luiz henrique batista de oliveira pedrozo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ UENP CAMPUS JACAREZINHO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA JURÍDICA LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA INCLUSÃO NA LINHA DE AÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS BÁSICAS DO ESTADO: AVANÇOS E DESAFIOS Jacarezinho - PR 2016

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Page 1: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ UENP

CAMPUS JACAREZINHO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA JURÍDICA

LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA

INCLUSÃO NA LINHA DE AÇÃO DE

POLÍTICAS SOCIAIS BÁSICAS DO ESTADO:

AVANÇOS E DESAFIOS

Jacarezinho - PR

2016

Page 2: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ UENP

CAMPUS JACAREZINHO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA JURÍDICA

LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA

INCLUSÃO NA LINHA DE AÇÃO DE

POLÍTICAS SOCIAIS BÁSICAS DO ESTADO:

AVANÇOS E DESAFIOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao

programa de Pós-graduação em Ciência

Jurídica do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Norte do Paraná – UENP – Campus

Jacarezinho, como pré-requisito à obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica.

Área de Concentração: Teorias da Justiça:

Justiça e Exclusão.

Linha de pesquisa: Responsabilidade do

Estado: questões críticas.

Candidato: Luiz Henrique Batista de

Oliveira Pedrozo.

Orientador: Prof. Dr. Fernando de Brito

Alves

Jacarezinho - PR

2016

Page 3: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

Autorizo a reprodução e divulgação total e parcial desse trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

PEDROZO, Luiz Henrique Batista de Oliveira.

O direito à educação infantil e sua inclusão na linha de ações de políticas sociais

básicas do Estado: Avanços e Desafios/Luiz Henrique Batista de Oliveira Pedrozo.

Jacarezinho (PR): UENP/Campus de Jacarezinho, 2016.

Xi, 192f.: il.; 2 cm.

Orientador: Dr. Fernando de Brito Alves

Dissertação (Mestrado) – UENP/Campus de Jacarezinho/Programa de Pós-

graduação em Ciência Jurídica, 2016.

Referências Bibliográficas: f. 176-189.

1. Teorias da Justiça. 2. Responsabilidade do Estado. 3. Direito à Educação

Infantil. I. Alves, Fernando de Brito. II. Universidade Estadual do Norte do

Paraná, Campus de Jacarezinho, Programa de Mestrado em Ciência Jurídica.

III. Título

Page 4: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

PEDROZO, L. H. B. O. O Direito à Educação Infantil e sua Inclusão na Linha de Ação de

Políticas Sociais Básicas do Estado: Avanços e Desafios. Dissertação de Mestrado

apresentada a Universidade Estadual do Norte do Paraná – campus Jacarezinho, como

requisito à obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Professor Dr. ______________________________ Instituição: ________________________

Julgamento: _______________________________ Assinatura ________________________

Professor Dr. ______________________________ Instituição: ________________________

Julgamento: _______________________________ Assinatura ________________________

Professor Dr. ______________________________ Instituição: ________________________

Julgamento: _______________________________ Assinatura ________________________

Page 5: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

Dedico este trabalho a todos os professores

que a vida me deu de presente e a todas as

crianças que não tiveram ou que ainda tentam

a mesma sorte.

Page 6: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Universidade Estadual do Norte do Paraná e à

Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica, por terem me dado a honra

de retornar na condição de mestrando, aos mesmos bancos acadêmicos onde em 2002 me

formei bacharel em direito e aprendi a arte de ser um bom jurista.

Ao meu querido e paciente orientador, professor Dr. Fernando de Brito Alves, por

acreditar em mim e no meu potencial, e por ter se tornado um verdadeiro amigo no decorrer

desta jornada. Obrigado por me fazer aprender e a gostar ainda mais de filosofia política, e

por me ajudar a polir e aproveitar o lado crítico de minhas ideias. Obrigado por ter sido

sempre compreensivo, por ter sanado todas as minhas dúvidas e por ter acolhido minhas

iniciativas, mostrando-me o caminho de uma pesquisa com qualidade.

Ao professor Dr. Renato Bernardi, por ter aceitado participar da minha banca de

qualificação, por ter feito sugestões importantes à finalização da pesquisa e por ter colaborado

imensamente com os debates promovidos em sala de aula, sem os quais esse trabalho com

certeza ficaria mais pobre.

Ao professor Dr. Jorge Sobral da Silva Maia, que ao participar da minha banca de

qualificação sugeriu leituras importantíssimas que não apenas enriqueceram o trabalho final,

como também me motivaram a dar continuidade aos estudos sobre o assunto.

À querida professora Dra. Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis, da Faculdade de

Educação da UNICAMP, que tão prontamente se dispôs a me auxiliar nos estudos sobre

Educação, fornecendo-me um vasto material de suas pesquisas e apresentando-me grande

parte dos autores da área educacional que compõem este trabalho.

À querida amiga e professora Dra. Fabiana Polican Ciena, por me ajudar sempre que

possível, emprestando livros, me convidando para eventos sobre educação e direito e, por me

ajudar a dar corpo a tantas ideias iniciais.

À Maria Natalina da Costa, responsável pela Secretaria do Programa de Mestrado em

Ciência Jurídica, por toda compreensão e auxílio.

À estimada tia Meire, pelo carinho com que revisou “o português” de cada página

escrita e pela dedicação em me transmitir suas experiências e percepções na arte de educar.

Ao estimado Rodrigo César dos Santos Vida, por toda compreensão, dedicação e

apoio na revisão e formatação deste trabalho. Obrigado pela sua paciência e pela

espontaneidade em ajudar sempre.

Page 7: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

Aos amigos, Douglas Oliveira, Leonardo Camargo Marangoni, Karina Ayumi

Tanno, Simoni Takahashi Oliveira Brito, Marianna Reghin Welani, Bruna Fernanda Costa,

Thaís Mariane Silva e Cilene Silva Lima pela colaboração e incentivos extra sala,

especialmente, nas discussões sobre os estudos sobre as políticas públicas nos municípios, nas

desconstruções necessárias à revisão do pensamento e, no fornecimento dos dados necessários

à análise de caso.

Aos meus queridos amigos da turma 11, por fazerem dos nossos encontros de final

de semana sempre tão produtivos e acolhedores. O que sinto por vocês é gratidão, no mais

puro sentido da palavra!

Aos meus pais e eternos professores, Darci José Pedrozo e Irene Batista de Oliveira

Pedrozo, pelo amparo, pelos conselhos, por toda educação e carinho recebidos, ingredientes

indispensáveis à minha formação enquanto homem e cidadão.

Aos meus irmãos, Fabiana Batista de Oliveira Pedrozo e Marcus Vinícius Batista de

Oliveira Pedrozo, por me ensinarem cada um ao seu modo, a exercitar minha paciência,

minha compaixão, minha solidariedade e tolerância.

Ao meu afilhado querido, Agnus Petrus de Oliveira, por me provar a cada dia o real

significado da expressão “filho do coração”.

Aos meus sobrinhos amados, Maria Clara Pedrozo Jorge, Marcus Vinícius Batista de

Oliveira Pedrozo Filho, Lorenzo Batista de Oliveira Pedrozo e Ana Carolina Batista de

Oliveira Pedrozo, por servirem de toda inspiração e estímulo nos estudos sobre Educação

Infantil.

À Tia Idê (in memorian), minha primeira professora, por ter me ensinado muito mais

que letras, números e palavras, por ter sido a primeira pessoa a me ensinar que “não se foge

da escola”, e que a escola pode sim ser um lugar onde uma criança pode desejar estar.

Page 8: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

“A criança é o pai do homem.”

William Wordsworth

Page 9: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

PEDROZO, L. H. B. O. O Direito à Educação Infantil e sua Inclusão na Linha de Ação de

Políticas Sociais Básicas do Estado: Avanços e Desafios. 184 p. Dissertação (Mestrado).

Universidade Estadual do Norte do Paraná – campus Jacarezinho. 2016

RESUMO

Desde os tempos do Brasil Colônia, a educação dada às crianças pequenas era mais

intimamente ligada à assistência, ao cuidado, que à formação humana e social propriamente

dita. Por conta disso, ainda é comum encontrar quem defenda a ideia de creche e pré-escola

como sendo lugares que devem se dedicar única e exclusivamente aos cuidados das crianças

enquanto os pais trabalhadores estão fora. Uma ideia que desde a promulgação da

Constituição Federal de 1988 não pode ser mais admitida, uma vez que com a nova ordem

constitucional, a educação passou a ser considerada também, um direito que deve ser

garantido a toda e qualquer criança. A par disso, o presente trabalho busca explicar como o

acesso à creche e à pré-escola evoluiu desde a promulgação da Magna Carta, partindo de uma

política puramente assistencialista direcionada preferencialmente às mulheres pobres, até

alcançar o status de direito fundamental a ser garantido pelo Estado a toda criança com idade

entre 0 e 5 anos. Promove uma análise crítica acerca das atribuições repassadas aos entes

municipais com relação ao planejamento e efetivação da política educacional infantil,

valendo-se da realidade fática de um dos municípios do Estado do Paraná para demonstrar

não apenas as dificuldades enfrentadas, mas também, a forma como o Poder Judiciário tem

cobrado essa implementação. Nesse sentido, aborda a questão dos planos decenais de

educação para explicar como a adoção de medidas programáticas e progressivas podem ser

definidas de forma dialógica entre as esferas de poder e os atores sociais, sobretudo, o

Ministério Público, como forma de viabilizar um melhor planejamento e gestão da política

pública, evitando-se a intervenção posterior, via decisões judiciais, no orçamento público

municipal. Atenta, ainda, para o fato de o Ministério Público ter de rever também a sua forma

de atuação, uma vez que tem desempenhado parcialmente o seu papel com relação a essas

políticas públicas quando se concentra basicamente na atuação fiscalizadora dos atos da

administração pública posteriores à definição das estratégias e dos orçamentos, quando na

verdade deveria se dedicar também à participação ativa no processo de elaboração, definição,

deliberação e planejamento da política educacional, inclusive junto aos conselhos de direito.

Palavras-Chave: Educação Infantil; direito fundamental; planejamento; participação.

Page 10: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

PEDROZO, L. H. B. O. The Right to Childhood Education and its inclusion in the State

Basic Social Policy Action Line: Progress and Challenges. 184 p. Thesis (MS). State

University of Northern Paraná - campus Jacarezinho. 2016

ABSTRACT

Since when Brazil was a Portuguese colony, early childhood education was focused on

welfare and caring instead of in the human social development. Because of that historic

background, it is still common to find who defends the idea of kindergarten and preschools as

places exclusively focused on those principles – places for children caring while their parents

are working. However, after promulgation of Brazilian Federal Constitution in 1988, this idea

could no longer be supported, once the new constitutional order came to see education as a

guaranteed to any child. Aware of this, this study sought to explain how access to

kindergartens and preschools has changed since the promulgation of the Magna Carta and

over time, coming from a welfare policy aimed at poor women to a fundamental, assured right

to be granted by the State to any child from 0 to 5 years old. In addition, this study promotes a

critical analysis of the powers transferred to municipal entities regarding planning and

realization of children's educational policy, drawing upon the factual reality of a specific city

of the Paraná State in order to demonstrate not only the difficulties encountered but also the

way the Judiciary has charged that implementation. In this sense, it addresses the issue of

decennial plans of education to explain how the adoption of programmatic and progressive

measures can be defined in dialogue between the spheres of power and the social actors,

particularly the Public Ministry, in order to enable better planning and management of public

policy, avoiding further intervention through judicial decisions in the municipal budget. Yet,

this study also highlights the urgent need of the Public Ministry to review the way it operates,

since it has only partially played its role with respect to those policies when it focuses

primarily on the supervisory role of the acts of government after the definition of the

strategies and budgets, when in fact it should be dedicated also to active participation in the

process, resolution, deliberation and planning of educational policy, along with the right

council.

Key words: Early childhood education; fundamental rights; planning; participation

Page 11: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

LISTA DE FIGURAS

Figura 1

Distribuição etária da população do Brasil e do Estado do Paraná 142

Figura 2 O processo administrativo de formulação dos Planos de Educação nos

Municípios

149

Figura 3 Distribuição etária da população do município de Ibiporã em

comparação com a do Estado do Paraná e do Brasil

157

Page 12: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

LISTA DE TABELAS

Tabela 1

Estrutura do Sistema Educacional antes de 1971 46

Tabela 2 Quadro comparativo entre as meta do atendimento a educação infantil

conforme os PNE 2001-11 e 2014-2025.

119

Tabela 3 Número de matrículas na Educação Infantil do Paraná segundo

dependência administrativa.

144

Tabela 4 Número de matrículas no Paraná por etapa e dependência

administrativa.

144

Tabela 5 Número de matrículas realizadas no atendimento infantil em âmbito

nacional em 2012.

145

Page 13: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

LISTA DE ABREVIATURAS

AEE: Atendimento Escolar Especializado

AMP: Associação dos Municípios do Paraná

CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

CF: Constituição Federal

CMEI: Centro Municipal de Educação Infantil

CNCC: Comissão Nacional Criança e Constituinte

CNE: Conselho Nacional de Educação

COEDI: Coordenação Geral de Educação Infantil

COEPRE: Coordenação de Educação Pré-escolar

DCNEI: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

DUDCA: Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente

DUDH: Declaração Universal dos Direitos Humanos

EC: Emenda Constitucional

ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente

FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos

Profissionais da Educação

FUNDEF: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério.

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB (ou LDBEN): Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional

LDO: Lei de Diretrizes Orçamentárias

LOA: Lei Orçamentária Anual

MDS: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MEC: Ministério de Educação e Cultura

Page 14: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

MP: Ministério Público, Parquet

OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONG: Organização Não-governamental

OOSC: Out of School Children

PAR: Plano de Ações Articuladas

PARFOR: Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica

PDE: Plano de Desenvolvimento da Educação

PDE-E: Plano de Desenvolvimento da Escola

PME: Plano Municipal de Educação

PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNE: Plano Nacional de Educação

PPA: Plano Plurianual

RCNEI: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

SRM: Salas de Recursos Multifuncionais

STF: Supremo Tribunal Federal

UIS: Instituto de Estatísticas da UNESCO

UNDIME: União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Sigla em inglês

UNICEF: Fundo das Nações Unidas para a Infância. Sigla em inglês

UPP: Unidade de Polícia Pacificadora

Page 15: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................................................15

1 A EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ATÉ 1988: UMA ABORDAGEM PRÉVIA E

NECESSÁRIA À COMPREENSÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL .......................20

1.1 A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E OS DIREITOS SOCIAIS – PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES ..............20 1.2 UM RESGATE HISTÓRICO-LEGAL DA EDUCAÇÃO NAS CARTAS CONSTITUCIONAIS.....................25

1.2.1 Constituições de 1824 a 1967 ............................................................................................25

1.2.2 Constituição Federal de 1988 ............................................................................................48 1.3 RAÍZES DO ATRASO: O PERCURSO HISTÓRICO DO ATENDIMENTO À CRIANÇA NUMA SOCIEDADE

QUE CUSTOU A APRENDER O QUE É INFÂNCIA.................................................................................54

1.3.1 Primeiro período (1500 a 1874): Brasil Colônia ...............................................................57

1.3.2 Segundo Período (1874-1889): Brasil Império ..................................................................59

1.3.3 Terceiro período (1889- 1930): Primeira República .........................................................62

1.3.4 Quarto período (1930-1988): da Era Vargas à Constituição Cidadã .................................65 1.4 A NOVA VISÃO POLÍTICO SOCIAL ACERCA DA CRIANÇA E DA EDUCAÇÃO INFANTIL ..................74

2 A NOVA BASE LEGAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA AFIRMAÇÃO ENQUANTO

PRIMEIRA ETAPA DA EDUCAÇÃO BÁSICA, DIREITO DA CRIANÇA, OPÇÃO DA

FAMÍLIA, DEVER DO ESTADO E ATRIBUIÇÃO DO MUNICÍPIO .......................................81

2.1 A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO CONCEITO DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO PERÍODO PÓS-1988:

MARCOS LEGAIS ............................................................................................................................81

2.1.1 O ECA e a Educação Infantil ............................................................................................87

2.1.2 A questão da gratuidade da Educação Infantil ..................................................................96

2.1.3 A Lei nº 9.394/1996 (LDBEN) e a política nacional de Educação Infantil .........................98

2.1.4 Planejamento (PPA, LDO e LOA; PDE e PAR; PPP e PDE-Escola)...............................104 2.2 AS POLÍTICAS DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL DE ACORDO COM A LDBEN ...... 106 2.3 OS PLANOS DE EDUCAÇÃO .................................................................................................... 110

2.3.1 Novo plano para necessidades antigas: as metas e as estratégias do PNE (2014/2024)

voltadas à Educação Infantil ...................................................................................................114

2.3.2 Comparativo entre as metas do PNE atual com seu antecessor .......................................118 2.3.3 Situação atual de implementação do PNE 2014-24 com base nos dados do IBGE (2013-14)

e do Observatório do PNE .......................................................................................................120 2.3.4 Outras políticas públicas federais relacionadas à Educação Infantil: descrição e análise

...............................................................................................................................................123

3 O DIAGNÓSTICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL, NO PARANÁ, E OS PLANOS

MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO PLANEJAMENTO

LOCAL DA POLÍTICA EDUCACIONAL VOLTADA À CRIANÇA PEQUENA. ..................134

3.1 A EDUCAÇÃO INFANTIL NA AMÉRICA LATINA E A SITUAÇÃO DO BRASIL EM COMPARAÇÃO COM

OS OUTROS PAÍSES MUNDO. ......................................................................................................... 134 3.2 O DIAGNÓSTICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL E NO ESTADO DO PARANÁ ................... 141 3.3 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DOS PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO............... 147 3.4 AS DIVERGÊNCIA DE OPINIÕES ENTRE O JUDICIÁRIO E O EXECUTIVO ACERCA DA EDUCAÇÃO

INFANTIL..................................................................................................................................... 151

Page 16: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

3.5 A JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PELA ÓPTICA DE UM DOS MUNICÍPIOS

PARANAENSES: ANÁLISE DE CASO................................................................................................ 156 3.5.1 A prestação do direito à educação face o mínimo existencial e a reserva do possível:

análise da sentença .................................................................................................................164

3.5.2 A razoabilidade da decisão judicial ante as perspectivas do caso concreto .....................169

CONCLUSÃO ...............................................................................................................................172

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................176

ANEXOS .......................................................................................................................................190

Page 17: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

15

INTRODUÇÃO

Quando se fala em Educação Infantil, logo se interroga acerca da importância da

escola na vida daquelas crianças, que de tão pequenas mal sabem falar o próprio nome. De um

modo geral, a sociedade não leva em consideração o aprendizado da criança pequena para

definir o papel da creche e pré-escola na vida desses pequenos, e por compreenderem a

educação como estritamente ligada à leitura e às operações aritméticas, quase sempre reforça

o entendimento de que o dever maior dessas instituições é promover o cuidado com a

alimentação, as vestimentas, a higiene e a integridade física das crianças enquanto os pais

estão trabalhando.

Algumas crianças vivem em ambientes bem estruturados que as incentivam a se

desenvolver, e por serem crianças de famílias que participam ativamente dos processos de

aprendizado, acompanhando de perto cada passo do desenvolvimento físico, mental, social e

cultural, protegendo-as das mais variadas formas de estresses e violências, a escola funciona

como um complemento, como mais um instrumento de estímulo.

No entanto, imensamente maior é o número de crianças pequenas que sobrevivem

em condições precárias, em lares inseguros, faltosos de estrutura afetiva, educacional,

financeira e moral, em famílias com pouco ou sem nenhuma condição de prover-lhes um

ambiente favorável ao desenvolvimento humano completo. Sem estímulos no seio familiar ou

na comunidade em que vivem essas crianças, cujas chances de desenvolvimento são

reduzidas, têm na escola um elemento essencial, portanto indispensável à sua construção

cidadã. Para essas crianças a escola não só é culturalmente enriquecedora como é considerada

elemento-chave na definição das experiências basilares da futura vida adulta. Nesses casos, o

papel da creche e da pré-escola é trabalhar primordialmente, de forma articulada às famílias,

as necessidades, as habilidades, os desejos, os comportamentos e medos das crianças

pequenas, para que estas possam de fato avançar rumo ao Ensino Fundamental com condições

de se sentirem acolhidas, integradas à sociedade. É nesta fase da vida da criança que se

reforçam as bases para a educação formal posterior que lhe será cobrada pelo mercado de

trabalho.

Comprovadamente, a criança que não recebe na infância os devidos estímulos chega

ao ensino fundamental com dificuldades de acompanhar o ritmo daqueles que foram

suficientemente estimulados. Isso acaba prejudicando não apenas a criança, mas toda a

sociedade, que perde com a diminuição do capital humano. Daí a necessidade de o Estado

Page 18: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

16

incentivar e assegurar, através de diferentes e articulados programas sociais, que cada geração

seja efetivamente melhor educada, mais produtiva, mais saudável e mais comprometida com o

futuro do país em comparação com a anterior.

A existência das creches e pré-escolas permite que famílias, em especial as de baixa

renda e escolaridade, garantam a seus filhos um estímulo adequado no tempo certo. Para

alguns especialistas, se os estímulos psicoeducacionais começam apenas na faixa dos 3 ou 4

anos, pode-se perder preciosas oportunidades de se promover avanços intelectuais e

comportamentais e os danos na vida da criança nestas condições podem ser irreversíveis.

Sob a óptica da criança pequena, pouco importa quem cuidará dela, basta que o

adulto encarregado disso saiba acolhe-la, alimentá-la e estimulá-la de forma adequada em prol

do seu desenvolvimento físico, mental e moral. Mas, quando a criança alcança a faixa dos 3

anos de idade, a falta da escola não pode mais ser ignorada, porque é nessa fase que a criança

precisa realmente se socializar, conviver, interagir com outras crianças. O contato direto com

outros indivíduos promove a troca de experiências, e é através dessa interação que a criança

de fato aprende a controlar comportamentos e sentimentos, e descobre através das

brincadeiras a melhor forma de explorar suas habilidades, muitas das quais não aprenderá

com livros didáticos ou exercícios para se fazer em casa.

Daí falar-se que a educação é reconhecida antes de tudo como um ato político,

porque deflagra todo um processo de construção continuada do homem em sociedade, um

processo complexo mas necessário à integração de todas as relações interpessoais firmadas no

decorrer de sua existência e que depende, por sua vez, da articulação entre Administração

Pública e demais atores sociais, em especial da sociedade civil organizada, do Ministério

Público, da comunidade escolar, das famílias e dos conselhos de direito, na forma de

definições estratégicas da política educacional em total consonância com a realidade social.

Foi com base nessa ideia de educação como ato político que se delinearam as

primeiras páginas deste trabalho, voltadas a elucidar o leitor acerca do real papel da Educação

Infantil na vida de uma criança com idade entre 0 e 5 anos, e das especificidades que a

Educação Infantil têm em relação às demais etapas da Educação Básica, especificidades estas

responsáveis por colocá-la no rol das prioridades estratégicas para o desenvolvimento humano

do país.

Para determinar porque estas instituições, antes consideradas fora do sistema

nacional de educação, atualmente são reconhecidas como sendo instituições educativas

necessárias à primeira etapa da Educação Básica, investigou-se os motivos pelos quais os

Municípios merecem maior e melhor apoio para manter e gerir estas instituições, e porque a

Page 19: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

17

educação da criança pequena, agora prevista em Lei, deixou de ser interesse dos pais ou

responsáveis e passou a ser um direito do menor, gerando uma responsabilidade tanto para a

família quanto para o Estado.

A par de todo o contexto histórico da Educação no Brasil, mais especificamente

antes da Constituição Federal de 1988, há de se observar que os pais ou responsáveis legais,

sob pena de serem criminalmente responsabilizados por “abandono intelectual”, eram

obrigados a matricular seus filhos apenas no ensino fundamental aos sete anos de idade, e

forçá-los a estudar até os 14 anos. Observa-se também que, por muito tempo, quase nada se

falava a respeito da obrigatoriedade da Educação Infantil em creches e pré-escolas, visto que a

educação da criança pequena era considerada uma obrigação exclusiva da família.

Somente com as alterações promovidas pela Constituição Federal (CF) de 1988, pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, e pela Lei de Diretrizes e Bases do

Ensino Nacional (LDBEN, Lei nº 9394/1996), a Educação Infantil passou a ser encarada

como etapa importante para a formação de um indivíduo dócil, sociável e produtivo à

sociedade, e a matrícula da criança na pré-escola deixou de ser uma prerrogativa dos pais para

se tornar obrigatória aos 4 anos de idade. Uma mudança de paradigma consagrada pela

Emenda Constitucional (EC) nº 59, de 11 de novembro de 2009, que garantiu aos Municípios

a implantação progressiva da medida até 2016.

Como se verá, foi em decorrência da conquista dos direitos da criança no Mundo,

que a Educação Infantil se constituiu num importante segmento educacional e também num

desafio para o Brasil na construção de uma escola democrática e popular capaz de assumir a

identidade do meio na qual está inserida. Nesse sentido, parte-se da premissa de que pensar a

Educação Infantil é compreender o conjunto de transformações das questões políticas, sociais,

ambientais, políticas, culturais e econômicas que a realidade a todos impõe no decorrer da

história.

Contudo, apesar de sua veemente importância, a Educação Infantil no Brasil continua

a receber tratamento inferiorizado quando comparada à educação oferecida a jovens e adultos,

o que evidencia uma ideia retrograda por parte do Estado amparada por um preconceito

fortemente enraizado no meio social no sentido de que crianças são “adultos incompletos”,

uma espécie de cidadãos em segundo plano. Esse tipo de mentalidade política, de certa

forma, retroalimenta a visão assistencialista que o Estado tem para com as políticas

educacionais voltadas à criança pequena, e justifica o foco maior da política social no direito

dos pais trabalhadores, ao invés do da criança.

Page 20: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

18

Através da análise de um caso concreto de judicialização da política pública

educacional infantil a pesquisa visa demonstrar as duas faces da questão: a gestão da

Educação Infantil por parte do ente municipal e a visão do judiciário acerca da política

pública. Sendo assim, o presente trabalho aborda os resultados da investigação acerca dos

Planos de Educação, focalizando como o Ministério Público e o poder judiciário tem encarado

o processo de formulação e implementação das políticas públicas educacionais voltadas à

infância. Isso porque o objetivo maior deste trabalho é justamente analisar a relação entre as

dificuldades enfrentadas pelo Município para planejar e promover de forma indiscriminada e

universal uma Educação Infantil considerada ideal tal qual exige a Constituição Federal, e os

motivos pelos quais atores sociais, a exemplo das famílias e do Ministério Público, ao invés

de participarem ativamente do processo de elaboração e definição dessas políticas públicas,

manifestam acanhado interesse ou tem preferido permanecer na retaguarda, consentindo ainda

que indiretamente que o gestor público mantenha em suas mãos a obrigação de definir

“sozinho” as estratégias para suprir as obrigações do Município para com a população.

Nesta esteira, lança-se a lume também uma discussão acerca da importância da

participação dos atores sociais na tomada de medidas de combate às falhas que vez ou outra

são apontadas no processo de implementação das políticas públicas educacionais por parte

dos Municípios, e como a abertura de canais de participação nos processos administrativos

que antecedem a definição dessas políticas públicas podem proporcionar uma maior eficiência

dos planos decenais de educação.

Para tanto, o trabalho foi organizado em três capítulos, na forma de uma pesquisa

qualitativa voltada à revisão e análise bibliográfica do tema conciliada ao estudo de caso

concreto. Serviram de fontes doutrinas, legislações, jurisprudências, notícias, infográficos,

tabelas e artigos impressos e ou veiculados nos meios eletrônicos sobre o tema. A pesquisa

bibliográfica consistiu prioritariamente na análise histórica da educação no Brasil e na

interpretação de documentos oficiais sobre direitos das crianças como a CF/88; a LDBEN, o

ECA, a Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (DUDCA), bem como

documentos elaborados pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), pelo Instituto

Nacional de Ensino e Pesquisa (INEP), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) e pelo Ministério das Relações Sociais e Saúde da Finlândia (Ministry of Social

Affairs and Health), uma vez que a Finlândia foi apontada em toda a literatura consultada

como sendo um exemplo de excelência em educação.

Nos dois primeiros capítulos foi apresentada uma síntese da evolução histórica das

políticas educacionais empreendidas no Brasil e das principais reformas que levaram ao

Page 21: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

19

reconhecimento do direito à Educação Infantil. Nesta parte do trabalho, a intenção foi delinear

uma sequência lógica e cronológica dos principais fatos históricos relacionados aos avanços

na educação brasileira até a promulgação da CF/88.

No terceiro capítulo, foi realizado um estudo comparativo entre a política

educacional infantil brasileira e a de outros países, e uma análise jurídica que privilegia caso

concreto de judicialização da política educacional infantil no Estado do Paraná (Ação Civil

Pública – Processo nº 3838-97.2013.8.16.0090), como forma de se explicar os desafios

impostos a uma educação de qualidade e demonstrar a maneira “generalista” como os

Municípios vem planejando, implementando e gerindo suas políticas sociais voltadas à

Educação Infantil sem uma efetiva participação do Ministério Público e demais atores sociais.

Por fim, insta salientar que procedimentos de análise estatísticas feitos pelo IBGE,

INEP e alguns observatórios sociais permitiram estruturar o estudo de caso e conciliar um

aporte sobre a realidade do município de Ibiporã, no contexto dos 399 municípios

paranaenses, e que a colaboração da Procuradoria Geral daquele município foi de extrema

importância à análise e compreensão do caso jurídico que integra este estudo.

Page 22: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

20

1 A EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ATÉ 1988: UMA ABORDAGEM

PRÉVIA E NECESSÁRIA À COMPREENSÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO

INFANTIL

Neste primeiro capítulo será abordada, de maneira objetiva, a forma como se deu o

desenvolvimento da Educação no Brasil desde a chegada dos portugueses. Para isso, traçamos

uma linha do tempo permeada de fatos marcantes e relevantes ao planejamento, formalização

e transformação do ensino e da aprendizagem, valendo-nos das principais ideias que

influenciaram a construção da identidade do povo brasileiro no decorrer de mais de cinco

séculos.

1.1 A relação entre educação e os direitos sociais – primeiras considerações

Interar-se da história da Educação é importante para contextualizar as conquistas no

campo da Educação Infantil. A humanidade sempre se preocupou em aprimorar os

conhecimentos do homem adulto, e por muitos séculos delegou ao esquecimento o potencial

intelectual das crianças. Consideradas no mais das vezes seres inacabados, de menor

importância, sem vontades e desejos próprios, muitas criança experimentaram ao longo da

evolução das sociedades humanas as mais diferentes formas de violência e outras tantas ainda

sucumbem, todos os anos, à frente de confrontos armados, vítimas de trabalhos forçados

exploração sexual e de violência doméstica.

Até o início do século XIX não se considerava possível que uma criança pudesse, de

fato, aprender à base das brincadeiras, e o ato de brincar era praticamente negligenciado para

dar lugar às atividades laborais consideradas essenciais ao sustento da família. A educação

que se dava às crianças era muito diferente daquela que se conhece nos dias de hoje:

assemelhava-se ao adestramento dado a animais, quase sempre acompanhado de castigos

dolorosos e humilhações.

O tratamento sutil, carinhoso e com retidão é algo relativamente novo na história da

Educação Infantil. Graças a estudiosos e amantes da pedagogia como Pestalozzi, Fröbel,

Piaget e Vygotski, o modo de pensar a educação das crianças pequenas foi mudando

paulatinamente. A necessidade de não mais se dissociar cuidados de educação da necessidade

de se acompanhar mais proximamente o desenvolvimento dos pequenos, da organização de

ambientes que estejam de acordo com os anseios das faixas etárias e das famílias atendidas é

Page 23: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

21

que, por fim, acabaram gerando demanda diversa daquelas comumente incidentes ao Ensino

Fundamental.

A história da educação brasileira demonstra justamente isso, que a exemplo de tantos

outros países do mundo, o processo evolutivo da formação cidadã no Brasil se deu de trás

para frente, ou seja, pensou-se durante séculos a formação primeiramente do adulto e se

delegou à clandestinidade a importância de se trabalhar o gérmen do capital humano na

infância.

Por ser a ferramenta mais eficaz ao crescimento pessoal, a educação é

indiscutivelmente valorizada por todo e qualquer país considerado desenvolvido, assumindo o

status de direito humano justamente por estar ligada intimamente à dignidade humana, além

de contribuir para ampliá-la à medida que promove o conhecimento, o saber, o discernimento

e a tolerância. Nesse sentido explicita Claude (2005, p. 37):

(...) pelo tipo de instrumento que constitui, trata-se de um direito de

múltiplas faces: social, econômica e cultural. Direito social porque, no

contexto da comunidade, promove o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Direito econômico, pois favorece a auto-suficiência

econômica por meio do emprego ou do trabalho autônomo. E direito

cultural, já que a comunidade internacional orientou a educação no sentido de construir uma cultura universal de direitos humanos. Em suma, a

educação é o pré-requisito fundamental para o indivíduo atuar plenamente

como ser humano na sociedade moderna.

É com esse espírito que o art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos

(DUDH) de 1948 postula que toda pessoa tem direito à instrução, reforçando claramente a

ideia de que a educação, além de ser um direito de todos e um dever do Estado, é um dos

conceitos que compõem o princípio da dignidade da pessoa humana ao considerá-la

indispensável ao pleno desenvolvimento do homem. Se não, vejamos:

Artigo XXVI

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelos

menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será

obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem

como a instrução superior, esta baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento

da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos

humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a

compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos

raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol

da manutenção da paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos (ONU, 1948).

Page 24: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

22

Daí falar-se que esse documento inaugura o “princípio da dignidade da pessoa

humana” e a sua amplitude nos textos legais ao relacionar “dignidade” com a palavra

“humana” cinco vezes no texto com diferentes composições: duas vezes no preâmbulo e as

outras vezes, nos artigos I, XXII e XXIII. Em nenhum momento se utiliza a expressão

“dignidade da pessoa humana”. (ASSIS, 2012).

Outro documento considerado de suma importância à questão da educação como

direito e que traz à tona a questão da necessidade de se garantir uma instrução básica foi a

Declaração Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990,

segundo o qual restou definido:

ARTIGO 3º - UNIVERSALIZAR O ACESSO À EDUCAÇÃO E

PROMOVER A EQUIDADE

1. A educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos. Para tanto, é necessário universalizá-la e melhorar sua qualidade,

bem como tomar medidas efetiva para reduzir as desigualdades.

2. Para que a educação básica se torne equitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos, a oportunidade de alcançar e manter um

padrão mínimo de qualidade e aprendizagem (UNESCO, 19901)

Estes documentos foram dois dentre tantos outros utilizados na composição da

legislação nacional sobre o direito à educação. Tanto uma declaração quanto a outra

influenciaram na reafirmação do direito à educação em ordenamentos jurídicos em todo o

mundo. Ainda assim, muitos governantes continuam a encarar a educação como estratégia a

longo prazo sem a devida atenção.

A afirmação da educação enquanto direito nos ordenamentos jurídicos tem permitido

o seu reconhecimento enquanto política pública indispensável não só ao exercício de outros

direitos, mas também à compreensão do mundo e das pretensas soluções dos diferentes

conflitos sociais, porque a educação promove também a tolerância, como bem explica

Oliveira e Adrião (2007, p. 15):

Ao longo dos últimos séculos, a educação tornou-se um dos requisitos para que os indivíduos tenham acesso ao conjunto de bens e serviços disponíveis

na sociedade, constituindo-se em condição necessária para se usufruírem

outros direitos constitutivos do estatuto da cidadania. O direito à educação é hoje reconhecido como um dos direitos fundamentais do homem e é

consagrado na legislação de praticamente todos os países.

1 Disponível na íntegra em http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf. Acesso em 20 out.

2015.

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23

Sob essa perspectiva, a educação enquanto um direito humano que deve ser garantido

a todo e qualquer cidadão do mundo, quando positivado num determinado ordenamento

jurídico (Constituição) ganha status de direito fundamental. Nesse sentido explica Canotilho

(1998, p. 25):

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são

frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem

são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos

fundamentais são direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos

e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e

universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes

numa ordem jurídica concreta.

Ainda que na língua portuguesa a palavra ‘direito’ sirva para designar tanto a letra da

lei (a norma escrita, em inglês Law) quanto o direito propriamente dito (em inglês Right), o

fato desse direito estar previsto na letra da Lei não quer dizer que, na prática, vem sendo

garantida a sua existência ou a sua efetivação. Por essa razão, é tão importante que se

compreenda o texto legal (direito objetivo) para relacionar a norma escrita com o direito em si

(direito subjetivo), e assim melhor determinar e planejar uma política pública que nos leve

diretamente de onde estamos (Law) para onde queremos chegar (Right) (ASSIS, 2012).

No caso específico do direito à educação, deve-se compreender que se trata de um

direito que beneficia, ao mesmo tempo, seus titulares e a sociedade onde esses titulares

vivem; e que, dialeticamente, a busca e o exercício desse direito à educação (direito objetivo e

subjetivo à educação) dão amplitude ao processo de emancipação do cidadão e seu

desenvolvimento em sociedade, que por consequência promove a extensão do princípio da

dignidade da pessoa humana. Esse, inclusive, é o entendimento de Assis (2012, p. 35):

(...) a interpretação do direito à educação na perspectiva do princípio da

dignidade da pessoa humana, que considera o processo educativo de extrema

importância para o desenvolvimento humano, não justificará ignorar algumas finalidades práticas da norma, ao contrário, justamente por entender

as limitações da própria norma, limitações estas impostas pelo próprio

constituinte, é que se torna possível aceitar a efetivação do direito à educação de forma plena, ou seja, que não esteja reduzida a uma vaga na

sala de aula.

Com base nisso, existiria o embasamento jurídico para discordar de alguém que por

ventura tentasse convencer outrem de que o direito à educação se resume a ter direito a

matrícula na escola, ou um lugar na sala de aula. O direito à educação vai muito além desses

Page 26: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

24

atos administrativos em concreto: pressupõe um lugar na sociedade e não pode ser

simbolizado pelo número de cadeiras e carteiras existentes nas escolas públicas, Municipais

ou Estaduais. É um direito que precisa ser vivenciado, percebido, sentido, como bem

esclarece Assis (2012, p. 2):

[...] o direito à educação deve ser efetivado mediante a garantia de se ter uma

educação ética, com vistas à responsabilidade social e na construção de um

ser humano íntegro.

A par disso, analisa-se nesta oportunidade como o Direito à educação primeiramente

se desenvolveu em solo brasileiro e como ele foi traçado nas diferentes Constituições, no

intuito de se promover uma melhor compreensão acerca das possíveis relações entre as Leis

que tratam da Educação Infantil, cerne da pesquisa.

De igual maneira, relaciona-se Law (direito objetivo) e right (direito subjetivo) para

melhor pensar e estudar as políticas públicas educacionais, sempre na perspectiva de right, até

o advento da Constituição Federal de 1988.

Para tanto, inicia-se a análise da educação propriamente dita pelo tratamento dado a

ela no período compreendido entre 1824-1890, quando o Brasil pós-Constituição de 1824

conheceu as primeiras tentativas, ainda que descontínuas, de se organizar a educação como

responsabilidade Estatal, passando aos anos 1890-1931, quando foram criados os primeiros

modelos de escolas primárias nos estados, na forma de grupos escolares, para uma melhor

compreensão sobre o que de fato aconteceu entre os anos 1931-1967, quando houve a

regulamentação da educação em âmbito nacional (SAVIANI, 2005).

Por fim, a partir da análise histórica das décadas iniciais do século XX, busca-se

elucidar como a consolidação da ordem capitalista no país contribuiu para o reconhecimento

da educação como questão nacional. E, por consequência, como o Brasil despertou para o

problema da extensão da escolarização e se empenhou para promover um sistema de ensino

que viabilizasse a incorporação cada vez maior de pessoas nas escolas, processo que se

completará mais recentemente, quando o Estado passa a focar a permanência da criança na

escola na tentativa de efetivar esse direito fundamental previsto no artigo 5º da CF/88

(BRASIL, 2002).

Observar o passado da Educação ajuda a compreender as falhas institucionais

apontadas no presente, e pode ajudar a estabelecer uma relação de confiança entre Estado e

sociedade à medida que se garante ao cidadão desde muito cedo o direito de se apropriar da

cultura de seu povo e a ter a real noção de pertencimento. É através da interação social que o

Page 27: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

25

ser humano aprende e se desenvolve para enfrentar os desafios que a vida impõe, nada mais

justo e coerente, portanto, que se invista cada vez mais numa educação voltada para a vida

coletiva, de modo que a criança possa compreender a importância do sociabilizar, do

compartilhar e do respeitar as diferenças agregando valores até sua idade adulta.

1.2 Um resgate histórico-legal da educação nas cartas constitucionais

Partindo do pressuposto de que a história se constrói a cada dia, e com ela a

identidade de cada cidadão, passamos a uma breve análise das principais constituições

brasileiras como forma de ilustrar não apenas o tratamento dado à Educação antes da

Constituição Federal de 1988, como também a evolução do direito à Educação até sua real

instituição como meio formador do individuo e mola propulsora da cidadania.

1.2.1 Constituições de 1824 a 1967

Nos anos que se seguiram à Constituição de 1824, o Brasil não apenas começou a

experimentar a sensação de ser um país livre de Portugal, como passou a desenvolver em seu

meio político e intelectual uma necessidade crescente de reafirmar sua identidade através da

criação de um Estado Nacional, centralizador, intervencionista e antiliberal. Ocorre que, sem

uma construção sólida da nacionalidade do povo através da educação, quase nada poderia ser

feito. Foi então que inúmeros projetos de valorização da educação começaram a ganhar

espaço nas discussões políticas embasadas neste ideário reformista.

A partir de 1910 o Brasil passou a encarar a educação e as possibilidades de

intervenção no processo educativo de forma superestimada, a ponto de se acreditar que

através da educação poderiam ser solucionados todos os problemas do país: sociais,

econômicos e políticos (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011). Nesse período, a

ordem capitalista também começou a se consolidar no país, voltando-se para o campo

educacional como um setor a ser estruturado, regulado e melhor explorado para atender a

todas as necessidades do mercado de trabalho (AZEVEDO, 2001). Nessa fase, o país desperta

para o problema do analfabetismo e da baixa qualidade de sua mão de obra, e passa a se

empenhar para promover a incorporação de um número cada vez maior de pessoas nas escolas

Page 28: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

26

– um processo que se completará mais recentemente, quando o Estado passa a focar a

permanência da criança na escola (BRASIL, 2002).

Convém, esclarecer, que a educação sempre foi um tema presente em todas as

constituições brasileiras, tanto na imperial de 1824 quanto nas demais do período republicano,

mas o fato de ter previsão constitucional nunca fez dela um direito plenamente efetivado ou

mesmo universalizado (ASSIS, 2012).

Os primeiros registros das instituições escolares no Brasil remontam a 1549,

coincidindo, não por acaso, com a chegada dos primeiros jesuítas que criaram na então

colônia portuguesa “a primeira escola brasileira” (MATTOS, 1958). No claro intuito de dar

continuidade ao processo de imposição cultural, essas escolas jesuíticas baseavam-se no

modelo europeu vigente naquela época, promovendo educação em pelo menos três grandes

frentes: (1) catequizando os índios, (2) propagando a fé cristã e (3) divulgando a cultura

europeia. Assim, ensinavam os povos que aqui estavam, a ler, a escrever e a trabalhar dentro

dos padrões portugueses (MATTOS, 1958).

De acordo com os relatos históricos, os jesuítas vieram ao Brasil iniciar sua obra

educativa em cumprimento às ordens da coroa portuguesa. Porém, D. João III, que antes havia

se comprometido em garantir o custeio do ‘ensino evangelizador’ ministrado pela igreja

porque tinha interesses na imposição da cultura portuguesa e dominação do território

brasileiro, logo passou a enviar verbas apenas para a manutenção e a vestimenta dos jesuítas,

não ajudando financeiramente para que houvesse, por exemplo, construções (escolas) ou

qualquer outro tipo de estrutura material necessárias ao ensino e aprendizado dos nativos e

colonos (SAVIANI, 2014).

Visando não abandonar o processo de evangelização católico em terras brasileiras,

esses religiosos passaram então a aplicar todos os recursos que chegavam na estruturação dos

seus colégios – situação de penúria relatada em certa carta atribuída ao Padre Manoel da

Nóbrega de Agosto de 1552: “nós, no vestido remediamo-nos com o que ainda do reino

trouxemos, porque a mim ainda me serve a roupa com que embarquei... e no comer vivemos

por esmolas” (HUE, 2006, p. 68 apud SAVIANI, 2014, p. 31). Segundo consta, essa situação

só foi contornada a partir de 1564 com o plano da redízima, que destinava dez por cento de

todos os impostos arrecadados da Colônia brasileira à manutenção dos colégios jesuíticos

(SAVIANI, 2014).

Durante todo o período colonial (1500-1822) o Reino de Portugal continuou a exigir

a imposição de sua cultura, sua dominação com relação a índios e negros escravos,

repassando à sociedade civil – representada pela Igreja Católica – esse dever (a educação).

Page 29: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

27

Daí falar-se que a educação jesuítica no Brasil ter começado como instrumento de imposição

cultural, ou seja, dominação.

Quando o Brasil garante sua independência (1822), a estrutura de suas classes sociais

começa a se amoldar. Neste momento a educação, que antes servia à dominação, assume

duplo papel: passa a reproduzir uma ideologia adotada pela sociedade ao mesmo tempo em

que reafirma a estrutura de classes que já existia (BRASIL, 2002).

A Constituição Imperial de 1824, a primeira do Brasil independente, continha poucas

indicações sobre educação. Por essa razão, seu artigo 179 é apontado por grande parte da

literatura como sendo a mais significativa passagem sobre educação na Declaração de

Direitos do Cidadão. Vejamos:

Artigo 179: A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a

propriedade, é garantida pela Constituição do Império pela maneira seguinte:

[...] 32. A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos (BRASIL, 1986).

grifos nossos

É preciso atentar-se no fato de que na Constituição de 1824 se falava em gratuidade

da instrução primária, sem se preocupar, contudo, em tratar através de qualquer artigo

específico às diretrizes e considerações acerca do direito à educação. Assim esclarece Oliveira

e Adrião (2007, p. 17):

Do ponto de vista da legislação, essa declaração de gratuidade coloca o

Brasil entre os primeiros do mundo a fazê-lo. Entretanto, o analfabetismo era

a condição de instrução da maioria da população e o Poder Público não desenvolveu esforços para transformar a educação em política pública. Além

disso, a concessão do direito à educação apenas aos “cidadãos” restringia sua

abrangência, pois a maioria da população era constituída de escravos. Essa

situação, de exclusão da maioria do acesso à escola, manter-se-ia por todo o período imperial.

As duas expressões de destaque: “cidadãos brasileiros” e “todos”, tinham, portanto,

um significado ímpar quando compreendidas no contexto social da época.

De acordo com essa Constituição, consideravam-se cidadãos os nascidos no país

ainda que de pais estrangeiros e que não estivessem a serviço da sua nação, quer fossem

libertos ou ingênuos (art. 6º, I, CF/1824); os filhos de pai brasileiro e ilegítimos de mãe

brasileira, nascidos em país estrangeiro, que viessem estabelecer domicílio (art. 6º, II,

CF/1824); e os filhos de pai brasileiro que estivesse em país estrangeiro a serviço do Império

sem que viessem estabelecer domicílio (art. 6º, III, CF/1824); todos os nascidos em Portugal

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28

que, à época da proclamação da Independência das Províncias, aqui aderiram expressa ou

tacitamente pela continuação de sua residência (art. 6º, IV, CF/1824); e os estrangeiros

naturalizados (art. 6º, V, CF/1824).

Deste modo, mesmo reconhecendo “libertos” e “ingênuos” como sendo cidadãos

brasileiros, a verdade é que essa Constituição mantinha restrito o exercício da cidadania

àqueles que possuíam poder aquisitivo, valendo-se, portanto, do antigo “sistema de castas”

enraizado na sociedade, fazendo com que o termo “todos”, usado naquela época, fosse

diferente da ideia que temos de “todos” nos dias de hoje (ROMANELLI, 2001).

Nesse tempo, embora já houvesse sido abolida a escravidão, a predominância da

cultura escravocrata continuava fortemente enraizada nas representações sociais, contribuindo

incisivamente para que se cunhasse uma orientação conservadora das práticas educacionais

como forma de configurar uma valorização própria da escola.

Isso acabou desencadeando, posteriormente, a estruturação de um sistema dual de

ensino no país, inspirado no modelo europeu mas com especificidades da realidade brasileira.

Por consequência, uma das partes desse sistema de ensino passaria atender à demanda

educacional das elites, formando bacharéis e letrados, habilitados para exercer os cargos

públicos na burocracia e outras atividades liberais, enquanto que a outra parcela ficaria

encarregada da educação do povo, destinando-se à população livre e pobre, promovendo a

gênese das futuras redes de ensino público e gratuito, como bem expõe Azevedo (2001, 20-

21):

Produziu-se, assim, como reflexo da rígida estratificação da sociedade

brasileira, uma dicotomização da escola. O sistema de ensino que se

pretendeu reservar aos pobres, fechado e impermeável, não encontrava correspondência nem equiparação com o outro sistema, próprio das elites.

Seus usuários teriam aí suas únicas possibilidades de instrução. Uma vez que

seu objetivo era preparar para o trabalho, o acesso a ele significava, de certa forma um fator de desqualificação social. Socialmente reconhecida era a

educação ornamental, ou seja, a educação “bacharalesca e livresca”.

Quem frequentou-o, entretanto, não foram os pobres. As poucas vagas ofertadas serviram a outra clientela: as camadas médias emergentes. As

escolas primárias públicas acabaram por atender à demanda por educação

dessas camadas. O mesmo ocorreu com ensino vocacional feminino, o qual

adquiriu certo prestígio social por atribuição da clientela. Isto é verdadeiro, sobretudo, para os cursos normais. Nesse contexto, é sobre as escolas que

ensinam os ofícios masculinos que incidiria o estigma da educação dos

pobres. São estas, pois, que realmente desenvolveram algum tipo de educação popular.

Page 31: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

29

Durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Império (1840-1888), o Governo

Imperial não investiu mais que 1,80% do seu orçamento em educação. Estudos apontam que

desse total, cerca de 0,47% foi destinado à instrução primária, comprovando-se, pois, os

investimentos irrisórios em educação popular (CHAIA, 1965, p. 129-131 apud SAVIANI,

2008).

Sobre esta questão, disse certa vez Lemme (2005, p. 166):

As poucas escolas públicas existentes nas cidades eram frequentadas pelos filhos das famílias de classe média. Os ricos contratavam preceptores,

geralmente estrangeiros, que ministravam aos filhos o ensino em casa, ou os

mandavam a alguns poucos colégios particulares, leigos ou religiosos,

funcionando nas principais capitais, em regime de internato ou semi-internato. Muitos desses colégios adquiriram grande notoriedade.

Em todo o vasto interior do País havia algumas precárias escolinhas rurais,

em cuja maioria trabalhavam professores sem qualquer formação profissional, que atendiam às populações dispersas em imensas áreas: eram

as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalinas, após

a expulsão dos jesuítas, em 1763. As classes intelectuais viviam fascinadas pela cultura francesa e, na literatura, continuávamos submetidos aos modelos

portugueses.

Com a Proclamação da República adveio a Constituição de 1891, que por sua vez

nada acresceu ao texto constitucional anterior no que tange à questão da educação.

A nova ordem constitucional não afirmava tampouco garantia a gratuidade do

ensino, nem mesmo o primário, o que restringia ainda mais o exercício da cidadania, pois

além dos direitos estarem atrelados à questão do poder aquisitivo, também eram vinculados ao

grau de escolaridade dos brasileiros (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007). Contudo, mesmo não

tendo sido consagrada no texto federal, a garantia do direito à educação não era matéria

estranha ao debate educacional, de modo que ao longo desse Primeiro Período Republicano

(1883-1930) tornou-se hegemônica a ideia de se garantir a gratuidade e a obrigatoriedade do

ensino primário, que na ocasião era chamado de ensino fundamental. Isso se deveu em parte

ao fato de que muitas constituições estaduais formuladas após a Constituição de 1891 haviam

mantido a concepção instituída por ocasião do Ato Adicional de 1834, que entendia ser a

instrução elementar responsabilidade estadual, e passaram a prever que a escolarização

primária gratuita e obrigatória e/ou a gratuidade em seu texto (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007).

Como consequência, pessoas analfabetas, por exemplo, não podiam ser consideradas

alistáveis, logo eram inelegíveis, tornando-se por fim, não eleitoras (art. 70 CF/1891). Assim

explica Freire (2014, p. 21):

Page 32: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

30

[...] Criam uma imagem preconceituosa sobre os trabalhadores do campo e

sobre todos os demais setores marginalizados, do processo político. Passam a associar com muita facilidade a “ignorância”, isto é, a ausência de cultura

formal no estilo das classes médias e dos oligarcas, à “indolência” e à

“inércia”. Adotam uma atitude paternalista – mais verbal que efetiva – em

relação às massas marginalizadas, e completa-se a mistificação.

Somente com o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) que a Educação no Brasil

passou a uma transformação mais acelerada. Para suprir as necessidades do país durante o

conflito, a indústria brasileira havia se diversificado, experimentando um desenvolvimento

que exigiu uma melhor qualificação da mão de obra, e influenciou diretamente na quantidade

e qualidade das escolas (LEMME, 2005).

Ainda, as necessidades do mercado de trabalho no panorama pós-Grande Guerra

estimularam fortemente o crescimento demográfico dos centros urbanos (mediante oferta de

vagas de emprego, maior renda per capita, e maiores facilidades em comparação com a vida

no campo). Isso fez com que aumentasse o desejo das pessoas, em especial da classe média

urbana liberal (dependente da elite agrária desde os tempos do Império), em alcançar

melhores condições de vida através da escolarização, fazendo da Escola uma via de validação

social (AZEVEDO, 2001).

A partir de 1920, o Brasil começou a vivenciar mais intensamente uma

movimentação ideológica, alimentada pelas muitas transformações econômicas, políticas e

sociais deflagradas anos antes, até que em 1922, a “mocidade militar” das forças armadas

(especialmente do Exército) se rebelou contra o predomínio do poder das oligarquias agrárias

nas políticas do país, culpando-as por todas as manifestações de atraso social e político

impostos ao povo. Ao agir assim, esse movimento nacionalista favoreceu a visibilidade do

grupo urbano industrial que procurava fraturar o poder das oligarquias tradicionais como meio

de viabilizar interesses próprios (LEMME, 2005; AZEVEDO, 2001).

Ao mesmo tempo, os meios culturais estavam em efervescência. Tomados por um

forte sentimento nacionalista, pregavam a moralização da política e o nosso rompimento com

os modelos europeus que ditavam um modo de vida aos brasileiros. Essa ânsia de

transformação que agitava o país repercutiu intensamente nos setores educacionais, fazendo

aflorar pela primeira vez uma preocupação incisiva com relação às elevadas taxas de

analfabetismo, interpretadas como a verdadeira causa de todas as mazelas sociais da nação

(LEMME, 2005; AZEVEDO, 2001). Assim diz Lemme (2005, p. 167):

Page 33: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

31

Os educadores brasileiros, por seus elementos mais progressistas, em breve,

estavam também engajados na crítica à nossa precária “organização” escolar e aos nossos atrasados métodos e processos de ensino. E como resultado

dessas preocupações, abriu-se o ciclo das reformas de educação e ensino. As

idéias e diretrizes que procuravam concretizar-se nas realizações dessas

reformas, evidentemente, não surgiram por geração espontânea na cabeça dos educadores. Elas eram impulsionadas, de um lado, pelas condições

objetivas caracterizadas pelas transformações econômicas, políticas e sociais

que delineamos anteriormente. De outro lado, começaram a chegar até nós, da Europa do pós-guerra, um conjunto de idéias que pregavam a renovação

de métodos e processos de ensino, ainda dominados pelo regime de coerção

da velha pedagogia jesuítica. Esse movimento de renovação escolar, que passou a ser conhecido como o da “Escola Nova” ou “Escola Ativa”,

baseava-se nos progressos mais recentes da psicologia infantil, que

reivindicava uma maior liberdade para a criança, o respeito às características

da personalidade de cada uma, nas várias fases de seu desenvolvimento,

colocando o “interesse” como o principal motor de aprendizagem.

Em 1930, no encalço da “Crise mundial de 1929” e dos movimentos sociopolíticos

desencadeados ainda no início da década de 20, as lutas por participação popular nas decisões

políticas e econômicas do país agigantaram-se, culminando num importante evento, de caráter

econômico, político e social que passou para a história como sendo a “Revolução de 1930”.

Essa revolução, embora não tenha significado o fim das elites rurais que se alternavam no

poder (“Política do Café com Leite”), representou uma clara ruptura com os outros grupos

sociais que não tinham espaço no aparelho do Estado (LEMME, 2005).

Em 03 de novembro de 1930, depois de um conturbado processo eleitoral, a

Revolução levou Getúlio Vargas ao poder e pôs fim ao ciclo da República dos Oligarcas

(posteriormente “República Velha”), encerrando, por consequência, a vigência da 1ª

Constituição Republicana (1891), dando início à Segunda República ou “República Nova”

(LEMME, 2005).

Sobre a Revolução de 1930, diz ainda Oliveira e Adrião (2007, p. 17):

A Revolução de 1930 trouxe consigo a promessa de modernização do país,

consolidando a perspectiva que atribuiu papel central à educação na

construção da nacionalidade, o que reflete na criação do Ministério da

Educação e Saúde e na estruturação de um sistema nacional de ensino, centralizado e articulado com os interesses políticos do governo.

Mas, o “Governo Revolucionário” de viés nacionalista e populista, apesar de ter

tomado providências importantes na seara da Educação, como a criação de Universidades por

todo o Brasil, agia de forma fragmentária, num mesmo critério do Governo Federal anterior,

pouco fazendo em favor dos graves problemas do ensino popular. Diante dessa situação,

Page 34: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

32

muitos educadores de renome congregados à Associação Brasileira de Educação passaram a

promover conferências e debates nacionais como forma de pressionar o Governo Federal a

tomar posições mais afirmativas e abrangentes com relação à situação da Educação no país.

Empenhados, definiram uma verdadeira Política Nacional de Educação que em 1932 deu

origem a um documento redigido por Fernando de Azevedo e dirigido “Ao Povo e ao

Governo”, que ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, no qual se

propunha “A reconstrução educacional no Brasil” com base na reivindicação de uma escola

básica única e de um ensino público obrigatório, gratuito e laico (LEMME, 2005).

O Manifesto dos Pioneiros, por sua vez, sofreu fortes críticas por defender como

ideal um sistema de ensino em que a educação popular de massas e a formação especializada

se complementavam numa espécie de mecanismo eficiente e não autocrático de recrutamento

dos mais capazes em todas as camadas da sociedade (OLIVEIRA, 2004).

[...] A perspectiva dos pioneiros, portanto, corrobora uma noção democrática

de elite, àquela baseada na educação. Nesta concepção, à medida que a

educação for estendendo a sua influência, despertadora de vocações, vai penetrando até as camadas mais obscuras, para aí, entre os próprios

operários, descobrir “o grande homem, o cidadão útil” que o Estado tem o

dever de atrair submetendo a uma prova constante as ideias e os homens, para os elevar e selecionar, segundo o seu valor ou a sua incapacidade [...]

(GARCIA, 2002 apud OLIVEIRA, 2004, p. 952).

Algum tempo depois, com o advento da Constituição de 1934, muitas outras ideias

importantes voltadas ao sistema de educação puderam ser tratadas pela primeira vez, como é o

caso do planejamento e financiamento da política educacional:

A Constituição de 1934 foi a primeira a estabelecer a necessidade de

elaboração de um Plano Nacional de Educação que coordenasse e supervisionasse as atividades de ensino em todos os níveis. Foram

regulamentadas as formas de financiamento do ensino oficial em cotas fixas

para a Federação, os Estados e os Municípios, fixando-se ainda as

competências dos respectivos níveis administrativos. Implantou-se a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário, e o ensino religioso tornou-

se optativo. Parte dessa legislação foi absorvida pela Constituição de 1937,

na qual estiveram presentes dois novos parâmetros: o ensino profissionalizante e a obrigação das indústrias e dos sindicatos de criarem

escolas de aprendizagem, na sua área de especialidade, para os filhos de seus

funcionários ou sindicalizados. Foi ainda em 1937 que se declarou obrigatória a introdução da educação moral e política nos currículos.

Portanto, paulatinamente, a sociedade brasileira passou a tomar consciência

da importância estratégica da educação para assegurar e consolidar as

mudanças econômicas e políticas que estavam sendo empreendidas (BRASIL, 2002, p. 22).

Page 35: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

33

Por meio da Constituição de 1934 fortaleceu-se a ideia de um sistema educacional

longe das influências da Igreja católica, contemplando um pensamento educacional mais

completo e independente, pois teve como referência o Manifesto dos Pioneiros de 1932, que

defendia uma educação obrigatória e laica (CURY; FERREIRA, 2010).

Foi a primeira vez que o Estado se mostrou preocupado com a criação de um sistema

educacional próprio. Assim, atribuiu-se à competência privativa da União a obrigação de

traçar as diretrizes da educação nacional (art. 5º, XVI, da CF/1934), garantindo um lugar

específico ao tema no Título V, (“Da Família, da Educação e da Cultura”) Capítulo II,

denominado “Da Educação e da Cultura”2, e a incorporação de outros assuntos considerados

importantes, como por exemplo a necessidade de um Plano Nacional de Educação que

contemplasse entre outros direitos, o ensino primário integral gratuito e de frequência

obrigatória extensivo aos adultos (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007; CURY; FERREIRA, 2010).

Sobre a Constituição de 1933-34 explica ainda Oliveira e Adrião (2007, p. 18):

A Constituição de 1933-1934 definiu os marcos legais dessa

institucionalização, sendo, por isso, palco de acirrada disputa. Inspirada na

Constituição Alemã de 1919, a chamada Constituição de Weimer, e na

Constituição Espanhola de 1931, a Constituição de 1934 incorporou os direitos sociais aos direitos do cidadão. O ideário liberal da Escola Nova,

difundido no país a partir de meados dos anos 1920, exerceu profunda

influência na constituição de um ideário educacional independente da Igreja Católica.

Apesar desse ideal ter sofrido algumas derrotas em aspectos importantes, o

texto final da Constituição de 1934 apresentou inúmeras inovações em relação às anteriores.

A Constituição de 1934 durou pouco, mas foi responsável por introduzir a educação

como um “direito de todos” (art. 149) em substituição à expressão “cidadãos brasileiros”

presente no texto constitucional anterior (ASSIS, 2012). Sendo a positivação dos direitos

sociais sua principal característica, não obstante tenha determinado através do art. 156 que a

União e os municípios deveriam aplicar nunca menos que 10% e os estados 20% da

arrecadação dos impostos “na manutenção e desenvolvimento dos sistemas educacionais”.

No seu art. 150, referente às competências da União, foram definidas as normas para

a elaboração do Plano Nacional de Educação, no qual se explicitava a extensão desse direito à

educação, como: (a) ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo

2 Art. 149: A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo

a estes proporcioná-la a brasileiros e estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores

da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade

humana (BRASIL, 1986)

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34

aos adultos, e (b) a tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de

torná-lo mais acessível (BRASIL, 1986).

No entanto, as expressões usadas no art. 149 fizeram com que a própria Constituição

comprometesse esse princípio da gratuidade ao restringir o entendimento do termo “todos” ao

imputar primeiramente à família e depois ao Estado o dever de proporcionar a educação.

Lembremo-nos de que o Brasil, até a Revolução de 1930, estava sob a égide da política do

“Café com Leite”, onde o Estado de São Paulo (grande produtor de café) revezava com Minas

Gerais (cuja política econômica era calcada na produção de leite) a alternância do Poder à

frente do Governo do país. E que, em razão disso, sob forte influência da política econômica

vigente, a educação foi sendo cada vez mais valorizada como instrumento de produção das

próprias relações de produção (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, ao questionar a definição da instituição responsável por promover a

educação, se a família ou o Estado, Assis (2012) faz a seguinte crítica:

[..] se o indivíduo não pertencesse a uma família que tivesse condições de

educá-lo – e isso não significava apenas ter pais letrados – ele não teria

acesso à educação. Ao mencionar “não acesso”, nos referimos, portanto, à

maioria da população que, na época, era formada por: escravos recém libertos, ou seus filhos, os quais não obtiveram qualquer garantia ou suporte

que acompanhasse sua libertação; e também, os membros das famílias rurais,

já que grande parte dos imigrantes eram alocados na colheita e plantação. Além disso, a educação proporcionada deveria possibilitar “eficientes fatores

da vida moral e econômica da nação” (art.149, CF/34), objetivo condizente

com a obrigação restrita sobre quem compunha a coletividade abarcada nesse termo “todos”. Podemos entrever que o ranço da compreensão de

cidadania atrelada ao poder aquisitivo, fortemente presente na primeira

constituição, permanece nesta Carta. (CARVALHO, 2002 apud ASSIS,

2012, p. 41).

Mesmo tendo vigorado por aproximadamente três anos, promovendo uma

compreensão restrita de cidadania, a CF/34 foi a primeira das constituições brasileiras a

abarcar os Ensinos Fundamental e Médio e a Educação Superior3 (ASSIS, 2012), de modo

que as polaridades e opções políticas que com ela afloraram são ainda consideradas centrais

nos debates sobre educação (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007). Foi sob a égide da CF/34 que o

processo de desenvolvimento da educação encontrou terreno fértil ao fortalecimento dos

primeiros focos de importantes movimentos pela Educação, definidos como “o entusiasmo

pela educação” e o “otimismo pedagógico”, ambos ancorados nas concepções europeias do

3 A Educação Infantil só passou a reconhecida como política pública de responsabilidade do Estado a partir de

1996 com a LDB.

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35

positivismo e da Escola Nova. O primeiro disseminava a ideia de que os problemas sociais do

país poderiam ser resolvidos por meio da universalização da escola básica a todos os

cidadãos, ao passo que o segundo pregava a necessidade de se exigir, antes de tudo, qualidade

no ensino público (ASSIS, 2012).

Entretanto, é importante frisar que, entre 1920 e 1936 o ensino continuou

praticamente estagnado: o número de analfabetos em relação à população total se manteve no

índice de 65% entre 1900 e 1920 (o número absoluto aumentou de 6.348.869, em 1900, para

11.401.715 em 1920). E, apesar da industrialização e do avanço da urbanização ocorridos na

década de 30, os índices de escolarização permaneceram muito aquém do necessário por

conta dos escassos investimentos do Estado neste sentido: os investimentos federais em

ensino passaram de 2,1%, em 1932, para 2,5% em 1936; os estaduais foram reduzidos de 15%

para 13,4% e os municípios ampliaram de 8,1% para apenas 8,3% no mesmo período

(RIBEIRO, 2003, p. 117 apud SAVIANI, 2008).

Em 1937, quando Getúlio Vargas sob o pretexto de combater o comunismo e garantir

a unidade e segurança nacional, promoveu o golpe de Estado e instalou o Estado Novo de

características centralizadoras e controladoras, a onda de debates educacionais não resistiu e a

Educação passou a refletir, por consequência, as tendências fascistas do governo ditatorial

(ARANHA, 2002).

Tão logo assumiu o poder, Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional e, em 10 de

novembro daquele ano, Francisco Campos (primeiro ministro da Educação após 1930) redigiu

a Constituição decretada por Getúlio Vargas. Com isso, a Constituição da República

Federativa do Brasil perdeu não só o adjetivo “República”, tornando-se a Constituição dos

Estados Unidos do Brasil, mas também a cidadania. Embora tivesse espaço reservado na parte

dedicada aos Direitos e Garantias Individuais, a cidadania passou a ser encarada de forma

reduzida, diante da implementação do regime autoritário e fascista no país (ASSIS, 2012).

Inspirada no texto constitucional polonês, essa Constituição ficou conhecida como a

“Polaca” e era estruturada de uma forma que a definição das responsabilidades quanto à

educação ficava na parte relativa à família, mais especificamente no art. 125, segundo o qual:

A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais.

O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e

lacunas da educação particular (BRASIL, 1986).

Page 38: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

36

Assim, os deveres da União para com a política educacional, que antes eram tratados

em um tópico específico sobre Educação na Carta Constitucional de 1934, foram transferidos

ao Título sobre a Organização Nacional. E, muito embora tenha sido mantida a preocupação

com a uniformidade do sistema de Ensino, era visivelmente claro através da leitura do art. 128

da CF/37 a proposital substituição do verbo oferecer pelo verbo contribuir, como manobra

legal para se reforçar a atuação subsidiária do Estado com relação ao direito à educação, tal

qual definida no art. 125. De igual maneira, o art. 129 também reforçava a atuação supletiva

do Estado face à rede particular de ensino, ao deixar claro que era ela quem viria primeiro

para sanar as necessidades educacionais, entrando o Estado apenas em segundo plano,

simplesmente para sanar aquilo que a rede privada não pudesse resolver (ASSIS, 2012).

Na CF/37, a orientação político-educacional era explicitamente voltada aos interesses

capitalistas do Estado, que preocupado apenas com a preparação de um maior contingente de

mão de obra voltava-se à sustentação da Educação pré-vocacional e profissional. Na parte

dedicada à educação utilizava termos muito semelhantes às concepções católicas sobre ensino

e aprendizagem para definir a política pública (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007).

Isso priorizava ainda mais a escola particular na efetivação do direito do cidadão à

educação. A Constituição não mencionava esse direito como dever do Estado e encarava a

educação como sendo o primeiro dever e o direito natural de todos os pais com relação aos

filhos, omitindo-se quanto ao direito da criança, ou melhor, subordinando o direito desta ao

dos pais, não levando em conta a possibilidade de contradição entre eles, como seria, tempos

depois, reconhecido através do Código Penal ao impor sanções ao crime de “abandono

intelectual” e ao colocar na condição de Réus os pais ou responsáveis omissos (OLIVEIRA;

ADRIÃO, 2007).

Tem-se, portanto, que, diferentemente da CF/34 – que apontava a educação como um

dever da família e do Estado –, a CF/37 enfatizava o papel secundário, subsidiário, quase

“marginal” do Poder Público, com relação ao direito do povo à educação, transmitindo

inclusive a falsa ideia de um sistema público gratuito.

O art. 130 da CF/37 declarava a gratuidade do ensino primário de uma forma tão

nebulosa que abria espaço para se decidir o contrário.

O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o

dever de solidariedade dos mesmos para com os mais necessitados; assim,

por ocasião da matricula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar a escassez de recursos, uma contribuição

módica e mensal para a caixa escolar (BRASIL, 1986).

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37

Ou seja, permitia o acesso à educação mediante cobrança, salvo nos casos de

comprovação de “escassez de recursos” por parte dos alunos. Assim esclarece Assis (2012, p.

43):

A família ainda era ator principal quando se tratava de educação, agora

muito mais aparente do que antes. Na nova redação, o direito à educação é, em verdade, um dever camuflado de direito: “Art. 125 – A educação integral

da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais.” Ainda que na

continuação do artigo haja a indicação de que o Estado não irá eximir-se,

atuando seja de forma principal ou subsidiária, dois pontos ficam bem claros com relação a este subsídio. Em primeiro lugar podemos apontar que,

indiscutivelmente, a família é a primeira responsável pela educação da prole,

em se eximindo, será tido como falta grave (art. 127, CF/37). Em segundo momento, o dever de educar da família é que permite a existência do direito

à educação, e a efetivação deste direito depende de certas condições, dentre

elas, financeiras. Então, da mesma forma que o dever de educar da família aparece com mais força na Constituição de 1937, a relação “poder aquisitivo

X possibilidade de educar”, também. “Aos pais miseráveis assiste o direito

de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação de

sua prole.” (art. 127, CF/1937). Ora, se a educação fosse de fato um direito, não criaria o direito de requerer este direito. Fica nítida a transformação do

direito num dever, restrito aos que podem fazê-lo.

Tais medidas tornaram clara a falta de interesse do Estado em dar prioridade à

Educação, a menos que aqueles que deveriam oferecê-la (família e rede particular) acabassem

fomentando valores que não fossem interessantes para a manutenção da “ordem social”.

Dessa forma, propositadamente, o Estado se comportava ao mesmo tempo de forma ausente e

presente na tarefa de educar seus cidadãos: ausente no que dizia respeito ao dever de fazer;

presente nos momentos em que se sentia ameaçado e tinha que puni-los (ASSIS, 2012).

Acerca da gratuidade do ensino, Oliveira e Adrião (2007, p. 19-20) explicam:

A gratuidade, tratada como exceção, não sendo garantida de forma

generalizada, introduzia a intenção de realizar a “equalização social” via educação, abstraindo-se os aspectos mais gerais do problema; ou seja, era o

surgimento, em termos legais, do discurso preocupado com a redistribuição

de renda via educação, restringindo-se o acesso gratuito apenas aos mais necessitados. Este é tipicamente o processo de substituição de um direito,

extensivo a todos, por uma exceção, sujeita a critérios a serem definidos,

muitas vezes regidos pela lógica do favor.

Percebe-se que, até 1939, as marcas do autoritarismo do Governo foram bastante

fortes e com influências diretas na educação, de modo que as questões educacionais eram

atribuídas somente à União impedindo-se assim, que Estados e Municípios viessem a legislar

ou executar políticas em matéria educacional sem a prévia aprovação do Governo Federal. Os

Page 40: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

38

primeiros sinais de mudança começam a aparecer somente três anos mais tarde, quando foram

criadas as Leis Orgânicas do Ensino e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

(SENAI), expondo justamente o interesse maior do Governo com a educação

profissionalizante (GOTTEMS, 2014).

Com a queda da ditadura do Estado Novo e sob os ventos democráticos reforçados

com o final da segunda guerra, é promulgada a nova Constituição dos Estados Unidos do

Brasil em 17 de setembro de 1946 (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007).

Muito embora o adjetivo “República” não tenha sido reincorporado ao texto

constitucional na oportunidade, a nova Carta Constitucional, ao dispor de forma clara e

precisa no seu primeiro artigo que todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido,

não deixava dúvidas quanto aos ideais republicanos e o regime representativo, requisitos

essenciais à efetivação do Estado Democrático de Direito.

Da mesma forma que a Constituição de 1934, o texto constitucional de 1946 atribuía

à União o dever de legislar sobre as bases e diretrizes da educação nacional, e de forma

simples e direta retomava essa ideia com relação ao Governo Federal, reforçando a

necessidade de se unificar o Sistema de Ensino, o que culminou com a aprovação da primeira

LDB, e desencadeou um tímido processo de democratização da educação e de destinação de

recursos para tal fim. Nesse sentido, esclarecem Oliveira e Adrião (2007, p. 20):

Retomava a ideia, presente no texto de 1934 e abandonada no de 1937, da educação como direito de todos. A redação “será dada no lar e na escola”

substituía “ministrada pela família e pelos Poderes Públicos”, de 1934,

evidenciando a influência das concepções católicas em ambas as constituintes.

A formulação da gratuidade ulterior ao primário apenas para aqueles que

comprovassem insuficiência de recursos – portanto, prevista como exceção –

diferia da de 1934, que previa a democratização deste nível de ensino para todos por meio da progressiva instituição da gratuidade.

Na CF/46 o direito à educação vinha expressamente declarado no artigo 166, e

melhor definido nos artigos 168 e 172:

Art. 166: A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve

inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. (...)

Art. 168: A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I – o ensino

primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II – o ensino primário oficial será gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário

sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos.

(...)

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39

Art. 172: Cada sistema de ensino terá obrigatoriamente serviços de

assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar (BRASIL, 1986).

Nessa perspectiva, muito embora o texto constitucional não vinculasse diretamente o

Estado à promoção do Ensino, a Educação antes setorizada, passou a ser tratada como um

direito de todos, atribuindo ao Poder Público a competência para ministrá-la nas diferentes

áreas e estabelecendo a liberdade de atuação privada (GOTTEMS, 2014).

Contudo, esse texto constitucional enfatizava pouco o papel das famílias de

promover a educação dos seus filhos, de modo que não reforçava aquela ideia antes

disseminada e defendida na CF/37 de um dever familiar de educar. Ao contrário, encarava de

certa forma a educação como fruto natural dos laços familiares, logo, algo que deveria ser

naturalmente desenvolvido no ambiente familiar, e que por isso mesmo não precisava ser

imposto através de Lei (OLIVEIRA, 1996).

Ao desvincular direito à educação dessa ideia de “obrigação particular”, a nova

ordem Constitucional não só tornou o ensino uma obrigação do Sistema Público, como

também, uniu novamente as categorias ‘obrigatoriedade’ e ‘gratuidade’ (art. 168).

Expressamente, esse artigo consagrou princípios aplicáveis à legislação educacional,

muitos dos quais foram preservados e ou aprimorados pelas legislações estaduais, como a

gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário e a manutenção da previsão do ensino pós-

primário de forma gratuita em algumas delas.

A Constituição de Mato Grosso é o único caso apontado na literatura de legislação

estadual que tratava da obrigatoriedade do ensino: “o ensino primário é obrigatório para

crianças de 07 e 14 anos”. E, no que pertine à gratuidade, as Constituições dos Estados de São

Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Bahia foram as únicas apontadas como

sendo pioneiras na afirmação do “ensino oficial gratuito em todos os graus” (NÓBREGA,

1952).

Entretanto, embora tenha sido encarada como uma grande conquista, a gratuidade do

ensino por si só não foi suficiente para solucionar o problema da Educação, uma vez que não

se determinou ao Estado Nação a obrigação de expandir o ensino primário em todo o país. De

igual maneira, a Lei Maior também não abordou temas importantes, como por exemplo, o

amparo material necessário à educação primária e profissional dos menos favorecidos,

impossibilitando a reivindicação desse direito público subjetivo frente à União (MIRANDA,

1953).

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40

Mesmo assim, incontestavelmente, foi a partir da CF/46 que o direito à educação

passou a se consolidar como direito de todos e obrigação do Estado (prioritariamente dos

Estados Federados e Distrito Federal e, subsidiariamente, por parte da União), com previsão

no art. 170. Nesse sentido expõem Cury e Ferreira (2010, p. 10):

A promulgação da Constituição Federal de 1946 proporcionou um novo

alento à educação, posto que na sua essência não se diferencia da

Constituição de 1934, repondo e assimilando os avanços por ela introduzidos, inclusive no que diz respeito à adoção do princípio do ensino

primário obrigatório (art. 168, I)

Por conta da CF/46 todas as empresas (industriais, comerciais ou agrícolas) com

mais de cem empregados foram obrigadas a oferecer ensino primário e gratuito a todos os

seus empregados e seus filhos (art. 168, III, CF/46). Tratou-se de uma tentativa do Estado em

fomentar uma ideia, ainda que embrionária, de responsabilidade social, para maquiar aquilo

que poderia ser encarado cedo ou tarde como sua omissão. Assim, esclarece Assis (2012, p.

47):

[...] o Estado estava obrigando o particular a trabalhar com aquilo que hoje chamamos de responsabilidade social, e mais, estava propondo a inversão de

valores colocando em primeiro plano o desenvolvimento humano e em

segundo, o desenvolvimento econômico. Em verdade, quando se oferece

subsídios para o crescimento intelectual e técnico de um funcionário, haverá um reflexo em sua produtividade; preocupar-se com o desenvolvimento

humano é, em contrapartida, preocupar-se com o desenvolvimento

econômico também, pois ele faz parte daquilo que completa o homem, já que educação e trabalho são conceitos que se relacionam.

Conta-se que de um modo geral prevaleceu o entendimento de que cabia ao Estado

tão somente proteger a infância da atuação abusiva dos adultos, ficando a cargo dos pais a

obrigação precípua de promover a educação de base dos seus filhos. Explicações absurdas

teriam sido usadas para reforçar a não obrigatoriedade do ensino primário em todo o território

nacional, em especial a de que a pobreza dos pais proletariados dificultava melhores

condições de nutrição e vestimenta de seus filhos, e que a intenção de se transformar a

educação primária em obrigatória poderia fazer com que o Estado incorresse em grave

injustiça ao expor no ambiente escolar toda essa vulnerabilidade em que viviam essas pessoas

(MAXIMILIANO, 1954).

Apesar das diversas falhas apontadas nesse sistema educacional e as muitas

tentativas de correção através de emendas ao texto constitucional, a partir dos anos 50 o Brasil

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41

começou a perceber com maior nitidez o avanço gradativo das suas taxas de alfabetização,

fenômeno que se manteve até por volta de 1960. Sobre tal período, explica Freire (2014, p.

23):

Acelera-se a urbanização e a industrialização, mas, até 1950, perto da

metade da população vivia no campo, e a industrialização jamais pôde sair

de uma condição complementar em relação à produção agrária para a exportação. A nova burguesia industrial cresce em importância, mas não

conseguiu afirmar-se com autonomia perante o capital agrário e bancário e,

posteriormente, perante o capital estrangeiro. A emergência das classes populares, associada à crise das elites, conduz à redefinição do esquema de

poder, que agora tem que resultar de um compromisso com as massas. Mas

estas não conseguiram jamais impor a hegemonia e tiveram que subordinar-

se aos grupos burgueses emergentes interessados, em seu próprio proveito, na ampliação da participação política.

Graças a um trabalho conjunto realizado pela maioria dos Municípios existentes, por

volta de 1947 foram eficazmente implantadas classes de ensino supletivo nas escolas, um

estímulo que promoveu nos anos seguintes o aumento de boa parte das matrículas em cursos

profissionais ou pré-profissionais de ensino médio. Ou seja, como a população urbana havia

crescido, o índice de alfabetização tinha conseguido acompanhar satisfatoriamente a

modificação desse perfil populacional. Por consequência, boa parte da população que estava à

margem do sistema estava, agora, incorporada a este (BRASIL, 2002).

Porém, outro importante aspecto caracterizava a expansão do ensino no Brasil: o seu

baixo rendimento interno:

Em que pese os altos índices de expansão das matrículas, o sistema

era incapaz de assegurar o acesso da população escolar do nível

elementar de ensino aos níveis médio e superior. Assim, o sistema era

marcado por alto grau de seletividade, que se traduzia no fato de que a

cada 1.000 alunos admitidos na primeira série da escola primária em

1960 apenas 56 conseguiam ingresso no ensino superior em 1971

(BRASIL, 2002, p. 25).

Esse quadro da educação permaneceu sem muitas alterações até meados de 1960.

Nessa década, o Brasil desfrutava de uma democracia que nunca antes havia conhecido. Com

isso, pensamentos de vanguarda que permeavam os meios acadêmicos passaram a render

melhores frutos, como prática inclusiva nas escolas, graças a uma geração de educadores que

tiveram contato com aqueles ideais liberais voltados à luta por um ensino público laico e de

qualidade nos anos 30, em oposição àquilo que configurava o ensino privado, subvencionado

pelos cofres públicos (ARANHA, 2002).

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Ressurgia assim uma nova vertente da “Escola Nova”, movimento político-

educacional introduzido no âmbito jurídico-legal brasileiro pelas mãos de Rui Barbosa, mas

que encontrava em pensadores da estirpe de Rousseau, Pestalozzi e Freidrich Fröebel, o

embasamento filosófico de suas propostas pedagógicas voltadas à formação de educandos

proativos tanto em sala quanto em sociedade (LEME, 2005; ASSIS, 2012; ARANHA, 2002).

Na América Latina o movimento “escola novista” tinha ganhado força sob a

influência do filósofo e pedagogo John Dewey. Porém, teria sido com a adesão de pensadores

considerados de elite na década de 30, em especial Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e

Manuel B. Lourenço Filho, que o movimento verdadeiramente se alavancou e passou a

promover a reforma social através da educação. Com isso, além de constatarem as falhas no

sistema educacional da época, esses estudiosos incentivaram propostas de reforma geral da

educação que defendiam, como já dito, um novo modelo de escola: única, pública, laica,

gratuita e obrigatória, gerando grandes debates entre publicistas e privatistas, em especial na

década de 60 (GOTTEMS, 2014).

Assim explica Lourenço Filho (1950, p. 133):

As classes deixavam de ser locais onde os alunos estivessem sempre em

silêncio, ou sem qualquer comunicação entre si, para se tornarem pequenas sociedades, que imprimissem nos alunos atitudes favoráveis ao trabalho em

comunidade.

Depois de muita mobilização e calorosas discussões, em 1961 foi aprovada a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que dentre outras coisas reforçava a

iniciativa privada ao direito de prestar serviços educacionais.

Assim, ainda que não fosse mais prevalente a ideia de que o Estado tinha que se

manter afastado das questões educacionais, a maior parte do texto desta Lei trazia em seu bojo

um claro idealismo liberal, principalmente quando concedia aos setores privados maior

segurança ao assumirem (diga-se de passagem, com fins lucrativos) parte da responsabilidade

originária do Estado de prestar serviços educacionais, desafiando-os a se reorganizarem. De

igual maneira, essa lei autorizava o Estado a “retomar” a política de subvenção da iniciativa

privada no que tange ao oferecimento dos serviços educacionais à população, permitindo

também uma flexibilidade nas grades curriculares, ao invés de fixar um currículo base a ser

seguido em todo o território nacional (BRASIL, 2002; ARANHA, 2002). Lembremo-nos que

a Constituição de 1937 autorizava a União assim proceder, mas por conta das mudanças na

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43

ordem econômica e pressão política à época, os repasses de recursos financeiros nesses

moldes ficaram obstados durante um bom tempo.

Quanto à estrutura do Ensino, esta se manteve praticamente sem alterações: Ensino

pré-primário (composta por creches e pré-escolas, chamados de escolas maternais e jardins de

infância); Ensino primário (que tinha ao todo quatro anos de duração, com a possibilidade de

se acrescer mais dois anos ao final caso o aluno tivesse interesse na inserção numa espécie de

programa de artes aplicadas); Ensino médio (subdividido em dois ciclos: o ginásio, que

correspondia ao ensino secundário com duração de quatro anos, e o colegial, que correspondia

ao ensino técnico, cuja duração era de três anos, voltado para a área industrial, agrícola,

comercial, e o magistério), e por último o Ensino Superior, composto por faculdades e

universidades (BRASIL, 2002).

Contudo, não se pode negar que a LDB assegurou a educação como um direito a ser

concedido a todos tanto no lar quanto na escola, uma vez que garantia à família a liberdade de

escolher o gênero de educação a ser ministrada aos seus filhos, à medida que possibilitava à

iniciativa privada a ministrar o ensino em todos os graus desde que respeitadas as exigências

da lei (GOTTEMS, 2014).

Nesse sentido, reforça Cunha (__,p.4):

Em uma democracia até então nunca vivida no país é promulgada em 21 de

dezembro de 1961 a Lei 4.024 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDB, que dá às escolas maior autonomia na sua organização administrativa, disciplinar e didática, desafiando o ensino privado a se

reorganizar, questionando o modelo educacional vigente e propugnando uma

educação alternativa aos modelos tradicional e técnico-desenvolvimentista.

A renovação dos estabelecimentos de ensino estende-se a todo setor privado, e modo que mesmo durante a ditadura militar é possível continuar com a

renovação pedagógica.

Em 1964 o Brasil sofre novo golpe militar, e a Constituição publicada três anos mais

tarde traz consigo retrocessos, principalmente à seara educacional. Muitas reformas realizadas

nesse triste momento da história nacional carrearam reflexos negativos que amargaram a vida

acadêmica e estudantil durante um bom tempo. Assim esclarece Oliveira e Adrião (2007, p.

21):

A ditadura decorrente do Golpe Militar de 1964, embora inicialmente se

tenha mantido dentre dos parâmetros estabelecidos pela Constituição de

1946, ao recorrer crescentemente a medidas de exceção, acabou necessitando

de outro ordenamento jurídico. Este veio com a Constituição de 1967 que, apesar de enviada ao Congresso para discussão e aprovação, teve prazos

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bastante exíguos para apreciação e votação, num ambiente de evidente

constrangimento do Poder Legislativo.

Assim, ainda que pela primeira vez em uma Constituição Federal tenha figurado a

obrigatoriedade do ensino às pessoas de sete a quatorze anos de idade, não havia mais a

previsão constitucional de investimentos públicos no setor educacional, o que agravou muito

a situação estrutural e funcional das escolas públicas. Nesse sentido ressalta Saviani: “A

Constituição do regime militar, de 1967, e a Emenda de 1969 voltaram a excluir a vinculação

orçamentária: a Emenda Constitucional de 1969 indiretamente restabeleceu a vinculação

orçamentária apenas para os municípios ao determinar, na alínea ‘f’ do § 3º, inciso II do

artigo 15, que o Estado poderá intervir no município que não aplicar no ensino primário, em

cada ano, pelo menos 20% da receita tributária municipal. (SAVIANI, 2014, p. 33) Contata-

se, então, que o orçamento da União para educação e cultura caiu de 9,6%, em 1965, para

4,31% em 1975” (SAVIANI, 2008, p. 33).

As instalações que já não podiam ser consideradas, em sua grande maioria,

adequadas ao ensino de crianças e jovens ficaram ainda mais sucateadas. Os salários dos

profissionais da educação foram praticamente achatados, provocando desestímulo tanto de

professores quanto de alunos, repetência e evasão escolar (GOTTEMS, 2014). O caos no

meio educacional estava mais do que nunca instituído.

A Constituição de 1967 mantinha a gratuidade e obrigatoriedade limitada do ensino,

concentrando-se no atendimento à faixa etária dos sete aos quatorze anos. Essa Constituição

preservou aquela responsabilidade social das empresas no que tange à educação de

funcionários e filhos de funcionários, mas promoveu certa flexibilização dessa obrigação ao

permitir que, ao invés do efetivo oferecimento de vagas para o ensino, houvesse a substituição

por salário-educação – contribuição patronal criada com a finalidade de suplementar os

recursos públicos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, se constituindo

numa fonte adicional ao ensino fundamental público. O objetivo quando da sua criação era o

de eliminar o analfabetismo no Brasil. Tem sua origem na Constituição de 1946, quando é

definido, no artigo 178, inciso II, que as empresas com mais de cem empregados eram

obrigadas a “manter o ensino para seus empregados e filhos destes” (CORTES, 1989) De

igual maneira, permitiu que o apoio técnico e financeiro à rede particular de ensino pudesse

novamente ser feito pelo Poder Público através da concessão das chamadas “bolsas de estudo”

à iniciativa particular (ASSIS, 2012). Essa inclusive, era a redação do texto legal da época:

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Art. 168: A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola;

assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. [...]

§ 3 – A legislação do ensino adotará os seguinte princípios e normas;

[...]

II – o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimento primários oficiais;

4

III – o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para

quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o

regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o

posterior reembolso no caso de ensino de grau superior (BRASIL, 1986).

Nesse mesmo período percebe-se um importante fenômeno social: o contingente da

classe média voltou a crescer. Os empresários da educação interessados nessa clientela e na

ótima oportunidade de expandirem seus negócios passaram a propagar as qualidades do

ensino privado em relação ao público, bem como facilitar o acesso desse segmento às suas

instituições de ensino. Nessa época a educação, que já era vista claramente como mercadoria,

recebeu pesados investimentos privados, o que contribuiu para estruturação de um verdadeiro

e forte setor a partir dos anos 70 (ASSIS, 2012). Assim explica Cunha (__,p.05):

O desenvolvimento econômico do país, a precária qualidade do ensino

público e a melhora crescente da qualidade do serviço educacional prestado

pela escola particular propiciam o crescimento do setor privado, isto é

motivado por empresários e dirigentes extremamente competentes e organizados na gestão educacional.

Acontece o crescimento rápido do ensino privado, inicialmente na educação

básica, e, a partir dos anos 1990, também no ensino superior. Vale destacar que o crescimento do setor é quem garante a formação de profissionais com

qualificações que atendem as demandas dos setores produtivos.

É importante observar, porém, que a estrutura que se tinha do sistema de ensino até

1970 era composta por 4 níveis básicos para atendimento de diferentes faixas etárias (tabela 1,

abaixo), e que o ensino obrigatório, infelizmente, ainda correspondia apenas à escola primária

com duração normal de quatro anos.

4 A gratuidade dos 7 aos 14 anos só se tornaria uma ampliação do período de escolarização obrigatória para oito

anos com a Lei nº 5.692/71, com a criação do ensino de primeiro grau.

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Tabela 01 – Estrutura do Sistema Educacional antes de 1971.

Nível Duração Faixa etária

Pré-escola 3 anos De 4 a 6

Escola primária 4 anos De 7 a 10 Ginásio 4 anos De 11 a 14

Colégio 3 anos De 15 a 17 Ensino Superior De acordo com a área escolhida A partir dos 18 anos

Fonte: Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968.

Ainda assim, há estudos que apontam a década de 70 como sendo o período em que a

escola brasileira conheceu as mais significativas transformações pedagógicas, uma vez que

neste período mudaram-se os métodos de ensino, a forma de ensinar e, por consequência, os

livros didáticos, tendo sido editada a Emenda Constitucional nº 01, de 1969 (também

conhecida como Constituição de 1969) onde se explicitava o dever do Estado em garantir a

educação compulsória a todos (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007).

De acordo com Charlot (2007), essas crescentes modificações permitiram de forma

gradativa que a escola viesse a ser reconhecida mais do que nunca, como “elevador social”.

Isso porque as pessoas começaram a entender que o acesso à educação poderia melhorar suas

condições de vida.

Assim, à medida que as instituições de ensino passaram também a ser pensadas mais

profundamente na lógica econômica e social do desenvolvimento da nação, e essa nova

política educacional passou a ter uma boa aceitação social, possibilitou-se uma geração de

novos empregos qualificados.

Então, diante da possibilidade de se ter mais tempo de escolaridade, as pessoas

vislumbravam a possibilidade de ocupar melhores cargos, e isso ao que tudo indica foi o que

acabou satisfazendo não só as classes médias, mas também as classes menos favorecidas, as

quais passaram a ver no acesso à escola a possibilidade de melhorar de vida e ascender

socialmente (FREIRE, 2014).

Diante disso, o Estado mostrou-se motivado a arquitetar e a colocar em prática o

plano de formação da escola fundamental de nove anos para atender estudantes de 6 a 15 anos

de idade. Desse modo, logo se passou a discutir menos a questão da qualidade da escola, e as

indagações acerca da “justiça da escola” passou a ser o cerne das novas discussões

(CHARLOT, 2007).

A desigualdade social face à escola e na escola, bem como o direito à igualdade de

oportunidades e tratamento, passaram a configurar o novo pano de fundo onde as instituições

de ensino estavam inseridas. Por consequência, a dedicação aos estudos (já pouco encarada

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47

como atividade intelectual prazerosa) se tornou cada vez mais uma obrigação, uma forma de

imposição social e ou familiar, no sentido de se frequentar os bancos escolares e passar de ano

a qualquer custo. Isso, de acordo com muitos estudiosos do ramo da educação, pode ter sido a

mola propulsora do processo de declínio da formação cidadã em nosso país (GOTTEMS,

2014).

Apesar de os textos legais (Constituição e LDB) terem garantido a universalização

do ensino e tornado obrigatória a frequência e a ampliação dos anos de estudo, pode-se dizer

que o direito à educação não conseguiu ser efetivado até o início da década de 80

(GOTTEMS, 2014).

O Brasil tinha conseguido impulsionar seu crescimento econômico, mas ainda

continuava avarento com relação a investimento em educação. Nesse sentido, explica Gottems

(2014, p. 116):

Sem dinheiro, a educação no Brasil foi marcada por uma rede de escolas

insuficiente para atender a demanda, professores despreparados e mal

remunerados, centralização de recursos orçamentários, resultando na perda de qualidade do ensino público.

O país começa a acelerar seu processo de democratização ao final de 1983. Em

resultado, finalmente é promulgada a Emenda Constitucional nº 24, que garante a fixação

mínima de investimentos públicos em educação: através do artigo 176, § 4, da referida

Emenda, ficou determinado que a educação deveria receber no mínimo 13% da arrecadação

feita pela União, e 25% daquela obtida por parte dos Municípios e Distrito Federal, o que

trouxe novamente à tona a questão da destinação vinculada de recursos (GOTTEMS, 2014).

Porém, a regulamentação desse dispositivo só veio acontecer dois anos mais tarde

(em 1985), fazendo com que a vinculação de recursos viesse a ocorrer efetivamente somente

no exercício financeiro de 1986, como bem expõe Gottems (2014, p. 116):

A vinculação tardia de receitas orçamentárias não garantiu melhores condições educacionais para o Brasil e, embora tivesse assegurado a

universalização do acesso à educação, a baixa qualidade da escola pública

acabou por manter a segregação das classes sociais. Permaneceram na escola pública, de baixa qualidade e incapaz de atender a

demanda, a massa popular, enquanto que os ricos passaram para a particular

onde havia melhor qualidade do ensino.

E foi assim, amparado em sistema educacional deficiente que o Brasil, num processo

de redemocratização, chega ao início da década de 80 às portas de mais uma nova ordem

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48

constitucional. Nessa nova fase, motivado pelo ideal de sucesso econômico-financeiro o

Governo Brasileiro concentra sua atuação político-administrativa na tentativa de replicar

experiências bem sucedidas de outras nações sem, contudo, observar o esforço diuturno

dessas mesmas nações em manter boas escolas e bons professores com pesados investimentos

na política educacional (GOTTEMS, 2014). Assim reforça Castro (1994, p. 17):

Não é novidade e nem segredo que a educação é importante para o

desenvolvimento de um país. No entanto, jamais levamos isto a sério.

Deitado em berço esplêndido, tendo Deus como conterrâneo, achamos que

era só investir em maquinaria e estradas. Adotamos um modelo onde bastava que um ou outro visse as luzes e guiasse os demais. Até que deu certo. Na

verdade, podemos dizer que o milagre brasileiro foi haver chegado tão longe

em seu desenvolvimento com pouca educação. Mas, infelizmente para o Brasil, nossos concorrentes levaram a educação a

sério. Tudo indica que suor, capital e jeitinho não sejam suficientes para

prosseguir na trajetória ascendente que vivemos no último século.

De fato, a situação do país não podia ser considerada confortável, mas o orgulho do

Estado com o crescimento da economia obliterava o descaso com os recursos humanos,

sobretudo com relação à educação de crianças e jovens. Do ponto de vista econômico, o

Brasil estava se saindo bem no cenário mundial, mesmo tendo investido pouco na educação

pública. Isso reforçava a falsa ideia (ainda impregnada na mentalidade política de muitos

governantes) de que a educação não é algo assim tão importante para o desenvolvimento da

Nação, podendo sim ficar em segundo plano (CASTRO, 1994).

Pode-se dizer que aquele ideário superestimado das primeiras décadas do século XX,

como dito anteriormente, de que na educação poderia estar a chave para a solução de todos os

problemas sociais, ou pelo menos de boa parte deles, foi se modificando a cada mudança de

governo.

1.2.2 Constituição Federal de 1988

Por muitos anos o Brasil se deixou levar pela ideia de Estado mínimo para justificar

medíocres investimentos em educação.

Entre os anos 60 e 70 foi possível perceber que as exceções com relação a pesados

investimentos em educação deixaram de sê-lo, e a regra (“muita educação, muito

crescimento”) se tornava cada vez mais dominante mundo afora. Sob esta lógica, os países

que frearam a educação, dentre eles o Brasil, definitivamente murcharam no crescimento e

aumentaram desigualdades (CASTRO, 1994).

Page 51: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

49

A herança educacional deixada pela ditadura militar no Brasil retroalimentava

diferentes problemas socioeconômicos, muitos dos quais ainda são existentes. O modelo

industrial brasileiro, por exemplo, baseava-se na tecnologia moderna, mas era dependente de

uma dosagem “a conta gotas” de recursos humanos para manejá-lo, e passou a sofrer mais

acentuadamente a partir da década de 1980 as consequências da falta de mão de obra

qualificada. Isso, infelizmente, contribui para que o nome do Brasil fosse lançado ao rol

daqueles que empacaram no meio de uma trajetória político-econômica que poderia ser

considerada brilhante (CASTRO, 1994).

Em agravamento à situação havia ainda muita diferença na educação oferecida em

cada uma das diferentes regiões do país, algumas das quais, com um gritante déficit de

creches e escolas, o que reduziu a quase zero a credibilidade governamental para solucionar

problemas da área.

Foi então que, em meio a esse panorama de desigualdades relacionadas à educação,

surgiram inúmeros debates para a elaboração de um novo pacto social, uma nova Constituição

que pudesse assegurar, dentre os direitos, o de todo e qualquer cidadão ter acesso à escola e ao

conhecimento. Sobre esse período, disse certa vez Aguilar (2000, p. 107):

A década de 80 significou para o Brasil, para a Argentina, como também

para o resto da América Latina, a iniciação do conturbado processo de transição à democracia e de manutenção e de consolidação das suas

instituições.

Deste modo, em 1988, como partes do processo de redemocratização do país, foram

criados dispositivos legais mais complexos e extremamente importantes à efetivação do

direito à educação, em especial a CF/88, o ECA (Lei nº 8.069/90) e a LDBEN (Lei nº

9.394/96). Como bem explica Gottems (2014, p. 117):

Além de restabelecer as liberdades individuais, o novo texto constitucional

assegurou direitos erigidos às cláusulas imodificáveis, dentre os quais o direito à educação, estabelecendo a destinação mínima de recursos públicos

para o seu desenvolvimento, garantindo liberdade e igualdade no processo

educativo.

Sob a vigilância da Constituição Federal de 1988 ocorre a consolidação do direito à educação, caracterizado por um conjunto de direitos que envolvem

não só o acesso à escola, mas, a liberdade, a igualdade de oportunidades, o

investimento público etc, que paulatinamente, passa a ser construído ganhando contornos cada vez mais marcantes.

Page 52: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

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No primeiro artigo da CF/88, foi apresentado o princípio da dignidade da pessoa

humana como um de seus princípios fundamentais. Um pouco mais à frente, no artigo 6º,

adveio de forma clara e precisa o rol dos direitos sociais ligados a este principio: “são direitos

sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988).

Ao mesmo tempo a CF/88 restabeleceu a vinculação de impostos para financiamento

do ensino no país, fixando 18% para a União e 25% para estados e municípios (SAVIANI,

2008) demonstrando uma maior preocupação com suporte financeiro necessário à política

pública educacional se comparado às outras Cartas Constitucionais.

Portanto, quando a Constituição passou a conferir tal tratamento à educação, tornou-

se a primeira na história do Brasil a reconhecer explicitamente o direito à educação (em todos

os seus níveis e etapas) como um dos direitos fundamentais sociais, ou seja, como um dos

direitos concebidos sob a égide da dignidade da pessoa humana (OLIVEIRA; ADRIÃO,

2007).

Consequentemente, a educação deixou de ser compreendida como uma necessidade

isolada do ser humano para ser concebida como uma forma de crescimento e evolução

coletiva, dividindo harmoniosamente o espaço com tantos outros direitos sociais, como o

trabalho, a saúde e a assistência (ASSIS, 2012).

Sobre a importância da Educação, ressalta Bobbio (1992, p.75):

Não existe atualmente nenhuma carta de direitos, para darmos um exemplo

mais convincente, que não reconheça o direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para sociedade – primeiro elementar, depois secundária e

pouco a pouco até mesmo universitária. Não me consta que, nas mais

conhecidas descrições do estado de natureza, esse direito fosse mencionado. A verdade é que esse direito não fora posto no estado de natureza porque não

emergia na sociedade da época em que nasceram as doutrinas jusnaturalistas,

quando as exigências fundamentais que partiam daquelas sociedades para

chegarem aos poderosos da Terra eram principalmente exigências de liberdade em face das Igrejas e dos Estados, e não ainda de outros bens,

como o da instrução, que somente uma sociedade mais evoluída econômica e

socialmente poderia expressar.

A par disso observa-se que a importância dada à educação foi justamente o grande

diferencial da CF/88 em comparação às suas antecessoras. Como bem disse Ulysses

Guimarães em seu discurso de apresentação da nova Carta Política:

Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação

mudou. A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição

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dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer

mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e

suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer

quando descansa. Num país de 30.401.000 analfabetos, afrontosos

25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto.5

Daí falar-se que a Magna Carta não compreende a educação como política pública

pura e simples. O que se percebe, na verdade, é que a ordem constitucional atual reconhece a

educação como um importante agente transformador da realidade social, capaz de erradicar a

pobreza, dirimir as desigualdades regionais e impulsionar o desenvolvimento nacional

(GOTTEMS, 2014).

É nesse sentido que afirma também Oliveira (1995, p. 3):

[...] a Carta Constitucional de 1988 representa um salto de qualidade

relativamente à legislação anterior, deslocando o debate da efetivação deste

direito, da esfera jurídica para a esfera da luta social, isto porque, através da

maior precisão da redação e detalhamento de tal declaração, suprimiram-se os obstáculos legais formais à universalização do ensino fundamental para

todos e em todas as idades, introduzindo-se, explicitamente, até mesmo, os

instrumentos jurídicos para sua efetivação.

Tem-se ainda que, por conta do art. 22, inciso XXIV da CF/88, a competência para

legislar sobre as diretrizes e bases da educação no país pertence privativamente à União, e que

cabe aos demais entes federados promoverem o acesso à educação (art. 23, V, CF/88). Isso de

certa forma fez com que a consolidação do ensino público se tornasse mais efetiva do que em

qualquer outro ordenamento jurídico, rendendo à educação um espaço próprio, uma sessão

específica (Capítulo III, Seção I) no corpo da Magna Carta.

Porém, ao mesmo tempo em que a Carta Constitucional declara a educação um dever

do Estado, ela reconhece a família e a sociedade como coadjuvantes no processo educativo

(art. 205, CF/88) quando define a educação como “direito de todos e dever do Estado e da

família”, que será “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao

pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho”.

Da leitura do artigo 214, por sua vez, depreende-se que compete ao Congresso

Nacional a edição de lei que estabeleça o plano nacional de educação, de duração decenal,

5 Trecho do discurso disponibilizado na íntegra em: http://www.fesppr.br/~francisco/Constit.htm. Acesso:

02/09/15

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52

visando à articulação ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, bem como a

integração das ações do Poder Público que conduzam à erradicação do analfabetismo,

universalização do atendimento escolar, melhoria na qualidade do ensino, formação para o

trabalho, promoção humanística, científica e tecnológica do país.

Antes, porém, o legislador preocupou-se em dar especial atenção aos princípios que

norteiam o ensino (art. 206) e aos deveres do Estado com relação à prestação e efetivação do

direito à educação (art. 208). Dentre eles a igualdade de condições para o acesso e

permanência; liberdade de aprender; ensinar; pesquisar; e divulgar o pensamento, a arte e o

saber; o pluralismo de ideias; a gratuidade e a gestão democrática. Assim esclarece Kozen

(2000, p. 660):

Afirmado como o primeiro e mais importante de todos os direitos sociais, fez-se compreender a educação como um valor de cidadania e de dignidade

da pessoa humana, itens essenciais ao Estado Democrático de Direito e

condição para realização dos ideais da República, de construir uma

sociedade livre, justa e solidária, nacionalmente desenvolvida, com a erradicação da pobreza, da marginalização, das desigualdades sociais e

regionais e livre de quaisquer formas de discriminação (art. 3º da

Constituição Federal), o imaginário de nação inscrito a Carta Magna brasileira.

Logo, a ideia de que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público

subjetivo e que o não oferecimento pelo poder público, ou sua oferta insuficiente e irregular,

pode importar em responsabilidade da autoridade competente (crime de improbidade),

conforme o artigo 208, VII, parágrafos 1º e 2º da CF/88, ganhou ainda mais força ao

encontrar guarida na interpretação da nova ordem constitucional.

Isso porque, em sendo a educação um direito fundamental social, há a exigência de

prestações positivas por parte do Estado, direta ou indiretamente, enunciadas por meio de

normas constitucionais, a fim de possibilitarem melhores condições de vida aos mais fracos,

reforçando direitos que tendem a concretizar a ‘igualização’ de situações sociais desiguais,

sendo, portanto, direito que se liga também à igualdade. (SILVA, 2006)

Na opinião de Alves, o princípio da igualdade, sobretudo quando interpretado à luz

de uma hermenêutica constitucional comprometida com o espírito do Constituinte, implica

que seja promovida a igualdade material pelo Estado. Assim, a igualdade e liberdade, em uma

instância, e igualdade e diferença em outra, não são antitéticas, mas instâncias seletivas de

valor que podem ser conciliadas tendo em vista a promoção da justiça social e a redução da

discriminação e da marginalização de grupos sociais inteiros (ALVES, 2010).

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53

A par disso, impossível não compreender o processo educativo, o “educar” como

sendo o mais significativo instrumento de justiça social, um direito primordial que deve ser

garantido pelo Estado em nome da igualdade material, uma vez que todos os outros direitos se

tornam em vão, se o homem não tiver o mínimo de condições para compreender sua

ignorância e superá-la, a fim de reverter sua situação social (ASSIS, 2012). Assim esclarece

Souza (2010, p. 88):

Com efeito, a igualdade de oportunidades e a asseguração do mínimo existencial somente poderão surgir se a todos for assegurado o direito a

processo educacional adequado. Nessa quadra, difere a educação de outros

direitos sociais e fraternos, igualmente consagrados pela Magna Carta: a

educação é premissa – e não proposta. Em outras palavras, o acesso

efetivo à educação é condicionante para o próprio e efetivo exercício dos

demais direitos fundamentais eleitos pelo legislador constituinte.

De igual maneira a dignidade da pessoa humana deve ser compreendida como

qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito

e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo

de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa garantir as condições existenciais

mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e

corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais

seres humanos (SARLET, 2001).

Neste contexto, é possível concluir pela forte relação entre o princípio da dignidade

humana e o direito à educação no texto Constitucional de 1988, não só por voltar-se a

educação à tutela daquela, mas também por preservar elementos culturais da personalidade e

da identidade social. De igual maneira, é possível compreender que a CF/88 reconhece essa

versatilidade da Educação no fornecimento de meios necessários para que o indivíduo reverta

sua realidade e se prepare para um futuro mais promissor convivendo entre iguais, tornando-

se sujeito consciente de seus direitos e deveres (ASSIS, 2012).

Não por acaso, atribui-se à CF/88 as maiores conquistas tanto no campo dos direitos

quanto na educação. E, como se verá adiante, foi graças a essa nova ordem constitucional que

as crianças passaram a ser reconhecidas como sujeitos de direitos independentemente da idade

e condição social.

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1.3 Raízes do atraso: o percurso histórico do atendimento à criança numa sociedade que

custou a aprender o que é infância

Nesse tópico procuramos contextualizar as leituras sobre o direito à educação a fim

de prover inteligibilidade dos principais fatos históricos ligados à Educação Infantil no Brasil,

porém, evitamos esgotar ou dissecar desnecessariamente cada um dos períodos da história do

nosso país. O intuito é justamente levar o leitor a compreender que as falhas no sistema

educativo diagnosticadas muitas vezes ao final do ensino médio ou nas faculdades, podem ter

sido deflagradas num ensino básico pobre e insuficiente.

A par disso, partimos do pressuposto de que as ideias e os sentimentos disseminados

socialmente acerca da família e da infância são considerados fenômenos recentes na história

da humanidade.

Durante séculos pouca ou nenhuma importância se deu às crianças, consideradas

seres passivos e incompletos. De um modo geral, as famílias não tinham função afetiva e se

responsabilizavam apenas pelo sustento e proteção dos pequenos até que alcançassem

determinada idade (PULINO, 2001).

Era através do convívio direto com adultos e outras crianças maiores que os

pequeninos à medida que iam crescendo se interavam das práticas sociais, crenças e costumes

e se ‘educavam’ quase que autonomamente até que pudessem enfim, ter alguma utilidade

social enquanto mão de obra barata nas mais diferentes atividades laborais.

[...] não existe conceito de infância antes do século XVII; as crianças

são percebidas como sendo inferiores na escala social e, por isto não

são dignas de consideração...as relações pais/filhos são meramente

formais; os pais são seres inacessíveis e as crianças inferiores, e, por

isto, suas demandas e necessidades não são suficientemente

valorizadas ao ponto de serem atendidas... a partir do século XVIII e

início do XIX, ao mesmo tempo em que a infância é ressignificada,

freqüentemente as crianças são brutalizadas, exploradas e submetidas

a indignidades (POLLOCK apud CORAZZA, 2002, p. 88-89).

Mas foi primeiro na Europa, com a Revolução Industrial (1820-1840), que a questão

da exploração do trabalho infantil passou a ganhar maior importância em virtude da evidente

degradação física a que muitas crianças foram submetidas.

Com o processo de industrialização veio a necessidade de substituir a força humana

no mercado de trabalho pela força motriz. Consequentemente, mais crianças e mulheres

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55

passaram a ocupar espaços nas indústrias como uma maneira, inclusive, de se reforçar o

orçamento familiar.

Neste sentido, disse certa vez Marx (1988, p. 875-876):

[...] milhares de braços tornaram-se de súbito necessários. [...] Procuravam-

se principalmente pelos pequenos e ágeis. [...] Muitos, milhares desses pequenos seres infelizes, de sete a treze ou quatorze anos foram despachados

para o norte. O costume era o mestre (o ladrão de crianças) vesti-los,

alimentá-los e alojá-los na casa de aprendizes junto à fábrica. Foram

designados supervisores para lhes vigiar o trabalho. Era interesse destes feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo possível, pois

sua remuneração era proporcional à quantidade de trabalho que deles podiam

extrair. (...) Os lucros dos fabricantes eram enormes, mais isso apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Começaram então a prática do trabalho

noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da

noite o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo mundo diz em

Lancashire, que as camas nunca esfriam.

O mundo capitalista vivenciava, portanto, uma reorganização social importante à

medida que o mercado de trabalho alterava a forma como as famílias cuidavam e educavam

seus filhos, como bem explica Paschoal e Machado (2009, p. 80):

[Na Europa], o nascimento da indústria moderna alterou profundamente a

estrutura social vigente, modificando os hábitos e costumes das famílias. As mães operárias que não tinham com quem deixar seus filhos, utilizavam o

trabalho das conhecidas mães mercenárias. Essas, ao optarem pelo não

trabalho nas fábricas, vendiam seus serviços para abrigarem e cuidarem dos

filhos de outras mulheres.

Nesse sentido reforça Rizzo (2003, p. 31):

Criou-se uma nova oferta de emprego para as mulheres, mas aumentaram os

riscos de maus tratos às crianças, reunidas em maior número, aos cuidados

de uma única, pobre e despreparada mulher. Tudo isso, aliado a pouca comida e higiene, gerou um quadro caótico de confusão, que terminou no

aumento de castigos e muita pancadaria, a fim de tornar as crianças mais

sossegadas e passivas. Mais violência e mortalidade infantil.

A ideia da pré-escola surge na Europa, então, como reflexo dessas grandes

transformações sociais de modo que as primeiras instituições estruturam-se como entidades

assistencialistas dedicadas a afastar as crianças pobres do trabalho servil que era fortemente

incentivado pelo sistema capitalista que se alavancara. Assim a função primeira dessas

instituições era a de guarda das crianças (ABRAMOVAY; KRAMER, 1984).

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Quando o Brasil inicia seu processo de industrialização começa a enfrentar questões

sociais semelhantes. Muitas eram as famílias preocupadas em sobreviver, e por conta disso, o

trabalho infantil, a falta de cuidados com as crianças, os maus tratos, o elevado índice de

mortalidade e o desprezo pela infância foram ignorados por mais tempo. (PASCHOAL;

MACHADO, 2009).

Sobre esse comportamento social, explica Ariès (1981, p. 57):

Não se pensava, como normalmente acreditamos hoje, que a criança já contivesse a personalidade de um homem. Elas morriam em grande número.

[...] Essa indiferença era uma conseqüência direta e inevitável da demografia

da época. Persistiu até o século XIX, no campo, na medida em que era

compatível com o cristianismo, que respeitava na criança batizada a alma imortal [...] A criança era tão insignificante, tão mal entrada na vida, que não

se temia que após a morte ela voltasse para importunar os vivos. [...]

Desse modo, somente a partir da segunda metade do século XIX, uma nova função é

atribuída às pré-escolas: a de compensar as deficiências e as misérias que assolavam as vidas

das crianças, sobretudo, os efeitos da negligência familiar (BOGATSCHOV; MOREIRA

2009).

[...] relacionada mais à ideia de ‘educação’ do que à assistência. São criados,

por exemplo, os jardins da infância por Froebel, nas favelas alemãs; por

Montessori nas favelas italianas; por Reabody, nas americanas etc. [...]

(ABRAMOVAY; KRAMER, 1984, p. 29).

Percebe-se, portanto, que a preocupação com o atendimento à infância remonta a

fatos não muito distantes. Nos EUA e na Europa, por exemplo, só foram registrados avanços

significativos nessa área com o término da Segunda Grande Guerra.

Em se tratando de Brasil, o quadro das instituições destinadas às crianças pequenas,

antes de alcançar à concepção atual de educativo era formado basicamente de creches e

jardins de infância6 dedicados ao atendimento exclusivamente assistencialista (que depois, tal

qual aconteceu na Europa, passou a ser compensatório ou preparatório).

Nesse sentido ressaltam Paschoal e Machado (2009, p.82):

6 O alemão Friedrich Wilhelm August Fröbel foi o criador do primeiro jardim de infância que se tem notícia, na

Bavária e em Estrasburgo, no final do século XVIII. Discípulo do renomado educador suíço João Pestalozzi, foi

o primeiro educador a enfatizar o brinquedo, a atividade lúdica, e a apreender o significado da família nas

relações humanas na sua defesa pelo ensino sem obrigações. Pregava a educação espontânea, o “aprender a

aprender”. Fröbel deu o nome de jardim de infância (Kindergarten, literalmente “jardim das crianças” em

alemão) aos espaços por ele criados para promover a educação de crianças, porque as comparava a plantas de um

jardim onde os professores eram os jardineiros (FERRARI, ____). Contudo, o jardim de infância nos moldes

brasileiros não teria sido pensado para esses pequenos (KUHLMANN JR.; BARBOSA, 1998).

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Diferentemente dos países europeus, no Brasil, as primeiras tentativas de

organização de creches, asilos e orfanatos surgiram com um caráter assistencialista, com o intuito de auxiliar as mulheres que trabalhavam fora

de casa e as viúvas desamparadas. Outro elemento que contribuiu para o

surgimento dessas instituições foram as iniciativas de acolhimento aos órfãos

abandonados que, apesar do apoio da alta sociedade, tinham como finalidade esconder a vergonha da mãe solteira (...).

Para que se possa compreender a evolução do atendimento à infância no Brasil,

optou-se pela divisão histórica feita por Kramer (2001) que ao analisar o assunto, o dividiu

em 4 (quatro) períodos a saber: de 1500 a 1874; de 1874 a 1899; de 1889 a 1930 e, finalmente

de 1930 em diante. Chamando-se a atenção para a necessidade de se observar atentamente a

relação entre a concepção de ‘criança’ com ‘sociedade’ em cada período.

1.3.1 Primeiro período (1500 a 1874): Brasil colônia

A investigação acerca do direito à educação no Brasil exige antes de tudo um olhar

para o passado, um olhar que busque na linha do horizonte as primeiras caravelas que se

lançaram ao mar rumo ao novo continente, movidas pela promessa de se alcançar uma terra

rica, de belas paisagens, mas habitada por gente selvagem sem ‘ares de civilidade’. Uma gente

que, ainda assim, merecia ter a alma salva tanto pelo trabalho, quanto pela cruz, armas de

dominação do homem branco ainda nos dias de hoje.

Isso se faz necessário, justamente porque a história da educação formal em terras

brasileiras começa com a chegada dos primeiros padres jesuítas, os primeiros a se

interessarem pela forma diferenciada como os povos indígenas tratavam suas crianças, e que

aos poucos foram assimilando tais práticas nos seus sistemas educacionais como forma de

viabilizar o processo de evangelização e conquista dos nativos (RAMOS, 2011).

Em 1760 quando Marquês de Pombal ordena a expulsão dos jesuítas e promove a

reforma do ensino, os religiosos são substituídos por sargentos e surgem os primeiros colégios

de disciplina militar, voltados basicamente ao doutrinamento dos mais jovens dentro dos

ideais portugueses.

Apesar dos esforços, as reformas pombalinas não vingaram, serviram apenas para

desarranjar a sólida estrutura educacional construída pelos jesuítas e transformar nosso

sistema educativo num caos completo. Por consequência, as poucas escolas que existiam

deixaram de funcionar, e o contingente de crianças pobres perambulando pelas ruas das

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cidades cresceu significativamente (RAMOS, 2011). Sobre a organicidade da educação

promovida pelos jesuítas, Niskier (2001, p.34) faz a seguinte ressalva:

A organicidade da educação jesuítica foi consagrada quando Pombal os

expulsou levando o ensino brasileiro ao caos, através de suas famosas ‘aulas régias’, a despeito da existência de escolas fundadas por outras ordens

religiosas, como os Beneditinos, os franciscanos e os Carmelita.

Na época, o que se entendia por atendimento às crianças resumia-se única e tão

somente a poucos meios alternativos de amparo a crianças pobres. Eram as chamadas “Casas

dos Expostos”, “Rodas dos Excluídos” ou “Rodas dos Enjeitados”, que recebiam esses nomes

por acolherem apenas crianças abandonadas, maquiando muitas vezes a prática do

infanticídio.

Essas instituições funcionavam geralmente junto às “Casas de Misericórdia” ou

orfanatos e se utilizavam de uma espécie de porta giratória onde a mãe que não tinha

condições de cuidar do filho recém-nascido, sem que sua identidade fosse revelada,

depositava a criança para que alguém do lado de dentro pudesse dar o devido atendimento ao

bebê ou encaminhá-lo a outra instituição ou família que pudesse acolhê-lo (KRAMER, 2001).

Especificamente sobre o abandono de crianças nessas instituições, Rizzo (2003, p.

37) traz uma explicação socioeconômica bastante pertinente:

As crianças eram sempre filhas de mulheres da corte, pois somente essas

tinham do que se envergonhar e motivo para se descartar do filho

indesejado; as pobres precisavam de seus filhos para ajudar no trabalho, e dos filhos das escravas precisavam os senhores abastados.

Até meados de 1874, a “Roda dos Excluídos” era considerada a única instituição no

Brasil que dava algum tipo de atendimento às crianças em situação de total abandono, tendo

registrado seu funcionamento até 1950, quando foi definitivamente extinta (KRAMER, 2001;

PASCHOAL; MACHADO, 2009). Porém, há de se considerar que a maioria destas

instituições, foi criada basicamente para “esconder a vergonha” e “desonra” de mulheres de

famílias abastadas que tiveram gravidez indesejada.

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1.3.2 Segundo período (1874-1889): Brasil Império

Nesse tempo, o Brasil vivia à base da escravidão, e a sociedade escravocrata tinha

uma forma muito peculiar de educar seus filhos. Isso porque, quanto mais rica a família,

menor era a quantidade de filhos e maior era a distância dos pais com relação à educação da

prole.

A concepção de carinho familiar era diferente da que se tem hoje, o contato direto

entre pais e filhos resumia-se a poucas ocasiões, e na maioria das vezes acontecia quando era

necessário repreender ou explicar mais veementemente aos mais novos acerca das tradições

do grupo familiar (RAMOS, 2011).

Era comum que mulheres abastadas delegassem a criação de seus filhos aos cuidados

de determinadas escravas, intituladas “amas de leite”. Para isso, escolhiam dentre as escravas

as que tinham filhos pequenos e que estavam amamentando, as que tinham melhores

condições físicas e que produzissem leite em abundância, para que assim, pudessem

desempenhar a contento, o papel de “mães substitutas” (RAMOS, 2011).

Essas mulheres tinham por obrigação amamentar, cuidar das roupas, da alimentação,

da saúde, do sono e das brincadeiras das crianças. E, não raras vezes, eram obrigadas a

abandonar seus próprios filhos para acompanhar o crescimento e desenvolvimento dos filhos

de seus senhores.

Como nem todas as famílias tinham condições financeiras de ter e manter sua própria

ama de leite, muitas alugavam escravas lactantes por um determinado período. Ocorre que, as

precárias condições de saúde e higiene que muitas delas viviam, acabavam por colaborar com

a disseminação de doenças entre as crianças de menor faixa etária, o que segundo alguns

historiadores, contribuiu significativamente para a elevação do número de óbitos neste

período (RAMOS, 2011).

Mesmo assim, as pessoas faziam questão da presença da “ama de leite” na família,

não apenas para que as “senhoras” pudessem se dedicar à beleza pessoal, aos cuidados da

casa, ao lazer e a outros afazeres ligados à tradição familiar e da alta sociedade, mas porque

culturalmente imaginava-se que o leite das escravas negras era muito superior ao leite

produzido por mulheres brancas, e que isso poderia contribuir para que se tivessem herdeiros

fortes e sadios (RAMOS, 2011).

A partir de 1850 a política escravocrata passa a sofrer as primeiras grandes perdas

com a publicação da Lei Eusébio de Queiroz que proibiu o tráfico de escravos.

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60

Em 1871, com a Lei do Ventre Livre foi concedida a liberdade a todos os escravos

nascidos após a data de promulgação do ato. Como consequência, milhares de libertos, na

maioria crianças pobres e negras foram despejados. Muitas delas, sem ocupação e relegadas à

própria sorte passaram a ocupar as ruas das principais centros urbanos sobrevivendo de

esmolas e pequenos delitos (RAMOS, 2011).

Importante salientar que, com a Guerra do Paraguai (1864-1870), o Império havia

tomado algumas medidas para diminuir a quantidade de crianças abandonadas nas ruas,

utilizando-se do recrutamento forçado. Nesse triste episódio da nossa história, marcado por

uma verdadeira caça às crianças, muitas famílias pobres tentaram esconder seus filhos do

recrutamento, ou subornaram com o pouco que lhes restavam, os oficiais do exército, que

revistavam as casas em busca de crianças para “servirem na guerra”, principalmente no

manejo de canhões e outras armas letais. O número de crianças-soldado mortas durante a

Guerra foi enorme. Porém, a quantidade de famílias pobres continuava elevada e elas deram

conta de rapidamente voltar a povoar as ruas (RAMOS, 2011).

Logo, no período compreendido entre 1874 e 1889, os índices de desnutrição,

acidentes domésticos e mortes infantis teriam alcançado patamares alarmantes, fazendo com

que alguns segmentos da sociedade sentissem a necessidade de colaborar no combate aos

problemas que afetavam em cheio a população infantil, em especial nas camadas mais pobres

(KRAMER, 2001; DIDONET, 2001).

Foi aí que alguns médicos, na maioria higienistas, aproveitaram-se dos avanços que a

medicina obtivera a partir de 1870 e passaram a difundir noções básicas de prevenção e

cuidados com várias doenças, mostrando-se preocupados, sobretudo, com os elevados índices

de mortalidade infantil. Engajados neste propósito, eles passaram a organizar junto a

empresários, educadores e religiosos entidades filantrópicas dedicadas à elaboração de

espaços onde as crianças pudessem receber cuidados com higiene, alimentação e saúde, fora

do âmbito familiar (KRAMER, 2001).

À base desse sentimento de combate à morte prematura, desenvolveu-se mais

fortemente no país a associação automática da ideia da creche com o assistencialismo, uma

ideia que muitos representantes do Estado têm até hoje (DIDONET, 2001).

Outro fato historicamente importante é que o atendimento à infância passa a se

espelhar nos modelos europeus de atenção à criança onde creches serviam aos filhos das

mulheres que trabalhavam fora (em geral, operárias), às crianças desamparadas, órfãs ou

abandonadas, e os jardins de infância, ao atendimento de crianças de classes mais abastadas.

Desta forma, creches ganhavam conotação assistencial ao passo que jardins de infância eram

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61

encarados como sendo de natureza educacional, como bem explicam Nunes; Corsino e

Didonet (2011, p. 16-17):

Assim, as creches geralmente visavam a cuidado físico, saúde, alimentação, formação de hábitos de higiene, comportamentos sociais. Incluíam, por

vezes, orientações à família sobre cuidados sanitários, higiênicos pessoais e

ambientais, orientações sobre amamentação e desmame, preparação de

alimentos e relacionamento afetivo. O jardim-de-infância inspiração froebeliana, tinha outro olhar para a criança: seu desenvolvimento físico,

social, afetivo e cognitivo, por meio das atividades lúdicas, do movimento e

da autoexpressão.

Graças a essa visão dicotomizada de infância, composta de um lado por crianças de

famílias pobres, negras, descendentes de escravos, indígenas, abandonadas, órfãs ou com

deficiência; e do outro, crianças brancas, bem alimentadas e nutridas, nascidas em famílias

com boas condições financeiras, que perdurou no Brasil por mais de um século consequências

terríveis ligadas a estigmas sociais, exclusão e preconceitos, traduzidas posteriormente, em

duas expressões que se tornaram de certa forma paradigmáticas: “criança” e “menor”,

conforme entendimento de Nunes; Corsino e Didonet (2011, p. 19):

A “criança” era a branca, bem nutrida, de sorriso cativante, filha de família de classe média e alta, cujo futuro poderia ser previsto como de bem-estar,

desenvolvimento e felicidade. O “menor” era a criança negra, desnutrida, de

família pobre ou desestruturada, altamente vulnerável à doença e candidata a engrossar a estatística da mortalidade infantil ou, se sobrevivesse, a

marginalizar-se e tornar-se um risco social; ou seja, o filho do proprietário

(colonizador, descendente de europeu, branco) tornou-se “criança”, enquanto o filho do despossuído (negro, descendente de escravo, pobre) tornou-se

“menor”.

Por fim, vale relembrar que o homem branco “colonizador” aprendeu com os índios,

e depois com os negros, o que de fato é ser criança, observando a forma como estes

estimulavam o desenvolvimento de seus filhos através de brincadeiras. E que, com o passar

do tempo, em meio ao processo de dominação, o homem branco se apropriou culturalmente

disso e passou a negar ao negro, ao índio e também ao pobre o direito de brincar, de ser

criança e de ter infância, impondo-lhes, sobretudo, trabalho.

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1.3.3 Terceiro período (1889- 1930): Primeira República

Em que pese as primeiras iniciativas educacionais para a primeira infância (na forma

de jardins) datarem de 1875, 1894 e 1909 na cidade do Rio de Janeiro, e de 1896 na cidade de

São Paulo, a atenção com o bem estar infantil começa a acontecer timidamente, mas de forma

gradual no país apenas entre os anos de 1889 e 1930.

Em 1880, por iniciativa privada proveniente da área da saúde, mas com visão de

assistência integral à criança, é fundado na cidade do Rio de Janeiro pelo médico higienista e

pediatra Arthur Moncorvo Filho o Instituto de Proteção e Assistência à Infância no Brasil,

para estimular a criação de creches e jardins de infância em todo o território nacional e

comprometer o Governo na organização de serviços públicos para a criança7 (NUNES;

CORSINO; DIDONET, 2011).

Tamanha foi a importância desse Instituto que até hoje o Ministério da Educação,

cita-o como uma das primeiras tentativas de construção do conceito de interrelação entre

assistência, saúde e educação para as crianças no país, como bem explicita Nunes, Corsino e

Didonet (2011, p. 19):

O Instituto exerceu grande influência nas concepções sobre criança e

sociedade, na responsabilidade pública em relação à saúde, integração social

e desenvolvimento das crianças; mas estava voltado, com a concepção

médico-social e higienista, para as crianças das classes pobres, com as quais queria comprometer as classes média e alta. Suas atividades expandiram-se

por vários estados, articulou-se com organizações e movimentos europeus e

pan-americanos e, pela dinâmica de sua atuação, ofereceu um modelo organizacional e institucional ao governo sobre a assistência à criança pobre.

Este modelo associava responsabilidade governamental, inclusive

orçamentária, à caridade e ao voluntariado social, no atendimento à criança pobre.

Pelos objetivos, vê-se que havia intenção de realizar uma ação global, que

abarcava saúde, a assistência e a educação, promovida e orientada pelo

mesmo órgão. Em seu escopo, juntavam-se creches, jardins de infância, atendimento a crianças filhas de famílias empobrecidas, crianças com

deficiência, saúde de bebês e infância desvalida.

Vale frisar que esse “movimento” foi abraçado por pessoas importantes do meio

social e político que “se preocupavam” com a situação das crianças pobres no país. Mas, foi

7 Ao instituto foram atribuídos objetivos diversificados e amplos: I. Atender menores de 8 anos. II. Elaborar leis

que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos. III. Regular o serviço das amas de leite. IV. Velar pelos

menores trabalhadores e criminosos. V. atender as crianças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e

moralmente abandonadas. VI. Criar maternidades, creches e jardins de infância. (NUNES; CORSINO;

DIDONET, 2011, p. 19)

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considerado um passo importante no atendimento à infância, em razão de sua clara oposição

ao abandono promovido através da “Roda dos Expostos”.

Por enfrentar muitas dificuldades práticas como a falta de apoio governamental para

promover a extensão almejada e, por sofrer críticas pesadas, dentre elas, a de que reunia

medidas profiláticas para recuperar, reencaminhar e inserir estas crianças na sociedade como

mão de obra barata a serviço dos proprietários, o “movimento” acabou não prosperando

(NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011).

Em 1889, surgiu no Rio de Janeiro a primeira creche brasileira, ao lado da Fábrica de

Tecidos Corcovado em atendimento às operárias. Em 1908, também no Rio de Janeiro, foi

fundada a primeira creche popular destinada ao atendimento de crianças com no máximo 02

anos de idade que fossem filhos de operários, criando-se, um ano depois, o “Jardim de

Infância” Campos Salles para atendimento de crianças maiores, com idade entre 3 e 6 anos

(KUHLMANN JR., 1998).

No ano de 1919, o médico Arthur Moncorvo Filho, fundador do extinto Instituto de

Proteção e Assistência à Infância, utilizando-se dos recursos remanescentes e da mesma

concepção de infância do Instituto, cria o Departamento da Criança no Brasil sob a

responsabilidade do Estado, como forma de alavancar a divulgação de estudos sobre a

situação de vulnerabilidade das crianças brasileiras, realizar congressos e cursos, velar pela

aplicação das leis de amparo à infância e fomentar iniciativas consideradas necessárias ao

desenvolvimento e amparo das crianças e das grávidas, enfim levar conhecimento acerca da

realidade infantil no Brasil e procurar solução para os problemas diagnosticados (NUNES;

CORSINO; DIDONET, 2011; KRAMER, 2001).

Contudo, para alguns estudiosos da educação, a criação desse departamento

demonstrava na verdade a utilização dos argumentos médicos e psicológicos de uma forma

bastante preconceituosa contra crianças pobres, à medida que promovia em nome da ciência a

propagação da “ideia determinista” de que crianças pobres, quando não disciplinadas e

amparadas, se tornavam criminosas ou vadias (LOPES; MENDES; FARIA, 2005).

A partir de 1920, os setores públicos começaram a sinalizar interesse no

atendimento às crianças pequenas, porém muito timidamente (NASCIMENTO, 2012). Sobre

isso elucida Kuhlmann Jr (2000, p. 8):

Embora as creches e pré-escolas para os pobres tenham ficado alocadas à

parte dos órgãos educacionais, as suas interrelações se impuseram, pela

própria natureza das instituições. No estado de São Paulo, desde dezembro de 1920, a legislação previa a instalação de Escolas Maternais, com a

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finalidade de prestar cuidados aos filhos de operários, preferencialmente

junto às fábricas que oferecessem local e alimento para as crianças. As poucas empresas que se propunham a atender os filhos de suas trabalhadoras

o faziam desde o berçário, ocupando-se também da instalação de creches.

Em 1922 acontece o I Congresso de Proteção à Infância como meio de se propagar

dentre especialistas os estudos feitos sobre a situação das crianças e alertar sobre a

necessidade de se transpor a fase então vigente de confiar o trabalho da atenção às crianças às

instituições privadas de caridade. Mais uma vez, pertinente se mostra o entendimento de

Kuhlman Jr (2000, p. 8) sobre o assunto:

A concepção da assistência científica, formulada no início do século XX, em consonância com as propostas das instituições de educação popular

difundidas nos congressos e nas exposições internacionais, já previa que o

atendimento da pobreza não deveria ser feito com grandes investimentos. A educação assistencialista promovia uma pedagogia da submissão, que

pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social. O Estado não

deveria gerir diretamente as instituições, repassando recursos para as entidades.

Como resultados dos debates, foram feitas recomendações para elaboração e

aprovação de leis específicas relativas aos direitos das crianças, assim como leis

determinantes dos exames pré-nupciais, do ensino obrigatório de puericultura enquanto

subespecialidade da pediatria que foca no desenvolvimento infantil em seus diferentes

aspectos. Ocasião em que foram sugeridos ainda: a extinção das “Rodas dos Expostos”; a

regulamentação dos institutos de assistência infantil; a criação de espaços próprios nos locais

de trabalho para que as mães pudessem promover o aleitamento (sugestão convertida em Lei,

em 1943 com a publicação da Consolidação das Leis de Trabalho – CLT), a notificação

obrigatória dos nascimentos (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011). Sobre isso, mais uma

vez explica Kuhlman Jr (2000, p. 8):

No Brasil, vive-se nesse período o deslocamento da influência européia para

os EUA, fenômeno que encontra expressão marcante na criação do Dia da Criança, no 3º Congresso Americano da Criança, realizado no Rio de Janeiro

em 1922, juntamente com o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância.

Associava-se a data da descoberta do Novo Mundo com a infância, que deveria ser educada segundo o espírito americano.

Há de se lembrar que nesse período o cenário político mundial passava por

significativas mudanças enquanto os Estados Unidos firmavam-se como potência, de modo

que o Brasil, seguindo a tendência mundial, mostrava-se cada vez mais receptivo às

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65

influências da cultura norte-americana. Contudo, foi no período pós Segunda-Guerra, mais

especificamente entre os anos 1960 e 1975, que a relação entre Brasil e Estados Unidos mais

se fortaleceu, contribuindo para a consolidação de um sistema educacional preocupado com a

modernidade e com as necessidades e pressões do mercado de trabalho. Por conseqüência,

uma série de experiências educacionais daquele país, centradas no ler, escrever e calcular

passou a servir de modelo aos governantes brasileiros, mas nenhuma delas contemplava a

importância da Educação Infantil e uma maior conexão entre sociedade e indivíduo.

1.3.4 Quarto período (1930-1988): da Era Vargas à Constituição Cidadã

Na década de 30, início da Era Vargas, por meio da chamada Cruzada Pró-Infância,

liderada por Pérola Byinton, criaram-se “parques infantis” para atendimento de crianças com

idade entre 3 e 7 anos. Nesses parques haviam equipes formadas por pediatras, médicos,

enfermeiras e cuidadoras, cujas responsabilidades consistiam em assistir às crianças pequenas

com cuidados básicos necessários à higiene e saúde, dando-lhes inclusive um reforço

educacional com relação à moral, ao civismo e aos bons costumes. Assim esclarece Kuhlman

Jr (2000, p. 9):

Uma nova instituição, o parque infantil, começa a se estruturar no município de São Paulo, vinculada ao recém-criado Departamento de Cultura (DC)

com a nomeação de Mário de Andrade para a sua direção, em 1935, nela

permanecendo até 1938, e de Nicanor Miranda para a chefia da Divisão de Educação e Recreio, cargo que exerce até 1945. Com a criação do DC, o

parque infantil é regulamentado e inicia sua expansão, refreada em 1940, na

gestão de Prestes Maia. Uma característica distinta da instituição era a sua

proposta de receber no mesmo espaço as crianças de 3 ou 4 a 6 anos e as de 7 a 12, fora do horário escolar.

No ano de 1933, foi realizado na cidade do Rio de Janeiro mais um Congresso

Nacional de Proteção à Infância, onde o jurista Anísio Teixeira (considerado personagem

central da Educação no Brasil e um dos precursores do movimento da “Escola Nova”8 no

país), na condição de convidado especial, chamou a atenção para a necessidade de transcender

a visão restrita da criança pré-escolar ao seu aspecto físico e de saúde, uma vez que o

8 Movimento educacional que teve sua origem na Europa por volta de 1920, cujo foco era a educação como

agente transformador da realidade social. No Brasil, ficou conhecido também como Escola Progressista, e ganha

força a partir de 1930 visando, sobretudo, um sistema educacional de ensino público, livre e capaz de combater

as desigualdades sociais.

Page 68: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

66

desenvolvimento implicava formação de habilidades mentais e a socialização, funções

atribuídas à educação (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011).

No mesmo ano, na cidade de Teresina, capital do Piauí, foi criado o primeiro jardim

de infância oficial, chamado Lélia Avelino, com o objetivo de proporcionar desenvolvimento

artístico da criança de 4 a 6 anos de idade e de servir como experiência às futuras professoras

da Escola de normalistas “Antonino Freire”. Para que esse jardim de infância pudesse

realmente funcionar, foram escolhidas algumas professoras para participar de um Curso de

Aperfeiçoamento em Educação Infantil, na cidade do Rio de Janeiro em 1932 (KUHLMAN

JR., 2000).

Em 1934 adveio a primeira conquista das mães trabalhadoras: a lei passou a

assegurar o direito à creche no local de trabalho como forma de viabilizar a inserção da

mulher no mercado de trabalho, permitindo-lhes cuidar mais proximamente da educação e

desenvolvimento de seus filhos pequenos. Direito este que posteriormente foi incorporado à

Lei trabalhista (CLT), segundo a qual e de acordo com Campos (1999, p.120):

[...] estabelecimentos em que trabalharem pelo menos trinta mulheres, com mais de dezesseis anos de idade, a dispor do local de trabalho apropriado em

que seja permitido às empregadas guardar, sob vigilância e assistência, os

seus filhos no período de amamentação.

Surgiram assim, as primeiras creches criadas por empresas privadas destinadas aos

filhos de empregados, que mais tarde acabaram levando ao processo de democratização do

ensino infantil.

Por volta de 1935, quando os primeiros resultados positivos dos “parques infantis”

começaram a aparecer, a União avocou a responsabilidade por eles, tornando-os oficiais e

públicos sob a justificativa de que deveria promover a formação cidadã de todos os “pequenos

brasileiros”. Contudo, mesmo tendo status de espaços públicos, o acesso aos serviços que

eram prestados nesses locais era restrito, vez que dedicados exclusivamente às crianças das

classes operárias, o que fortalecia a ideia de atendimento assistencial (FILÓCOMO, 2005).

Em 1940, sob a justificativa de que necessitava coordenar as atividades relacionadas

à maternidade, à infância e à adolescência – atribuições que eram de responsabilidade do

Departamento da Criança, criado por Moncorvo Filho, extinto em 1938 – o governo federal

cria o Departamento Nacional da Criança (DNCr), no âmbito do então Ministério da

Educação e Saúde Pública (MESP) para estabelecer normas para o funcionamento das

creches, promovendo a publicação de livros e artigos sobre o assunto (NUNES; CORSINO;

Page 69: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

67

DIDONET, 2011). Tal departamento era dirigido por Olinto de Oliveira, médico higienista e

um dos participantes do Congresso realizado em 1922 (KHULMANN JR., 2000).

No mesmo ano, na cidade de Porto Alegre, foram criados em diversas praças

públicas jardins de infância inspirados em Fröbel. Esses espaços eram dedicados ao

atendimento de crianças com idade entre 4 e 6 anos e funcionavam por meio período

(KHULMANN JR., 2000).

E em 1953, decide-se criar um Ministério específico para o atendimento à saúde

pública, separando-o da educação, com isso, o Departamento Nacional da Criança passa à

responsabilidade de um novo Ministério (Ministério da Educação e Cultura, MEC), e

posteriormente, por volta de 1970 é transformado em coordenação de Proteção Materno-

Infantil (hoje suas atribuições foram repassadas à Coordenação de Saúde Mental). Sobre o

assunto ressaltam Nunes, Corsino e Didonet (2011, p. 21):

A progressiva especialização dos setores da administração pública, com

ministérios, autarquias, institutos, fundações com competências

particularizadas, sublinha a tendência à independência destes setores no planejamento, na formulação e na execução dos programas. Aqueles

voltados para a criança não se isentam dessa tendência, apesar das diretrizes

políticas e técnicas que visam a reforçar o conceito de integralidade da criança e garantir ações que promovam o desenvolvimento harmônico dos

diferentes aspectos do sujeito (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011, p.

21).

Na década de 1960, devido à crescente procura por vagas na faixa etária dos 4 a 6

anos, foram criadas diversas instituições voltadas a esse fim, sob a denominação de creches,

parques infantis, jardins de infância, escolas maternais e pré-escolas, que até então contavam

com pouca ou nenhuma supervisão dos órgãos públicos competentes.

Como resultado de um processo de reforma educacional que se iniciara em 1946 e

que buscava colocar no centro das discussões a responsabilização do Estado para com a

Educação é aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – Lei nº

4.024, em 20 de dezembro de 1961.

Conhecida por LDB/61 essa lei preconizava a inclusão dos jardins de infância no

sistema de ensino como classes de pré-primário, tendo sido a primeira lei brasileira a

organizar os sistemas de ensino, dividindo-os em educação pré-primária (com 3 anos de

duração), ensino primário (4 anos), educação em grau médio (3 anos) e ensino superior (com

duração variável), destinando a educação pré-primária ao atendimento de crianças com menos

de sete anos (NASCIMENTO, 2012).

Page 70: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

68

O problema é que, muito embora tenha incentivado a criação e manutenção de

instituições de educação pré-primária, por ‘iniciativa própria’ ou em esquema de cooperação

com os poderes públicos, no título próprio dedicado ao financiamento da educação (Título

XII) não fez menção ao ensino pré-primário. Assim, o artigo 92, que definia a vinculação

financeira e tratava da destinação dos recursos aos fundos específicos, nada dizia acerca do

financiamento do ensino pré-primário (NASCIMENTO, 2012). E, sobre a educação pré-

escolar, especificamente, Rizzo (2003, p. 38) faz o seguinte apontamento:

A educação pré-escolar do pobre continuou, ainda por muitos anos, sendo responsabilidade filantrópica, de caráter assistencialista e eventual,

especialmente, e dependente das intenções das primeiras damas, que, na

expectativa da falta do que fazer, ocupariam assim o seu tempo, dando vazão aos seus instintos de proteção à infância (RIZZO, 2003, p. 38).

Consequentemente, continuou a prevalecer a velha política de apoio governamental a

instituições filantrópicas, assistenciais e ou comunitárias a custos baixos, reforçando-se o

“ranço” assistencialista da Educação Infantil.

Com o golpe militar de 1964 (e os governos militares ditatoriais que se estenderam

até 1985) interrompe-se bruscamente o curso das mudanças na área educacional sob o

pretexto de serem propostas comunizantes e subversivas. Dessa forma, o regime militar impôs

à educação brasileira uma característica antidemocrática, com prisões de professores e alunos,

invasão de universidades e proibições de funcionamento de entidades estudantis entre outras

medidas (NASCIMENTO, 2012). A Educação Infantil, que já era negligenciada, passou a ser

ainda mais esquecida.

Mesmo assim, ainda que às escondidas, pessoas ligadas a diferentes segmentos da

sociedade civil organizada, preocupadas com o destino da educação no país, se reuniam e

orquestravam manifestações em favor de um melhor atendimento educacional às crianças em

todo o Brasil.

O bloqueio dos canais institucionais de representação popular – como

os partidos políticos, as câmaras legislativas, os sindicatos e

associações de massas – estimulou o uso dos laços primários de

solidariedade na sobrevivência diária da população. Relações de

vizinhança, parentesco, compadrio ou amizade permitiam a proteção

imediata dos indivíduos diante de um clima social de medo. Foi em

boa parte o desenvolvimento desses laços diretos entre as pessoas, que

confiavam umas nas outras, que deu origem a vários movimentos de

base (SINGER e BRANT apud ROSEMBERG, 1989, p. 96).

Page 71: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

69

No ano de 1967, quando o Departamento Nacional da Criança (DNCr) já estava

situado no Ministério da Saúde, é lançado o Plano de Assistência ao Pré-escolar direcionado

ao atendimento de crianças com no máximo 2 anos de idade. Com base nesse plano, houve a

inclusão e criação de novas escolas maternais e jardins de infância como instituições

auxiliares às famílias no que tange ao dever de promover a educação dos filhos pequenos.

Assim, atribuía-se a esse tipo de estabelecimento a obrigação de promover o desenvolvimento

integral e harmonioso da criança, através da utilização das suas experiências de vida que

favorecessem a formação de hábitos sadios e estimulassem a capacidade de adaptação

progressiva ao meio social, o que de certa forma escancarava a preocupação com o

atendimento integral que fosse capaz de articular educação e cuidado (NUNES; CORSINO;

DIDONET, 2011).

Ocorre que o Ministério da Educação não se ocupava da Educação Infantil, furtando-

se de promover sua ampla cobertura. Com isso, as ações públicas dedicadas à infância

continuavam a pairar na esfera do assistencialismo, e seguiam a esteira das iniciativas

privadas que buscavam apoio público voltando-se ao atendimento de crianças pobres.

Adotava-se assim, o modelo de uma educação de baixo custo, uma “educação pobre para

pessoas pobres” (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011; ROSEMBERG, 1992).

O ingresso do MEC na seara da Educação Infantil só aconteceu em 1974, quando foi

criado o Serviço de Educação Pré-escolar no âmbito da Secretaria de Ensino Fundamental,

que acabou sendo elevado à Coordenação de Educação Pré-escolar (COEPRE), que anos mais

tarde foi renomeada de Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI) (NUNES;

CORSINO; DIDONET, 2011).

Insta salientar que dentre tantos outros projetos educacionais criados no ano de 1967,

o Movimento Brasileiro pela Alfabetização (MOBRAL) foi o que mais teve atenção por parte

do governo. Esse projeto passou a existir com a publicação da Lei nº 5.379/67 tendo como

embasamento a alfabetização funcional de jovens e adultos, sobretudo nas regiões norte e

nordeste do país, visando única e exclusivamente ensinar o estritamente necessário para a

inserção dessas pessoas no mercado de trabalho como mão de obra barata. E, anos mais tarde,

passou a promover a celebração de convênios com instituições privadas como forma de

garantir o oferecimento da Educação Infantil em todo o território nacional (NASCIMENTO,

2012).

Na década de 1970, ainda sob regime militar, disseminou-se a proposta de educação

compensatória, a partir da ideia de que as pré-escolas poderiam influenciar a diminuição da

Page 72: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

70

evasão e da repetência escolar por proporcionar estimulação educacional que o ambiente

familiar das crianças pobres não proporcionava.

Sobre esse assunto, Kramer (2001, p. 34) faz o seguinte apontamento:

(...) a incapacidade da criança aprender no ambiente escolar é atribuída à

inadequação da família, principalmente da mãe, e à inadequação do meio, ou por não fornecer estimulação suficiente, ou por fornecê-la em excesso e de

forma desorganizada (KRAMER, 2001, p. 34).

E conclui seu pensamento dizendo:

(...) essa abordagem engendrou um fatalismo sociológico, culpando o meio, e serviu às pedagogias da compensação que pretendiam corrigir a

desigualdade social através da ação pedagógica, negando assim a própria

desigualdade social (KRAMER, 2001, p. 35).

Importante dizer que, algum tempo depois, esse modelo de educação adotado pelo

Estado evolui para um modelo de educação formal que necessitava apenas de salas de aula e

era considerado de baixo custo quando comparado aos parques infantis, que requisitavam

amplos espaços para variadas atividades. Não obstante, os parques infantis passaram a ser

vistos como entidades estritamente assistencialistas, e logo foram substituídos pelas escolas

de Educação Infantil, cujo cunho era preparatório para o então chamado primeiro grau.

Ainda, por volta de 1975 aumentou a pressão social para que o Estado passasse a

atender a demanda por creches, porém apenas ações populares embasadas em um atendimento

precário às crianças pequenas representaram uma alternativa real às mães trabalhadoras, e

foram capazes de minimizar o problema da falta de vagas. Com relação a esta situação, aponta

Tiriba (2002, p. 179):

[...] ao invés do poder público, foram as camadas mais pobres da população

que assumiram a educação das crianças pequenas, graças à garra de suas

educadoras, à solidariedade de pequenos comerciantes locais (quitandeiros, padeiros, açougueiros) e graças ao apoio dos moradores das comunidades,

que cederam a casa, o fogão, os temperos para comida ou mesmo seu

trabalho voluntário.

Contudo, mesmo com a predominância do aspecto assistencial e de saúde no

atendimento dado à criança, órgãos prestadores de serviços sociais como a Legião Brasileira

de Assistência - LBA (criada em 1942) passaram a implantar programas de creches parecidos

com o Projeto Casulo (criado em 1977) que incluíam o componente da educação pré-escolar

Page 73: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

71

como forma de se buscar o equilíbrio na qualidade do serviço prestado (NUNES; CORSINO;

DIDONET, 2011).

Ao fim da década de 70, em centros urbanos importantes do país, a exemplo de Belo

Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, as pressões das classes trabalhadoras aumentaram com

relação aos seus direitos trabalhistas, o que incentivou a organização de mães trabalhadoras

em torno da necessidade de creches para colocarem seus filhos pequenos, como forma de lhes

garantir o exercício do trabalho extradomiciliar necessário ao orçamento doméstico. Foi

embasado nessa demanda que nasceu o Movimento de Luta por Creche, um movimento que

buscava não apenas um lugar para se acomodar crianças durante o expediente de trabalho dos

pais, mas que reivindicava, sobretudo, atividades de cuidado conciliadas a um programa

educacional. Com a contribuição da mídia esse movimento alcançou visibilidade social e

acabou se alastrando por todos os Estados do país (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011).

Ao longo das décadas, as poucas conquistas não se fizeram sem conflitos.

Com o avanço da industrialização e o aumento das mulheres de classe média

no mercado de trabalho, aumentou a demanda pelo serviço das instituições de atendimento à infância (...) Os movimentos feministas que partiram dos

Estados Unidos tiveram papel especial na revisão do significado das

instituições de atendimento à criança porque as feministas mudaram seu enfoque, defendendo a idéia de que tanto as creches quanto as pré- escolas

deveriam atender a todas as mulheres, independentemente de sua

necessidade de trabalho ou condição econômica. O resultado desse

movimento culminou no aumento do número de instituições mantidas e geridas pelo poder público (HADDAD apud PASCHOAL; MACHADO,

2009, p. 84).

As famílias menos favorecidas buscavam atendimento integral nas instituições

públicas ao passo que, as entidades particulares, que funcionavam meio período, focavam no

conteúdo pedagógico e ofereciam às famílias com melhores condições financeiras uma

melhor preparação de seus filhos ao ensino regular. Havia, portanto, uma diferença muito

grande no tipo de educação oferecida a esses dois grupos, demonstrando graus de

desenvolvimento diversos: os serviços educacionais oferecidos às crianças pobres eram

pautados na idéia de carência e deficiência, enquanto que a educação oferecida às crianças de

famílias mais abastadas tinha por base o estimulo criativo e a sociabilidade infantil

(KRAMER, 2001).

Na década de 1980, o desenvolvimento desse modelo de “educação preparatória”

alcançou seu auge quando em São Paulo foi criada a Escola Municipal de Educação Infantil

(EMEI), que embora apoiada no pressuposto de educar, assistir e recriar crianças de 4 a 6

Page 74: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

72

anos tornou-se, na prática, uma escola preparatória à primeira série do Ensino Fundamental.

Esse modelo, que ficou popularmente conhecido como “prézinho”, visava a alfabetização das

crianças e a supressão das carências e deficiência dos menos favorecidos, com o objetivo de

diminuir os índices de repetência na primeira série. Paralelamente, apoiado por movimentos

sindicais e populares, instituições filantrópicas e comunitárias se espalharam por todo

território nacional, mas não foram suficientes em prover vagas para a demanda existente.

Surgem, então, as “creches caseiras”, cujo atendimento era feito na casa de uma das mães

vizinhas, sem nenhuma outra orientação senão o modelo familiar de cuidados com a criança.

Esse mesmo modelo era observado também nas creches públicas que tinham como cuidadoras

as “mães crecheiras”, sem nenhuma formação específica. A dificuldade em se obter subsídios

governamentais para a implementação de vagas foi, em parte, consequência das críticas feitas

pelos acadêmicos, que temiam a retirada de verba das escolas alfabetizadoras.

No Brasil, até o final do século XX, os formatos predominantes de

atendimento às crianças de zero a seis anos (creche e jardim de infância),

embora poucos, acabaram por desobrigar o Estado de sua responsabilidade para com a educação das crianças na primeira infância, o que aos poucos foi

construindo a ideia de que a creche é destinada aos pobres e a pré-escola

(jardim de infância), aos mais abastados. Apesar de haver controvérsias sobre essa dicotomia creche/jardim de infância, registros evidenciam que,

desde seu surgimento, os jardins - de- infância, mantidos, sobretudo, por

iniciativas privadas, foram oferecidos às crianças maiores (quatro a sete

anos) e tinha como público-alvo crianças filhas de classe média – mães que podiam cuidar de seus filhos até essa idade. As creches, por sua vez, iniciam

atendendo a filhos de operárias e domésticas, crianças a partir dos primeiros

meses de vida, e predominantemente eram mantidas pela iniciativa filantrópica, com algumas poucas exceções. O fato é que para o Estado

restou apenas supervisionar e subsidiar as entidades que atendiam as

crianças desfavorecidas socialmente. O atendimento à criança de zero a seis anos ficou historicamente vinculado às ações dos ministérios: da Saúde, da

Previdência e da Assistência Social e da Justiça, mas não foi assumido

integralmente por nenhum deles, pois não constituiu dever do Estado até

1988, o que fez com que a responsabilidade ficasse por conta das empresas empregadoras de mães e entidades sociais, mediante convênios (MOTTA,

apud LEITE FILHO, 2008, p. 21-22)

Foi somente com a CF/88 que as crianças de 0 a 6 anos passaram a ser vistas como

sujeitos de direito. Graças a isso, o atendimento educacional passa a ser dever do Estado,

garantindo a todas as crianças – e não somente àquelas provindas de famílias carentes – o

direito, por opção da família, de frequentar as instituições educacionais. Esse dever foi

reiterado em 1990 com a promulgação do ECA e reforçado pela LDBEN de 1996, iniciando-

se um processo de transferência de responsabilidade quanto ao atendimento de educar e cuidar

Page 75: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

73

à pasta da Educação. A pressão dos movimentos sociais junto à Assembleia Constituinte

possibilitou a inserção das creches e das pré-escolas no sistema de ensino. Por consequência,

as creches públicas que antes estavam vinculadas à área da assistência social, passaram à

responsabilidade do setor educacional, como bem ressaltam Nunes; Corsino e Didonet (2011,

p-16-17).

Com a Constituição Federal de 1988, o Brasil começou um processo de

transferência de responsabilidade quanto ao atendimento de educar e cuidar

da primeira infância para o setor educacional. Esta Constituição traz como

característica a ênfase no estabelecimento de políticas públicas universais, a concepção de educação como um direito de todas as crianças desde o

nascimento e a concepção de criança cidadã, sujeito de direitos, cujo

desenvolvimento é indivisível. Estabelece como dever do Estado garantir a educação de 0 a 6 anos de idade, no sistema formal institucional, e afirma a

educação infantil como a primeira etapa da educação básica.

Com a CF/88, a educação passa a ser reconhecida explicitamente como política

pública, surgem discussões acerca da qualidade do ensino e o tema da inclusão social ganha

destaque, reforçam-se as lutas por melhorias nos espaços físicos dedicados ao ensino e na

qualificação dos profissionais da educação. Quase que ao mesmo tempo, surge uma nova base

jurídica para sedimentar o instável terreno legal por onde caminhava a Educação Infantil,

levando ao reconhecimento da criança enquanto ser social e cidadãos de pouca idade.

Ademais, dentre todas as constituições que o Brasil já teve, a de 1988 é considerada a

que mais detalhes apresenta com relação ao direito à educação, não restringido suas

finalidades com relação a ele na simples premissa “direito de todos”. Na verdade, ela projeta

as possibilidades de efetivação plena deste direito ainda que vinculadas a certas limitações

(ASSIS, 2012); limitações estas, como se verá adiante, permitem a universalização

progressiva da educação básica respeitando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Assim, o texto constitucional, ao colocar a Educação Infantil como uma prerrogativa

constitucional indisponível, no sentido de que toda e qualquer criança tem direito a frequentar

creche e pré-escola, qualificou o direito à educação neste patamar como direito fundamental,

por consequência um direito que não pode ser afetado por avaliação meramente discricionária

da Administração Pública, muito menos sujeito a razões de cunho pragmático-governamental.

Page 76: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

74

1.4 A nova visão político social acerca da criança e da educação infantil

Foi devido a uma cultura de negligência para com a infância, reforçada durante o

período ditatorial, que o Brasil demorou a enxergar as creches e as pré-escolas como sendo

espaços educacionais onde o cuidado e o processo educativo são trabalhados intimamente. E

foi por conta da assimilação de uma ideologia liberal ligada a uma cultura norte-americana de

se educar para o mercado de trabalho que os investimentos em educação se centraram, por

décadas, quase que exclusivamente no ensino médio e profissionalizante.

Por longos anos, as creches e pré-escolas foram consideradas entidades meramente

assistenciais voltadas única e exclusivamente ao cuidado, idealizadas em caráter supletivo em

relação à família, não raras vezes na forma de verdadeiros asilos, depósitos de crianças pobres

e ou órfãs onde se aplicava métodos de uma educação compensatória.

Como bem explicita Abreu (2004, p. 4) em síntese, era essa a situação da Educação

Infantil até 1988:

Na Constituição e legislação educacional vigentes até 1988, o atendimento

às crianças até 6 anos não era concebido como uma atividade de natureza

educacional. Predominava a concepção segundo a qual tratava-se de um

atendimento de caráter predominantemente ou exclusivamente assistencial. Até a publicação da nova LDB em 1996, não existiam diretrizes nacionais

para a educação pré-escolar, referida apenas em dispositivo da Lei nº

5.692/71 – Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, integrado ao capítulo do ensino de 1º grau (art. 19, § 2º), estabelecendo que os sistemas de ensino

velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam

conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes.

Assim, transferiu-se aos sistemas a incumbência de regulamentar a educação

nessa faixa etária, o que resultou em significativa diversidade de normas

educacionais. Em conseqüência, até 1996, a maioria dos sistemas estaduais de ensino

normatizou a oferta educacional nas faixas etárias de dois a quatro anos, em

maternais, e de quatro a seis anos, em jardins de infância, não regulamentando o atendimento de zero a dois anos, oferecido nas creches.

As pré-escolas, que funcionavam em escolas públicas e privadas de 1º e / ou

2º grau, integravam os sistemas de ensino. Ao contrário, a pré-escola oferecida em instituições específicas e as creches públicas e privadas

integravam os sistemas de saúde e/ou assistência social9.

Passados os vinte anos de ditadura, o país começou a vivenciar uma forte

mobilização social em busca da construção de um novo modelo de Estado onde a democracia

9 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/arquivos-

pdf/pdf/2004_10128.pdf

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75

fosse levada a sério e as crianças fossem valorizadas enquanto cidadãs. Entre os anos 1986 e

1988 diferentes propostas foram apresentadas por inúmeras organizações sociais à

Assembleia Nacional Constituinte, muitas das quais relacionadas à área da criança. Nesse

sentido ressaltam Nunes, Corsino e Didonet (2011, p. 28):

É o grande acontecimento nacional que traz à tona sonhos e aspirações

abafadas, mobilização e pressão para conquistar direitos negados, que cria

espaço político para a emergência de grupos excluídos e ignorados pelas elites sociais e econômicas durante séculos. Um destes grupos são as

crianças. No dia da promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro

de 1988, o presidente da Assembléia chama-a de “Constituição cidadã”, o que se aplica muito bem para o modo como as crianças entram nessa Carta:

não mais subalternas, mas cidadãs, guindadas do último lugar na lista das

iniciativas políticas e administrativas do governo para o topo da prioridade

absoluta, sujeitos de direito, pessoas com dignidade intrínseca, independentemente de quaisquer circunstâncias (NUNES; CORSINO;

DIDONET, 2011, p. 28).

A fim de se organizar os debates e selecionar as propostas apresentadas à Assembleia

Nacional Constituinte foi criada uma comissão interministerial com representantes das

organizações sociais interessadas na defesa dos direitos das crianças. Essa comissão recebeu o

nome de Comissão Nacional Criança e Constituinte (CNCC) e buscava uma articulação

intersetorial e interinstitucional com todas as pastas governamentais e com todas as

organizações da sociedade civil envolvidas com os interesses da criança. Tinha como

propósito, portanto, relacionar as competências das pastas da Educação, não somente com as

da Assistência e da Saúde, mas com os demais órgãos governamentais que tinham

competências relativas às crianças juntamente com as organizações da sociedade civil que

tinham a infância como foco de seus trabalhos (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011).

A CNCC deu origem ao Movimento Nacional Criança e Constituinte que logo se

espalhou por todo o território nacional com a criação de outras comissões em todos os estados

da federação no claro intuito de incentivar a participação popular (NUNES; CORSINO;

DIDONET, 2011). Estimulados pela ideia amplamente difundida de que o poder constituinte

configurava “um movimento ininterrupto de construção do novo” (BERCOVICI, 2013),

mobilizaram-se os mais diferentes segmentos da sociedade, na forma de manifestações

públicas, reuniões, seminários, congressos, debates, abaixo-assinados e assembleias para

sugestão e discussão de pontos considerados importantes à dignidade da criança brasileira,

num esforço coletivo para assegurar constitucionalmente “[...] os princípios e as obrigações

do Estado com as crianças” (BITTAR; SILVA; MOTTA, 2003, p. 30) abalando-se, assim, as

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76

antigas estruturas, conforme inclusive, é o entendimento de Nunes; Corsino e Didonet (2011,

p. 28):

Foram realizadas manifestações públicas, reuniões, seminários, congressos, assembleias e debates nos mais diversos ambientes, para recolher sugestões.

As crianças foram atores muito presentes nesse processo. Os meios de

comunicação deram espaço jamais visto para a causa. A extensão e a

profundidade do movimento geraram um clima de intensa participação, interesse e pressão política em favor da criança.

Pressionada por esses movimentos sociais a Assembleia Nacional Constituinte

acabou incluindo as creches e as pré-escolas no sistema educativo através do artigo 208, da

CF/88 nos seguintes termos:

O dever do Estado para com a educação10

será efetivado mediante a garantia

de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos11

de

idade; V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;

VI – oferta de ensino noturno regular, adequada às condições do educando;

VII – atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte,

alimentação e assistência à saúde (BRASIL, 1988). Grifo nosso.

E, de igual maneira, através do artigo 7º, inciso XXV assegurou a todos os

trabalhadores, independente se urbanos ou rurais, homens ou mulheres, o direito à assistência

gratuita dos seus filhos nas creches e pré-escolas12

. Assim ressalta Ferreira (2008, p. 35):

A Constituição deixa claro que o objetivo dos direitos sociais, ou seja, da

educação, é o bem-estar e a justiça social, a fim de assegurar a todos

10

Na opinião de Luiz Antônio Cunha (1991), o constituinte deveria ter se utilizado do termo “ensino” ao invés

de “educação”, porque o conteúdo do artigo procura explicitar justamente o que é específico da instituição

escolar 11 Importante salientar que posteriormente por força da Lei nº 11.274/2006 as crianças com seis anos de idade

passaram a ser matriculadas no ensino fundamental (cuja duração normal é de nove anos) e as pré-escolas

passaram a oferecer educação infantil às crianças com idade de quatro a cinco anos (LIBEANEO, OLIVEIRA e

TOSCHI, 2013). 12 No texto original aprovado pela Constituinte foi garantido às crianças o acesso à creche e à pré-escola desde o

nascimento até os seis anos de idade. Com a EC nº 53/2006 a idade limite caiu de seis para cinco.

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77

existência digna, com a diminuição das desigualdades, possibilitando o

desenvolvimento pessoal e social; para tanto, busca erradicar o analfabetismo, universalizar o atendimento escolar, melhorar a qualidade do

ensino [...]

Foi a partir deste momento que a Educação Infantil deixou a linha de ação da política

assistencialista do Estado, de alcance limitado às pessoas necessitadas, para integrar de vez a

linha de ação das políticas sociais básicas do Estado, tornando-se “direito de todas as

crianças”. Essa mudança, por sua vez, representou um avanço extraordinário, posto que o

legislador, além de conferir posição privilegiada à Educação Infantil, normatizou-a a um só

tempo como direito fundamental13

e como direito público subjetivo, conferindo ao cidadão a

faculdade de exigir a prestação prometida pelo Estado (FERREIRA, 2008).

Sobre o inciso IV do artigo 208 da CF/88, dedicado inicial e especificamente à

educação das crianças com idade entre 0 e 6 anos (lembrando que essa faixa etária

posteriormente foi alterada por força da Lei 11.274/2006), Oliveira e Adrião (2007, p. 26)

fazem a seguinte observação:

[...] além da extensão do direito à educação a essa faixa etária, abre-se a

possibilidade de considerá-la parte do conceito de educação “básica”. Com isso, incorpora-se esta etapa da educação básica ao sistema regular, o que

exige regulamentação e normatização no âmbito da legislação educacional

complementar. Isso não ocorria na vigência da Constituição anterior, pois

esta etapa era “livre”, não sujeita à normatização educacional. Outra consequência é a mudança na concepção de creches e pré-escolas, passando-

se a entendê-las cada vez mais como instituições educativas e menos de

assistência social.

Com relação à ênfase dada pela CF/88 à educação enquanto direito fundamental,

Kozen (1999, p. 9) promove o seguinte comentário:

Até à vigência da atual Constituição, a educação no Brasil era vista

genericamente como uma necessidade e um importante fator de mudança

social, subordinada, entretanto, e em muito, às injunções e aos acontecimentos políticos, econômicos, históricos e culturais.

A educação, ainda que afirmada como direito de todos, não possuía, sob o

enfoque jurídico e em qualquer de seus aspectos, excetuada a

obrigatoriedade da matrícula, qualquer instrumento da exigibilidade,

13 Para Fernando de Brito Alves os direitos fundamentais, dentre eles o direito à educação, são uma espécie de

“espaço vedado” de núcleo duro da democracia, estando, portanto, imunes aos acordos, compromissos e

negociação políticas que devem apenas, portanto, alcançar aspectos secundários da vida das pessoas. Para o

autor, eles são reconhecidos na medida em que os seus destinatários principais se organizam e reivindicam o

reconhecimento desses direitos, que podem ser novos, em sentido estrito, ou decorrer da ampliação de

concepções restritivas de direitos antigos (ALVES, 2010).

Page 80: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

78

fenômeno de afirmação de determinado valor como direito suscetível de

gerar efeitos práticos e concretos no contexto pessoal dos destinatários da norma. A oferta de ensino e a qualidade dessa oferta situava-se, em síntese,

no campo da discricionariedade do administrador público, ladeada por

critérios de conveniência e oportunidade.

Tem-se, portanto, que a evolução constitucional do direito à educação, em especial,

da Educação Infantil, não significa como muitos afirmam, a sua “legalização”, mas

simplesmente, que se passou a reconhecê-la como um direito social e fundamental,

possibilitando o desenvolvimento de ações em favor de todos os considerados responsáveis

pela sua concretização, isto é, o Estado, a família, a sociedade e a comunidade escolar

(FERREIRA, 2008).

Ao incluir as creches e as pré-escolas no capítulo dedicado à educação, como parte

integrante da esfera “Educação Infantil”, a Constituição “Cidadã” conferiu a todas as crianças

o direito a ter acesso a esses espaços desde o nascimento, reforçando o caráter universalista

dessa política pública. De igual maneira, as creches e as pré-escolas, deixaram de ser

consideradas meras instituições dedicadas aos cuidados de crianças necessitadas para

assumirem definitivamente a posição de espaços educacionais onde o atendimento à criança

mescla educação e cuidado de forma intimamente relacionada e onde os serviços são

prestados a toda e qualquer criança, independentemente de sua classe ou condição financeira.

Vale dizer que em toda sua história o Brasil nunca havia promulgado uma

Constituição que tratasse dos direitos educacionais e dos direitos da criança de uma forma tão

clara e específica, sem vinculá-los à família. E esse foi um dos grandes passos do país rumo

ao reconhecimento das crianças enquanto sujeitos sociais e cidadãs.

Ao conferir às crianças o direito a um desenvolvimento integral e ao afirmar ser

dever do Estado de garantir esse direito, a CF/88 demonstra seu diferencial em comparação às

suas antecessoras que, diga-se de passagem, limitavam-se ao uso de termos e expressões que

remetiam, ainda que indiretamente, à ideia de caridade e ou cuidado, como por exemplo:

“assistir”, “velar” ou “amparar” a maternidade e a criança (CAMPOS; ROSENBERG;

FERREIRA, 1993).

Importante lembrar ainda que, após a CF/88, foram aprovados o ECA em 1990 e a

LDBEN em 1996, instrumentos legais que refletiam essa nova concepção de criança e

Educação Infantil consagrada pela Constituição e que promoveram uma mudança radical na

“forma diminutiva” como a criança era encarada pela sociedade da época.

Através desses instrumentos legais, a ideia que se tinha acerca da “infância” e da

“criança” foi sendo remodelada para algo muito mais amplo que o termo “menor”, a ponto de

Page 81: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

79

influenciar não apenas os discursos políticos, mas também às medidas sociopolíticas adotadas

pelo Estado.

Justamente nessa fase do processo de redemocratização do país a criança deixa de ser

vista como um simples corpo que precisa de cuidado, ou como mera estatística de problema

social, para ser reconhecida enquanto cidadã, enquanto pessoa produtora de cultura e sujeito

de direitos, cujas garantias à sua dignidade não poderiam mais ser fracionadas em áreas

independentes de acordo com seu aspecto físico, social, afetivo, cognitivo, devendo ser

garantida de forma integral e indivisível em nome do seu total desenvolvimento (NUNES;

CORSINO; DIDONET, 2011).

Sobre essa questão, reforçam Nunes e Kramer (2014, p.35):

É consenso no Brasil, e matéria de lei, que as crianças de todas as raças/etnias, religiões, classes sociais, origens e locais de moradia, gêneros,

independentemente da condição socioeconômica dos pais, têm direito à

educação de qualidade que amplie seu desenvolvimento, seu universo

cultural, o conhecimento do mundo físico e social, a constituição de sua subjetividade e a autoestima.

As práticas educativas, em todos os tipos de instituições, devem respeitar e

acolher as crianças em suas diferenças e deficiências, entendendo que são cidadãs de direitos à proteção e à participação social, a experiências culturais

nas quais se combinam saberes de experiência, fruto de vivências das

crianças, e conhecimentos que integram a natureza, a produção e o patrimônio cultural, na perspectiva da formação humana.

Na efervescência do novo processo democrático14

ocorreram, portanto, significativas

mudanças legais e institucionais por parte do Governo Federal que promoveram grandes

avanços no campo da educação: aumentaram-se os números das matrículas, e por força dos

movimentos sociais houve também melhora na qualidade dos sistemas municipais e estaduais

de ensino (NUNES; KRAMER, 2014).

Mesmo assim, os gestores públicos continuaram a conceber o direito à Educação

Infantil como sendo simplesmente o direito a ter uma vaga na sala de aula. Uma mentalidade

política absurdamente equivocada, porque esse direito, como anteriormente demonstrado,

pressupõe muito mais que isso, ele reivindica um lugar na sociedade, que não pode ser

simbolizado pelo número de cadeiras e carteiras existentes nas creches ou escolas públicas,

municipais ou estaduais, “é um direito que deve ser, sobretudo, vivenciado, percebido,

sentido” (ASSIS, 2012).

14 Segundo a concepção liberal, o processo democrático cumpre a tarefa de programar o Estado no interesse da

sociedade. Já para a concepção republicana [...] a política não se esgota nessa função de mediação. (ALVES,

2013, p. 109)

Page 82: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

80

É inegável, do ponto de vista jurídico, que a Lei confere status de direito

fundamental à Educação Infantil, impondo ao Estado por efeito de alta significação social o

dever de dar condições de acesso a creches e pré-escolas a todas as crianças. Todavia, na

prática, a falta de planejamento e de critérios bem definidos e transparentes por parte da

Administração Pública, de um modo geral, continua a contribuir muito para o

comprometimento de direitos sociais e culturais ligados ao desenvolvimento e bem-estar na

infância.

Page 83: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

81

2 A NOVA BASE LEGAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA AFIRMAÇÃO

ENQUANTO PRIMEIRA ETAPA DA EDUCAÇÃO BÁSICA, DIREITO DA

CRIANÇA, OPÇÃO DA FAMÍLIA, DEVER DO ESTADO E ATRIBUIÇÃO DO

MUNICÍPIO

Neste capítulo abordaremos como a Educação Infantil depois de muitos anos

negligenciada no Brasil, ingressou em um processo sociopolítico que mesmo lento, permitiu-

lhe a adequação à finalidade constitucional de promover a formação cidadã. Para isso, será

demonstrado como a política pública voltada à garantia desse direito vem sendo

regulamentada, planejada, financiada e ofertada pelo Poder Público em suas esferas locais.

2.1 A construção de um novo conceito de educação infantil no período pós-1988: marcos

legais

Como demonstrado nas páginas anteriores, o processo educativo no Brasil deu-se

primeiramente como instrumento de colonização e percorreu um longo caminho até alcançar

nos anos 90 status de “alternativa de ascensão social” e de “democratização das

oportunidades”.

Muito embora a educação tenha sido elevada à condição de direito constitucional por

força da CF/34, e desde então tenha se incorporado progressivamente na legislação pátria, ela

só conseguiu ser efetivamente detalhada, precisada e explicitada com o advento da CF/88, que

a reconheceu como um componente básico dos direitos do homem e um direito social

proeminente, um pressuposto necessário ao exercício adequado de outros direitos sociais,

políticos e civis (MACHADO; OLIVEIRA, 2001).

Entretanto, essas mudanças só foram possíveis em 1988, porque com o fim da

ditadura, movimentos sociais diversos inflamaram-se ainda mais na reivindicação de direitos

sociais antes negados pelo Estado, que por sua vez definia a educação praticamente como

peça-chave no processo de dominação de classes no cenário político-econômico mundial da

época, onde a estratégia liberal era, e ainda continua sendo, fazer da educação prioridade do

Governo para criar escolas de acordo com o tipo social tornando-as aparelho ideológico da

sociedade voltada ao capital, à propriedade privada e ao consumo.

Page 84: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

82

Os movimentos sociais surgem como um novo canal de representação, um

novo instrumento de participação política das classes populares, opondo-se, num primeiro momento, ao regime autoritário imposto pela ditadura. O novo

é destacado em tudo, e o que justifica chamá-los de “novos movimentos

sociais” é, sobretudo, sua capacidade inovadora, “vista em seu potencial para

criar e experimentar formas diferentes de relações sociais cotidianas e novas formas de fazer política” (VEIGA, 2005, p. 32).

Não se pode negar que, com a onda de movimentos sociais no início dos anos 80 e

com a promulgação da CF/88, renovou-se a esperança do povo brasileiro num país governado

democraticamente, onde os ideais de justiça e justiça social estivessem intimamente ligados.

Foi com esse intuito, inclusive, que o Deputado Ulysses Guimarães, ao entregar o resultado

final da Assembleia Nacional Constituinte, da qual era presidente, proferiu discurso em data

do dia 05 de outubro de 1988, tratando carinhosamente a Carta Política pelo apelido de

“Constituição Cidadã” ou a “Constituição Coragem”:

A CONSTITUIÇÃO CORAGEM.

O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem

saúde, sem casa, portanto sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o país.

Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem.

Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã.

Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar.

A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade.

Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a

administração dos impasses. O Governo será praticado pelo Executivo e o

Legislativo. Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer

dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a

governabilidade de muitos. É a Constituição da coragem. Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu,

destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela Lei.

A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem

para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.15

Logo, a partir do momento que a Constituição Federal de 1988, assim expressou:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

15 Disponível na íntegra em: http://www.fesppr.br/~francisco/Constit.htm. Acesso: 02/09/15

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83

A Educação, mais do que um direito, passou a ser concebida como um dever do

Estado – em um amplo sentido. Por consequência, esta ganhou contornos bastante complexos,

de maneira que as muitas contingências que a cercam e os fatores que a determinam passaram

a ser objetos de leis, políticas e programas nacionais diversos, deflagrados pela nova ordem

constitucional (CURY, 2002).

Contudo, poucos percebem que essa definição do dever estatal para com a Educação

pressupõe, na verdade, a existência de questões que concitam atenção, interesse e mobilização

de fatores sociais (OZLAK e O’DONNEL, 1976 apud CAMPOS, 1990), ou seja, pressupõe

“demanda”, que por sua vez dá vazão à formulação, ao planejamento e à qualificação do que

se define por política pública.

Nesta perspectiva, a política pública:

diz respeito a um conjunto de mecanismos e procedimentos mediante os

quais se elabora a agenda do que virá ser a pauta de prioridades políticas a

ser posta em prática de forma planejada e escalonada no tempo. Isso requer:

formulação da política; tomada de decisão; determinação de objetivos e critérios; identificação e comparação de alternativas que, por sua vez, vão

exigir pesquisas e diagnósticos para subsidiar escolhas e decisões; avaliação,

para aferir impactos associados às decisões; e definição precisa de recursos (PEREIRA, 1996, p. 71).

Sugere-se, com isso, que a política pública (seja ela qual for) surge de uma questão

social que passa a ser problematizada, e que consequentemente, mobiliza recursos por parte

do demandatário (alguma instância da sociedade civil) e do demandado (o Estado, nesse caso

representado pelo poder público) (VEIGA, 2005). Por conta disso, o mesmo raciocínio pode

ser aproveitado com relação ao direito à Educação Infantil, dada a íntima, dinâmica e notória

ligação entre as necessidades das crianças, a demanda que essas necessidades geram, e a

reivindicação por vagas. Seguindo esta mesma linha de raciocínio, ressalta Veiga (2005, p.

147-148):

O ato de demandar exige uma ação, um movimento em direção ao alvo ou

objetivo que se pretende. Quem demanda, demanda de alguma coisa a

alguém, o que pressupõe a existência do sujeito demandado.

A demanda pode surgir espontaneamente, a partir de uma necessidade experimentada por um indivíduo ou compartilhada com outros, como

também pode ser constatada por quem não vive diretamente a situação, e que

de certa forma induz pessoas ou grupos que a vivenciam a tomarem consciência dela. Às vezes, uma simples informação ou esclarecimento pode

gerar uma demanda.

Surgindo espontaneamente ou não, no momento em que uma demanda social

se revela para as pessoas, desperta-lhes o interesse por se agruparem,

Page 86: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

84

motivados que estão por encontrarem uma forma de superar as dificuldades

ou suprir as necessidades emergentes.

É importante esclarecer que, muito embora a demanda pela Educação Infantil sempre

tenha existido, foi somente com o advento da CF/88 que mecanismos voltados à garantia

desse “direito novo”, dentre eles o ECA e a LDBEN, puderam projetar a obrigação legal do

Estado no desenvolvimento intelectual dos cidadãos desde a tenra idade (MACHADO;

OLIVEIRA, 2001). Ainda que dados estatísticos apontem a expansão do atendimento em

creches e pré-escolas entre os anos 1970 e 1990, tal fato se deu não por uma iniciativa do

Governo, mas por conta de ações sociais de combate à pobreza e ou propostas voltadas à

melhoria do desenvolvimento do Ensino Fundamental, sustentadas por modelos de baixo

investimento em espaços, materiais, equipamentos e recursos humanos, apoiadas por

organizações internacionais, dentre elas a Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura – UNESCO (NASCIMENTO, 2010).

Depois da promulgação da CF/88 levaram-se alguns anos para o aparecimento da

Educação Básica na legislação como conceito novo (dentro do artigo 4º da LDBEN/96),

capaz de definir a um só tempo um direito do cidadão e um dever do Estado atrelado à oferta

qualificada (CURY, 2008). Por conta disso, Cury (2008, p. 294) faz questão de destacar:

A expressão “educação básica” no texto de uma Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDBEN – é um conceito, um conceito novo, é um

direito e também uma forma de organização da educação nacional. Como conceito a educação básica veio esclarecer e administrar um conjunto

de realidades novas trazidas pela busca de um espaço público novo. Como

um princípio conceitual, genérico e abstrato, a educação básica ajuda a

organizar o real existente em novas bases e administrá-lo por meio de uma ação política consequente.

Daí falar-se também que foi através da CF/88 que o olhar sobre a Educação ganhou

uma nova significação, embora dicotomizada16

entre “Educação Superior” e “Educação

Básica”, atribuindo-se especialmente a esta última um conceito avançado – mais que inovador

para um país que, por séculos, renegou a seus cidadãos, de modo elitista e seletivo, o direito

ao conhecimento – e que veio esclarecer e administrar um conjunto de realidades novas

16 Como se verá adiante, a LDBEN de 1996 regulamenta pontos do capítulo sobre educação da CF/88, e em seu

título V (o maior deles), declara que a educação escolar brasileira se compõe de dois níveis: educação superior e

educação básica, sendo apenas esta última formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2013)

Page 87: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

85

trazidas pela busca de um espaço público novo (CURY, 2008). Ressalta ainda Cury (2008, p.

294):

Como conceito novo, ela traduz uma nova realidade nascida de um possível histórico que se realizou e de uma postura transgressora de situações

preexistentes, carregadas de caráter não democrático.

Como direito, ela significa um recorte universalista próprio de uma

cidadania ampliada e ansiosa por encontros e reencontros com uma democracia civil, social, política e cultural.

E é aí que se situa o papel crucial do novo conceito inclusive como nova

forma de organização da educação escolar nacional. Essa nova forma atingiu tanto o pacto federativo quanto a organização pedagógica das instituições

escolares. Esse papel o é como tal porque à educação lhe é imanente o de ser

em si um pilar da cidadania e o é ainda mais por ter sido destinado à educação básica o condão de reunir as três etapas que a constituem: a

educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

A Educação Básica surgiu, então, com o escopo ideológico de promover o

desenvolvimento do educando, garantindo-lhe uma formação comum indispensável ao

exercício da cidadania, fornecendo-lhe meios para progredir, tanto no trabalho quanto nos

estudos complementares posteriores, sendo a Educação Infantil e os Ensinos Fundamental e

Médio suas etapas (LIBÂNEO, OLIVEIRA E TOSCHI, 2013).

Como resultado, a Educação Infantil passou a ser aceita e compreendida como a raiz

da Educação Básica, o Ensino Fundamental seu tronco, e o Ensino Médio seu acabamento

(CURY, 2008).

A CF/88, além de ter sido a única a tratar de forma suficientemente clara e precisa

acerca do direito à Educação Infantil sem desmerecer outras modalidades e níveis do processo

educativo, direcionados igualmente ao desenvolvimento integral do ser humano, foi

responsável pela consagração de outra importante vitória dos movimentos sociais envolvidos

nas discussões que permearam o processo constituinte: posicionou estrategicamente a

Educação Infantil como sendo a primeira etapa da Educação Básica, reforçando a necessidade

de se investir na formação cidadã desde o berço (MOREIRA; LARA, 2012).

Nesse sentido já disse certa vez, Marshall (1967, p. 73):

A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e,

quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em

mente sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à

educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da

educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança frequentar a escola,

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86

mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado. (...) A educação é

um pré-requisito necessário da liberdade civil.

Tem-se como certo, portanto, que a “Constituição Cidadã”, além de redefinir os

princípios da República e restabelecer o Estado de Direito, inseriu a criança num contexto de

cidadania e definiu novas relações entre ela e o Estado, resgatando o ideal iniciado em 20 de

Novembro de 1959 com a DUDCA decorrente da DUDH de 1948, renovando o tratamento

governamental dispensado à Educação Infantil e inserindo-a num “campo de afirmação de

direitos” – direito da mulher ao trabalho remunerado, direito da família à guarda e cuidados

dos filhos pequenos e direito das crianças pequenas à educação (VEIGA, 2005).

Já a DUDCA (1959) diz o seguinte:

A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e

obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-ser-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita – em condições de

igualdade de oportunidade – desenvolver suas aptidões e sua

individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral, chegando a ser um membro útil à sociedade.

O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que

têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais.

A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras, os quais

deverão estar dirigidos para a educação; a sociedade e as autoridades

públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.17

Com base nisso, faz-se necessário definir o que é “infância” e quem pode ser

denominado “criança” para se compreender a real vontade do legislador e a lógica que se faz

presente tanto no ECA quanto na nova LDBEN. Na língua portuguesa, o termo “infância” é

entendido como o período de vida de um ser humano compreendido entre seu nascimento e a

puberdade. Em termos etimológicos, a palavra “infância” advém do termo em latim infari,

que significa “o que é incapaz de falar”, sendo, portanto, o infante (a criança) “aquele que não

fala” ou “aquele que não tem voz” (KHULMANN JR., 2015). Contudo, para o ECA, criança

é a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescente a pessoa com idade entre 12 e 18

anos (art. 2º). Nesse contexto, o ECA assume a responsabilidade de redefinir o antigo

conceito de criança, ao demonstrar que, embora não tendo ela voz, possui direitos como

qualquer pessoa, merecendo ser devidamente representada nas suas reivindicações, sobretudo

com relação ao direito à educação.

17 Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex41.htm. Acesso em 01/11/2015

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87

Foi esse caminho que tornou possível, ainda que de forma lenta e gradual, a

passagem da Educação Infantil tutelada pelo assistencialismo, dependente de migalhas

orçamentárias distribuídas a todo setor social, a outro plano decisório (VEIGA, 2005) que

rompeu com o velho paradigma de que creches e pré-escolas representavam espaços “de favor

estatal aos mais pobres”.

Os avanços no aparato jurídico brasileiro, ocorridos nos anos de resgate

democráticos pós-1988, alavancados pelo ECA e pela LDBEN, asseguraram o acesso à

Educação Infantil como direito de toda criança com idade entre 0 e 5 anos. Por consequência,

essa primeira etapa da Educação foi subdivida, em duas fases: a creche, para crianças entre 0

e 3 anos, e a pré-escola, para crianças de 4 e 5 anos.

Ocorre que, como se verá adiante, a oferta de creches por parte do Estado não se

constituiu como obrigação, e vem sendo ofertada pelo Poder Público de acordo com a

demanda específica. O mesmo não se podendo falar da segunda fase da Educação Infantil

(pré-escola), cuja oferta pública tornou-se recentemente legalmente obrigatória ao Estado

dada a imposição da matrícula aos pais.

2.1.1 O ECA e a Educação Infantil

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) com vigência internacional em

outubro de 1990, foi ratificada pelo Brasil também em 1990, mesmo ano de promulgação do

ECA.

O referido Estatuto, sendo um instrumento legal resultante da luta de organismos

progressistas da sociedade civil, consagrou a Educação Infantil enquanto política pública e

dever do Estado, explicitando a nova e acertada concepção de criança tanto como ator social,

quanto pessoa em desenvolvimento e sujeito de direitos. Com isso, o Brasil se tornou o

primeiro país a adequar sua legislação aos princípios da Convenção (ASSIS, 2012).

Sobre a originalidade do ECA, Bazílio e Kramer (2011, p.25) formulam dois

consideráveis apontamentos, que merecem transcrição:

Em primeiro lugar, temos que considerar a ampla participação de setores da

sociedade civil na mobilização e redação da nova lei. Trata-se de anos

gloriosos. Ao contrário dos códigos de menores elaborados por experts, o novo texto legal incorpora a ação de um movimento social. Na segunda

metade dos anos 1980, impulsionados pela necessidade de mudanças, fim da

censura e consequentes denúncias da ineficácia da ação de órgãos como

Page 90: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

88

Funabem ou Febem, redemocratização do pais e do processo constituinte de

1988, a sociedade brasileira vislumbrou um sonho. Era uma utopia ou um desejo que colocava a infância como portadora de direitos, quando se

criticava o descaso, a omissão. Condenava-se a violência, os internatos, e

colocava-nos em marcha na construção da cidadania.

Em segundo lugar, porque do ponto de vista conceitual o Estatuto abandona o paradigma da “infância em situação irregular” e adota o princípio da

“proteção integral à infância”. Nesta perspectiva, o texto legal deixa a

simples prescrição sobre os deveres e responsabilidades do Estado quando o “menor” por ação (autor de infração penal) ou omissão (ausência de família

ou meios de subsistência) precisa de amparo ou tutela e avança no sentido de

compor um texto que coloca sob seu arco todos aqueles brasileiros menores de dezoito anos. Não estamos mais diante de uma lei da exceção, mas

incluindo e explicitando direito de todos.

O reconhecimento desses “direitos de todos” por parte do ECA se deu no art. 4º, na

forma de garantias aos direitos da criança e do adolescente (à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar, bem como o

direito de estar à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão), direitos que passaram à “absoluta prioridade” não apenas das

instituições educativas organizadas para este fim, mas também à família, à sociedade e ao

Estado (artigo 227, caput, da CF).

O artigo 4º do ECA praticamente transcreve o art. 227 ao mesmo tempo em que

reafirma o caput do art. 20518

, ambos da CF, quando determina que, primeiro a família e,

supletivamente, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar, por todos os meios, de todas

as formas e com “absoluta prioridade” todos os direitos necessários a um ser humano

civilizado (LIBERATTI, 2008). Com essa estratégia, o Estatuto parte das relações locais para

as relações globais quando trata das responsabilidades para com a Educação. Senão, vejamos:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos

referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende:

a) a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância

pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais

públicas;

18 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a

colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Page 91: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

89

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas

com a proteção à infância e à juventude (BRASIL, 1990).

Assim, além de regulamentar o direito da criança e do adolescente à Educação, o

ECA serviu para fortalecer o artigo 227 da CF, promovendo a proteção integral dos mais

jovens com relação aos perigos do mundo adulto, regulamentando através do seu art. 5º, o que

corresponde à última parte da referida norma constitucional:

Artigo 227. É dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança

e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). grifos

nossos

Percebe-se que, ao dispor acerca da “absoluta prioridade”, a Constituição exige que

os direitos da criança e do adolescente figurem no primeiro lugar na escala de preocupação

dos governantes. Em outras palavras, os direitos e os interesses da criança e do adolescente

devem prevalecer sobre qualquer outro interesse quando seu destino estiver em discussão

(LIBERATTI, 2008). Assim destaca Liberatti (2008, p. 17):

Por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, pré escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e

emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveriam

asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes

que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante.

No que diz respeito ao dever de proteção integral às crianças e aos adolescentes, o

ECA (art. 3º e 4º) demonstra a clara intenção do legislador em viabilizar à criança melhores

condições a um saudável e completo desenvolvimento físico, mental e psicológico, tanto no

seio familiar quanto fora dele, proporcionando-lhe meios de aprimorar-se e crescer com

liberdade de criação e acesso às fontes de cultura (art. 58). Avaliza, portanto, a ideia de que o

papel das entidades educacionais, em especial as creches e pré-escolas, é de complementar a

ação da família, não compensá-la, substituindo-a.

Logo, a Educação não é incumbência apenas do Poder Público. A família também é

um importante sujeito dentro desse processo, e sua ausência dificulta em demasia as

atividades desenvolvidas pelas entidades educacionais em prol tanto do titular do direito, no

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90

caso a criança, quanto da coletividade. Sobre essa previsibilidade legal da proteção integral,

Moreira e Lara (2012. p. 130) fazem algumas considerações:

O ECA foi elaborado e sancionado em forma de lei logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e estabeleceu garantias e direitos para a

infância e a adolescência.

Assim, a Constituição de 1988 e o ECA mudaram o panorama da criança e

do adolescente no Brasil, especialmente no tocante às políticas sociais, pois foi a partir desses diplomas que foram legalmente reconhecidos esses

direitos, os quais podem ser exercidos junto à família, à sociedade e ao

Estado. Os direitos assegurados pelo ECA constituem a chamada proteção integral, pela qual as crianças e adolescentes devem ser protegidos

juridicamente nos aspectos, saúde, a educação, transporte, lazer e cultura.

Da leitura do art. 53 e incisos do referido Estatuto pode-se constatar a preocupação

do legislador em reforçar muitos outros princípios que regem o direito à educação e que estão

presentes no art. 206 e incisos da Carta Constitucional. Com especial destaque para o seu

inciso V, que indica o acesso à escola pública e gratuita próxima à residência como uma

alternativa a evitar a evasão escolar e ou a desistência, vislumbra-se o claro intuito de

viabilizar o direito à educação e primar, por consequência, pelo Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana (ASSIS, 2012).

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno

desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na Escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias

Escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à Escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo

pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais

(BRASIL, 1990). grifos nossos

Este dispositivo merece uma atenção especial, primeiramente por reproduzir e

enfatizar o conteúdo do artigo 205 da CF (que assegura o acesso de todos à educação,

determinando como dever do Estado e da família promover sua distribuição e implementação,

visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a vida, para o exercício da

cidadania e à sua qualificação profissional), e depois por corporificar a intenção da DUDCA

que dispõe em seu 7º princípio que as crianças não só têm o direito de receber educação

gratuitamente como deverão obrigatoriamente frequentar as escolas ao menos no primeiro

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91

grau, ficando a cargo dos governos fornecerem os meios necessários à promoção da cultura e

da capacitação necessárias ao enfrentamento da vida em sociedade (LIBERATTI, 2008).

Pela leitura do caput do art. 53 do ECA, percebe-se claramente a intenção do

legislador em promover um maior contorno à educação antes de definir suas finalidades. Não

por acaso, expressa que ela (a Educação) deve visar o pleno desenvolvimento da pessoa,

preparando-a para a cidadania e qualificando-a para o trabalho, conforme disposto também no

artigo 1º da LDBEN/96.

Disso pode se concluir que a complexidade do direito à educação acabou exigindo

que sua descrição na legislação pátria, de um modo geral, fosse feita de forma mais minuciosa

a fim de viabilizar, em especial às crianças, uma série de prerrogativas passíveis de serem

exigidas do Poder Público. Entendimento este, reforçado pelas ideias de Liberatti (2008, p.

51) sobre o assunto:

Na verdade, quando o Estatuto assegura à criança e ao adolescente igualdade

de condições de acesso e permanência na escola, o direito de serem

respeitados por seus educadores, o direito de contestar critérios de avaliação, o direito de organização e participação em atividades estudantis e o acesso à

escola pública e próxima à sua residência, nada mais está fazendo que

regulamentar a necessidade de se alfabetizarem de forma digna, o que os levará a ter uma convivência sadia e equilibrada na sociedade.

No entanto, ao tratar da temática da Educação Infantil em específico, o ECA através

do art. 54, inciso IV, impõe ao Estado o dever de assegurar o atendimento de crianças de zero

a seis anos em creches e pré-escolas, em descompasso com o que diz a nova redação do art.

208 da CF/88, segundo a qual o atendimento nesses estabelecimentos deverá ser oferecido às

crianças com idade entre zero e cinco anos19

. Com relação aos demais níveis de ensino

(fundamental e médio) o Estatuto, não obstante ter sofrido profundas modificações através da

Lei nº 12.010/09, também continua com a redação sem congruência com as Emendas

Constitucionais que vieram depois de sua publicação (EC nº 14/96, nº 53/06 e nº 57/06)

apresentando compatibilidade apenas com o texto constitucional original (ASSIS, 2012, p.

64).

19 De acordo com Nunes, Corsino e Didonet (2011), foi por força do artigo 208, inciso IV da CF/88, que ao

Estado foi imposto o dever de garantir a educação infantil a todas as crianças com idade até 6 anos. Ocorre que,

com o advento da EC nº 53/2006, deu-se nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição

Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, consequentemente a faixa etária

atendida pela Educação Infantil baixou para 5 anos, ao estabelecer o inicio do ensino fundamental obrigatório

aos 6 anos de idade.

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92

Mas, apesar disso, ainda que o compromisso firmado seja de uma grandeza ainda não

vivenciada por toda sociedade, merecendo revisões, não se pode ignorar o quão profunda é a

proposta constitucional replicada no Estatuto quando se fala em Educação.

Na opinião de Nunes, Corsino e Didonet (2011), o ECA também motivou o

reposicionamento das responsabilidades dos Governos (Federal, Estaduais e Municipais) para

com a Educação no país, ao forçar uma melhor organização do Poder Público na definição, no

planejamento, na execução e avaliação da política pública educacional, em especial voltada à

criança. No entanto, é importante esclarecer que essa reorganização só tornou-se mais

evidente quando o Brasil, seguindo orientação da UNESCO, passou a classificar a Educação

em níveis (educação básica, ensino fundamental e médio) através da EC nº 53/2006, para

melhor definir as competências dos entes públicos.

Em reforço ao argumento, os autores em questão destacam ainda três pontos que

consideram importantes em relação às mudanças carreadas na legislação:

I. a descentralização político-administrativa da atenção aos direitos da

criança- à União cabe formular a política nacional e diretrizes gerais; aos

municípios, bem como ao Distrito Federal, o atendimento, contando para

isso, com a cooperação técnica e financeira da União e do estado; II. a participação da sociedade, por meio de suas organizações

representativas, na formulação das políticas públicas, no planejamento das

ações e no controle da ação do Estado, em todos os níveis; III. a criação do Sistema de Garantia de Direitos da criança e do

adolescente, que começa a contribuir para que as crianças tenham acesso à

creche e à pré-escola e nela recebam educação integral de qualidade. O conselho tutelar, os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos

da Criança e do Adolescente, o Ministério Público e outras organizações da

sociedade são chamados a zelar por que os direitos da criança sejam

atendidos, entre eles, o direito à educação a partir do nascimento (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011, p. 33).

Por derradeiro, há de se fazer ainda que de forma breve, uma análise crítica acerca da

obrigação dos pais e o dever do Estado para com a Educação Infantil.

Tentar iniciar uma explanação acerca das obrigações de pais e mães na educação de

seus filhos é tarefa que intimida, ante o universo e extensão do assunto. No entanto, para os

fins propostos neste trabalho, focou-se a atenção apenas para alguns aspectos do tema, a

começar pelo disposto no artigo 55 do ECA.

Este artigo estatui que os pais ou responsáveis possuem a obrigação de matricular

seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. Em um primeiro momento é preciso apontar

que as obrigações dos pais relativas à educação da criança e do adolescente se estendem, por

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93

força do princípio da proteção integral, dentre outros, aos tutores e guardiões eventualmente

incumbidos da tutela ou guarda. Devido seu caráter obrigatório, nesse ponto se reconhece a

existência de regras que possibilitam a punição do pai ou responsável, em se tratando do

descumprimento das determinações expostas, tanto na esfera administrativa, caso do artigo

129, V do ECA, como na esfera criminal, conforme preceitua o artigo 246 do Código Penal,

ao tratar do crime de abandono intelectual.

Num segundo momento, ao observar o relacionamento entre a “Escola” (no sentido

lato da palavra) e os pais ou responsáveis, verifica-se que o problema está longe de ser tão

somente a matrícula. Hoje, impor a matrícula de uma criança em uma entidade de ensino,

embora na opinião de muitos equivalha à transferência de responsabilidade, significando uma

educação compensatória, é na verdade ato que reflete a tendência da legislação pátria em

impor à família o dever de participação na educação de seus filhos nos termos do artigo 229

da Constituição Federal.

Antes, porém, é preciso compreender o significado de família nesse novo contexto,

vez que, ao se falar de “família” atualmente, não se pode atribuir a ela o mesmo significado

que tinha há alguns anos, quando se referia apenas a um casal (homem e mulher) com filhos.

Atualmente, a palavra “família” ganhou um significado mais amplo e diferenciado, dada a

existência de crianças criadas por pais ou mães solteiros, irmãos mais velhos, avós, casais

homoafetivos dentre outras particularidades.

De acordo com dados fornecidos pelo último Censo Demográfico, realizado pelo

IBGE no ano de 201020

, o número de famílias constituídas apenas por pai, mãe e filhos não

pode ser considerado maioria no Brasil. Os estudos apontam que aproximadamente 50,1% dos

domicílios são compostos atualmente por grupos familiares que não se encaixam neste

padrão. Logo, apenas metade dos lares de toda a Nação tem “formação tradicional”.

Ainda assim, dois projetos de Lei tramitam em Brasília (DF) e tentam discutir e

definir o que é família, um na Câmara dos Deputados, o outro, no Senado Federal. O primeiro

(Projeto de Lei nº 6.583/2013) intitulado “Estatuto da Família” é de autoria do Deputado

Federal Anderson Ferreira (PR-PE) e considera entidades familiares única e exclusivamente

aqueles núcleos sociais formados a partir da união entre homem e mulher, ou compostas por

apenas um dos pais e seus filhos. De acordo com esse projeto, núcleos sociais formados por

casais homoafetivos, por netos criados por avós, crianças criadas por tios ou primos, irmãos

20 Disponível na integra em:

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/familias_e_domicilios/default_familias_e_domici

lios.shtm. Acesso em: 17 nov. 2015

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94

criados sozinhos e todos os demais tipos diferentes de relações familiares já amplamente

reconhecidas pelo poder judiciário brasileiro e pelas entidades de direito internacional

estariam à margem da sociedade. Já o segundo projeto (Projeto de Lei nº 470/13), batizado de

“Estatuto das Famílias”, de autoria da senadora Lidíce da Mata (PSB-BA), contrariamente ao

primeiro, visa garantir o reconhecimento e o amparo aos diferentes grupos familiares pautados

não apenas nos laços de consanguinidade ou matrimoniais, mas especialmente nas relações de

afeto.

Com relação ao “Estatuto da Família”, especificamente, as críticas tem sido pesadas

e severamente fundamentadas, mas com toda a razão. Primeiro, porque esse projeto de lei tem

cunho claramente religioso, ofendendo a laicidade do Estado. Segundo, porque o seu

conteúdo é retrógrado e fundamentalista do ponto de vista social ao impor à sociedade

conceitos morais e sexuais aceitos apenas por um determinado grupo, segregando aqueles que

não se encaixam no perfil. Em terceiro, por tentar discutir tardiamente questões já pacificadas

pelo Supremo, que inclusive já reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo.

Independente dessas discussões políticas acerca da necessidade de se estereotipar os

núcleos familiares, o fato é que, para fins de uma educação democrática, a forma como se

constitui a família pouco importa, interessando à eficácia da Lei, única e tão somente, o modo

como essa família, construída sob a base do afeto, interage no processo educacional da

criança, interferindo positivamente no aprendizado e na construção do seu caráter.

Comprovadamente, a criança que é acompanhada por seus familiares no processo

educacional, tem chances muito maiores de se tornar uma criança mais realizada, mais

confiante e feliz, capaz de alcançar resultados mais satisfatórios no processo de aprendizagem

e a uma evolução mais acentuada no ambiente escolar.

Por isso, o dispositivo que trata do dever da família em matricular as crianças merece

uma interpretação mais abrangente, com base no princípio da proteção integral, no sentido de

que já não basta a matrícula numa dessas entidades educacionais: é necessário que a família

acompanhe e vivencie as dificuldades que a criança normalmente enfrenta no ambiente

educacional, é preciso debater e contribuir na mediação dos conflitos e participar ativamente

do controle de qualidade dos serviços educacionais prestados àqueles que “não tem voz”.

Parte-se do princípio de que, se a família falha com seu dever, a escola pode ajudá-la a

diagnosticar.

Matricular a criança na pré-escola, até a alguns anos, não era considerada obrigação

para os pais. Antes e depois da publicação da LDBEN/96, a legislação educacional brasileira

obrigava aos pais matricularem seus filhos a partir da primeira série do ensino fundamental,

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95

aos sete anos. Havia, portanto, a prerrogativa de se matricular ou não o filho pequeno na

creche e na pré-escola.

De 1988 a 2014 a obrigatoriedade do ensino recaia apenas sob o ensino fundamental.

Ou seja, apenas no que diz respeito a esta etapa, o Estado, por força da Lei, tinha o dever de

dar às pessoas condições de frequentar a escola e de estudar (HORTA, 1998; CURY;

FERREIRA, 2010), exigindo-se dos pais ou responsáveis a obrigação de matricular seus

filhos na escola e de acompanhar o desenvolvimento deles durante todo o processo

educacional, como salienta Horta (1998, p. 10):

[...] diferentemente dos outros direitos sociais, o direito à educação está

estritamente vinculado à obrigatoriedade escolar. A educação considerada

como um direito humano fundamental difere dos outros serviços que as sociedades tradicionalmente oferecem a seus membros. O direito à educação

não se reveste exatamente da mesma dimensão que, por exemplo, o direito à

assistência médica gratuita, à alimentação mínima, à habitação decente ou ao socorro em caso de catástrofe natural. Estes são serviços que a sociedade

proporciona àqueles que os solicitam. Em geral, os cidadãos podem escolher

entre utilizá-los ou prescindir deles e inclusive, adaptá-los, via de regra, a

seus interesses individuais. A educação, ao contrário, é, via de regra, obrigatória, e as crianças não se encontram em condições de negociar formas

segundo as quais a receberão. Paradoxalmente, encontramo-nos, assim

diante de um direito que é, ao mesmo tempo, uma obrigação. O direito a ser dispensado da educação, se esta fosse a preferência de uma criança ou de

seus pais, não existe. Assim, ao direito de educar por parte do Estado

corresponde a obrigatoriedade escolar para determinada camada da população infanto-juvenil.

Ocorre que a não obrigatoriedade da matrícula nas creches e pré-escolas por muitos

anos acabou servindo para que os Municípios (entes públicos prioritariamente responsáveis

por esta etapa da Educação) negligenciassem a política pública educacional dedicada à

infância. Por isso, de um modo geral no Brasil cada vez mais se investia menos na construção

de creches e pré-escolas, e as listas de espera por vagas começaram a crescer no âmbito das

Secretarias Municipais de Educação fomentando uma avalanche de Ações Judiciais contra as

prefeituras.

Mais recentemente ocorreram algumas alterações na legislação que vincularam o

dever do Estado de oferecer vagas nas pré-escolas à obrigação dos pais de matricularem seus

filhos nessas instituições educacionais, situação que acabou gerando um verdadeiro “nó

jurídico”, que será por sua vez analisado em capítulo à parte.

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96

2.1.2 A questão da gratuidade da Educação Infantil

Uma vez definida como direito social fundamental, a educação deve ser

obrigatoriamente garantida pelo Estado a todos os seus cidadãos, de forma igualitária e

gratuita.

Por “gratuidade” entende-se a oferta de ensino público em estabelecimentos oficiais

em todos os níveis (do nível básico ao superior). Porém, com relação ao ensino fundamental

(que até pouco tempo era considerada a única etapa obrigatória), a lei exige que o ensino

gratuito deva ser garantido também àqueles que não tiveram acesso aos estudos na idade

própria (HORTA, 1998).

Durante muitos anos o direito à educação gerou obrigatoriedade escolar ao cidadão e

não ao poder público de fornecer educação gratuita e de qualidade a todos (CURY;

FERREIRA, 2010). Quando houve a inclusão do direito à Educação Infantil no rol dos

direitos sociais passou-se a exigir não apenas a gratuidade do acesso aos espaços físicos

correspondentes, mas também qualidade na prestação do serviço e disponibilidade de vagas

próximas à residência da criança.

Nesse sentido esclarecem Cury e Ferreira (2010, p. 125):

(...) a necessidade social e econômica impõe à população um mínimo de

conhecimento obrigatório ao mesmo tempo em que se impõem limites à

liberdade individual. Por outro lado, a educação passou a ser reconhecida como um direito fundamental (direito humano) advindo da positivação deste

direito, com implicação na questão da obrigatoriedade do ensino. O acesso

ao ensino, até como antídoto à ignorância, torna-se uma exigência para cuja

efetivação os dispositivos legais positivados são um instrumento para assegurar sua oferta.

Antes de 1988 a educação era organizada para atender uma determinada parcela da

comunidade. Foi graças à positivação do direito à educação na Constituição que o ideal de

universalidade do ensino ganhou status de “direito de todos”. O que, de certa forma, justifica

ser a CF/88 a única a colocar a gratuidade como princípio da educação e dever do Estado

juntamente com a obrigatoriedade (CURY; FERREIRA, 2010; ASSIS, 2012).

Sobre toda essa inovação trazida pela nova ordem constitucional, Assis (2012, p. 52)

faz o seguinte apontamento:

(...) esta modificação ocorreu porque o constituinte percebeu que para

obrigar a realização de algo é preciso oferecer condições para que o não

cumprimento desta obrigação reste, exclusivamente, em uma falha daquele

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97

que deve cumprir, ou seja: um direito sempre constitui um dever; logo, o

princípio a ser seguido para a cobrança da obrigatoriedade é o oferecimento, em igualdade, de condições de acesso e permanência na escola. Se o Estado

oferece condições para o devido cumprimento da obrigação, ele pode cobrar

a efetivação desta obrigação, caso contrário, não. Força-se o Estado a, de

fato, oferecê-lo. Não há como o Estado fugir do seu dever de oferta.

Da análise da legislação verifica-se que mesmo depois de publicada a CF/88, tanto a

gratuidade quanto a obrigatoriedade não eram questões que comportavam todos os níveis de

educação. Tanto é que, se analisarmos o teor das Emendas Constitucionais 14/96 e 59/09,

veremos que na EC nº14/96 apenas o Ensino fundamental era contemplado, ao passo que no

tempo da EC nº 59/09 somente era considerada educação obrigatória e gratuita aquela

oferecida à faixa etária entre 4 e 17 anos, não necessariamente da pré-escola ao ensino médio

(ASSIS, 2012).

Como já abordado, as “obrigatoriedade” e “gratuidade” foram tratadas em conjunto

pela primeira vez no texto constitucional de 1934, diferentemente daquilo que comumente se

vê na literatura sobre educação no sentido de que ensino obrigatório sempre correspondeu a

ensino gratuito. De igual maneira, pode-se concluir que não há linearidade na relação entre

“obrigatoriedade” e “gratuidade” pelo simples fato de a Lei procurar em diferentes momentos

da história do país considerar a necessidade de se determinar quando o nível de ensino é um e

ou outro (SOUZA & SILVA, 1997; CURY, 2008; DRAGONE, 2010; ASSIS, 2012). Sobre o

assunto Assis (2012, p. 54) faz o seguinte apontamento:

Se a Primeira Fase do Ensino Fundamental era apenas gratuita no texto de

1824, a partir do texto de 1934 ela passou a ser obrigatória e gratuita. É certo

que a característica de gratuidade surgiu antes da de obrigatoriedade ao longo do texto constitucional no que diz respeito à Segunda Fase do Ensino

Fundamental, ao Ensino Médio e a Educação Superior; também é certo que a

gratuidade está sempre junto da obrigatoriedade ainda que esta seja

progressiva.

Ainda com relação à obrigatoriedade do Ensino no Brasil, importante frisar a pouca

contribuição da Emenda Constitucional nº 53/0621

(responsável pela criação do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da

Educação, FUNDEB), visto que quando essa Emenda foi publicada, o Brasil perdeu a

oportunidade de tornar obrigatória também a toda a Educação Infantil, e não apenas a pré-

21 A Emenda Constitucional nº 53/2006 criou o FUNDEB regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto

nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério (FUNDEF), que vigorou de 1998 a 2006. Fonte:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=12407/

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98

escola e os ensinos fundamental e médio (ASSIS, 2012). Tal omissão pode ser constatada

tanto na redação inicial da CF/88 quanto na posterior alteração proporcionada pela emenda

14, quando também não foram observadas quaisquer referências à obrigatoriedade da

Educação Infantil, sendo que, como se verá, somente com o advento da EC nº 59, a Educação

Infantil na etapa da pré-escola (04 a 05 anos) passa a ser obrigatória (CURY; FERREIRA,

2010).

Sobre a referida Emenda Constitucional Assis (2012, p. 55) firma o seguinte

posicionamento:

Com a EC nº 59/09 um fato diferenciado ocorre, o texto designa a

gratuidade e obrigatoriedade num recorte etário, como no texto de 1967,

e não mais por nível de ensino, como nas Constituições anteriores, mas curiosamente mantém a progressiva universalidade da gratuidade do Ensino

Médio com a permanência do inciso II do artigo 208, e deixa de fora a da

gratuidade e obrigatoriedade das creches, pois abarca apenas crianças a partir de 4 anos, excluindo as de 0 a 3 anos (art. 208, IV CF/88) -. grifos

nossos

Dessa problemática envolvendo o corte etário no atendimento à Educação Infantil

decorreu boa parte desta pesquisa, não apenas por ser a Educação Infantil uma modalidade

ainda negligenciada por significativa parcela dos governantes, mas por ser ela a modalidade

considerada gérmen da formação cidadã.

Conforme se verá mais adiante, atribuiu-se aos Municípios a responsabilidade pela

qualidade da educação nas creches e pré-escolas, sem levar-se em conta a condição político

social de muitos deles.

2.1.3 A Lei nº 9.394/1996 (LDBEN) e a política nacional de Educação Infantil

O direito de acesso à creche e à pré-escola assegurado de forma pioneira pela

Constituição Federal de 1988 às crianças pequenas foi reafirmado pelo ECA. Com isso,

tornaram-se necessárias diretrizes nacionais gerais, a fim de se regulamentar adequadamente o

dever estatal com relação à Educação e promover as bases comuns nacionais à Educação

Infantil e aos Ensinos Fundamental e Médio.

Em 20 de dezembro de 1996 foi sancionada então a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBEN) para traduzir e diagramar o passo a passo do acesso a esse

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99

direito, o que significou um marco importante na consolidação das intenções tanto da CF

quanto do ECA para com a Educação Infantil no país.

Com o advento da LDBEN/96 a criança é posicionada em seu lugar de direito na

sociedade e a nova Educação Infantil (que não considera a criança pequena como incapaz

social) começou a enfrentar muitos outros desafios, porém, nenhum deles foi capaz de

comprometer o importante avanço proporcionado ao Brasil por meio do reconhecimento

social e legislativo dos direitos da criança (VEIGA, 2005).

O uso da expressão “Educação Infantil” como primeira etapa da Educação Básica, no

corpo desta lei que é considerada a mais importante da Educação, significou o

reconhecimento da essencialidade da formação cidadã logo nos primeiros anos de vida

deixando-a em pé de igualdade com relação às demais modalidades de ensino.

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do

ensino médio devem ter base nacional comum, a ser contemplada, (...) por uma parte diversificada (...).

§ 1º (...) devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e

da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social política, especialmente do Brasil.

§ 2º O ensino da arte (...)

§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola (...)

(BRASIL, LDB, 1996).

É o que se depreende, inclusive, da leitura do art. 22 da LDBEN: “a educação básica

tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável

para o exercício da cidadania e fornecer – lhes meios para progredir no trabalho e nos estudos

posteriores”. E do art. 9º da Resolução nº 05/2009 que fixa as Diretrizes curriculares nacionais

para a Educação Infantil22

(DCNEI) que devem ser implementadas de acordo com as

orientações do MEC (art.12):

Art. 9º. As práticas pedagógicas (...) devem ter como eixos norteadores as

interações e a brincadeira, garantindo experiências que:

I – promovam o conhecimento de si e do mundo (...); II – favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens (...);

III – possibilitem às crianças experiências (...) com a linguagem oral e escrita

(...); IV- recriem, em contextos significativos para as crianças, relações

qualitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais;

22 A Resolução nº 05, de 17 de dezembro de 2009 é de autoria do Ministério da Educação em conjunto com o

Conselho Nacional de Educação e a Câmara de Educação Básica. Tendo sido publicada no Diário Oficial da

União, Brasília, 18 de dezembro de 2009, Seção 1, p. 18.

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100

VI – possibilitem situações (...) para a elaboração da autonomia das crianças

nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar; VII – possibilitem vivências éticas e estéticas (...) que alarguem seus padrões

de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade;

VII – incentivem a curiosidade (...) das crianças em relação ao mundo físico

e social, ao tempo e à natureza; IX – promovam o relacionamento e a interação das crianças com (...)

música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e

literatura; X- promovam (...) o não desperdício dos recursos naturais;

XI – propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das

manifestações e tradições culturais brasileiras; XII – possibilitem a utilização de (...) recursos tecnológicos e midiáticos.

(BRASIL, MEC/SEB, 2009).

A LDBEN, ao reservar tratamento especial à Educação Infantil através de

dispositivos específicos da Seção II, do capítulo II (Da Educação Básica) conferiu-lhe um

destaque nunca antes promovido pelas legislações anteriores. Vejamos:

Art. 29 A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem com

finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a

ação da família e da comunidade.

Art. 30 A educação infantil será oferecida em: I – creches ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré – escolas para

crianças de quatro a seis anos de idade.

Art. 31 Na educação infantil a avaliação far – se – á mediante

acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental (BRASIL, 1996).

Além do que já foi comentado e transcrito, alguns outros apontamentos com relação

a organização da Educação Infantil e ao tratamento que lhe é dado pela LDBEN, merecem

especial atenção23

:

I. A lei consagra a Educação Infantil como uma parte extremamente importante

do processo desenvolvimento do indivíduo na sociedade em todos os seus aspectos e a

reconhece como sendo o alicerce necessário ao desenvolvimento integral e integrado da

criança menor de seis anos, demonstrando ser impossível nessa fase da vida se dissociar

educação de cuidado. Nesse sentido, a creche tem de acordo com a LDBEN o papel de iniciar

essa educação integral, da mesma forma que a pré-escola tem, de continuá-la (NUNES,

CORSINO; DIDONET, 2011).

23 Informações coletadas a partir dos debates ocorridos no 15º Fórum Nacional da UNDIME. Mata de São João -

BA, junho de 2015.

Page 103: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

101

II. Creches e pré-escolas possuem características de trabalho de ação social

quando se envolvem com as famílias buscando meios para que estas possam ser socialmente

promovidas, e seguem modelos diferentes do modelo escolar, o que as torna diferenciadas em

comparação às escolas propriamente ditas.

Tanto a creche quanto a pré-escola não são voltadas exclusivamente à atividade

educacional, e justamente por isso não podem ser consideradas escolas em sentido estrito.

Tratam-se de entidades educativas com características próprias, que conciliam na sua atuação

a educação e o cuidado. Por essa razão, crianças vão às creches e pré-escolas não

simplesmente para assimilar conhecimentos, mas para trocá-los, trabalhá-los, compartilhá-los

e serem estimuladas a avançar (VEIGA, 2005).

III. A LDBEN determina que todas as creches e pré-escolas estejam integradas aos

respectivos sistemas de ensino24

. Na oportunidade de sua publicação, a lei concedeu um prazo

de três anos àquelas instituições que já existiam e as que tinham acabado de serem criadas

para cumprirem com a nova regra.

IV. O papel da Educação Infantil é complementar à ação da família e da

comunidade. A Educação oferecida pelas creches e pré-escolas deve dialogar com aquela que

é dada à criança no seio familiar e no grupo comunitário a qual ela pertence, deve ser

promovida de forma articulada com essas duas outras esferas por onde a criança transita. Daí

falar-se que o desenvolvimento da criança deve se dar de forma integrada. As instituições que

se dedicam à Educação Infantil devem promover a ampliação das experiências, dos

conhecimentos, dos interesses e das habilidades da criança em nome de um melhor processo

de transformação da natureza humana e da convivência pacífica em sociedade.

V. Na Educação Infantil a avaliação não tem por objetivo promover e nem

configurar pré- requisito ao ingresso às outras etapas da Educação Básica, a LDBEN se

posiciona de forma clara e objetiva quanto a impossibilidade de se reter as crianças na pré-

escola para se forçar a alfabetização. A lei não admite, portanto, que se impeça o acesso da

criança ao ensino fundamental no ano em que completa sete anos de idade. Agora, 6 anos.

VI. De acordo com a LDBEN, os meios de avaliação nas instituições de Educação

Infantil devem pressupor referências, critérios e objetivos que pugnem pela orientação

adequada da criança, isto é, devem primar pelo aprimoramento das técnicas usadas na ação

24 Insta salientar que para Libâneo; Oliveira; Toschi (2013, p. 327) sistema de ensino é toda a organização

administrativa, pedagógica e curricular da Educação Escolar. No âmbito dos municípios compreende as

instituições de ensino fundamental, médio e de educação infantil, mantidas pelo poder público municipal; as

instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, bem como os órgãos municipais de

educação Assim, para esses autores, o sistema educacional brasileiro é considerado institucional e não

reconhece como equivalentes ao dever do Estado com a educação as modalidades não formais.

Page 104: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

102

educativa conciliando acompanhamento e registros dos avanços e entraves no

desenvolvimento da criança, exigindo do profissional da Educação Infantil que desenvolva

habilidades de observação e que repense a todo tempo suas práticas, de modo a mantê-las

sempre atualizadas e aperfeiçoadas às necessidades dos seus educandos. Com isso, exige que

o projeto pedagógico da instituição e a atuação do professor/educador sirvam de referência à

criança, estimulando-a a aprender através das brincadeiras e atividades lúdicas.

VII. Exige-se ainda, o cumprimento de carga horária anual de 800 horas,

distribuídas por no mínimo 200 dias de trabalho educacional; atendimento de criança de, no

mínimo, 4 horas diárias para turno parcial e de 7 horas para a jornada integral; controle de

frequência mínima de 60% do total de horas, documentação que permita atestar os processos

de desenvolvimento e aprendizagem da criança.

É forçoso dizer ainda, que mesmo fora da seção especial dedicada à primeira etapa

da educação, existem outros artigos na LDB, que buscam definir aspectos relevantes aos

direitos educacionais das crianças. Quando a Lei trata, por exemplo, em seu capítulo IV, “Da

organização da Educação Nacional”, determina um regime de colaboração entre os entes

federativos (União, estados, Distrito Federal e os municípios) na a organização dos chamados

sistemas de ensino, muito embora cada um tenha o seu. Assim, deixa a cargo do município a

responsabilidade principal para com a Educação Infantil, atribuindo às esferas federal e

estadual o papel coadjuvante, na forma de suporte técnico e financeiro aos sistemas

municipais de educação.

Ao promover em sete de seus artigos as diretrizes para a formação e valorização do

profissional da Educação Infantil, a LDBEN também incentivou grandemente a

profissionalização da Educação oferecida às crianças pequenas, contribuindo ainda mais para

que a Educação Infantil passasse a ser vista em sua completude, ou seja, como direito da

criança, opção da família, dever do Estado e atribuição do Município25

(VEIGA, 2005).

Neste quesito, a LDBEN exige que os profissionais da Educação Infantil

(professores) sejam preferencialmente diplomados, ou seja, tenham formação em curso de

licenciatura, de graduação plena admitida como formação mínima o magistério oferecido em

nível médio na modalidade normal: aceita em caráter de excepcionalidade, como forma de

viabilizar a educação naquelas regiões do país onde faltam profissionais com formação

superior. Nesse sentido explicitam os artigos 61 e 62 da LDBEN:

25 A EC nº 53/2006 ao alterar a redação do artigo 30, inciso IV, modificou a competência dos Municípios

tornando-os responsáveis pela manutenção dos programas de educação infantil e de ensino fundamental

mediante a cooperação técnica da União e do estado.

Page 105: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

103

Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que,

nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)

I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na

educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; (Redação dada pela

Lei nº 12.014, de 2009) II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com

habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e

orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)

III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso

técnico ou superior em área pedagógica ou afim (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009).

Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a

atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como

fundamentos: (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)

I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho;

(Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)

II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e

capacitação em serviço; (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009) III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições

de ensino e em outras atividades. (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009).

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em

universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação

mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco)

primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

(...)

Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se refere o inciso III do art.

61 far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível

médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013).

(...)

Ademais, há de se frisar que com a publicação da LDBEN ressurgiu a intenção de se

criar em dimensão nacional um plano de educação a longo prazo. Por sua força e influencia

restou estabelecido que a União, em parceria com estados e municípios, enviaria ao

Congresso Nacional um plano, com diretrizes e metas para os dez anos posteriores. Seguindo

tal determinação, em 1988 tramitou no congresso o projeto de lei n°4155, que propunha a

criação do Plano Nacional de Educação. Porém, somente no início de 2001 esse projeto foi

devidamente aprovado, pela Lei n° 10.172.

Page 106: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

104

2.1.4 Planejamento (PPA, LDO e LOA; PDE e PAR; PPP e PDE-Escola)26

Antes de se colocar em prática toda e qualquer ação, independentemente de ela

envolver maiores esforços ou gastos, é necessário planejar. Partindo-se dessa premissa, há de

se reconhecer a importância do planejamento na definição também das prioridades sociais a

serem atendidas por um governo, seja ele federal, estadual ou municipal.

Não por acaso a CF prevê em seu art. 165 ciclos de planejamento para todos os entes

federados, obrigando-os a elaborar cada qual o seu Plano Plurianual (PPA), a Lei de

Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). O PPA é uma lei

ordinária que expressa o plano de governo e apresenta as principais indicações dos rumos das

ações do Poder Executivo na forma de programas. Visando assegurar a continuidade na

transição entre os governos, a vigência de um PPA é de quatro anos não coincidentes com os

mandatos dos governantes: o primeiro ano de um governo corresponde ao último ano de

execução do PPA elaborado pelo governo anterior e assim sucessivamente. A LDO fixa as

grandes linhas no uso de recursos, estabelecendo metas e prioridades do PPA e criando um

elo deste com a LOA, que por sua vez faz um detalhamento da destinação dos recursos ano a

ano. (TODOS PELA EDUCAÇÃO, RELATÓRIO. 2015, p. 72).

A intenção da Constituição é justamente que esses instrumentos sejam formulados

adequada e transparentemente para definir da melhor forma possível as rotinas orçamentárias

e financeiras dos governos, prevendo os gastos e investimentos que poderão ser feitos a médio

e longo prazo. Mais do que isso, na verdade, espera-se que eles assumam ações articuladas

entre diferentes programas de governo, ou prioridades definidas com a participação da

sociedade civil, e um exemplo disso são os próprios Planos Decenais de Educação.

Dentre os instrumentos legais mais utilizados pelo Estado para gerir as políticas

públicas educacionais e implementá-las em todo o território nacional estão o Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Plano de Ações Articuladas (PAR). O primeiro,

lançado em 2007, tem por objetivo principal agregar em um único instrumento todas as ações

do governo federal voltadas à Educação. Para isso, buscou-se reformular o regime de

colaboração entre os entes federados, estabelecendo 28 metas através do chamado Plano de

Metas Compromisso Todos pela Educação (BRASIL, 2015)27

26 Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/education-for-all/. Acesso em 23 set. 2015

27 Disponível na íntegra no Portal Todos Pela Educação, em http://www.todospelaeducacao.org.br/. Acesso em

15 jan 2016.

Page 107: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

105

Já o PAR constitui uma etapa do próprio PDE, e busca colocar à disposição dos entes

federados (estados, municípios e DF) certos mecanismos que se mostrem eficazes à avaliação

e implementação da política pública educacional, especialmente aquelas voltadas à questão da

qualidade. Na esfera escolar, os principais instrumentos de planejamento que devem estar

bem articulados com o “planejamento da macroestrutura” do setor educacional são justamente

o Projeto Político Pedagógico (PPP) e o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE - Escola,

mais conhecido por “PDEE”), sendo este último indispensável ao recebimento de recursos por

parte do Governo Federal. Com relação ao PPP, tem ele previsão na LDBEN (art. 12, I) na

parte em que delega aos estabelecimentos de ensino o dever de oferecer e executar as

propostas pedagógicas, que obviamente devem ser estudadas, elaboradas e discutidas em

conjunto com os professores e coordenação pedagógica da instituição, em nome do princípio

da gestão democrática previsto no art. Art. 13, II da LDBEN, dando-se ciência aos pais

(LDBEN, Art. 12, VII). Por promover prioritariamente a participação dos professores no

planejamento pedagógico da escola em prol do aperfeiçoamento da gestão democrática e

inclusiva, o PDE-E é considerado um instrumento para uso específico da gestão escolar.

Ainda que tenha sido idealizado como ferramenta de apoio técnico financeiro, sua prioridade

é o planejamento estratégico situacional da escola, tendo como foco a identificação dos

problemas e desafios enfrentados pela comunidade escolar, e a partir daí ajudar a desenvolver

meios de melhorar os resultados (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2015).

Por fim, é importante salientar o quanto o planejamento vem obtendo espaço nas

discussões acadêmicas e jurídicas acerca da definição e desenvolvimento das políticas

públicas. É bem verdade que na prática, muitos políticos e governantes ainda defendem a

forma burocrática e metódica conferida ao planejamento da política pública, especialmente a

educacional, no decorrer dos anos. Todavia, cada vez mais tem se abandonado a ideia de um

planejamento amparado por procedimentos fragmentados, preocupados com a divisão e

controle do trabalho e das ações. Mais do que nunca tem se falado muito na gestão

democrática e no planejamento participativo da educação, tanto dentro quanto fora da escola,

o que tem exigido não apenas dos governantes e dos gestores públicos, mas de toda a

sociedade, repensar a forma como a política pública tem sido planejada e definida, uma vez

que “planejar” no contexto democrático importa obrigatoriamente na definição de estratégias

após amplos debates e discussões, implica em processos transparentes de redefinição de

funções, de formas de desenvolvimento e de organização. Exige participação efetiva, não

simulações.

Page 108: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

106

2.2 As políticas de financiamento da Educação Infantil de acordo com a LDBEN

O financiamento, como se sabe, é fator decisivo para a execução de toda e qualquer

política educacional. Para o Brasil, tem assumido caráter estratégico no esforço de atingir os

objetivos e metas de Educação para Todos. Isto foi possível graças a um conjunto de medidas

adotadas nos últimos anos que contribuíram para promover não apenas o aumento do gasto

público em educação, como também conquistar maior equidade na oferta de serviços. Os dois

principais mecanismos redistributivos adotados pelo país foram os fundos antes mencionados

– o FUNDEF e o FUNDEB –, que ao lado do Salário-Educação tiveram importância central

para assegurar as conquistas obtidas em relação aos resultados.

Como nas estratégias antes referidas, também em matéria financeira, a Constituição

de 1988 orienta a definição das ações de governo. O instrumento regulador aqui é a

vinculação de recursos, medida que compromete os entes federados a aplicar um percentual

de sua receita proveniente de impostos em educação. Assim é que: a União aplicará

anualmente nunca menos de 18%, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, 25%, no

mínimo, da sua arrecadação de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino (CF

Art. 212 e LDBEN Art. 69).

Tais receitas podem financiar todos os níveis e modalidades de educação escolar, aí

incluindo a Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e a

Educação Superior, mas a prioridade deve ser dada à Educação Básica.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 211, elenca quatro tipos de sistemas

de ensino que devem ser desenvolvidos no Brasil: o Federal (garantido pela União), os

Estaduais (garantido por cada um dos Estados), o Distrital (garantido pelo Distrito Federal), e

os Municipais (garantido por cada um dos municípios) em prol de um Sistema Nacional de

Educação.

O Sistema Nacional de Educação é tema que vem suscitando o

aprofundamento da compreensão sobre sistema, no contexto da história da

educação, nesta Nação tão diversa geográfica, econômica, social e culturalmente. O que a proposta de organização do Sistema Nacional de

Educação enfrenta é, fundamentalmente, o desafio de superar a

fragmentação das políticas públicas e a desarticulação institucional dos

sistemas de ensino entre si, diante do impacto na estrutura do financiamento, comprometendo a conquista da qualidade social das aprendizagens, mediante

conquista de uma articulação orgânica (MEC, 2013b).

Page 109: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

107

Assim, a CF atribui à União uma responsabilidade direta na garantia do Ensino

Superior, e deixa a cargo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o oferecimento da

Educação Básica, sob a égide de uma ação normativa, supletiva e redistributiva da União. Há,

contudo, alguns Estados e Municípios que estão obrigados a investir percentuais maiores em

educação, porque suas constituições e leis orgânicas assim o exigem. É o caso do Estado de

São Paulo, que todos os anos precisa investir pelo menos 30% da sua arrecadação na

manutenção e desenvolvimento do ensino.

Importante frisar que foi em 1996, na mesma oportunidade em que a LDBEN

regulamentou a Educação Infantil, que restou determinada a municipalização desta etapa da

Educação e do Ensino Fundamental, sob a justificativa de que a municipalização desse

“segmento” da Educação viabilizaria ao gestor público um melhor planejamento da política

pública, atendendo melhor às necessidades locais e dando origem à aprovação da Lei 9.424/96

que criou o FUNDEF, que basicamente instituía mecanismos de redistribuição de receitas,

em regime de colaboração (NASCIMENTO, 2011).

Com a institucionalização do FUNDEF, 60 dos 25% mínimos exigidos pela

Constituição para a educação passaram a ser reservados apenas ao Ensino Fundamental, como

forma de viabilizar a universalização e a gratuidade deste nível de ensino (nos moldes da

antiga redação do inciso I do artigo 208 da CF/88, modificado em essência pela Emenda

Constitucional nº 59 de 2009) (ASSIS, 2012). Porém, em números, 60% desses 25% de

recursos arrecadados junto aos Estados, DF e Municípios, correspondia a apenas 15% do total

que era repassado ao FUNDEF todos os anos. Ademais, o parâmetro utilizado pelo MEC para

promover a distribuição da verba pública era centrada no número de alunos do ensino

fundamental atendidos em cada uma das redes (Emenda Constitucional nº 14/96).

Justamente por focar apenas no financiamento e valorização do Ensino Fundamental,

o FUNDEF, ao invés de melhorar a situação da Educação Infantil, acabou por asfixiá-la.

(NASCIMENTO, 2011). Sem recursos – humanos, estruturais e financeiros – suficientes para

promover o atendimento à demanda por creches e pré-escolas, e melindrosos com as

imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 5 de maio de

2000) que, entre outras alterações na gestão financeira dos poderes municipais, estaduais e

federal, estabeleceu por meio do artigo 19 que “a despesa total com pessoal, em cada período

de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita

corrente líquida” (BRASIL, 2000), a maioria dos Municípios brasileiros tiveram queda na

oferta dessa etapa educacional, por não poderem comprometer parcelas maiores de suas

despesas com a contratação de pessoal acima do percentual estabelecido, o que acabou

Page 110: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

108

motivando a busca de “meios alternativos” que não implicassem em gastos maiores na folha

de pagamento, e que de um modo geral fossem mais baratos aos cofres públicos (CORREA,

2011).

Tomando como referência principal essas duas medidas encaminhadas pelo

executivo e aprovadas no legislativo – Fundef e LRF – podemos afirmar que se desenhou, na prática, uma conjuntura bastante favorável à “privatização”

do atendimento, especialmente na creche. Se, por um lado, já tínhamos uma

história de atendimento em creches conveniadas desde antes da década de

1970, nos anos 1990 temos um novo reforço para tal opção por parte do Estado (CORREA, 2011, p. 22).

Nesse período registrou-se de forma mais acentuada a terceirização da Educação

Infantil pelos Municípios através de Convênios com entidades comunitárias e filantrópicas

(CORREA, 2011). Também nesse período, como parte da política de Estado focada na

descentralização financeira com controle centralizado, foi publicado o “Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil”. Esse documento, muito embora não tivesse caráter

obrigatório, foi divulgado e distribuído como se assim fosse entre os profissionais da

Educação Infantil de todo o país. No intuito de forçar a adesão ao documento, o Governo

Federal vinculou a liberação de recursos destinados à formação de professores atuantes na

primeira etapa da Educação Básica, à adoção do RCNEI como currículo oficial, o que lhe

rendeu severas críticas (CORREA, 2011).

Pouco tempo depois, foram aprovadas as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil”, de caráter obrigatório. Ocorre que a resolução que aprovou essas

diretrizes não teve o impacto esperado sob a organização do trabalho desenvolvido por

creches e pré-escolas, justamente porque muitas delas, por serem comunitárias ou

filantrópicas, sequer eram conhecidas pelo Poder Público (CORREA, 2011).

Em 1999, três anos após a publicação da LDBEN, o MEC firmou uma parceria com

a Fundação Orsa e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) para

por colocar em prática o chamado “Prêmio de Qualidade na Educação Infantil”, cujo objetivo

era justamente premiar projetos educativos desenvolvidos com crianças com idades entre zero

e seis anos, como forma de viabilizar novas práticas pedagógicas e valorizar os profissionais

considerados pró-ativos no processo de melhoria da Educação Infantil. Mas, por não

considerar as condições objetivas em que o trabalho pedagógico se realiza e atribuir ao

professor e ao educador a maior parcela de responsabilidade sobre a qualidade da Educação,

Page 111: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

109

essa iniciativa estatal não contribuiu para a ampliação de vagas em creches e pré-escolas,

tampouco para a melhoria da qualidade das ofertas (CORREA, 2011).

Na verdade, a criança de 0 a 6 anos é quase ausente na política educacional do governo federal. Tal ausência é percebida, por exemplo, no Plano

Plurianual 2000-2003, em que a educação infantil não apresenta sequer o

status de programa, ao contrário dos outros níveis de ensino e até mesmo das

modalidades de ensino (BARRETO, 2003, p. 59).

Com o Censo Escolar realizado em 2002, a participação da União passou a ser

cobrada com mais afinco, porque na oportunidade restou comprovado que a atuação dos

Estados e dos Municípios ocorria de forma diferenciada: recaia sob os Municípios a quase

totalidade do atendimento nas creches (98%), pré-escolas (92%) e 1ª a 4ª série do ensino

fundamental (71%), ao passo que a atuação dos Estados mantinha-se concentrada no ensino

médio (97%), 5ª a 8ª série do ensino fundamental (64%) e educação especial (57%). Ao

mesmo tempo constatou-se que havia um “certo equilíbrio” no que se referia à educação de

jovens e adultos, porque Municípios e Estados atendiam uma média de 48% e 52% dos alunos

matriculados, respectivamente.

Contudo, o Brasil só conseguiu proceder a universalização do Ensino Fundamental

em 2007, ocasião em que a idéia do FUNDEF estendeu-se para toda a Educação Básica,

originando-se assim o FUNDEB, que surgiu como promessa de reparação dos danos no

processo de educação e garantia de recursos adequados para a Educação Infantil, tendo como

base o rateamento desses recursos de acordo com o número de matriculas na Educação Básica

(MEDEIROS; NOGUEIRA; BARROSO, 2012).

Dessa forma, mediante regime de colaboração, restou definido que a União aplicará

anualmente nunca menos de 18%, e que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25%,

no mínimo da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências na

manutenção e desenvolvimento do ensino (CF Art. 212 e LDB Art. 69). Porém, quando se

compreende que essas receitas não servem ao financiamento apenas da Educação Infantil, mas

de todas as modalidades e níveis de estudo, incluindo-se toda a Educação Básica (Educação

Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e a Educação Superior, percebe-se com mais

clareza a necessidade de se rever o pacto de colaboração em maior suporte aos Municípios.

Atualmente, a Educação Infantil é reconhecida como um direito de todos, que deve

ser oferecido em creches e pré-escolas comprometidas com a metodologia e a prática

pedagógica, muito embora as diferenças nas condições de acesso e frequência nos níveis de

Page 112: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

110

investimentos (tanto estrutural quanto na formação docente, por exemplo) em comparação

com as demais modalidades da educação básica (ensino fundamental e médio) ainda façam

dessa modalidade de educação um segmento à margem da política educacional, que tem

passado por um processo crescente de demanda, situação que tem preocupado bastante os

entes públicos municipais, cujas finanças não comportam a gama de políticas públicas que

vem sendo municipalizadas sem maiores suportes dos governos Federal e Estadual.

2.3 Os planos de educação

Ao se falar em Planos de Educação, é preciso compreendê-los como sendo

importantes documentos, com força de lei, necessários à imposição de diretrizes, metas e

estratégias para se alcançar, num período de dez anos, uma educação de qualidade em todo o

país. Não por acaso, são considerados os principais instrumentos da política pública

educacional, tendo por objetivo abordar conjuntamente os atendimentos educacionais

necessários a todo território nacional. Por conta disso, a formulação dos planos pressupõe o

envolvimento de todas as redes de ensino, privadas e públicas, abarcando todos os níveis e

modalidades de ensino, tanto na esfera federal, quanto na estadual e municipal.

Assim, cada ente federativo tem por incumbência desenvolver o seu próprio plano

decenal28

, levando em consideração a adaptação das regras gerais elencadas no Plano

Nacional de Educação à sua própria realidade.

Desta feita, os Planos de Educação, de um modo geral, são considerados

instrumentos de combate à descontinuidade administrativa das políticas públicas

educacionais, à medida que norteiam não apenas a gestão educacional em seus diferentes

níveis, mas também a forma como se dará a participação cidadã e o controle social. A ideia de

se criar um Plano de Educação capaz de viabilizar, em longo prazo, a coordenação e a

fiscalização da política educacional, é algo que o Brasil tem tentado desenvolver desde a

década de 1930. Sendo certo que sua origem remonta à criação do Conselho Nacional de

Educação (1931) e à divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932).

Do conjunto de atribuições dadas ao Conselho Nacional de Educação, extraia-se a

responsabilidade pela elaboração de uma espécie de Plano Nacional de Educação (PNE) e do

Manifesto dos Pioneiros, que recebeu esse nome por ter sido elaborado por renomados

28 Conforme previsto no artigo 1º da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.

Page 113: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

111

intelectuais brasileiros ligados à Educação, advinha a reivindicação de uma política

educacional forte para todo o país, um PNE que devidamente amparado por regras bem

definidas de execução não sucumbisse à descontinuidade administrativa dos governos.

Como bem se viu no capítulo primeiro, o referido Manifesto chegou a influenciar

fortemente a elaboração da Constituição Federal de 1934, que por essa razão definiu como

sendo competência do governo federal “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do

ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua

execução, em todo o território do país”. Em 1937, o Conselho Nacional de Educação

apresentou à Câmara dos Deputados uma proposta para o tal plano, mas esta não chegou a ser

concluída porque neste período, dado o golpe militar, os trabalhos no Congresso Nacional

foram suspensos.

A ideia de se criar um PNE só foi retomada por volta de 1960, quando o Conselho

Federal de Educação, preocupado com a situação da Educação no país, elaborou um esboço

para aplicação dos recursos federais, mas tal ideia acabou sendo abandonada antes mesmo de

ser encaminhada ao Poder Legislativo.

Entre 1970 e 1980, sob novo domínio ditatorial, foram apresentadas algumas outras

propostas de planos para a Educação, mas estas sempre vinham atreladas a ideais de

planejamento centralizado do governo, sem espaço para participação dos profissionais da

educação e da comunidade escolar. Com o processo de redemocratização do país e a intensa

mobilização social, em 1988 a Constituição Federal renovou a intenção de se criar um PNE ao

incorporar como sendo uma das obrigações do Estado a fixação de medidas de duração

plurianual em prol do ensino no país (art. 214).

Foi somente com a publicação da LDBEN, em 1996, que se determinou um prazo

(de 1 ano) para que a União procedesse ao encaminhamento do projeto do PNE à análise e

debate ao Congresso Nacional. Este plano, por sua vez, veio a ser aprovado apenas em 2001,

através da Lei nº 10.172 (com vigência prevista para o período 2001-10), somando, assim, 13

anos de desrespeito à vontade constitucional.

O PNE (2001-10) surgiu do embate entre dois projetos que tramitavam

simultaneamente no Congresso Nacional, sendo um de proposta da sociedade civil organizada

e o outro do próprio Governo. Seu objetivo, todavia, não fora alcançado, pois não se

identificava nesse plano uma base real para o planejamento de uma Educação Nacional,

tampouco esse traduzia anseios sociais e os esforços políticos em prol da Educação, ficando

sem utilidade aos olhos da sociedade civil.

Page 114: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

112

Outro ponto foi a questão orçamentária, que sem sombra de dúvidas foi um dos mais

fortes entraves à aceitação do Plano como política de Estado. Várias foram as restrições

impostas através de vetos presidenciais à ampliação dos recursos considerados indispensáveis

ao alcance das metas propostas, inviabilizando boa parte delas.

Apesar de ter falhado em boa parte de suas metas, o PNE 2001-10 merece

reconhecimento quanto seu caráter pedagógico, tendo recebido boas críticas ao evidenciar os

interesses e embates existentes na sociedade brasileira sobre a política educacional,

possibilitando a criação de novos marcos para a organização e gestão da educação nacional.

Em vista de um melhor planejamento da Educação, o PNE previra que os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios elaborassem seus próprios planos decenais correspondentes.

Contudo, ao final do período de sua vigência, constatou-se que cerca de metade dos Estados

(entre eles o Paraná) e Municípios ainda não haviam elaborado seus respectivos planos, mais

uma vez evidenciando a falta de interesse dos governantes em assumir o compromisso para

com a Educação em suas respectivas esferas de competência.

O período entre 2010 e 2014 foi marcado por um hiato legislativo: o PNE 2001-10

havia chegado ao fim, mas uma nova proposta de plano em sua substituição ainda não havia

sido aprovada. Esse lapso, contudo, poderia ter sido evitado se antes do término do PNE

2001-10 as propostas educacionais para a próxima década tivessem sido, em tempo,

eficientemente elaboradas e discutidas no Congresso Nacional. O que sugere a diversidade

dos interesses e dos embates que a política educacional enfrenta nos bastidores do poder,

sobretudo com relação a seu financiamento (SAVIANI, 2008).

No dia 25 de junho de 2014, mediante sanção da Lei nº 13.005 pela presidente Dilma

Rousseff, restou aprovado o novo PNE, com vigência prevista para o período de 2014 a 2024.

Dentre outras medidas, o PNE 2014-24 prevê a necessidade de os Estados e Municípios

brasileiros, no ano de 2015, elaborarem e reverem seus respectivos planos educacionais

através da submissão das propostas a amplos processos participativos, visando, portanto, a

gestão democrática da política pública educacional, como forma de comprometer os governos

com sua execução e a sociedade com seu acompanhamento e monitoramento.

Todas as metas propostas no atual PNE convergem para um modelo de visão

sistêmica da Educação apresentando um conjunto de diretrizes e estratégias que visam

contemplar todos os níveis, modalidades e etapas educacionais (MEC, 2013).

Sobre o PNE, ressaltam Ximenes e Grinkraut (2014, p. 79):

Page 115: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

113

A aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE), publicado através

da Lei nº 13.005/2014, traz um conjunto de desafios para as políticas públicas voltadas à efetivação do direito à educação infantil, assim como

para a interpretação dos deveres jurídicos que devem ser assumidos pelo

poder público, principalmente pelos municípios, com a necessária

colaboração da União e dos estados. O PNE, longe de significar o esgotamento de um ciclo de regulamentação do

direito à educação, abre uma nova etapa de proteção jurídica e de

planejamento público para sua efetivação, na qual está prevista a edição de novas normas, além da revisão e adequação de políticas em curso, tendo

como instrumento principal, no âmbito local, planos de educação dos

municípios e estados.

De acordo com um levantamento feito pela ONG “Educação & Participação”29

, até

abril de 2015 apenas 1,31% dos municípios brasileiros tinham plano de educação em vigor,

sendo que mais de 97% do total sequer havia iniciado os debates necessários à seleção das

propostas para estruturação do plano. Quanto aos estados, o panorama apontado não era muito

diferente: dos 26 estados brasileiros, 19 ainda não tinham plano vigente até a data, incluindo o

Estado de São Paulo e todos os três estados do Sul do país.

Em 25 de junho de 2015, às vésperas do PNE 2014-24 completar um ano, o então

ministro da Educação Renato Janine Ribeiro foi convidado a participar do seminário da

Comissão de Educação, denominado “O PNE e o Futuro da Educação”, para discutir e avaliar

o primeiro ano de vigência do plano. Nessa ocasião, Ribeiro afirmou à imprensa que 90% dos

estados e municípios haviam cumprido o primeiro objetivo estabelecido pela referida Lei

Federal 13.005/14, ou seja, haviam elaborado seus próprios planos educacionais. O evidente

salto no número de municípios preparados em dois meses aponta que houve aceleração e

urgência na aprovação dos documentos, fato que pode ter comprometido gravemente a

qualidade dos planos municipais. Ademais, a rapidez com que esses processos foram

concluídos sugere que muitos desses planos são, na verdade, meras cópias adaptadas do PNE,

como bem explicam Ximenes e Grinkraut (2014, p. 95):

Evidentemente, uma vez que esses processos de aprovação ou adequação

devem se guiar pelas diretrizes da participação democrática, da contextualização e da autonomia regulada dos demais entes federados, não

se espera que os planos locais sejam cópias adaptadas do PNE, mas

documentos que, partindo de suas diretrizes, metas e estratégias, expressem

os desafios e acúmulos específicos que a comunidade escolar e a sociedade civil de cada ente federativo venham a apontar. Esse não deve ser um

processo de regulamentação puramente técnico, mas um riquíssimo

29 Trata-se de uma iniciativa da Fundação Itaú Social, em parceria com outras entidades importantes como o

Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Disponível em: http://www.educacaoeparticipacao.org.br.

Acesso: 13 set. 2015

Page 116: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

114

momento de consolidação da democracia participativa no planejamento e

gestão da educação brasileira.

Os aspectos político e jurídico dos planos (nacional, estaduais e municipais) propõem

a necessidade de ampla discussão e debates através de seminários, conferências, palestras e

audiências públicas, antes de serem submetidos à aprovação do Legislativo e sanção do

Executivo. Se estes planos não seguiram essa trajetória rumo à promoção de canais de

participação da comunidade envolvida, dificilmente coexistirão de forma harmoniosa e

sintonizada. A participação e o diálogo durante todo o processo de formulação dos planos

devem ser entendidos como meios que proporcionam uma visão mais nítida da realidade

local, o que permite um melhor diagnóstico dos problemas e uma melhor definição das

estratégias da política pública educacional com relação às particularidades de cada situação,

aumentando as chances de sucesso de cada compromisso e responsabilidade assumidos de

forma transparente. Logo, participação e diálogo, além de definirem, também devem ser

considerados requisitos essenciais à eficiência dos próprios planos.

2.3.1 Novo plano para necessidades antigas: as metas e as estratégias do PNE (2014/2024)

voltadas à Educação Infantil

O planejamento da educação é considerado complexo porque resulta de um processo

interligado a diferentes níveis e etapas de trabalho, indo desde os sistemas de ensino,

passando pelas redes e escolas até chegar às salas de aula, pelas mãos de cada professor. Por

conta disso, exige-se um plano de aplicabilidade nacional com estratégias e metas definidas.

Para Ximenes e Grinkraut (2014), o atual PNE não pode ser considerado como uma

ilha em meio ao universo normativo, justamente por existir todo um arcabouço constitucional,

legal e jurisprudencial que o antecede e que se coloca hierarquicamente acima de seu

conteúdo, conduzindo forçosamente a interpretação de suas metas e estratégias que, diga-se

de passagem, encontram um panorama bem diferente daquele enfrentado pelo plano anterior.

Por conta de uma interpretação constitucional favorável no Supremo Tribunal Federal (STF)

firmada em 2005, atualmente não mais se discute se o direito à Educação Infantil é ou não um

direito exigível, ou seja, judiciável: a Educação Infantil não mais será tratada como mera

norma “programática”, mas sim como prerrogativa constitucional indisponível deferida às

crianças, sendo exigível independentemente de regulamentações, uma vez que seu conteúdo

Page 117: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

115

básico pode ser extraído diretamente do texto da Constituição (XIMENES; GRINKRAUT,

2014).

De acordo com o próprio MEC, foi através da EC nº 59/2009, que a condição do

PNE foi reconsiderada, deixando de ser uma disposição transitória da LDBEN para ser uma

exigência constitucional:

A Emenda Constitucional nº 59/2009 (EC nº 59/2009) mudou a condição do

Plano Nacional de Educação (PNE), que passou de uma disposição

transitória da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº

9.394/1996) para uma exigência constitucional com periodicidade decenal, o que significa que planos plurianuais devem tomá-lo como referência. O

plano também passou a ser considerado o articulador do Sistema Nacional de

Educação, com previsão do percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para o seu financiamento. Portanto, o PNE deve ser a base para a elaboração dos

planos estaduais, distrital e municipais, que, ao serem aprovados em lei,

devem prever recursos orçamentários para a sua execução. Diante desse

contexto, não há como trabalhar de forma desarticulada, porque o foco central deve ser a construção de metas alinhadas ao PNE. Apoiar os

diferentes entes federativos nesse trabalho é uma tarefa que o Ministério da

Educação (MEC) realiza por intermédio da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE). O alinhamento dos planos de educação nos

estados, no Distrito Federal e nos municípios constitui-se em um passo

importante para a construção do Sistema Nacional de Educação (SNE), pois esse esforço pode ajudar a firmar acordos nacionais que diminuirão as

lacunas de articulação federativa no campo da política pública educacional

(MEC, 2013, p. 05).

O atual PNE se subdivide em 20 metas a serem cumpridas ao longo de sua vigência,

cada qual com diferentes prazos, objetivos e estratégias, sendo que as metas 1; 05-07; 12; 14-

20 tratam direta ou indiretamente da Educação Infantil. Essas 12 metas enumeram abordagens

e desafios do plano, tratando especificamente da alfabetização com articulação de estratégias

desenvolvidas na pré-escola, da educação em tempo integral, do fomento à qualidade da

educação básica através da autoavaliação, do incentivo ao transporte gratuito e de programas

suplementares, do incentivo à melhoria da formação de professores, da estruturação das redes

públicas, do suporte aos profissionais da educação, da gestão democrática e da ampliação dos

investimentos públicos. Esse grande número de metas relacionadas à Educação Infantil tornou

ainda mais evidente a necessidade de o Estado ampliar o número de vagas e reflexamente

promover o aumento das redes.

O direito à Educação Infantil, tal como proposto no art. 208 da CF e no ECA,

constitui exatamente a meta 01 a ser alcançada pelo atual PNE. O objetivo dessa primeira

meta inclui “universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola oferecida para as

Page 118: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

116

crianças de 4 a 5 anos de idade, e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches até que se

atenda, no mínimo, 50% das crianças até 03 anos”. E, para cumpri-la, o PNE define a adoção

de dezessete estratégias, a ser implementada cada uma em períodos diferentes:

1.1. definir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito

Federal e os municípios, metas de expansão das respectivas redes públicas de educação infantil segundo padrão nacional de qualidade, considerando

as peculiaridades locais;

1.2. garantir que, ao final da vigência deste PNE, seja inferior a dez por

cento a diferença entre as taxas de frequência à educação infantil das crianças de até três anos oriundas do quinto de renda familiar per capita

mais elevado e as do quinto de renda familiar per capita mais baixo;

1.3. realizar, periodicamente, em regime de colaboração, levantamento da

demanda por creche para a população de até três anos, como forma de

planejar a oferta e verificar o atendimento da demanda manifesta; Estimular

a oferta de matrículas gratuitas em creches por meio da concessão de certificado de entidade beneficente de assistência social na educação.

1.4. estabelecer, no primeiro ano de vigência do PNE, normas,

procedimentos e prazos para definição de mecanismos de consulta pública

da demanda das famílias por creches; 1.5. manter e ampliar, em regime de colaboração e respeitadas as normas de

acessibilidade, programa nacional de construção e reestruturação de escolas,

bem como de aquisição de equipamentos, visando à expansão e à melhoria da rede física de escolas públicas de educação infantil;

1.6. implantar, até o segundo ano de vigência deste PNE, avaliação da

educação infantil, a ser realizada a cada dois anos, com base em parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraestrutura física, o quadro de

pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de

acessibilidade, entre outros indicadores relevantes;

1.7. articular a oferta de matrículas gratuitas em creches certificadas como

entidades beneficentes de assistência social na área de educação com a

expansão da oferta na rede escolar pública;

1.8. promover a formação inicial e continuada dos(as) profissionais da educação infantil, garantindo, progressivamente, o atendimento por

profissionais com formação superior;

1.9. estimular a articulação entre pós-graduação, núcleos de pesquisa e

cursos de formação para profissionais da educação, de modo a garantir a elaboração de currículos e propostas pedagógicas que incorporem os avanços

de pesquisas ligadas ao processo de ensino-aprendizagem e às teorias

educacionais no atendimento da população de zero a cinco anos; 1.10. fomentar o atendimento das populações do campo e das comunidades

indígenas e quilombolas na educação infantil nas respectivas comunidades,

por meio do redimensionamento da distribuição territorial da oferta, limitando a nucleação de escolas e o deslocamento de crianças, de forma a

atender às especificidades dessas comunidades, garantido consulta prévia e

informada;

1.11. priorizar o acesso à educação infantil e fomentar a oferta do atendimento educacional especializado complementar e suplementar

aos(às) alunos(as) com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e

altas habilidades ou superdotação, assegurando a educação bilíngue para crianças surdas e a transversalidade da educação especial nessa etapa da

educação básica;

Page 119: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

117

1.12. implementar, em caráter complementar, programas de orientação e

apoio às famílias, por meio da articulação das áreas de educação, saúde e assistência social, com comunidades indígenas e quilombolas foco no

desenvolvimento integral das crianças de até três anos de idade;

1.13. preservar as especificidades da educação infantil na organização das

redes escolares, garantindo o atendimento da criança de zero a cinco anos em estabelecimentos que atendam a parâmetros nacionais de qualidade, e a

articulação com a etapa escolar seguinte, visando ao ingresso do(a) aluno(a)

de seis anos de idade no ensino fundamental; 1.14. fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da

permanência das crianças na educação infantil, em especial dos beneficiários

de programas de transferência de renda, em colaboração com as famílias e com os órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância;

1.15. promover a busca ativa de crianças em idade correspondente à

educação infantil, em parceria com órgãos públicos de assistência social,

saúde e proteção à infância, preservando o direito de opção da família em relação às crianças de até três anos;

1.16. o Distrito Federal e os municípios, com a colaboração da União e dos

estados, realizarão e publicarão, a cada ano, levantamento da demanda

manifesta por educação infantil em creches e pré-escolas, como forma de

planejar e verificar o atendimento;

1.17. estimular o acesso à educação infantil em tempo integral, para todas as

crianças de zero a cinco anos, conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, PNE, 2014).

Como se percebe, tanto por seu conteúdo quanto em razão da agenda de

regulamentações que propõe, o PNE atualiza questões sobre a exigibilidade desse direito à

educação, em resposta à crescente participação e pressão que nos últimos anos o Sistema de

Justiça tem realizado por promoção ao acesso à Educação Infantil (XIMENES;

GRINKRAUT, 2014).

As estratégias 1.1, 1.3-1.5, 1.7, 1.10 e 1.16 ressaltam com mais clareza a importância

da colaboração entre União, estados e municípios, a fim de promover a necessária ampliação

do número de vagas, especialmente nas regiões com carência de redes. Para tanto, invocam a

necessidade de um adequado levantamento sobre a demanda por vagas, como forma de se

identificar as regiões mais carentes e possibilitar parcerias com creches certificadas como

entidades beneficentes de assistência social, de modo a alcançar seus objetivos.

Sobre o assunto explica ainda Ximenes e Grinkraut (2014, p. 80):

(...) sobre o conteúdo do direito e o lugar do PNE no sistema normativo, está

relacionado o papel central que as estratégias do Plano dedicam à questão da

demanda. Nada menos que cinco das 17 estratégias presentes na Meta 1 regulam obrigações relativas a esse aspecto, seja o levantamento periódico e

publicação da demanda geral manifesta, a identificação e mobilização de

grupos demandatários específicos, como beneficiários de programas sociais,

ou ainda a chamada “busca ativa” de crianças que por razões de pobreza,

Page 120: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

118

abandono ou outras dificuldades não tenham manifestado intenção de

frequência à creche e à pré-escola.

A partir das estratégias 1.2, 1.7, 1.10-1.12, 1.14 e 1.15 se constata a preocupação do

PNE com relação às crianças de famílias de baixa renda, mais expostas ao processo de

exclusão social, especialmente aquelas que vivem no campo, nas comunidades indígenas ou

quilombolas, e também aquelas com deficiência ou que apresentam transtornos globais do

desenvolvimento ou superdotação, ignoradas tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade.

Portanto, esse conjunto de estratégias visa democratizar o acesso à educação, permitindo que

as crianças em condições de vulnerabilidade ou hipossuficiência tenham o mesmo tratamento

dado àquelas que não estão ou nunca estiveram em tais condições.

Além de democratizar o acesso à Educação Infantil e ampliar o número de vagas nas

creches e pré-escolas, a essencialidade do plano obriga que o gestor público assegure

infraestrutura adequada e formação inicial e continuada aos professores, como forma de

garantir a qualidade de ensino.

As estratégias 1.5, 1.6, 1.8, 1.9, 1.13, 1.14 e 1.17 apresentam a clara preocupação do

plano com as normas de acessibilidade, a melhoria das redes físicas, quadro de pessoal – nos

parâmetros nacionais de qualidade –, curriculum articulado com a etapa escolar seguinte, e o

estímulo ao acesso infantil em tempo integral.

2.3.2 Comparativo entre as metas do PNE atual com seu antecessor

O antigo PNE previa que, nos cinco primeiros anos de sua vigência, fosse criado um

número de vagas suficiente para comportar 60% das crianças entre 4 e 5 anos30

nas pré-

escolas, sendo que essa abrangência, ao final de seu período, deveria ser de pelo menos 80%.

Para com essa faixa etária, e a partir do estabelecido pelo PNE 2001-11, o novo PNE prevê a

universalização da pré-escola até 2016, conforme determinado pela EC nº 59/2009, que

ampliou a faixa de obrigatoriedade do ensino para a população entre 4-17 anos.

A meta apresentada pelo PNE 2014-24, nesse sentido, não inova, apenas reafirma o

que já havia sido estabelecido na CF. No que se refere a crianças entre 0 e 3 anos o antigo

PNE previa um aumento no número de vagas para comportar 30% dessa população no

30Até 2005 a educação infantil atendia crianças entre 0-6 anos. A partir de 2005, a Lei 11.114/05 alterou a

LDBEN tornando obrigatória a matrícula das crianças de 6 anos no Ensino Fundamental. A educação infantil

passou, então, a atender crianças entre 0-5 anos.

Page 121: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

119

primeiro lustro, e terminaria sua vigência com 50% de abrangência. O novo PNE, contudo,

não fixa uma meta inicial, mas uma meta final de 50%, mantendo praticamente a mesma meta

14 anos depois e, acabando por repetir quase que integralmente, nesse ponto, o texto do seu

antecessor (XIMENES; GRINKRAUT, 2014):

Tabela 2 – Quadro comparativo entre as meta do atendimento a Educação Infantil

conforme os PNE 2001-11 e 2014-2024.

PNE 2001-11 PNE 2014-24

Objetivos e metas [...] 1.3.1 Amplia a

oferta da Educação Infantil de forma a

atender, em 5 anos, a 30% da população

de até 3 anos de idade e 60% da

população de 4-6 anos (ou 4 e 5 anos) e,

até o final da década, alcançar a meta de

50% das crianças de 0-3 anos e 80% das

de 4-5 anos.

Meta 1: universalizar, até 2016, a

Educação Infantil na pré-escola para as

crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de

idade, e ampliar a oferta de Educação

Infantil em creches de forma a atender, no

mínimo, 50% (cinquenta por cento) das

crianças de até 3 (três) anos até o final da

vigência deste PNE. Fonte: Planos Nacionais de Educação 2001-11 e 2014-24.

De acordo com dados fornecidos em 2014 pelo portal “Todos pela Educação”,

organização da sociedade civil e de interesse público que monitora a Educação no Brasil, há

20 anos apenas 7% das crianças encontravam-se devidamente matriculadas na creche e pré-

escola. Percentual que no ano de 2014 foi elevado a 23%, em que pese tenha se mantido a

mesma meta que a do PNE anterior.

Obstante os mesmos objetivos, o PNE 2014-24 inova nas estratégias que adota para

alcançar a universalização pretendida. Além disso, a meta de 50% de alunos matriculados em

creches prevista por esse PNE diz respeito a uma abrangência mínima estabelecida, sem

metas intermediárias. Isso abre espaço para que, na implementação das estratégias e na

disseminação dos planos municipais de educação (PMEs), possa-se almejar a realização de

objetivos superiores, adequados às realidades específicas e, principalmente, à demanda

popular por esse direito (XIMENES; GRINKRAUT, 2014).

Apesar da timidez de propósitos da meta 1 em relação às crianças de 0 a 3

anos, suas estratégias apontam a possibilidade de se avançar na ampliação da

garantia desse direito, bem como nas condições de permanência e qualidade da oferta. Tal afirmação sustenta-se no conteúdo de várias das 17 estratégias

estabelecidas nessa meta, as quais, se implementadas, poderão no fim das

contas garantir o atendimento de toda a demanda manifesta, superando-se o patamar mínimo de 50% da população na referida faixa etária. Destacam-se

nesse sentido as estratégias relacionadas ao acesso, a expansão das redes

públicas, ao levantamento de demanda e à busca ativa. (XIMENES;

GRINKRAUT, 2014, p. 84)

Page 122: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

120

O plano atual trata em suas diretrizes da necessidade de se promover a educação

inclusiva de crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, superdotação,

indígenas, quilombolas e daquelas que residem no campo, diferentemente do PNE anterior no

qual a questão fora tratada de modo superficial (XIMENES; GRINKRAUT, 2014).

As estratégias adotadas pelo PNE 2014-24 preveem um levantamento de dados para

precisar a demanda de vagas em creches e pré-escolas, algo que não fora previsto por seu

antecessor, como forma de fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da

permanência dessas crianças nas instituições.

A grande inovação trazida pelo novo PNE se concentra na estratégia 1.2, considerada

uma estratégia de equalização na qual a frequência dos alunos estratificados segundo renda

familiar não deve distar em mais de 10%. Em 2013, de acordo com a Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/PNAD), essa

diferença era de 28,9%.

Considerando que atualmente essa diferença de oportunidades de acesso é

absurda, ou seja, que o exercício do direito à educação infantil não

obrigatória no Brasil é fortemente marcado por uma discriminação em

função da renda das famílias, essa estratégia de equalização, quando realizada, terá impacto direto no alcance da própria meta. Enquanto apenas

15,9% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em 2012, essa

frequência chegava a 44,5% entre o quintil mais rico, significando uma diferença de 28,6% (BRASIL; IBGE/ PNAD, 2012). Ampliar o atendimento

das crianças de até 3 anos e ao mesmo tempo reduzir significativamente essa

diferença nas taxas de frequência entre a população mais rica e a população mais pobre, sem retroceder em nenhuma das faixas, exigirá um esforço

significativo de equalização por meio da ação do Estado. Acompanhar a

evolução desse indicador, em nível nacional e em cada ente federado, será

essencial nas avaliações periódicas de implementação do atual PNE (XIMENES; GRINKRAUT, 2014, p. 87).

Nesse sentido, visa-se justamente contribuir para que uma parcela maior da

população, especialmente negra e pobre, tenha mais acesso aos serviços prestados pelas

creches e pré-escolas.

2.3.3 Situação atual de implementação do PNE 2014-24 com base nos dados do IBGE (2013-

14) e do Observatório do PNE31

31 Disponível em: www.todospelaeducacao.org.br. Acesso: 20/09/15

Page 123: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

121

De acordo com dados fornecidos pelo IBGE/PNAD no ano de 2013, 87,9% das

crianças com idade entre 4 e 5 anos encontravam-se devidamente matriculadas na Educação

Infantil. O novo plano visa ampliar até 2016 esse percentual para 100% a fim de garantir a

universalização da pré-escola. Contudo, não será essa uma tarefa fácil, uma vez que os 12%

faltantes quando convertidos em números absolutos ultrapassam a quantia de 700 mil

indivíduos. Para o Observatório do PNE, esse número é ainda maior se reformulado com base

nos dados fornecidos pelo MEC32

, alcançando os 18,6%.

No entanto, para autores como Ximenes e Grinkraut (2014), a discrepância nos

indicadores pode ser atribuída não somente à periodicidade da coleta dos dados, mas a outros

fatores, como as diferenças metodológicas na delimitação da idade da criança e na data de

referência das informações, ou ainda em razão das distintas interpretações atribuídas à

variável “frequência à creche”.

Desafio similar é observado com relação à cobertura de 50% das crianças em idade

de creche, pois os mesmos dados de 2013 confirmam que a cobertura de 25%, prevista no

plano anterior, só foi ultrapassada no ano de 2012.

Por outro lado, dados divulgados em 2014-15 pelo MEC e pelo Observatório do PNE

mostram que entre os anos de 2008 e 2011 houve um aumento acentuado de creches públicas

em relação ao número total de creches. No entanto, entre os anos de 2011-12 esse percentual

decaiu e vem se mantendo estável desde 2013.

Ainda conforme o Observatório, no que diz respeito à estratégia 1.8, a formação

profissional superior dos professores na área da Educação Infantil aumentou

significativamente, enquanto que a formação em magistério em nível médio caiu

drasticamente. O número daqueles que possuem apenas nível médio também aumentou, e

manteve-se próximo a zero aqueles que possuem apenas ensino fundamental. Acusa, ainda,

que em relação ao número de matrículas na área rural a Educação Infantil não teve aumento

significativo, tendo inclusive decrescido em 2013, nesse período o número de matrículas nas

creches aumentou de 112.043 para 160.701 e nas pré-escolas decresceu, passando de 775.830

para 715.493.

Quanto às matrículas em creches existentes nas comunidades indígenas, essas teriam

passado de 1.183 para 2.232 e na pré-escola de 17.206 para 20.380, demonstrando um

crescimento de 18.389 matrículas no ano de 2007 para aproximadamente 22.612 em 2013. A

mesma evolução das matrículas foi percebida em terras quilombolas, passando de 19.509 em

32 Disponível na integra no portal Planejando a Próxima Década do MEC.

Page 124: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

122

2007 para 32.650 no ano de 2013. O número de matriculas feitas nas creches em 2007 saltou

de 1.874 para 6.148 em 2013, já nas pré-escolas os dados demonstram que houve um

incremento sendo que em 2007 eram 17.635 matrículas e em 2013, 26.512 crianças atendidas.

No que pertine à intenção do PNE de estimular o acesso à Educação Infantil em

tempo integral (estratégia 1.17), que equivale à jornada igual ou superior a sete horas diárias,

os dados fornecidos pelo MEC e transpostos no portal “Todos pela Educação” demonstram

um pequeno aumento de 1,7%, o que elevou de 26,7% em 2011 para 28,4% em 2013,

evidenciando as dificuldades enfrentadas pelos governos municipais para colocar em prática

as propostas postas no papel.

Indicadores referentes às chamadas “metas de expansão”, nominalmente: demanda

por vagas em creches e pré-escolas; condições físicas obrigatórias das redes; dados referentes

às pesquisas; atendimento educacional especializado; programas de orientação e apoio às

famílias, bem como com relação às formas de se proceder às buscas ativas por crianças com

idade entre 4-5 anos não matriculadas na pré-escola e monitoramento do acesso e

permanência das crianças nessa faixa etária na segunda etapa da Educação Infantil, ainda não

estão disponíveis. O não cumprimento da estratégia 1.4, que visava “estabelecer, no primeiro

ano de vigência do PNE, normas, procedimentos e prazos para definição de mecanismos de

consulta pública da demanda das famílias por creches”, definida para ser atingida até 25 de

Junho de 2015, revela que há complexidade no atendimento à criança em longo prazo, e em se

tratando de Educação, soluções simplistas inexistem.

Muitas prefeituras ainda enfrentam problemas de assistência técnica para definir e

executar seus projetos, e dar vazão à estruturação da Educação Infantil em seus territórios,

pois falta mão de obra qualificada, não apenas para construir os chamados CMEIs – Centros

Municipais de Educação Infantil –, mas também para mantê-los em funcionamento. Muitos

enfrentam grave dificuldade financeira por não possuírem forte arrecadação, o que restringe

ainda mais seus gastos com pessoal. Sem arrecadação suficiente ficam impedidos de contratar

professores devidamente qualificados e preparados para a função que o projeto pedagógico

exige. Por consequência, fica prejudicada a qualidade da prestação de serviços educacionais.

Comprovadamente, os entes municipais gastam muito mais com pessoal do que com as obras

propriamente ditas, tornando imperiosa a revisão do suporte financeiro dado pelos estados e

pela União aos Municípios.

Page 125: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

123

2.3.4 Outras políticas públicas federais relacionadas à Educação Infantil: descrição e análise

Muito embora não haja consenso na literatura sobre o conceito ou definição exata de

política pública, uma coisa é certa: nenhum Estado ou Governo atua de forma a atender as

necessidades sociais sem antes organizar o seu conjunto de ações, ou seja, sem a definição de

uma “agenda”.

A importância de se estudar políticas públicas é justamente entender o processo de

elaboração e execução dos vários projetos, programas e planos que constituem ou que

deveriam constituir a “agenda” dos diversos setores da Administração Pública, avaliando sua

relação com os processos políticos e os vários questionamentos científicos existentes,

principalmente quando se trata de políticas educacionais voltadas às crianças com menos de 5

anos. A par disso vale discorrer, ainda que sucintamente, acerca dos principais projetos em

desenvolvimento que visam atender a demanda por Educação Infantil e aos cuidados especiais

para com a Infância.

a) Brasil Carinhoso

Lançado em 2012, é um programa voltado à primeira infância (crianças com idade

entre 0-48 meses) que reúne ações de cuidado integral, segurança alimentar e nutricional. Visa

garantir o acesso e a permanência de crianças pobres na Educação Infantil.

O “Brasil Carinhoso” faz parte de um programa de maior proporção, chamado

“Brasil sem Miséria”, e por trabalhar aspectos do desenvolvimento infantil ligado à renda, à

educação e à saúde da criança, é desenvolvido de forma articulada por três ministérios

diferentes: Ministério da Educação e Cultura, Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome (MDS) e o Ministério da Saúde.

Através de recursos suplementares repassados pelo Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos Municípios e ao Distrito Federal o programa

“Brasil Carinhoso” tem por estratégia expandir a quantidade de matrículas nas creches

públicas ou conveniadas ao poder público e melhorar o atendimento às crianças com idade

entre 0-48 meses. Seu objetivo é justamente fazer com que os serviços de Educação Infantil

cheguem de forma qualitativa também às famílias mais pobres, principalmente aquelas que

Page 126: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

124

têm renda familiar inferior a 70 reais por pessoa, por isso dá maior atenção às crianças de

famílias beneficiadas pelo Bolsa Família.33

Assim, mediante comprovação por parte do Município e do Distrito Federal de que

foram abertas novas vagas e novas turmas de Educação Infantil, o MEC autoriza a

antecipação dos valores do FUNDEB, evitando-se assim que esperem pela divulgação dos

resultados do Censo Escolar da Educação Básica para receber recursos.

O MDS por sua vez, com base nas informações do censo escolar do ano anterior,

autoriza o repasse de 50% mais recursos por vaga ocupada por crianças beneficiárias do Bolsa

Família em creches públicas ou em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas,

sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público. Esta parte do recurso poderá ser

utilizada pelos Municípios e Distrito Federal para custear gastos com a alimentação34

e

higiene pessoal das crianças nas creches e pré-escolas35

.

O programa Brasil Carinhoso tem sido importante, inclusive, na prevenção e no

tratamento de problemas de saúde considerados corriqueiros nos primeiros anos do

desenvolvimento da criança, como a avitaminose e anemia, promovendo a distribuição de

Vitamina A e Sulfato Ferroso, além de oferecer gratuitamente medicamentos para tratamento

de asma.

b) Proinfantil

Lançado em 2005 em caráter emergencial, esse programa se propõe a promover,

através de cursos à distância, a qualificação ideal daqueles profissionais da educação que não

possuem a formação mínima exigida para atuarem no magistério e nível médio, incentivando

a inserção de profissionais para atuarem em sala de aula na Educação Infantil. O curso tem

duração de dois anos e tem por objetivo principal dar condições de crescimento profissional a

quem atua nas redes públicas e privadas sem fins lucrativos, especificamente na área da

Educação Infantil, promover a valorização do magistério e contribuir para a prestação

qualitativa dos serviços educacionais ofertados às crianças com idade entre 0 e 5 anos.

c) Pradime

33 No caso estas famílias recebem uma complementação de renda que corresponde a R$ 70 por mês. Fonte:

Relatório de Gestão – Secretaria Executiva/MEC- exercício 2013). Disponível em: www.portal.me.gov.br.

Acesso 18 dez. 2015. 34 Desde que sejam alimentos permitidos nos normativos do Programa Nacional de Alimentação Escolar

(PNAE). 35 Disponível em: http://www.fnde.gov.br/fnde/legislacao/itemlist/tag/Censo%20Escolar. Acesso 15 jan. 2016.

Page 127: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

125

O MEC, em parceria com a UNDIME, criou o programa de apoio aos dirigentes

municipais de educação, que tem por objetivo fortalecer a atuação dos dirigentes da educação

municipal na gestão de sistemas de ensino e das políticas educacionais, configurando, na

verdade, mais uma ação do governo federal para viabilizar o cumprimento das metas e

estratégias estabelecidas pelo PNE. No que concerne à Educação Infantil, esse programa tem

sua importância na busca pelo aumento do padrão nacional de qualidade de educação, porque

valoriza e dá apoio aos gestores da educação básica que proporcionam espaços de diálogo

entre a esfera pública e a comunidade escolar, propiciando trocas de informação, experiências

e técnicas que podem aperfeiçoar o funcionamento das instituições e do processo de formação

cidadã nas escolas. Esse programa é articulado na forma de dois tipos de atividades:

presenciais e cursos à distância. Nesse sentido, explica o MEC36

:

A primeira propicia a participação dos dirigentes municipais em encontros

com representantes do MEC, do MEC/FNDE e da UNDIME, dentre outros,

onde são discutidos diversos programas e temas relacionados à política educacional. Neles são realizadas palestras, oficinas e também apresentações

de exemplos bem sucedidos de gestão da educação municipal. A segunda

iniciativa, o curso à distância, é um espaço de aperfeiçoamento e formação dos dirigentes municipais de educação em nível de extensão e, em alguns

casos, especialização. O curso aborda as diversas temáticas que estão sob sua

responsabilidade, abrangendo o planejamento e a avaliação do sistema

educacional, o financiamento e a gestão orçamentária, a infraestrutura física e a logística de suprimentos bem como a gestão de pessoas, considerando o

ambiente de governança democrática. Neste espaço virtual de aprendizagem,

além do curso propriamente dito, o aluno ainda encontrará um espaço propício para o intercâmbio de ideias e experiências, contando com o apoio e

orientação de professores consultores (BRASIL. MEC, 2014).

d) Proinfância37

No ano de 2007, como parte das ações do PDE do MEC foi criado o Programa

Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de

Educação Infantil (Proinfância), cujo objetivo é prestar a municípios e ao Distrito Federal a

assistência técnica e financeira necessária à ampliação das redes e a qualidade da

infraestrutura escolar desde a construção de creches e pré-escolas públicas à aquisição de

36 Disponível em http://portal.mec.gov.br/. Acesso 22 set. 2015. 37 Disponível em http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/proinfancia/proinfancia-apresentacao. Acesso 22

set. 2015.

Page 128: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

126

mobiliários, equipamentos eletroeletrônicos e instalações padronizadas e adequadas ao ideal

funcionamento.

Quando eleita para seu primeiro mandato, em 2010, Dilma Roussef fez desse

programa uma das suas principais bandeiras eleitorais, prometendo até o final de seu mandato

a entrega de mais de 6 mil creches. Porém, os mesmos problemas enfrentados por seu

antecessor (Luiz Inácio Lula da Silva) com relação ao prazo de entrega das obras vem sendo

enfrentados por ela, agora em seu segundo mandato (2014-18).

Em que pese a quantidade de recursos empenhados e as metas ambiciosas, o baixo

número de unidades entregues opera com uma realidade frustrante para aqueles que

idealizavam tal ação como a solução cabal da histórica deficiência por creches. A lentidão na

entrega das obras pelas empreiteiras contratadas pelos Municípios não é nada original, e vem

sendo apontada como o principal problema à concretude ideal do programa.

Muitos Municípios não possuem servidores qualificados nem a capacidade

administrativa necessária à gestão dos recursos destinados à execução desse programa e o

ritmo lento da execução dos trabalhos colocam em risco o cumprimento do PNE recém

aprovado, que prevê a universalização do acesso escolar de crianças com idade entre 4-5 anos

até 2016.

A ideia principal do programa é, portanto, fomentar a ampliação de vagas na

Educação Infantil, através de financiamento de obras novas e reformas. De acordo com o

MEC, entre os anos de 2007 e 2014, o Programa investiu na construção de 2.543 escolas, por

meio da formalização de convênio e até o início de 2015 mais de 2.500 municípios já haviam

recebido apoio do FNDE para compra de móveis e equipamentos, como mesas, cadeiras,

berços, geladeiras, fogões e bebedouros.

A partir de 2011, o Proinfância passou a fazer parte do Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC 2), ganhando maior visibilidade, relevância, e consequentemente, mais

investimentos (o orçamento previsto foi de 7,6 bilhões de reais) em atendimento às queixas

dos prefeitos de que os municípios não têm condições de arcar nem mesmo com mínimo das

obras consideradas necessárias.

Atualmente, o Proinfância é considerado uma das importantes ações do governo

federal em prol da ampliação do atendimento educacional à infância que necessita de

melhores mecanismos de monitoramento e avaliação, apesar dos muitos desafios impostos à

sua implementação, como a falta de terrenos em algumas regiões, a ausência de planejamento

para execução (que deve considerar as especificidades de cada região), problemas na

contratação, licitação, cadastramento de funcionários, termos de compromisso e,

Page 129: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

127

especialmente, a dificuldade de dar continuidade à manutenção das obras depois de

concluídas.

De acordo com informações publicadas pelo Observatório de Favelas38

, um

levantamento realizado pelo PNAD em parceria com o MEC, em 2012, constatou que

somente 2,54 milhões (cerca de 24,2%) de crianças entre 0 e 3 anos estavam matriculadas em

creches. Ainda segundo o Observatório, dados do IBGE apontam, com relação a pré-escola,

que faltam cerca de 1 milhão de vagas para atender crianças de 4 e 5 anos, reforçando a ideia

de que o Proinfância deve ser encarado pelo governos como sendo apenas um meio para

dirimir os efeitos dessa demanda. Um balanço divulgado pelo MEC em meados de março de

2015 confirma essa situação ao indicar que foram investidos mais de R$ 10 bilhões e

contratadas 8.787 creches por todo o país desde o ano de 2007, das quais cerca de 2.533 estão

concluídas, outras 3.989 encontram-se em construção, estando o restante (cerca de 2.265

unidades) sem sair do papel.

Ainda, de acordo com o Observatório do PNE, mesmo se todas as unidades

estivessem com o cronograma de entrega em dia, seriam elas insuficientes para comportar

toda a demanda e garantir assim, a universalização.

Para Vital Didonet, em entrevista à revista Carta Fundamental em junho de 2015,

um dos primeiros defeitos desse programa foi não ter consultado os entes municipais acerca

de suas especificidades nem levado em consideração a amplitude e a diversidade regional no

planejamento arquitetônico das instituições. “Foi uma decisão que necessitava de um

planejamento conjunto com os municípios. O diálogo levaria a um planejamento

diversificado”, pondera.

Essa situação, segundo muitos gestores municipais, tem dificultado a eficiência dos

serviços prestados justamente porque, os projetos arquitetônicos idealizados de forma

padronizada, que o FNDE chama de “metodologias inovadoras de construção” não levam em

consideração as necessidades e especificidades locais. Assim, a idéia de uma licitação

nacional por “ata de registros de preços”, na intenção de acelerar o processo licitatório que

precede a liberação do dinheiro, não tem dado muito certo, visto que o mesmo projeto que é

executado no interior nordestino tem servido de base para construção de creches nos Estados

do Amazonas, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, regiões diversificadas não apenas pela

constituição étnica da população, mas principalmente por conta do clima.

38 Disponível em http://www.observatoriodefavelas.org.br/noticias-analises/educacao-nao-ha-vagas/ Acesso 10

set. 2015.

Page 130: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

128

Muitos municípios não possuem caixa próprio, e por dependerem desses recursos

federais para cumprirem com a obrigação para com a Educação ficam adstritos às regras

impostas pelo governo federal, não podendo mudá-las nem adaptá-las porque a verba é

“carimbada”.39

Desde maio de 2015 o MEC e o FNDE tem autorizado que os próprios municípios

procedam à licitação adequando o procedimento de liberação da verba pública às suas

necessidades. Mas, para que um Município possa receber esse recurso, ele tem que contar

com uma equipe de servidores bem treinados para promover e fiscalizar o processo licitatório,

além de cumprir com a contrapartida de doar um terreno para a construção da creche e ou pré-

escola e se comprometer com a manutenção do espaço. O Município, por meio dos seus

servidores encarregados das Comissões de Processos Licitatórios, é responsável por obter

todos os orçamentos necessários à licitação levando em consideração as variações de preço de

uma região para outra. Como o FNDE é o órgão responsável por administrar e repassar os

recursos40

ele fiscaliza a liberação do pagamento às empreiteiras de acordo com a etapa

concluída.

Embora seja uma tentativa de descentralização, os recursos tem sido insuficientes e

muitos Municípios ainda enfrentam grandes dificuldades uma vez que o próprio processo

licitatório não é simples e faltam-lhes mão de obra qualificada para instrumentalizar, dirigir e

fiscalizar a lisura do procedimento necessário à liberação da verba pública.

e) Pronacampo

O Programa Nacional de Educação do Campo é um programa do governo federal

destinado às populações rurais e quilombolas. Seu objetivo é dar apoio técnico e financeiro

aos estados, municípios e ao Distrito Federal para a implementação da política de educação do

campo visando à ampliação do acesso e a qualificação da oferta da Educação Básica e

Superior, por meio do aumento da qualidade da educação, promovendo infraestrutura

educacional em áreas rurais, formação inicial e continuada de professores, maior inclusão das

39 No segundo semestre de 2015, os prefeitos foram informados que o FNDE oferecerá dois novos modelos de

plantas como forma de viabilizar a necessidade de cada Município, e que prometeu melhorar o diálogo com os

dirigentes em nome da eficiência do programa e garantia da otimização do gasto público. O FNDE também

prometeu acompanhar as obras in loco ao invés de exigir apenas fotos como comprovação da conclusão das

etapas mediante elaboração de um plano para dirimir os transtornos carreados pela baixo ritmo da execução do

programa. 40 O valor por aluno, quase 1,5 mil reais para quem estuda meio período, aumenta 50% quando essa criança é

beneficiária do Bolsa Família. Dados disponíveis no site: www.fnde.gov.br. Acesso 12 set. 2015.

Page 131: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

129

populações rurais, disponibilizando material especifico aos estudantes do campo e

quilombolas, em todas as modalidades de ensino.

O programa trabalha com a educação contextualizada, articulando o conhecimento

científico com os saberes das comunidades. As ações desenvolvidas são voltadas ao acesso e

permanência na escola, à aprendizagem e à valorização do universo cultural das populações

do campo, atendendo a reivindicações de sistemas de ensino e movimentos sociais (BRASIL,

MEC, 2013).

Estruturado a partir do decreto nº 7.352/2010, esse programa se embasa em uma série

de outras ações que se voltam ao acesso e permanência na escola, à aprendizagem e à

valorização do universo cultural das populações do campo e quilombolas, firmando-se em

quatro eixos, a saber: Gestão e práticas pedagógicas; formação inicial e continuada de

professores; educação de jovens e adultos e educação profissional; infraestrutura física e

tecnológica (BRASIL, MEC, 2013, p. 03).

f) Atendimento Escolar Especializado (AEE)41

No âmbito da política nacional de educação especial na perspectiva da educação

inclusiva, o Atendimento Escolar Especializado (AEE) visa atender os alunos com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, no

ensino regular. Esse programa integra o PDE, destinando apoio técnico e financeiro aos

sistemas de ensino para garantir o acesso ao ensino regular e a oferta do AEE.

O AEE conta com o apoio do Programa Implantação de Salas de Recursos

Multifuncionais (SRM), que incentiva a oferta do AEE como recurso complementar ou

suplementar à escolarização de estudantes público-alvo da educação especial. As SRMs

dispõem de equipamentos, mobiliários e materiais pedagógicos e de acessibilidade, destinados

a atender às especificidades educacionais dos alunos.

Os objetivos do programa incluem apoiar a organização da educação especial na

perspectiva da educação inclusiva; assegurar o pleno acesso dos alunos público alvo da

educação especial no ensino regular em igualdade de condições com os demais alunos;

disponibilizar recursos pedagógicos e de acessibilidade às escolas regulares da rede pública de

ensino; promover o desenvolvimento profissional e a participação da comunidade escolar.

41 http://portal.inep.gov.br/web/educacenso/duvidas-educacao-especial. Acesso 18 jan. 2016

Page 132: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

130

g) Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR42

O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) foi

instituído para atender o disposto no artigo 11, inciso III do Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro

de 2009, que prevê a “Oferta emergencial de cursos de licenciaturas e de cursos ou programas

especiais dirigidos aos docentes em exercício há pelo menos três anos na rede pública de

educação básica, que sejam: a) graduados não licenciados; b) licenciados em área diversa da

atuação docente; e c) de nível médio, na modalidade Normal; com a finalidade de organizar,

em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a

formação inicial e continuada dos profissionais do magistério para as redes públicas da

educação básica”.

O Programa fomenta a oferta de turmas especiais em cursos de licenciatura para

docentes em exercício na rede pública da educação básica que não tenham formação superior

ou que mesmo tendo essa formação se disponham a realizar curso de licenciatura na

etapa/disciplina em que atua em sala de aula. Esse programa oferece, ainda, a oportunidade de

obter uma segunda licenciatura aos professores já licenciados que estejam em exercício há

pelo menos três anos na rede pública de educação básica e que atuem em área distinta da sua

formação inicial. Além desses o PARFOR oferece formação pedagógica para docentes ou

tradutores/intérpretes de Libras graduados não licenciados que se encontram no exercício da

docência na rede pública da educação básica.

A Plataforma Paulo Freire é um sistema eletrônico criado em 2009 pelo Ministério

da Educação, com a finalidade de realizar a gestão e acompanhamento do PARFOR. Nesse

sistema, a CAPES publica a relação dos cursos superiores ofertados pelas Instituições de

Educação Superior para os professores da rede pública de educação básica que podem

escolher quais licenciaturas cursar, realizar sua inscrição, cadastrar e atualizar seu currículo.

h) Programa Fora da Escola Não Pode!43

Em 2010, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Instituto de

Estatística da UNESCO (UIS) deram início à Iniciativa Global Out of School Children

(OOSC) pelas Crianças Fora da Escola. No Brasil, o projeto é desenvolvido em parceria com

42 http://www.capes.gov.br/educacao-basica/parfor. Acesso 12 set. 2015. 43 http://www.unicef.org/brazil/pt/activities_26691.htm. Acesso 12 set. 2015.

Page 133: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

131

a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e a iniciativa inclui a mobilização “Fora da

Escola Não Pode”.

Durante o 15º Fórum Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, promovido

pela UNDIME entre os dias 16 e 19 de junho de 2015 em Mata de São João - BA, ocorreu o

lançamento oficial da parceria entre o Instituto TIM e a UNICEF. O instituto oferecerá a

mesma tecnologia utilizada em ações já desenvolvidas pela Pastoral da Criança e pelo projeto

“Agentes da TransformAção”, desenvolvido em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no

Rio de Janeiro: um sistema de busca ativa via software livre. A ideia é ofertar a ferramenta de

forma gratuita aos municípios para que eles possam, por meio de profissionais de diferentes

áreas das prefeituras, ONGs e outras instituições, identificar através de interações com a

comunidade, casos de crianças que estão fora das escolas. Nesse ínterim, todos terão acesso à

mesma base de dados, e o sistema permitirá que cada município faça o acompanhamento de

suas crianças fora da escola, cruze informações por meio de filtros, identifique as maiores

demandas, classifique-as por bairro ou faixa etária, consulte os casos que estão em aberto e os

casos solucionados, entre outras ações. A perspectiva é que com esse tipo de informação os

gestores públicos tenham mais subsídios para monitorar e tomar decisões sobre como

enfrentar a exclusão escolar em suas localidades.

A exclusão escolar é um fenômeno complexo e a sua superação requer mais

do que boa vontade. É preciso que o Estado cumpra o seu dever

constitucional e que haja a participação e o compromisso de toda a sociedade e de cada um de nós para garantir o acesso, a permanência, a aprendizagem e

a conclusão da educação básica na idade certa (UNICEF BRASIL, 2012, p.

10-11).

Apesar da grande expectativa de ver o Brasil proporcionando nos próximos anos,

para cada criança e adolescente fora da escola, o direito de aprender, muita coisa ainda há de

ser feita, inclusive com relação àqueles que mesmo estando matriculados nas escolas e que

estão fortemente sujeitos à evasão escolar e ao abandono intelectual, dada a situações cada

vez mais reforçadas por outros fatores agravadores do quadro de vulnerabilidade, como a

discriminação e o trabalho infantil.

A meta estipulada para este ano dificilmente será cumprida, e os desafios a serem

enfrentados são, de fato, enormes. É o que comprova um estudo publicado no ano de 2012

pelo UNICEF em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação44

, realizado

com base em microdados do censo demográfico realizado pelo IBGE no ano de 2010, e que

44 Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/br_oosc_ago12.pdf. Acesso: 25 set. 2015.

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132

aponta que mais de 3,8 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 4-17 anos ainda

estão fora da escola. Esse estudo indicou, ainda, uma maior exclusão em relação às crianças

na faixa etária entre 4-5 anos (dada a falta de creches e pré-escolas), seguidas daquelas com

idade entre 15-17 anos que deveriam estar matriculadas no ensino médio. Os números

confirmam também que os jovens mais vulneráveis à exclusão escolar são as crianças e os

adolescentes negros, indígenas, deficientes, residentes em regiões rurais da Amazônia, do

Semiárido Nordestino ou nas periferias dos grandes centros (BRASIL, 2012).

De acordo com o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, feito

pela UNESCO (2015), até 2014 o número de países que institucionalizaram a obrigatoriedade

da Educação pré-escolar aumentou para 40. Contudo, o mesmo documento revela outra

estatística nada animadora: em um quinto dos países do mundo, menos de 30% das crianças

estarão matriculadas nas escolas até o final de 2015.

Além dos programas já citados existem outros, não menos importantes, que

fomentam o desenvolvimento da Educação Infantil, vale dizer:

- Programa Nacional de Biblioteca da Escola: que tem como expectativa criar em

todos os centros de Educação Infantil um acervo mínimo de 50 títulos literários (referenciadas

pelos próprios professores) voltados às crianças com idade entre 0-5 anos, com estimativa de

distribuição para 316.357 turmas de Educação Infantil.

- Programa Nacional de Alimentação Escolar: implantado em 1955, contribui para a

formação de hábitos alimentares saudáveis, por meio da oferta de alimentação escolar

adequada aliada a ações de educação alimentar e nutricional. De caráter suplementar, esse

programa prevê um valor repassado pela União a Estados e Municípios definido pela

modalidade de ensino, atualmente variando entre R$ 0,30 (para cada aluno matriculado no

ensino fundamental, médio, e educação de jovens e adultos, por dia letivo) até R$ 1,00

(creches) (FNDE, 2012a).

- Programa Dinheiro Direto na Escola: que visa facilitar a aquisição de gêneros de

primeira necessidade em volumes considerados pequenos, de forma a evitar que as escolas

atendidas esperem pela conclusão de processos licitatórios sem a real necessidade. A

estimativa, de acordo com dados fornecidos no 15º Fórum de Política Nacional de Educação

Infantil, é de que até o momento 78.130 escolas tenham sido beneficiadas por este programa.

- Compra Governamental de Brinquedos como material pedagógico de Educação

Infantil: ainda que os municípios, estados e Distrito Federal possam adquirir Brinquedos com

recursos próprios ou de outras fontes (doação, por exemplo) para facilitar o trabalho

desenvolvido pelas creches e pré-escolas públicas e conveniadas, materiais necessários à

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133

“brinquedoteca” podem ser adquiridos mediante adesão à ata de registros de preços no Pregão

Eletrônico nº 35/2014 (FNDE, 2012b).

A par disso tudo e à guisa de conclusão, este capítulo buscou interpretar, portanto, o

diálogo entre o passado e o presente sobre as políticas públicas para a Educação Infantil, de

modo que, por meio das legislações, pode-se observar que a CF/88, pela primeira vez,

estabeleceu que a Educação Infantil fosse tratada como um direito da criança, uma opção da

família e um dever do Estado. Percebe-se também o esforço da Carta Magna em promover

uma mudança no gerenciamento das políticas públicas ao descentralizar as ações da União

para os entes municipais, e ao deixar a União no papel de colaboradora, no que diz respeito ao

apoio técnico e financeiro – apoio este que, apesar de necessário, não tem sido significativo

ante a crescente demanda por vagas nas instituições de responsabilidade municipal.

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134

3 O DIAGNÓSTICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL, NO PARANÁ, E OS

PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO

PLANEJAMENTO LOCAL DA POLÍTICA EDUCACIONAL VOLTADA À

CRIANÇA PEQUENA.

Neste último capítulo ressaltamos a importância da Educação Infantil enquanto

instrumento de formação social e de construção de um pensamento crítico, à medida que pais,

profissionais da educação e crianças, convidados a participar de debates democráticos acerca

da política pública, assumem com protagonismo os papéis de cidadãos. Para isso, procuramos

diagnosticar a realidade da educação ofertada às crianças e compreender através do estudo de

um caso em concreto o que ainda precisa ser efetivamente feito pelos municípios brasileiros

para melhorar a situação de nossas crianças.

3.1 A Educação Infantil na América Latina e a situação do Brasil em comparação com

os outros países mundo.

Ao se analisar a forma como países desenvolvidos trabalham a política educacional,

tem-se como clara constatação que estes, em sua maioria, encaram como investimentos e não

como despesas todo o dinheiro gasto com educação. Especificamente nos países com PIB

elevado e adeptos da democracia representativa, como os países-membros da Organização

para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o amparo educacional à criança

pequena é tratada com seriedade e dedicação.

Não por acaso, desde a década de 90, a OCDE têm se dedicado a investigar e estudar

a relação entre uma educação de boa qualidade na infância e a construção cidadã do povo.

Desde então, tem comprovado através de dados científicos e socioeconômicos que na maioria

dos países que compõem o bloco, e dentre eles os países nórdicos (Finlândia, Islândia,

Noruega, Dinamarca e Suécia) e alguns países da América do Sul (México e Chile), as

crianças que desde cedo são submetidas a boas experiências de estímulo físico, cognitivo,

social, emocional, tem obtido melhores resultados ao longo da vida (UNESCO, 2002).

Mais recentemente, as pesquisas nesses países têm avançado no sentido de que os

serviços voltados à Educação Infantil, além de atenuarem os efeitos da pobreza na vida de

muitas crianças, servem para diagnosticar e prevenir situações que levam ao fracasso escolar,

servindo, sobretudo, como instrumento de inclusão social ao proporcionarem, em condições

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135

de igualdade, que crianças oriundas de famílias pobres ou em situações de vulnerabilidade

tenham oportunidades de acesso a uma educação de qualidade (UNESCO, 2002).

Por outro lado, outros estudos tem comprovado que possuir um PIB elevado não é

obrigatoriamente sinônimo de pesados investimentos em educação pública, muito menos

garantia de qualidade de vida a todos os cidadãos. Isso porque até mesmo dentre as nações

que integram a OCDE há aquelas de tradição ideológica liberal, voltadas mais fortemente ao

mercado, à propriedade privada e ao consumo, e que por conta dessa situação se esforçam

menos com relação às políticas sociais, inclusive aquelas direcionadas às crianças pequenas. É

o caso dos EUA, do Reino Unido e da Austrália (CHOI, 2002).

O mesmo já não se pode falar dos países escandinavos, principalmente Finlândia e

Noruega, pois nesses países a dedicação do Estado para com as políticas sociais de proteção à

criança e à família supera todas as expectativas se comparada com o resto do mundo. A

Finlândia, em especial, desde a publicação dos primeiros resultados do PISA (Programa

Internacional de Avaliação de Alunos) em 2001 vem despontando no ranking dos países com

melhor desempenho estudantil e menor desigualdade social.

Inevitável não associar o sucesso desse país no campo da educação aos fatores

políticos, sociais, culturais e econômicos que a favorecem e que obrigatoriamente precisam

ser relativizados na comparação com os outros países. A Finlândia é uma nação relativamente

jovem, de regime democrático parlamentar, e os processos que a levaram à qualidade

educacional experimentada até os dias de hoje também são recentes (BRITTO, 2013).

A Finlândia possui apenas 342 municípios distribuídos por 12 províncias, e sua

população é de aproximadamente 5,4 milhões de habitantes em um território de 338 mil km².

Uma realidade social bem diferente da brasileira, com mais de 5.500 municípios e 200

milhões de habitantes. Contudo, o sucesso da educação finlandesa não se resume a essas

particularidades: está mais intimamente ligado à estrutura evoluída do seu sistema educativo e

às experiências do país na reforma educativa iniciada logo após o término da segunda guerra

(BRITTO, 2013).

A partir de 1960 o governo finlandês passou a se dedicar firmemente na promoção de

uma política pública capaz de garantir ao mesmo tempo o bem-estar da família e à qualidade

de vida das crianças. Para isso, vêm instituindo significativamente um sistema de subsídios

para amparar o desenvolvimento infantil, contribuindo financeiramente com aqueles pais que

necessitam de uma complementação da renda para garantir o desenvolvimento completo dos

seus filhos e não se desligarem definitivamente do mercado de trabalho (FINLAND, 2006).

Page 138: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

136

A Educação Infantil na Finlândia não é considerada obrigatória, e mesmo assim não

deixou de ser considerada e respeitada pelo Estado como um direito dos pais e das crianças.

Naquele país, a qualidade de vida dos cidadãos é enorme, muitos teriam condições de arcar

com os custos de uma educação privada. No entanto, o número de creches financiadas pelo

Governo supera muito o número de instituições particulares.

Todas as creches finlandesas passam a aceitar as matriculas das crianças a partir dos

9 meses de idade. Antes dessa idade é concedido pelo Governo aos pais “licença parental”,

uma espécie de licença gestante que dura exatos nove meses e que pode ser divida entre mãe e

pai. Ao final dessa licença a lei finlandesa impõem aos municípios a responsabilidade pela

educação pré-escolar das crianças até elas alcançarem 7 anos, idade em que podem passar a

frequentar o ensino fundamental (ZANFELICI, 2009).

Como o serviço de creche é opcional, os pais que preferem não matricular seus filhos

aos nove meses de vida recebem outro tipo de ajuda financeira do Estado até que a criança

complete 3 anos, uma espécie de auxílio financeiro cujo valor pode variar entre 300 e 500

Euros, dependendo da condição financeira da família e das necessidades sociais dos pais

(ZANFELICI, 2009).

Quando a criança finlandesa completa 3 anos de idade, independentemente de os pais

estarem trabalhando, é feito o cadastro da criança na creche para obtenção da vaga. Algumas

creches possuem filas de espera, e nesses casos, quando os pais não encontram vagas e

precisam voltar a trabalhar, o Governo local garante-lhes um amparo financeiro para prover

os devidos cuidados da criança enquanto trabalham fora.

Mas, além das creches públicas existem as creches “abertas”, que são locais onde as

mães podem dividir os cuidados com as crianças como forma de desenvolver-lhes a

socialização. São creches comunitárias, subsidiadas pelo poder público, mas que tem nas

próprias mães (auxiliadas pedagogicamente por uma professora formada) o espírito de seu

funcionamento. Na Finlândia, pouquíssimas são as creches particulares, sendo a maioria delas

destinadas às crianças filhas de pais estrangeiros (ZANFELICI, 2009).

Ainda com relação às creches públicas finlandesas, no ato da matrícula os pais são

submetidos a uma entrevista com uma equipe formada pela própria instituição, como uma

forma de conhecer e avaliar as particularidades de cada criança matriculada, seus aspectos

físicos, emocionais e educacionais. As creches funcionam em período integral (das 6h30 até

17hs), e as turmas são formadas por doze a vinte crianças no máximo. Cada sala é

acompanhada obrigatoriamente por três professoras (uma titular, com mestrado e as outras

duas, auxiliares com formação em nível médio/magistério), porém todas são igualmente

Page 139: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

137

participativas e responsáveis para com as crianças. Todas as atividades são definidas em

conjunto, com a participação das crianças, como forma de incentivá-las a opinar, respeitar

regras, a entrar em consenso, a dividir as atividades e a se solidarizar com colegas, e as

brincadeiras são divididas em pequenos grupos que se revezam entre si.

Também destoa absurdamente da realidade brasileira a forma como o Estado e o

povo finlandês valorizam o profissional da educação, tratando-os com respeito,

profissionalismo e responsabilidade. Por conta disso os professores finlandeses, além de

serem bem remunerados, são dotados de autonomia para trabalharem os conteúdos nas salas

de aula. Obviamente, existe um currículo nacional básico a ser seguido, mas este serve apenas

como instrumento inicial para o desenvolvimento das atividades pedagógicas.

Na Finlândia os diretores das instituições de ensino não são pagos para controlar o

trabalho dos professores e não interferem na forma como as aulas são ministradas. A

descentralização do poder é levada a sério. Os professores finlandeses possuem total

liberdade para se revezarem nos trabalhos, debater métodos, discutir didáticas, escolher livros

e adotarem ou não a tecnologia como instrumento de trabalho. Como resultado, o currículo

escolar finlandês é amplamente debatido e gerido com a participação da comunidade escolar.

Há ainda incentivo do governo para se promover a formação continuada dos profissionais da

educação (para lecionar é preciso ter mestrado), o que explica o alto grau de qualificação dos

professores no país e a elevada disputa pelos cursos de pedagogia e pós na área (FINLAND,

2006).

Do ponto de vista estrutural, as creches finlandesas também chamam a atenção e

fogem totalmente do padrão de creche e pré-escola que se conhece no Brasil (onde as

instituições quase sempre são padronizadas, sem levar em conta as especificidades da região e

as necessidades das crianças atendidas ou precariamente improvisadas). São ambientes

alegres, coloridos, espaçosos e bem divididos, equipados com playground, refeitórios,

brinquedotecas, dormitórios, banheiros adaptados e oficinas de atividades. Cada creche

procura dar ênfase a uma atividade artística ou esportiva e os pais levam isso também em

consideração antes de matricularem seus filhos. Assim, é possível encontrar na Finlândia

creches que estimulam mais as crianças no campo da música, outras através da pintura, e

outras tantas, através dos esportes.

As crianças que frequentam essas creches recebem no mínimo três refeições

balanceadas por dia (café da manhã, almoço e lanche da tarde) de acordo com cardápio

elaborado por nutricionistas designados para acompanhar o desenvolvimento nutricional

infantil em cada uma das entidades cadastradas, dando especial atenção àqueles alunos que

Page 140: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

138

possuem restrições alimentares ou que mereçam especial atenção por conta de suas

necessidades especiais.

De tempos em tempos as creches promovem uma avaliação entrevistando os pais, e

as professoras responsáveis por cada turma emitem relatórios que obrigatoriamente são

encaminhados aos pediatras pagos pelo poder público para acompanhar o desenvolvimento

infantil nas instituições (ZANFELICI, 2009).

Com relação às crianças com necessidades especiais ou que precisam de atendimento

médico especializado, os municípios finlandeses disponibilizam profissionais para prestarem

o atendimento diretamente nas creches quando a condição financeira dos pais não lhes

permite pagar pelo serviço.

Para cumprimento das metas de atendimento, os processos de gestão são tão

transparentes e participativos que municípios com condições financeiras diferentes têm

igualmente garantido eficiência na implementação da política pública. Daí falar-se que na

Finlândia nem as creches e nem as escolas sofrem com falta de dinheiro e materiais

necessários ao funcionamento.

Todavia, a realidade da Finlândia embora promissora e merecedora de ser elevada à

regra, ainda é exceção se comparada com a realidade fática do Brasil e de outros países da

América Latina e do mundo, onde estudos comparativos recentes têm demonstrado que as

despesas públicas com a Educação Infantil por estudante, não tem alcançado 1/3 dos

investimentos feitos pelos países mais desenvolvidos. E, mesmo dentre os países latino-

americanos o Brasil continua dentre os piores. O México, por exemplo, em 2010, visando

atender em suas creches e pré-escolas crianças com idade a partir dos 3 anos, investiu por

aluno aproximadamente 4.970 reais, enquanto que, no mesmo ano, o Brasil investiu 4733

reais e a Argentina, 5.441 reais. Investimentos considerados muito abaixo da média calculada

pela OCDE nos países mais desenvolvidos, que segundo cálculos da própria organização foi

de 14.069 reais45

(OCDE, 2013).

É bem verdade que nas últimas décadas houve uma maior cobertura dos principais

serviços de amparo ao desenvolvimento infantil, especialmente no que diz respeito a creches e

pré-escolas. Porém, para as organizações internacionais multilaterais voltadas aos cuidados

com a Infância, dentre elas a UNICEF e a UNESCO, os países latino-americanos ainda estão

muito atrasados em comparação com outros países em desenvolvimento. Segundo dados da

45 Disponível na integra em http://www.oecd.org/edu/Panorama%20de%20la%20educacion%202013.pdf.

Acesso: 02/10/2015

Page 141: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

139

UNESCO (2015), essa cobertura passou de 59% em 1999 para 74% em 2012. Apesar dos

avanços, outro estudo46

realizado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

(CEPAL) entre os anos de 2006 e 2013 demonstrou em percentuais a grande desigualdade no

atendimento dado às crianças com idade entre 3 e 6 anos em diferentes países da América

Central e do Sul: Guatemala 10,2%; Nicarágua: 35,5%; Honduras: 32,4%; México: 74%;

Argentina: 70%; Brasil: 77,4%; Chile: 76,7%; Colômbia: 60%; República Dominicana:

12,3%; Equador: 93,7%; El Salvador: 66,4%; Panamá: 64,1%; Paraguai: 72,2% e Peru:

68,6%.47,48

Sabe-se que esses percentuais ocultam muitas das disparidades existentes tanto intra

quanto inter países, inclusive com relação aos segmentos etários efetivamente atendidos pelos

governos locais, e que as médias nacionais escondem muito mais discrepâncias que só podem

ser desvendadas e compreendidas se levada em consideração a distribuição regional das

matrículas no interior de cada um dos países e o atendimento que vem sendo dado por classes

sociais (CAMPOS, 2012) Por esse motivo, unânime tem sido a opinião tanto no meio

acadêmico quanto no político social, que a situação da Educação Infantil ainda é muito

preocupante.

Alguns dos principais organismos internacionais multilaterais que atuam na América

Latina (UNICEF, UNESCO, Banco Mundial e CEPAL) há algum tempo vêm chamando a

atenção para a intensificação do processo de infantilização da pobreza, e têm recomendando,

de forma mais incisiva, que os governos locais invistam mais recursos na Educação Infantil

não apenas para se evitar atrasos no processo de aprendizagem das crianças, mas para

incentivar a formação de “capital humano” necessário ao desenvolvimento futuro das nações.

(CAMPOS, 2012). A ascensão de estudos científicos diversos comprovando que a infância é

o período da vida humana mais propenso ao desenvolvimento cerebral, tem contribuído para o

embasamento dessas reivindicações, reforçando ainda mais o “entendimento pedagógico” de

que é na infância que se deve melhor trabalhar valores sociais e “brechas morais” que podem

ser potencializadas negativamente na vida adulta, como o preconceito nas suas mais variadas

formas. É neste contexto que a educação na infância ganha um novo sentido de urgência e em

46 Disponível em http://www.cepal.org/ Acesso 15 out. 2015.

47 Dados disponibilizados em http://www.cepal.org/es/publicaciones/26112-programas-para-el-cuidado-y-el-

desarrollo-infantil-temprano-en-los-paises-del. Acesso 15 out. 2015.

48 Os dados de Guatemala, Nicarágua e Honduras referem-se aos anos de 2006, 2009 e 2010, respectivamente.

Os outros dados são todos referentes a 2012.

Page 142: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

140

caráter estratégico, posto que a educação nos primeiros anos de vida é reconhecida atualmente

como sendo a forma mais eficaz de se romper com o círculo vicioso da pobreza material e

moral (CAMPOS, 2012).

As crianças que crescem em condições onde se encontram presente riscos

má nutrição, abuso, maus tratos, violência, estresse e falta de estímulos se encontram em inferioridade de condições para desenvolver a capacidade de

aprender e, por consequência, de alcançar um bom desempenho na escola e

em níveis mais complexos de habilidades sociais, emocionais e intelectuais

que favoreçam uma inserção plena e integrada a sociedade. A consideração integral do desenvolvimento das crianças na primeira infância inclui as

dimensões de saúde, nutrição, higiene, educação, saneamento, acesso à água

potável, cuidado, afeto e proteção (UNESCO, 2010, p. 27)49

.

Cientes dessa necessidade e da crescente difusão dos direitos das crianças nos países

da América Latina, muitos governantes latino-americanos têm assumido novos compromissos

e novas responsabilidades para com a Educação Infantil, fazendo com que novas ações sociais

e novos programas sejam desenvolvidos (CAMPOS, 2012) para impedir retrocessos nas

conquistas já obtidas em prol desse direito social fundamental.

O problema é que a ampla difusão desses compromissos em meio a acordos e

protocolos firmados com organismos multilaterais não são por si só suficientes para garantir o

cumprimento das obrigações assumidas pelos países signatários para com a Educação. Ainda

são muitos os obstáculos impostos ao exercício desse direito, especialmente com relação aos

investimentos que se mostram necessários. Com isso, as melhorias no atendimento quando de

fato acontecem, ocorrem a passos lentos ou precariamente, deixando a Educação Infantil

quase sempre à mercê de poucos investimentos ou de uma má gestão dos recursos.

Apesar de todas as discussões, análises, debates e apontamentos, tanto no meio

político quanto no judicial sobre a Educação Infantil, a ideia de uma “política pobre para

pessoas pobres” encontra-se bastante enraizada na mentalidade dos gestores públicos e dos

agentes políticos. O ranço do assistencialismo ainda permeia a esfera pública, fazendo com

que aconteça, na prática, “políticas pequenas para crianças pequenas” (CAMPOS, 2012).

49

Do original em espanhol: Los niños que crecen en entornos en los que están presentes riesgos de

malnutrición, abuso, maltrato, violencia, stress y falta de estimulación, se encuentran en inferioridad de

condiciones para desarrollar la capacidad de aprender y, por lo tanto, de lograr un buen desempeño en la

escuela y en niveles más complejos de habilidades sociales, emocionales e intelectuales que favorezcan una

plena e integrada inserción en la sociedad. La consideración integral del desarrollo de los niños en la primera

infancia abarca tanto las dimensiones de salud, nutrición, higiene, educación, saneamiento ambiental, acceso a

agua potable, cuidado, afecto y protección.

Page 143: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

141

Os dados supramencionados, além de diagnosticarem o quanto a infância ainda é

negligenciada pelos países que compõem a periferia do capitalismo mundial na América

Latina, sugerem o quanto o Brasil já avançou no campo da Educação Infantil. No entanto,

reforçam a ideia do quanto ainda precisa ser feito para que se obtenham os mesmos resultados

satisfatórios já obtidos por outros países da América Latina em condições socioeconômicas

inferiores (CAMPOS, 2012).

É o que concluiu também o Reduca Observatory (2015), responsável pela pesquisa

dos avanços educacionais nos países da América do Sul em parceria com a CEPAL e o

Observatório brasileiro Todos pela Educação, segundo o qual na América Latina muito ainda

tem que ser feito, em especial com relação às crianças pequenas que residem no campo e que

possuem metade das chances de conseguirem vagas em centros educacionais adequados se

comparadas com aquelas que vivem nas cidades, justamente porque inexistem creches e pré-

escolas em boa parte das áreas rurais.50

Daí falar-se, e com razão, que o problema da Educação Infantil não é uma

exclusividade da má política social brasileira, mas sim uma realidade econômico-social que

afeta em cheio muitos outros países no mundo, especialmente na América Latina, onde o

discurso do avanço social vem sendo paulatinamente substituído pelo do não retrocesso.

Nesse ponto, serão analisados dados específicos da Educação Infantil no Estado do

Paraná, a fim de demonstrar o que vem sendo feito no Brasil, centrando-se a análise critico-

comparativa dos dados coletados e divulgados por observatórios sociais, pela Confederação

Nacional dos Municípios e pela Associação dos Municípios do Paraná.

3.2 O diagnóstico da Educação Infantil no Brasil e no estado do Paraná

Considerando o tamanho continental do Brasil e as muitas diferenças no

planejamento e gestão da política educacional em cada um dos estados e municípios da

federação, o presente estudo limitou-se a analisar com maior atenção a atual situação do

Estado do Paraná, para melhor compreender como os municípios desse estado da Federação

têm cumprido com suas responsabilidades legais para com a Educação Infantil e como a

judicialização do direito à educação vem afetando também a implementação da política

pública no país.

50 Disponível em http://www.reduca-al.net/files/observatorio/Primera_Infancia.pdf. Acesso 02/10/2015

Page 144: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

142

Ao analisar comparativamente a pirâmide etária do Estado do Paraná com a do Brasil

(figura 1A-B), percebe-se uma distribuição bastante similar entre os grupos: em ambos,

Estado e País, há um pico populacional entre as idades de 15 e 19 anos para ambos os sexos,

com acentuado declínio entre as faixas de idade mais avançada especialmente entre homens.

Figura 1 – Distribuição etária da população do Brasil (A) e do Estado do Paraná (B).

Fonte: IBGE. Censo Demográfico (2010).51

O detalhamento da população nacional de indivíduos com idade entre 0 e 3 anos, de

acordo com os últimos censos (populacional divulgado pelo IBGE em 2010 e censo escolar

realizado pelo MEC em conjunto com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

51 Disponível em http//:www.censo2010.ibge.gov.br/resultados.html. Acesso em: 10 out. 2015

Page 145: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

143

Educacionais Anísio Teixeira – INEP – em 2013) contabilizava 10.925.892 crianças. Desse

total, apenas 21,2% encontravam-se matriculadas na creche.

Porém, dados divulgados pelo PNAD em 2011, ao mesmo tempo em que apontam

um salto de 48,07% em 1995 para 81,7% em 2011 no atendimento de crianças com idade

entre 4 e 5 anos e de 8,62% em 1995 para 22,95% em 2011, sugerem uma margem maior de

exclusão e desigualdades na Educação Infantil ao levarem em consideração outros critérios

como renda familiar, cor, etnia, e região atendida.

De acordo com o PNAD e o portal “Todos pela Educação”, em 2011 o percentual de

crianças brancas e amarelas atendidas nas creches brasileiras era de 25,5% em comparação

aos 20,5% de crianças negras e pardas matriculadas. Sendo certo que ao menos 1 milhão de

crianças com idade entre 4 e 5 anos estavam fora da escola nesse mesmo período.

Considerando apenas o Estado do Paraná durante o mesmo período, a população na

faixa etária entre zero e 3 anos era de 1.129.214 crianças, e destas apenas 14,8% (166.950)

estavam devidamente matriculadas. Com relação à população de indivíduos com idade entre 4

e 5 anos, a população nacional era de 5.596.169 crianças, das quais 78,2% estavam na pré-

escola. No Paraná, os dados embora não tão transparentes52

, revelaram um total de 602.198

crianças nessa mesma faixa etária, das quais 34,4% (207.450) estavam matriculadas.

Considerando atender um mínimo de 98% da população nessas faixas etárias até o fim da

vigência do plano, constata-se que é necessário criar, ainda, ao menos 389.704 novas vagas

em creches e 387.337 novas vagas nas pré-escolas até 2024 para atender a contento a

demanda por vagas no Paraná53

.

Os dados do Censo Escolar da Educação Básica fornecidos pelo INEP54

, por sua vez,

demonstram que no estado do Paraná o total de matrículas na Educação Infantil teve uma

ampliação mais expressiva nos quatro últimos anos (tabela 3), especialmente nas redes

municipais de ensino, nas quais as matrículas nas creches e pré-escolas aumentaram 19,5%,

52 No Estado do Paraná adota-se o Sistema Estadual de Registro Escolar (SERE) para armazenar dados de todas as redes municipais. Cada Município é obrigado a fornecer os dados obtidos no ato da matrícula com relação ao

perfil social e étnico de cada criança atendida pela rede. Contudo, só tem acesso a esses dados quem possui um

cadastro e uma autorização específica, o que acabou impossibilitando o acesso a dados específicos e atualizados

capazes de demonstrar o percentual de crianças negras, pardas, brancas e amarelas matriculadas em cada etapa

da Educação Infantil e em cada escola municipal analisada durante a pesquisa. 53 Dados fornecidos pela Confederação Nacional dos Municípios e pelo MEC/INEP 2014. Disponíveis em

http://www.cnm.org.br e http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-matricula. Acesso em 29 set. 2015 54 Dados de 2014. Disponível em http://www.agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2015-02/matriculas-nas-

creches-tem-menor-crescimento-desde-2008. Acesso 29 set. 2015.

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144

por influência direta do financiamento desta etapa da educação por meio da Lei nº

11.494/2007 e pela Lei nº 12.796/201355

.

Tabela 3 – Número de matrículas na Educação Infantil do Paraná segundo dependência

administrativa.

Ano Estadual Federal Municipal Particular TOTAL

2010 372 114 228.831 89.472 318.789 2011 363 93 244.814 93.179 338.449

2012 467 102 261.829 99.153 361.551

2013 494 108 273.469 102.188 376.259 Fonte: Censo Escolar da Educação Básica56.

Além disso, ao se analisar as duas subetapas de ensino da Educação Infantil no

estado (tabela 4), pode-se observar que a rede municipal de ensino foi responsável por

aproximadamente 73,6% dos atendimentos nas creches, e por pelo menos 71,9% dos

atendimentos dados pelas pré- escolas (PARANÁ, PEE, 2015, p. 35).

Tabela 4 – Número de matrículas no Paraná por etapa e dependência administrativa. Etapa Ano Estadual Federal Municipal Particular TOTAL

Creche

2010 - 64 96.354 39.104 135.522

2011 - 50 105.778 39.914 145.742

2012 4 70 117.830 42.831 160.735 2013 - 68 123.465 44.153 167.686

Pré-escola

2010 372 50 132.477 50.368 183.267

2011 363 43 139.036 53.265 192.707

2012 463 32 143.999 56.322 200.816 2013 494 40 150.004 58.035 208.573

Fonte: Censo Escolar da Educação Básica57.

Chama a atenção a existência de uma variação de 23,7% nos atendimentos das

creches no período compreendido entre 2010-13, e de 13,8% nas pré-escolas, quando

contabilizadas as redes pública e privada (PARANÁ, PEE, 2015).

Tomando por base dados fornecidos pelo MEC/INEP em 2012, pode-se constatar

ainda que as redes municipais de ensino proporcionam juntas mais de 70% de todo o

atendimento nacional à Educação Infantil, seguidas pelas redes privadas (28,8%) estaduais

(0,8%) e federal (0,035%) conforme demonstrado na tabela 5:

55 Conforme informações extraídas do documento-base do PEE-PR, disponível em: http://www.seti.pr.gov.br.

Acesso 15 out. 2015. 56 Vide nota 55.

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145

Tabela 5 – Número de matrículas realizadas no atendimento infantil em âmbito

nacional em 2012. Federal Estadual Municipal Privado Total

Ed. Infantil 2.554 57.825 5.129.749 2.105.384 7.295.512

Ensino Fundamental 24.704 9.083.704 16.323.158 4.270.932 29.702.498

Ensino Médio 126.723 7.111.741 72.225 1.066.163 8.376.852

Ed. Profissional 105.828 330.174 20.317 607.336 1.063.655

Ed. Especial 749 22.213 35.263 141.431 199.656

Ed. de Jovens e Adultos 15.878 2.116.259 1.643.767 130.973 3.906.877

Brasil 276.436 18.721.916 23.224.479 8.322.219 50.545.050 Fonte: MEC/INEP/DEED (2012).

O Governo Federal, quando se apropria desses dados, sugere melhorias nos serviços

públicos e explica a crescente municipalização da política pública educacional voltada às

crianças pequenas como sendo resultado de uma maior eficiência e cobertura dos serviços

educacionais prestados à infância, reflexo de uma maior agilidade e transparência na

prestação dos serviços, levando-nos a acreditar num maior envolvimento direto do poder local

na captação das demandas, no controle de gastos e na inspeção do cumprimento das metas

estabelecidas (MENEZES, 2001). Contudo, evidencia-se que tal idealismo não se revela na

prática, pois o aumento no número de matrículas, por si só, não reflete a qualidade com que o

serviço é oferecido à população tampouco contempla as dificuldades que cada municipalidade

enfrenta para concretizá-las. Ademais, constata-se que no Brasil um grande número de

municípios foi criado após 1988 a fim de desafogar a União, Estados e Municípios maiores de

certas responsabilidades para com a população, e que, multiplicando-se os Municípios,

avultaram-se também as responsabilidades constitucionais (GASPARINI; MEL0, 2003).

Em 1990 o Brasil contabilizava 4491 municípios, atualmente o número é de 557057

.

O desenvolvimento precário de muitos desses novos municípios é produto de o repasse das

verbas destinadas aos entes municipais não ter acompanhado o fenômeno de municipalização

das políticas públicas. (TOMIO, 2002) Assim, para cumprir com suas responsabilidades

legais, muitos municípios utilizaram de alternativas mais baratas para gerir suas necessidades

locais, e consequentemente a qualidade dos serviços prestados quase sempre é duvidosa.

Logo, o panorama não apresenta a transferência de poder decisório pela União ou Estado ao

Município (como proposto), mas sim o deslocamento de problemas, encargos e atribuições

sem suporte técnico e financeiro suficiente. A União continua a deter os maiores percentuais

de arrecadação enquanto redistribui entre as esferas menores – os Municípios – mais

responsabilidades. Em 2003, cerca de 80% dos Municípios não se sustentavam com receita

57 Para fins estatísticos, o IBGE considera que o Brasil tem 5570 municípios, incluindo Brasília – a capital

federal – e Fernando de Noronha, que oficialmente é um território estadual de Pernambuco

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146

tributária própria e viam no Fundo de Participação Municipal a principal fonte de renda

(GASPARINI; MELO, 2003).

Apesar dos esforços que têm elevado a qualidade do ensino no Brasil, não se pode

negar o estímulo dado à desigualdade social quando se permitiu o decréscimo da participação

da União na articulação da política pública educacional, e quando se fomentou a elaboração e

a organização de uma Educação Infantil a partir da criação de sistemas de ensinos autônomos,

pautados em realidades municipais diferentes: dados do Ministério da Educação fornecidos no

site do governo federal no ano de 2011 demonstram que naquele ano, para cada 100 cidades

do Brasil, pelo menos 15 não possuíam ao menos uma sala para acomodar e atender crianças

na faixa de zero a 03 anos. Ao todo se estimou 827 municípios nessa mesma situação de

precariedade.

Dentre os estados da federação, o Maranhão foi apontado por dois anos consecutivos

como sendo o Estado com menor número de creches e pré-escolas e um dos que menos

investiu em Educação Infantil. Noutro extremo, o Estado do Paraná tem se mantido como

sendo um dos que mais prioriza a Educação Infantil, mas sem muitos resultados.

De acordo com a Associação dos Municípios do Paraná (AMP), os municípios que

tem colocado a Educação Infantil em primeiro plano são justamente aqueles que apresentam

índices de desenvolvimento social superiores, demonstrando a relação direta entre educação e

desenvolvimento social. E, estudos elaborados nos últimos anos por diferentes observatórios

sociais indicam que a qualidade do ensino público nos municípios paranaenses têm tornado

evidente a real ordem dessa relação58

.

Os resultados obtidos até então indicam que as mesorregiões Norte Central, Norte

Pioneiro e Noroeste do Estado foram as que mais concentraram resultados de eficiência nos

anos de 2008 a 2010, evidenciando que os municípios dessas localidades têm otimizado a

alocação dos seus recursos públicos, graças a uma melhor gestão do poder executivo local em

comparação aos demais municípios do Estado do Paraná. Os estudos indicam ainda que os

municípios com melhor desempenho econômico não são necessariamente os mais eficientes,

o que explicaria o fato de regiões como a Metropolitana de Curitiba, Centro-Ocidental,

Centro-Oriental e Centro-Sul concentrarem a maioria dos resultados considerados de forte

ineficiência no período analisado. Também permite verificar que os gastos com educação nos

primeiros anos do ensino fundamental na maioria dos municípios do Estado do Paraná

58 Foram consultados os seguintes Observatórios Sociais: http://www.rededeolhonosplanos.org.br,

http://www.deolhonosplanos.org.br, http://www.observatoriodopne.org.br e o site da Associação dos Municípios

do Paraná, disponível em http:// www.ampr.org.br/.

Page 149: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

147

apresentaram Ineficiência Moderada entre 2008 e 2010, e que pouquíssimos municípios

apresentaram grau de Eficiência 100% apontando, por fim, uma redução significativa do

número de municípios eficientes entre os anos de 2005 e 2009 (SAVIAN; BEZERRA, 2013).

Logo, pode-se dizer que esses dados reforçam a tese aventada pela OCDE e já

discutida anteriormente, no sentido de que um PIB elevado não pode ser considerado como

indicativo de maiores e melhores investimentos em educação e demais políticas sociais.

3.3 A contextualização da construção dos planos municipais de educação

Como restou demonstrado até então, mesmo a CF prevendo desde a sua promulgação

a necessidade dos Planos de Educação (art. 21459

), o primeiro PNE só foi criado em 2000

(2000-10). Depois desse período, durante quatro anos o Brasil ficou sem nenhum plano de

Educação porque o documento base contendo as propostas para o PNE sucessor, remetido ao

Congresso ainda no ano de 2010, por questões políticas, demorou muito para ser analisado e

discutido, vindo a ser aprovado apenas em 2014, através da Lei nº 13.005.

Até 2014, muitos estados brasileiros ainda não tinham planos de educação próprios, a

exemplo do Estado do Paraná, que nunca teve um Plano Estadual de Educação. Contudo, faz-

se necessário notar que na esfera municipal o tratamento dado à Educação sempre foi

diferente: os Municípios, em sua maioria, há muitos anos procuram se organizar para cumprir

com suas responsabilidades, ainda que de forma deficiente. Com a aprovação do novo PNE,

todos os estados da federação, o Distrito Federal e os Municípios foram obrigados a aprovar,

no curtíssimo prazo de 1 ano, seus próprios planos, a fim de garantir não só a otimização dos

gastos públicos com Educação, mas também viabilizar a qualidade dos serviços educacionais

prestados à sociedade.

Art. 8o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus

correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em

lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei (BRASIL,

PNE, 2014). – grifo nosso

59 De acordo com a CF, os planos de educação terão duração plurianual (de 4 foi para 10 anos) e diretrizes,

objetivos, metas e estratégias bem definidos.

Page 150: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

148

Assim, as estratégias e propostas tanto dos Planos Municipais de Educação (PME)

quanto dos Planos Estaduais de Educação (PEE) tiveram de ser discutidas e definidas nos

mesmos moldes do PNE compondo, ao final, um conjunto de metas [coletivas] articuladas na

forma de um modelo sistêmico em prol da Educação, originando assim, virtualmente, um

Sistema Nacional de Educação.

Partindo, pois, da premissa de que quanto mais planos alinhados o Brasil tiver, mais

próximo de um Sistema Nacional estará, pode-se dizer que promover um Sistema Nacional de

Educação capaz de garantir o planejamento estratégico situacional da Educação nos Estados e

Municípios é, de fato, o principal objetivo desse novo PNE. Tanto que o PNE pressupõe

organização em prol de uma ação conjunta pela Educação no país, e como todo plano, este só

existe porque também existe um problema social na forma de demanda, que precisa ser

resolvido por meio de uma política pública. Pela sua essência, se os demais entes federativos

não se envolverem, essa corrente, esse processo em benefício da Educação possuirá elos

fragilizados. O PNE, ao contrário do que muitos imaginam, não impõe metas aos estados e

municípios: o plano respeita a autonomia estrutural e funcional desses entes federativos, mas

exige um balizamento de suas ações àquilo que se busca executar no nível Nacional. Das suas

metas é que se faz os diagnósticos nos Municípios, e quanto mais verídico for o diagnóstico,

mais claras e evidentes são as estratégias de cada PME para mudar ou melhorar a realidade da

Educação local.

Segundo Bucci (1997) há, inclusive, certa proximidade entre a noção que se tem de

política pública e a que se tem de plano, embora política possa consubstanciar um programa

de ação governamental que não exprima, necessariamente, o instrumento jurídico que

configura o plano. Nesse sentido explica:

A política é mais ampla que o plano e se define como o processo de escolha

dos meios para a realização dos objetivos do governo com a participação dos agentes públicos e privados. Políticas públicas são os programas de ação do

governo para a realização de objetivos determinados num espaço de tempo

certo. A expressão mais frequente das políticas públicas é o plano (embora com ele não se confunda), que pode ter caráter geral, como é o Plano

Nacional de Desenvolvimento, ou regional, ou ainda setorial, quando se

trata, por exemplo, do Plano Nacional de Saúde, do Plano de Educação etc. Nesses casos, o instrumento normativo do plano é a lei, na qual se

estabelecem os objetivos da política, suas metas temporais, os instrumentos

institucionais de sua realização e outras condições de implementação

(BUCCI, 1997, p. 94).

A mesma autora, ao dar continuidade ao assunto noutra oportunidade, conclui:

Page 151: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

149

A política pública transcende os instrumentos normativos do plano ou do

programa. Há, no entanto, um paralelo evidente entre o processo de formulação da política e a atividade de planejamento. Note-se a correlação

de ambos, no sentido de que, ao contrário do que muitos sustentaram nos

anos 60, o planejamento não é uma atividade vazia de conteúdo político.

Trata-se de função eminentemente técnica, voltada à realização de valores sociais [..] (BUCCI, 1997, p.96).

Nas esferas municipais, são as Secretarias Municipais de Educação (SMEs) que

desempenham esse papel importante no planejamento e na execução da política educacional local,

sendo, portanto, indispensáveis ao processo que antecede e sucede a formulação do PME: é através

das SMEs que se define as primeiras comissões que coordenarão os processos de formulação dos

planos de educação decenais; é através delas que se elaboram as propostas que irão compor o

documento base; são elas as reais responsáveis por ampliar os debates que a Lei exige, por entregar o

documento final à análise do Executivo e, por fim, enviar o projeto de lei para votação no Legislativo

(figura 2).

Figura 2 – O processo administrativo de formulação dos Planos de Educação

nos Municípios.

Fonte: AMP – Associação dos Municípios do Paraná (2015)60

Por funcionarem como indutoras dos Planos de Educação nos Municípios, as

Secretarias Municipais de Educação são, por consequência, peças importantes no

planejamento específico da Política Pública de Educação Infantil, de responsabilidade integral

60 Disponível em http//:www.ampr.org.br. Acesso 02 jul.2015

Page 152: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

150

dos Municípios. São elas que identificam os agentes interessados e definem mecanismos de

articulação dos mesmos, visando à consecução de objetivos e estratégias para alcançá-los.

Tal entendimento se encaixa perfeitamente naquilo que Carlos Matus (1993) já dizia

sobre planejamento:

(...) planejar é tentar submeter o curso dos acontecimentos à vontade

humana, não deixar que nos levem e devemos tratar de ser condutores de

nosso próprio futuro, trata-se de uma reflexão pela qual o administrador público não pode planejar isoladamente, esta se referindo a um processo

social, no qual realiza um ato de reflexão, que deve ser coletivo, ou seja,

planeja quem deve atuar como indutor do projeto (MATUS, 1993, p. 13).

Assim, não há como adequar ou elaborar planos (sejam eles, municipais, estaduais ou

distritais) de forma desvinculada do PNE (art. 211, CF). Exige-se, contudo, alinhamento entre

os planos, não simplesmente a propagação de réplicas como normalmente tem acontecido.

Compete ao Município investir nunca menos de 25% de sua arrecadação em gastos

com Educação (art. 212, da CF/88), e logo cada PME deve considerar a totalidade dos

insumos que se julgarem necessários à sua execução, tanto aqueles a serem previstos no

orçamento quanto aqueles que se pode buscar apoio ou recursos. Portanto, é fundamental que

o PME esteja bem estruturado e vinculado a outros instrumentos de planejamento,

principalmente orçamentário, como o PPA, a LDO e a LOA.

É na constituição desse processo sistêmico que são criadas as metas municipais, em

respeito, logicamente, àquelas estratégias existentes no PME anterior que estavam dando

certo. O PME pode até se limitar a essas estratégias, mas como vai compor um sistema maior

e dinâmico, tem que proporcionar ação. Por isso, a sugestão dada aos Municípios na

oportunidade de elaboração dos PMEs foi justamente trabalhar uma Lei Geral para sintetizar

as ideias principais do Plano, deixando as metas e estratégias para serem desenvolvidas em

anexo. Assim, o Plano Educacional não se finda com a Lei. Caberá aos Conselhos

Educacionais monitorar, avaliar e propor as ações necessárias à concretização das diretrizes e

metas.

A meta 01, por ser totalmente dedicada à Educação Infantil, é de responsabilidade

direta do Município. Por essa razão, o PME deve indicar com clareza quais ações a

Municipalidade desenvolverá com apoio da União e do Estado para garantir o direito à creche

e à pré-escola, colocando na prática a ideia de corresponsabilidade.

No entanto, para que os Municípios possam elaborar uma meta de atendimento à

Educação Infantil alinhada com o PNE, é necessário fazer o diagnóstico de sua própria

Page 153: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

151

situação, a começar pelo real levantamento de quantas crianças estão matriculadas e quantas

ainda não estão, para melhor compreender o seu percentual de atendimento em comparação

com a meta assumida pelo PNE.

O Município tem por obrigação construir suas próprias estratégias, sob pena de seu

PME ficar fadado ao fracasso. O Município também deve estar comprometido a promover

uma busca ativa por crianças em idade correspondente a Educação Infantil (0-5 anos),

procurando estabelecer parcerias com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à

infância ao mesmo tempo em que preserva o direito de opção da família em relação às

crianças menores de três anos. Por essa razão é tão importante que cada ente Municipal

estabeleça, no primeiro ano de vigência do seu Plano, normas, procedimentos e prazos para

conseguir definir os mecanismos de consulta pública de demanda das famílias por creches.

Todos os municípios precisam articular estratégias para alcançar a universalização da

pré-escola até 2016. Independente de qual seja o percentual de atendimento atual, cada

Municipalidade tem que estimular o crescimento da oferta de creches de forma que a média

nacional alcance os 50% estabelecidos. Uma cidade cujo atendimento já alcançou esse

percentual não deve se contentar em mantê-la, mas expandi-la rumo aos 100%.

3.4 AS DIVERGÊNCIA DE OPINIÕES ENTRE O JUDICIÁRIO E O EXECUTIVO ACERCA DA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Em 2004, quando a legislação previa que a Educação Infantil deveria abarcar

crianças com idade entre zero e seis anos, o Superior Tribunal Federal (STF) em sede de

decisão monocrática proferida pelo Ministro Marco Aurélio e publicada em 24 de maio de

2004 reafirmou o entendimento dos tribunais estaduais no sentido de que é obrigação dos

municípios aparelharem-se para atender de forma irrestrita os ditames constitucionais da

Educação Infantil, pouco importando a deficiência de caixa:

CRECHE E PRÉ-ESCOLA - OBRIGAÇÃO DO ESTADO - IMPOSIÇÃO -

INCONSTITUCIONALIDADE NÃO VERIFICADA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Federal,

consubstancia dever do Estado a educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O Estado -

União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e

Municípios - deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas

Page 154: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

152

com a deficiência de caixa. Eis a enorme carga tributária suportada no

Brasil a contrariar essa eterna lengalenga. O recurso não merece prosperar,

lamentando-se a insistência do Município em ver preservada prática, a

todos os títulos nefasta, de menosprezo àqueles que não têm como

prover as despesas necessárias a uma vida em sociedade que se mostre

consentânea com a natureza humana.2. Pelas razões acima, nego seguimento a este extraordinário, ressaltando que o acórdão proferido pela

Corte de origem limitou-se a ferir o tema à luz do artigo 208, inciso IV, da

Constituição Federal, reportando-se, mais, a compromissos reiterados na Lei Orgânica do Município - artigo 247, inciso I, e no Estatuto da Criança e do

Adolescente - artigo 54, inciso IV. 3. Publique-se. (STF, Decisão

Monocrática, RE nº 356.479-0, Rel. Min. Marco Aurélio. J. em 30/04/04, DJU em 24/05/04)

Em agosto de 2011, o STF manteve condenação ao Município de São Paulo em

relação à criação de vagas em creches e pré-escolas para crianças com idade entre zero e

cinco anos em unidades próximas de suas residências ou do endereço de trabalho de seus

responsáveis legais, sob pena de multa diária por criança não atendida. Para tanto, afastou a

tese da Administração Pública calcada na impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário

na esfera Administrativa e reconheceu, na mesma decisão, a possibilidade de imposição de

astreintes ao Poder Público Municipal, reafirmando o entendimento jurisprudencial no sentido

de que a destinação de recursos públicos deve seguir uma ordem de prioridade constitucional

fundada na dignidade da pessoa humana, tendo em perspectiva a intangibilidade do mínimo

existencial e a vedação do retrocesso social, julgando improcedente, portanto, a cláusula da

reserva do possível invocada pelo Município (STF. 2ª T. ARE nº 639337 AgR/SP. Rel. Min.

Celso de Mello. J. em 23/08/2011).

Ainda em 2011, seguindo a decisão do Supremo, os Tribunais de Justiça dos Estados

brasileiros, a exemplo do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, começaram a

consolidar suas jurisprudências, mantendo decisões monocráticas que, em sede de Ações

Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público, concederam tutela antecipada em face da

Fazenda Pública, permitindo o bloqueio de valores caso o ente público Municipal não

atendesse a demanda por Educação Infantil em seus territórios, rechaçando a existência das

chamadas “listas de espera”.

No Rio Grande do Sul, o Município de Caxias do Sul foi um dos primeiros a sofrer

condenação por não ter garantido atendimento em creche e pré-escolas a todas as crianças

com idade entre zero e seis anos de idade (TJRS. 7ª C. Cív. AP. Cível nº 70038831905. Rel.:

Roberto Carvalho Fraga. J. em 10/01/2011).

Em Santa Catarina, o Tribunal de Justiça manteve sentença que reconheceu como

prerrogativa do Ministério Público Estadual "promover o inquérito civil e a ação civil pública

Page 155: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

153

para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à

adolescência", bem como "zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais

assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais

cabíveis" (art. 201, V e VIII, da Lei n. 8.069/90). Para esse tribunal, o direito à educação

(incluindo a matrícula de crianças em creches e pré-escolas) deve ser reconhecido como um

direito social, catalogado no rol de direitos fundamentais de segunda geração, constituindo-se

como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal de 1988. Razão

pela qual, cabe ao Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) atuar

prioritariamente na prestação de direitos educacionais, inclusive no que concerne ao

atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (art. 205 c/c 208,

IV, da Constituição Federal), não lhe competindo arguir o caráter programático de tais normas

para eximir-se de sua obrigação constitucional (TJSC. 2ª C. Dir. Públ. Ap. Cív. nº

2008.001690-4. Rel. Des. Cid Goulart. J. em 13/06/2011).

Já no Estado do Paraná, o Tribunal de Justiça julgou procedente Ação Civil Pública

condenando o Município de Araucária a ampliar o número de vagas em creche e pré-escolas,

reconhecendo o pedido como juridicamente possível na medida em que “não há óbice no

ordenamento acerca da pretensão”. Para tanto, afirmou ser a Vara de Infância e Juventude a

competente para o julgamento da Ação, em razão da matéria (que remete à garantia e

salvaguarda dos direitos constitucionalmente garantidos às crianças e adolescentes) e ter o

Ministério Público Estadual legitimidade para ajuizar a Ação. De igual maneira, declarou que

o Poder Judiciário não invade a competência do Executivo e Legislativo quando determina a

implementação de políticas públicas constitucionalmente previstas, com base no artigo 208,

inciso IV, da Constituição Federal, e no artigo 54, inciso IV, do ECA, ainda mais quando

possível constatar com base na previsão orçamentária anual que é possível ao Município dar

cumprimento integral à determinação contida na sentença (TJPR. 4ª C. Cível. AC nº

0758095-0, do Foro Regional de Araucária da Região Metropolitana de Curitiba. Rel. Des.

Luís Carlos Xavier. J. em 26/07/2011).

Em 2013, a LDBEN foi alterada pela Lei nº 12.796/2013. Essa Lei tornou obrigatória

a pré-escola e, por consequência, passou a exigir controle de frequência das crianças com

idade entre 4 e 5 anos nos estabelecimentos de ensino, proibindo que durante o ano letivo

(composto, no mínimo, por 200 dias) a criança venha a ter mais que 80 faltas. De igual

maneira, a referida lei fez com que o ensino obrigatório, que antes abrangia apenas a etapa do

ensino fundamental, passasse a corresponder à educação básica oferecida dos 4 aos 17 anos.

Page 156: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

154

Todas essas mudanças acabaram por agravar a situação jurídica dos entes públicos

municipais, posto que a nova Lei ao impor aos pais a obrigação de matricular seus filhos na

pré-escola tornou exigível a oferta imediata de vagas por parte dos Municípios, mesmo tendo

eles prazo até 2016 para promover a universalização progressiva dessa parte da Educação

Infantil. Consequentemente, cresceram as demandas judiciais neste sentido e as condenações

na forma de judicialização da política pública.

No Paraná, por exemplo, dados do IBGE indicaram um contingente de 301.099

crianças com idade entre 4 e 5 anos em 2010. Contudo, observou-se que o número de

matrículas efetivadas no ano de 2012 no estado foi de 206.638 para essa mesma faixa etária,

segundo dados do INEP. Assim, considerando que o crescimento vegetativo estimado da

população nesse estado não vem sofrendo grande variação nos anos subsequentes, sugere-se

que já em 2012 havia uma necessidade urgente em se ampliar as vagas nas redes municipais

de ensino.

Com base nesses dados, o estado do Paraná contempla aproximadamente 70% das

matrículas necessárias à faixa etária atendida em pré-escolas. Para o ano de 2016, a fim de

atender a EC nº 59 de 11 de Novembro de 2009, os municípios paranaenses devem criar, ao

todo, 94.461 novas vagas, adequando-se, assim, às metas propostas pelos PNE e PMEs.

Paralelamente existe outra discussão que tem dividido opiniões em todo o país,

relacionada à idade de ingresso no primeiro ano do ensino fundamental. Antes dos atuais

planos nacional, estaduais e municipais entrarem em vigor, a idade de ingresso na primeira

série do ensino fundamental era de 7 anos completos. Como já visto, os novos planos

estabeleceram que essa idade passasse a ser de 6 anos, diferentemente do que fala a LDBEN,

e introduz uma “data de corte”, com base em resolução do Conselho Nacional de Educação

(CNE), para aceitação de matrículas de crianças com 6 anos completos até 31 de Março do

ano vigente. Essa data considera a formação infantil e sua maturidade enquanto respeita o

período de seu desenvolvimento lúdico – tese apoiada por pedagogos e psicólogos. Contudo,

uma ação civil pública movida pelo MP em 2007 (ano de implantação do ensino fundamental

de 9 anos) questionou a legalidade dessa “data de corte”, prevendo que toda criança que

completasse 6 anos no ano vigente teria direito a vaga.

No ano de 2014, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) aplicável apenas

ao Estado de Pernambuco indicou que a data de corte estipulada em 31 de março pelo CNE

deveria ser respeitada. No acórdão da decisão, a Primeira Turma do STJ confirmou que o

CNE é competente para fixar a idade mínima para as etapas de ensino. Enquanto isso tramita

no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pela

Page 157: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

155

Procuradoria Geral da União em 2013 contra resoluções do Conselho Nacional de Educação

que definem as datas de corte para matriculas no Ensino Fundamental.

No Estado do Paraná, o Conselho Estadual de Educação deliberou em favor do dia

31 de março como data limite, seguindo orientação do CNE, que recentemente deliberou uma

“regra de transição” a ser aplicada até 2017, a fim de sanar tal questão e promover o gradual

avanço das crianças já matriculadas da pré-escola ao ensino fundamental em todos os Estados.

Nessa regra, as crianças que hoje estão matriculadas na pré-escola e completarão 6 anos em

2016 poderão cursar o primeiro ano do ensino fundamental independentemente da data de

aniversário. Ao mesmo tempo foi conferida às escolas autonomia para se adequar as regras,

de modo a facilitar essa transição. Após esse período, a “data de corte” passa a ser válida para

as novas matrículas, e é um recurso considerado importante à padronização nacional do

ensino. Novamente, o MP alega ilegalidade no uso desse procedimento – um ato que, como

veremos mais a frente, questiona o próprio MP quanto ao seu envolvimento na formulação e

definição dos planos decenais de educação.

A questão continua gerando discussões. Para os que defendem a matrícula da criança

de seis anos no Ensino Fundamental independentemente da data de corte, o ingresso

antecipado significa maiores ganhos no que diz respeito à aprendizagem e superação do

fracasso escolar, resultando num melhor desempenho da vida escolar. Baseiam-se no

argumento de que as crianças oriundas de classe média que iniciam mais cedo o processo de

escolarização apresentam maiores taxas de sucesso ao longo de seus estudos. Já para aqueles

que não concordam, o ingresso antecipado tende a prejudicar o processo de aprendizado, uma

vez que a criança precisa ter certa maturidade para melhor assimilar as responsabilidades que

o Ensino Fundamental requer. Para esses, o desrespeito a “data de corte” expõe reflexamente

o desrespeito que ainda se tem com relação à infância e com a Educação Infantil: é dar mais

importância a interesses econômicos em detrimento dos interesses pedagógicos. (PANSINI;

MARIN, 2011, p. 91). Enquanto aguardam uma definição da situação pelo STF, a maioria dos

municípios sinaliza favoravelmente às orientações feitas pelos Conselhos de Educação

(nacional e estaduais) e pela adoção da data de corte em 31 de março a partir de 2017.

Page 158: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

156

3.5 A judicialização da Educação Infantil pela óptica de um dos municípios

paranaenses: análise de caso61

Todos os 399 municípios paranaenses são obrigados pela Lei Complementar nº

131/2009 a prestarem contas de suas ações via portal eletrônico na internet. A par disso,

seguindo o critério de classificação de municípios por porte desenvolvido pelo próprio IBGE

em 2010, constatou-se que o Estado do Paraná possui 312 municípios na categoria pequeno

porte 1 (até 20.000 habitantes); 55 municípios na categoria pequeno porte 2 (entre 20.000 e

50.000 habitantes); 14 municípios na categoria médio porte (com população entre 50.000 até

100.000 habitantes), e 18 municípios considerados de grande porte (ou seja, com mais de

100.000 habitantes)62

. Em nível nacional se observa que o país possui 90,57% de municípios

ditos de pequeno porte; 5,37% de médio porte e 4,06% de grande porte. Assim, porque esses

dados sugerem que a distribuição de municípios de segundo porte é bastante próxima entre o

país e o estado do Paraná, logo a análise do espaço amostral do estado refletirá o perfil

nacional.

O município de Ibiporã, localizado na região norte do Paraná, constitui-se de

aproximadamente 49 mil habitantes, fazendo com que este seja considerado um município de

pequeno porte 2 segundo o IBGE. A representatividade de sua realidade se coaduna com

aquela vivenciada pela maioria dos entes municipais que compõem o Estado do Paraná, cujas

características, por sua vez, são bem próximas às demonstradas pela realidade nacional,

inclusive quando se compara os dados das três pirâmides etárias (Brasil, Paraná e Município

de Ibiporã, figura 3). Assim, a escolha desse município como objeto de estudo justifica-se por

constituir um bom indicador.

61 Esse tema foi anteriormente abordado no artigo “A qualidade da educação básica infantil como fruto da gestão

democrática: análise crítica e propostas à luz do caso em concreto no município de Ibiporã – Paraná.”,

apresentado pelo autor do presente trabalho no V Simpósio Internacional de Análise Crítica do Direito da

Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) em Agosto de 2015.

62 É importante salientar que de acordo com o censo demográfico feito pelo IBGE no ano de 2010,

aproximadamente 28,1% da população brasileira vive em municípios considerados de porte médio (53,6 milhões

de pessoas); 17,1% vivem em municípios com população abaixo de 20 mil habitantes (32 milhões) e 54,7% da

população vive em 283 municípios cuja população é maior que 100 mil (104 milhões). Valores aproximados.

Page 159: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

157

Figura 3 – Distribuição etária da população do município de Ibiporã em comparação com a do Estado do Paraná

e do Brasil.

Fonte: IBGE. Censo Demográfico (2010).

Em Ibiporã, as dificuldades para se atender a crescente demanda por creches e pré-

escolas ultrapassa as discussões acerca de questões orçamentárias, indo da falta de ações

conjuntas capazes de nortear o planejamento familiar à implementação eficaz de outras

políticas por parte dos outros entes federativos, passando pela “falta de interesse” da

população na participação efetiva da política local – problema esse apontado por muitos como

sendo um dos maiores desafios a serem enfrentados pelos Planos de Educação.

De acordo com Alves (2013) a participação popular, embora não valorizada, tem

grande peso na gestão de políticas públicas porque promove a transparência na deliberação e

visibilidade das ações que são tomadas no governo e permite maior expressividade das

demandas sociais, provocando um avanço na promoção da igualdade e equidade da política

pública, de modo a oxigenar a funcionalidade da Administração Pública nas ações estatais de

defesa do interesse público e alargamento de direitos (ALVES, 2013). Contudo, no caso de

Ibiporã, o desinteresse pela gestão democrática não parte apenas da população, mas também

de quem deveria primar por ela, inclusive, representantes do legislativo, do judiciário e do

Ministério Público.

A rede municipal de ensino em Ibiporã é formada por 29 instituições63

. Desse total,

14 são escolas e 15 são CMEIs. Entre as escolas, três (Escola Municipal Alberto Spiaci,

Escola Municipal Ivanildes Nalin e Escola Municipal Vera Lúcia), além de atenderem alunos

de outras etapas educacionais (ensino fundamental, educação especial e EJA), possuem

também turmas de berçário I e II, Maternal, Pré I e II, contabilizando um total de 5.319 alunos

atendidos, dos quais 2.182 são de Educação Infantil. O número de crianças matriculadas em

cada turma varia de instituição para instituição, mas a maioria delas possui mais de 20

63

Conforme detalhamento feito no Anexo I.

Page 160: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

158

crianças matriculadas por sala. Cada uma das escolas conta com um grupo de funcionários

bastante reduzido (educadores, professores, atendentes de berçário e monitores de creches),

sendo que nem todas possuem profissionais habilitados à prestação adequada da Educação

Infantil.

A estruturação das carreiras do magistério na rede municipal de Ibiporã compreende

aos cargos de professor e educador, ambas regulamentadas pela Lei Municipal nº 2.432/2010,

o chamado PCCR (Plano de Cargos, Carreira e Remuneração) do Magistério Público

Municipal. Os educadores são os profissionais incumbidos de desenvolver as funções de

magistério junto às creches e pré-escolas, ao passo que aos professores atribui-se as funções

de magistério a partir da primeira série do Ensino Fundamental. Para o cargo de Educador

exige-se do candidato aprovado em concurso público apenas 2º grau completo (nível

magistério) ou formação em pedagogia (sem necessidade de especialização), além de

comprovação de experiência em Educação Infantil. A jornada de trabalho é de 30 e 40 horas

semanais e a remuneração varia entre R$ 1.438,33 e R$ 1.917,78 dependendo da carga horária

contratada.

Com relação ao cargo de professor, exige-se do candidato aprovado em concurso a

comprovação de sua formação superior em pedagogia (sem necessidade de comprovação de

especialidade ou experiência), com previsão de jornada de trabalho equivalente a 20 horas

semanais/por padrão e a remuneração é de R$ 1.207,66.

Importante esclarecer ainda que em alguns CMEIs, outro grupo de servidores (cargos

em extinção) com formação apenas em 2º grau, divide a função de cuidado e higiene das

crianças com os educadores infantis, são os chamados atendentes de berçário e os monitores

de creche. Dentre esses profissionais, apenas aqueles com formação em magistério percebem

remuneração equivalente aos educadores, sendo que para os demais, o salário não ultrapassa

R$ 954,88.

Em dados gerais, o Município de Ibiporã conta com um total de 22 atendentes de

berçário, 156 educadores infantis e 1 monitor de creche para atender toda a rede na Educação

Infantil, todos do sexo feminino.

Nas creches, o atendimento é dividido entre turmas de berçário I (para crianças de até

1 ano de idade), turmas de berçário II (para crianças de 1 a 2 anos de idade) e maternal (para

crianças com idade entre 2 e 3 anos). Cada turma de berçário é formada em média por 20

crianças, e o atendimento é prestado em geral por duas atendentes de berçário, ou uma

atendente de berçário e uma educadora. Nas turmas maternais, as salas são compostas em

média por 25 crianças que ficam aos cuidados de apenas uma educadora, que em algumas

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159

ocasiões conta com ajuda de estagiárias dos cursos pedagogia. Nas pré-escolas, as turmas são

compostas por crianças com idades entre 4 e 5 anos, e comportam em média 23 alunos por

sala, cada sala atendida por apenas uma educadora infantil.

Apesar de todas essas especificidades, quando da elaboração de seu plano plurianual

vinculado à participação de recursos públicos, o Município de Ibiporã definiu fundos para a

reforma, construção e ampliação de centros de Educação Infantil e escolas, perfazendo a

previsão de gastos, para 2010, de R$ 439.440,00 (quatrocentos e trinta e nove mil,

quatrocentos e quarenta reais); para 2011, de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais); idêntico

valor para o ano de 2012, e para o ano de 2013, a quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de

reais), totalizando a previsão de gastos em R$ 2.839.440,00 (dois milhões, oitocentos e trinta

e nove mil, quatrocentos e quarenta reais). Na ocasião, comunicou-se o MP da importância da

sua participação na definição do orçamento. Este, porém, não manifestou interesse, e deixou a

cabo única e exclusivamente dos conselhos municipais, gravemente deficientes, definirem as

prioridades de atendimento e diretrizes ao administrador público e ao poder legislativo.

Neste caso, efetivamente, os investimentos foram bem elevados, mas se voltaram

quase que totalmente para as questões físico-estruturais das entidades educacionais, deixando

para último plano a melhoria das condições de trabalho dos profissionais do magistério. A

Diretoria de Contabilidade do Município, ao apurar pormenorizadamente os valores

aplicados, concluiu que investimentos por parte do Município em Educação Infantil havia

sido de R$ 6.248.907,33 (seis milhões, duzentos e quarenta e oito mil, novecentos e sete reais

e trinta e três centavos), destinados a obras de construção, reforma e ampliação das creches

municipais.

Em números de atendimento, isso retratou que, em 2010, o Município atendeu nas

creches a 210 novas crianças, chamando-as à matrícula nos Centros Municipais de Educação

Infantil; em 2011, além daquelas já atendidas, outras 536 crianças haviam sido devidamente

matriculadas, e ao final de 2012, o número de novos atendimentos havia chegado à casa dos

1.58264

, quase dez vezes mais que em 2010.

Apesar desses números, o Ministério Público Estadual promoveu Ação Judicial65

em

face do Município com o fixo pedido de que o ente público viesse a implementar, em exíguo

64 Todos esses dados foram repassados ao Ministério Público Estadual quando da instrução do Inquérito Civil por ele motivado. 65 A Ação Civil Pública com preceito cominatório de obrigação e pedido de antecipação de tutela, promovida

pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face do Município de Ibiporã (Processo nº 3838-

97.2013.8.16.0090), foi embasada em dados fornecidos pelo IBGE acerca da taxa bruta de natalidade e em

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160

prazo, 320 (trezentos e vinte) novas vagas de Educação Infantil para o atendimento a crianças

com idade entre 0 a 5 anos, sob a justificativa de que foram inúmeras as reclamações feitas

por mães naquela promotoria e que o Poder Público Municipal não vinha atendendo a

totalidade das demandas por vagas nas creches tal qual exige a Constituição Federal.

Em sede de defesa, o Município juntou aos autos cópia do Decreto Municipal nº

057/2013, o qual dispõe sobre diretrizes e procedimentos a serem adotados para o

cadastramento e matrícula de crianças com idade de 04 (quatro) meses a 03 (três) anos,

candidatas às vagas em turmas de berçário I e II nas instituições da rede municipal de ensino

infantil de Ibiporã, a fim de comprovar que houve regulação, planejamento e definição de

critérios objetivos bastante claros a ordenar a educação básica infantil e, assim, afastar toda e

qualquer alegação no sentido de que houve inadimplência quanto às suas obrigações legais de

inserção educacional de infantes.

Neste sentido, procurou reforçar enfaticamente a negativa ao pedido de antecipação

de tutela feito pelo Ministério Público, pedido este que já havia sido denegado pelo juízo e

que estava sendo reavaliado em sede de agravo de instrumento, embasando-se na necessidade

de estrutura adequada e funcionários suficientes para promover todos os atendimentos

considerados urgentes, além de esclarecer os riscos que tal medida imporia ao ideal

atendimento e a toda sociedade caso houvesse a inserção obrigatória de gastos não previstos

no orçamento. Para tanto, invocou o artigo 2º da Constituição Federal, que trata da separação

dos poderes, para sustentar a tese no sentido de não compete ao Poder Judiciário atuar em

questões afetas à implementação das políticas públicas, considerando se tratar de poder

discricionário marcado pela conveniência e oportunidade, tal qual preceitua a doutrina:

O controle judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz se substitua ao Administrador. Vale dizer: não pode o juiz entrar no terreno

que a lei reservou aos agentes da Administração, perquirindo os critérios de

conveniência e oportunidade que lhe inspiram a conduta. A razão é simples: se o juiz se atém ao exame da legalidade dos atos, não poderá questionar

critérios que a própria lei defere ao administrador. Assim, embora louvável a

moderna inclinação de ampliar o controle judicial dos atos discricionários,

não se poderá chegar ao extremo de permitir que o juiz examine a própria valoração administrativa, legítima em si e atribuída ao administrador. Insta-

se, pois, no exame do âmbito dentro do qual pode ser viável a atuação do

administrador – situação que se configura com a reserva do possível, vale dizer, o conjunto de elementos a serem sopesados pela Administração,

reivindicações diretas feitas por munícipes ao Parquet para obtenção imediata de mais de 340 vagas em creches

municipais.

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161

necessários à conclusão da possibilidade ou não do cumprimento de certo

objetivo (CARVALHO FILHO, 2007, p. 44).

Apoiando-se, pois, em números e estatísticas, a defesa apresentada pelo Município se

preocupou em demonstrar ao Judiciário, única e tão somente, a ausência de omissão frente às

questões estruturais necessárias ao atendimento da política pública educacional, como forma

de afastar a efetiva intervenção judicial fundamentada na busca pela execução do direito

fundamental, ao passo que poderia ter trazido à baila dados mais específicos com relação, por

exemplo, ao percentual de crianças negras, pardas, pobres e deficientes efetivamente

atendidas pela rede, dados acerca das melhorias salariais dos profissionais da educação, bem

como fornecer maiores detalhes acerca dos projetos voltados para melhora do programa de

merenda escolar e do atendimento odontológico oferecido em um dos centros de atendimento

infantil às crianças de baixa renda. Deixando, por fim, a ênfase na impossibilidade de se

esgotar a demanda por vagas e alcançar o total atendimento, única dificuldade em específico,

comum a países desenvolvidos que tem investido em Educação Infantil, tal como a Finlândia.

Em nenhum momento se procurou demonstrar nos autos que a participação do

Ministério Público é considerada bem-vinda e necessária à etapa de elaboração e

planejamento das políticas públicas educacionais e do orçamento, e o que deveria ser

encarado como imperativo constitucional com relação à participação no processo de

elaboração das políticas públicas vem sendo considerado pelas próprias instituições

democráticas mera liberalidade, prerrogativa ou faculdade.

Sob essa óptica, percebe-se que o ente municipal deixou passar in albis uma ótima

oportunidade de promover ao julgador no incurso do processo uma visão panorâmica da

problemática aventada de modo que, ao final, pudesse exigir pela via inversa a participação

efetiva do Ministério Público nos processos administrativos ligados à política social – que,

diga-se de passagem, por precederem a implementação das políticas públicas que estão sob

sua responsabilidade, devem ser democráticos.

A política pública é tida, pelo senso comum, como procedimento linear em

que fases perfeitamente distintas sucedem-se, de modo a se partir da

formação, passando pela implementação, finalizando com a avaliação. É necessário ao jurista o conhecimento do ciclo da política pública para tornar

possível o controle jurídico de seu processo e de seus resultados.

Desde logo, é preciso ter claro que a política pública dá-se por ciclos, não sendo possível discernir de forma definitiva suas fases, por se verificar um

processo de retroalimentação, onde a avaliação não é feita ao final, mas no

curso da execução. Isto introduz novos elementos no quadro inicialmente

proposto, modificando-o, de forma a adequá-lo à realização do objetivo (MASSA-ARZABE, 2006, p. 70).

Page 164: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

162

Logicamente, devem existir muitos outros interesses por detrás dessa inércia, tanto

por parte da Administração Pública – que prefere manter distância dos canais de participação

popular e deliberação democrática das políticas públicas, em nome de uma “pseudo-melhor

atuação” por parte do gestor – quanto por parte do próprio Ministério Público e do Judiciário

– instituições democráticas que não se interessam, no mais das vezes, em entender como

funciona a máquina pública e em se inteirar dos meandros que permeiam o planejamento e o

orçamento público. Por entendê-los como complexos ou técnicos demais, estas instituições

preferem focar suas atuações na fiscalização e imposição de medidas com base no puro

“legalismo”, ao passo que deveriam ser proativos quando da elaboração das políticas públicas,

convocando ou se fazendo presentes em audiências públicas ou em conselhos de direitos, sem

a necessidade de serem “convidados” para isso.

Desta feita, ao mesmo tempo em que o alto significado social e o irrecusável valor

constitucional de que se reveste o direito à Educação Infantil, que é garantia de proteção à

criança, não podem ser menosprezados pelo Estado ante a omissão seja na elaboração, seja na

implementação e efetivação das políticas públicas, sob pena de se incorrer em grave e injusta

frustração de um compromisso constitucional que visa à preservação dos direitos da

população, não pode o Judiciário fechar os olhos para a omissão que recai sob os atores

sociais, especialmente o Ministério Público, que tem por dever funcional participar

ativamente do procedimento de definição dessas políticas públicas, justamente porque é nesta

fase que se deve descortinar os prognósticos necessários à satisfação adequada do interesse

público, que ele próprio Ministério Público fiscaliza. Nesse sentido concorda Ciena (2008, p.

189):

Há necessidade de um povo participativo das decisões políticas, mas

enquanto as funções executivas e legislativas não efetivam o direito fundamental à educação, resta ao Poder Judiciário dar suporte a este povo.

Quebra-se hoje o paradigma de que o Poder Legislativo detém o monopólio

da interpretação da Constituição Federal.

Os princípios são desde logo aplicados pelo Poder Judiciário, sem a necessidade de nova atuação do Poder Legislativo. Surge a figura do juiz

constitucionalista, aplicando um valor da Constituição Federal. O juiz passa

a ser o guardião das promessas constitucionais. A promessa da democracia somente começará a ser guardada quando o direito à educação for efetivado.

Sobre o perfil ideal do promotor de justiça junto às políticas públicas pertinentes,

faz-se o seguinte pensamento:

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163

Não será, certamente, aquele que se seduz pelo poder enquanto poder,

embora com um novo figurino, mas impregnado de similar coronelismo político, com matreira habilidade midiática na exposição desnecessária de

pessoas e valores. E sim o de protagonista de uma nova agenda social

composta por políticas públicas efetivamente comprometidas com a doutrina

dos direitos humanos. Preocupado em alargar o acesso popular ao Judiciário, trazendo para a arena jurídica um novo jeito de operar o Direito, da ótica das

questões realmente relevantes para a sociedade, sob o signo da justiça social,

por meio do dístico multifário e difuso (GIACÓIA, 2007, p. 283).

Sabe-se que a sociedade possui pouca cultura política e que a gestão democrática é

um dos desafios mais duros que o país deverá enfrentar para reverter sua condição

sociopolítica. Porém, é institucional o papel do Ministério Público de atuar pró-ativamente

nos diálogos a serem travados entre a sociedade e o Poder Público, principalmente para

balizar as condutas e evitar que a participação administrativa necessária à gestão democrática

continue a ser encarada pelos gestores públicos como sendo uma “ciranda de interesses”.

Contudo, esse tipo de atuação não pode ser concebida a título de prerrogativa, como insiste

em afirmar o próprio Ministério Público do Estado do Paraná. É, a bem da verdade, um

importante dever que se torna ainda mais claro, quando se passa a conceber que as demandas

sociais, muito embora devam ser interpretadas por aqueles que ocupam espaços de poder, são

influenciadas por uma “agenda” criada pela própria sociedade através da pressão política e da

mobilização dos diferentes segmentos sociais (ALVES, 2013). Cabe, portanto, ao Parquet,

auxiliar a sociedade na formação dessa Agenda e impedir que a política pública continue

sendo confundida com programa de governo.

(...) políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em ação”. Ação

não é, contudo, sinônimo de atividade. É uma ação sistemática e qualificada,

de um determinado governo, com o objetivo precípuo de intervir em contextos sociais específicos a fim de promover a inclusão. Isso faz com que

as políticas públicas guardem profunda relação com a política (ALVES,

2013, p. 232).

Há de se compreender que o Ministério Público deve rever sua atuação e promover

ações no campo preventivo, ainda que fora dos gabinetes ou para além do expediente regular

de trabalho, promovendo audiências públicas, reuniões com conselhos de direito diversos,

ações conjuntas, entre outras formas de parceria (NUNES, 2012). Servindo não somente como

órgão fiscalizador, mas como articulador junto à Administração Pública para garantir ao

cidadão, especialmente às crianças, o acesso à educação de qualidade.

Page 166: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

164

A participação do Ministério Público na elaboração das políticas públicas

passa, em primeiro plano, pelo conhecimento da realidade de cada um dos Municípios, Estados e da União no que concerne ao atendimento dos direitos

sociais, buscando, em conjunto com os Poderes Executivo e Legislativo,

Conselhos de Gestão e sociedade civil organizada definir prioridades a fim

de que eventuais falhas nesse atendimento sejam devidamente corrigidas, indicando a melhor forma de fazer com que os orçamentos públicos

contemplem recursos suficientes para tanto (GONÇALVES, 2009, p. 26).

Neste vértice, fica difícil falar em eficiência nas ações de fiscalização promovidas

pelo Ministério Público, se este não mantém contatos periódicos com os demais atores sociais

ligados à educação no Município, não realiza reuniões junto aos conselhos ligados à política

de educação, não ouve os professores ou não promove parcerias com outros órgãos de

controle, inclusive Tribunais de Contas nesse sentido.

3.5.1 A prestação do direito à educação face o mínimo existencial e a reserva do possível:

análise da sentença

Entende-se por mínimo existencial (legado constitucional) a teoria que norteia o

estabelecimento das metas prioritárias dentro do orçamento público na formulação e execução

das políticas públicas, de forma que só depois de serem disponibilizados os recursos

necessários é que serão discutidas as demandas que merecem atendimento.

Todavia, a limitação fática e jurídica invocada como justificativa para a não

efetivação dos direitos fundamentais prestacionais é que tem recebido a denominação de

reserva do possível, segundo a qual deve sempre existir uma reserva orçamentária para

garantir as necessidades públicas básicas da coletividade que não podem ser afetadas para o

custeio de despesas específicas de um ou mais cidadãos individualmente.

No caso envolvendo o Município de Ibiporã, o juiz da causa, seguindo essa linha de

raciocínio, entendeu que a cláusula de reserva do possível não se reveste de caráter absoluto,

ainda mais quando esbarra em direitos fundamentais inseridos no mínimo existencial. Porém,

compreendeu a necessidade de se analisar a proporcionalidade da prestação e a razoabilidade

de sua exigência para tornar efetivas as prestações positivas reclamadas do Município, como

destacado no trecho abaixo extraído da sentença em comento:

(...) não se pode tolerar que a reserva do possível seja utilizada como meio a

tornar legitima a negligência do Estado em viabilizar e tornar efetivas as

políticas públicas necessárias ao custeio inerentes aos direitos dos indivíduos

Page 167: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

165

ainda em formação. Desculpa genérica para a omissão estatal no campo da

efetivação dos direitos fundamentais não poderá ser acatada, ainda mais quando da existência de controvérsias sobre o não desperdício das verbas

públicas, sua regular aplicação aos fins para os quais foram orçadas ou

mesmo sua desnecessária vinculação a áreas não prioritárias do ponto de

vista da efetivação dos direitos fundamentais.66

Assim, desconsiderou o magistrado o argumento de possível falta de previsão

orçamentária especifica para suportar as despesas em relação à criação de novas vagas nas

creches e pré-escolas municipais, visto que no decorrer do processo demonstrou ainda o

Ministério Público que o Prefeito do Município de Ibiporã havia criado por meio das Leis

Municipais nº 2.594/2013 e 2.601/2013 duas novas Secretarias Municipais e promovido a

inclusão de dois novos cargos no rol da categoria dos cargos comissionados.

Se o município possui recursos financeiros para gerar todos esses novos

cargos, deverá dispor de recursos para o investimento e implementação de vagas na educação infantil, visto ser prioridade absoluta garantida pela

Constituição Federal.

E mais, em caso de escassez de recursos, caberá ao Município, primeiramente, dispor dos cargos comissionados e dos servidores em estágio

probatório, até que se alcance a efetivação integral ao atendimento das

políticas públicas prioritárias, definidas no texto constitucional. (trecho da

sentença)67

– grifo nosso

De igual maneira, rechaçou a tese defensiva de que a discricionariedade do Poder

Executivo mostrava-se ameaçada, fundamentando na doutrina moderna a robustez do seu

argumento.

[...] discrição administrativa não pode significar campo de liberdade para o administrador, dentre as várias hipóteses abstratamente comportadas pela

norma, eleja qualquer delas no caso concreto. Em última instância, o que se

está dizendo é o seguinte: o âmbito de liberdade do administrador perante a norma, não é o mesmo âmbito de liberdade que a norma lhe quer conferir

perante o fato. Está se afirmando que a liberdade administrativa, que a

discrição administrativa é maior na norma de direito, do que perante a situação concreta. Em outras palavras: que o plexo de circunstancias fáticas

vai compor balizas suplementares à discrição que está traçada abstratamente

na norma (que podem, até mesmo, chegar ao ponto de suprimi-la) pois é isto

que, obviamente, é pretendido pela norma atributiva de discrição, como condição de atendimento de sua finalidade (MELLO, 2008, p. 36).

66 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autos nº 3838-97.2013.8.16.0090

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166

A par disso, mais uma vez questiona-se: Se o Ministério Público e a sociedade civil

organizada tivessem acompanhado de perto todo o procedimento, inclusive aquele que deu

origem à criação de novos cargos comissionados. Se inteirado do trâmite junto à Câmara

Municipal para tais gastos públicos, vez que houve publicidade desses atos legislativos, o

desfecho dessa situação poderia ter sido diferente?

Certamente sim. O Ministério Público, dada sua autonomia, possui condições de

atuar preventivamente e repressivamente para uma boa aplicação das verbas públicas, e

poderia incentivar iniciativas de controle popular em apoio à uma melhor atuação dos

conselhos ligados à educação, exigindo os orçamentos detalhados da Educação Básica

(porque os orçamentos genéricos dificultam a compreensão da informação, o ideal

acompanhamento do procedimento, servindo de subterfúgio para a realização de desvios e

fraudes); poderia utilizar-se de suas prerrogativas para exigir mais fiscalização e transparência

da folha de pagamentos da Secretaria Municipal de Educação; poderia acompanhar mais

proximamente os trabalhos dos conselhos educacionais e auxiliá-los na fiscalização de bens e

prestação de serviços ligados à Educação e à movimentação dos recursos do FUNDEB e do

FNDE para a Educação Infantil.

A par disso, poderia também ter obstado o direcionamento de verbas públicas para a

criação de novos cargos em lugar do total adimplemento das obrigações para com a Educação

Básica. Mesmo porque, atualmente, além das informações que podem ser obtidas junto às

prefeituras, é possível ter acesso sobre muitos dados referentes à Educação Infantil junto a

banco de dados disponibilizados em sites especializados em pesquisas, análises e estatísticas,

tais como: MEC, INEP, IBGE, sites de ONGS, observatórios sociais ou nas próprias

Secretarias de Educação.

O conceito de fiscalização trazido por este art. 30 da CF deve ser estendido à

dimensão não só curativa de problemas na prestação dos serviços, mas também e fundamentalmente preventiva, haja vista que ela deve ser

permanente, tanto para evitar os problemas que não deseja, como para

oportunizar um espaço permanente de participação qualitativa ao atendimento das demandas que buscam os serviços alcançar, revitalizando-

os em níveis de eficácia social maximizada. Tal concepção por certo vem ao

encontro dos interesses comunitários que dão causa e sentido à prestação dos serviços públicos, com legitimidade renovada pela inclusão e ação social dos

seus usuários na conformação conceitual e de respostas às suas necessidades

(LEAL, 2008, p. 18).

Neste ponto, por fim, repousa também a importância dos Conselhos de Direito,

também chamados de Conselhos de Políticas Públicas, que diante do insucesso de alguns dos

Page 169: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

167

meios de controle do poder público podem servir como nova alternativa a esta função. À

medida que algumas decisões do Poder Executivo vão sendo submetidas prioritariamente ao

crivo desses órgãos colegiados, promovendo-se uma espécie de prestação continuada de

gestão de serviços públicos, o principal interessado (o povo) passa a ter participação

permanente na gestão democrática da política pública.

Esses conselhos, sobretudo os de Educação, constituem-se como verdadeiros órgãos

públicos de composição prioritariamente paritária entre poder público e sociedade, o que lhes

dá condições de funcionalidade em prol de uma abertura democrática na gestão dos projetos,

programas e políticas financiados com recursos públicos (ALVES, 2013). Sobre o mau

aproveitamento histórico dos conselhos enquanto espaços de interlocução e sobre a

importância dos mesmos enquanto instrumentos de participação popular ressalta Alves

(2013):

É possível constatar um déficit de participação popular generalizado na

gestão das políticas públicas. Desde a década de 70, ouve-se da necessidade

de se “reduzir a democracia” para se “garantir a governabilidade”, já que uma pretensa “sobrecarga de democracia” estaria associada a uma “crise de

governabilidade”, possibilitando a elaboração de teorias elitistas da

democracia, como já tivemos oportunidade de descrever, quando nos referimos aos modelos agregativos.

Esse déficit democrático começa ser compensado na América Latina, na

década de 90, quando ocorra abertura política com a adoção de um modelo

democrático de regime político, que era capaz de assegurar , além da participação formal, por meio de eleições periódicas, outros mecanismos de

participação popular, como a constituição de conselhos, que integraram

paritariamente representantes do poder público e da comunidade, com competência para estabelecer, gerir e avaliar políticas públicas desenvolvidas

pelos governos (ALVES, 2013, p. 233).

Um dos grandes problemas com relação à funcionalidade dos conselhos nos

Municípios, sem dúvida, tem sido justamente assegurar que a escolha dos membros seja feita

de forma democrática, sob a perspectiva da sociedade civil, não do Poder Público. Na maioria

dos Conselhos existentes, os membros não são eleitos por voto universal, e os representantes

populares são praticamente indicados pelos gestores públicos sem qualquer tipo de delegação

explícita. Por conta disso, ao menos do ponto de vista governamental, não é incomum que a

representação em conselhos de direitos se faça por quem não tenha capacidade de decidir e

sem efeito vinculante à Administração Pública, o que esvazia substantivamente as

deliberações e discussões no âmbito dos próprios conselhos, tornando-os inócuos e ou

meramente ilustrativos (ALVES, 2013).

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168

Na tentativa de mudar essa situação, representantes do Ministério Público dos

Estados e o CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente –

uniram forças para promover, pela primeira vez em todo o Brasil, a escolha dos membros dos

Conselhos Tutelares através da eleição municipal por voto popular não obrigatório. Em 04 de

outubro de 2015, superando as expectativas, a população em peso compareceu às urnas para

eleger, dentre os candidatos, cinco membros e dois suplentes. Logo, com base em tal

participação voluntariosa ressalta-se que não há necessidade de se impor o voto, mas sim de

prestar os devidos esclarecimentos à população.

Outra medida que vem sendo estudada há algum tempo e que potencialmente pode

surtir bons efeitos à gestão das políticas públicas junto aos conselhos de direito, especialmente

nos municípios menores, é o aproveitamento da capacidade postulatória das procuradorias

municipais frente à defesa das prerrogativas dos Conselhos de Direito. De acordo com Alves

(2013), essa medida não implicaria em qualquer tipo de impasse jurídico e garantiria a

inclusão dos Conselhos de Direito, no rol de legitimados para a propositura de ação civil

pública, constante no art. 5º da Lei 7347/1985 em nome da boa gestão e da garantia aos

direitos fundamentais sociais, especialmente o direito à educação.

A realização do direito à educação beneficia o indivíduo, mas principalmente

enriquece toda a sociedade, uma vez que concretiza a democracia, os

princípios republicanos, o desenvolvimento da sociedade, reflexamente interessando ao próprio Estado. É indispensável ao desenvolvimento

humano, ao crescimento humano sustentável, à erradicação da pobreza, à

fiscalização dos poderes estatais, etc. (REZENDE; BREGA FILHO,

2015, p. 205)

No próprio Município de Ibiporã houve uma experiência nesse sentido que deu certo:

o Ministério Público e Procuradoria Geral desse município uniram esforços para auxiliar a

Secretaria Municipal da Assistência Social e o Conselho Municipal da Criança e do

Adolescente antes, durante e depois da eleição para a escolha dos cinco representantes do

Conselho Tutelar Municipal, oferecendo suporte técnico e treinamentos tanto daqueles que

ajudaram no processo eleitoral tanto quanto dos que, em data do último dia 04 de outubro,

venceram o pleito e tomaram posse no dia 10 de janeiro de 2016. Ademais, foi graças a todo

um trabalho conjunto de conscientização social que, de um total de aproximadamente 35.955

eleitores cadastrados, mais de 2.500 pessoas compareceram voluntariamente ao local de

votação.

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169

3.5.2 A razoabilidade da decisão judicial ante as perspectivas do caso concreto

Ainda com relação afeta às vagas nas creches e pré-escolas do Município de Ibiporã,

além de o Poder Judiciário não ter acolhido a alegação do Município para o não atendimento

total da demanda por creches e pré-escolas, este reafirmou entendimento jurisprudencial no

sentido de que a existência de uma lista de espera serve como prova documental da

inobservância do dever legal de disponibilizar nos centros municipais de Educação Infantil

vagas para todas as crianças de zero a cinco anos. Da mesma forma, ainda que não tenha feito

o juiz da causa qualquer ponderação em relação à necessidade de um Ministério Público mais

proativo, necessário à prevenção contra o “mau gasto” público, pode-se dizer que a

condenação sofrida pelo ente Municipal foi razoável.

Primeiro, tem-se que o magistrado compreendeu a impossibilidade de o Município

esgotar a lista de espera alocando de forma imediata toda e qualquer criança que necessitar de

vaga nos centros educacionais sem desrespeitar as regras impostas pela Lei em nome da

aprendizagem e do estímulo pedagógico. Para tanto, condenou o Município a suprir a

demanda reprimida bem como aquela que vier a surgir em todo o seu território, concedendo-

lhe, contudo, o prazo de 4 (quatro) anos a contar de 2014 para obedecer um cronograma de

implantação protocolizado em juízo em data do dia 31 de março de 2015, cronograma este

que deverá ser contemplado no Plano Orçamentário Plurianual subsequente, sob pena de

multa cominatória diária, por cada criança que deixar de ser atendida, no valor de R$ 500,00

(quinhentos reais).

Condenou ainda o Município a realizar uma previsão de recursos necessários à

criação e ao aumento do número de vagas nos CMEIs nas propostas de leis orçamentárias dos

anos de 2015 e seguintes (Plano Plurianual, LDO e LOA), devendo ainda, quanto as já

definidas, promover a alocação e/ou remanejamento dos recursos necessários na proposta e/ou

Lei Orçamentária para 2015, com posterior execução prioritária do orçamento no setor, de

acordo com o disposto nos artigos 4º, caput e parágrafo único, alíneas “b”, “c” e “d” e 259,

parágrafo único, do ECA e Lei Complementar nº 101/2000, sob pena de multa diária de R$

1.000,00 (mil reais) (conforme artigo 461, § 5º, do Código de Processo Civil combinado com

artigo 213, § 2º, do ECA), ordenando a destinação desse valor ao fundo gerido pelo Conselho

dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município, nos moldes do artigo 214 do ECA

combinado com os artigos 11 e 13 da Lei nº 7.347/1985.

Por fim, em hipótese de descumprimento do Município, condenou o ente público a

ter de celebrar convênio com creches e escolas particulares até que todas as crianças que

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170

procurem o serviço sejam devidamente matriculadas, com base no artigo 461 e parágrafos,

aplicados subsidiariamente, em consonância com os artigos 152 do ECA e 19 da Lei nº

7.347/85.

É curioso que os eventos citados ocorridos em Ibiporã, mesmo condenáveis em todas

as suas interpretações, não foram suficientes para que o Poder Público, compreendido em suas

três esferas, o Ministério Público e a sociedade civil organizada revisassem a forma de sua

participação na elaboração e gestão da política pública, visto que quando da apresentação e

discussão do projeto do plano decenal de educação, esse foi tratado com certa desconfiança e

descrédito por todos esses segmentos. Continuou-se a engendrar ações pouco articuladas entre

si, com mínima adesão da comunidade envolvida, sem a participação efetiva do Ministério

Público e das Secretarias Municipais, escancarando a falta de diálogo entre as esferas do

poder. Por consequência, os mesmos segmentos sociopolíticos que se mantiveram inertes

durante todo o processo de discussão e elaboração do projeto do plano hoje colocam em

dúvida a funcionalidade e a eficácia do próprio plano, e questionam se as atitudes adotadas

pelo gestor de fato vão de encontro ao que deseja a coletividade, apontando a pouca

similaridade e entrosamento dos planos decenais com as reais necessidades locais. Essa falta

de diálogo entre as esferas, como observado em Ibiporã, estagna potencialmente todo o

sistema educacional e compromete a qualidade final da educação, exemplificando um quadro

político administrativo que supostamente se repete em todo território nacional.

Essa realidade tristemente evidencia que o problema da Educação Infantil, em

especial, não se esgota simplesmente sanando a falta de recursos, erigindo estruturas

adequadas, provendo melhor formação e valorização dos professores, melhores indicações

dos gestores escolares e melhor aproveitamento do tempo das crianças em sala de aula.

Demonstra a complexidade da política pública ante a importância em se valorizar as

experiências e as opiniões de professores e pedagogos na reconstrução da educação de

qualidade, e a premente necessidade de se trabalhar a participação popular na melhoria da

gestão dos recursos públicos.

Inexiste cidadania e democracia onde inexiste educação de qualidade. O

indivíduo que não recebeu prestação educacional ou a recebeu inadequadamente não é sujeito de direitos e obrigações, mas sim objeto. E

como tal, se torna passível de dominação, de exclusão e de marginalização.

Não é livre, pois não há liberdade onde o ensino é mecânico, com fins de adestramento e alienação. (REZENDE; BREGA FILHO, 2015, p. 221)

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171

Por isso, a participação popular, sem sombra de dúvidas, é considerada por muitos a

medida que no momento mais se faz necessária, motivando inclusive uma mudança no

pensamento coletivo de que a boa educação não se faz somente com obras e discursos

populistas, mas na riqueza do diálogo promovido pelos atores sociais – uma mudança que,

apesar de lenta, deve ser gradual e continuamente aplicada pelos gestores, pois sua

solidificação se dá não no curto período de um mandato, mas no conjunto do exercício da

democracia.

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172

CONCLUSÃO

Através de uma retrospectiva histórica da Educação Infantil foi possível demonstrar

que, num primeiro momento, os espaços destinados ao atendimento da criança foram

idealizados por uma sociedade patriarcal que visava descartar a criança nascida de mãe

solteira, e que essa ideia posteriormente foi dando espaço ao acolhimento de filhos de pais

pobres que trabalhavam fora de casa.

De igual maneira, pode-se constatar que o direito à creche e à pré-escola foi

conferido primeiro como direito da família, não da criança, e que foi por conta desse estigma

puramente assistencialista que a consolidação da creche e da pré-escola enquanto instituições

encarregadas de cuidar e educar crianças demorou a acontecer, apesar dos significativos

avanços na esfera dos direitos sociais que culminaram com a inserção na CF/88 do direito de

cidadania das crianças.

Restou evidenciado que, somente com o advento da LDBEN no ano de 1996, é que o

Brasil de fato conferiu às creches e às pré-escolas o papel complementar ao da família no que

diz respeito ao cuidado e educação das crianças pequenas. Mas que, ainda assim, continua-se

a desconsiderar, na prática, que a articulação entre escola (no sentido lato da palavra) e

família faz parte de praticamente todas as propostas pedagógicas, e que essa

complementaridade não se dá de forma tão natural e simples.

De acordo com o estudo, o Brasil jamais teve um planejamento efetivamente

articulado das políticas públicas necessárias à melhoria das condições de vida das famílias e

das crianças, o que sugere que, por não haver incentivo à geração de conhecimento mútuo e

cooperação com os núcleos familiares e escolas, maiores avanços na seara do atendimento

educacional infantil e sua gestão democrática demorarão a acontecer.

Nesta perspectiva, a questão da qualidade da Educação Infantil não pode ser

suficientemente explorada no decorrer da pesquisa, principalmente porque, com relação a esta

etapa da Educação Básica, inexistem instrumentos de avaliação direta dos alunos ou dos seus

pais, o que exigiria uma efetiva análise das unidades de ensino para se obter dados. Por conta

disso, concentrou-se na análise de um caso em concreto de judicialização da política

educacional para associar um diagnóstico jurídico ao tema do trabalho.

Mesmo assim, alguns resultados mostraram-se interessantes e merecem reflexão.

Primeiro, o estudo demonstrou que com a municipalização da política pública educacional

voltada à criança pequena a colaboração da União no pacto federativo pela Educação Básica

permaneceu tímida, mesmo sendo a União o ente da federação que mais detém arrecadações

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173

fiscais. Segundo, a falta de recursos financeiros foi invocada por todos os Municípios cujos

julgados foram analisados. Em terceiro, dentre os fatores que supostamente fomentam a

judicialização da política pública educacional, sobressai a falta de diálogo entre as esferas de

poder, tanto nos processos administrativos anteriores quanto nos posteriores à fase de

implementação da política pública, indicando que de fato há uma resistência institucional por

parte do Ministério Público e Tribunais em dialogar com as outras esferas do Poder Público e

de participar das discussões necessárias à formulação, implementação e gestão das políticas

públicas, sobretudo educacionais. Como consequências diretas, a política pública educacional

infantil tem sido feita de maneira improvisada e sem muita qualidade, ao mesmo tempo em

que a gestão democrática e a participação popular firmam-se como as metas mais difíceis de

serem articuladas pelos planos decenais de educação.

Pode-se observar ainda que aliada à falta de interesse dos atores sociais em participar

dos processos de discussão e planejamento da política educacional infantil está o interesse da

Administração Pública em centralizar a forma como pontua as prioridades em nome do

interesse público, para confundi-lo com seus próprios interesses e fortalecer a gestão

autoritária dos espaços educacionais, o que sugere o fortalecimento dos conselhos de direito

como medida a contribuir para um melhor cumprimento das metas que compõem os Planos

decenais de educação, sobretudo às ligadas à gestão democrática.

A análise de caso, por sua vez, serviu para ilustrar não apenas o quão generalista tem

sido os argumentos em favor da judicialização da política pública educacional, mas também a

fragilidade dos fundamentos dados pela Administração Pública para justificar a dificuldade no

atendimento à demanda social. Identificou-se nos argumentos de ambos os lados que a

questão estrutural das creches e pré-escolas compõe o centro nerval das discussões, e que a

necessidade de se focar na qualidade do ensino infantil mediante a valorização dos

professores e educadores, peças indispensáveis no processo de aprendizagem e evolução das

crianças tem sido ignorada ou tratada com superficialidade.

De forma geral, a pesquisa trouxe dados importantes para conhecimento da gestão

municipal da Educação Infantil e compreensão dos efeitos negativos da judicialização da

política pública, principalmente quando é desconsiderada a premente necessidade da

consolidação do diálogo face os profissionais da educação, elementos indispensáveis à

implementação e qualidade da política educacional.

Em especial, pode-se afirmar que todo o estudo serviu para reforçar a ideia já

concebida de que não se devem esperar grandes avanços sociais através de pequenos retoques

nas políticas públicas, e que os problemas no processo de ensino e aprendizagem, violências

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174

verbais e ou físicas enfrentados nos ensinos fundamental e médio poderiam ser minimizados

se houvesse o emprego de uma infraestrutura sólida (pedagógica, humana e financeira) desde

a Educação Infantil.

Tudo leva a crer que, se houvesse investimentos em políticas públicas centradas no

acesso, permanência e acompanhamento dessas crianças que constituem a Educação Infantil,

as chances de se ter bons resultados na formação do cidadão mais humanizado e solidário em

relação aos seus pares seriam maiores. E que, os primeiros passos dados na escola

representam um nível importante na evolução global da criança e na troca de experiências

necessárias à vida adulta.

Por fim, foi possível compreender que o ato de ler, o de escrever e o de realizar

atividades de raciocínio lógico-matemático são objetivos educacionais, mas que trabalhar o

lúdico com a criança tem também um caráter educativo que merece ser considerado. Daí a

importância de se investir na formação e valorização docente, na construção de um currículo

básico em consonância com a realidade dessa modalidade, melhores condições de trabalho

pedagógico, estreitamento do vínculo professor-aluno, por meio da permanência desse

professor por mais anos com a mesma turma, como alternativas capazes de consolidar o

processo educativo e de se valorizar um ambiente físico escolar que possa despertar na

criança o prazer de estar na escola.

Mais especificamente, em relação às crianças que vivem em situação de risco, ou em

condições economicamente menos favorecidas, constatou-se que a Educação Infantil tem uma

importância muito mais relevante, porque é na escola que poderão manusear livros, ouvir e

criar histórias, brincar e interagir, ter os primeiros contatos com os números, as letras e a

escrita de seu próprio nome – inclusive receber as orientações de higiene pessoal que, muitas

vezes, os seus responsáveis não lhes repassam. São crianças que sofrem o “abandono escolar”

em razão da discriminação enfrentada no interior da própria escola, ou que não são acolhidas

nos seus casulos familiares como deveriam. A elas que as políticas públicas devem dedicar

eficientemente maior atenção, oportunizando-lhes o conforto pedagógico e as condições de

permanência em escolas dignas, pois promover o direito à Educação Infantil não é só

regulamentar o direito à matrícula.

Acredita-se que uma Educação Infantil que se preocupa em acolher a todos deve

estar aberta a oferecer a cada criança o que de melhor a educação pode contribuir para a sua

formação, sem acorrentá-la à obrigação “de transformar a sociedade” logo que adentra o

ambiente educativo. Para isso, entende-se como inevitável romper com o paradigma do

assistencialismo sem implantar uma prática centrada na educação estritamente formal. E que,

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175

é preciso saber dosar o lúdico com as primeiras letras, porque é isso que faz dessa modalidade

de educação um diferencial em relação às demais, e torna possível o processo de

reconhecimento da criança como indivíduo participativo da sociedade.

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Page 192: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

ANEXOS

Page 193: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

191

Tabela Suplementar 1: Estatística das matrículas de 29 instituições de ensino de Ibiporã-PR. As colunas

destacadas se referem às modalidade englobadas pela educação infantil.

INSTITUIÇÃO

BE

ÁR

IO I

BE

ÁR

IO II

MA

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RN

AL

PR

É I

PR

É II

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C.

E

SC

OL

AS

1 ALDIVINA MOREIRA - - - - - 23 26 30 34 24 - - - - - 137

2 ALICE ROMA - - - - - 73 66 83 72 75 - - - 12 - 381

3 ALMERINDA F. - - - - - - 39 48 27 20 - 10 - - - 144

4 CARLOS GUIMARÃES - - - - - 51 86 102 90 63 10 - - 12 118 532

5 ALBERTO SPIACI 29 39 41 60 55 51 75 58 68 80 7 9 - - 284 856

6 HELENA KAKITANI - - - - - 24 26 26 26 46 - - - 10 - 158

7 IVANILDES NALIN 15 20 19 22 25 25 23 24 28 28 - - - - - 229

8 MARIA INÊS - - - - - 56 46 69 47 60 - 7 - - 134 419

9 MÁRIO DE MENEZES - - - - - 26 27 25 29 25 - 9 - - - 141

10 NELSON SPERANDIO - - - - - 65 73 60 59 47 - - - - - 304

11 ROTARY CLUB - - - - - 53 99 86 98 59 11 16 - - - 422

12 VERA LÚCIA 30 20 24 24 25 21 25 25 28 28 - - - - - 250

13 CASTELO BRANCO - - - - - - 21 24 - 15 - - - - - 60

14 SEBASTIÃO LUIZ - - - - - 23 17 24 15 13 - - - - - 92

CE

NT

RO

S

15 ARACY SALINET 24 40 36 40 44 - - - - - - - - - - 184

16 BARBARA MACHADO 21 18 24 39 38 - - - - - - - - - - 140

17 CANTINHO FELIZ 15 20 23 44 31 - - - - - - - - - - 133

18 CARINHO MATERNO 15 19 23 18 23 - - - - - - - - - - 98

19 CAESMI - - - - - - - - - - - - 24 - - 24

20 CLAUDIO ROMANO 28 39 48 40 42 - - - - - - - - - - 197

21 DÁLGIMA E.M. BORGES 15 20 25 18 25 - - - - - - - - - - 103

22 IDALINA S. SOBREIRA 15 19 23 23 24 - - - - - - - - - - 104

23 REC. DOS BAIXINHOS - - 9 32 44 - - - - - - - - - - 85

24 MÂEZINHA DO CÉU 29 42 39 44 58 - - - - - - - - - - 212

25 MARIA CRISTINA 15 20 35 38 33 - - - - - - - - - - 141

Page 194: LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO

192

26 MARIA DO CARMO 30 22 22 25 24 47 - - - - - - - - - 170

27 MENINO DEUS 15 10 21 18 9 - - - - - - - - - - 73

28 PRECIOSO TESOURO 7 12 7 7 15 - - - - - - - - - - 48

29 ZILDA ROMANO 15 20 19 17 22 - - - - - - - - - - 93

318 380 438 509 537 538 649 684 621 583 28 51 24 34 536 5930

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Ibiporã. Agosto de 2015

Tabela Suplementar 2: Total de alunos matriculados

por modalidade de ensino.

Total Ensino Fundamental 3075

Total Educação Infantil 2182

Total Educação Especial 103

Total Educação de Jovens e Adultos 34

Total Mais Educação 536

Total de alunos 5319

Total de matrículas 5930 Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Ibiporã. Agosto de 2015