ludoterapia como um vygotskiano faz

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  • 7/22/2019 Ludoterapia Como Um Vygotskiano Faz

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    Rua Galeno de Almeida, 166 - Pinheiros - So Paulo - SPCEP 05.410-030 - Telefones: (11) 5081-7905 / (11) 2495-7905

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    Ludoterapia como um Vygotskiano faz

    O presente trabalho tem como objetivo analisar e fundamentar o processo deludoterapia com as crianas, de acordo com os pressupostos tericos deVygotsky, Luria, Leontiev e Rita Leal.

    O interesse pelo tema est vinculado ao fato de h mais de 6 anos no Brasil, osprofissionais do IPAF Instituto de Psicologia Aplicada e Formao vemestruturando o trabalho em psicoterapia vygotskiana dirigido pelo Dr. QuintinoAires e como pesquisadora tenho o interesse em fundamentar, cada vez mais aludoterapia vygotskiana no Brasil.

    A escolha pelo pblico infantil est enredada com a vivncia de consultrio,pois tenho me deparado, nesses anos, com muitas crianas que buscam oprocesso de ludoterapia devido s dificuldades encontradas no curso do seudesenvolvimento. As queixas de dificuldade de aprendizagem, dficit deateno e concentrao, dificuldade no relacionamento interpessoal, sofreqentes e, diversificadas e levam os responsveis e a criana a procuraremajuda profissional.

    Diante da diversidade das queixas, a ludoterapia vygotskiana uma prticapsicolgica que propicia o desenvolvimento das funes nervosas superiores,pois no processo de ludoterapia a criana pode se apropriar dos significados eou criar novos significados dos objetos do meio externo, dos eventos e dasrelaes sociais humanas.

    Vygotsky enfatiza, ao longo do desenvolvimento terico, que a criana emcontato com o mundo das relaes vai internalizando os instrumentos, asaes, as relaes que vo sendo apresentadas pelos outros da relao a elae, que atravs do processo de internalizao a criana vai desenvolvendo asfunes nervosas superiores e se desenvolvendo como ser social e ativo.

    Nesse sentido que os fundamentos tericos de Vygotsky (1896-1934) damediao da palavra e do brincar, bem como o processo de internalizaoauxiliam na compreenso do desenvolvimento das funes nervosassuperiores nos seres humanos, e torna possvel analisar como a criana seapropria dos objetos, eventos e relaes humanas, no processo de ludoterapia.

    Por esse legado terico, acima descrito, o conceito de mediao da palavra edo brincar e o processo de internalizao so considerados aspectos chavesdo trabalho em ludoterapia, para propiciar o desenvolvimento psicolgico dacriana nas relaes que estabelece com os brinquedos, com o psicoterapeutae, a mediao da palavra de ambos na relao psicoteraputica.

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    O processo de ludoterapia vygotskiana, nesse sentido, tem como objetivoproporcionar um espao para a construo de novos significados dasexperincias e propiciar o desenvolvimento psicolgico da criana, sendo,portanto, um processo de interveno psicolgica direcionada para atransformao do sujeito.

    A relao dialtica que ocorre entre os protagonistas do processo deludoterapia marca um processo de construo mtua e essa relao pode serestabelecida pela ao e pela palavra dos integrantes e pela relao entre osmesmos.

    A ludoterapia vygotskiana tem como alicerce a compreenso dos processosnervosos superiores em sua rede de significados e sentidos e, essa rede estabelecida pela criana e psicoterapeuta atravs da percepo, seleo,significao e sentidos das informaes provenientes dos meios externo einterno.

    O sujeito pode construir significados e sentidos de suas experincias baseadona objetividade da relao e do mundo. Desse modo a ludoterapia, tem umaconotao de construo mtua, de significao e ressignificao, deconstruo de sentidos, e as pessoas envolvidas no processo esto em relaointerpsicolgica, construindo e constituindo o intrapsicolgico. Pode serconsiderado um espao de construo da vida mental e corporal.

    Quintino Aires (2006) destaca que a relao psicoteraputica facilita e/oupromove os processos de formao partilhada e o registro individual designificados apontados e nomeados por ambos da relao. (p.17)

    Como refere Luria (1981), atravs da relao interpessoal e da palavra que afuno interpsicolgica partilhada por duas pessoas se transforma numprocesso intrapsicolgico de organizao da atividade humana e ocomportamento externo passa a ser determinado por uma rede semntica

    interna, que se reflete na situao externa, reformula os motivos e interesses ed um carter consciente atividade humana. (p. 221)

    Nesse sentido, a criana, em relao com outros humanos e com osinstrumentos externos, passa a construir os seus sistemas simblicos, ossignos psicolgicos que vo mediar a sua ao no meio externo.

    A aplicao de meios auxiliares e o passo da atividademediadora reconstri a raiz de toda operao psquica, semelhante a como a ferramenta modifica a atividadenatural dos rgos e amplia infinitamente o sistema deatividade das funes psquicas superiores. Na estrutura

    superior, o signo e o modo de seu emprego o

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    determinante funcional e o foco de todo o processo dedesenvolvimento.(Vygotsky, 1995, p. 123)

    As representaes mentais so produtos da internalizao e estointrinsecamente relacionadas subjetividade do homem, por representaremmentalmente aquilo que faz sentido para eles, ou seja, o que estintrinsecamente ligado s suas emoes.

    A criana necessita construir as representaes internas do mundo externo,social e, construindo as representaes do mundo, desenvolve as funesnervosas superiores; sendo assim, a relao da criana com o meio externo

    sempre mediada pela cultura.

    O mundo externo da criana est em constante relao dialtica com o seumundo interno, devido ao processo de internalizao que ocorre medida quea criana representa mentalmente os objetos, eventos e relaes do meio emque est inserida. A criana um ser ativo no processo de desenvolvimento medida que se interessa se relaciona e constri com as coisas, eventos erelaes do meio externo.

    O papel do psicoterapeuta na ludoterapia de ser um outro dinmico, que guia,regula, seleciona, compara, analisa, registra as aes da criana a auxiliando aconstruir maneiras de pensar e de agir, como tambm disponibilizar osinstrumentos mediadores para que no brincar possa construir novossignificados e novas redes mentais.

    O brincar da criana na ludoterapia traduz e possibilita a construo designificados em relao a objetos, eventos e relaes sociais, uma vez que aanlise do brincar est focada no modo como a criana se relaciona com osobjetos e com o psicoterapeuta, enfatizando o processo do brincar e no abrincadeira propriamente dita.

    Leal (2001) enfatiza que para uma atividade ser considerada brincar deve-selevar em conta que o controle, a motivao e a realidade sejam, de algummodo, estabelecidos pelo prprio sujeito que brinca (p. 14), para possibilitarque a criana seja um ser ativo no meio externo. Ressalta que o verdadeirobrincar ocorre quando a criana, na interao com um outro, tem a condio deescolher o que e como vai fazer no seguimento da prpria imaginao.

    O brincar propicia tambm a construo da autonomia e da conscincia de quese pode construir algo ou alguma ao de acordo com a sua necessidade emotivo1. A criana, em contato com os objetos, internaliza os significados dos

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    Leontiev destaca as categorias necessidade e motivo como a mola propulsora odesenvolvimento psicolgico do sujeito. A categoria necessidade pode ser descrita como umamobilizao interna que pode no direcionar inicialmente o sujeito para uma ao especfica,

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    mesmos e, em contato com o outro da relao, tem a possibilidade deinternalizar os significados da prpria relao, pois nela que um exerce sobreo outro uma influncia que gera uma construo mtua e propicia um contnuomovimento de desafio, transformao e desenvolvimento.

    O brincar da criana possibilita a construo dos signos psicolgicos, aapropriao do mundo externo e a construo da representao interna domeio externo. Num processo dialtico, so as representaes internas quefazem a criana brincar e, brincando, constitui mais e mais a construo desentido do mundo. O brincar da criana propicia a construo subjetiva dossignos e dos significados das coisas, eventos e relaes humanas medida

    que internaliza e se apropria do significado dos objetos, coisas, eventos erelaes e constri sentido das mesmas. A ao do brincar constri a atividademediada da criana e uma atividade no meio social que representa osobjetos, eventos e relaes construdos e transformados num mundo externointernalizado.

    Vygotsky (1995) refere que durante o brincar a criana substitui os signos dosobjetos por outros signos e esses se convertem em outros objetos. Para oautor, o importante no brincar utilizar funcionalmente os objetos com apossibilidade de realizar a atividade com a ajuda do gesto representativo.

    No brincar, a criana pode realizar tarefas para as quais na realidade no temhabilidade fsica e psquica, como, por exemplo, dirigir um carro. Um objetocircular pode se converter na direo do carro e a criana pode dirigi-lo erepresentar mentalmente a ao de dirigir, a atitude do motorista e o prprioobjeto, o carro. Um pedao de pano ou de madeira pode se converter em umbeb e a criana faz, no brincar, os mesmos gestos que representam o cuidadoe a nutrio dos outros com os bebs.

    o prprio movimento da criana, seu prprio gesto, osque atribuem a funo de signo ao objetocorrespondente, o que lhe confere sentido. Toda a

    atividade simblica representacional est cheia dessesgestos indicadores.(Vygotsky, 1995, p. 188)

    Vygotsky (1995) descreve que s nele (brincar) que radica a chave daexplicao de toda a funo simblica das brincadeiras infantis e pode serentendido como um sistema de linguagem muito complexo que mediantegestos informa e assinala o significado dos diversos brinquedos. (p. 187-188)

    mas que auxilia na construo de significado dessa ao como algo que pode satisfazer a suanecessidade, se configurando num motivo. O autor destaca que para compreender o processodo desenvolvimento psquico humano necessrio perceber qual a sua necessidade interna, o

    que o est mobilizando para uma atividade no meio social e como o sujeito est construindosignificado capaz de satisfaz-lo. Portanto a ao do brincar da criana pode se configurar ematividade ligada sua necessidade e ao seu motivo.

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    O autor enfatiza que com a atividade do brincar o objeto se emancipa de suaqualidade do signo e do gesto (p. 188) e passa a ser significado pela ao,pela linguagem que lhe atribuda e representa determinadas relaesconvencionais, deixando para segundo plano a necessidade do gesto. Oimportante a semelhana que o objeto tem com a representao simblica.

    Vygotsky (2002) afirma que o brincar da criana uma atividade que envolve aimaginao e a criana brinca de ser algum ou de fazer algo no momento emque est construindo o significado e o sentido do objeto, da ao e da relaoe, ao brincar, constri cada vez mais esses significados e sentidos. (p. 126) Na

    ludoterapia a ao do brincar direcionada e intencional para produzirtransformaes psicolgicas.

    Leal (2001) enfatiza que, no brincar da criana, os elementos dispersos daexperincia encontraro lugar e contexto para se poderem diferenciar,organizar e receber rtulos simblicos que sero fonte de linguagem. (p.1) Acriana em relao com um outro capaz de significar, organizar e construir omundo simblico e, no brincar com o outro, a criana se apropria dessasrelaes.

    O brincar possibilita a construo das mais variadas formas e possibilidades dohumano, na medida em que o reconhecimento do seu semelhante possibilita oprprio reconhecimento de si, pois o outro indica, delimita, atribui significado realidade.

    Os movimentos da criana com o psicoterapueta emergem cadncias regularesque geram um intercmbio e torna explcito que h um interlocutor que podecompletar os atos da criana, ou seja, a criana pode compreender os seusprprios atos no intercmbio relacional com o outro. (p. 8) A relao mediadapela palavra, pelas tcnicas do psicoterapeuta, pelos brinquedos e pelaatividade do brincar.

    Nesse sentido as palavras utilizadas pelo psicoterapeuta, na ludoterapia tm oobjetivo de possibilitar no interpsicolgico o desenvolvimento psicolgico dacriana para se perceber como um sujeito ativo nas relaes sociais etransformador do prprio meio social, uma vez que as tcnicas enfatizam ainiciativa e espelham as aes, pensamentos, planejamentos, da prpriacriana; de acordo com as suas necessidades e motivos.

    O processo de construo e transformao, na ludoterapia, ocorre na relaoda criana com o psicoterapeuta, com os objetos disponibilizados na caixa deludo e na palavra de todos os envolvidos nesse processo.

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    Desse modo que o processo de ludoterapia um espao de construo designificados e sentidos e de ressignificao, bem como de criao decondies para que ocorram as transformaes psicolgicas possveis deacordo com as instrumentalidades histricas. indicado a todas as crianasque esto em processo de desenvolvimento das funes nervosas superiores,como forma de preveno e direcionamento do desenvolvimento, comotambm s crianas que sentem dificuldades no desenvolvimento das funesnervosas superiores ao longo de sua histria. Essas crianas encontram narelao com o psicoterapeuta o espao para esse desenvolvimento.

    Para ilustrar os conceitos referidos nesse trabalho convido a todos a analisar

    trechos de uma sesso de ludoterapia com uma criana de 8 anos de idadedenominado nesse trabalho como Pedro.

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    Cenrio da pesquisa

    A pesquisa foi realizada no consultrio e a escolha do sujeito da pesquisa foirealizada aleatoriamente atravs do processo de marcao de consultas empsicoterapia do Instituto, sendo esta a primeira criana que aceitou o horriodisponibilizado para o atendimento e a marcao da consulta foi realizada.

    Personagens da pesquisa

    Os personagens so um menino de oito anos de idade denominado Pedro, esua av por parte de pai, D. Francisca, de sessenta e trs anos de idade.

    Como de praxe o Psicodiagnstico foi realizado, por meio dos seguintesinstrumentos:- Consulta inicial com a av (responsvel legal pela criana) e a criana;- Relatrio de observao do psiclogo que a encaminhou para o IPAF;- Atividade de ludo com a criana;- Aplicao da Prova de Rorschach;- Entrevista por telefone com o diretor da escola;- Entrevista devolutiva com a av e a criana.

    A primeira consulta teve como foco a histria de Pedro inserido no contextofamiliar, tendo como objetivo central compreender como a av se relacionacom a criana, compreender a queixa que est sendo trazida. Cabe ressaltarque o garoto estava presente em todas as fases do processo, pois, sendo oprotagonista da histria, deve participar e estar a par de todas as situaes emque est sendo citado.

    Pedro nasceu no Paran, onde morava com o pai, a me e um irmo maisnovo. A me o abandonou h aproximadamente dois anos e Pedro e o irmode quatro anos foram levados pelo pai para morar em So Paulo, com D.Francisca, uma tia paterna e um primo de trs anos.

    A av afirmou que no podia cuidar dos garotos porque doente, mas se viuna obrigao de faz-lo por ter sido designada pelo Juiz.

    A av era faxineira e trabalhava o dia todo em casa de famlia, mas aps quaseser denunciada para o SOS Criana pela vizinha, parou de trabalhar paraficar com as crianas. Pedro e o irmo mais novo ficavam trancados em casa,numa espcie de poro, enquanto ela ia trabalhar. Ela relata que o garoto eramuito cuidadoso com as coisas e com o irmo e no mexia em nada, nemcolocava ao irmo e a si prprio em risco.

    No ano de 2006, Pedro foi matriculado na 1 srie do Ensino Fundamental de

    uma escola municipal, que o encaminhou para atendimento em psicoterapiacom queixa de hiperatividade, dificuldades de aprendizagem e de

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    relacionamento interpessoal. Esse incio tardio da escolaridade ocorreu porquea av no tinha ainda a guarda definitiva das crianas e sem um responsvellegal as escolas no podiam aceitar Pedro como aluno.

    A av confirmou a queixa de agitao, salientando que seu outro neto havia setornado muito irritado e briguento por influncia de Pedro. Salientou que a suacasa no tem espao para as crianas brincarem e acredita que isso podeinfluenciar na agitao do garoto.

    A sesso de ludo com o garoto, com trinta minutos de durao, teve comoobjetivo levantar hipteses a respeito do modo como ele brinca, como constri

    a brincadeira, como se relaciona com os objetos da caixa de ludo e comoestabelece a relao comigo, uma pessoa estranha ao seu mundo.

    Aps o trmino dessa consulta, entrei em contato por telefone com o diretor daescola para compreender melhor sua queixa em relao s dificuldades deaprendizagem, hiperatividade e dificuldades no relacionamento interpessoal dePedro. Nesse contato foi explicado que ele era uma criana muito agitada e,por esse motivo, permanecia na escola por apenas duas horas. O diretorrelatou que sua sada antecipada era realizada em seu prprio benefcio,devido ao fato de perturbar o andamento das demais crianas e no conseguirter ateno focada por mais tempo.

    Apesar de conversarmos sobre a importncia de Pedro freqentarregularmente a escola e da denncia que seria realizada por mim Secretariade Educao do Municpio, o diretor foi firme em sua conduta de retirar Pedromais cedo da sala de aula por mais um ms.

    No segundo encontro com Pedro foi realizado a aplicao da Prova deRorschach, com o objetivo de compreender como e quais funes nervosassuperiores - ateno, memria, emoo, linguagem, pensamento, imaginao,planejamento da ao - se configuram em sua construo psicolgica at o

    momento da avaliao. A anlise da Prova de Rorschach foi realizada deacordo com o Sistema Compreensivo de John Exner.

    A anlise da Prova de Rorschach pde evidenciar a dificuldade do garoto emmanter a ateno, por conta dos aspectos afetivos que esto interferindo noseu comportamento explcito, pois demonstrou estar sendo bombardeado porsentimentos de insegurana e intensa irritao interna, no conseguindo utilizaros recursos intelectuais que possui para direcionar e levar a cabo as suastarefas.

    Aps esse processo de psicodiagnstico, foi realizada a devolutiva na presena

    da av e de Pedro com o objetivo de explicitar a anlise realizada nesses

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    primeiros contatos com o garoto e com a av alm de delinear, em conjunto,um contrato de trabalho e dar incio ao processo de psicoterapia.

    Diante de todos os dados compilados, pude analisar que D. Franciscaapresentou as dificuldades que sentia em relao aos garotos, somadas aosproblemas de sade que ela apresentava, ao fato de no conseguir trabalhar, ede ter que dividir um espao pequeno com mais dois meninos. Na entrevista,demonstrou necessidade de falar de si prpria e das dificuldades que estavaenfrentando para cuidar do garoto.

    A av tinha a guarda judicial de Pedro, mas, seja por falta de espao em sua

    casa, seja por falta de condies fsicas e emocionais, no se assumia comoresponsvel plena por ele e relatava que esperava devolv-lo para o pai. Oscuidados que a av demonstrou ter com o garoto foram de lev-lo escola, deacompanhar as suas tarefas, de aliment-lo, de vesti-lo e de proporcionar, comdificuldade, o espao fsico para a moradia. Esses cuidados ocorrem por voltade dois anos e, aps a morte do pai de Pedro a av imediatamente o colocouem um abrigo para filhos de pais encarcerados.

    Pedro foi referenciado, nas palavras da av, como uma criana agitada,briguenta, inconseqente, que atiava os outros, que no conseguia pararquieto para aprender, mesmo tendo entrado h pouco tempo na escola. D.Francisca referiu que, como os pais so desequilibrados, j era de se esperarque Pedro fosse revoltado. Seu intuito ao traz-lo para a psicoterapia era tentardescobrir e sanar a revolta, a agitao e a dificuldade de aprendizagem paraque pudesse viver melhor com a famlia.

    A anlise da Prova de Rorschach pde evidenciar a dificuldade do garoto emmanter a ateno, por conta dos aspectos afetivos que esto interferindo noseu comportamento explcito, pois demonstrou estar sendo bombardeado porsentimentos de insegurana e intensa irritao interna, no conseguindo utilizaros recursos intelectuais que possui para direcionar e levar a cabo as suas

    tarefas.Nesse contexto, a proposta de ludoterapia para Pedro foi delineada paraestabelecer uma relao de confiana e de responsabilidade com o seudesenvolvimento psicolgico mediado pela palavra e pelo brincar. A propostade orientao com a av foi focada na conscientizao da suaresponsabilidade para com o desenvolvimento psicolgico de Pedro, uma vezque assumiu a guarda judicial dos garotos.

    Os objetivos da ludoterapia com Pedro, entre outros, foram:- ressaltar a atividade de Pedro de acordo com a sua necessidade, para que

    ele possa se perceber e se constituir como um sujeito ativo no meio externo;

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    - demonstrar a minha presena estvel na relao com ele, apoiando,repetindo, direcionando e organizando a sua atividade;- proporcionar condies, ao nvel interpessoal, atravs da palavra e do brincarpara que ele possa reorganizar as suas aes e pensamentos ao nvelintrapsicolgico;- utilizar o brincar e a palavra como mediadores do desenvolvimento.

    Tendo em vista as exigncias do tempo, foi selecionado para anlise, algunstrechos da sesso de ludoterapia com Pedro para melhor ilustrar a propostadesse trabalho.

    Em todas as sesses, os instrumentos da caixa de ludo foram disponibilizadospara que ele pudesse brincar, desenhar, pintar ou construir brincadeiras, paraque Pedro pudesse exercer a iniciativa ao escolher quais materiais seriautilizados e de que maneira.

    A minha ao, nos momentos de ludo, foi realizada atravs do brincar e dapalavra no espontnea, nem aleatria, uma vez que tinha a inteno defavorecer o desenvolvimento psicolgico. Sendo assim, minhas palavras comopsicoterapeuta foram norteadas pelas tcnicas psicolgicas propostas por Leal(2004) e ocorreram durante todos os momentos de ludo.

    As tcnicas utilizadas foram:- marcao: utilizada para marcar o dilogo num movimento de vai e vem, como intuito de no deixar no vazio a palavra da criana. Os dilogos sociais somarcados pelas pessoas implicadas na conversa, num movimento de agora-tu,agora-eu, com o objetivo de no deixar a fala da criana sem resposta. Essaao sustenta o dilogo e marca a presena do psicoterapeuta na relao coma criana;- repetio: utilizada para a criana perceber a sua fala atravs da palavra dooutro;- pr verbo: quando o psicoterapeuta descreve a ao da criana no momento

    em que a linguagem verbal no est presente. A ao de descrever a atitudedo outro possibilita criana perceber, atravs da fala do outro, como estagindo no meio externo. O objetivo dessa tcnica possibilitar criana seperceber agindo no meio externo, como um ser ativo;- eco emocional: o psicoterapeuta descreve a emoo que est permeando arelao naquele momento. O intuito verbalizar e deixar claros os contedosemocionais que permeiam as relaes interpessoais. A possibilidade deexperimentar, na atividade principal, as emoes que so sentidas, possibilita criana reconhecer e nomear as suas prprias emoes;- re-expresso: o psicoterapeuta reconstri e organiza a fala da criana. Essatcnica possibilita ao outro da relao organizar a fala e a ao da criana para

    que a mesma possa construir sentido de suas aes e organiz-las.

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    TRECHOS DAS SESSES

    A anlise foi realizada da seguinte maneira:1. Explanao das aes e falas (de modo literal)2. Explicao das observaes, sensaes e inferncias que realizei em

    funo da atividade de Pedro e que suscitaram as minhas palavras e omeu brincar como psicoterapeuta; (indicados em verde)

    3. Utilizao da tcnicas psicolgicas; (indicados em vermelho)4. Analise dos trechos e articulao terica

    EPISDIO 1

    P. Pensei que era borracha. (Refere-se ao bloco de madeira para montar)(Estava mexendo no bloco de madeira que estava perto da caixa)Percebi que a ateno de Pedro estava em outro objeto.Psi. No. bloco de madeira.Acompanhei a sua iniciativaP. Que pode brincar?Senti que Pedro solicitava o aval para brincar com os blocos, uma vez que euestava h poucos minutos insistindo no dilogo do animal.Psi. Pode brincar de montar. D para montar vrias coisas.Acrescentei um modo de iniciar a ao de montar e dei a possibilidade dadiversidade de aes para Pedro escolher o que fazer com os blocos.P. (Pega os outros blocos de madeira na caixa de ludo)Percebi que ele estava iniciando uma ao com os blocos.Psi. (Pego dois blocos e coloco um em cima do outro)Imitei a sua ao.P. (Pega outros blocos e coloca ao lado dos meus e em cima tambm)Percebi que ele estava aceitando a ao conjunta.Psi. O que ns estamos montando?A minha pergunta foi colocada com a inteno de Pedro organizar e planejarantecipadamente, atravs da linguagem, a ao e o brincar e tambm mostrarnossa participao no brincar em conjunto.

    P. Um castelo.Percebi que ele tinha um plano e que, pela minha solicitao, estava seexplicitando em palavras.Psi. Ento essa pode ser a torre do castelo. (Referi-me aos blocos que ns jtnhamos empilhado)Ajudei o planejamento e direcionei atravs da re-expresso a ao jexecutada como parte integrante do castelo.P. (Continua montando outros blocos e juntando-os ao castelo. Vai caixa deludo e pega os soldadinhos)Senti que o brincar de construir com blocos estava prestes a se transformar,pois Pedro j estava buscando outros objetos da caixa de ludo.

    Psi. Vai brincar com os soldadinhos.Pus verbo na sua ao, mostrando que ele j estava com os soldadinhos.

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    P. Tira o castelo agora, seno ns vamos atirar. (Faz barulho de tiro com aboca)A idia de Pedro estava sendo transmitida para mim, mas como uma ordem deque a brincadeira estava se configurando de outra forma. No estvamosapenas na construo do castelo, mas agora ele ia ser destrudo pelossoldados.Psi. Nossa Os soldados esto destruindo o castelo.O eco-emocionalfoi realizado com uma expresso de espanto e coloquei verbona sua ao com os soldados.P. (Pega a caixa de madeira, coloca os soldadinhos em cima da caixa emdireo ao castelo e empurra a caixa no castelo, desmontando-o)

    Os movimentos de construir e destruir estavam presentes nessa atividade dePedro. A construo foi efetuada em conjunto, mas logo em seguida eleexecutou a destruio do castelo com os soldados. Inferi que essa atitude delede destruir o castelo pode repercutir em agressividade ou briga quando elebrinca com os colegas. Ns dois estvamos construindo algo e ele, nacontinuidade da brincadeira, sem verbalizar a sua inteno na brincadeira,destruiu o castelo. A palavra no foi utilizada antecipadamente para organizar ecompartilhar comigo a atividade do brincar.Psi. Agora destruram todo o castelo.Re-expresseia ao da destruio do castelo.P. Nunca. Ah, ? (Pega uns soldados e coloca junto aos blocos castelo - eatira em direo aos outros soldados. Faz barulho com a boca)Senti que Pedro demonstrou indignao com a destruio do castelo e isso foiexpresso na sua palavra e nas suas aes de combate aos soldados.Psi. (Pego alguns soldados e tambm brinco de proteger o castelo. Faobarulho de tiro com a boca)Aceitei a sua iniciativa e demonstrei essa aceitao acompanhando e repetindoo seu movimento na defesa do castelo.P. (Continua atirando e lutando, com os dois lados dos soldados.) Sobrou um.(Referindo-se ao soldado dele)Compreendi que Pedro gostava de se destacar na brincadeira, devido ao fato

    de o seu boneco ser o nico a sobreviver. Percebi que, com essa ao, ele meretirou da brincadeira novamente.Psi. Sobrou s o seu soldado. (Tombo os soldados que estavam em minhasmos como se tivessem morrido)Re-expresseias suas palavras, enfatizei o destaque de o seu boneco ser onico sobrevivente e a minha retirada da brincadeira.P. At esse morreu. (Refere-se ao seu soldado)Pedro pareceu perceber as aes implcitas no brincar e re-expressadas pormim e retirou tambm o seu soldado.Psi. Todos os soldados que estavam protegendo o castelo morreram.A re-expresso serviu para organizar a ao que estava acontecendo. As

    aes foram transformadas em palavras e colocadas para ambos da relao.

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    Neste episdio da sesso, alguns pontos no movimento do brincar de Pedrocomigo foram interessantes. Primeiro chama a ateno que iniciamos umabrincadeira em conjunto em que ora eu colocava uma parte do material, ora eleacrescentava outra parte na montagem de um nico castelo. No entanto, asregras da brincadeira ainda no estavam explcitas nessa relao, uma vez quePedro decidiu continuar o brincar com a destruio do castelo, sem o aviso aooutro da relao. Inferi que esse movimento de Pedro pode gerar conflito ebriga quando brinca em conjunto com outras crianas devido s regras seremestabelecidas por ele e no explicitadas antecipadamente para que o outropossa entrar em um acordo da brincadeira. A dificuldade de Pedro emorganizar e explicitar a regra pode gerar, no outro, incmodo e/ou raiva ao

    brincar com ele.

    Os movimentos de construo e desconstruo apareceram no brincar com ocastelo que foi construdo por ele em conjunto com o outro, destrudo pelossoldados que ele mesmo acrescentou brincadeira e, posteriormente, ficouindignado com a destruio do castelo e automaticamente o protegeu, matandoos soldados. Inferi que Pedro pareceu estar criando sentido de que tudo podeser construdo e destrudo da mesma maneira e na mesma proporo, tantoem relao aos objetos, como nas relaes.

    Apesar de utilizar a linguagem, a sua funo no antecipa e substitui a suaao; no entanto, apresenta certa organizao neste episdio, com um brincarcom incio, meio e fim, at o guardar dos brinquedos.

    EPISDIO 2P. Ns vamos fazer um passeio na piscina! (Fala com grande entusiasmo)Pedro demonstrou mais uma vez atravs da linguagem a brincadeira dopasseio piscina e, nesse momento, me incluiu na brincadeira. A emoo deentusiasmo permeou essa fala de Pedro.Psi. Ns vamos fazer um passeio na piscina, eba!Confirmei o seu entusiasmo atravs da repetio seguida de um eco-emocional

    e acompanhei a sua iniciativa.P. L na chcara. (Enquanto conversa mexe na massinha)Pedro designou antecipadamente, atravs da linguagem, como seria abrincadeira.Psi. Que delcia! (Eu mexo na massinha tambm enquanto conversamos)Fiz um eco-emocional para incentivar a brincadeira e demonstrar a minhaemoo em participar com ele dessa brincadeira.P. Na chcara tem piscina, n?Pedro pareceu designar o objeto e buscou se certificar de que estava certo emseu pensamento a respeito da chcara e pediu o meu aval para ter certeza.Pareceu estar querendo ampliar o conhecimento a respeito das coisas.

    Psi. Algumas chcaras tm piscina, outras no tm...

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    Trouxe a realidade para a nossa fantasia e imaginao, no entanto, deixei aresposta em aberto para que ele decidisse se a nossa chcara teria piscina ouno.P. No meu passeio vai ter piscina na chcara.Ele decidiu e se posicionou como um ser ativo no meio externo.Psi. Hum hum.Usei a marcao para deixar o dilogo fluir e observar o planejamento dabrincadeira atravs de sua fala. A funo da imaginao estava presente eexplcita nesse momento da sesso, uma vez que a linguagem estavapermeando e organizando a nossa brincadeira.P. Tem uma piscina grande, aquele negcio que a gente segura assim e desce.

    Pedro permaneceu descrevendo como seria a chcara e usou a linguagempara explicitar a sua representao mental e o seu pensamento em relao chcara, piscina, ao passeio etc.Psi. Tobog.Acrescentei o conceito que estava sendo explicitado por ele para ajud-lo nanomeao dos objetos e poder ampliar o seu vocabulrio.P. tobog que se chama?Pedro manteve o dilogo da construo da brincadeira de ir chcara e piscina e pareceu estar interessado em aprender o nome do objeto a queestava se referindo.Psi. Aquele negcio que escorrega na piscina tobog.Confirmei o nome do objeto e acrescentei alguns atributos para facilitar suavisualizao e representao mental.P. Vai ter tobog. (Pega a folha de papel)Pedro ressaltou a idia do tobog na piscina e pareceu completar a cena quefoi criada para essa brincadeira.Psi. Hum hum.Usei a marcao para deixar o dilogo fluir de acordo com a sua necessidade.

    Este episdio mostrou uma alterao importante no comportamento de Pedroem relao ao seu brincar. A linguagem foi a mediao principal da brincadeira

    e substituiu as aes e gestos necessrios para a execuo da mesma.Como afirma Vygotsky, uma vez que as crianas vo substituindo as aes, osgestos com objetos, e comeam a utilizar a fala para planejar e organizar asaes, a linguagem passa a ocupar um papel importante como funo nervosasuperior no brincar.

    EPISDIO 3P. Vou fazer um avio.Pedro tomou outra iniciativa aps a brincadeira da piscina.Psi. Vai fazer um avio.

    Repeticom o intuito de prender a sua ateno a essa atividade.P. De dobrar assim. Voc dobra aqui e faz assim.

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    Pedro pareceu estar me ensinando a fazer um avio de papel. Inferi que oconhecimento e certa superioridade necessitavam ser explicitados por elenesse momento. Pensei que ele deve ter esse movimento com o irmo e com oprimo, ambos mais novos que ele.Psi. Um avio de dobradura de papel.Pus verbo em sua ao e tentei organiz-la introduzindo o conceito dadobradura de papel.P. (Faz o avio e dobra o papel) Me ajuda a dobrar aqui?Senti que a relao entre Pedro e eu nessa sesso estava sendo de partilha,uma vez que ele pediu para ajud-lo a fazer a dobradura, bem comoanteriormente me perguntou a respeito da chcara. Pareceu que, nesse

    momento, ele estava mais atento ao que estava executando e pedindo auxlioquando tinha alguma dificuldade.Psi. Assim que tem que dobrar? (Ajudo-o a dobrar o papel para fazer o avio)Ajudei-o a dobrar o papel, mas perguntei a ele como era para ser feito. Essaatitude foi para prolongar esse movimento de partilha da relao.P. Que da hora!Pedro demonstrou explicitamente ter gostado do resultado final queconstrumos juntos.Psi. Hum humA marcao foi utilizada para deixar Pedro fluir no seu brincar com o avio.Poderia ter enfatizado a sua emoo, mas no momento no me dei contadessa possibilidade.P. Tem que arrumar aqui, porque um ficou maior e o outro pequeno. (Refere-seao lado das asas do avio)Ele permaneceu pedindo a minha ajuda e prosseguiu a relao de partilha.Inferi que a relao que estava sendo realizada naquele momento no era deque eu sabia mais do que ele e sim de que poderamos montar juntos o avio.Psi. (Pego o papel e dobro de novo) Ficou bom agora?Aceitei e executei o seu pedido e reafirmei a importncia da sua apreciao.P. Ficou. Vamo ver se vai voar.Pedro pareceu querer ver o produto final que foi construdo sendo utilizado e

    inferi que a expectativa implcita era de o avio pudesse voar.Psi. Hum hum.Usei a marcao para apenas marcar a minha presena na relao e deixarfluir o dilogo e a brincadeira.P. Faz um bolo e o pastel enquanto isso. (Me d a massinha e joga o aviopara o alto, para voar)Nesse momento Pedro construiu duas brincadeiras ao mesmo tempo e, atravsda designao verbal (linguagem), pde partilhar comigo suas intenes e seuplanejamento.Psi. Enquanto voc brinca com o avio, eu fao o bolo e o pastel. (Pego amassinha)

    O uso da re-expresso serviu para explicitar a organizao de Pedro e as suasintenes nas brincadeiras.

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    P. Voou. (Pega o avio do outro lado da sala) Voou, voouPedro parecia eufrico com o fato de ter construdo o avio e o mesmo tervoado.

    Neste episdio o movimento de ao partilhada entre Pedro e eu apareceu deforma explcita na sesso. Referi a relao partilhada, pelo fato de no teraparecido a relao de poder e sua sobrevalorizao em relao a mim. Elesolicitou ajuda quando necessitava para construir algo que percebia noconseguir fazer sozinho.

    Refiro ao que Quintino Aires (2005) salientou sobre que a relao

    psicoteraputica facilita e/ou promove os processos de formao partilhada e oregistro individual de significados e sentidos, apontados e nomeados porambos os envolvidos na relao. O brincar de Pedro, neste momento, pareceumais organizado e tranqilo, com incio, meio e fim.

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    Consideraes Finais

    De acordo com o objetivo deste trabalho o processo de ludoterapia realizadacom o Pedro pode disponibilizar novos instrumentos mediadores, uma relaoestvel e direcionada para que Pedro pudesse se desenvolver como um sujeitoativo da ao, com iniciativas de acordo com as suas necessidades e motivos.

    O desenvolvimento de Pedro foi analisado a longo prazo, devido ao processode ludoterapia ter sido realizada por 2 anos consecutivos. Quase ao trmino doprocesso, o pai de Pedro foi assassinado e a av encaminhou Pedro e o irmoa um abrigo de menores, porque considerou que no tinha mais compromissos

    com a justia, aps a morte do seu filho, esse ato da av prolongou o processode ludoterapia para que Pedro pudesse se preparar para esse novo contexto.Os funcionrios do abrigo permaneceram levando Pedro aos atendimentos emludoterapia o que tambm possibilitou a ressignificao do lugar que ocupoufora da famlia de origem.

    Durante os atendimentos, com o uso dos brinquedos e das tcnicaspsicolgicas foi possvel que Pedro planejasse as brincadeiras antes mesmo deinici-las em virtude de ter um outro no qual Pedro deveria comunicar os seusdesejos. A presena constante e participativa do outro mais experientepossibilitou a habilitao de funes nervosas superiores da linguagemantecipatria da sua ao e do brincar mais organizado.

    Vygotsky (1995) refere que ao longo do desenvolvimento das funes nervosassuperiores a linguagem ocupa um papel importante no brincar por substituir asaes e os gestos com os objetos, de forma que a criana utilize a fala paraorganizar e planejar a sua atividade. A linguagem passa a ser mediadora eestrutura o planejamento e o pensamento da criana.

    As mudanas na dinmica psicolgica de Pedro foram notrias e auxiliaramtambm a Escola a realizar um trabalho mais efetivo na alfabetizao de Pedro

    e facilitou a aproximao dos amigos da escola a ponto de Pedro serconvidado a fazer parte do time de futebol da escola. A insero de Pedro noabrigo o obrigou a seguir algumas regras institucionais que tambm auxiliaramPedro na construo de limites internos, uma vez que a sua ao era partilhadacom os monitores e com mais crianas.

    Pedro foi uma das inmeras crianas atendidas em ludoterapia vygotskiana noIPAF Brasil, mas acredito que o legado maior desse trabalho alm devisualizar o desenvolvimento psicolgico de Pedro, foi a possibilidade defundamentar uma pratica clnica direcionada a produzir transformaespsicolgicas.

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    i f b

    A prtica clnica vygotskiana possibilita fundamentar a Psicologia como umacincia imprescindvel e capaz de compreender e atuar no contexto social dossujeitos, pois fundamenta como papel da Psicologia a integrao dosacontecimentos sociais, econmicos, polticos como constitutivos e, de mododialtico, constituintes dos sujeitos. Nesse sentido desfoca as dificuldades dossujeitos como causas intrnsecas, particulares e isoladas dos mesmos. O casode Pedro demonstrou que o contexto social, as relaes desiguaisestabelecidas na sociedade brasileira e as relaes que Pedro estabeleceu aolongo da sua vida, foram constitutivos para no possibilitar o desenvolvimentopsicolgico pleno do Pedro.

    Acredito que o legado da Psicologia Clnica vygotskiana fundamentar umacincia constitutiva e participativa da Educao, Poltica, Economia, dasociedade de modo geral e o nosso papel como profissionais da Psicologia fundamentar cada vez mais a prtica psicolgica focada na preveno,interveno e transformao da nossa sociedade e da prpria Psicologia comocincia e profisso.