmente condicionada pela reprodução sexual; ou subordinada ao processo biológico designado “female’s choice”; e até ser feita por seres humanos que não possuem “características naturais mais vantajosas” de Adaptação a um Ambiente/Ecologia). Logo, a questão que esta Conferência coloca é a do critério dessa Decisão (Seleção Artificial versus Seleção Natural). Vem agora de onde e de quem? Para quê? O estudo do Património permitiu descobrir uma codificação que guia a capacidade de Decidir «o que é relevante para ser transmitido e passado às gerações vindouras», a que chamámos “Estrutura da Relevância” ou “Estrutura do Valor Patrimonial” (P. Manuel-Cardoso,

Page 25: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

25

2008/2010) …. Esse é um dado novo que a Patrimologia considera e releva. vii) Em 2012 Pedro Manuel-Cardoso perguntou: “Será inevitável uma quarta variável na teoria neo-darwiniana da evolução? Como explicar a passagem da Seleção para a Variação sem esta 4ª Variável? Seleção Artificial será o mesmo que Transformação? Qual a interferência da cognição nesta passagem, desde o ADN e dos Eucariotes?”

Transformação (Seleção Artificial?)

Seleção Natural

Adaptação

Variação

viii) Transformação no sentido aristotélico expresso na Categoria 67 (Aristóteles, Categorias). Uma capacidade Transformativa de re-criação e re-codificação visível, por exemplo, em 2016, com o CRISPR/Cas9. Ou seja, uma técnica de sequenciar (cortar e colar) o genoma descoberta em 2012 por Jennifer DOUDNA & Emmanuelle CHARPENTIER. [Ver também: TRAVIS, John (2015), “Making the cut”, Science, 18December2015, vol.350, nº6267, pp.1456-1457 (DOI: 10.1126/science.350.6267.1456). Science’s 2015 Breakthrough of the Year. Ver ainda: NAU, Jean-Yves (2015) Maintenant que les Chinois peuvent modifier génétiquement les humains, si on appuyait sur «pause» pour réfléchir un peu ? In slate.fr, 17mai2015. Ver projeto comercial “ReAnima” da «Bioquark Inc.», Mellon Center, Philadelphia (USA)]. ix) Os Níveis de Complexidade para que tende o Agir/Comportamento Humano não é uma questão de “culturalizar a Natureza” ou de “naturalizar a Cultura” como dizem D. Sperber, B. Latour, P. Descola, T. Ingold, e outros. É uma questão de algo (talvez até com um corpo próprio) que germina em todas as formas de Vida e de Objetos, e que encontra em cada diferente corpo/espécie/sistema um limite e uma possibilidade para desenvolver essa complexidade intrínseca, latente, ou potencial. Um desenvolvimento que é feito através da transformação (re-criação) física da Natureza (Realidade, Contexto/Ecologia). Um processo de transformação que tende para níveis de complexidade. Provavelmente latente em todas as espécies de corpos/seres ditos Vivos/Vida (ou até mesmo em Objetos, já que no seu seio a Física não é nada de «inerte», e há até codificações e organização nessas escalas das partículas sub-atómicas), desenvolvendo-se nos que não impedem essa evolução/reação. Sobre essa força latente [vulgarmente designada por «pulsão», «motivação», «impulso», ou «capacidade cognitiva» (o que talvez seja um modo antropocêntrico e redutor de interpretar o fenómeno)] Charles Sanders Peirce disse: “(….) a mente é um instrumento que organiza o mundo de acordo com as suas próprias necessidades e desejos” (C. S. Peirce, 1960, “Collected Papers”, V: ¶375, Charles Hartshore & Paul Weiss (orgs.), Cambridge (Mass.): Harvard University Press, in Manuel Frias MARTINS, 1995, “Matéria Negra: Uma Teoria da Literatura e da Crítica Literária”, 2.ª edição revista, Col. Cosmos-Literatura, Lisboa: Edições Cosmos, pág. 256). A preocupação com estes Níveis pode ser observada em vários autores desde o início do pensamento humano [ver neste Léxico em «AGIR HUMANO (Níveis e

Tipos)»].

Page 26: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

26

25

EXPOGRAFIA

Modo(s) de conceber, realizar, estudar e avaliar a(s) Exposição

26

EXPOSIÇÃO

Modo de usar o(s) Objeto com a finalidade de o apresentar, comunicar, partilhar, conhecer ou fruir

27

FENOMENOLOGIA

A crença de que os Objetos não podem ser compreendidos e percebidos de modo independente ou fora dos limites perceptivos e cognitivos específicos do Ser-Humano i) Fenomenologia é a crença de que os Objetos não podem ser compreendidos e percebidos de modo independente ou fora dos limites perceptivos e cognitivos específicos do Ser-Humano.

“Reality only exists for us in the facts of consciousness given by inner experience” (Dilthey, 1976). “A experiência não é atributo do ser mas do pensar, não se alcança pela multiplicidade sucessiva, mas pela interioridade unitiva” (José Marinho, 1931)

ii) “O resultado(s) idêntico de uma verificação/experiência repetida, seja quantas vezes forem, não é a explicação desse resultado, nem a certeza definitiva ou absoluta de que ele não mudará” (Pedro Manuel-Cardoso, 2008)

28

FEROMICIDADE, ODORIDADE, GUSTATIVIDADE

Modo de codificar a Realidade/Existência através do sistema perceptivo feromonal-gustativo; e, simultaneamente, a sua interpretação e compreensão através de categorias analíticas (Perspetiva Feromonal-Gustativa da Realidade/Existência). A estas Codificações (Factos e Objetos feromonais-gustativos / odor-gosto) e às respetivas categorias analíticas derivadas do esforço de compreensão correspondem Objetos Patrimoniais

i) O Património humano dos gostos e dos odores, isto é, daqueles que são considerados Relevantes, expressa-se em todas as culturas e grupos étnicos. E são comportamentos humanos que podem ser analisados e interpretados através da categoria analítica da feromicidade, a qual remete para a modalidade da percepção do sistema gosto-odor (James Gibson, 1966).

29

GESTÃO DO PATRIMÓNIO

Acto e Método de gerir o Património, e de avaliar e comparar os Resultados i) A Gestão do Património pela Patrimologia faz-se e avalia-se através da Equação designada por IGP, acrónimo de Índice de Avaliação do Trabalho de Gestão do Património (Objetos Patrimoniais):

IGPƒx: ip+id+ic ir+it i = índice p = preservar

Page 27: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

27

d = documentar/codificar c = comunicar r = reconstituir t = transmitir

ii) Esta equação ou Índice avalia e compara, de modo quantificado, os resultados da Gestão do Património (Objetos Patrimoniais). Quer ela se faça num museu, arquivo, biblioteca, monumento, palácio, documentário, sítio de interpretação, lugar de memória, parque temático, ao ar livre ou fechado numa reserva, in-situ ou ex-situ, num dispositivo de armazenamento digital, ou numa base-de-dados, e outros suportes e infraestruturas.

Índice de Avaliação do Trabalho de Gestão do Património em Patrimologia

IGPƒx:

Ip preserva

r

+ Id documentar

+ Ic comunicar

Ir reconstituir

+ It transmitir

I = Índice p = preservar d = documentar/codificar c = comunicar r = reconstituir/restituir t = transmitir

30

GESTUALIDADE, ICONICIDADE, MOTRICIDADE

Modo de codificar a Realidade/Existência através do sistema perceptivo corporal-gestual; e, simultaneamente, a sua interpretação e compreensão através de categorias analíticas (Perspetiva Gestual e Icónica da Realidade/Existência). A estas Codificações (Factos e Objetos corporais, biomecânicos, gestuais, quinésicos, proxémicos, cosméticos, ornamentais, vestimentares) e às respetivas categorias analíticas derivadas do esforço de compreensão correspondem Objetos Patrimoniais i) “Over the past three decades there has been a growing recognition that the study of GESTURE --- visible bodily action that plays a role in explicit communication --- promises to throw much light on a range of issues that are central for any understanding of language (broadly conceived), and for an understanding of communication processes in human interaction” (Müller, C., Freie Universităt Berlin, 2004). ii) “The discovery of the importance of non-verbal communication has transformed the study of human social behaviour” (Argyle, M., Cambridge University, Mass., USA, 1979) iii) Em 1993 Pedro Manuel-Cardoso e Maria Isabel Tristany fundaram o Museu da Gestualidade (Escritura Notarial em 24/09/1993; Publicado no Diário da República, III.ª série, n.º 68, de 22/03/1994). E em 2013 obtiveram os Direitos-de-Autor do “Museu da Gestualidade: Projeto de investigação e de musealização dos comportamentos humanos gestuais utilizados na comunicação e na poïesis” (Registo n.º 2101/2013, 11/03/2013 IGAC). iv) Pedro Manuel-Cardoso e Maria Isabel Tristany escreveram nesse Documento de 2013:

“A Gestualidade, a acreditar no testemunho da evidência empírica mais imediata, é vivida e apresentada como sendo «natural». Porém, num segundo momento é possível verificar que constitui um «produto cultural» — uma espécie de «artefacto» usado pela comunicação humana — encerrando uma dimensão ritualizada transmitida de geração

Page 28: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

28

em geração pela aprendizagem. Variando com o local, a idade, o género, o momento, a circunstância, o estatuto, o papel, a etnia, a época, a cultura, o poder, e a ideologia. E constituindo um dos principais instrumentos da construção cultural das «relações sociais», sobretudo naquelas onde o «corpo» dos indivíduos não pode deixar de estar presente, ou onde a «imagem do corpo» se torna imprescindível à relação e à comunicação. Mesmo em toda a Cultura Material, em quaisquer objetos ou obras feitas pelo ser humano, aí onde o fazer (poïesis) parece ocupar o lugar de preponderância, é possível encontrar o rasto da gestualidade. Razão pela qual Leroi-Gourhan afirmou em 1965: “o objecto só tem existência no gesto que o torna tecnicamente eficaz” (Leroi-Gourhan, 1965/1983:33); afirmação que sucedeu à de Marcel Mauss em 1932: “o corpo é o primeiro e o principal utensílio do ser humano”. Que remontam à primeira definição de gestualidade conhecida, escrita por Hugues de Saint-Victor em 1130, no capítulo XII da obra “De Institutione Novitiarum”: “gestus est motus et figuratio membrorum corporis ad omne habendi et agendi modum”. Exatamente porque, como refere J.-C. Schmitt em 1990, é a primeira que distingue conceptualmente o “motus” e o “figuratio” do “gestus” (Schmitt, 1990:177).

Este segundo nível de compreensão conduz à constatação de que no percurso histórico de todas as sociedades existe um modo peculiar de, com ela, se construírem as interações sociais. E de que só muito recentemente, na segunda metade do século XX, se passou a ter um conhecimento sistemático sobre o sistema de modalidades gestuais (quinésico, táctil, proxémico, para-linguístico, prosódico, ou iconológico) utilizado nessas situações interativas e comunicativas. Esse sistema gestual exprime, de maneira objetiva, o modo como cada sociedade entra em contacto consigo mesma e com o exterior de si própria.

Porém, ainda existe um problema que pode conduzir a um terceiro nível de compreensão da gestualidade humana. E que justifica este projeto de investigação e de musealização designado por MUSEU DA GESTUALIDADE, e proposto por Maria Isabel Tristany e Pedro Manuel-Cardoso. Concretamente, se se utilizar o método comparativo, e não se fechar a observação empírica apenas em cada uma dessas conjunturas socio-históricas, é possível constatar que a gestualidade é-lhes perene e transversal. Verificamos que há nela uma resiliência que se contrapõe ao seu aparente relativismo, e não se desfaz na heteroclicidade das suas múltiplas modalidades.

A gestualidade humana apesar de ser tão evanescente como uma imagem é tão dura como as pedras de um monumento, e tão permanente como a materialidade de um fóssil. Por detrás da sua aparente efemeridade, protegida pela frequência de uso, desvalorizada pela proximidade, escondida pela preponderância das interpretações sociológicas e históricas, existe uma codificação na mnése (representação) muito mais perene do que a perceção deixa entrever. Ou seja, não é apenas um processo social. É uma codificação anterior a Homo sapiens sapiens, que terá ajudado a edificar a própria linguagem. Verificamos que desde Charles Sanders Peirce (1883) [«índice-ícone-símbolo»] e Paul Grice (1967) [nas Lições em Homenagem a William James em Harvard] até à hipótese de Wynn & Coolidge (2010), e aos resultados de Erik Kandel (2001, 2012), e outros mais recentes sobre a memória e a biologia molecular da cognição, medeia um percurso em que a codificação de formas visuais veiculadas pelo suporte gestual foi imprescindível à evolução da linguagem, e à própria construção do psiquismo humano.

Essa etno-géstica é de primordial importância, não apenas para o estabelecimento concreto das relações sociais no contexto da função de «comunicação», mas também crucial para «o fazer», no sentido etimológico de «transformar ou criar» do grego antigo poïesis (ποίησις). Ernst Mayr afirmaria em 2001: “And it is precisely this kind of

behavior performed without any noticeable costs that is not very important for the cohesion of a social group but that also forms a bridge to strictly defined altruism.” (Mayr, 2001:257).

Durante muito tempo em ciências sociais e humanas (antropologia,

sociologia) prevaleceria a tese de que a linguagem teria sido uma invenção humana, tal como a “técnica”, a arte, ou mais tarde a escrita. A linguagem teria sido um produto social (Lévi-Strauss, 1970), cuja origem deveria ser procurada na lógica e nos fundamentos da organização social, e não tanto nas capacidades de um cérebro individual. Esta tese culturalista seria recentemente atualizada por William Noble e Lain Davidson (1996). Todavia Steven Pinker, dando continuidade à perspectiva inatista de N. Chomsky, haveria de apresentar uma tese contra-intuitiva na qual a linguagem teria tido origem numa capacidade “biologicamente programada”(1994). Este impasse entre as teses culturalistas e as teses inatistas manteve-se sem solução até à actualidade. Merlim Donald (1997) proporia a hipótese de uma origem mimética da linguagem que se teria desenvolvido desde Australopitecus. Michael C. Corballis (2001), da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), proporia a tese de uma origem gestual da linguagem, que teria sido já utilizada em Homo erectus. O linguista Derek Bickertom (1997) proporia, também desde Homo erectus, a tese da existência de uma espécie de protolinguagem que teria sido a fôrma que teria moldado a linguagem actual. Terrence Deacon (1997) proporia uma tese intermédia, segundo a qual algures durante o processo de hominização teria ocorrido um processo de coevolução da linguagem e do cérebro. Em 2001, Laura Petitto e os seus colegas da Universidade Mcgill em Montreal (Canadá) mostraram por “imagens cerebrais”, utilizando as técnicas PET (tomografia por emissão de positrões), que as zonas que se acreditava estarem apenas especializadas no processamento auditivo da linguagem (sons) também se ativavam quando os surdos-mudos comunicavam por “gestos”. Duas interpretações passaram a

Page 29: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

29

poder ser deduzidas destes resultados: Ou as capacidades de processamento da linguagem eram independentes do canal sensorial, confirmando no cérebro uma estrutura inata propriamente linguística. Ou, ao invés, o cérebro seria especializado no “tratamento de imagens complexas”, quer fossem construídas através de sons ou através de gestos.

A confirmar-se esta última hipótese, não apenas a “linguagem verbal” mas também a “linguagem não-verbal” poderiam estar ambas implicadas no processo de “dupla articulação” característico da linguagem e da comunicação humana. Este contributo seria decisivo para a revalorização da importância das investigações em gestualidade e comunicação não-verbal. Pois sugere que a função do cérebro na comunicação possa ser a de utilizar quaisquer fragmentos (sejam gestos ou sons) que lhe permitam construir representações (imagens ou formas), para depois poder associá-las a um sentido/significado aprendido (socialmente pertinente). É por essa razão que esse resultado é decisivo para justificar a pertinência deste projeto de investigação. Porque passam a faltar investigações que possam indicar de que modo esse entrecruzamento se realizará. Assim, o contributo deste trabalho adviria de investigar, numa amostra e num contexto interativo bem delimitados (“dar início” e “pôr fim” às relações interindividuais), e em confronto com as variáveis género, idade e grau de descontinuidade física da inter-relação, quais e como seriam as configurações gestuais escolhidas socialmente para se tornarem “unidades elementares” constitutivas do processo de comunicação.

A musealização da gestualidade proporcionaria um espaço de criação e

fruição cultural aberto à comunidade, que teria por objetivos: i) Permitir investigar, recolher, preservar e divulgar de modo sistemático as modalidades gestuais e não-verbais produzidas pela comunidade procurando transformá-las em Património. Procurando metodicamente a parte da identidade que se exprime e reflete na sua gestualidade. ii) Depois, contribuir para a salvaguarda desse Património tão efémero quanto esquecido, talvez por não ter a imponência dos monumentos nem a materialidade dos objetos Mas que vai, afinal, sedimentando as experiências concretas da vida, e ocupa, tanto como qualquer outro património, os lugares da Memória. Nada que não tenha sido reclamado há mais de seis décadas por Claude Lévi-Strauss, mas nunca concretizado:

“O conhecimento das modalidades de utilização do corpo humano seria, portanto, particularmente necessário numa época em que o desenvolvimento dos meios mecânicos à disposição do Homem tende a desviá-lo do exercício e da aplicação dos meios corporais, salvo no domínio do desporto, que é uma parte importante, mas apenas uma parte, das condutas consideradas por Marcel Mauss, e aliás variável conforme os grupos. Almejaríamos que uma organização internacional como a UNESCO se propusesse à realização do programa traçado por Mauss. Uns Arquivos Internacionais das Técnicas Corporais... (esse inventário representaria)... uma obra verdadeiramente internacional, pois não existe no Mundo um único grupo humano que não pudesse dar a esta iniciativa um contributo original. Ademais, trata-se aqui de um património comum e imediatamente acessível a toda a humanidade; de um património cuja origem repousa no fundo dos milénios, cujo valor prático permanece e permanecerá sempre actual, por ter a forma de experiências vividas, permitindo que cada ser humano se torne sensível à solidariedade ao mesmo tempo intelectual e física, que o une a toda a humanidade. A empresa seria altamente capaz de enfrentar os preconceitos de raça, pois, diante das concepções que querem ver no Homem um produto do seu corpo, mostraria, ao contrário, que é o Homem, sempre e em toda a parte, que soube fazer do seu corpo um produto das suas técnicas e das suas representações.” (C. Lévi-Strauss in “Introdução à obra de Marcel Mauss, 1950). Considerando que a gestualidade constitui um elemento estruturante do

Património agora dito “imaterial ou intangível”, possuindo uma história e um legado próprio. E no reconhecimento de que a realidade museológica nacional no domínio da gestualidade requer um conjunto de intervenções normalizadoras urgentes.

Tendo em consideração que o diagnóstico da situação atual revela que o património referente à realidade gestual não está constituído. E que, por falta de um projeto específico neste domínio, muitas informações e documentos que nos poderiam permitir reconstituir o percurso da sua memória estão a desaparecer. Sobretudo porque não são captados sob a direção de um projeto científico e museológico consistente. Mas também porque quem nos podia informar, ou quem poderia fornecer relatos e depoimentos vividos e credíveis, também começa infelizmente a rarear. O que nos alerta para o caracter urgente deste trabalho, a fim de evitar que se perca hoje aquilo que amanhã será impossível recuperar.

Tendo em consideração que a Câmara Municipal de Lisboa poderia contribuir decisivamente, e de modo pioneiro, para a concretização deste objetivo de política museológica e patrimonial. Ainda que pudesse ser exigida, eventualmente, a colaboração de uma pluralidade de competências distribuídas transversalmente pelos diversos serviços da Câmara Municipal de Lisboa.

Atendendo a que este Projeto “Arte & Gesto” poderia potenciar um trabalho que desse a conhecer a história e o património da gestualidade em Lisboa, no

Page 30: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

30

seguimento das recentes orientações enunciadas pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), veiculadas na Declaração de Shanghai do ICOMOS (2002), e corroboradas pela UNESCO na 32.ª Conferência Geral realizada em Outubro de 2003.

31

HAPTICIDADE, SENSITIVIDADE, CONTACTO

Modo de codificar a Realidade/Existência através do sistema perceptivo háptico-sensitivo; e, simultaneamente, a sua interpretação e compreensão através de categorias analíticas (Perspetiva Sensitiva da Realidade/Existência). A estas Codificações (Factos e Objetos hápticos e sensitivos) e às respetivas categorias analíticas derivadas do esforço de compreensão correspondem Objetos Patrimoniais i) “Contact: Social animals use signals that serve in some circumstances just to keep members of a group in touch. The habit is particularly well developed in species that move about under conditions of poor visibility. South American tapirs (Tapirus terrestris) use a short «sliding squeal» to stay in touch in the dense vegetation of their rain forest habitat (Hunsaker and Hahn, 1965). The lemurlike sifaka (Propithecus verreauxi) uses a cooing sound for the same purpose (Alison Jolly, 1966). Duetting, during which pairs of animals exchange notes in rapid succession, functions as a contact-maintaining signal. The phenomenon occurs widely in frogs, in birds, and in at least two species of primates, the tree shrew Tupaia palawanensis and the siamang Symphalangus syndactylus (Hooker and Hooker, 1969, Williams et al., 1969; Lamprecht, 1970; Lemon, 1971b). The extraordinary songs of the humpback whale (Megaptera novaeangliae), recently analysed by Payne and McVay (1971), possibly serve to keep members of families or herds in touch, particularly during their long trans-oceanic migrations. Duetting of birds and the whale songs will be discussed in fuller detail later in this chapter.” (Wilson, 1975:203).

32

IDEIA

“A unidade mais pequena do processo mental constituída por uma diferença, ou por uma distinção, ou por sinais de diferença” i) “O conjunto de diferenças-distinções que a cognição humana consegue transformar numa unidade-básica de tipo-lógico diferente do primeiro conjunto, usada como signo/sinal/índice/ícone/símbolo/significante na Comunicação” (Pedro Manuel-Cardoso, Antropologia (Evolução Bio-Socio-Cultural), Universidade Nova de Lisboa, 1988)… “a esse conjunto ou unidade-básica podemos chamar Objeto” (Pedro Manuel-Cardoso, 2008). ii) “A unidade mais pequena do processo mental constituída por uma diferença, ou por uma distinção, ou por sinais de diferença” (G. Bateson, [1979] 1987, Natureza e Espírito, pp.198/199). iii) Em 2010 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

À Complexidade de Chaitin-Kolmogorov também podemos chamar Objeto? Jean-Paul Delahaye, em “Termodinâmica e Informática: uma nova definição de entropia física”, escreveu: ― (…) o conteúdo em informação algorítmica de um Objecto (também chamada Complexidade de Chaitin-Kolmogorov) é o menor Programa possível capaz de ser lido por uma máquina universal (por exemplo, um computador) (Delahaye, 1999, p.70). No mesmo sentido, para Gregory Chaitin, ― (…) compreender alguma coisa significa escrever um «programa» que a capte. Nesta perspectiva, a «simplicidade» pode ser definida como sendo o programa mais pequeno capaz de realizar essa tarefa. A «complexidade», como o número de bits desse programa, ou a quantidade de informação que contém. Definir a «complexidade» de um fenómeno, é encontrar o tamanho da teoria mais simples que o defina, isto é, o tamanho do menor programa que o

consiga calcular.‖ (Chaitin, 2003, pp.35-36).

Page 31: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

31

33 INFORMAÇÃO

“Qualquer diferença que produza uma diferença” i) “Qualquer diferença-distinção que a cognição humana reconheça que produz uma diferença-distinção” (Pedro Manuel-Cardoso, Antropologia (Evolução Bio-Socio-Cultural), Universidade Nova de Lisboa, 1988) … “a essa diferença-distinção podemos chamar Objeto” (Pedro Manuel-Cardoso, 2008). ii) “Qualquer diferença que produza uma diferença” (G. Bateson, [1979] 1987, Natureza e Espírito, p.199)

34

JOGO

“O que permite a Tudo ou ao Mesmo, simultaneamente, Ser e Não-Ser” i) “O que permite a Tudo ou ao Mesmo, simultaneamente, Ser e Não-Ser” (Pedro Manuel-Cardoso, 2015) ii) Em 2008 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“O Jogo, fenómeno oscilatório de simetria isomórfica (isto é: oscilação entre dois pólos/vértices/pontos; ou coisas que sirvam de pólos-limites a uma oscilação, por exemplo: «sim e não», «ser e não-ser», etc.). Ou seja, quebrando a determinação de toda e qualquer Decisão ou Definição/Previsão/Certeza, e com isso abrindo o “programa” (no sentido de E. Mayr). É este Jogo que encontramos nos comportamentos rituais na vida biológica, muito desenvolvido e amplificado no Ser-Humano. Este fenómeno de imitação automática e mimética encontra-se relatado inúmeras vezes na Etnografia Humana. Por exemplo, nas lendas germânicas, o Doppelgänger (doppel: significa duplo, réplica ou duplicata; e gänger: significa andante, ambulante ou aquele que vaga) é um monstro ou ser fantástico que tem o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que ele escolhe ou que passa a acompanhar (como dando uma ideia de que cada pessoa tem o seu próprio). Ele imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo as suas características internas mais profundas. É nesse jogo de imitação, e de oscilação simétrica e isomórfica, que Helmuth Plessner baseia a especificidade antropológica do Ser-Humano (H. PLESSNER. 2003 [1948]. "Zur Anthropologie des Schauspielers" (Antropologia do Actor). Gesammelte Schriften VII. Ausdruck und menschliche Natur. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft). O Jogo provoca o aparecimento de uma entidade de grau superior. A esse grau podemos dar o nome de Interruptor, o qual, depois, a um nível ainda superior, pode adquirir a qualidade de Instrução. O Jogo codifica/constrói um Interruptor. O Jogo (oscilação entre dois pólos; ou coisas que sirvam de pólos-limites a uma oscilação) codifica/constrói um Interruptor (na cognição; no sistema cognitivo, a nível molecular e bioquímico). E abre o “sistema” ou o “programa” a que a ação/comportamento estava submetida, possibilitando um novo desenvolvimento (adaptação/evolução/transformação/mudança). Posteriormente o Interruptor pode transformar-se numa Instrução. Quando passa a regular/dominar um conjunto de ações-matéria-coisas. De tal modo que, empiricamente, esse momento ocorre quando podemos constatar que elas obedecem à ordem contida na Instrução (por exemplo provocando uma determinada: algoritmicidade, encadeado, regularidade, velocidade, duração, gradiente, quantidade, impacto, etc.)… Por exemplo, a instrução «por ordem alfabética» passa a regular todas as palavras de um dicionário, sendo essa instrução feita, à mesma, por palavras. No entanto tem, sobre as outras, esse poder.” (Pedro Manuel-Cardoso, 2008, “Jogo, Ritual, Codificação e Consciência”, Lisboa: IGAC)

iii) Em 2015 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“Para contextualizar o Jogo na Patrimologia, além dos autores referidos na Exposição realizada em 2015 no Museu Nacional do Desporto pela “Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura e Recreio” (concretamente: Luís F.M. Drummond, José Pires Veiga, Mário Cameira Serra, Jorge Crespo, Alexandre Pita Soares, António Cabral, José M. Noronha Feio, Carlos Neto, Olga Vasconcelos, João Amado, Ana F. Piedade Lavado,

Page 32: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

32

Constança Lago Brás, Ana Rosa Jaqueira, Beatriz O. Pereira, Maria da Graça Guedes, Alberto Nídio Silva, Isabel C. Condessa) torna-se necessário considerar: Os estudos sobre Jogos na Antropologia, Arqueologia, Etnografia, História e Matemática; os estudos sobre Play na Etologia; o processo de aparecimento dos primeiros espaços públicos de jogo nos contextos urbanos industrializados, por exemplo nos EUA, os sandgardens” em Boston (1886), em New York a partir de 1889, ou em Chicago em 1903 o “South Park Playgrounds”; Edward Hartwell (1890); Karl GROOS (1898/1902) [“Après toutes les discussions précédents, il est hors de doute que dans toutes ces facultés humaines et animales si importantes dans la lutte pour la vie et la conservation de l’espèce, l’instinct joue un rôle. En outre, et je reviens ici à la conclusion du chapitre premier, il n’y aurait pas de contradiction avec les autres phénomènes de transmission héréditaire, si ces instincts ne se manifestaient qu’à un âge où l’animal en a sérieusement besoin.” (p.66) (….) “Voici venir l’idée qu’il serait possible que la jeunesse fût là pour les jeux. Dans ce cas les animaux ne joueraient pas, comme on disait autrefois, parce qu’ils sont jeunes et gais, il faudrait dire au contraire: les animaux ont une jeunesse pour qu’ils puissent jouer; car, de cette façon seulement, ils peuvent perfectionner à temps, par l’expérience individuelle, les voies héritées et insuffisantes en elles-mêmes afin d’être à la hauteur des tâches de leur vie. Il va sans dire que d’autres raisons encore, entre autres des raisons physiologiques, peuvent exister; mais en tant que la jeunesse a pour but de préparer l’animal aux devoirs de la vie adulte, il faut avant tout songer au jeu. Voici donc, brièvement résumée, mon opinion. Le problème essentiel est, pour nous, celui des jeux de jeunesse. Ceux-ci une fois exactement expliqués, nous n’aurons plus de difficulté pour expliquer ceux des adultes. Les jeux des jeunes animaux sont dus à ce fait que certains instincts très importants se manifestent déja à une époque où l’animal n’en a pas besoin sérieusement. Il est impossible de ramener cette apparition prématurée des instincts à un exercice hérité, parce que la transmisson héréditaire des caractères acquis est très douteuse. Même si celle-ci jouait un rôle quelconque, l’explication par la sélection serait quand même préférable, parce que les jeux ont une utilité incalculable. Cette utilité vient du pré-exercice et de l’entraînement sous forme de jeu aux devoirs importants de la vie. La sélection peut ainsi affaiblir la puissance aveugle des instincts et favoriser, de plus en plus, le développement de l’intelligence individuelle. Une fois que l’intelligence est assez développée pour être plus utile dans la lutte pour la vie que des instincts parfaits, la sélection naturelle favorisera les individus qui possèdent les instincts cités sous une forme moins élaborée, mais se manifestant déjà dans la jeunesse de l’animal sans cause externe sérieuse, uniquement en vue du pré-exercice et de la pratique – c’est-à-dire les animaux qui jouent. Peut-être même pourrait-on dire, pour apprécier comme il convient l’importance biologique des jeux: la jeunesse existe en vue du jeu; les animaux ne jouent pas parce qu’ils sont jeunes, mais ils ont une jeunesse parce qu’ils doivent jouer. En se plaçant à ce point de vue, le mot «instinct du jeu» ne se présent plus à nous comme aussi correct. Il n’existe pas d’instinct général du jeu [cf. Lazarus, Die Reize des Spiels, p.44, s.: “Il nous serait impossible de faire dériver les espèces et les formes du jeu... de l’instict de jeu en soi”]; bien au contraire, des instincts spéciaux se manifestent même là oú ne se présente aucune raison pour leur mise en activité sérieuse; ils se manifestent en vue de l’exercice, plus spécialment du pré-exercice; et ces instincts particuliers se transforment en jeux particuliers. C’est maintenant que se montre à nous le seul point de vue qui satisfasse entièrement quant à la véritable distinction de sérieux et jeu. Jusqu’ici, voici sous quelle forme on a énoncé cette proposition. Le sérieux découle de l’activité de métier, le jeu du libre délassement. Mais c’est beaucoup trop partir de l’homme et même de l’homme adulte; l’enfant est très sérieux quand il joue. «Le jeu est quelque chose de sérieux pour la jeunesse», dit F.-W. Klumpp avec beaucoup de raison. Car le vrai garçon traite son jeu avec une fougue, un abandon de son être entier, supérieures même à celui de l’homme vis-à-vis de ses occupations les plus importantes1 [dans la préface de la 4e éd., de Guts Muths, Spiele zur Uebung und Erholung des Körpers und Geistes]. Et l’enfant joue précisément le mieux avant de se familiariser à l’école avec une activité en quelque sorte professionelle. Une petite fille de trois ans, que j’ai beuacoup observée, jouait d’ordinaire tant qu’elle ne dormait point; même en mangeant, elle devait avoir auprès d’elle sa poupée ou bien il fallait lui raconter des histoires. Le poit qui tranche définitivement l’opposition du sérieux et du jeu est donc celui-ci: lors du jeu les instincts entrent en activité sans motif sérieux.” (p.66) [Karl Groos, 1902, “Les Jeux des Animaux” (traduit de l’allemand par A. Dirr et A. van Gennep). Paris: Félix Alcan, Éditeur, ancienne Librairie Germer Baillière et Cie, Boulevard Saint-Germain, 108, pp.68-70]; Stewart Cullin (1907); Paul C. Phillips (1912); Henry S. Curtis (1915); Joseph Lee (1917); Luther H. Gulick (1920); Clark Hetherington (1925); John von NEUMANN (1928/1944) [O Jogo é “um tipo de conflito em que n dos indivíduos ou grupos (denominados como jogadores) participam. Uma lista das regras estipula as circunstâncias em que o jogo começa, os " movimentos válidos possíveis " em cada estágio do jogo, o número total dos movimentos que constituem o jogo, e os termos do resultado no fim do jogo.” (….) A Teoria dos Jogos é um ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas onde jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu benefício/ganho/proveitos.]; Alexander Lesser (1933); J. Huizinga (1938); L. Wittgenstein (1953); R. Callois (1958); em 1968 é fundado o “Margaret Woodbury Strong Museum of Fascination” que dará origem, em 2010, ao atual “The Strong: National Museum of Play” (Rochester, New York); C. Geertz (1972); Brian Sutton-Smith (1972); Albert Ellis (1973); Association for the Anthropological Study of Play [Alyce Cheska, Edward Norbeck, Michael Salter, Allan Tindall] (1974); a revista “Play & Culture” e o “Journal of Play Theory & Research” (1974); E. Wilson (1975); G. Bateson (1979); C. Pociello (1981); “Musée Suisse du Jeu” (1987, Château de La Tour-de-Peilz); G. Vigarello (1988); R. Schechner (1988); V, Turner (1988); a revista “Play & Culture Studies” (1998); R. Renson (1988); “American Journal of Play” (2008); e muitos outros contributos (Katie Salen, Eric Zimmerman, Greg Costikyan, Clark C. Abt, Elliot Avedon, Dorothy Justus Sluss, Olga Jarrett, Joe L. Frost, Thomas S. Henricks, David Kushner Peggy O’Neill-Wagner, Sue Dockett, Alice Meckley James E. Johnson, Pei-Yu Chang, Sanomi Taylor, Francis Wardle, Deborah W. Tegano, James D. Moran III, Pamela Burnley, Laurelle Phillips James Christie, Doris Bergen, Margie I. Mayfield, Robyn Holmes, Melanie S. MacNeil, Cindy Dell Clark, Adam Eichenbaum, C. Shawn Green, Daphné Bavelier, Sergio M. Pellis, Phillip Prager, Margaret Boden, Mark W. Moffett, Hilary Levey Friedman,

Page 33: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

33

Bernard De Koven, Pat Broadhead, Andy Burt, Shelly McKenzie, Graeme Kirkpatrick). Em Portugal, torna-se necessário considerar vários autores, de Pedro Aloy,

“Recreios Collegiaes” (1882) a Sílvio Lima que, no mesmo ano da obra de J. Huizinga, escreveu “Desporto, Jôgo e Arte” (1938). Em outubro de 1976, Jorge Crespo funda e dirige a revista “Ludens: revista trimestral do Instituto Superior de Educação Física de Lisboa”. Nos anos de 1980 surge o projeto “Museu de Antropologia e História das Actividades Corporais” e “Museu do Jogo” na atual Faculdade de Motricidade Humana (Universidade de Lisboa) por iniciativa de Jorge Crespo, José M. Noronha Feio, Carlos Neto, com a colaboração da antropóloga Maria Isabel Tristany. A ação de várias associações na preservação e divulgação dos “Jogos Tradicionais e Populares”, juntamente com a “Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura e Recreio”. No contexto do Museu Nacional do Desporto, o contributo de Pedro Manuel-Cardoso (“O Jogo no Projeto de Ética Desportiva na Direção Regional de Educação do Algarve”, 1996; “Os Jogos Olímpicos da Antiguidade na génese do conceito moderno de Desporto”, 2003; “Antropologia do Desporto”, 2004; “Contextualização do Jogo no projeto do Museu Nacional do Desporto”, 2008). A influência da “Associação Ludus”, fundada em 27 de junho de 2006 por Ana Simões, José Carlos Quadrado, José Francisco Rodrigues, João Pedro Neto, Jorge Nuno Silva, Henrique Leitão, Luís Saraiva. O Projeto “História dos Jogos em Portugal” financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia no período 2008-2011, do qual resultaram as obras de Fernanda Frazão (“História das Cartas de Jogar em Portugal e da Real Fábrica de Cartas de Lisboa do século XV até à Actualidade”, 2010; “Fontes para a História dos Jogos em Portugal”, 2012); Lídia Fernandes (“Tabuleiros de Jogo Inscritos na Pedra”, 2013). A ação da Editora “Apenas Livros” através de Fernanda Frazão. E considerar os contributos dados a partir do primeiro Seminário sobre “História dos Jogos em Portugal” organizado em 28 de setembro de 2012 pela Universidade de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa [coord. Jorge Nuno Silva, Henrique Leitão, Samuel Gessner, Bernardo Mota], concretamente: Jorge Nuno Silva: “O Livro de Jogos de Afonso X”; Lídia Fernandes: “Tabuleiros de pedra: o estado da arte do projeto «História dos Jogos em Portugal»”; Fernanda Frazão: “Cartas de jogar em Portugal: ponto da situação”; Júlia Anileiro: “A paixão pelos jogos”; João Pedro Neto: “Sistemas de Jogos”; Salete da Ponte: “O lúdico e a educação no Portugal romano”; Paulo Morais: “Torneio de Jogos Romanos de Tabuleiro”; Dores Ferreira: “Semáforo e dominós: diferentes relações com a matemática”; Ana Maria Amaro: “O jogo das «5 pedrinhas». Um jogo Oriental?”; Antónia Conde: “Património, quotidiano e cultura material: os jogos na corte de D. João V”; José Conde: “Os jogos de tabuleiro na região de Évora: o jogo do Moinho e o jogo do Algarve”; Carlos P. dos Santos: “Um tema matemático antigo, mas moderno: o nascimento de uma Linguagem”; Carlota Dias: “Os Jogos Matemáticos e a Cegueira”; António Ribeiro: “O baralho ordenado no ilusionismo (Gaspar Cardoso de Sequeira, 1612)”.

Atualmente vários estudos dedicam-se aos «jogos de computadores e em ambiente virtual», «jogos robóticos», e jogos entre personagens das “Segundas Vidas”, cuja metodologia de investigação considera o contributo da designada “Netnography” [Robert V. Kozinets (2010). “Netnography: doing ethnographic research online”. Sage: Los Angeles/ London/ New Delhi/ Singapore/ Washington DC]. (Pedro MANUEL-CARDOSO, 2015, “Jogo de Compreensão do Desporto”, Lisboa: IGAC)

35

LÉXICO ICOM/ICOFOM & LÉXICO PATRIMOLOGIA

ICOM/ICOFOM

21 Conceitos-Chave

PATRIMOLOGIA 67 Conceitos-Chave

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

16 17 18 19 20 21

Arquitetura Coleção Comunicação Educação Ética Exposição Gestão Instituição Mediação Museal Musealização Museografia Museologia Museu Objeto [de Museu] ou Musealia. Património Pesquisa Preservação Profissão Público Sociedade

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Adaptação Agir Humano vs. Atividade Física

-Corporal Agir Humano (Matriz e Equação) Agir Humano (Níveis e Tipos) Agir Humano (Processo) Agir Humano (Resultados) Antropologia Arquitetura e Património Arquivo Arte Campo Disciplinar da Patrimologia Codificação Coleção Comunicação Comunicar e Informar Compreender e Interpretar Contra-Memória Decisão Design e Património Esquecimento Estratégia de Vida Eucariote

Page 34: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

34

22 23 24 25 26 27 28

29 30

31 32 33 34 35

36

37 38 39 40 41 42 43

44 45 46 47 48

49 50 51 52

53 54 55 56 57 58 59

60 61 62 63 64 65 66 67

Estrutura da Relevância Evidência Evolução Expografia Exposição Fenomenologia Feromicidade, Odoridade,

Gustatividade Gestão do Património Gestualidade, Iconicidade,

Motricidade Hapticidade, Sensitividade, Contacto Ideia Informação Jogo Léxicos ICOM/ICOFOM e

PATRIMOLOGIA Literatura, Literário, Textualidade,

Escrita Lugar / Não-Lugar Memória biológica Memória social e coletiva MINOM Museologia Museu Narrativa, Narratema, Narratário,

Narrador, Historicidade, Algoritmicidade

Objeto Patrimografia Patrimologia (definição) Patrimologia (percurso histórico) Patrimologia, Museologia,

Sociomuseologia Patrimólogx (a/o) Património Património (tipos e classificações). Património (polissemia e

plurissignificação). Percepção Positivismo Preservação Processo Patrimonial/Patrimonização Realismo Reconstituição Relativismo Cultural e

Interpretativismo. Relevância Sociomuseologia Sociomuseologia e Museologia Sonoridade, Oralidade, Prosódia Transmissibilidade Vida Vida vs. Consciência Visualidade, Imagem, Imagética

36

LITERATURA, LITERÁRIO, TEXTUALIDADE, ESCRITA

Modo de codificar a Realidade/Existência através da Escrita, de Textos Escritos ou Literários; e, simultaneamente, a sua interpretação e compreensão através de categorias analíticas (Perspetiva Literária e Textual da Realidade/Existência, isto é, a operação de transformação da Realidade/Existência num texto). A estas Codificações (Factos e Objetos literários, textuais e escritos) e às respetivas categorias analíticas derivadas do esforço de compreensão correspondem Objetos Patrimoniais i) “De cada vez que se fala dos três grandes planos que organizam a instituição literária (isto é, os universos do escritor, do leitor, e da crítica) esquecemo-nos, demasiado frequentemente, que nas condições atuais de produção e circulação do saber a universidade, apesar de todas as contradições que decorrem da sua articulação ideológica com as várias economias do poder, tem um papel decisivo na configuração desses planos. (….) É nela que, em

Page 35: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

35

suma, se joga uma partida decisiva para a vida dos estudos literários, quer no mundo contemporâneo quer no mundo por vir. (….) Mas engana-se quem julga que a literatura pode ser ensinada. A literatura pode e deve ser estudada e compreendida na lógica própria do funcionamento da composição literária. Mas não pode ser ensinada. Northrop Frye colocou bem a questão. Partindo da distinção platónica entre os dois níveis de compreensão, isto é, o nível do nous (o conhecimento das «coisas») e o nível da dianoia (o conhecimento «acerca das coisas») … (….) O «conhecimento acerca das coisas» é, portanto, o limite do ensino. Ao reter a separação entre sujeito e objeto, o «conhecimento acerca das coisas» possibilita a aprendizagem de um corpo objetivo de factos que são apresentados ao sujeito como factos relacionados com ele de um modo essencial. (….) Ao contrário, o «conhecimento das coisas» implica uma identificação ou uma unidade essencial entre sujeito e objeto. Ora, este conhecimento nunca pode ser ensinado, pois ele existe num plano mais elevado de apreensão da experiência literária ou, dito de outra maneira, num plano em que a intuição desempenha o papel determinante.” (Manuel Frias MARTINS, 1995, “Matéria Negra: Uma Teoria da Literatura e da Crítica Literária”, 2.ª edição revista, Col. Cosmos-Literatura, Lisboa: Edições Cosmos, págs. 267-268) ii) “(….) a teoria literária tem múltiplas veredas. (….) Matéria Negra foi o conceito metafórico utilizado para sinalizar a sua intensidade. Através dele propus uma identificação do literário pelos traços mais indefinidos da sua manifestação; pelo espaço menos racional de realização da sua linguagem.” (Manuel Frias MARTINS, 1995, “Matéria Negra: Uma Teoria da Literatura e da Crítica Literária”, 2.ª edição revista, Col. Cosmos-Literatura, Lisboa: Edições Cosmos, pág. 269) iii) A Escrita, o Texto, o Literário, a Literatura, a Textualidade não são obrigatoriamente sintagmáticas/os, podem ser também paradigmáticas/os. Diferentemente da Narrativa, não conduzem necessariamente a “uma sequência ordenada e sintagmática” ou a uma “estrutura sintagmática e diacrónica”. Podem, simultaneamente, ou em alternativa, conduzir a uma “estrutura paradigmática e sincrónica”. Logo, podem criar, tanto uma transformação da Realidade/Existência em cronologia-diacronia-sucessão (Tempo), como uma transformação da Realidade/Existência em sincronia-matriz-estrutura (Espaço). São duas ilusões-transformações possíveis.

37

LUGAR / NÃO-LUGAR

Um Espaço identitário, relacional, e histórico; e o contrário de um Espaço assim. Um Espaço que pode ser repertoriado, classificado e memorizado; e o contrário de um Espaço assim i) “Se um Lugar se pode definir como identitário, relacional e histórico, um Espaço que não pode definir-se nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um Não-Lugar. A hipótese aqui defendida e a de que a Sobre-Modernidade (Pós-Modernidade) é produtora de Não-Lugares, quer dizer, de Espaços que não eles próprios lugares antropológicos e que, contrariamente à Modernidade baudelairiana, não integram os Lugares Antigos: estes, repertoriados, classificados e promovidos a «lugares de memória», ocupam nela uma área circunscrita e específica.” (Marc Augé) ii) Este texto de Marc Augé revela, mais uma vez, a estrutura simétrica e isomórfica a que nos referimos na entrada n.º 6 («Agir Humano – Resultados») deste Léxico. A Modernidade definida pela Não-Modernidade, tal como o Lugar pelo Não-Lugar, etc.

38

MEMÓRIA BIOLÓGICA

A resolução do Esquecimento e, simultaneamente, daquilo que pode ser

Page 36: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

36

Relembrado i) A resolução do Esquecimento e, simultaneamente, daquilo que pode ser Relembrado. ii) Fenómeno de aquisição e acesso cognitivo (consciente e não-consciente) a Objeto(s). O Esquecimento é o sentimento ou a perda concreta de acesso cognitivo a Objeto(s). A Lembrança/Rememoração é o sentimento e o acesso cognitivo a Objetos. Neste sentido, a Memória é a resolução cognitiva (molecular, bioquímica) do Esquecimento e, simultaneamente, a resolução cognitiva da Lembrança/Rememoração, pois há sempre uma perda e uma escolha. iii) O cérebro de Homo sapiens guardava os Objeto(s) no hipocampo. O cérebro de Homo sapiens sapiens continua a poder fazê-lo, apesar de na atualidade ter a capacidade técnica de interferir e modificar esse processo.

“Si donc l’esprit est une réalité, c’est ici, dans le phénomène de la mémoire, que nous devons le toucher expérimentalement“ (Henri Bergson)

iv) A biologia molecular da cognição afirma que o processo de memória funciona por três etapas, e existem no hipocampo regiões diferentes consoante o Objeto seja uma «Coisa/Objeto» (“córtex périrhinal”), um «Contexto/Cena» (“córtex parahippocampique”), uma «Relação entre uma coisa/objeto e um contexto/cena» (“hippocampe”):

1. CODIFICAR/registar («Encodage»); 2. GUARDAR/ consolidar/reter («Stockage ou rétention»); 3. RELEMBRAR/ rememorar/recordar («Récupération, restitution, remémoration »). [ABADIE, Jacques & GAGNEPAIN, Pierre (2012), « Les Mécanismes du Cerveau : le parcours d’un souvenir en trois étapes », Les Dossiers de la Recherche, n.º 49, juin2012, pp.32-33] e [KALPOUZOS, Grégoria (2006), « Le parcours d’un souvenir », Les Dossiers de la Recherche, n.º 22, février2006, pp.16-17]

v) A biologia molecular da cognição define cinco tipos de memória:

« (…) 1. La MEMOIRE DE TRAVAIL (lobe frontal) 2. La MEMOIRE PROCEDURALE (cortex moteur, ganglions de la base, cervelet) 3. La MEMOIRE PERCEPTIVE (cortex somatosensoriel/toucher, cortex gustatif, cortex visuel, cortex auditif, cortex olfactif) 4. La MEMOIRE SEMANTIQUE (lobe frontal gauche, lobe temporal gauche) 5. La MEMOIRE EPISODIQUE (cortex pré-frontal, hippocampe) (…) » [MÉRAT, Marie-Catherine (2014) « Les 5 Systèmes de la Mémoire », Science & Vie, Hors-Série n.º 268, Septembre2014, pp. 6-17]

vi) O Hipocampo não tanto como reservatório onde está tudo guardado, mas mais como o Livro de Endereços ou da Indexação daquilo que está guardado/codificado noutras regiões (córtex) do cérebro. As competências de codificação/indexação do hipocampo não serão exteriorizadas? Não é isso que são as bases-de-dados e de meta-dados hoje?

« Un souvenir est une carte spatio-temporelle d’activité neuronale » (….) « L’hippocampe prend une adresse de ce qui s’est passé dans les différents régions du cerveau, de façon à pouvoir les réactiver » [MÉRAT, Marie-Catherine (2014) « Qu’est-ce qu’un souvenir ? », Science & Vie, Hors-Série

Page 37: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

37

n.º 268, Septembre2014, p.25 e p.26]

vii) « La découverte de la protéine PP1 a montré que l’oubli est un processus actif. Se souvenir, c’est simplement arrêter d’oublier » [MÉRAT, Marie-Catherine (2014) « Quand science prend le contrôle », Science & Vie, Hors-Série n.º 268, Septembre2014, p.34] viii) « Toute connaissance est souvenance (Thomas Hobbes) » [PERRUCHET, Pierre (2012) « Discours autour de l’acquisition du langage », Les Dossiers de la Recherche, n.º 22, février2006, p.18]

39

MEMÓRIA SOCIAL OU COLETIVA

Fenómeno de aquisição e acesso cognitivo (consciente e não-consciente) a Objeto(s) i) Fenómeno de aquisição e acesso cognitivo (consciente e não-consciente) a Objeto(s). ii) O Esquecimento é o sentimento ou a perda concreta de acesso cognitivo a Objeto(s). A Lembrança/Rememoração é o sentimento e o acesso cognitivo a Objetos. Neste sentido, a Memória é a resolução cognitiva (molecular, bioquímica) do Esquecimento e, simultaneamente, a resolução cognitiva da Lembrança/Rememoração, pois há sempre uma perda e uma escolha. iii) O cérebro de H. sapiens guardava os Objeto(s) no hipocampo. O cérebro de H. sapiens sapiens continua a poder fazê-lo, apesar de na atualidade ter a capacidade técnica de interferir e modificar esse processo. iv) Em 2006 Dan Sperber criticou o sociologismo de M. Halbwachs do seguinte modo:

“Poder-se-á falar de ‘Memória coletiva ou social’? Sociólogos (M. Halbwachs, 1925), antropólogos e historiadores (P. Nora, 1993) fazem-no sem hesitação (...). Mesmo que se compreenda que o façam sem má intenção, mesmo que se reconheça fertilidade nas obras em que as empregam, a generalização para o campo sociológico de um conceito da psicologia individual coloca um problema. Um grupo social não é um ‘organismo’. Ele não tem nem cérebro nem espírito. Salvo um uso metafórico, ele não pensa, não raciocina, não tem desejos, não decide. Decididamente, um grupo social não se consegue lembrar de si. Historicamente, desde sempre aliás, os profissionais de ciências sociais adoptaram o que mais lhes conveio do vocabulário dos psicólogos, sem se darem ao trabalho de explicar a relação entre as suas disciplinas e a Psicologia. Desde há 20 anos, pelo contrário, sob a influência da «revolução cognitiva», desenvolveram-se um conjunto de investigações sobre as relações entre a cognição e cultura humana.” (Sperber, 2006, p.79).

v) Em 2013 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“A passagem do Património para a Memória leva Governos e cientistas a

trabalharem, e a gastarem importantes recursos financeiros. Em 2005, a IBM construiu o computador designado “Blue Gene/L”, em que as operações destinadas a cálculos numéricos armazenam o ponto decimal separadamente, numa unidade chamada “expoente”, tendo alcançado uma velocidade de 136,5 teraflops (“flop” é a medida convencionada para uma operação de ponto flutuante por segundo). E o Governo Japonês anunciou para 2010 um outro, que trabalhará a uma velocidade 73 vezes superior, atingindo os 10 petaflops, ou seja, dez quatriliões de operações de ponto flutuante por segundo, cujo orçamento está estimado em 745 milhões de euros. A capacidade de simulação e de representação do Real tem esta expressão na atualidade. E a competição entre Governos não deixará de a incrementar geometricamente. Jean-Paul Delahaye, no seu artigo “A Memória da Humanidade”, chama a atenção para o facto das informações cruciais para a sobrevivência estarem a ser criadas, não para as capacidades naturais do ser humano, mas para as máquinas.

Page 38: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

38

“A memória humana natural acumulada está avaliada em cerca de 10.18 bytes, e é hoje menor do que o conjunto total de dados registados em papel, que superam ligeiramente essa memória humana total. A passagem ocorreu no final do século XIX, quando o preço do papel baixou consideravelmente (….). O cérebro humano, no decurso da história, foi-se auxiliando de registos que lhe permitiram guardar melhor a memória. O auxiliar principal foi durante muito tempo o papel, ultrapassado hoje em dia pelas fitas magnéticas, pelos discos-duros e pelos CD/DVD ópticos. A capacidade total de cada um destes quatro tipos de suportes ronda os 20.20 bytes (….). Toda esta realidade faz-nos entrar numa nova era, onde a Memória, em ruptura com o passado, torna-se mecânica, numérica, e em parte «executável», mas sobretudo em acelerada expansão.” (Delahaye, 2002, p.103).

Mas os novos cálculos, feitos à quantidade de informação guardada em 60 tecnologias analógicas e digitais entre 1986 e 2007, por Martin Hilbert da Universidade da Califórnia, e Priscila López da Universidade Aberta da Catalunha, indicam que, em 1986, a informação armazenada no mundo era de 2,6 exabytes. Em 1993, passou para 15,8 exabytes; em 2000, para 54,5; e, em 2007, alcançou 295 exabytes, equivalendo a 295 mil milhões de gigabytes. A informação guardada ‘analogicamente’, em cassetes de vídeo, fotografia e vinis, passou de 75% em 2000 para 6% em 2007. Nesse ano, os discos rígidos perfaziam 52 por cento da capacidade de armazenamento, e a informação em dispositivos ópticos era de 28 por cento. Entre 1986 e 2007, a percentagem de informação guardada em papel desceu de 0,33 para 0,007 por cento, apesar de ter aumentado de 8,7 para 19,4 milhões de gigabytes nesses 21 anos. Por outro lado, a difusão de informação alcançou, em 2007, quase dois zetabytes, ou seja, quase 2000 exabytes. Porém, esta magnitude digital e analógica construída pela Cultura, é muitíssimo pequena em relação à informação que o ser humano guarda na molécula de ADN, que atinge cerca de 100 zetabytes de informação. E todas essas moléculas, calculadas para todos os seres conhecidos, atingem o inimaginável 1090. (…)” (Pedro MANUEL-CARDOSO, 2013, “Museologia e Ciência. Campo Disciplinar e Objeto de Investigação, Contributo para a construção da problemática que contextualiza o campo disciplinar da SocioMuseologia”, pp. 22-23)

vi) Em 2015 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“As palavras dos autores são belas, e desfilam como obras-de-arte no nosso espírito, mas não é por isso que evitam a condenação do Tempo à sua lógica. E quantas lógicas já foram imaginadas e concebidas para ele no decurso da história humana?

"(....) quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, como poderíamos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? " (Santo Agostinho ou Agostinho de Hipona, Cf. XI, 14, ano 398) “(...) A Igreja cristã unifica os espíritos europeus na Idade Média. Impõe uma visão linear da história. Desde logo, impedindo que seja concebida como o era até aí, por «ciclos» (por exemplo, o tempo cíclico comandado pelas estações-do-ano no caso da sociedade chinesa), passando a ser concebida como um desenrolar do tempo para o qual a sociedade no seu conjunto se devia preparar, o que concedeu o pensamento novo de que havia possibilidade de influenciar o decurso dos acontecimentos” (Testot, 2008)

“Por que razão mudam as coisas? Será que a matéria particular tende a outras formas? Respondo que não se trata de mudança que procura um outro ser, mas [unicamente] uma outra maneira de ser. E é o que faz a diferença entre o universo e as coisas do universo; aquele constitui todo o ser e todas as maneiras de ser; quanto a estas, cada uma possui o seu ser, mas não todas as maneiras de ser. (…) O universo compreende todo o ser totalmente, porque fora e acima do ser infinito nada existe, pois o fora e o acima não existem; quanto às coisas individuais, cada uma compreende todo o ser, mas não totalmente, pois ao lado de cada uma delas há uma infinidade de outras. Assim, (…) tudo está em tudo, mas não está totalmente e segundo todos os modos em cada indivíduo. Da mesma maneira (…) cada coisa é o Uno, mas não segundo o mesmo modo.” (Giordano Bruno, 1584).

Page 39: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

39

“…o Tempo somos nós mesmos? ” (sind wir selbst die Zeit?) (Martin Heidegger, 1924) “Repitamos a questão do que o tempo é, temporalmente. O tempo é o «como». Se perseveramos na pergunta «que é o tempo?», não podemos permitir-nos dar uma resposta precipitada (o tempo é isto e aquilo), sempre presa a um «quê». Abstraíamos da resposta e repitamos a pergunta. O que é que aconteceu à pergunta? Transformou-se noutra. A pergunta «o que é o tempo?» transformou-se na pergunta «quem é o tempo?» Mais precisamente: o Tempo somos nós mesmos?” (Martin Heidegger, 1924)

“O Tempo pode acabar? (…) As características que o tempo irá, progressivamente, perder são pré-requisitos para a nossa existência. Precisamos que o tempo seja unidirecional para nos desenvolvermos e evoluir; precisamos da noção de duração e de escala para sermos capazes de formar estruturas complexas; precisamos de um ordenamento causal para que os processos se possam desenrolar; precisamos da separação espacial para que os nossos corpos criem um pouco de ordem no mundo (…) apesar de tudo, não somos vítimas passivas da extinção do tempo; somos perpetradores. Enquanto vivemos, convertemos energia em calor e contribuímos para a degeneração do Universo.” (Musser, 2010, p.73)

“(...) Não somos quem somos apenas porque pensamos, (...) cada palavra que dizemos,

cada acção que levamos a cabo na verdade, o nosso próprio sentido de nós mesmos e o

nosso sentido de ligação com outros deve-se à nossa memória, à capacidade de o nosso cérebro registar e armazenar as nossas experiências. A memória é a cola que aglutina a nossa vida mental, a base que sustenta a nossa história pessoal e que possibilita o crescimento e a mudança ao longo da vida”. (L. Squire & E. Kandel, 2002:5).

“A memória recolhe os inúmeros fenómenos da nossa existência num único todo... a nossa consciência quebrar-se-ia em tantos fragmentos quantos os segundos que havíamos vivido se não fosse a força unificadora e aglutinadora da memória” (Ewald Hering in L. Squire & E. Kandel, 2002:9).

A Memória e o Património necessitarão assim tanto do Tempo? Talvez possamos dar um passo adiante, e avançar para uma etapa diferente. Isto é, talvez consigamos adoptar uma concepção e um modo de lidar com o Tempo que sejam mais úteis ao trabalho

prático quer na Investigação, quer nas tarefas de gestão museal e patrimonial.”

vi) Outras referências :

PLATÃO (-428/-324) “Ménon”. NIETZCHE, Friedrich (1844-1900) “eterno retorno…”. BERGSON, (Henri 1859-1941) “Matière et Mémoire” (1896). RICOEUR, (Paul 1913-2005) “La Mémoire, l’histoire, l’oubli” (2000). HALBWACHS, Maurice “memória coletiva… encontra-se no cerne da Identidade

não apenas de uma nação, mas das comunidades e dos indivíduos que as compõem, do que derivam as tensões e interesses contraditórios”.

EUSTACHE, Francis (2003) “Pourquoi notre mémoire est-elle si fragile? », Paris : Le Pommier/Cités des sciences et l’industrie.

MARMION, Jean-François (2008) “Mémoire : n’oublie pas d’oublier”, Sciences Humaines, Les Grands Dossiers des Sciences Humaines n.º 10, mars-avril-mai2008, pp.12-14.

NICOLAS, Serge (2003) « Mémoire et Conscience », Paris : Armand Colin. PIOLINO, Pascale & DESGRANGES, Béatrice & EUSTACHE,

Francis (2001) « La Mémoire autobiographique : théorie et pratique », Paris : Solal.

ROSSI, Jean-Pierre (2006) « Psychologie de la mémoire. De la mémoire épisodique à la mémoire sémantique », De Boeck.

TADIE, Jean-Yves & TADIE, Marc (1999/réed. 2004) « Le Sens de la mémoire ».

Page 40: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

40

40 MINOM Acrónimo de «Movimento Internacional para a Nova Museologia» i) Organização aceite no seio do ICOM (Conselho Internacional de Museus)/ UNESCO. ii) O MINOM é uma «acção prática de intervenção sociocultural em prol do Direito Humano ao Património». E a Sociomuseologia, que nasceu no seu seio através de Mário Moutinho, como o «procedimento científico, metodológico e técnico de transformação da Museologia em Patrimologia». Uma transformação na qual o «Património» substituiria o «Museu», enquanto objeto disciplinar e epistemológico de «estudo, formação, ensino e gestão daquilo que se pretende transmitir aos presentes e vindouros como sendo Relevante»:

MUSEOLOGIA

(ICOM/ICOFOM)

MINOM Nova-Museologia Socio-museologia

PATRIMOLOGIA

«O Museu»

Trabalho de Transformação e

Mudança ocorrido entre o séc. XX e o séc.

XXI

«O Património»

41

MUSEOLOGIA

“ (…) um campo disciplinar de pesquisa (a Museologia) definida no sentido amplo, que engloba uma atitude/relação específica do ser humano com os objetos e os seus valores. Essa atitude/relação inclui procedimentos de conservação, pesquisa, comunicação (visualização). Esse tipo de relação/atitude encontra-se em todo o lado, desde sempre. A Museologia, analisada, institucionalizada e confinada habitualmente ao museu, foi dele que obteve o nome, porém, é muitas vezes confundida unicamente com a ciência do museu.” i) A Patrimologia não é apenas o estudo do Museu. Nesse sentido M. Schärer escreveu: “Referimo-nos a um campo disciplinar de pesquisa (a Museologia) definida no sentido amplo, que engloba uma atitude/relação específica do ser humano com os objetos e os seus valores. Essa atitude/relação inclui procedimentos de conservação, pesquisa, comunicação (visualização). Esse tipo de relação/atitude encontra-se em todo o lado, desde sempre. A Museologia, analisada, institucionalizada e confinada habitualmente ao museu, foi dele que obteve o nome, porém, é muitas vezes confundida unicamente com a ciência do museu.” (M. Schärer, 1999). ii) Museologia neste Léxico é entendida como o Conjunto das Reflexões sobre o «Estudo e a Gestão do Património» (ou seja, o nível meta-lógico da reflexão sobre a Ação). iii) Em 1893 J. Graesser escreveu: “Se há trinta anos [portanto, em 1863] ou mesmo há vinte anos alguém nos seus escritos ou propostas considerasse a Museologia como uma ciência seria certo que suscitaria um sorriso de desprezo ou compaixão. Evidentemente que hoje [portanto, em 1893] tudo isso mudou” (J. Graesser, 1893, “Zeitschrift für Museologie und Antiquitätenkunde” / in: Evžen Schneider, 1977, Museum (UNESCO), vol. XXIX, n.º 4, pág. 189).

Page 41: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

41

iv) Em 1977 Evžen Schneider escreveu: “Le monde est un tout formé de choses et de changements. Du point de vue muséologique un objet est le document le plus authentique de la réalité, la preuve directe de ce qui unit les choses et les changements. Un objet n’a de valeur documentaire pour l’homme que s’il répond à certaines exigences. Le muséologue extrait les objets de leur situation originelle parce qu’ils peuvent satisfaire le besoin de connaissance, d’éducation ou de comparaison des valeurs. Ce qui intéresse la muséologie, c’est donc la valeur documentaire authentique de la réalité qui est contenue dans le produit culturel” (Evžen Schneider, 1977, Museum (UNESCO), vol. XXIX, n.º 4, pág. 189). v) Em 15julho2016 Pedro Manuel-Cardoso escreveu (http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/msg15691.html):

A Museologia, hoje, sobretudo a que se apelida a si mesma de Nova, não terá que ser forçosamente Pós-Expográfica?

Terá o MINOM sucumbido, ou terá sido apropriado, pela “Museologia Antiga, Tradicional, Clássica e Contemporânea”? Hoje não é o tempo da Museologia Compreensiva em vez da Museologia da Memória? Hoje (2016) - com os avanços na ciência, na tecnologia, e na Cultura - os novos visitantes/público não exigem uma Museologia Pós-Expográfica? Os regimes da Visibilidade e os conceitos de Evidência estão a ser abalados pelos recentes contributos da Física, da Biologia Molecular, e da Matemática. A Paisagem Humana e o Ambiente Cultural deste início do séc. XXI oferecem-nos a imagem de milhares de Seres-Humanos curvados sobre si mesmos a viajarem por outros mundos e a agirem com uma lógica diferente através de implantes e algoritmos manipulados em minúsculos écrans e surfaces. O corpo humano deixou de coincidir com o sítio do corpo do ser-humano. Logo, quem entra?, quem sai?, quem visita?, quem é contabilizado nas visitas e nas expografias? Isso já não é medível através dos métodos da “Museologia Antiga, Tradicional, Clássica e Contemporânea”. No Museu da Gestualidade, a esta nova etnografia até lhe chamamos: “uma nova gestualidade” (Marcel Mauss chamar-lhe-ia «uma nova técnica de corpo»). O Fim da Expografia Clássica fará parte do tempo da geração que nasceu após-2001. Veja-se essa atualidade, por exemplo, no “PSF2016” (“Post-Screen Festival: International Festival of Art, New Media and Cybercultures” organizado pelo CIEBA (Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes, da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa) e pelo CeiED (Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento da Universidade Lusófona) que ocorrerá no próximo mês de Novembro2016 em Lisboa. O que está a movimentar e a excitar as Pessoas hoje é um outro Mundo, uma outra Realidade. Isto é, um novo conceito de Objeto, de Visibilidade, e de Expografia (ver por exemplo o que está a acontecer nos EUA, Austrália, Japão, ou na Coreia do Sul com o Pokémon Go; ou o que está a acontecer com as aplicações e os algoritmos devido às recentes descobertas na Física; ou o que está a acontecer a nível do debate Hermenêutico; ou o que está a acontecer nas Ciências Sociais Após-o-malfadado-Relativismo Cultural de Geertz, Clifford, Marcus, Bloor, Latour, Pickering e outros, por terem ficado fechados num ambiente e numa presunção ideológica que os obrigou a cingirem-se a temas já sem sentido, como por exemplo os de “capital cultural”, “hibridismo”, “pós-colonialismo”, “multiculturalismo”, “etnicidade”, “género”, “transnacionalismo”, “vozes múltiplas”, etc.) A questão que desafia hoje a Museologia e os Museus/Monumentos (e as outras infra-estruturas de Património) é se os Visitantes/Público não exigirão uma Museologia Pós-Expográfica. Porque, de facto, o local do usufruto e do prazer de visitar uma qualquer Exposição/Expografia passou a ser outro. Logo, «a construção, a montagem e a edição» daquilo que a “Museologia Antiga, Tradicional, Clássica e Contemporânea” designa por «Exposição/Expografia» passou a ser um assunto diferente do Passado (antes de 1999). Hoje, na “Museologia Antiga, Tradicional, Clássica e Contemporânea” e, consequentemente, os Museus/Monumentos por ela guiados (sobretudo os tutelados pelo Estado) ainda fazem exposições/expografias à antiga. Razão pela qual as ditas “Expografias” foram entregues a meros técnicos (designers, arquitetos, projetistas, e a outros pretensos especialistas em “espaço”, “cenografia” e “materiais”) abolindo a dimensão Cultural e Social do acto de Compreensão/Interpretação Patrimonial. Nesse Debate de Sábado próximo (16julho 2016, no Museu Nacional de História Natural, com «entrada livre»), como se poderá afirmar que existe uma Nova Museologia se se copia e se sucumbe ao status, às metodologias, e aos conceitos da Antiga Museologia?

(….)”

vi) Em 2014 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

Page 42: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

42

“O que é a Museologia? O que é o Património? De que estamos a falar quando disso falamos? O objeto disciplinar e epistemológico da Museologia é o Museu, como dizem a maior parte dos autores (G.-H. Rivière, N. Drouguet, A. Gob, B.M. Carbonell, M. Regourd), incluindo o Conselho Internacional de Museus (ICOM/UNESCO)? Ou será o estudo da «relação vaga e indefinida do ser humano com a realidade e com os objetos», como outros defendem (Gregorová, Stránský, M. Bellaigue, A. Desvallées, F. Mairesse)? Ou será «a Cultura enquanto modo de produção do património» (B. Kirshenblatt-Gimblett)? Ou será «a Herança», como alguns sugerem? Ou é «o Património», como outros defendem? Cada uma destas preferências deveria obrigar a um nome diferente? A Museologia jamais poderá ser uma Ciência, tal como defendem P. van Mensch ou Desvallées & Mairesse? Estará condenada a ser uma Filosofia, ou uma espécie de “meta-teoria intuitiva e documental”, como afirma Bernard Deloche? Porque muitos, de um modo subjetivo e relativista, teimam em reduzir o Património apenas a um “artifício humano” e a uma “construção social” (L. Prats)? Ou apenas a «um sentimento» e a «uma ideia», por exemplo, afirmando que deriva de um “sentimento de distância” (W. Benjamin); ou que é um excesso que conduz à “alegoria” (Choay); e por conseguinte, à “mercantilização, emblematização, homogeneização, e festividade” (P. Godinho)? Porque afirmam que é apenas um assunto de «re-funcionalização, re-significação, ou re-contextualização»? Ou algo que se relaciona com a “esperança” (Bloch); ou com a “expectativa” (Koselleck); ou com algo de “numinoso” (R. Otto), ou invisível, ou “semióforo” (C. Pomian)? Porque afirmam que está cumplicemente envolvido na tentativa de «resistir ao devir», ou de «negar a crueza do presente»? Ou que não serve para «preparar o futuro» (Lowenthal) por estar inevitavelmente fechado no “presentismo” (F. Hartog) de quem o concebe? Ou, na perspetiva oposta, de algo, afinal, que prepara para o futuro, ao «permitir a consciência do passado» (Hartog e Revel), ou ao «permitir imaginar os futuros possíveis» (Jeudy), ou mesmo antecipar a sua construção? Porque o Património continua a ser confundido com a Memória, com a Musealização, e com a Patrimonização? Porque muitos pretendem denodadamente reduzir e fazer equivaler a Museologia e o Património à História (quantos pretensos cursos de museologia e património não são, afinal, meras extensões de cursos de História ou de Ciências Sociais em muitas Faculdades)? Existirá, de facto, uma “memória coletiva” (Halbwachs)? Se existe, qual é, e onde está? Por que razão, na atualidade, muitos confundem a Museologia com o visível expográfico (Visual Culture), a informação (Information Sciences), com o culturalismo antropocêntrico, o relativismo, e o interpretativismo (Cultural Studies), ou apenas com o «museu» (Museum Studies)? Não é por causa dessa confusão que muitos não aceitam que a Museologia é uma tarefa cultural que prolonga o fazer biológico não-humano iniciado na vida Eucariote? Porque a Museologia não pode ser a ciência que estuda e gere o Património, isto é, a Relevância, prolongando a estratégia Eucariote? Este texto contribui para demonstrar que a Museologia é um campo disciplinar autónomo. Que possui não apenas um objeto-de-estudo perfeitamente delimitado, que as outras disciplinas científicas não abordam com a mesma sistematicidade; mas também, que esse objeto-de-estudo se refere a um fenómeno empírico e a um comportamento factual existente na Natureza, que atravessa todas as sociedades humanas desde o processo de hominização; e demonstra, ainda, que a Museologia possui uma metodologia científica e ferramentas cognitivas de pesquisa adequadas às tarefas de investigação e de aplicação que esse objeto-de-estudo exige. Este texto mostra que ainda é frequente confundir-se o Património apenas com os museus, esquecendo o principal: - Que o Património é o trabalho dos humanos perante a Continuidade. Tanto ou mais de que uma Coisa (objeto, coleção, documento, meta-dado, informação, ou infraestrutura) o Património é uma Decisão sobre a Relevância inserida nesse trabalho pela Continuidade, realizado através da Memória, ou por qualquer outro tipo de codificação, com o objetivo de armazenamento-e-restituição. A tarefa da Museologia é cuidar do Património de modo a transformá-lo num «objeto museológico» (representação/objeto/coleção/suporte/infraestrutura) através do qual será possível transmiti-lo às posteriores gerações e à Memória individual e coletiva dos presentes e vindouros. O Património é o mecanismo que atualiza permanentemente a Relevância com o objetivo de preparar, com os ganhos obtidos no passado, a Continuidade (a Adaptação; o sucesso adaptativo à natureza/universo/existência). Finalmente, o texto mostra como o reconhecimento deste estatuto científico e disciplinar da Museologia terá repercussões para a gestão e salvaguarda do Património, esteja em museus, arquivos, bibliotecas, bases-de-dados e de meta-dados, filmes, documentários, dispositivos de armazenamento digital, monumentos, palácios, paisagens, sítios de interpretação, lugares de memória, circuitos e parques temáticos, in situ ou ex situ, ao ar livre, em reservas ou silos, em bancos de sementes ou de material genético, ou no património codificado no hipocampo dos cérebros humanos. E demonstra ainda que, essa atividade e esse fenómeno humano que a Museologia estuda e gere, também, num sentido mais amplo, terá repercussões e benefícios para o próprio processo de Adaptação do ser humano ao presente e ao futuro.”

42

MUSEU

Tipo de infraestrutura, membrana, fronteira ou limite que protege um espaço-tempo onde germina e se preserva o desejo e a capacidade humana de agir,

Page 43: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

43

conhecer e compreender a Realidade em benefício dos presentes e vindouros; isto é, com a intenção consciente e explícita de obter vantagens Adaptativas para enfrentar a Continuidade i) O Museu é o espaço-tempo onde germina e se preserva o desejo e a capacidade humana de agir, conhecer e compreender a Realidade em benefício dos presentes e vindouros, isto é, com a intenção consciente e explícita de obter vantagens Adaptativas para enfrentar a Realidade no presente e futuro. ii) Logo, mais do que uma Instituição ou Infraestrutura, o Museu é a ocorrência-acontecimento de uma, de várias, ou de todas essas capacidades humanas de agir, conhecer e compreender a Realidade (também designada por «natureza», «mundo», «universo», «existência», «real», «ambiente», «ecologia», «contexto», «circunstância», «representação», etc.). Concretamente, considerando os dados etno-históricos do percurso humano até ao momento, as capacidades designadas por: axiologia, cosmologia, epistemologia, ética, estética, metafísica, ontologia, política e teologia: iii) Este conceito de Museu foi pela primeira vez referido no Mito de Zeus com Mnemósine, no contexto da Cultura Helenística há mais de dois mil e quatrocentos anos. Ou seja, que o Museu é a ocorrência-acontecimento destas nove capacidades humanas, as quais abarcam o espectro de toda a sua capacidade de agir, conhecer e compreender a Realidade, metaforicamente consignadas exatamente às nove Musas (Calíope, Clio, Erato, Euterpe, Melpómene, Polímnia, Tália, Terpsícore, Urânia), filhas do cruzamento do Poder (Zeus) com a Memória (Mnemósine).

43

NARRATIVA, NARRATEMA, NARRATÁRIO, NARRADOR, HISTORICIDADE, ALGORITMICIDADE

Modo de codificar a Realidade/Existência através de sintagmas, de uma sucessão linear encadeada (vulgarmente designada por «história», «conto» «mito»), de algoritmos, ou outros modos de processamento linear e em contínuo; e, simultaneamente, a sua interpretação e compreensão através de categorias analíticas (Perspetiva Sintagmática, Cronológica e Diacrónica da Realidade/Existência, isto é, a operação de transformação da Realidade/Existência num sintagma ou numa diacronia). A estas Codificações (Factos e Objetos narrativos, históricos, míticos, algorítmicos, diacrónicos, sintagmáticos, contínuos, ordenados, sucessivos, cronológicos) e às respetivas categorias analíticas derivadas do esforço de compreensão correspondem Objetos Patrimoniais i) “O trabalho pioneiro de Propp sobre o conto maravilhoso russo chamou a atenção para a existência de uma sequência ordenada de funções subjacente a todas as narrativas analisadas, sequência essa que constituía uma espécie de estrutura sintáctica canónica passível de sofrer diferentes atualizações e investimentos semântico-figurativos. (….) Foi justamente uma reflexão crítica sobre o trabalho de Propp que levou alguns investigadores a explorar a sintaxe narrativa em termos lógicos. Para Lévi-Strauss e Greimas, a ordem de sucessão das funções deveria ser analisada à luz de uma estrutura paradigmática de oposições lógicas (do tipo «ruptura do contrato» versus «restabelecimento do contrato»). Nesta perspectiva o ordenamento linear das funções, criando a ilusão cronológica, apenas dissimula essas projeções paradigmáticas que presidem, como uma espécie de «plano lógico» subjacente, à organização do texto narrativo.” (Carlos REIS & Ana Cristina M. LOPES (org.), 2011, Dicionário de Narratologia, 7.ª ed., 2.ª reimp., Coimbra. Almedina, pp. 225-226). ii) Os Percursos e as Narrativas do Património que são apresentados nos projetos museológicos e nas expografias muitas vezes não têm em consideração esta

Page 44: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

44

dimensão política e ideológica da Narrativa e do Sintagmatismo. Isto é, a transformação da Existência/Realidade num Objeto contínuo e diacrónico, quase sempre concebido como sendo uma coisa ordenada. iii) Os Percursos e as Narrativas do Património que são apresentados nos projetos museológicos e nas expografias também, muitas vezes, esquecem o triplo processo de interpretação e compreensão que é necessário gerir, concretamente o relativo ao Emissor (curadoria), ao Receptor (público, visitantes) e ao Objeto (a coisa em si). iv) A Patrimologia exige que nesse Processo de Narratividade sejam consideradas as seguintes Variáveis:

“NARRATEMA designa a unidade mínima de uma narrativa, capaz de representar um evento (…). NARRATIVA pode ser entendida como enunciado, como conjunto de conteúdos representados por esse enunciado; como acto de os relatar; e ainda, como modo (…). Se o AUTOR corresponde a uma entidade real e empírica, o NARRADOR será entendido como autor textual, entidade fictícia a quem, no cenário da ficção, cabe a tarefa de enunciar o Discurso, como protagonista da comunicação narrativa (…). O NARRATÁRIO é uma entidade fictícia (…) com existência puramente textual, dependendo de um Narrador que se lhe dirige de forma expressa ou tácita” (Carlos REIS & Ana Cristina M. LOPES (org.), 2011, Dicionário de Narratologia, 7.ª ed., 2.ª reimp., Coimbra. Almedina, pp. 257-290).

v) Em 1956 Karl Popper escreveu:

"A única forma de resolver a dificuldade é, julgo, introduzir conscientemente um ponto-de-vista preconcebido de seleção. O historicismo toma frequentemente as ‘interpretações’ por ‘teorias’. É possível, por exemplo, interpretar a «história» como sendo a história da luta de classes, ou da luta de certas classes pela supremacia, ou como a história do progresso científico e industrial. Todos estes ponto-de-vista, por mais ou menos interessantes que sejam, na sua qualidade de pontos-de-vista são irrepreensíveis. Mas os historiadores não os apresentam assim. Não vêem que há necessariamente uma pluralidade de interpretações que são equivalentes (mesmo se algumas delas, e esse ponto é importante, sejam mais férteis do que outras). Em vez de isso, apresentam-nos como doutrinas ou teorias afirmando que a história é a história da luta de classes, etc.. Os historiadores clássicos se, com razão, dão mostras de se oporem a este processo, caem por outro lado num erro ainda maior. O de, na sua sofreguidão pela ‘objetividade’, sentirem-se impelidos a evitar qualquer ponto-de-vista seletivo a priori. Mas, como isso é impossível, acabam por adotá-lo sem disso tomarem consciência." (Popper, 1956, p.148). Popper, K. (1956). Misère de l’Historicisme. In Paul Veyne “Comment on écrit l’Histoire”, Points, n.º 79, Paris: Seuil.

44

OBJETO

Qualquer Parte da Existência que o sistema de perceção e a cognição humana detete e distinga como sendo uma Diferença i) Qualquer Parte da Existência que o sistema de perceção e a cognição humana detete e distinga como sendo uma Diferença. ii) Logo, um Objeto é: «diferença», «distinção», «sinais-de-diferença/distinção», «informação», «ideia», «essência», «instrução», «valor», «uso», «bem», «testemunho», «vestígio», «nome», «índice», «ícone», «símbolo», «representação», «imagem», «dado ou meta-dado», «substrato», «coisa», «substância», «gradiente», «suporte», «partícula», «molécula», «conjunto», «agregado», «população», «universo», «mundo», «documento», «corpo», «fenómeno», «comportamento», «norma», «processo», «estrutura», «sistema», «parte», «coisa», e assim sucessivamente. iii) Objeto é, também, tudo aquilo que se pode transformar em Património. Desse modo, para a Patrimologia, o Objeto é a unidade-empírica-e-objetiva-básica do

Page 45: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

45

seu campo disciplinar, epistemológico e profissional. iv) Essa Parte (ou Diferença), que designamos por Objeto, pode expressar-se de vários modos consoante o Suporte que utilize: físico, elétrico, químico, biológico, táctil, sonoro, icónico/visual, social, cultural, ou simbólico. O cérebro humano tem localizações para os diferentes Suportes do Objeto. Porém, o Suporte é apenas uma das sete dimensões do Objeto (Pedro Manuel-Cardoso, 2010, “A concepção hepta-dimensional do Objeto”, Lisboa: IGAC). São as propriedades e características dos Suportes que conferem ao Objeto a sua identidade cognitiva e preceptiva, isto é, a sua dimensão coisal e o seu estatuto de objetividade (facto empírico), conduzindo o senso comum a designá-lo por: «objeto quântico», «objeto físico», «objeto material», «objeto imaterial», «objeto-coisa (It)», «objeto-informação (Bit)», etc. Deste modo, para a Sociomuseologia, um Objeto pode ser, desde uma Ideia [definida como “a unidade mais pequena do processo mental constituída por uma diferença, ou por uma distinção, ou por sinais de diferença” (G. Bateson, 1987, pp.198/199)]; ou uma Informação [definida como sendo “qualquer diferença que produza uma diferença” (G. Bateson, 1987, p.199)]; até uma partícula, átomo, ou molécula; e assim sucessivamente para todos e quaisquer Objetos constituintes daquilo que se designa por Realidade. v) Em 2013 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“Não deixa de ser curioso encontrar no seio da Ciência uma operação de

equivalência do mesmo ‘tipo lógico’. A ‘verdade científica’ é alcançada por uma hipótese, servida por uma grelha ou por um modelo feito de variáveis e de indicadores. Hipóteses, que são também um artifício e uma simulação. Que são uma construção baseada na mesma operação de equivalência, de se conseguir no cérebro ‘representar a existência’, de se ‘representar os Objetos’. André Green, no artigo “A ideia de simetria”, lembra-nos o que Freud disse:

“(...) é o poder de ter no espírito um ‘objecto’, mesmo que esse ‘objecto’ não esteja lá na sua presença física, que chamo ‘representação’. Somente a ‘representação’ tem a propriedade de ser sempre uma nova versão de qualquer coisa quando deixamos de ter a possibilidade de conhecer o modelo real a partir do qual a «cópia» ou a nova versão foi construída.” (S. Freud, in A. Green, 1989, p.212). [….]” (Pedro MANUEL-CARDOSO, 2013, “Museologia e Ciência. Campo Disciplinar e Objeto de Investigação, Contributo para a construção da problemática que contextualiza o campo disciplinar da SocioMuseologia”, p. 22)

vi) Este conceito de Objeto, e por consequência o Património, obriga a distinguir as seguintes sete dimensões ou Tipos-de-Objeto:

TIPOS DE OBJETOS

NOME DO OBJETO EM

CADA TIPOLOGIA

Objeto-Imaginado

CONCEPÇÃO (o Objeto que existe na ideia, intenção, imaginação, perpetração)

Objeto-Natureza

SUPORTE (a matéria/energia utilizada na formação do Objeto)

Objeto-Construído

OBJETO (a coisa construída/formada, com um Suporte, por decisão da Concepção)

Objeto-Representado

DOCUMENTO (a representação/codificação do Objeto na percepção)

Objeto-Comunicado

INFORMAÇÃO (o Objeto usado como Informação no processo de o comunicar)

Page 46: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

46

Objeto-Memória

CONHECIMENTO (o que fica na Memória - nos neurónios, nos percursos sinápticos, no hipocampo - e é acedível pela Cognição)

Objeto-Relevância

PATRIMÓNIO (o Objeto que é escolhido para ser classificado como «Património»)

vii) Assim, na Gestão do Património pela Patrimologia são essas sete variáveis, e esses sete tipos de Objeto, que necessitam sempre de ser geridos:

1a) PESSOA(s), individual ou coletiva, que inventa, imagina, cria, e perpetra os Objetos (sejam coisas, factos, acontecimentos, projetos, emoções, comportamentos, atitudes, ou tudo o que possa constituir uma Realidade); 1b) PROCESSO DE FORMAÇÃO DO OBJETO PELA NATUREZA; 2a) CONTEXTO-MUNDO (o «exterior»; a Natureza tal como ela é no contexto/momento em que o Objeto ocorre); 2b) CONTEXTO-CONSCIÊNCIA (o «interior»; o processamento a que o cérebro obriga; as codificações que condicionam a priori o agir humano); 3) SUPORTE (a matéria/energia utilizada para formar ou construir o Objeto); 4) OBJETO (a iconicidade/forma/coisalidade que o Objeto adquire ao ser feito com um determinado Suporte, realizada através da gestualidade, da sonoridade/oralidade, e da performance das outras capacidades cognitivas e biomecânicas); 5) DOCUMENTO (a representação do Objeto que ocorre no cérebro sem a qual não existe a sua Percepção; o Documento é independente de quaisquer suportes que necessite para ser objetivado, permitindo transferir essa representação para suportes diferentes, no presente e no futuro, independentemente do destino e das vicissitudes que ocorram no Objeto (coisas, suportes) a que se refere); 6) INFORMAÇÃO (o processo de comunicação do Objeto e/ou do Documento; a relação entre um emissor e um receptor mediada pelo Objeto); 7) CONHECIMENTO e SABER (a transformação do Objeto e do Documento em Valor; o impacto no emissor e no receptor; as consequências e os benefícios para uma População e/ou Território; o impacto da Relevância do Objeto e do Documento).

viii) A utilidade prática desta consciência e deste modelo torna-se mais evidente perante os desafios que os novos objetos colocaram à Gestão do Património na contemporaneidade. Mas mostra também a insuficiência analítica do atual modelo dual que, de modo apressado e ingénuo, separou “materialidade” de “imaterialidade”. ix) Ou seja, a Patrimologia separa como muito rigor e clareza: «o modo como o observador percebe o objeto» de «aquilo que a coisa-objeto é ou pode ser». Há aqui uma «diferença» fundamental no modo de conceber o Objeto (e o Património) pela Sociomuseologia. Porque ao fazer esta distinção assume e inclui no conceito de Objeto quer a tradição Realista/Positivista quer a tradição Fenomenológica. E essa decisão é fundamental não apenas para a investigação científica do Património, mas também para o processo hermenêutico de gerir a sua comunicação, interpretação e compreensão em benefício das Pessoas e da Sociedade, ou, dito de outro modo, para a gestão dos «serviços educativos», para a «educação patrimonial», e para a «democratização do acesso». x) Essa diferença permite definir com muita clareza e rigor o campo disciplinar, epistemológico e profissional da Sociomuseologia. Pois, por um lado, separa o estudo e a Gestão do Património dos locais, infra-estruturas e suportes onde poderá estar sedeado (museus, arquivos, bibliotecas, monumentos, palácios, paisagens, sítios de interpretação, lugares de memória, circuitos e parques temáticos, in situ ou ex situ, ao ar livre; expografias, acervos, reservas ou silos, bancos de sementes ou de material genético, holotecas,

Page 47: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

47

filmes, documentários, bases-de-dados e de meta-dados, dispositivos de armazenamento digital, ou codificado no hipocampo dos cérebros humanos; ou outras infraestruturas e suportes). Mas , por outro lado, distingue no Objeto (Património) sempre três Variáveis: i) «o que o Objeto é enquanto coisa/suporte»; ii) «o Uso que lhe é dado»; iii) «o Valor/significado que lhe é atribuído». São estas três Variáveis que possibilitam fazer o trabalho de Patrimografia (descrição, levantamento, caracterização dos Objetos e do Património num determinado contexto social, cultural e espácio-temporal). xi) Em 2014, Pedro Manuel-Cardoso, na arguência de uma Tese de Doutoramento em Museologia na Universidade Lusófona, escreveu:

“[….] Os critérios pelos quais se validavam as «verdades científicas» sofreram uma alteração profunda (veja-se, por exemplo, a recente avaliação do Processo de Bolonha e a sua crítica). Na atualidade não é mais permitido aquele conforto hermenêutico que fazia separar, com total paz de espírito, a explicação da compreensão; de um lado o quantitativo, do outro o qualitativo; separar a indução da dedução; e assim por diante. Esse modo de

validar o conhecimento científico que subsistiu de Kant e Schleiermacher até

Dilthey e Gadamer não resiste aos fenómenos que foram entretanto descobertos na Física ou na Biologia molecular da cognição. Mas também não resiste aos novos inquilinos do Real, que nasceram, e vão implacavelmente ocupando o seu lugar no nosso quotidiano. Refiro-me às personagens da ficção literária, poética ou cinematográfica, a muitas das atuais obras-de-Arte*, a todos os Heterónimos e a todas “as estruturas do duplo” (como disse H. Plessner em 1928), às personagens das “Segundas Vidas” e dos Jogos Virtuais, e a tantos outros Avatares. Muitas delas, até, já impressas em 3D… … Definitivamente, reivindicando um lugar no Real com o mesmo estatuto de verdade e de sentimento do que as outras coisas e os outros objetos a que estávamos habituados. Isto é, alterando os próprios conceitos de Objeto e de Realidade. Muitos desses novos inquilinos do Real são já considerados Património, e muitos mais hão-de sê-lo doravante. Os museus, e as instituições dedicadas ao Património, não podem ficar à espera que esta Realidade desabe neles ou lhes passe ao lado. Assim sendo, a Museologia tem que iniciar aquilo que a investigação desta Tese começou a investigar. E que, por isso, é o segundo mérito que devemos outorgar à Candidata. De facto esta Tese, para além dos Objetos Tradicionais, permite à Museologia lidar com esses Novos Objetos… que são tão importantes para o Património como os outros.” [….]

xii) Em 2014 Pedro Manuel-Cardoso, aos seus alunos de Doutoramento em Sociomuseologia, pediu-lhes para comentarem os seguintes três problemas que o Objeto coloca à Gestão do Património:

[….] Porém, em consequência desta concepção hepta- dimensional do objeto podemos ainda acrescentar os seguintes três Problemas: 1) Eu vs. Nós; 2) Objeto vs. Interpretação/Significado; 3) Dentro e/ou Fora?:

PROBLEMA 1: Eu vs. Nós “O Individual sob a influência do Coletivo” A primeira dimensão do Objeto Patrimonial, refere-se à Imaginação e ao

Pensamento (cérebro) que o inventam, criam e perpetram consultar, por exemplo, o artigo que Dan Sperber escreveu em 2006 para a revista La Recherche (Dosssier: La Mémoire, pp.78-84, “O Individual sob a influência do Coletivo”; ou o artigo de Heather Pringle, “The Origins of Creativity: the rise of the innovative mind” (Scientific American, march 2013).

Independentemente de a Imaginação/Pensamento serem uma das sete dimensões do Objeto Patrimonial, pertencerão a um Indivíduo

Page 48: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

48

(Eu) e a um Pensamento completamente puros e autónomos, ou, ao invés, diluem-se num Nós e confundem-se com o Coletivo (Comunidade, Sociedade)?

Que consequências ocorrem se se optar por uma destas alternativas, ou por uma determinada proporção entre as duas, na responsabilidade pela «comunicação do Património (expografias)» e na «gestão dos acervos e coleções de objetos patrimoniais»?

PROBLEMA 2: Objeto vs. Interpretação/Significado

A afirmação de Achile Weinberg contradiz a de Ludwig Wittgenstein. Afinal, a Linguagem não é toda a capacidade do Pensar. Aquilo que não se pode Dizer, afinal, pode ser pensado? Se a Ideia precede o Sentido, e se a Imaginação e a Intencionalidade estão antes da Materialidade, então, os objetos patrimoniais possuem sempre algo que não cabe nos significados e interpretações que se fazem deles. Há uma impronunciabilidade nos Objetos que a Linguagem, e todas as narrativas que se façam deles, não captam. E que pode ser transversal às épocas, aos contextos socio-históricos, e aos sucessivos Indivíduos e Comunidades (‘eus’, ‘nós’, ‘eles’, ‘outros’).

Que consequências têm estas duas opiniões divergentes na responsabilidade pela «comunicação do Património (expografias)» e na «gestão dos acervos e coleções de objetos patrimoniais»?

PROBLEMA 3: Dentro e/ou Fora?

Quem inventa, cria, e perpetra o Objeto Patrimonial está totalmente dentro do Contexto (seja o contexto socio-histórico e socio-lógico, seja o contexto antropo-lógico), ou há uma parte que está fora? A acreditar no limite lógico imposto por Ludwig Wittgenstein (ver págs. 115 e 142 do Tratado Lógico Filosófico), na “prova de Gödel” (ver pág. 274 do livro de Paul Watzlawick et al.), e na questão da indecibilidade (ver págs. 22-25 do livro de Jean-Paul Delahaye, onde se vê Kurt Gödel junto a Albert Einstein em Princeton), se não houver uma parte que esteja fora, então será impossível compreender de fora o Objeto Patrimonial. Logo, será impossível compreendê-lo totalmente. Esse facto impede que consigamos decidir com uma certeza absoluta onde colocar a primeira dimensão do Objeto Patrimonial, referente à Imaginação e ao Pensamento (cérebro) que o inventam, criam e perpetram. Se colocamos esta dimensão do Objeto Patrimonial totalmente fora dele, se totalmente dentro, ou se uma parte dentro e outra fora.

Onde a devemos colocar? Porquê?

xiii) Heidegger estabeleceu uma distinção conceptual entre Coisa e Objeto. “(…) O que não se mostra a si mesmo (…) aquilo que não aparece, a saber, uma «coisa em si mesmo», é, segundo Kant, por exemplo, o todo do mundo, uma tal coisa é até mesmo o próprio deus. Todo o ente que de todo em todo é designa-se, na linguagem da filosofia, uma Coisa” (Martin Heidegger, 1977/2007, “A Origem da Obra de Arte”, Biblioteca de Filosofia Contemporânea, Lisboa: Edições 70, p. 14). A Coisa, para Heidegger, ao ser um «Todo», portanto, não tem «Partes», é indecomponível na sua singularidade, apesar de poder fazer parte de algo. Neste texto de Heidegger, vemos que é necessário um olho-de-fora (no exterior da Coisa) para que ocorra o «aparecer» ou o «mostrar» (logo, a Exposição). xiv) O conceito de Objeto enquanto prova e consciência da Diferença e da Mudança está presente no seguinte texto: “Le monde est un tout formé de choses et de changements. Du point de vue muséologique un objet est le document le plus

Page 49: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

49

authentique de la réalité, la preuve directe de ce qui unit les choses et les changements. Un objet n’a de valeur documentaire pour l’homme que s’il répond à certaines exigences. Le muséologue extrait les objets de leur situation originelle parce qu’ils peuvent satisfaire le besoin de connaissance, d’éducation ou de comparaison des valeurs. Ce qui intéresse la muséologie, c’est donc la valeur documentaire authentique de la réalité qui est contenue dans le produit culturel” (Evžen Schneider, 1977, Museum (UNESCO), vol. XXIX, n.º 4, pág. 189).

45

PATRIMOGRAFIA

Método concreto para realizar a descrição/levantamento/diagnóstico do Património, e do seu percurso etno-histórico em cada Contexto de Tempo e Espaço i) Método concreto para realizar a descrição/levantamento/diagnóstico do Património, e do seu percurso etno-histórico em cada Contexto de Tempo e Espaço. ii) A descrição/levantamento/diagnóstico do Património, e do seu percurso etno-histórico em cada Contexto de Tempo e Espaço e em cada Circunstância pode ser realizada através do seguinte Método:

REGIMES E ESCALAS DE TEMPO/ESPAÇO: Existe, em termos matemáticos, para um tempo/espaço quantificado (R), e para um objeto/facto particular (N), uma qualquer diferença (X) entre [O1, O2, O3], ou [U1, U2, U3], ou [V1, V2, V3]?

Objeto/ Facto

Uso

Valor/ Significado

Passado Antes Anterioridade

O1

U1

V1

Presente Agora Contemporaneidade/Coetaneidade

O2

U2

V2

Futuro Depois Posterioridade

O3

U3

V3

OBJETO/FACTOS

que são PATRIMÓNIO

USO

VALOR

PATRIMÓNIO: objetos/factos concretos tal como existiam no Passado.

USO dado no Passado.

VALOR que tinham no Passado.

Page 50: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

50

PATRIMÓNIO: objetos/factos concretos que existem no Presente.

USO dado no Presente.

VALOR que têm no Presente.

PATRIMÓNIO: objetos/factos concretos que se consideram para o Projeto que se propõe para o Futuro.

USO que se quer dar no Futuro com o Projeto que se propõe.

VALOR que se deseja que venham a ter no Futuro com o Projeto que se propõe.

Esta ferramenta-de-análise permite (de modo empírico, rigoroso e quantificado) descrever e estudar a historicidade dos processos e mudanças que ocorrem no Património a nível do valor, do uso, e do objeto (material e imaterial).

46

PATRIMOLOGIA (definição)

Ciência que Estuda e Gere o Património com a finalidade de contribuir para a obtenção de uma vantagem Adaptativa, ou a mera possibilidade de prosseguimento, no processo de Continuidade i) “Ciência que Estuda e Gere o Património (entendido como os Objetos considerados suficientemente Relevantes para serem transmitidos às gerações seguintes) com a finalidade de contribuir para a obtenção de uma vantagem Adaptativa, ou a mera possibilidade de prosseguimento, no processo de Continuidade (vida/existência)” (Pedro Manuel-Cardoso, 2008) ii) “A Patrimologia, enquanto Ciência, procura o conhecimento e a técnica de transformação do Património numa Codificação; possível de ser lida e acedida, simultaneamente, pelos mecanismos bioquímicos e moleculares da cognição humana, por uma linguagem informática, e por uma linguagem simbólica/sociocultural [também designada por “objeto museológico” (Mário Moutinho), ou “Segundo-Objeto” (Pedro Manuel-Cardoso)] de modo a ser possível restitui-la aos presentes e vindouros, prolongando a estratégia de Vida iniciada nos Eucariotes, ou antes” (Pedro Manuel-Cardoso, 2008). iii) A Patrimologia é a ciência que estuda e gere o Património (arquivístico, bibliográfico, museal, documental, artístico, arquitetónico, imaterial, digital, informacional, videográfico, cinematográfico, natural, cultural, e outros mencionados pela ONU/UNESCO, nas legislações em vigor, e nas normas de cada Cultura). iv) A Patrimologia é a disciplina do conhecimento que estuda e gere o Património de modo a permitir que seja codificado, preservado, documentado, comunicado, e reconstituído pelos presentes e vindouros. v) Se substituirmos «museu» por «património» o conceito de Museologia e de Objeto mais próximo de Patrimologia está presente no seguinte texto: “Le monde est un tout formé de choses et de changements. Du point de vue muséologique un objet est le document le plus authentique de la réalité, la preuve directe de ce qui unit les choses et les changements. Un objet n’a de valeur documentaire pour l’homme que s’il répond à certaines exigences. Le muséologue extrait les objets de leur situation originelle parce qu’ils peuvent satisfaire le besoin de connaissance, d’éducation ou de comparaison des valeurs. Ce qui intéresse la muséologie, c’est donc la valeur documentaire authentique de la réalité qui est contenue dans le produit culturel” (Evžen Schneider, 1977, Museum (UNESCO), vol. XXIX, n.º 4, pág. 189).

47

PATRIMOLOGIA (percurso histórico)

Percurso histórico (perspetiva europeia): i)

NOVAS INTERROGAÇÕES SUSCITADAS PELA TENTATIVA DE REDEFINIÇÃO:

Page 51: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

51

Colóquio «Fórum UNESCO»: “O que é o Património?” (Paris, Abril 2012) Dia Internacional dos Museus 2012 (ICOM): “Museus num Mundo em Transformação - Novos desafios, novas inspirações”. “Essas mutações operam uma rutura epistemológica na própria definição de museu?” (M. Regourd, 2012, Musées en Mutation: un espace public à revisiter. Toulouse: L’Harmattan) Patrimologia. “A Museologia é uma designação que deveria ser substituída por Patrimologia, pois trata-se de uma ciência que estuda e gere o Património (arquivístico, bibliográfico, museal, documental, artístico, arquitetónico, imaterial, digital, informacional, videográfico, cinematográfico, natural, cultural, e outros, de acordo com as normas de cada Cultura, da ONU/UNESCO, e das legislações em vigor) – isto é, a Relevância – prolongando a estratégia Eucariote” (Pedro Manuel-Cardoso, 2010) Patrimologia: “Uma nova disciplina do Conhecimento que tem por objeto o modo como o Património pode ser codificado para ser preservado, documentado, comunicado, e reconstituído pelos presentes e vindouros?” (….) “O Património, muito mais de que uma coisa, deve ser concebido como uma Decisão sobre a Relevância inserida no trabalho dos humanos perante a Continuidade, realizado através da memória, ou de qualquer outro tipo de codificação. A Museologia, enquanto ciência, procura o conhecimento e a técnica de transformação do Património nessa Codificação ou Segundo Objeto de modo a ser possível restitui-lo aos presentes e vindouros, prolongando o fazer biológico não-humano iniciado na vida Eucariote” (P. Manuel-Cardoso, 2008).

TENTATIVA DE REDEFINIÇÃO CONCEPTUAL DE ‘MUSEU’, ‘PATRIMÓNIO’ E ‘MUSEOLOGIA’

Convergência programática com a ideologia do Desenvolvimento. (Nouvelles de l’ICOM, Dia Internacional dos Museus ICOM 2008) “Teorizar o Património Cultural” (Programa do Smithsonian Institute) “Valor do Património para a Sociedade” (Convenção-Quadro do Conselho da Europa para o Património Cultural, 2005) Imaterialidade e Intangibilidade (Definição de património imaterial redigida pelos peritos da UNESCO)

DESENVOLVIMENTO, PARTICIPAÇÃO, MOBILIZAÇÃO DA COMUNIDADE

"(....) o objeto não possui realidade senão através do ser humano que o exprime e interpreta Em função de uma Cultura, ou de modo mais preciso, através de um indivíduo concreto sem o qual a mensagem jamais existirá." (J.-P. Mohen, 1999, Les Sciences du Patrimoine) “A função museológica é fundamentalmente um processo de comunicação” (Declaração de Caracas 1992) Participação da Comunidade (Declaração de Oaxtépec 1984). Encontro do Património e dos Museus com a noção de Desenvolvimento: Declaração de Québec 1984. Em 1974 o conceito e a palavra Desenvolvimento entram pela primeira vez na Definição de Museu do Conselho Internacional de Museus (ICOM/UNESCO). “Ao serviço do indivíduo e da sociedade” (Declaração de Santiago do Chile 1972).

DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AO PATRIMÓNIO E SERVIÇO EDUCATIVO

“Dar à função educativa a importância que merece” (Seminário Regional da UNESCO sobre a função educativa dos Museus, 1958).

Interactividade.

Abertura e acesso ao público. ICOM (Conselho Internacional dos Museus). UNESCO. ONU. “2.ºGuerra Mundial”. “1.ª Guerra Mundial”.

PROFISSIONALIZAÇÃO

Representação da Realidade: os “princípios”, as “regularidades” e as “leis naturais” (“Habitat rooms” e “Period rooms”)

“O original ou a cópia?” (a “maqueta” e o “modelo”)

“Exposições Universais” (“Progresso” e “Evolucionismo”).

MUSEU, PATRIMÓNIO E IDENTIDADE NACIONAL

“Nascimento do museu … ao serviço da instrução e do ideário da Revolução Francesa de 1789”. Classificar e Hierarquizar (“dos universos ao Universo”; o “Enciclopedismo”). Ostentar e Instruir (“As Luzes”).

GABINETES DE CURIOSIDADES E SALAS DE MARAVILHAS

2015

2012

2010

2008

2008

2008

2005

2001

séc. XXI

1999

1992

1984

1984

1974

1972

1970

1958

1946/7

1945

1939-45 1916-18

XIX-XX

XVIII-XIX

XVII-XVIII

Page 52: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

52

“Recriar o Universo no microcosmo museal”. Acumular e coleccionar (“Património para observar e estudar”). Curiosidade pelo diferente e pelo “Outro”: raridade, troféu, panóplia, relíquia. (“O Mundo Europeu em expansão”).

DESCOMPARTIMENTAÇÃO EUROPEIA

“Renascimento”. [“Não é credível que o Património seja – na sua origem, estudo e gestão – apenas um assunto Europeu. Revela uma perspetiva etnocêntrica não sustentada pelos factos empiricamente verificáveis.” (Pedro Manuel-Cardoso, 1991)]

XV-XVII ?

Quadro-Síntese do percurso museológico e patrimonial na perspetiva do ICOM/ICOFOM.

48

PATRIMOLOGIA, MUSEOLOGIA, SOCIOMUSEOLOGIA

A Patrimologia é a fase/etapa que sucede à Museologia e à Sociomuseologia no «estudo, investigação, formação, ensino e gestão do Património» i) A Patrimologia é feita por profissionais (patrimólogxs (as/os) com formação académica legalmente reconhecida, equiparada no mínimo a Mestrado, após uma formação inicial de Licenciatura ou formação equiparada (com um mínimo de 200 ECT’s) em qualquer dos ramos da Gestão do Património (biblioteconomia, arquivologia, museologia, conservação ou restauro). A aplicação da Patrimologia à Gestão do Património pode ser realizada por outros profissionais desde que orientados por Patrimólogxs (as/os) legalmente credenciados.

49

PATRIMÓLOGX (a/o)

Aquelx (a/o) que exerce a profissão de Patrimologia com conhecimentos técnicos e científicos e uma formação devidamente credenciada

50

PATRIMÓNIO (definição)

Os Objetos suficientemente Relevantes que provocaram a decisão/escolha de serem transmitidos ao Futuro i) Os Objetos suficientemente Relevantes que provocaram a decisão/escolha de serem transmitidos ao futuro. Logo, o Património («os Objetos que se considera serem Relevantes para uma transmissão ao futuro») implica uma Decisão e uma Escolha/Seleção. Implica, também, a criação de uma assimetria de valor entre os Objetos que constituem a Realidade/Universo/Existência. ii) Objetos que foram sujeitos a uma classificação formal e institucional expressa em listas, normas, ou leis. Mas também Objetos que sofreram o reconhecimento social de um valor e de uma relevância mesmo na ausência desse acto formal de classificação. O que distingue o valor e a relevância patrimonial dos outros tipos de relevância é exigirem um trabalho consciente e sistemático de preservação, documentação e transmissão para o usufruto das gerações vindouras. O Património implica, assim, uma decisão sobre a hierarquia e a assimetria de valor entre as coisas que constituem a Realidade em cada contexto histórico, étnico, e sociocultural, às quais acresce um trabalho ou uma intenção de transmissibilidade.

“O Património é o trabalho dos humanos perante a Continuidade (Adaptação; Sobrevivência). E, tanto ou mais de que uma Coisa (Objeto), é sobretudo uma Decisão sobre a Relevância inserida nesse trabalho pela Continuidade, realizado através da Memória, ou de qualquer outro tipo de codificação ou suporte” (Pedro Manuel-

Page 53: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

53

Cardoso, 2010).

iii) Conceito de Património na Legislação Portuguesa em 2001:

“1 – Para os efeitos da presente lei integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objeto de especial proteção e valorização.” (Artigo 2.º, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro - Diário da República n.º 209, I.ª-A Série).

iv) Em 2010 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“Porque a Memória é constitutiva da Vida Eucariote ? O «estudo e gestão do que é Relevante (Património) para ser transmitido às gerações seguintes» fornece alguma competência/benefício para a Adaptação a longo-prazo? Qual? Se for «evitar o esquecimento», então, a Memória é um fenómeno neguentrópico constitutivo da Vida. Assim, o «estudo e gestão do património» (Patrimologia) terá legitimidade e utilidade enquanto disciplina autónoma no seio da Ciência.

v) O Património é uma ferramenta essencial à escolha da Relevância por cada Identidade Humana que se expressa historicamente num determinado Território. A escolha da Relevância a transmitir às gerações vindouras (Património) contribui para a Continuidade dessa Identidade. O Património tem a propriedade de ser capaz de preservar e desenvolver cada Identidade particular (comunidade, nação, país), no respeito integral pela sua diversidade e singularidade. E, do somatório da preservação e desenvolvimento de todas essas Diferenças, e apenas se elas não forem destruídas ou normalizadas, é que o Património contribuirá para aquilo que designamos por Humanidade.

51

PATRIMÓNIO (tipos e classificações)

Os Suportes de que o Objeto se reveste dão origem a diferentes designações que servem para adjetivar e classificar o Património i) Os Suportes de que o Objeto se reveste dão origem a diferentes designações que servem para adjetivar e classificar o Património. Por exemplo: arquivístico, bibliográfico, documental, imaterial, digital, informacional, videográfico, cinematográfico, museal, natural, ambiental, cultural, e outras expressões (vulgarmente utilizadas na linguagem comum, e escritas nos textos das normas de cada Cultura, nas listas da ONU/UNESCO, e nas legislações em vigor). ii) Para a Patrimologia é o Conceito de Objeto que permite discernir e analisar com rigor científico os diferentes Tipos e Classificações que são dadas ao Património, e o significado e a lógica dessas inúmeras designações e nomes.

52

PATRIMÓNIO (polissemia e plurissignificação)

Capacidade de um Objeto Patrimonial assumir vários significados, sobretudo, a sua capacidade de revelar o modo de ser percepcionado pela lógica de cada Observador/Percepcionador i) Capacidade de um Objeto Patrimonial assumir vários significados. ii) A propósito da “Polissemia do Património” Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“A problematização do Património − enquanto processo de construção do objeto

Page 54: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

54

de estudo – exige abordar a questão da Polissemia do Património. A natureza polissémica do património, e a necessidade desse problema ser constantemente resolvido nas expografias, constitui, ao lado da ‘definição de património’, um dos principais problemas da interpretação. A observação participante permitiu vivenciar, por dentro, o modo como os profissionais de museologia/património lidaram com o problema de um mesmo objeto patrimonial assumir vários significados consoante a perspetiva fosse do emissor (museóloga/o, curador/a, museu), fosse do receptor (visitante, público, comunidade, diferentes grupos dentro da sociedade), ou derivasse da mudança do tempo histórico. Do objeto patrimonial estar sempre para além da evidência empírica e do positivismo do contexto onde está inserido. Quer por causa dos limites perceptivos e conceptuais dos responsáveis pelo património (museóloga/os), quer pelo discurso e pelos limites daquilo que se é capaz de dizer dele, quer ainda pelo trabalho museológico em si mesmo (i.e., pela especificidade da musealização característica de cada época). Por outras palavras, perante uma vitrina e um objeto patrimonial nunca ser possível encontrar uma resposta plena para as perguntas: «Estou a ver o quê? Como, dentro de mim, e por que parte de mim, estou a vê-lo? O que é que sempre vi do que estou a ver, e o que poderei ainda não ter visto? O que é que esse ver não me deixou ver? Qual é a responsabilidade na comunicação que se faz dele à comunidade?». Porque, no lado do receptor, onde alguém vê no objeto a prova de uma vitória militar, outra pessoa vê no mesmo objeto um acto criminoso de colonialismo; onde alguém vê no objeto o lado positivo, outra pessoa vê o lado negativo. O objeto é simultaneamente o verso e o anverso, a afirmação e a negação, a lembrança de algo e o esquecimento de outra parte, e assim sucessivamente.

A polissemia do património atingiu uma profunda complexidade. Alguns exemplos ajudam a dela se tomar consciência.

Repare-se nos objetos que, alinhados numa vitrina de vidro, faziam parte da exposição ocorrida num museu em Berlim: “(…) um isqueiro cor-de-rosa, uma pregadeira de metal em forma de poodle, um abre-garrafas, uma pulseira de senhora (de prata, provavelmente), um gancho de cabelo, um lápis de madeira, uma pistola de água de plástico de criança, uma faca de plástico, óculos de sol, uma pequena corrente de aço com cerca de 46 cm de comprimento, quatro pregos (grandes), um carro de plástico verde, um pente de metal, um distintivo de plástico, uma bonequinha, uma lata de cerveja (Pilsener, de 2,84 decilitros), uma caixa de fósforos, um sapato de bebé, uma bússola, uma pequena chave de carro, quatro moedas, uma faca de cabo de madeira, uma chucha, um molhos de chaves (5), um cadeado, um saquinho de plástico com agulhas e linha.” (Ugrešić, 2011, p.9). A esta exposição, ocorrida no Museu-Jardim Zoológico de Berlim, os organizadores chamaram: “A morsa Roland”. Mas, Dubravka Ugrešić chama à mesma exposição: “A morsa que morreu uma semana após a construção do Muro de Berlim”, ou “O caprichoso apetite de uma morsa” (Ugrešić, 2011, p.10). E talvez se pudesse chamar-lhe apenas: ‘Uma morsa’. Afinal, o que o Museu-Jardim Zoológico de Berlim expôs foram os objetos encontrados no estômago da morsa Roland, falecida em 21 de Agosto de 1961no mesmo mês e ano em que iniciou a construção do “Muro de Berlim”.

É deste modo que Ugrešić inicia o seu “Museu da Rendição Incondicional” (2011). Um museu que tem por objetos «os fragmentos narrativos da narratária de Ugrešić», uma quinquagenária croata exilada em Berlim. À exposição desses objetos a editora Cavalo de Ferro chama: “Retrato da cultura e da identidade europeias”. Mas Larry Wolf chama-lhe: “O espírito conturbado e de crise da Europa no final do século XX”. E o jornal The Independent chama-lhe: “Reflexões sobre a cultura, a memória, e a loucura”.

Considere-se um outro museu. O “Museu da Inocência” de Orhan Pamuk (2010). Os objetos desse museu são todos aqueles que foram tocados pela amada de Kemal, ou os que a evocavam: “(…) objectos pessoais, um brinco, um gancho de cabelo, bilhetes de cinema, porcelanas, beatas de cigarros que Füsun fumava (…)”. O tema e o nome da exposição poderiam ser: “O Amor”, ou “O amor de Kemal por Füsun imaginado por Pamuk”.

Alguns alunos da Universidade de Évora, em 1997, criaram uma Exposição que percorreu vários locais. Por exemplo, em Lisboa, esteve na Sociedade Nacional de Belas Artes (2003) e no Palácio Galveias (2009). Os objetos desta exposição eram pedaços de telas, desenhos e pinturas abandonadas nos ateliês, que não tivessem nem nome do autor nem a data em que foram concluídos. A esta exposição chamaram: “Museu do Esquecimento”. Mas poder-se-ia chamar: “O que é esquecido”, ou “O que é abandonado”, ou “O resto”. Aqui, não é um museu que faz uma exposição e dá-lhe um nome; aqui, é a Exposição que chama à exposição: ‘museu’.

Regressando ao “Museu da Rendição Incondicional” e ao “Museu-Jardim Zoológico de Berlim”, verificamos que é a própria Dubravka Ugrešić que põe os visitantes a hesitarem no significado que hão-de atribuir ao que vêm: “o visitante fica de pé, diante da exposição invulgar, mais encantado do que horrorizado, como se estivesse perante achados arqueológicos.” (Ugrešić, 2011, p.10). Mas o que releva para a polissemia do património é a autora afirmar perentoriamente que os visitantes não conseguem resistir “(…) ao pensamento poético de que com o tempo os objetos adquiriram algumas ligações secretas, mais subtis.” (Ugrešić, 2011, p.10). A autora presume que há uma ‘vontade’ misteriosa que liga os objetos, e que funciona independentemente do arbítrio humano. E isso é válido para os objetos de todas as exposições de todos os museus de toda a museologia. Cada pessoa terá uma opinião diversa acerca do significado dessa ligação, porém, ela manter-se-á perene. Mais adiante, no capítulo

Page 55: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

55

VII, quando se abordar o desafio que o património coloca à antropologia, encontrar-se-á a opinião de que essa enigmática ligação dos objectos ao ser humano se explica por um pretenso instintivismo (A. Leroi-Gourhan, K. Pomian, J. Poirer, J.-P. Mohen, Le Goff, Rivière, O’Reilly, S. Pearce, P. Descola).

O problema da polissemia do património entronca num debate muito antigo, para o qual recentemente Junqua & Lacouture contribuíram a propósito do património dos gestos ao afirmarem: “O erro do empirismo é crer que os factos constatados contêm já a explicação do fenómeno. Exactamente ao contrário, é necessário encontrá-la.” (Junqua & Lacouture, 2001, p.9). Antes, Karl Popper tinha afirmado: “a raiz desse problema está na aparente contradição entre o que pode ser chamado de «tese fundamental do empirismo» ¾ tese segundo a qual só a experiência pode decidir acerca da verdade ou falsidade de um enunciado científico ¾ e o facto de Hume se ter dado conta da inadmissibilidade de argumentos indutivos.” (Popper, 1985, p.44). E Fernando Gil acrescentaria ao debate a afirmação: “Experiência e Juízo partem do mesmo ponto. A experiência é «evidência dos objectos individuais» e a evidência dos objetos individuais constitui «o conceito de experiência no sentido mais lato». (…) Evidência do objeto individual e Experiência definem-se uma pela outra. (…) a concreção do individual exprime-se por um poder de fascinação por onde passa a função de apresentação: eis o segredo da operação da evidência.” (Fernando Gil, 1986, pp. 253/254).

Os resultados desta pesquisa indicam que a questão patrimonial apenas pode ser pensada através de premissas e categorias de um tipo lógico mais amplo. Exigindo uma investigação que seja um exercício conceptual e crítico, capaz de questionar a importância e a imprescindibilidade do património. Pois os resultados anteriores indicam claramente que apesar dessa importância e desse valor poderem ser dados numa determinada época ou período histórico por uma determinada Cultura, nada garante que lhe sejam dados noutra. A permanência de um significado único para os objetos que constituem o património não é um facto seguro ou inevitável. Nem a resposta para o seu ‘significado’ é obrigatoriamente idêntica ao considerarmos várias escalas de tempo e de espaço (i.e., vários contextos e Culturas). O resultado da investigação indica que o valor patrimonial, apesar dessa variação de significado, e apesar de vulgarmente ser justificado pelo benefício junto da Sociedade e dos Indivíduos, permanece um facto constante. Ou seja, por um lado possui diferentes significados, e por outro lado está sempre presente. Logo, o estudo do património obriga a considerar categorias de entendimento de um tipo lógico exterior às que engendra dentro de si. E de que o «museu» e o «património» não podem ser reduzidos, como vulgarmente se faz, a uma mera narrativa ou a um acto de comunicação com os indivíduos e as comunidades. Em suma, a questão patrimonial, em suma, obriga a antropologia a refletir sobre alguns dos seus problemas de sempre: herdado/adquirido; individual/social; estrutura/agência; contexto/processo; semelhança/diferença; construção/desconstrução/reconstrução; passado/presente/futuro; permanência/mudança; material/imaterial; objeto/representação; suporte/documento; documento/informação; local/global.” (Pedro Manuel-Cardoso, 2010).

53

PERCEPÇÃO

Os limites e a lógica inerente a quem ou ao que percepciona i) Sistema de Percepção de acordo com James Gibson (1966):

PERCEPÇÃO

Modos de atenção

Unidades de recepção

Anatomia do órgão

Actividade do órgão

Estímulos disponíveis

Informação externa

sistema fundamental de orientação

orientação geral

receptores mecânicos

órgãos vestibulares

equilíbrio do corpo

forças de gravidade e de aceleração

direcção da gravidade, ser empurrado

sistema auditivo

ouvir receptores mecânicos

órgãos do ouvido interno com o ouvido médio e a aurícula

orientação para os sons

vibração no ar

natureza e lugar dos acontecimentos vibratórios

sistema háptico

tocar receptores mecânicos e talvez receptores térmicos

pele, articulações, músculos

exploração de vários tipos

deformação dos tecidos, configuração das articulações, esticamento das fibras

contacto com a terra, encontros mecânicos, formas dos objectos, estados materiais, solidez ou viscosidade

Page 56: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

56

sistema gosto-odor

sentir receptores químicos

cavidade nasal (nariz)

fungar composição do meio

natureza das fontes voláteis

sistema gosto-odor

saborear receptores químicos e mecânicos

cavidade oral (boca)

saborear composição dos objectos ingeridos

valores nutritivos e bioquímicos

sistema visual

ver receptores de luz

mecanismo ocular

acomodação, regulação pupilar, fixação, convergência, exploração

as variáveis estruturais na luz ambiente

tudo o que pode ser especificado pelas variáveis da estrutura óptica (informação acerca dos objectos, animais, movimentos, acontecimentos e lugares)

ii) Fernando Gil, em 1996, no “Tratado da Evidência” escreveu:

“A orientação não é uma condição de possibilidade puramente formal. Ela trabalha o espírito em permanência. Nada se encontra para aquém «do próximo e do distante», «da esquerda e da direita», «do alto e do baixo», «das costas e da frente», coisa que será confirmada pela neurologia e pela linguística da orientação. Esboçar um movimento numa certa direção marca o momento inicial de um processo que, através de diversas metáforas, conduz à Evidência. O «sistema dos sentidos» baseia-se na orientação, a qual prepara a atenção, que pertence à conceptualidade da Evidência” (F. GIL, 1966, p.50)

54

POSITIVISMO

A crença de que os Objetos podem ser compreendidos e percebidos de modo independente ou fora dos limites perceptivos e cognitivos específicos do Ser-Humano i) Proposta do “Empirismo Lógico” da “Escola de Viena” (R. Carnap, Moritz Schlick, 1924: Validação com base em proposições estritamente empíricas, as únicas a que é permitido formular teorias, cuja prova assenta na indução de observações concordantes com as suas previsões, exigindo uma descrição baseada na física, química e matemática; ii) Proposta da “Lógica Dedutiva” de Karl Popper em 1932: Validação com base na falseabilidade (Popper, 1932/1985:42 e 91) e na refutabilidade ou confirmação das teorias científicas por dedução, e não por demonstração totalmente indutiva. Não basta apenas um erro ou uma discordância para refutar toda a teoria).

55

PRESERVAÇÃO

Acto consciente de proteger e guardar o Objeto com intenção de transmiti-lo aos presentes e vindouros, inserido na Estratégia de Vida Eucariote

56

PROCESSO PATRIMONIAL ou PROCESSO DE PATRIMONIZAÇÃO

Processo de transformação de um Objeto em Património i) Processo e etapas concretas que, em cada contexto sociocultural, são utilizadas para realizar/fazer a transformação de um Objeto em Património:

N.º

ETAPAS DO PROCESSO PATRIMONIAL

AS

Page 57: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

57

ou de PATRIMONIZAÇÃO

TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NO

OBJETO

12

OUTPUT do Processo Patrimonial:

A preservação da Relevância (através dos Objetos Patrimoniais) enquanto vantagem Adaptativa para a Continuidade do Ser-Humano.

11

PROCESSO PATRIMONIAL ou PROCESSO DE PATRIMONIZAÇÃO:

Processo e etapas concretas que, em cada contexto sociocultural, são utilizadas para realizar/fazer a transformação de um Objeto em Património.

10

INTEGRIDADE PATRIMONIAL:

Gerir a classificação e a desclassificação patrimonial.

9

PATRIMÓNIO:

A classificação formal e institucional dada aos Objetos expressa em Listas, Normas, ou Leis.

8

IDENTIDADE PATRIMONIAL:

O reconhecimento social do valor patrimonial do Objeto; Ser Património para uma determinada população mesmo que não esteja Classificado.

7

IDENTIDADE MUSEAL:

A Localização e Contextualização do Objeto em museus, bibliotecas, bases-de-dados, hipocampo, in situ, ex situ, monumentos, infraestruturas, ou outro tipo de arquivos.

6

IDENTIDADE DOCUMENTAL:

A Identificação do Objeto através dos actos de codificação, registo, catalogação, indexação, informação, transferência para outros suportes)

5

IDENTIDADE FACTUAL:

A Individualização do Objeto através da qual adquire a validação social. O Objeto transforma-se em Documento/Facto.

4

IDENTIDADE ORIGINAL, GENÉTICA, ou AUTORAL:

O Objeto enquanto coisa individualizada. Autoria, criação, fabricação, formação ou origem do Objeto.

3

PERCEPÇÃO DO OBJETO:

O Objeto enquanto perceção de uma distinção/diferença relativamente aos outros Objetos que existem na

Page 58: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

58

Realidade/Contexto. O reconhecimento empírico da sua existência.

2

CONTEXTO a priori: ESTRUTURA DA RELEVÂNCIA /ESTRUTURA DO VALOR PATRIMONIAL (P. Manuel-Cardoso, 2010):

O mapa cognitivo e o sistema de critérios codificados na Memória (analogia, abdução, diferença, dedução, indução, anterioridade, procedência, simultaneidade) gerados durante a filogénese, provavelmente por oferecerem uma vantagem Adaptativa, que exercem uma pressão seletiva a priori sobre a escolha e a decisão da Relevância e do Valor Patrimonial dos Objetos (documentos/coleções/factos) que constituem a Realidade em cada contexto espácio-temporal.)

1

INPUT do Processo Patrimonial ou Processo de Patrimonização:

Escolha dos Objetos Relevantes que devem ser transmitidos às gerações vindouras.

ii) Em 2008 Pedro Manuel-Cardoso estabeleceu a seguinte comparação entre as quatro fazes propostas por Paul Ricoeur (1987) e G. Hegel (1807):

Pedro Manuel-Cardoso

PROCESSO DE

PATRIMONIZAÇÃO

[Transformação de um Objeto (facto/coisa) em

Património]

Paul Ricoeur

PROCESSO DE

FORMAÇÃO DA IDENTIDADE (P. Ricoeur,

1987)

[Transformação de um qualquer Indivíduo em Sujeito («Ser com a consciência de si, e da

sua identidade social»)]

G. Hegel

“FENOMENOLO-

GIA DO ESPÍRITO”

(G. Hegel, 1807)

[Transformação da Consciência em

Espírito]

4.«Se esse Objeto (coisa/facto) é Património, então, devemos conhecê-lo, preservá-lo, expô-lo, transmiti-lo aos vindouros».

4.IMPUTAÇÃO (o Eu diz-se a si próprio).

4. ESPÍRITO

3.«Um Objeto (coisa/facto) relevante que merece ser classificado de Património».

3.IDENTIFICAÇÃO (Eu digo a mim próprio).

3. RAZÃO

2.«Um Objeto (coisa/facto) Relevante; a que damos um nome».

2.INDIVIDUALIZAÇÃO (Eu digo que).

2.CONSCIÊNCIA DE SI

1.«Um Objeto (coisa/facto) tal como o encontramos».

1.INDIVÍDUO (Eu).

1.CONSCIÊNCIA

Page 59: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

59

57 REALISMO

A crença de que os Objetos podem ser compreendidos e interpretados fora e independentemente dos limites perceptivos e cognitivos específicos do Ser-Humano i) O Realismo é a crença de que os Objetos podem ser compreendidos e interpretados fora e independentemente dos limites perceptivos e cognitivos específicos do Ser-Humano. ii) “Le Réalisme est la croyance qu’il existe quelque chose – le Réel – indépendant de nous, et que ce réel subsiste lorsque nous cessons de l’observer. Le réalisme en physique, ou le réalisme atomique, ou microréalisme repose sur un credo : l’étude assez fine du monde physique amènera la découverte de particules ultimes qui constituent les objets de base de la Physique, particules dont la combinatoire permettra de rendre compte de ce qui existe“ (”Les Origines de la Vie”, Les Dossiers de La Recherche, 2013 mars, pp.18-22) iii) Ver também: Jean-Paul Delhaye “Logique, Informatique et Paradoxes”, col. “Pour La Science”, Paris: Belin, págs. 140-141 e 151 (“Le réalisme en mathématiques et en physique“). iv) Ver « Algoritmo da Construção do Real pela Ciência» (Pedro Manuel-Cardoso, 2010):

PONTO-DE-PARTIDA Z

/INPUT Z

PONTO-DE-PARTIDA Y

/INPUT Y

PONTO-DE-PARTIDA W

/INPUT W

CIRCUITO Z: PERCEPÇÃO

IMEDIATA

(perceção do senso-comum; interpretação sem esforço de

reflexividade)

CIRCUITO Y: INTERPRETAÇÃO

(relativismo interpretativo, pluridisciplinaridade, e

“compreensão”)

CIRCUITO W:

JUSTIFICAÇÃO E VALIDAÇÃO CIENTÍFICA

(“explicação”)

PERCEPÇÃO PRIMEIRA

(Percepçãp do fenómeno/facto/objeto/ realidade. Percepção da singularidade do ‘objeto/ fenómeno/facto/objeto/realidade (memória da situação) → SUBJETIVIDADE (inerente ao Observador).

PERCEPÇÃO PRIMEIRA

(idem)

PERCEPÇÃO PRIMEIRA

(idem)

INTERPRETAÇÃO Ordem e encadeado causal (1.º nível de compreensão) → subjetividade tutelada (inerente ao Paradigma vigente).

INTERPRETAÇÃO

INTELIGIBILIDADE Os outros dois níveis de compreensão: ‘exegese’ (J.Rancière, 2010) e ‘hermenêutica’ (Gadamer, 1900; Heidegger, 1927).

O modo como a interpretação e a compreensão foram justificadas pelos argumentos e provas a que chegaram os outros “autores” até ao momento)

INTELIGIBILIDADE

INVESTIGAÇÃO INVESTIGAÇÃO

Page 60: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

60

“Heurística positiva” de Imre Lakatos (as direções que vale a pena investigar)

RESULTADO ALCANÇADO

RESULTADO ALCANÇADO

REFUTAÇÃO / CONFIRMAÇÃO Pela ‘experiência’ (indução) ou/e pela ‘retórica’ (dedução); pelo ‘método científico’ (pretensamente aberto e independente do autor), pelo dogma (encerrado no contexto de cada narrativa, ou de cada convicção), por conjetura introspetiva (por invenção/intuição/imaginação), ou por outros métodos.

REFUTAÇÃO / CONFIRMAÇÃO

JUSTIFICAÇÃO: Argumentos e fatores de prova (as várias interpretações postas

em comparação) INTERSUBJETIVIDADE

DÚVIDA (pesquisa intencional e sistemática sobre as fraquezas e contradições dos ‘argumentos’, dos ‘dados’, e das ‘relações’)

CONTEXTO: Evidência. Fiabilidade. Probabilidade. Validade/Validação:

i) Proposta do “Empirismo Lógico” da “Escola de Viena (R. Carnap; Moritz Schlick, 1924: Validação com base em proposições estritamente empíricas, as únicas a que é permitido formular teorias, cuja prova assenta na indução de observações concordantes com as suas previsões, exigindo uma descrição baseada na física, química e matemática; ii) Proposta da “Lógica Dedutiva” de Karl Popper em 1932: Validação com base na falseabilidade (Popper, 1932/1985:42 e 91), e na refutabilidade ou confirmação das teorias científicas por dedução, e não por demonstração totalmente indutiva. Não basta apenas um erro ou uma discordância para refutar a teoria).

Page 61: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

61

ASSENTIMENTO (proporção entre a ‘afirmação’ e o ‘consenso’, entre o ‘emissor’ e o

‘recetor’) OBJETIVIDADE

INTEGRAÇÃO NO PARADIGMA

i) Proposta de Thomas Kuhn, 1962: o desenvolvimento do conhecimento científico baseado nos conceitos de paradigma e de revolução científica). ii) Proposta de Imre Lakatos, 1965: o desenvolvimento do conhecimento científico entendido à luz da competição entre diferentes programas de investigação).

ADESÃO (Resultados aceites pela comunidade científica)

PERCEPÇÃO SEGUNDA

Z, e seguintes.

PERCEPÇÃO SEGUNDA Y,

e seguintes.

PERCEPÇÃO SEGUNDA

W, e seguintes.

PONTO-DE-CHEGADA Z

/ OUTPUT Z (sempre provisório)

PONTO-DE-CHEGADA Y

/ OUTPUT Y (sempre provisório)

PONTO-DE-CHEGADA W

/ OUTPUT W (sempre provisório)

58

RECONSTITUIÇÃO

Obter e codificar as instruções e técnicas que permitem refazer, re-fabricar, reconstruir, e recriar o Objeto quando perde o(s) Suporte

59

RELATIVISMO CULTURAL E INTERPRETATIVISMO

A crença e o pressuposto de que as coisas/objetos são explicadas pelo Contexto e pela relação de interdependência (pelas “semelhanças de família” de L. Wittgenstein), motivado pela luta ideológica contra as verdades únicas/absolutas, o Evolucionismo, e o Estruturalismo i) As obras que instituíram o Interpretativismo e o Relativismo Cultural em Ciências Sociais: GEERTZ, Clifford (1973). “The Interpretation of Cultures”. New York: Basic Books; CLIFFORD, James & MARCUS, George E. (eds) (1986). “Writing Culture: the poetics and politics of Ethnography”. Berkeley: University of California Press; CLIFFORD, James (1988). “The Predicament of Culture”. Cambridge, MA: Harvard University Press. ii) A influência do Relativismo Cultural e do Construtivismo expressam-se na mesma época nas obras: BLOOR, David (1976). “Knowledge and Social Imagery”, London: Routledge &

Page 62: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

62

Kegan Paul [2.ª ed., 1991, Chicago: University Chicago Press]; LATOUR, Bruno & WOOLGAR, Steve (1979). “The Social Construction of Scientific Facts”. Bevery Hills, Calif.: Sage Publications; PICKERING, Andrew (1984). “Constructing Quarks: A Sociological History of Particle Physics”. Chicago: University Chicago Press. iii) Opinião sobre o Interpretativismo e o Relativismo Cultural: COX, Christoph (2011, August). Beyond Representation and Signification: Toward a Sonic Materialism. In Journal of Visual Culture, vol. 10(2). 2011 August. Los Angeles, London: Sage, pp.145-161. “Culture is construed as a field or system of signs that operate in complex relations of referral to other signs, subjects, and objects. Cultural criticism and theory is taken to be an interpretative enterprise that consists in tracking signs or representations (images, texts, symptoms, etc.) through the associative networks that give them meaning, networks that are always in flux, thus ensuring that meaning is never fixed or stable. (…) Indeed, these approaches often have a deep suspicion of the extra-symbolic, extra-textual, or extra-discoursive, viewing such a domain as either inaccessible or non-existent.” (2011, p.146). iv) Opinião sobre o Interpretativismo e o Relativismo Cultural: MONAGHAN, John & JUST, Peter (2000). “Social & Cultural Anthropology”. Oxford: Oxford University Press. A propósito de uma doutoranda que propôs uma tese sobre a “modéstia feminina” Peter Just previu que o resultado final acabaria por ser o seguinte: “- that every culture everywhere has some concept that corresponds to our notion of ‘modesty’.- that within a given culture it will be applied differently to men and women and differently to the powerful and the less powerful.- that a given culture will regard its standards of modesty as ‘natural’ rather than culturally determined.- that ‘modesty’ will have a moral value and a given culture will regard others with stricter standards as prudes and those with looser standards as immoral.- and, that its content will vary widely and arbitrarily across time and space; indeed, that what will be regarded as thoroughly immodest in one place will be regarded as quite proper elsewhere.” (Monaghan & Just, 2000, p.141) “(…) what Peter was able to predict about ‘female modesty’ could be summed up as ‘People are everywhere the same except in the ways they differ’, which is not, admittedly, a very profound statement. Yet in an important sense it is what a century of anthropology has taught us, and on closer inspection this is no small thing. It teaches us, for one thing, to take nothing about human beings for granted. When someone begins a peroration with the phrase ‘but of course, it’s human nature to …’, start looking for the exit! Because what you are about to hear will most likely reflect the speaker’s most deeply held prejudices rather than the product of a genuine cross-cultural understanding. Every time anthropologists have attempted to generate universal rules governing human behaviour, the rules have either been proven empirically wrong or are so trivial as to be uninteresting. This is not say that some attempts at figuring out what really is universal to human being’s haven’t been better than others or that we haven’t learned a good deal from such attempts. “But it is to say that trying to discern patterns in human social life that are broad enough to include all the variations human cultures have produced, while remaining true to the specific cultural contexts that produce those variations, is a hazardous − if not impossible − undertaking.” (Monaghan & Just, 2000, p.141) v) A Conferência da Wenner-Gren Foundation em 2010 critica esta submissão da antropologia ao Interpretativismo e Relativismo Cultural. Passa a valorizar a Cognição, suportada na tese de Wynn & Coolidge, 2010. O nome da Conferência é elucidativo: “Beyond Language and Symbolism”. vi) A Epistemologia Fenomenológica deu origem ao Relativismo Cultural em ciências sociais, e a noções como: “capital cultural” (P. Bourdieu, J.-P. Passeron, Stanton-Salazar & S. Dornbusch, M. Emmison & J. Frow, S. Dumais, B. Martin & I. Szelenyi); “hibridismo” (B. Latour, N.G. Canclini, U. Hannerz, Z. Bauman, P.H. Hans, A. Kahn, S. Mintz & R. Price); “multiculturalismo” (V. Van Dyke, M. Walzer, W. Kymlicka, I.M. Young, D. Miller, C. Taylor, P. Kelly); “interdisciplinaridade líquida” (Z. Bauman); “etnicidade”, “identidade” e “vozes múltiplas” (E. Said, T. Eriksen, R. Rosaldo, R. Handler, J. Clifford, C. Bruman, R. Brubaker, B. Latour, L. Berger,

Page 63: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

63

R.E. Sheriff, W. Bissel, T. Mitchell, A. Tsing, B. Anderson); “género” (G. Spivak, C. Mohanty, M. Strathern, S. Mahmood, A.L. Stoler), “transnacionalismo” e “globalização” (L. Basch & N. Glick Schiller & C.S. Blanc, J. Comaroff & J. Comaroff, A. Portes, J. Fabian, S. Narotzky & G. Smith, E.P. Thompson, A. Bensa, J. Scott, E. Traverso). vii): A metodologia designada por “In The Wild” tem por antecedentes o trabalho-de-campo iniciado nas Ciências Sociais (etnografia, antropologia, etnologia) designada, no início do século XX, por “observação participante”, e que por influência da fenomenologia (Dilthey, Plessner, Gadamer) haveria de dar origem a metodologias mais invasivas da relação observador-coisa-observado (Goffman, Cicourel, Glaser & Strauss, Garfinkel) tais como a etnometodologia, grounded theory, auto-etnografia, “etnografia provocativa” (Mete Bovin), shadow curating, e outras.

60

RELEVÂNCIA

Fenómeno bio-socio-cultural de assimetria de Valor entre as coisas/objetos que constituem a Realidade i) Fenómeno bio-socio-cultural (molecular, epigenético e social) que cria uma assimetria de Valor entre as coisas/objetos que constituem a Realidade, em cada Contexto espácio-temporal, apesar do Ser-Humano (e dos outros seres vivos por ele influenciado) desconhecerem a Verdade Única ou a Certeza Absoluta acerca deles. Este fenómeno é necessário, crucial e imprescindível à Vida no que se refere às vantagens Adaptativas que proporciona às populações humanas no seu processo de Adaptação e de Seleção Natural. ii) É a Relevância que compele à classificação das coisas/objetos em Património (“processo de patrimonial ou de patrimonização”), e ao Estudo e Gestão do Património.

iii) [Relevância Assimetria de Valor Património]

“A Questão Patrimonial é por isso de um tipo lógico diferente. Não é óbvia como aparentemente se faz crer. Ela encerra um enigma difícil. O de ser surpreendente que, apesar de não existir nenhuma certeza absoluta acerca do mundo e das coisas que o compõem, o ser humano saiba, apesar disso, decidir o que é Relevante e o que não é. Que, perante tudo o que o rodeia – sejam a natureza, o mundo, ou nós próprios – saiba atribuir mais valor a umas coisas do que a outras; saiba preferir isto a aquilo; seja impelido a relevar e a preferir; e, depois, saiba decidir o que é ‘património’. Aristóteles, no Livro III da Ética a Nicómaco alertara para a questão da preferência, mas mais ninguém com ela se preocupou, senão nos aspectos jurídicos e éticos. E muito menos a relacionaram com a questão patrimonial. A relação do ser humano com aquilo que designa por «património» revela um comportamento regular e permanente ao longo de toda a sua história, que tem por base essa decisão. (…)” (Pedro MANUEL-CARDOSO, 2013, “Museologia e Ciência. Campo Disciplinar e Objeto de Investigação, Contributo para a construção da problemática que contextualiza o campo disciplinar da SocioMuseologia”, p.10)

iv) Aristóteles e Paul Ricoeur, à distância de mais de dois mil anos, referem-se à Relevância do seguinte modo: - “É notável que o actante se remeta para os objetos como «objetos-valores». Se é em termos de «avaliação» que me reporto ao mundo, então, não pode suceder que «eu não me avalie a mim próprio» a partir do momento em que «valorizo», isto é, desde o momento em «prefiro uma coisa a outra». Remeto aqui para a análise da «preferência» feita por Aristóteles no Livro III da Ética a Nicómaco. «Preferir» é «pôr algo acima de qualquer coisa»; neste sentido, todas as preferências implicam uma operação hierarquizante. Louis Dumont insiste fortemente na função hierarquizante. Vê nela uma estrutura fundamental através da qual as próprias «significações» de uma comunidade histórica se revestem de uma função ideológica. É esta função hierarquizante que eu vejo construída na linguagem, logo, «preferir» é dizer: «mais vale isto do que aquilo».” (RICOEUR, Paul (1988). Indivíduo e identidade pessoal. In: Veyne, P. & Vernant,

Page 64: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

64

J-P. & Dumont, L. et al., “Indivíduo e Poder”. Col. Perspectivas do Homem. Lisboa: Edições 70; pág.83). v) Em 2001, Dan Sperber e Deirde Wilson referem-se à Relevância do seguinte modo: - “O que torna razoável essa esperança é o facto de os seres humanos possuírem um certo número de heurísticas, sendo algumas delas inatas, outras desenvolvidas através da sua experiência, cujo objetivo será o da escolha de fenómenos Relevantes.” (Dan Sperber & Deirde Wilson, 2001, Relevância: Comunicação e Cognição. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa; p.238). vi) Em 2006, Paul Boghossian, no Epílogo da obra “Fear of Knowledge: Against Relativism and Constructivism” escreveu: - “(….) Há uma maneira de ser das coisas que é independente da opinião humana, e que somos capazes de formar uma crença objetivamente sensata sobre como as coisas são, vinculando qualquer pessoa capaz de apreciar a prova relevante independentemente das suas perspetivas sociais ou culturais.” (P. Boghossian, 2015, Lisboa: Gradiva, pág.159). vii) Em 2012 Pedro Manuel-Cardoso escreveu: - “No Património há um misterioso fenómeno, que passa quase sempre desapercebido; devido à banalização provocada por ser considerado «natural» ou «instintivo». Razão pela qual quase nunca foi suficientemente questionado e investigado. Para lhe captarmos a evidência coloquemos o problema do seguinte modo: de onde vem a assimetria de valor que o Património é? De onde vem, e por que causa surge, esse misterioso fenómeno que obriga os seres humanos a decidir que umas coisas/objetos são mais importantes do que outras? De tal forma, que, desde o início da humanidade, independentemente das épocas e da história das sucessivas sociedades e culturas, se dão ao enorme trabalho de preservá-las com o objetivo de as transmitir às gerações presentes e vindouras? Porque se considera «natural» este fenómeno tão peculiar, tão custoso em termos energéticos, e que gasta tanto tempo e espaço na existência humana? Será um comportamento exclusivamente humano e cultural, ou antecederá a espécie humana, e até a vida biológica (tomando por definição de «vida» a que atualmente a NASA adota para investigá-la)? Que resposta a Ciência e a Museologia tinham, e têm até ao momento, para este fenómeno que o Património é?” (Pedro Manuel-Cardoso, 2015, “O que é a Museologia e o Património?”, Lisboa: IGAC). viii) “Esta descoberta remete para várias consequências impossíveis de esgotar neste trabalho. Cuja repercussão afeta o modo tradicional de contar a história do património, e abre linhas de pesquisa ainda por realizar. Porém, a existência de uma Estrutura da Relevância ou Estrutura do Valor Patrimonial independente da «materialidade» e da «narrativa» obriga a discutir cinco questões-chave:

i) Como surgiu, e de onde veio esta Estrutura do Valor Patrimonial? ii) Quais os seus elementos constitutivos na atualidade, e de que modo se processou essa constituição? iii) Qual o papel que desempenha no processo patrimonial ou processo de patrimonização e no nascimento da ideia e da preocupação humana pelo Património? iv) Qual a importância que desempenha no funcionamento da Memória? v) Os seus elementos constitutivos mantêm-se inalterados ou mudam por efeito de uma influência cultural? É um fenómeno estritamente biológico, ou sujeito também a uma transmissão por aprendizagem?” (in Pedro Manuel-Cardoso, 2015, “O que é a Museologia e o Património?”, Lisboa: IGAC)

ix) Em 29agosto2015 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

Subject: [Museum] Uma corajosa partilha de Luís Raposo. Uma corajosa partilha de Luís Raposo. Talvez mais difícil, na nudez que é necessário, do que todas as escavações em busca do património dito do «passado». Ou de todas as lutas mediáticas. Refiro-me à mensagem n.º14117 de 28ago2015, de Luís Raposo, intitulada: “Posse, Felicidade e Liberdade”.

Page 65: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

65

Qual «passado»? Que não sempre o mesmo «presente» ou «futuro» humano, sempre comandados por aquelas codificações que herdámos sem as desejarmos, e contra as quais nos rebelamos todos os dias? Não é desse Património que se trata? Alguns talvez voltem a teimar que são coisas que não são práticas, ou não servem para nada. Acham que não estamos a falar de património, de antropologia, de arqueologia, ou de ciência. Sim, já conhecemos todas as devastações e crimes contra a humanidade que esse pragmatismo provocou, pelo menos desde William James e Charles Saunders Peirce, em Harvard, no início do século XX. O Eduardo Lourenço e a revista «Ler» deste verão 2015 fizeram imprimir, em letras brancas no fundo esverdeado, o mesmo desesperado clamor: “A forma mais radical de Liberdade é de ordem do poético, do religioso. A verdadeira eternidade seria que os que desapareceram voltassem ao nosso convívio”. Nós no património sabemos isso desde que começamos.

Nada que não tenha sido tentado desde sempre. Não foi isso que Luís Raposo nos quis mostrar com a exposição “Antiguidades Egípcias” no Museu Nacional de Arqueologia? “Todos acreditavam na vida eterna para a qual se preparavam nesta vida… A crença na Eternidade, que obrigava a preservação do corpo, é uma das bases da cultura faraónica.” Mas não apenas no Médio Oriente. Também no Oriente mais longínquo se acredita, ainda hoje, e pelo menos desde o Rig Veda (1700 – 1100 a.C.), que “o «eu» verdadeiro de cada pessoa

(Ȃtman) é eterno”, e que toda a materialidade (realidade) não passa de avatares, que se sucedem num ciclo continuum de nascimento, morte, renascimento, onde opera a trindade Brāman (criação), Vishnu (construção), Shiva (destruição).

Então, em que ficamos … em termos práticos? Perante esse desejo de Continuidade, não cabe à Museologia a tarefa de ser capaz de transformar aquilo que é considerado Património (os «objetos patrimoniais») num Segundo Objeto (os «objetos museológicos») – forçosamente uma Representação e uma Construção – de modo a ser possível preservá-lo, comunicá-lo, e reproduzi-lo pela Cognição e pela Memória individual e coletiva dos presentes e vindouros? Evidentemente que o Património é o trabalho dos humanos perante a Continuidade. Não é esse fenómeno humano que a Museologia estuda e gere? Porém, bem me esforço por alertar que, tanto ou mais de que uma Coisa (objeto, coleção, documento, evento, monumento, meta-dado, informação, ou infraestrutura) o Património é uma Decisão sobre a Relevância inserida nesse trabalho pela Continuidade, realizado através da Memória, ou de qualquer outro tipo de codificação, com o objetivo de armazenamento-e-restituição. Que importa que esteja em museus, arquivos, bibliotecas, bases-de-dados e de meta-dados, filmes, documentários, dispositivos de armazenamento digital, monumentos, palácios, paisagens, sítios de interpretação, lugares de memória, circuitos e parques temáticos, in situ ou ex situ, ao ar livre, em reservas ou silos, em bancos de sementes ou de material genético, ou codificado no hipocampo dos cérebros humanos?

Não é isso que serve para termos mais sucesso no processo de Adaptação do ser humano? O Património não é, afinal, o mecanismo que atualiza permanentemente a Relevância com o objetivo de preparar, com os ganhos obtidos no passado, a Continuidade? Obrigado Luís Raposo. Pedro Manuel-Cardoso

x) Se a Vida for «a Mais Importante Relevância», e tendo em consideração que para a sua existência e continuidade são necessárias as seguintes Cinco Condições :

1) Materiais orgânicos e minerais; 2) Reações entre eles; 3) Compartimentação/ Fronteira; 4) Informação; 5) Um modo efetivo de a informação se transmitir. (Yves SCIAMA & Mathilde FONTEZ, (2013) “De la Vie au cœur de la Terre: la quête des origines relancée”, Science & Vie, Août 2013, pp.46-65).

Então, a Patrimologia, quando se imiscui num Processo Patrimonial, concretamente num determinado Contexto espácio-temporal (incluindo: as propostas para a classificação de quaisquer Objetos em Património; ou para instalar arquivos, bibliotecas, museus, ou outras infraestruturas equiparadas), deve partir do diagnóstico e levantamento concreto e empírico (através do Método Patrimográfico) destas cinco condições básicas da possibilidade de Vida/Consciência e sua respetiva Continuidade. Porque são elas que definem a Primeira e Mais Importante Relevância Patrimonial a estudar e a gerir. Sem a qual as outras fazem pouco sentido. As primeiras respostas a obter são sempre as seguintes: «No momento e lugar considerado, quem detém a posse dessas cinco condições? Como as faculta e distribui às Pessoas que constituem a Comunidade/Sociedade/Identidade Coletiva onde essas cinco condições existem do

Page 66: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

66

modo particular como existem? Esses Recursos, que são particulares-próprios desse lugar-tempo, têm possibilidade de dar às Pessoas/População dessa Comunidade/Sociedade/Identidade quanto de autossubsistência a curto, médio e longo-prazo em relação às necessidades básicas dessas cinco condições? Qual é o grau de dependência e de autonomia das populações relativamente aos detentores dessas cinco condições, e relativamente ao Exterior? Qual é o grau de assimetria e interdependência de acesso a essas cinco condições por parte das Pessoas dessa Comunidade/Sociedade/População/Identidade? O Processo Patrimonial a instalar pode contribuir para solucionar o Património das Pessoas e da População desse local/momento onde pretende intervir? Quanto custa a sua instalação, e depois a sua manutenção e gestão? A quem vai ser entregue, depois de estar instalado? Quem paga ou financia? Etc.

61

SOCIOMUSEOLOGIA

Designação inventada por Mário Caneva Moutinho i) «Procedimento científico, metodológico e técnico de transformação da Museologia em Patrimologia» (Pedro Manuel-Cardoso, 4 agosto 2016). Uma transformação na qual o Património substituiria o Museu, enquanto objeto disciplinar e epistemológico de «estudo, investigação, formação, ensino e gestão daquilo que se pretende transmitir aos presentes e vindouros como sendo Relevante»:

MUSEOLOGIA

(ICOM/ICOFOM)

MINOM Nova-Museologia Socio-museologia

PATRIMOLOGIA

«O Museu»

Trabalho de Transformação e

Mudança ocorrido entre o séc. XX e o séc.

XXI

«O Património»

62

SOCIOMUSEOLOGIA (justificação para a designação)

Justificação para a designação dada por Pedro Manuel-Cardoso i) A Sociomuseologia considera que o estatuto de PATRIMÓNIO (o VALOR e a relevância patrimonial) que os OBJETOS adquirem advém sempre do USO SOCIAL que lhes é dado num determinado contexto espácio-temporal. Essa razão é fundacional da Sociomuseologia, e justifica, por isso, o seu nome. ii) Esta questão do nome/designação não é secundária ou supérflua. A definição sugerida contém um elemento diferenciador e muito importante. Pois ao afirmar que é pelo USO SOCIAL dado ao OBJETO que se alcança o VALOR/RELEVÂNCIA (isto é, o PATRIMÓNIO) coloca em causa as Listas/Classificações definidas a priori por peritos/especialistas/instituições, e volta a dar a cada COMUNIDADE (a cada Diversidade Cultural) a legitimidade e a liberdade para decidir qual é o seu património… Há aqui um caminho e uma consequência crítica e eliminativa para o status quo da Museologia Atual (ICOM/ICOFOM/ICOMOS, etc.). iii) Após toda uma vida consagrada à Conservação e Restauro Jean-Pierre Mohen em “Les Sciences du Patrimoine”, afirmou: "(....) o objeto não possui realidade senão através do ser humano que o exprime e interpreta em função de uma

Page 67: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

67

Cultura, ou de modo mais preciso, através de um indivíduo concreto sem o qual a mensagem jamais existirá." (Mohen, 1999). iv) Em 2010 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

“Todavia, não podemos deixar de constatar que as ‘novas visões do mundo’ sempre coincidiram com as grandes mudanças técnicas, como aquela a que assistimos desde o pós-1945. Num curto período, o espaço euclidiano passou também a ser topológico; as coordenadas newtonianas deixaram de ser «universais» quando entramos no infinitamente pequeno; o tempo absoluto e sucessivo passou a ser relativo e simultâneo, ambos mudando consoante a posição do observador; experimentou-se com êxito a transmutação da matéria em energia, roubando-se terreno ao recurso ao transcendente ou à concepção empírica de que cada coisa tinha o seu lugar. Enfim, incluíram-se as deformações, as metamorfoses, as transformações, o acaso, a indeterminação, como propriedades intrínsecas da matéria e da Natureza. Atualmente, como Román Iconikoff nos lembra (Iconikoff, 2008), temos ao dispor apenas quatro teorias sobre o que a matéria e os «objectos» são: a matéria segundo Aristóteles, como sendo uma questão de elementos; a matéria segundo Newton, como sendo uma questão de gravitação; a matéria segundo Einstein, como sendo uma questão do espaço-tempo deformado; e a matéria segundo N. Bohr, como sendo uma questão quântica de ondas e crepúsculos. O mais que sabemos sobre ela é que talvez seja pelo menos um «agregado de» (Aristóteles); ou que seja qualquer coisa que está «unida e junta por causa de» (Newton e Einstein); e seja «constituída por» (Bohr). É isto o máximo que sabemos dela. O máximo que podemos é «tomá-la por aquilo que os limites do ver e do sentir perceptivo que somos ou temos nos permitem». E apesar de ser tudo o que dispomos sobre o que a matéria e os «objetos» são (incluindo portanto o Património), a maioria continua a percebê-los com o positivismo ingénuo que Hume criticou. Certamente que a ‘inter-textualidade’ e a ‘narrativa’ para descrever estas mudanças ainda não foram apropriadas pelo conhecimento ordenado e sistemático da ciência. E muito menos por um Léxico consensual em Museologia/Patrimologia. O que não nos parece sensato é considerar que a Museologia/Patrimologia tem que ficar irremediavelmente num impasse. Entre, se pertence mais ao lado de dentro dos ‘objectos-colecções-museus’; ou se ao lado de fora das ‘relações sociais e da sociedade’. (…)” (Pedro MANUEL-CARDOSO, 2010, “O Património perante o Desenvolvimento”, Lisboa: ULHT, pp. 66-67)

63

SONORIDADE, ORALIDADE, PROSÓDIA

Modo de codificar a Realidade/Existência através do sistema perceptivo sonoro-auditivo; e, simultaneamente, a sua interpretação e compreensão através de categorias analíticas (Perspetiva Sonoro-Auditiva da Realidade/Existência). A estas Codificações (Factos e Objetos sonoros-auditivos-orais-prosódicos) e às respetivas categorias analíticas derivadas do esforço de compreensão correspondem Objetos Patrimoniais i) Por exemplo a música é um dos comportamentos humanos que podem ser analisados e interpretados pela categoria analítica da sonoridade, a qual remete para uma das modalidades da percepção (James Gibson, 1966). Porém, outras modalidades e comportamentos que utilizam o som e a audição podem ser observados nas sociedades humanas, por exemplo, a comunicação a longa-distância, a comunicação entre linguagens orais e escritas diferentes, ou a comunicação entre humanos e animais (por exemplo, os «chocalhos alentejanos» em Portugal, que foram classificados em 2015 como Património da Humanidade pela UNESCO). Há ainda a considerar a Oralidade, a Retórica, a Prosódia, os ruídos corporais, e outras modalidades não-verbais da comunicação na parte em que são analisadas pelo som/ouvido/audição sem a mediação da escrita. ii) “O anúncio nietzcheano de uma crise metafísica viabilizará um novo entendimento do som que passa a estar ligado a uma também nova consciência artística «des-musicalizada» e futuramente comprometida com a Arte Sonora e com a Arte Intermedia (…). [O som] antes de qualquer análise que se possa fazer dele. (…) A experiência auditiva – a fundação de uma “nova escuta” (Henri Pousseur) – significará o ideal ilusório de uma abertura ao mundo através da assunção de um estado perceptivo originário, ingénuo, limpo de conceptualizações e de intenções apriorísticas. (…) Deste modo, procura-se atingir uma «condição autêntica da escuta», anterior a qualquer informação acessória, desejando-

Page 68: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

68

se ingenuamente o retorno a um grau zero auditivo a partir do qual se possa construir uma arte dos sons des-semantizada, isto é, divorciada do quadro estrutural determinista da Música. (…) Inspirado pela redução fenomenológica husserliana, o compositor Pierre Schaeffer propõe a prática de uma «escuta reduzida» - a acusmática – através da «époché» grega, uma «suspensão do juízo». Deste modo, conseguimos percepcionar um objeto sonoro, um objeto não idealizado e não interpretado que nos é externo, que não se esgota na nossa audição e que possui a sua própria realidade espácio-temporal. O «objeto sonoro» é o que eu ouço. (…) Sonoro é o que eu capto; musical é já um juízo de valor. O objeto é sonoro antes de ser musical. (…)” (A. P. Almeida, 2007, “O Universo dos Sons nas Artes Plásticas”, Lisboa: Ed. Colibri, pp.29-33) iii) A diferença entre Som, Escuta e Música é a mesma que Bergson estabeleceu entre Duração e Tempo. “Bergson acredita que a Duração descreve a nossa relação primordial com o Tempo (…) Enquanto o Tempo, estruturado na sua abstração, impõe-nos um modo único de o viver e uma experiência orientada para um fim intelectual, a Duração desvincula-se de todas as convenções a priori do pensamento, conseguindo a simultaneidade com o fluxo espontâneo da vida. E é esta noção de Tempo real que será assimilada pela Arte Audio.” (A. P. Almeida, 2007, “O Universo dos Sons nas Artes Plásticas”, Lisboa: Ed. Colibri, pp.29-33)

64

TRANSMISSIBILIDADE

Comunicar o Objeto independentemente da mudança de Suporte

65

VIDA (perspetiva Positivista e Realista influenciada pelo argumento de C. Darwin/A.R. Wallace, e pela tradição aristotélica e kantiana)

“… sistema químico autónomo capaz de seguir uma evolução darwiniana originado a partir de matéria inerte através de processos de auto-catálise (moléculas com a capacidade de criarem cópias de si mesmas) e de processos de auto-organização (moléculas com a capacidade de criarem espontaneamente estruturas mais complexas a partir de estruturas mais simples)” i) Modalidade da Existência (Consciência/Vida/Natureza/Universo/Realidade). A possibilidade de Continuidade na Existência. ii) “…um sistema químico autónomo capaz de seguir uma evolução darwiniana” (NASA, 2013). iii) Em 2016 foi acrescentado o seguinte: “a criação de seres vivos ocorreu a partir de matéria inerte através de processos de auto-catálise (moléculas com a capacidade de criarem cópias de si mesmas) e de processos de auto-organização (moléculas com a capacidade de criarem espontaneamente estruturas mais complexas a partir de estruturas mais simples)” [….] “a evolução química (aparecimento de novas espécies de moléculas por via química) segue o mesmo padrão do que a evolução biológica (organismos que se reproduzem sexualmente, por meiose)” (Otto Sijbren, Universidade de Groningen, artigo publicado na revista Nature Chimestry em 4jan2016) iv) A Vida surgiu na Terra há 3,7 mil milhões de anos?

01 Set 2016 Investigadores australianos encontraram fósseis na Groenlândia (no maciço de Isua, no sudoeste da Gronelândia) com pelo menos 3,7 mil milhões de anos, 220 milhões de anos mais velhos que os mais antigos vestígios de vida na Terra conhecidos até hoje. "Esta descoberta constitui uma nova referência" na investigação dos primeiros vestígios de vida na Terra”, declarou, em comunicado, Martin Julian Van Kranendonk, especialista em geologia da universidade de Nova-Gales do Sul (Austrália) e coautor de um estudo publicado na revista britânica Nature. Estas estruturas fossilizadas - chamados estromatólitos - provam que a vida já tinha aparecido cerca de 800 milhões de anos depois da formação da Terra, que tem a idade estimada em 4,5 mil milhões de anos, de acordo com Allen Nutman da universidade de Wollongong (Austrália) e principal autor do estudo. Estas formações geológicas emergiram à superfície após o degelo de uma

Page 69: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

69

placa no maciço de Isua, no sudoeste da Gronelândia. As estruturas e a química destes fósseis deixam pensar numa atividade microbiana e, portanto, "numa origem biológica", sinal "de uma emergência rápida da vida na Terra", indicou Allen Nutman. Os estromatólitos, com um a quatro centímetros de altura, vêm corroborar outras provas genéticas que colocam a origem da vida neste período. O estudo refere que esta descoberta pode ajudar também a investigação sobre a vida em Marte, considerado o planeta do sistema solar mais propício à existência de formas de vida por ter uma atmosfera com água, sob a forma de vapor e gelo. "Há 3.700 milhões de anos, Marte era ainda provavelmente húmido, com oceanos", explicou à agência France Presse (AFP) Allen Nutman. "Se a vida se desenvolveu rapidamente na Terra, permitindo a formação de coisas como estes estromatólitos, poderá ser mais fácil detetar sinais de vida em Marte", acrescentou. Nutman adiantou que "em vez de limitar o estudo à assinatura química do planeta, é possível ver nas imagens de Marte coisas como estromatólitos". Até hoje, a prova mais antiga de vida na Terra foi encontrada, por investigadores australianos e canadianos, em rochas de Strelley Pool Chert, na região de Pilbara, na Austrália. Tinha cerca de 3,5 mil milhões de anos.

v) Em 2013, Yves SCIAMA & Mathilde FONTEZ, “De la Vie au cœur de la Terre: la quête des origines relancée”, Science & Vie, Août 2013, pp.46-65) :

As cinco condições necessárias para o aparecimento de Vida na Terra: 1) Materiais orgânicos e minerais; 2) Reações entre eles; 3) Compartimentação/ Fronteira; 4) Informação; 5) Um modo efetivo de a informação se transmitir.

vi) [Logo, a Patrimologia, quando se imiscui num Processo Patrimonial, concretamente num determinado Contexto espácio-temporal (incluindo: as propostas para a classificação de quaisquer Objetos em Património; ou para instalar arquivos, bibliotecas, museus, ou outras infraestruturas equiparadas), deve partir do diagnóstico e levantamento concreto e empírico (através do Método Patrimográfico) destas cinco condições básicas da possibilidade de Vida/Consciência e sua respetiva Continuidade. Porque são elas que definem a Primeira e Mais Importante Relevância Patrimonial a estudar e a gerir. Sem a qual as outras fazem pouco sentido. As primeiras respostas a obter são sempre as seguintes: «No momento e lugar considerado, quem detém a posse dessas cinco condições? Como as faculta e distribui às Pessoas que constituem a Comunidade/Sociedade/Identidade Coletiva onde essas cinco condições existem do modo particular como existem? Esses Recursos, que são particulares-próprios desse lugar-tempo, têm possibilidade de dar às Pessoas/População dessa Comunidade/Sociedade/Identidade quanto de autossubsistência a curto, médio e longo-prazo em relação às necessidades básicas dessas cinco condições? Qual é o grau de dependência e de autonomia das populações relativamente aos detentores dessas cinco condições, e relativamente ao Exterior? Qual é o grau de assimetria e interdependência de acesso a essas cinco condições por parte das Pessoas dessa Comunidade/Sociedade/População/Identidade? O Processo Patrimonial a instalar pode contribuir para solucionar o Património das Pessoas e da População desse local/momento onde pretende intervir? Quanto custa a sua instalação, e depois a sua manutenção e gestão? A quem vai ser entregue, depois de estar instalado? Quem paga ou financia? Etc.] vii) “Em 1790, Emmanuel Kant formulou a primeira concepção moderna de Vida, ao propor que por «essência» se entendesse «uma forma especial de organização dotada de uma finalidade”. In ”Les Origines de la Vie”, Les Dossiers de La Recherche, 2013 mars, p.18. viii) A “Vida” pode ser perspetivada como “sistema” (“sistema químico com a propriedade de auto-organização e autocatálise capaz de seguir uma evolução darwiniana”) ou como “ação/agir” (fenómeno físico e químico com a propriedade de Decisão/Escolha e de Codificação), são dois modos de perspetivar a mesma coisa. ix) Em 2015 Pedro Manuel-Cardoso escreveu:

Page 70: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

70

O que de crucial, de facto, acontece naquilo a que chamamos «Vida»?

(isto é, “auto-organização”, “autocatálise”, “sistema químico”, “autónomo”, “evolução darwiniana”, “propriedade de Decisão/Escolha/Seleção”)

Em alguma parte de nós já teremos que ser isso para que o possamos ser depois? Se sim, então, a que chamamos «Evolução»? Como iremos estar/ser com outro Suporte?

Isto é, outro corpo, outra coisa diferente daquilo a que chamamos Física e Química? O que seremos/somos de facto? Já o teremos sido?

Porém:

O que é … um Sistema? (será a coisa que a percepção deteta como uma Diferença?)

O que é … uma Química? (será uma ilusão sensorial ou da percepção? Será um fluxo de partícula, que tomamos por «estado líquido ou gasoso» e respetivas reações/comunicações?)

O que é … uma Evolução? (será apenas a percepção de uma Mudança local ou parcial de qualquer coisa Em Processo que não conseguimos discernir?)

O que é … uma Auto-Organização? E uma Autocatálise? (Dizemo-lo, mas saberemos o que estamos a dizer? Será …)

66

VIDA vs. CONSCIÊNCIA

A Vida, definida como a atual Ciência a define, incluirá a Consciência? “It from Bit, or bit from It”? Sem tomarmos uma Decisão sobre o que é a Vida poderemos gerir corretamente o Património? i) Na Patrimologia há sempre uma reflexão a fazer entre: EXISTÊNCIA – CONSCIÊNCIA – VIDA – SUPORTE/CORPO – AGIR/COMPORTAMENTO. Por exemplo, MARMION, Jean-François (2008) “La Conscience est-elle un organe?”, Sciences Humaines, Les Grands Dossiers des Sciences Humaines n.º 10, mars-avril-mai2008, pp.20-23.

E também: ESFELD, Michel (2005) “La Philosophie de l’esprit. La relation entre l’esprit et la nature”, Paris: Armand Colin. QUÉRÉ, France (2001) “Conscience et neurosciences”, Paris. Bayard. LE SCANFF, Christine (1995) “La Conscience modifiée”, Paris: Payot. ENGEL, Pascal (1996) “Philosophie et psychologie”, coll. «Folio essais», Paris: Gallimard. DEPRAZ, Natalie (2002) “La Conscience. Approches croisées, des classiques aux sciences cognitives”, Paris: Armand Colin. ANDRIEU, Bernard (2007) “La Neurophilosophie”, coll. «Que sais-je», 2 ed., Paris: Presses Universitaires Françaises.

Final do séc. XIX

Psicologia separa-se da Filosofia (Consciência separa-se de Comportamento): As atividades mentais só interessam à Psicologia, enquanto disciplina autónoma que adotou o método experimental, se puder ser observada empiricamente e quantificada.

Primeira Metade do séc. XX

Duas correntes são dominantes:

Behavioristas – a Consciência é um fumo intangível, uma subjetividade, logo, deve-se estudar o Comportamento. William JAMES Psicanalistas – a Consciência é a chave para o estudo da Pessoa, reside no Inconsciente (Freud, Jung). A

Page 71: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

71

Consciência não é senão uma parte subestimada do aparelho psíquico. S. FREUD (1856 – 1939) (Dois modelos: Primeiro, considerou que o Inconsciente seria como um «réservoir des pulsions refoulées, interdites à la conscience»). Depois, considerou a noção de “ça”, que usou para substituir a palavra Inconsciente, passando a usá-la como um adjetivo: «la prise de conscience des représentations inconscientes (le lever du refoulé) est cesée jouer un rôle déterminant dans la guérison des nevroses».) C.G. JUNG (teorizou um Inconsciente coletivo, que reuniria as Representações presentes nos mitos, e partilhadas por toda a Humanidade) Jerry FODOR (hoje, por influência do filósofo J. Fodor, o Insconsciente cognitivo de que falam os psicólogos é radicalmente diferente: “un rien fourre-tout, il recouvre des processus aussi variées que la perception subliminale (enregistrer une information à son insu) ou des tâches accomplies en filigrane (nous rappeler tout à coup une tâche à accomplir, ou nous donner, sans crier gare, le nom que l’on avait précédemment sur le bout de la langue). L’Inconsciente cognitif travaille donc dans l’ombre, assurant des activités automatiques ne requérant pas notre attention. La Conscience, elle, prend les commandes dans les situations exigeant une gestion précise et adaptative de notre comportement. Elle désignerait alors les opérations mentales que nous exécutons sur un matériel complexe, nécessitant des ajustements permanents. Son rôle serait d’assurer la synthèse des éléments pertinents pour la situation présente : elle maintiendrait la cohérence de notre vision du monde en conjuguant les perceptions présentes les plus importantes, aux éléments utiles répertoriés en mémoire. Le psychologue Bernard J. Baars évoque à ce sujet un «espace de travail global conscient». » (p.23) Bernard J. BAARS

Depois da Segunda Guerra (1945)

COGNITIVISMO (funcionamento do cérebro e da consciência através do modelo informacional do computador)

Anos 1980

Filosofia Analítica (anos 1980) / Filosofia do Espírito (atual – spirit no sentido de mind não é alma):

Atualidade

Hoje, na comunidade científica ocidental, ninguém aborda a Consciência de forma séria/científica que não seja pelo pressuposto de que possui um substrato neurofisiológico. A Consciência passa a ser um assunto de cérebro e seu funcionamento (neurociências). A Consciência passa a ser um assunto de neurónios. Ou seja, na atualidade a discussão/debate sobre a Consciência é esmagadoramente um debate Materialista. A Consciência não pode existir fora de um substrato, e esse substrato são os neurónios e respetivo funcionamento. Deste modo, na Filosofia Analítica (anos 1980) ou na atual Filosofia do Espírito, os autores distinguem-se apenas pelo grau de reducionismo que propõem:

Funcionalismo (Jerry Fodor) – (não é necessário o Dualismo, porque o suporte/corpo não é a Consciência). Eliminativismo (Patricia e Paul Churchland) – (eliminar as palavras «consciência» e «vontade» porque a Consciência é um assunto exclusivamente neurobiológico).

Entre os vários tipos/graus de Reducionismo (entre o Funcionalismo radical e o Eliminativismo radical):

Teoria da Emergência de John R. SEARLE; John C. ECCLES; A. DAMÁSIO... – Inspirada no Conexionismo. Daniel C. DENNET – “a Consciência não existe”, é uma ilusão, é uma etiqueta/nome para designar «um fluxo permanente de estados interdependentes sem chefe-de-orquestra». [intersubjetividade]

A SUBJETIVIDADE como um/o outro limite para pensar a Consciência

A Consciência não é o cérebro (neurónios) e o seu funcionamento. Como se pode de facto fazer uma experiência experimental sobre a Consciência? Isso não é, já, e a priori, defini-la como coisa? (Thomas NAGEL). Edmund HUSSERL (1859-1938) (Fenomenologia)

Page 72: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

72

Francisco VARELA (nos anos 1990 a teoria da enação; “neuro-fenomenologia”) Daniel C. DENNET (1942 - ) (“hétero-fenomenologia”)

67

VISUALIDADE, IMAGEM, IMAGÉTICA

Modo de codificar a Realidade/Existência através do sistema perceptivo visual; e, simultaneamente, a sua interpretação e compreensão através de categorias analíticas (Perspetiva Visual e Imagética da Realidade/Existência) A estas Codificações (Factos e Objetos visuais e imagéticos) e às respetivas categorias analíticas derivadas do esforço de compreensão correspondem Objetos Patrimoniais i) Para a Patrimologia, a Visualidade vai muito para além da mera produção e consumo de Imagens (por exemplo, as utilizadas nas expografias, percursos, e narrativas visuais do Património). Envolve os diferentes modos de olhar através dos quais os indivíduos (“público”, “visitantes”) veem a Realidade e os Objetos (Património) e os retratam/reinterpretam visualmente. Desse modo, a Imagem dos Objetos e do Património é sempre um artefacto e um constructo cultural, fabricado socialmente num determinado contexto histórico concreto, quer pelo emissor quer pelo receptor. Logo, a Visualidade é para a Patrimologia uma categoria analítica e um modelo que capta a realidade das Imagens do Património, imprescindível para a Patrimografia e para os actos de Gestão do Património (sobretudo os de Curadoria, de definição de narrativas e percursos visuais, e de apresentação/construção de Expografias). ii) “A imagem nunca é uma realidade simples. As imagens de cinema são antes de mais operações, relações entre o dizível e o visível, maneiras de jogar com o antes e o depois, com a causa e o efeito. Estas operações envolvem funções-imagens diferentes, sentidos diferentes da palavra imagem. Dois planos ou encadeamentos de planos cinematográficos podem assim relevar de uma imagética diferente. E, inversamente, um plano cinematográfico pode relevar do mesmo tipo de imagética que tem uma frase romanesca ou um quadro. Foi por isto que Eisenstein pôde procurar em Zola ou Dickens, como em El Greco ou Piranesi, os modelos da montagem cinematográfica, e que Godard pôde compor um elogio ao cinema com as frases de Élie Faure sobre a pintura de Rembrandt” (Jacques Rancière, 2011/2003, “O Destino das Imagens”, Lisboa: Orfeu Negro). iii) “Imagem entende-se numa acepção lata, como podendo designar quer as imagens mentais suscitadas por qualquer artefacto ou experiência sócio-cultural, quer produtos institucionalmente definidos como artes visuais (pintura, fotografia, cinema, vídeo-jogos). W.J.T. Mitchell distingue produtivamente entre image e picture, designando a primeira a imagem mental e a segunda a imagem enquanto produto institucional (Mitchell, 1994:6). Designa portanto o objeto visual, mas igualmente o quadro criado noutros suportes, como por exemplo na literatura. Como refere Jacques Rancière, a imagem não constitui um privilégio do visível (Rancière, 2003:15). Recorde-se que imagem constitui igualmente uma designação da Retórica.” (Isabel Capeloa Gil, 2011, “Literacia Visual”, Col. Arte e Comunicação, Lisboa: Edições 70, pág.11). iv) “A construção visual do Social e da Cultura constituiu-se como marca do novo paradigma do século XXI. Esta visibilidade complexa requer uma nova literacia, que possibilite um entendimento competente dos dispositivos do olhar que permeiam as Sociedades, das estratégias de Poder que constituem os campos de visibilidade e invisibilidade, e a decifração dos poderes oblíquos que se refractam através dos suportes tecnológicos da imagem: da fotografia e cinema aos vídeo-jogos e às novas plataformas de interação virtual.” (Isabel Capeloa Gil, 2011,

Page 73: LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕESml.ci.uc.pt/mhonarchive/museum/pdfmJzGTytjpY.pdf · 2016-10-07 · 1 PATRIMOLOGIA N.º CONCEITOS LÉXICO DE CONCEITOS E DEFINIÇÕES por Pedro Manuel-Cardoso

73

“Literacia Visual”, Col. Arte e Comunicação, Lisboa: Edições 70, pág.11). v) “As nossas Coleções não nos mostram a realidade exterior; mostram-nos apenas a imagem de nós mesmos … para Pitt Rivers, como para todos nós, o vidro de uma vitrina apresenta simultaneamente uma visão transparente e um reflexo da nossa própria face [do nosso modo de a ver].” (Susan Pearce, 1996, pp.150-151). vi) “The list, which in previous installations served as evidence of an ethnographic method which makes art of other people’s lives, emerges in Birthday Ceremony as the technique of situating the ethnographic. Etched into the glass of each cabinet, the list holds our attention and draws us further into the small world contained within. And suddenly, as if by chance, we see that what we thought was an artwork – designed as installation for and within the abstract context of the gallery environment – is in fact «the living person personified». As it finds its subject in objects turned art, ethnography may never be the same again.” (Susanne Kuchler, 2000, p.108). vii) “Nada é menos Evidente do que a Evidência”. (Fernando GIL, 1996, “Tratado da Evidência”, col. Séries Universitárias – Estudos Gerais, Lisboa: IN-CM). viii) Ben DE BRUYN [FWO, KULeuven], nov.2006, “The Anthropological Criticism of Wolfgang Iser and Hans Belting”, Online Magazine of the Visual Narrative - ISSN 1780-678X, Issue 15. Battles around Images: Iconoclasm and Beyond.

Abstract: This article discusses Hans Belting’s attempt to extrapolate the literary anthropology of Wolfgang Iser to the visual arts. Clearly drawing upon Iser, Belting’s “anthropological” criticism underlines the actor-like nature of man as well as the attempt of art to counter the inscrutable phenomenon of death. Although it ostensibly offers a more satisfying view of the imagination and the role of the medium, visual anthropology remains surprisingly close to Iser’s position.

Abstract: Le présent article analyse la tentative faite par Hans Belting de transposer l’anthropologie littéraire de Wolfgang Iser au domaine des arts visuels. La critique «anthropologique» de Belting, qui doit visiblement beaucoup à Iser, souligne l’importance des jeux des rôles dans sa vision de l’homme ainsi que l’importance de l’art dans les efforts de l’homme de dépasser la mort. Tout en offrant des perspectives nouvelles sur le rôle de l’imaginaire et du médium, l’anthropologie visuelle de Belting reste étonnamment proche des positions d’Iser.