luta antirracista - entre reconhecimento e redistribuição

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Introdução Nas últimas décadas, as discussões em torno de temáticas como multiculturalismo, direitos cul- turais ou políticas afirmativas, que visam a reabili- tar grupos sociais discriminados, ganharam uma projeção inusitada, tornando-se muitas vezes, em alguns países, o principal eixo do debate público. Com isso, as lutas de grupos minoritários por reco- nhecimento social e pelo estabelecimento de uma ação estatal que combata a discriminação, favore- ça a igualdade e permita a convivência entre po- pulações de origens culturais e étnicas diferentes fazem parte da paisagem político-cultural do mun- do contemporâneo.  As repe rcus sões desse cont exto soc ial, pol íti co e ideológico sobre a teoria social são visíveis na im- portância que o conceito de reconhecimento vem ganhando nas últimas décadas, seja na filosofia e na ciência política, na sociologia e nos estudos cultu- rais, seja ainda na antropologia e no direito.  Apesar disso, não é sem razão que Paul Ri- coeur (2004) constatava a ambigüidade e a falta de unidade no uso do conceito de reconhecimen- to. Embora presente em diversas tradições teóri- cas, não há um consenso sobre sua importância no campo das idéias: à inflação de autores e obras reivindicando-se do reconhecimento não corres- ponde uma unidade de pontos de vista sobre seu estatuto e sobre o lugar que ele deve ocupar nas explicações sobre a vida social. LUT A ANTI-RA CISTA: entre reconhecimento e redistribuição* Paulo Sérgio da C. Neves * Este texto foi originalmente apresentado no XXVI- II Encontro Nacional da Anpocs, em outubro de 2004. Agradeço aos participantes do ST “O Repu- blicanismo e as Questões de identidade, da Comu- nidade e das Políticas Públicas” as críticas e as suges- tões que me ajudaram a melhora r os argumentos aqu i defendidos.  Artigo recebido em novembro/2004  Aprovado em agosto/2005  RBCS Vol. 20 nº. 59 outubro/2005 

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Introdução

Nas últimas décadas, as discussões em torno

de temáticas como multiculturalismo, direitos cul-

turais ou políticas afirmativas, que visam a reabili-

tar grupos sociais discriminados, ganharam uma

projeção inusitada, tornando-se muitas vezes, em

alguns países, o principal eixo do debate público.

Com isso, as lutas de grupos minoritários por reco-

nhecimento social e pelo estabelecimento de uma

ação estatal que combata a discriminação, favore-ça a igualdade e permita a convivência entre po-pulações de origens culturais e étnicas diferentesfazem parte da paisagem político-cultural do mun-do contemporâneo.

 As repercussões desse contexto social, políticoe ideológico sobre a teoria social são visíveis na im-portância que o conceito de reconhecimento vemganhando nas últimas décadas, seja na filosofia e naciência política, na sociologia e nos estudos cultu-rais, seja ainda na antropologia e no direito.

 Apesar disso, não é sem razão que Paul Ri-

coeur (2004) constatava a ambigüidade e a faltade unidade no uso do conceito de reconhecimen-to. Embora presente em diversas tradições teóri-cas, não há um consenso sobre sua importânciano campo das idéias: à inflação de autores e obrasreivindicando-se do reconhecimento não corres-ponde uma unidade de pontos de vista sobre seuestatuto e sobre o lugar que ele deve ocupar nasexplicações sobre a vida social.

LUTA ANTI-RACISTA:entre reconhecimento e redistribuição*

Paulo Sérgio da C. Neves

* Este texto foi originalmente apresentado no XXVI-II Encontro Nacional da Anpocs, em outubro de2004. Agradeço aos participantes do ST “O Repu-blicanismo e as Questões de identidade, da Comu-nidade e das Políticas Públicas” as críticas e as suges-tões que me ajudaram a melhorar os argumentos aquidefendidos.

 Artigo recebido em novembro/2004  Aprovado em agosto/2005 

 RBCS Vol. 20 nº. 59 outubro/2005 

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Mesmo considerando a pertinência episte-mológica dessas considerações, é preciso admitirque os debates ligados ao reconhecimento sãouma das vertentes mais dinâmicas da filosofia edas ciências humanas contemporâneas,1 além deexpressar o impacto empírico do fenômeno nomundo atual.

 Apenas em parte a proeminência da temáti-ca do reconhecimento pode ser imputada à emer-gência, desde os anos de 1960, de movimentossociais que usavam os discursos da identidade edo reconhecimento como catalisadores da mobili-zação (Wieviorka, 2001). Também o enfraqueci-mento das teorias e dos regimes políticos reivin-dicando-se do marxismo, que não viam asquestões culturais senão sob o ângulo da luta declasses, ajuda-nos a compreender a proeminênciateórica dessa temática a partir dos anos de 1980.Nesse sentido, pode-se afirmar que as discussõessobre o reconhecimento e o multiculturalismopassaram a ocupar o espaço teórico deixado vagopela crise do pensamento marxista.

Esta é, certamente, a razão que leva Nancy Fraser (1997), em uma série de artigos polêmicos,a reconhecer que estamos em uma era pós-socia-lista e a denunciar a passagem das ciências huma-nas do paradigma da distribuição ao paradigmado reconhecimento, em que as questões de iden-tidade ganham prioridade em relação às questõesde justiça social.

No fundo, a crítica de Fraser toca na questãode que muitos autores e movimentos sociais passa-ram a privilegiar a construção ou a preservaçãoidentitária, relegando a um segundo plano as de-mandas materiais, justamente em uma época histó-rica em que as desigualdades sociais crescem ve-lozmente em todas as partes do mundo.

Neste texto pretendemos discutir essas ques-tões a partir do caso empírico das lutas anti-racistasdesenvolvidas por militantes negros no Brasil. Paraisso, em um primeiro momento retraçaremos os ter-mos da polêmica dos últimos anos entre os defen-sores das teorias do reconhecimento e os que de-fendem as teorias redistributivas na filosofia políticae nas ciências sociais, tentando mostrar o interesseteórico de rediscutir essa questão em termos deuma cidadania multicentrada.

Em um segundo momento, analisaremos asestratégias desenvolvidas pelo movimento negrono país. O objetivo aqui é o de mostrar que, em

parte, os impasses políticos desse movimento de- vem-se ao fato de que ele não conseguiu articu-lar de forma pertinente as demandas por reconhe-cimento às demandas por redistribuição.

Redistribuição ou reconhecimento?Os termos de um debate

O interesse atual em torno das teorias do re-conhecimento pode ser inserido no longo processohistórico da modernidade que, desde os seus pri-mórdios, elegeu a liberdade e a igualdade como ali-cerces da vida política. A hipótese de Tocqueville(1981), de que as sociedades modernas caminha-

 vam de forma inelutável para o igualitarismo e para

a democracia, parece assim servir de fio condutordas transformações sociais, políticas e culturais dosúltimos séculos. Assim, pode-se dizer que há umalinha de continuidade entre a idéia de liberdade,que esteve na base da constituição do Estado libe-ral democrático nos séculos XVII e XVIII, os princí-pios igualitaristas, que animaram as lutas sociais dosséculos XIX e XX pela expansão da cidadania dasclasses populares, e as demandas de reconheci-mento social dos grupos que tentam mudar o ima-ginário sobre o lugar que ocupam na sociedade.

Isso nos remete às chamadas políticas do re-

conhecimento, que desde os anos de 1960 se tor-naram o dínamo de muitos movimentos sociais. Apremissa básica para os autores que desenvolvemuma teoria pautada no reconhecimento é que esteé fundamental para o processo de formação daidentidade pessoal e que, por isso, deve ser con-siderado um importante critério de justiça emuma sociedade.

No campo teórico, o reconhecimento tornar-se-á um tema importante na crítica que alguns au-tores – Taylor (1982), Sandel (1982), Walzer(1983), entre outros – endereçarão às teorias de

justiça distributivas que, na esteira dos trabalhosfundamentais de John Rawls (1971), vão se desen-

 volver a partir das décadas de 1970 e 1980. O queestava em questão eram os critérios a ser conside-rados válidos para a definição de uma sociedadejusta. Sem entrarmos aqui em detalhe sobre umdebate que tem sido um dos mais interessantes dafilosofia e da ciência política das últimas décadas,2

podemos afirmar que há duas grandes correntes

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teóricas: de um lado os autores ditos “liberais”que, embora defendam pontos de vistas antagôni-cos, têm em comum o fato de imputar à justiçadistributiva a determinação do grau de justiça deuma sociedade; de outro, os comunitaristas, críti-cos dos princípios individualistas e etnocêntricospropostos pelos “liberais”, afirmam que as análisesdos critérios de justiça precisam levar em conta ocaráter social da identidade humana, o que signi-fica levar em conta aspectos morais e simbólicosna construção de uma teoria da justiça.3

Em outros termos, para os autores comunita-ristas, a primazia dada pelas teorias distributivistasà distribuição dos bens na sociedade escamoteia ofato de que muitas vezes as injustiças não são eco-nômicas, mas morais. Ou seja, nessa perspectiva,

é possível pensar situações em que, malgrado umacerta igualdade distributiva, alguns grupos possamse sentir oprimidos ou discriminados.

Para Taylor, um dos primeiros filósofos a re-tomar a discussão acerca do reconhecimento, estedeve ser visto como uma necessidade dos sereshumanos na busca da auto-realização:

[...] nossa identidade é particularmente formadapelo reconhecimento ou por sua ausência, ou ain-da pela má impressão que os outros têm de nós:uma pessoa ou um grupo de pessoas pode sofrerum prejuízo ou uma deformação real se as pes-soas ou a sociedade que o englobam remetem-lheuma imagem limitada, aviltante ou desprezíveldele mesmo. O não-reconhecimento ou o reco-nhecimento inadequado podem causar danos econstituir uma forma de opressão, que a algunstorna prisioneiros de uma maneira de ser falsa,deformada e reduzida (Taylor, 1992, pp. 41-42).

Nessa perspectiva, que Taylor faz remontar aRousseau e a Hegel, o reconhecimento torna-sefundamental na medida em que a modernidade,por meio do individualismo e do igualitarismo

que a caracterizam (Taylor, 1989), cria a expecta-tiva de que todos podem aspirar a um igual reco-nhecimento por parte da sociedade e do Estado.

 Adotando um quadro interpretativo próximo, Axel Honneth (1997 e 2002) afirma que o reconheci-mento da dignidade individual de todos os membrosda sociedade deve ser considerado o principal crité-rio válido de justiça. Da mesma forma que Taylor,Honneth cruza as teses hegelianas sobre o reconhe-

cimento com os princípios interacionistas oriundos dapsicologia social de Georges Mead para demonstrarque, estando a socialização dos sujeitos ligada às in-terações sociais nas quais eles se envolvem, a perso-nalidade individual depende do reconhecimento re-cíproco dos indivíduos na sociedade. Com isso, umadas formas de avaliar o nível de progresso moral deuma sociedade é verificar o grau de reconhecimentoque ela concede aos seus membros. Para ele, o reco-nhecimento é não apenas um fundamento ético doser humano, como também a base de compreensãode muitas lutas sociais, atuais e do passado, que fo-ram fatores primordiais na ampliação da eqüidade nomundo contemporâneo.

Nesse sentido, as lutas por reconhecimento te-riam sido esquecidas pelas ciências sociais (Hon-

neth, 1997). Estas não levaram em conta a importân-cia dessas lutas no processo de transformação dassociedades modernas, agindo no sentido de dimi-nuir mais e mais as dessimetrias sociais e as formasde exclusão, mediante três princípios fundamentaisde reconhecimento mútuo: o amor (no espaço pri-

 vado das relações pessoais), a igualdade (no espaçodos direitos instituídos) e a solidariedade (no espa-ço das relações sociais interdependentes).

Conquanto essas três dimensões do reconhe-cimento se interpenetrem, é a esfera dos direitosque tem a capacidade de influenciar as outras esfe-

ras, quer seja no nível das relações pessoais e amo-rosas, quer no nível da cooperação que os indiví-duos estabelecem em suas relações sociais. Comisso, Honneth tenta afastar-se de uma visão do re-conhecimento centrada apenas na estrutura psico-lógica individual, incorporando uma postura queprivilegia o caráter normativo do direito moderno.

Para ele, ainda, o reconhecimento deve ser visto, em nome da autonomia individual, como o“centro normativo de uma concepção da justiçasocial”. Ou seja, sendo o reconhecimento a basepara que os indivíduos possam construir “identi-

dades intactas” – por meio de uma vida afetiva es-colhida, do acesso igual aos direitos e da estimasocial –, ele pode ser visto como a base de umajustiça social expandida.

 Ao adotar tal posição, Honneth (2002) assu-me também duas premissas: a da superioridademoral da modernidade (em que a autonomia in-dividual atingiu seu ponto mais elevado) e a dalegitimidade das modernas sociedades democráti-

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cas liberais de se apresentarem como o ponto departida para uma ética política.

Essa postura mostra o quanto a questão do re-conhecimento é tributária das transformações so-cioeconômicas e políticas das últimas décadas. Ocrescimento dos movimentos identitários (Wieviorka,2001), a crise do Estado de bem-estar social (Rosan-

 vallon, 1995), a queda dos regimes comunistas, a fra-gilização do poder estatal pela globalização econô-mica (Beck, 2003) etc. são o pano de fundo daemergência de uma nova concepção de justiça, emque, mais que a distribuição igualitária dos bens, é aquestão da dignidade e do respeito que importa.

 A erradicação da desigualdade não representamais o objetivo normativo, mas é antes a obten-ção da dignidade ou a prevenção do desprezo, a“dignidade” ou o “respeito”, e não mais a “repar-tição igualitária dos bens” ou a “igualdade mate-rial” que constituem suas categorias centrais(Honneth, 2002).

O que leva Nancy Fraser (1997) a falar da pas-sagem de um paradigma da redistribuição para umparadigma do reconhecimento. Para a autora, essefenômeno é típico de uma época pós-socialista, fru-to da crise do socialismo e da inexistência de pro-jetos alternativos à democracia liberal e ao capitalis-mo. A seu ver, é preciso romper com a dicotomia

das teorias da justiça contemporâneas, as quais ouprivilegiam as injustiças socioeconômicas – como ofazem os autores que pregam uma justiça pautadana redistribuição dos bens, como Rawls (1971) ouSen (2001), por exemplo –, ou se restringem às in-justiças culturais, como Taylor (1992), Honneth(1997) ou Young (1990). Para Fraser, que toma asquestões de raça e de gênero como paradigmáticas,“os eixos da injustiça são simultaneamente culturaise socioeconômicos”, razão pela qual é necessáriounir os critérios de redistribuição e de reconheci-mento na construção de uma sociedade justa.

Para superar esse dilema, a autora propõe aconjunção de uma política econômica socialista (ca-paz de reduzir as diferenças sociais e econômicasentre os membros de uma sociedade) e uma políti-ca cultural desconstrutivista, o que levaria não ao re-forço das identidades, como buscam os movimentosculturais atuais, mas à desconstrução das mesmas,ajudando assim a superar as lógicas geradoras dasdiferenças e da subordinação das minorias.

Na sua perspectiva, a adoção de tal postura te-ria o mérito não só de possibilitar o combate simul-tâneo das injustiças sociais e culturais, como tam-bém possibilitaria a construção de coalizões entreos grupos subalternos e discriminados na socieda-de, o que, segundo ela, as políticas das identidades,ao reforçar as diferenças, tornam difícil.4

Em trabalhos posteriores (Fraser, 2000 e2001), a autora vai propor um modelo interpreta-tivo baseado no  status  ( status model ) para com-preender as demandas por reconhecimento, poisa seu ver

[...] o que necessita reconhecimento na socieda-de do conhecimento não é a identidade específi-ca do grupo, mas o  status dos membros indivi-duais do grupo como verdadeiros parceiros nasinterações sociais. O não-reconhecimento, nessesentido, não significa a depreciação ou a defor-mação da identidade do grupo. Ou melhor, sig-nifica subordinação social no sentido de que bar-ra a alguns o acesso à vida social como iguais(2001, p. 8).

Desse modo, um modelo interpretativo pau-tado no status teria a vantagem de evitar a reifica-ção das identidades5 e de facilitar a compreensãoda justiça tanto em termos distributivos como dereconhecimento.

 As críticas mais importantes a essas teses versam sobre a dicotomia entre justiça redistribu-tiva e justiça pautada no reconhecimento. Young,por exemplo, critica a separação entre economiae cultura, que embasa essa dicotomia. Para ela,numa linha próxima aos trabalhos de Pierre Bour-dieu sobre a reprodução social, não se pode se-parar a cultura da economia, pois são inúmeras asinterconexões entre ambas. Razão pela qual, sobsua ótica, Fraser não teria percebido “o reconhe-cimento cultural como um meio para a justiçaeconômica e política” (Young, 1997, p. 148).

 Além disso, ela critica as propostas de Fraserde coalizões baseadas na desconstrução das identi-dades. Segundo ela, uma visão desconstrutivista dasidentidades não é possível na prática, pois as mobi-lizações coletivas se dão em torno de demandas degrupos com identidades próprias. Nesse sentido, ascoalizões só são possíveis com o reconhecimentomútuo dos grupos, mas isso não significa que cadagrupo deva abdicar de sua identidade. Ao contrário,

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é pela afirmação de sua identidade que um grupopode se apresentar como igual diante de outros gru-pos, abrindo espaço para ações conjuntas.

Nesse mesmo sentido, Honneth responde aFraser que não somente as lutas por reconheci-

mento englobam as lutas por justiça redistributiva,como também é uma ética pautada no reconheci-mento que, por abordar outros aspectos que nãoo econômico, permite uma concepção de justiçamais ampla e associada aos princípios democráti-cos (Fraser e Honneth, 2003).

Essa prioridade aos direitos individuais e à no-ção de indivíduo, que permeia o debate tanto pelolado de autores como Honeth e Taylor, como daperspectiva de Fraser, será questionada por AlainCaillé e Emmanuel Renault em um número especialda Revista do MAUSS sobre as relações entre don e

reconhecimento. Para Caillé, o debate reconheci-mento-redistribuição tem como pano de fundo “aquestão de saber se o liberalismo é o regime maisadaptado à exigência de reconhecimento” (2004, p.17). Para ele, os principais protagonistas deste de-bate respondem implicitamente de forma positiva aesta questão, o que significa que aceitam os funda-mentos individualistas do liberalismo, reduzindo oespectro de uma teoria da justiça aos direitos indi-

 viduais, sem levar em conta as lógicas sociais sim-bólicas e morais que perpassam as interações so-ciais, a exemplo da questão do don.

 Já conforme Renault, a teoria do reconheci-mento, tal como expressa por Honneth, temcomo ponto de partida uma lógica individualistaintersubjetiva, negligenciando assim a influênciadas instituições sobre o reconhecimento ou onão-reconhecimento dos indivíduos. Próximo dareflexão de Foucault sobre a micropolítica, o au-tor vai insistir sobre o fato de que

[...] as instituições não exprimem apenas as rela-ções de reconhecimento, elas as produzem. Oerro do conceito expressivo do reconhecimentosocial é de não considerar senão o problema das

expectativas normativas dirigidas às instituições,sem levar em conta o fato de que é sempre noquadro de uma predeterminação institucional queas intersubjetividades enviam demandas de reco-nhecimento às instituições (2004, pp. 184-185).

Com isso, o autor pretende incluir a discussão so-bre as relações de poder no debate sobre o reco-nhecimento, tornando-o um debate propriamentepolítico.

 A questão que permeia de forma implícitatoda essa discussão é se o reconhecimento e a dis-tribuição são duas dimensões diferentes que neces-sitam ser fundidas em um novo paradigma de jus-tiça ou se o reconhecimento, por ser universal epor encarnar a tendência moderna do igualitaris-mo, pode absorver as demandas redistributivas.

Desse ponto de vista, parecem-nos pertinen-tes as críticas de diversos autores à separaçãoconceitual entre economia e cultura proposta porNancy Fraser. Como demonstrou Young (1997), arelação entre economia e cultura é visível emmuitas esferas da vida social contemporânea, so-bretudo nos casos em que o pertencimento a gru-pos culturalmente marcados implica a exclusãodo mercado de trabalho ou do usufruto de certos

bens. Embora concordemos com esta idéia deque não podemos efetivamente dissociar a justiçaredistributiva da justiça de reconhecimento, é pre-ciso constatar que diversos movimentos sociaistentam realizar essa dissociação no plano da prá-xis. Faz-se necessário, então, um deslocamentodo debate: é menos importante a discussão sobrea viabilidade analítica ou não de uma separaçãoconceitual entre economia e cultura, ou se prefe-rirmos, entre redistribuição e reconhecimento,que uma análise empírica de situações sociais emque os discursos pautados no reconhecimento

atuam. Ou seja, a questão é saber se os movimen-tos sociais de cunho identitários integram ou nãodemandas redistributivas.

 Young (1997) tem razão, ainda, ao insistirque sem identidade não há ação coletiva, poissem ela o ator coletivo não se constitui. Contudo,a reivindicação de uma identidade não significauma ação política coerente com os princípios de-mocráticos e igualitários. Além disso, uma questãoque se coloca é se o conceito de identidade podese sobrepor ao de classe, como preferem os mar-xistas, ou de  status , como afirma Fraser (2001).

Esse é, talvez, o verdadeiro dilema apresentadonesse debate. Por um lado, não há dúvidas de quea luta por identidade e reconhecimento expressauma ânsia por justiça, o que mesmo um autor crí-tico das políticas da identidade como RichardRorty reconhece, apesar de não ver utilidade emsua instrumentalização. A esse respeito, diz ele so-bre os movimentos sociais de cunho culturalista:

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[...] quero deixar claro que não tenho nada contraesses movimentos. Mas não vejo por que precisa-mos pensar neles como praticantes de um novotipo de política, nem como requerentes de umasofisticação filosófica para sua descrição e avalia-

ção. No meu ponto de vista, o surgimento do femi-nismo, da liberação gay, de vários tipos de movi-mentos separatistas étnicos, dos direitos aborígenese de movimentos semelhantes simplesmente dámais força ao velho esboço da utopia igualitária(2001, p. 488).

No entanto, reconhecer isso não resolve aquestão. Podem os movimentos identitários lutarcontra as várias desigualdades (sociais, econômi-cas e culturais6) sem perder suas especificidades?Ou ainda, podem lutar contra as discriminações e,

ao mesmo tempo, lutar contra a lógica que asgera e legitima?Por outro lado, inserir o reconhecimento

apenas no plano da satisfação individual, como fa-zem Honneth e Taylor,7 implica a redução da sig-nificação política do reconhecimento à política li-beral dos direitos individuais. Ao fazer isso,relega-se a segundo plano uma discussão maisaprofundada sobre a cidadania, a qual, como de-monstrou Marshall (1967), comporta também as-pectos no plano social. Aqui, as posições de Cail-lé (2004) e Renault (2004), sobre a necessidade

das teorias do reconhecimento se aproximaremdas questões simbólicas e do poder, podem aju-dar-nos a perceber o reconhecimento como umapremissa para a realização da cidadania em umcontexto marcado por relações de poder e de do-minação simbólica. Isso, desde que a cidadanianão seja concebida apenas em termos de uma ló-gica de institucionalização legal de direitos indivi-duais e coletivos (o que Honneth, por exemplo,faz ao conceber a esfera do direito tendencialmen-te preponderante em relação às esferas do amor eda solidariedade), mas também com referência às

representações simbólicas hegemônicas sobre osgrupos minoritários.

 Justamente por ser o reconhecimento umadas dimensões da cidadania é que ele não podeser desvinculado nem de outras lutas sociais pelaampliação do espaço de exercício da cidadania,nem das relações de poder em vigor na socieda-de. O que significa dizer que o reconhecimentonão é uma dimensão à parte da vida social: toda

luta social tem uma carga de luta por reconheci-mento, mas isso não quer dizer que o reconheci-mento por si só possa explicá-la. Ou seja, as lutaspor reconhecimento são, sobretudo, lutas pela in-clusão simbólica de grupos discriminados (poruma cidadania simbólica8); e embora elas possamser vetores para demandas pela inclusão socialdesses grupos, não bastam para fazê-lo.

O movimento negro no Brasil e seusdilemas

No Brasil, o debate entre redistribuição e re-conhecimento perpassa as discussões sobre aquestão racial. Por um lado, a posição tradicionalda esquerda tem sido a de tentar explicar o racis-mo no Brasil a partir das desigualdades sociaisque, por conta de um passado histórico marcadopela escravidão, impõem aos negros as posiçõessociais mais baixas. Os movimentos negros, poroutro lado, vão procurar defender a idéia de queo racismo é a principal clivagem da sociedadebrasileira, a tal ponto que ele dificulta a ascensãosocial da população de origem negra no país.9

Seja como for, o ressurgimento do movimen-to negro nos anos de 1970 representou uma mu-dança importante na forma como a questão racialaparecia no espaço público até então.10 Emboracom dificuldades, e apenas a partir do final dosanos de 1980, as diferenças socioeconômicas en-tre a população de origem negra e a populaçãobranca tornaram-se gradativamente uma questãoimportante na agenda política do país.

 Assim, por exemplo, na primeira metade dadécada de 1990, o então presidente da CUT, centralsindical que aglutinava os sindicalistas da esquerda,manifestou-se em favor de uma maior abertura dosindicalismo brasileiro às demandas de maior igual-dade racial no mercado de trabalho.11 Da mesmaforma, os principais partidos de esquerda e de cen-tro-esquerda do país passaram a incorporar emseus programas de campanha medidas para dimi-nuir as disparidades raciais, a exemplo do queocorreu nas últimas eleições presidenciais, quandodiversos candidatos, inclusive o atual presidente, secomprometeram com programas de ação afirmativapara os negros.

Em parte essa maior abertura da esquerda àsquestões raciais explica-se pelo fato de que mui-

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tos dos militantes dos movimentos sociais negrossão também membros desses partidos. Mas, háque se levar também em conta que o tema da dis-criminação racial se tornou mais recorrente no in-terior da sociedade brasileira, seja pela ação de-nunciatória dos militantes de associações negras,seja pela penetração da temática nos meios de co-municação de massa,12 seja ainda pela multiplica-ção das ações culturais de cunho anti-racista e de

 valorização da cultura negra,13 o que ajuda a com-preender por que os partidos políticos passarama prestar mais atenção nessa questão.

O movimento negro recoloca uma discussãoque tem marcado a sociedade brasileira desde o sé-culo XIX, a saber: qual o papel do negro na socie-dade brasileira? Recusando a resposta centrada na

mestiçagem como a principal característica do paísdada pelos intelectuais regionalistas, Gilberto Frey-re primeiramente, a partir dos anos de 1930 e erigi-da como ideologia nacional pelos políticos ligadosao nacional-populismo,14 o movimento negro passaa reivindicar uma identidade negra pautada na ori-gem comum dos descendentes dos escravos.

Nesse sentido, os anos de 1980 vão marcaruma fase antinacionalista do movimento negro. Se,como mostrou R. Benedict (1983), o nacionalismobusca criar uniformidade onde antes havia a multi-plicidade cultural, a estratégia do movimento negronesse período era outra: a de combater a ideologianacionalista, reivindicando a diversidade cultural eétnica do país, mostrando que os afro-brasileirossempre foram tratados como outros, malgrado osdiscursos que valorizavam a integração entre as ra-ças, e denunciando os efeitos perversos da ideolo-gia do branqueamento.15 Assim, buscava-se mostrarque as clivagens sociais existentes na sociedade po-diam também ser traduzidas em termos raciais.16

Para tanto, o movimento negro buscou criaruma comunidade de interesses em torno da ori-

gem africana (ver Mendonça, 1996), retrabalhan-do os símbolos da cultura afro-brasileira, de for-ma a criar um protótipo do negro brasileiro como qual toda a população de origem negra pudes-se se identificar.

Essa busca identitária não se dá em um vaziosocial. Como lembra Emcke (2000), as identidadesculturais não são escolhidas. Elas são construídas,mas não são opções voluntárias das pessoas; ao

contrário, dependem das relações de poder na socie-dade, as quais estabelecem as diferenças e os limitesdas identidades. Ser negro, mulher, homossexual etc.diz respeito a identidades construídas historicamentepela sociedade, o que influencia a maneira como osindivíduos se vêem a si próprios e aos outros mem-bros da sociedade. Isso significa que as políticas deidentidade não são apenas estratégias de reificaçãode diferenças, elas são também formas de re-signifi-cação das mesmas, pois reivindicam de forma posi-tiva identidades socialmente degradadas. Em umprocesso dinâmico, essas políticas, por sua vez, terãoefeitos sobre o processo de construção das identida-des, que retroagirão sobre as próprias políticas deidentidades.

O problema das criações identitárias desse

tipo é que, como afirma Bauman (2003), elas são,em certo sentido, impostas pelos grupos mais for-tes da sociedade, ou seja, a definição do que é “sernegro”, mesmo quando articulada por militantesnegros anti-racistas, obedece à lógica da socieda-de que valoriza o “ser branco”. Isso significa dizerque, embora denunciando a exclusão social dosnegros, a estratégia política adotada pelo movi-mento negro sedimenta simbolicamente as frontei-ras classificatórias operadas na prática pela socie-dade. A inversão do estigma em fonte de orgulhotem, malgrado todo benefício em termos de auto-

estima, o efeito perverso de perenizar a lógicaclassificatória dos dominantes, aqueles que im-põem o estigma. Em outras palavras, os militantesdesses movimentos não valorizam as identidadesdos grupos de forma completamente autônoma.

Contudo, essa é a estratégia possível paratransformar o estigma em orgulho, auxiliando naauto-estima do grupo estigmatizado e, assim,abrindo perspectivas para a percepção da exclu-são. Porém, isso não acarreta necessariamente asuperação da exclusão em si, o que pressupõe cer-ta mobilização dos excluídos no sentido de reivin-

dicar políticas públicas que visem à superação daexclusão. Quer dizer, esses movimentos podem serimportantes para a melhoria da auto-imagem dosindivíduos dos grupos marginalizados, mas nãobastam por si sós para combater a exclusão social.17

Deve-se dizer ainda que o movimento ne-gro, que surgiu a partir dos anos de 1970 no Bra-sil, opera com critérios globais. Embora ancoradona realidade nacional, esse movimento se posicio-

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na a partir da experiência de outras realidades na-cionais (África do Sul, Estados Unidos etc.), pro-movendo o amálgama entre particularismo e uni-

 versalismo: os negros são vistos como um grupodiferente no seio da sociedade brasileira e, aomesmo tempo, como membros de uma comuni-dade transnacional, quer seja a diáspora negra oua África (discursos oriundos do pan-africanismo edos discursos sobre a negritude18). Isso o torna,senão um movimento extraterritorial, ao menosum movimento globalizado, em que as lógicas deoutros contextos sociais são usadas como lentesde análise da realidade local e nacional.19

Uma outra característica da ação do movi-mento negro nas últimas décadas tem sido o usoda cultura com fins de mobilização da população

em torno da questão racial. A busca de uma iden-tidade cultural negra capaz de levar a populaçãode origem afro-brasileira à mobilização políticafez com que uma parte do movimento negro co-meçasse a desenvolver atividades culturais vistascomo puramente negras: os blocos afros,20 as es-colas de samba, os grupos de reggae etc.

Esse fato instigou o brasilianista norte-america-no Hanchard (1996) a criticar o movimento negropela primazia dada às estratégias culturais em detri-mento das estratégias políticas. Para ele, isso fazcom que os militantes negros brasileiros não tenham

uma estratégia de luta pelo poder capaz de articularalianças com outras forças políticas e de estabeleceruma hegemonia. Já para Bairros (1996), socióloga emilitante do movimento negro, essa é uma críticacentrada na experiência norte-americana que nãoleva em conta as características da realidade brasilei-ra. Ela defende uma posição próxima à de Young(1997), ao argumentar que a via cultural faz parte deuma das estratégias do movimento negro na lutapara combater o racismo no país e, ao mesmo tem-po, para intervir nas esferas do poder.

Esse debate tem como cenário o pequeno nú-

mero de militantes do movimento negro, o que re- vela as dificuldades enfrentadas para mobilizar apopulação a partir de uma estratégia pautada emuma concepção de relações raciais bi-polares,quando estudos empíricos mostram que no Brasilas relações raciais têm algumas especificidades. Oracismo aqui surge no espaço público de forma ca-muflada, pois, no dizer de Florestan Fernandes(1978), tem-se preconceito de se ter preconceito;

além disso, como mostraram os estudos clássicosde Nogueira (1983 e 1998), no Brasil o preconceitoé mais “de marca” que “de origem”, a cor da peleservindo de parâmetro para a construção da hierar-quia social; por outro lado, alguns trabalhos recen-tes (Maggie, 1989) afirmaram o caráter gradualista erelacional de nosso racismo (com uma escala des-cendente de valores que vai do mais claro ao maisescuro e com tendência a clarear as pessoas maispróximas e a escurecer as mais distantes); por fim,Sansone (1996) demonstrou a existência de espaçossociais com relações raciais “duras” e “moles”: nasáreas “moles” não haveria maiores conflitos entrebrancos e negros, enquanto nas “duras” sim. Sãoessas características que levaram os autores de umapesquisa de opinião ( Folha de S. Paulo-Datafolha,

1995) a considerarem o racismo no Brasil um “ra-cismo cordial”.Sendo assim, a nosso ver, o problemático

não é a ausência de uma estratégia política porparte do movimento negro, nem a ausência deluta pelo poder, como pretende Hanchard (1996),mas a ausência de uma estratégia que procure li-gar a redistribuição ao reconhecimento, o que po-deria dar um maior respaldo social a esse movi-mento, ao mesmo tempo em que possibilitaria aconstrução de alianças com outras forças sociais.

Um exemplo dessa possibilidade é a expe-

riência das comunidades remanescentes de quilom-bos no país. Após a aprovação na Constituição de1988 de um dispositivo possibilitando a legalizaçãodas terras ocupadas por remanescentes de antigosquilombos, diversas comunidades rurais passaram areivindicar uma identidade negra e a se organizarpoliticamente para conseguir do Estado o reconhe-cimento do estatuto de remanescentes e, por con-seguinte, a posse legal das terras (Arruti, 1997). Esseé um fato raro no país, onde a revalorização da iden-tidade é acompanhada de uma perspectiva redistri-butiva visível, o que talvez explique a participação

ativa da população negra não militante em umaação política de cunho racial.

Seja como for, nos últimos anos, parece estarhavendo uma transformação na prática das organi-zações do movimento negro no Brasil. Ainda é cedopara se ter uma idéia definitiva desse processo, po-rém a maior abertura dos governos (nas esferas na-cional, estadual e municipal) a algumas demandasdesse movimento, inclusive a participação de mili-

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LUTA ANTI-RACISTA 89

tantes nos órgãos governamentais, parece estar for-mando uma postura mais pragmática21 e menos

 voltada para uma política da identidade.Contudo, o que parece mais e mais visível é

que a proximidade de parte do movimento negrocom o poder estatal fez com que esse movimentose abrisse a outras demandas que não a busca poridentidade. A crescente preocupação com a igual-dade é o contraponto de uma maior responsabili-dade na condução de políticas públicas, seja comomembros do governo, seja como representantesde ONG’s que realizam parcerias com agênciasgovernamentais ou com agências financiadoras in-ternacionais.

Um exemplo dessa transformação é a posiçãode parte do movimento negro diante da adoção das

chamadas políticas afirmativas voltadas para a po-pulação negra, uma das discussões políticas que,atualmente, mais aparecem nos meios de comuni-cação do país. Essas medidas, uma das bandeirasdos intelectuais e militantes negros, visam, por in-termédio de políticas públicas diferencialmente apli-cadas segundo critérios raciais, a diminuir as desi-gualdades sociais que separam as populações brancase não-brancas.

 Assim, pela primeira vez em sua história, opaís assume oficialmente que a democracia racial,o discurso oficial da identidade nacional depois

dos anos de 1930, não funciona a contento quan-do se trata de integrar econômica e socialmenteos afro-descendentes.

Tal fato não poderia deixar de despertar vi- vos debates na imprensa e nos meios políticos dopaís, alguns criticando as políticas afirmativas porferirem o princípio da igualdade de todos peran-te o Estado e a lei, outros as defendendo, com oargumento de que, por vezes, faz-se necessária aimplantação de políticas públicas desiguais parapromover a igualdade.22

Estaríamos nesse momento assistindo à pas-

sagem do movimento negro de uma ação priori-tariamente marcada pela denúncia e pelo viésculturalista a uma ação mais política e mais vol-tada ao combate das disparidades sociais? Apreocupação com a criação de uma identidadenegra estaria desaparecendo para ceder lugar auma maior preocupação com formas de diminuiras disparidades? Ainda é cedo para podermos verclaramente os contornos desse processo, que não

se dá apenas no nível local, mas que, desde mea-dos dos anos de 1990, com o governo FHC, temmarcado a ação do movimento negro em âmbitonacional.

Entretanto, o estudo empírico que realizamosjunto aos movimentos negros do estado de Sergi-pe mostra que a preocupação identitária persisteentre os militantes, o que traz consigo a possibili-dade de o Estado ser utilizado para a adoção depráticas que visem a desenvolver uma forma espe-cífica de identidade negra. Mas, nesse caso, quemdetermina o que é a identidade negra? Os militan-tes próximos dos partidos que estão no poder?

Ou seja, o risco é vermos o Estado adotarpolíticas mais diferencialistas do que distributivas.Diferencialistas no sentido de incitarem à reivindi-

cação da diferença, mas sem muita efetividade nocombate às desigualdades sociais. Por exemplo,as políticas de cotas nas universidades e nos ór-gãos públicos se pensadas apenas em termos ra-ciais e não em termos de desigualdade social, ga-rantindo vagas para negros, independentemente deeles serem pobres ou não, correm o risco de, mal-grado o incentivo à autoclassificação como negro,favorecer apenas aos membros das classes médiasnegras, com pouca efetividade em relação aos ne-gros pobres, a grande maioria dos negros e dospobres do país.

Conclusão

Esses são dilemas de difícil resolução, masque a luta anti-racista impõe aos brasileiros noprocesso de construção de uma nação igualitáriae democrática. Nesse sentido, qualquer que ve-nha a ser a avaliação sobre essa luta no futuro, elatem o mérito inquestionável de ter despertado odebate sobre o preconceito racial e as formas deexclusão social dos negros.

Porém, uma vez feita a constatação do racis-mo, o problema está longe de ter sido resolvido.Como fazer para superar o racismo constatado?Que tipos de políticas se fazem necessárias paratornar o país mais igualitário, inclusive no que serefere às distorções de origem racial?

De certa maneira, até aqui, esse movimentotinha-se contentado em propor uma política derevalorização das manifestações culturais de ori-

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gem africana e em buscar a construção de umaidentidade negra mobilizável politicamente quepossibilitasse o acesso dos militantes aos centrosde decisão governamentais. Mesmo se em algunsdiscursos a mudança da estrutura social se apre-sentasse como uma perspectiva de longo prazo,na prática o movimento negro tinha privilegiadoas mudanças simbólicas em torno da questão ra-cial no país.23

Isso parece estar se transformando rapida-mente no que se refere à prática do movimentonegro nos últimos anos, como procuramos mos-trar anteriormente. Mas, o que acontece quandouma das grandes bandeiras desse movimento, aspolíticas afirmativas, começam a ser implantadasem diversas partes do país? Trata-se de medida

destinada a reduzir as diferenças entre brancos enão-brancos ou é apenas uma forma de reforçaruma identidade baseada na origem africana entreos não-brancos no Brasil? São elas capazes de al-terar as desigualdades sociais ou apenas corres-pondem a um rodízio dos indivíduos em relaçãoàs posições sociais de prestígio?

Nos Estados Unidos, país que implanta as po-líticas afirmativas desde os anos de 1960, não háum consenso sobre seus efeitos sobre a promoçãoda igualdade social. Wieviorka (2001) mostra comoo debate em torno das políticas afirmativas nos Es-

tados Unidos é marcado, por um lado, pelas críti-cas à naturalização das diferenças e ao conseqüen-te aumento das tensões raciais que essas políticasimplicam, e, por outro, pela defesa das ações afir-mativas como luta contra as desigualdades sociais.Como podemos observar, a tensão entre esses doiscampos continua elevada mesmo depois de maisde trinta anos de políticas afirmativas.

Para os críticos, estas não são, no sentidopróprio do termo, ações distributivas, pois, se a ri-gor elas podem beneficiar certo número de indiví-duos do grupo alvo da ação, os resultados globais

em termos de diminuição das diferenças sociais noconjunto da sociedade não são evidentes. Em con-traposição, para seus defensores, o caráter obriga-tório dessas políticas conseguiu, por exemplo, re-duzir de forma efetiva a discriminação racial nomercado de trabalho. Isso teria como conseqüên-cia uma melhoria na situação geral da populaçãonegra norte-americana.

Donzelot et al .(2003) mostram como as polí-

ticas afirmativas foram implantadas nos anos de1960, sobretudo a partir do governo Nixon, comouma tentativa de dar respostas às insatisfações dapopulação negra sem, contudo, aumentar as des-pesas do Estado. Ao transferir para o nível da apli-cação da lei a perspectiva de redução da discrimi-nação contra os negros, implicitamente retirava-sedo Estado a obrigação de garantir as condiçõessociais que pudessem modificar as condições de

 vida nos guetos negros. Esperava-se que a inser-ção de alguns de seus membros no mercado detrabalho qualificado seria capaz de exercer umefeito positivo no seio das comunidades negras.O que, para alguns opositores às políticas afirma-tivas, não ocorreu, pois na maioria dos casos osnegros em ascensão procuraram distanciar-se dos

guetos de onde eram originários.Como vemos, mesmo nos Estados Unidos nãoé fácil realizar uma avaliação isenta sobre as políti-cas afirmativas. De todo modo, o que pode ser ditosobre essas políticas é que elas não se destinam ne-cessariamente a combater as fontes das desigualda-des sociais; seus objetivos são mais modestos, bus-cam, sobretudo, integrar um grupo ou membrosdesse grupo ao sistema, afastando algumas barrei-ras que lhes impediam o acesso. Nos termos deNancy Fraser (1997), tais políticas são reformadorase não transformadoras da estrutura social.

Dessa forma, queremos apenas lembrar queas cotas, elevadas nesses últimos anos no Brasil ao

 status de solução para combater os efeitos sociaisdo racismo, não demonstraram ainda de maneiraefetiva, nos países onde já foram implantadas, sercapazes de combater as desigualdades sociais deforma global e, por conseguinte, de reduzir a po-breza entre os negros e demais grupos subalternos.

Isso não significa que as políticas de cotassejam sem interesse. Na situação atual do país, tal-

 vez elas sejam efetivamente as únicas medidasfactíveis a curto prazo para engajar o Estado no

combate à discriminação racial. Além disso, essaspolíticas, ao possibilitarem a ascensão de negrosa posições de destaque na sociedade, têm umefeito importante no aumento da auto-estima dapopulação negra. Seu maior interesse reside, tal-

 vez, no fato de suscitar um debate sobre as desi-gualdades sociais de origem racial no país. Toda-

 via, isso não deveria levar as forças sociaisanti-racistas a esquecer as reivindicações por po-

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LUTA ANTI-RACISTA 91

líticas públicas que favoreçam o conjunto da po-pulação discriminada.24

De todo modo, a prioridade dada às políticasde cotas mostra que uma parte importante do mo-

 vimento negro reduziu suas expectativas à criaçãode uma classe média negra, a qual teria a missãode tornar a sociedade menos desigual.25 Ora, oque a experiência norte-americana tem mostradoé que a criação de uma classe média negra nãosignifica necessariamente uma ação dessa classeem favor dos negros mais pobres.

Tudo isso talvez não seja mais que um refle-xo do que vem ocorrendo em todo mundo. ComoNancy Fraser tem insistido em seus textos recen-tes, a depreciação do ideal socialista teve comoconseqüência a redução do apelo mobilizadordas lutas redistributivas. Assim, os valores indivi-dualistas de uma sociedade de mercado tornaram-se o referencial não só dos governos, como tam-bém de muitos movimentos sociais.

É certo que as lutas por reconhecimento,como as que o movimento negro tem feito no Bra-sil, não podem ser interpretadas apenas sob esseprisma. Mas também é certo que no caso específi-co aqui analisado tem havido uma tendência a dis-sociar a busca de identidade da luta pela igualda-de de chances para todos. O dilema do movimentonegro atual é justamente como conciliar essas duasfaces de uma mesma moeda.

Uma das respostas possíveis, como procura-mos mostrar anteriormente, é trazer a discussão so-bre o reconhecimento para o espaço da cidadania.

 A metáfora marshalldiana sobre uma cidadaniacompósita, malgrado as críticas que lhe podem en-dereçar, apresenta o mérito de mostrar que a cida-dania não se reduz apenas à participação políticaou ao gozo de direitos civis, ou ainda ao usufrutode um certo bem-estar social. Como se sabe, paraMarshall a cidadania evolui para a integração des-sas três perspectivas. Da mesma forma, podemosdizer que os movimentos identitários, surgidos apartir da última metade do século XX, entendem oreconhecimento como uma outra dimensão da ci-dadania, qual seja, a cidadania simbólica.

Inserir o reconhecimento na esfera da cida-dania significa dar-lhe um estatuto que vai alémda auto-estima pessoal ou dos direitos de um gru-po específico. Significa que o reconhecimento pas-sa a ser concebido como um dos critérios de jus-tiça da sociedade.

Como vimos, a crítica de autores como Fra-ser (1997), Rorty (1998) ou Bauman (2003) às po-líticas de reconhecimento é no sentido de que es-sas políticas não podem servir de álibi para oesquecimento da dimensão social da cidadania.

Dessa forma, considerar a questão do reco-nhecimento em termos de cidadania simbólica su-gere que o reconhecimento é indissociável das ou-tras esferas da cidadania e que, portanto, as lutaspor reconhecimento devem se dar pari passu comas lutas por ampliação da cidadania em uma socie-dade. Ora, a globalização no âmbito das demandaspor reconhecimento, que em relação à questão ne-gra inicia-se com o movimento da negritude e comos laços que se tecem em torno da noção de diás-pora negra e de Atlântico negro, tende a desvincu-lar as demandas por reconhecimento das deman-das de cidadania, tornando-as meras questões deidentidade e de construção de fronteiras das dife-renças. Nessa vertente, ainda forte no seio do mo-

 vimento negro, as diferenças entre negros e bran-cos são naturais e não construídas socialmente.

Como fazer, então, para conciliar na práticaas demandas por reconhecimento e as lutas pelaampliação da cidadania, tornando essas demandas

 verdadeiras lutas por uma cidadania simbólica,sem cair em uma reificação das diferenças, confor-me analisado por Appiah (1997).

Este texto chega ao fim compreendendo maisperplexidades do que conclusões definitivas. Issotem a ver com a dificuldade de se abordar essa te-mática com a distância necessária, nem tão próxi-ma, que impeça uma visão crítica, nem tão distan-te, que leve a uma visão totalmente desinteressadados rumos que possam tomar as ações analisadas.Não estamos certos de termos encontrado esseponto de equilíbrio, mas foi esse o espírito que nosanimou. Para concluir, gostaríamos de fazer uma re-tificação. O título deste artigo faz referência aos di-lemas da luta anti-racista no Brasil. Na verdade, osdilemas não são apenas dos que lutam contra o ra-cismo no país. Em uma das reuniões nacionais pre-paratórias para a III Conferência Mundial Contra oRacismo em Durban, uma militante negra disse algoque nos parece pertinente: para ela, o movimentonegro teria cumprido um papel importante ao fazeras denúncias contra o racismo, obrigando assim asociedade brasileira a olhar para si própria com me-nos condescendência em relação à questão racial.Isso, de certa forma, havia sido alcançado; agora te-

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ria chegado a vez de a sociedade civil intervir, in-corporando as demandas anti-racistas na agendapública do país.

Essa é uma maneira de dizer que o principalpapel de um movimento social é o de ajudar amudar as representações vigentes em uma socie-dade. As transformações estruturais, embora in-fluenciadas por essas mudanças no âmbito doimaginário, dependerão das alianças que os mo-

 vimentos sociais conseguirem estabelecer, masnão apenas eles. Assim, o dilema do qual faláva-mos há pouco, na verdade, é de todos nós!

Notas

1 As quais congregam alguns dos mais importantes fi-lósofos e pensadores sociais de nossa época: de

 Junger Habermas a Charles Taylor, de Alain Tourai-

ne a Zygmunt Bauman, de Richard Rorty a Paul Ri-

coeur, de Axel Honneth a Nancy Fraser, de Marion

 J. Young a Seyla Benhabib, entre outros.

2 O rico debate que essas críticas geraram ficou co-

nhecido no mundo anglo-saxão como o debate en-

tre comunitaristas e liberais. Para uma boa síntese

a respeito, ver Kymlicka (1990), Wieviorka (2001)

e Vita (2000).

3 É certo que essas duas correntes não esgotam odebate sobre as teorias da justiça. Uma análise mais

apurada deveria abranger os autores que traba-

lham com a noção de “exploração” (Roemer, 1982

e 1996), ou os que, como Habermas (1997), discu-

tem a justiça dentro do quadro do Estado democrá-

tico de direito.

4 Essa incapacidade de formação de coalizões entre

os grupos subalternos é um dos principais pontos

da crítica que autores como Zygmunt Bauman

(2003), Richard Rorty (1998) ou Amélie O. Rorty 

(1997) fazem às políticas pautadas nas identidadesculturais e/ou étnicas. Segundo eles, essas políticas

serviriam para dissimular as injustiças sociais e as

novas formas de exclusão gestadas no mundo con-

temporâneo. Aqui, vale a pena lembrar que Fraser

diverge desses autores quando afirma a pertinência

das lutas por reconhecimento uma vez associadas às

lutas distributivas.

5 Sobre esse ponto, Zurn (2003) critica o abandono

de uma postura desconstrutivista das identidades

por Fraser em sua nova fase por não considerar a

possibilidade de se constituírem identidades auto-

referenciadas em torno dos grupos de  status , mes-

mo de status degradados, retornando assim às de-

mandas por identidade.

6 Desigualdades que podem ser interpretadas em

termos de  status , de classes e de identidade, res-

pectivamente.

7 Embora para esses autores o reconhecimento se

constitua de forma intersubjetiva, ele se manifesta,

sobretudo, na possibilidade de “auto-realização”

individual. Nesse sentido, Caillé e Lazzeri (2004, p.

91) observam que a reatualização de Hegel por

Honneth priorizou as três categorias centrais do re-

conhecimento (eticidade social, direito e amor),mas negligenciou a categoria “trabalho”, uma das

três potências para Hegel.

8 Uma tentativa preliminar de conceitualização da ci-

dadania simbólica pode ser vista em Neves (2002).

9 A respeito das posições do movimento negro des-

se período, ver Nascimento e Nascimento (2000).

10 Nesse sentido, o movimento negro que surge nos

anos de 1970 é bem diferente daquele dos anos de

1930, por exemplo, quando a prioridade era bus-

car uma integração na sociedade nacional a partirda introjeção pelos negros dos valores dessa socie-

dade. A esse respeito, ver Hofbauer (1999) citado

por Costa (2002).

11 Entrevista de Vicentinho, então presidente da CUT,

ao jornal Folha de S. Paulo, 1/7/95, pp. 3-6.

12 Exemplos desse fenômeno encontram-se na fre-

qüência com que a discussão sobre o preconceito

aparece em programas televisivos e o aparecimen-

to de uma imprensa voltada para a população afro-

descendente. O mais badalado projeto editorial

com essa perspectiva, a revista mensal Raça Brasil ,existe desde setembro de 1996.

13 Sobre o aspecto cultural do movimento negro bra-

sileiro, ver a polêmica entre Michael Hanchard e

Luíza Bairros (revista Afro-Ásia, 17 e 18).

14 Já existe uma rica literatura sobre o processo de cons-

trução da identidade nacional centrada na idéia de

democracia racial; ver, a esse respeito, Skidmore

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LUTA ANTI-RACISTA 93

(1989 e 1994).

15 As relações entre os militantes dos movimentos ne-

gros e os intelectuais das ciências humanas que, a

partir dos anos de 1950, começam a estudar as re-

lações raciais no país de um ponto de vista críticoainda precisam ser mais bem investigadas, mas há

indícios de que eles já foram muito próximos.

16 O termo racial aqui é utilizado no sentido dado por

Banton (1970) e Guimarães (1999 e 2002), isto é,

raça não como conceito biológico, mas como con-

ceito socialmente legitimado nas interações sociais.

17 Tendo isso em vista, Michel Wieviorka (2001) faz a

distinção entre duas situações de reivindicação iden-

titária: de um lado as identidades acompanhadas de

exclusão e, de outro, as identidades sem exclusão.

18 Ver a esse respeito Appiah (1997) e Gilroy (2001),

entre outros.

19 Esse aspecto da discussão da questão racial no Bra-

sil deu lugar a intenso debate que se seguiu à pu-

blicação de um texto de Pierre Bourdieu e Loïc

 Wacquant (2002) criticando o uso dos modelos

analíticos oriundos dos Estados Unidos para inter-

pretar a questão racial no Brasil. Ver também, Cos-

ta (2002) e Sansone (2002).

20 Ver a esse respeito Agier (1991a e b).

21 Essa avaliação foi-nos repetida por diversos mili-

tantes negros ao curso da pesquisa, sobretudo

após a ascensão do Partido dos Trabalhadores à

presidência da República.

22 Para a defesa dos argumentos favoráveis às políti-

cas afirmativas, ver Guimarães (1999 e 2002). Uma

 visão crítica é ilustrada em Fry e Maggie (2002).

23 O que, diga-se de passagem, constituía-se, por si

só em uma tarefa hercúlea e das mais importantes.

 Além disso, deve-se considerar que um movimen-

to social por mais potente que seja não pode iralém dos limites pragmáticos que a sociedade lhe

impõe.

24 As ações afirmativas do tipo cotas visam a atingir os

indivíduos considerados representantes de um grupo

discriminado. Há ainda outras ações que se destinam

a abranger uma comunidade como um todo, por

exemplo, os projetos de renovação urbana, as cria-

ções de zonas especiais de educação etc. Esta opo-

sição entre políticas urbanas é conhecida em termos

de people versus place (Donzelot et al., 2003).

25 A prioridade na criação de uma classe média negra

explica-se, segundo alguns militantes, na visão de

que assim a mobilização política dos negros emtorno da discriminação racial seria mais intensa.

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LUTA ANTI-RACISTA:ENTRE RECONHECIMENTOE REDISTRIBUIÇÃO

Paulo Sérgio da C. Neves

Palavras-chaveReconhecimento; Redistribuição;Relações raciais; Movimento ne-gro; Ações afirmativas.

Tornou-se lugar comum a consta-tação de que as “lutas por reco-nhecimento” são uma das maiorestendências da política contempo-rânea. No Brasil, esse debate sur-ge com os movimentos negros eganha maior visibilidade a partirdas propostas de ações afirmati-

 vas. Por um lado, a estratégia des-ses movimentos tem se pautadoem uma premissa de pureza ra-cial na tentativa de criação deuma identidade étnica politizável;por outro, as suas demandas re-distributivas buscam engajar o

Estado em torno de políticas pú-blicas que diminuam as diferen-ças socioeconômicas entre a po-pulação branca e a não-branca nopaís. Estamos aqui diante do dile-ma de como articular as políticaspor reconhecimento e as políticasredistributivas. O objetivo dessetexto é o de analisar essas ques-tões à luz dos impasses discursi-

 vos do movimento negro.

POLITICAL ACTIONBETWEEN RECOGNITION AND REDISTRIBUTION: ANTI-RACIST ENGAGEMENTDILEMMAS IN BRAZIL 

Paulo Sérgio da C. Neves

KeywordsRecognition; Redistribution;Racial relations; Black move-ment; Affirmative actions.

It has been a commonplace theevidence that the “fights for recog-nition” are one of the biggest ten-dencies of contemporary poli-tics. In Brazil this debate emerges

 with Afro-Brazilian movementsand has gained more visibility since assertive actions proposals.On the one hand, the policy of these movements has been ruledby a premise of racial purity, in anattempt of creating a mobilizingethnic identity; on the other hand,its redistributive demands try toengage the government in public

policies which reduce the social-economic differences between white and non-white populationin the country. We are before thedilemma of how to articulate thepolicies for recognition and theredistributive ones. The aim of this paper is to analyze such issuesin light of the Afro-Brazilian move-ment discourse predicament.

L’ACTION POLITIQUE PLACÉEENTRE LA RECONNAISSANCEET LA REDISTRIBUTION:LES DILEMMES DE LA LUTTE ANTIRACISTE AU BRÉSIL 

Paulo Sérgio da C. Neves

Mots-clésReconnaissance; Redistribution;Mouvement noir; Actions

 Affirmatives.

Les “luttes pour la reconnaissan-ce” sont parmi les principales ten-dances de la politique contem-poraine. Au Brésil, le débat estapparu avec les mouvementsnoirs et a gagné plus de visibili-té à partir des propositions demise en place d’actions affirmati-

 ves. D’un côté, la stratégie deces mouvements est fondée surune prémisse de pureté raciale,sur l’essai de création d’uneidentité ethnique mobilisatrice.D’un autre côté, leurs demandespour la mise en place de politi-

ques de redistribution cherchent àengager l’État dans des politiquespubliques capables de diminuerles inégalités socio-économiquesentre la population blanche et la po-pulation non blanche. Nous som-mes, dans ce cas, confrontés audilemme qui consiste à articulerles politiques pour la reconnais-sance avec les politiques de re-distribution. L’objectif de ce texteest d’analyser ces questions à la

lumière des impasses discursivesdu mouvement noir.