luta por direitos: a história de vida de dona dulce e seu elzio

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Luta por direitos: a história de Vida de Dona Dulce e seu Elzio Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1790 Januária Setembro/2014 “Tinha mais medo de não lutar do que de morrer”. Com essas palavras, dona Dulce Borges Pereira, 63 anos, agricultora, benzedeira e mulher guerreira conta sua trajetória de luta na Comunidade de Caatinga, município de Varzelândia no norte de Minas Gerais. Dona Dulce está casada há 45 anos com Seu Elzio Alves Pereira, 67 anos, agricultor e homem de espírito revolucionário. Desta união nasceram 12 filhos e uma filha de coração: Vagner, Enaura, Elizio, os gêmeos Eldio e Edilzia, Eudis, Deise, Gleice, Gleicson, Juscelino, Oseias, Emael e Eliete. A história de vida do casal está ligada a luta por direitos e a terra, com a agricultura familiar e criação de animais. Dona Dulce diz que começou sua luta na década de 80, quando se juntou a outras mulheres da comunidade para reivindicar a participação da mulher no Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Município de Varzelândia que antes era Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Varzelândia. “Queríamos ser sócias do sindicado, conseguir tirar os documentos para ter acesso ao salário maternidade, que é um direito da mulher trabalhadora rural”, conta animada a Seu Elzio e Dona Dulce Dona Dulce e suas plantas medicinais agricultora. Dona Dulce disse que no início, o grupo de mulheres teve o apoio da CESE [Coordenadoria Ecumênica de Serviços] e da extinta FUNDAJU [Fundação de Ajuda], que representava Cáritas na região Norte-MG. Dulce Pereira diz que as lutas são continuas e que a mulher sempre tem que provar seu valor e exigir seus direitos. “A gente as vezes tem medo de lutar, mas a luta é constante porque outras pessoas estão tentando tomar nossos direitos”, afirma a agricultora que lembra o trabalho duro na roça para cuidar dos filhos e também o de conscientizar as mulheres das comunidades próximas a Caatinga. “As mulheres sofreram demais, quando saía de comunidade em comunidade para conscientizar as mulheres sobre seus direitos, tínhamos dificuldades, porque elas não acreditavam na gente, eu falava que eu era agricultora como elas, mas elas não acreditavam”. A agricultora benzedeira também conta que sofreu com a má língua do povo que xingava a ela e as outras mulheres que exigiam seus direitos. “A gente sofreu muito, fomos xingadas, mas eu nunca desisti”, recorda emocionada Dona Dulce. Mesmo com lágrimas nos olhos ao relembrar o início de sua luta, o brilho e orgulho no olhar

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Dona Dulce Borges Pereira, 63 anos, agricultora, benzedeira e mulher guerreira conta sua trajetória de luta na Comunidade de Caatinga, município de Varzelândia no norte de Minas Gerais. Seu Elzio, agricultor de espírito guerreiro, conta que a vida de luta começou cedo, em 1979 surgiu a oportunidade de criar o Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Município de Varzelândia.

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Page 1: Luta por direitos: a história de vida de Dona Dulce e seu Elzio

Luta por direitos: a história de Vida de Dona Dulce e seu Elzio

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1790

Januária

Setembro/2014

“Tinha mais medo de não lutar do que de morrer”. Com essas palavras, dona Dulce Borges Pereira, 63 anos, agricultora, benzedeira e mulher guerreira conta sua trajetória de luta na Comunidade de Caatinga, município de Varzelândia no norte de Minas Gerais. Dona Dulce está casada há 45 anos com Seu Elzio Alves Pereira, 67 anos, agricultor e homem de espírito revolucionário. Desta união nasceram 12 filhos e uma filha de coração: Vagner, Enaura, Elizio, os gêmeos Eldio e Edilzia, Eudis, Deise, Gleice, Gleicson, Juscelino, Oseias, Emael e Eliete. A história de vida do casal está ligada a luta por direitos e a terra, com a agricultura familiar e criação de animais.

Dona Dulce diz que começou sua luta na década de 80, quando se juntou a outras mulheres da comunidade para reivindicar a participação da mulher no Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Município de Varzelândia que antes era Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Varzelândia. “Queríamos ser sócias do sindicado, conseguir tirar os documentos para ter acesso ao salário maternidade, que é um direito da mulher trabalhadora rural”, conta animada a Seu Elzio e Dona Dulce

Dona Dulce e suas plantas medicinais

agricultora. Dona Dulce disse que no início, o grupo de mulheres teve o apoio da CESE [Coordenadoria Ecumênica de Serviços] e da extinta FUNDAJU [Fundação de Ajuda], que representava Cáritas na região Norte-MG.

Dulce Pereira diz que as lutas são continuas e que a mulher sempre tem que provar seu valor e exigir seus direitos. “A gente as vezes tem medo de lutar, mas a luta é constante porque outras pessoas estão tentando tomar nossos direitos”, afirma a agricultora que lembra o trabalho duro na roça para cuidar dos filhos e também o de conscientizar as mulheres das comunidades próximas a Caatinga. “As mulheres sofreram demais, quando saía de comunidade em comunidade para conscientizar as mulheres sobre seus direitos, tínhamos dificuldades, porque elas não acreditavam na gente, eu falava que eu era agricultora como elas, mas elas não acreditavam”.

A agricultora benzedeira também conta que sofreu com a má língua do povo que xingava a ela e as outras mulheres que exigiam seus direitos. “A gente sofreu muito, fomos xingadas, mas eu nunca desisti”, recorda emocionada Dona Dulce. Mesmo com lágrimas nos olhos ao relembrar o início de sua luta, o brilho e orgulho no olhar

Page 2: Luta por direitos: a história de vida de Dona Dulce e seu Elzio

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Minas Gerais

Realização Apoio

O casal monstra as plantações no quintal

Seu Elzio e Dona Dulce mostram os remédios feitos com plantas medicinais

provam que tudo valeu a pena: “me sinto vitoriosa, me sinto uma mulher guerreira, até hoje as mulheres de assentamentos e comunidades falam que eu as ensinei a lutar”.

Hoje Dona Dulce continua na luta pelos direitos das mulheres, participa de conversas em Escolas da região, participa de grupo de Mulheres do Norte de Minas e divide a maior parte do seu tempo em cuidar da casa, horta e da sua grande paixão: as plantas medicinais.

Dona Dulce diz que agora luta mais na área da saúde, com as plantas medicinais. A agricultora já fez capacitações sobre o tema, mas gostaria de aprender mais. “Tenho diplomas de cursos que fiz sobre plantas medicinais, mas quero me capacitar mais, aprender mais sobre o que a natureza me oferece”. Dulce conta com orgulho sobre as pessoas que já ajudou e seu prazer em continuar ajudando. “Tratei pedras na vesícula e cálculo nos rins com plantas, sinto orgulho em ter essa experiência para ajudar as pessoas”. A agricultora benzedeira, junto com seu esposo, Elzio, já colaborou com a construção de

dois livros sobre plantas medicinais: “Plantas Medicinales de America Del Sur” e ”Farmacopéia Popular do Cerrado”.

A luta pelo direito dos agricultores sempre foi uma inspiração para Seu Elzio. O agricultor de espírito guerreiro, conta que a vida de luta começou cedo, em 1979 surgiu a oportunidade de criar o Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Município de Varzelândia. Seu Elzio lembra que a idéia foi dada por um comerciante e no início ele queria um sindicado com fins políticos. “Fui o primeiro presidente interino, fiquei 3 anos no cargo e foi uma época dura dos movimentos sindicais no município, luta árdua dos poceiros de Verdelândia. Fui ameaçado de morte várias vezes”. O agricultor diz que nunca desistiu mas soube se afastar q u a n d o n e c e s s á r i o p a r a r e n o v a r a s b a t e r i a s e v o l t a r m a i s f o r t e .

Olhando para traz, Seu Elzio diz que valeu a pena: “hoje ninguém me enrola, já a judei a lgumas pessoas, a judei a conscientizar sobre seus direitos e deveres e isso é uma vitória para nós agricultores”. Seu Elzio continua na luta, tenta junto ao Incra a marcação dos lotes do Assentamento de Macaúba.

Dona Dulce e Seu Elzio além de lutarem pelo direito do agricultor e da agricultora nunca deixaram de produzir hortaliças e verduras, além de ter uma renda com a criação e venda de suínos. No quintal da casa há uma grande diversidade como um pomar, horta, galinhas, porcos, plantas medicinais. “No meu quintal eu tenho horta, pomar, tenho minhas abelhas para a produção de mel, porcos, meu jegue Pascolino”, descreve Dona Dulce.