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CARDASSI, Luciane - PISANDO NO PALCO: PRÁTICA DE PERFORMANCE E PRODUÇÃO DE RECITAIS 251 PISANDO NO PALCO: PRÁTICA DE PERFORMANCE E PRODUÇÃO DE RECITAIS Luciane Cardassi (UFRGS) Desde o início de 1999, quando ingressei no Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como professora substituta de piano, venho refletindo sobre qual seria a melhor maneira de orientar os alunos de instrumento na preparação de seus recitais. Refiro-me aqui não à orientação técnico-interpretativa, que ocorre nas aulas individuais de instrumento, mas a todo um complexo de questões, principalmente psicológicas, que envolvem o músico durante as semanas ou meses que precedem seus recitais. Com base na bibliografia sobre o assunto e na minha experiência pessoal como pianista, organizei então um curso de extensão universitária intitulado “ Pisando no Palco - Prática de Performance para Músicos e Produção de Recitais” , que foi oferecido durante o segundo semestre de 1999 no Departamento de Música da UFRGS. Durante cinco encontros foram abordados temas relativos à produção e divulgação de um recital, concentração e controle da ansiedade, além de outros assuntos como organização de um portfólio e preparação para entrevistas na mídia. O número de inscritos superou todas as expectativas, e isto não é senão um reflexo das várias lacunas que ainda existem na preparação dos futuros músicos profissionais na área de performance. Muitos são os desafios encontrados pelo intérprete em início de carreira, além dos desafios musicais propriamente ditos. Raramente ele dispõe, por exemplo, de uma equipe de produção e divulgação de recitais. O que acontece na maioria das vezes é que o próprio músico, desejando que seu recital saia a contento, acaba assumindo também outras funções, para as quais ele nem sempre está suficientemente preparado. Mesmo no caso da produção do recital ser feita por profissionais, algum conhecimento sobre o assunto poderá trazer ao músico, no mínimo, uma confiança maior no resultado do trabalho, e, conseqüentemente, uma diminuição da ansiedade de performance. O presente artigo tem como objetivo discutir os assuntos abordados durante o curso “ Pisando no Palco - Prática de Performance para Músicos e Produção de Recitais” . O curso foi dividido em três grandes unidades: 1. Antes do Recital; 2. Durante o Recital; e 3. Depois do Recital. Dentro de cada unidade os assuntos foram agrupados em quatro áreas: preparação artística, psicológica, física e organizacional 1 . 1. ANTES DO RECITAL 1.1. Preparação Artística A definição do programa de estudo é o primeiro passo para a realização de um recital. Quando se trata de músicos em início de carreira, o que acontece normalmente é que o professor assume a tarefa de escolher o programa mais adequado para cada aluno, em determinada etapa de aprendizado. Mesmo nesse caso, a participação do aluno na decisão final do programa é vital para o bom resultado do trabalho, já que é ele que irá conviver 1 Esta nomenclatura foi utilizada por Roland (1998).

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  • CARDASSI, Luciane - PISANDO NO PALCO: PRTICA DE PERFORMANCE E PRODUO DE RECITAIS

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    PISANDO NO PALCO:PRTICA DE PERFORMANCE E PRODUO DE RECITAIS

    Luciane Cardassi (UFRGS)

    Desde o incio de 1999, quando ingressei no Departamento de Msica da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul como professora substituta de piano, venho refletindo sobrequal seria a melhor maneira de orientar os alunos de instrumento na preparao de seusrecitais. Refiro-me aqui no orientao tcnico-interpretativa, que ocorre nas aulasindividuais de instrumento, mas a todo um complexo de questes, principalmentepsicolgicas, que envolvem o msico durante as semanas ou meses que precedem seusrecitais. Com base na bibliografia sobre o assunto e na minha experincia pessoal comopianista, organizei ento um curso de extenso universitria intitulado Pisando no Palco -Prtica de Performance para Msicos e Produo de Recitais , que foi oferecido durante osegundo semestre de 1999 no Departamento de Msica da UFRGS. Durante cinco encontrosforam abordados temas relativos produo e divulgao de um recital, concentrao econtrole da ansiedade, alm de outros assuntos como organizao de um portflio epreparao para entrevistas na mdia.

    O nmero de inscritos superou todas as expectativas, e isto no seno um reflexo dasvrias lacunas que ainda existem na preparao dos futuros msicos profissionais narea de performance. Muitos so os desafios encontrados pelo intrprete em incio decarreira, alm dos desafios musicais propriamente ditos. Raramente ele dispe, porexemplo, de uma equipe de produo e divulgao de recitais. O que acontece namaioria das vezes que o prprio msico, desejando que seu recital saia a contento,acaba assumindo tambm outras funes, para as quais ele nem sempre estsuficientemente preparado. Mesmo no caso da produo do recital ser feita porprofissionais, algum conhecimento sobre o assunto poder trazer ao msico, no mnimo,uma confiana maior no resultado do trabalho, e, conseqentemente, uma diminuio daansiedade de performance.

    O presente artigo tem como objetivo discutir os assuntos abordados durante o curso Pisando no Palco - Prtica de Performance para Msicos e Produo de Recitais . Ocurso foi dividido em trs grandes unidades: 1. Antes do Recital; 2. Durante o Recital; e3. Depois do Recital. Dentro de cada unidade os assuntos foram agrupados em quatroreas: preparao artstica, psicolgica, fsica e organizacional1.

    1. ANTES DO RECITAL1.1. Preparao ArtsticaA definio do programa de estudo o primeiro passo para a realizao de um recital.Quando se trata de msicos em incio de carreira, o que acontece normalmente que oprofessor assume a tarefa de escolher o programa mais adequado para cada aluno, emdeterminada etapa de aprendizado. Mesmo nesse caso, a participao do aluno na decisofinal do programa vital para o bom resultado do trabalho, j que ele que ir conviver

    1Esta nomenclatura foi utilizada por Roland (1998).

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    durante horas dirias com esta ou aquela msica. No caso de msicos profissionais, adeciso sobre o repertrio de cada recital tambm a primeira a ser tomada.

    A fase de produo de um recital tem incio, portanto, com a definio do programa. Entende-se aqui por produo toda a organizao do evento, seja no que se refere ao material grfico,ao auditrio, aos instrumentos ou a qualquer outro tema relacionado ao evento.

    A escolha do programa do recital revela a inteno do intrprete. Podemos traar umparalelo entre essa fase de preparao para o recital e a fase de pr-composio de umaobra musical. Ao refletir sobre a forma geral de uma pea, e os materiais musicais quesero manuseados durante a composio, o compositor toma decises que aliceramtodo o trabalho composicional posterior. A inteno subjacente a essas decisescomposicionais iniciais podem ficar mais ou menos evidentes. O mesmo ocorre com ointrprete ao escolher seu repertrio. As peas em estudo so seus materiais bsicos,com os quais ele ir compor seu programa, evidenciando alguma intencionalidade.

    Muitos so os critrios para a definio de um programa de recital. O intrprete pode recorrerao programa tradicional, com peas de vrios estilos contrastantes, evidenciando umatrajetria histrica. Tambm pode criar um programa antepondo dois estilos composicionais,ou dois momentos histricos. Pode focalizar seu programa em um nico momento da histriada msica, em um determinado local ou poca, ou na produo de um compositor especfico.As possibilidades so muitas, e os critrios envolvidos nessa escolha so reveladores dainteno do intrprete e de sua maneira de pensar a msica.

    Definido o repertrio, escolhe-se a ordem de execuo das peas. Nem sempre necessriouma definio j nessa fase, mas a reflexo sobre esse assunto sempre bem-vinda. Aordem de apresentao das peas pode tomar como critrio a cronologia das peas ou doscompositores. Tambm pode contrariar a cronologia e evidenciar contrastes de climasexpressivos entre as obras. Ou ainda deixar aparentes conexes de outra natureza. Importaque o intrprete seja criativo nessa escolha, e que tenha a conscincia exata de suasintenes com o programa. Antes de definir uma ordem especfica, fundamental que ointrprete experimente vrias possibilidades, e que esteja confortvel com a ordem escolhida,pois de nada adianta um recital com programa instigante e um msico cansado. Tanto quantoo repertrio, a ordem de execuo algo bastante pessoal e revelador sobre o msico. Oideal experimentar vrias opes antes de adotar uma ordem especfica.

    Durante a preparao do repertrio, em que o aluno estuda as peas e recebe orientaode seu professor, fundamental que o programa como um todo tambm seja estudado. Otrabalho de cada pea isoladamente apenas parte da preparao artstica do recital.Tocar o programa todo, ao menos uma vez por dia, ajuda o aluno a se acostumar com aenergia despendida durante o recital, e a manter o foco de concentrao na forma geralde cada pea, no se desviando a cada eventual deslize tcnico.

    Estando com o programa do recital j construdo, o prximo passo a organizao deensaios ou pr-recitais. Nesses pr-recitais o programa deve ser sempre tocado do incio aofim, sem corrigir eventuais falhas, simulando a situao real de performance. De acordo comSalmon (1992), o melhor caminho para efetivar uma estratgia de controle do stress experiment-la em circunstncias que so variaes suavizadas do real agente de stress aser confrontado. O conceito de inoculao pode ser usado como uma analogia para esseprocesso . Assim, a exposio a situaes de performance pode ser feita de forma gradual,iniciando por ensaios com amigos, cujo retorno normalmente favorvel, passando paraoutras situaes que podem ser geradoras de alguma ansiedade.

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    O msico tambm pode preparar uma ficha ressaltando os objetivos almejados para cadapr-recital, e depois da execuo (de preferncia com gravao), completar a ficha com oresultado de cada experincia de performance (Salmon, 1992). A utilizao de uma fichacom a definio dos objetivos (que podem ser agrupados em tcnicos, musicais epessoais), evidencia os pontos conquistados a cada performance, e outros ainda a seremmelhor trabalhados.

    1.2. Preparao OrganizacionalQuando no existe uma equipe profissional para lidar com as questes relativas elaborao de convites, cartazes e folders (programa a ser entregue ao pblico), omsico pode se encarregar dessas atividades, produzindo seu prprio recital. Se esse foro caso, o melhor conselho : faa tudo com antecedncia.

    Convites e cartazes podem seguir muitos padres diferentes. O importante deixar claroas informaes bsicas: quem convida, qual o nome do evento, onde e quandoacontecer e qual o valor do ingresso. Se os convites forem enviados pelo correio interessante que o msico mantenha uma mala-direta com nomes e endereos daspessoas que constituem seu pblico. Os cartazes devem ser colados em locais de fcilvisualizao, por onde circule seu pblico-alvo.

    No que se refere ao folder, considero fundamental a elaborao de uma nota deprograma: um texto curto e objetivo, com informaes sobre as msicas, os compositores,o instrumento, ou qualquer outro dado relevante. Esse texto ser lido pelo pblicoimediatamente antes do recital, importante, ento, que seja escrito de forma clara eacessvel. A busca de informaes para elaborao da nota de programa apresenta umresultado to ou mais importante que a confeco do texto em si, que o preparo domsico para dar informaes precisas sobre seu trabalho durante a fase de divulgaodo recital, seja em entrevistas, seja na elaborao do press-release.

    A divulgao de um evento na mdia feita profissionalmente por jornalistas ou relaespblicas, mas, tambm aqui, o prprio artista pode se encarregar de algumas funes.Em primeiro lugar, deve ser elaborado um press-release, que um texto informativosobre o evento. Esse texto deve ser objetivo e conter as seguintes informaes: ttulo doevento, nome dos intrpretes, patrocinador, onde e quando acontecer, qual o valor doingresso, e alguma outra informao que possa interessar ao jornalista que receber omaterial. O press-release deve ser enviado, assim como o material de apoio (fotos dosmsicos, convites, CD, etc...), para diferentes mdias: jornais, revistas, rdio e televiso.O primeiro contato com o jornalista responsvel pela editoria de artes ou cultura de cadauma dessas mdias pode ser feito por telefone, a fim de agendar um horrio para entregado material em mos. No sendo possvel esse contato prvio, o material pode serenviado por outro meio, mas sempre recomendvel um contato telefnico posterior paraconfirmar o recebimento do material ou at mesmo para solucionar possveis dvidas dojornalista. Evidentemente esse contato deve ser feito com alguma antecedncia, digamosuns dez dias antes do recital, para viabilizar a divulgao.

    A produo de um recital tambm inclui a agenda de ensaios no auditrio e da afinaodo instrumento (piano, se for o caso), a finalizao do folder, a escolha de roupas esapatos confortveis, e muitos outros detalhes para os quais o intrprete deve estaratento antes do recital, evitando assim surpresas desagradveis no dia do recital.

    1.3. Preparao PsicolgicaOs aspectos psicolgicos que envolvem um evento musical so bastante complexos. No

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    sendo um profissional da rea de Psicologia, preparei esta parte do curso com baseprincipalmente em trs livros: Roland (1998), Green (1986) e Salmon & Meyer (1992).

    O primeiro assunto a ser discutido a ansiedade de performance. Todos os artistassentem alguma ansiedade, uma apreenso antes de entrar no palco, mesmo os maisexperientes. A ansiedade deflagra algumas manifestaes clnicas que variam de pessoapara pessoa, e apresenta uma sria de sintomas, corporais e mentais. Entre os sintomascorporais da ansiedade encontram-se: tenso muscular, agitao, tremores, aceleraodos batimentos cardacos, suor, ondas de calor ou frio, boca seca, nusea, aumento donvel de adrenalina e vontade de ir constantemente ao banheiro. Os sintomas mentais daansiedade so os seguintes: pensamentos derrotistas, distrao, falhas de memria esensao de pnico (Roland, 1998). Muitos intrpretes buscam receitas simples paralidar com a ansiedade, mas a soluo para esse problema s possvel atravs daprtica de estratgias teraputicas, e da adaptao dessas estratgias para aexperincia individual do intrprete (Salmon, 1992).

    Ao se preparar para um recital importante o msico ter a conscincia de que normalestar ansioso, e que essa ansiedade pode ser transformada em um fator positivo. No sedeve negar a ansiedade, mas encar-la como excitao, ou um desejo de entrar no palcoe tocar, transformando assim a ansiedade a ponto de energizar a performance. De fato,pesquisas em Psicologia corroboram a idia de que alguma ansiedade auxilia aperformance do artista (Roland, 1998). At um nvel timo, a ansiedade aumenta ahabilidade de realizar tarefas, de maneira mais adequada e mais rapidamente.Ultrapassando esse nvel, o efeito da ansiedade uma sensao de perda de controle ,e a partir de ento a performance tende a perder qualidade.

    Sabendo do aspecto positivo da ansiedade, e encarando o recital como um desafio, omsico pode mudar sua resposta mental durante as semanas que precedem o recital,atravs da prtica de dilogos interiores positivos. Respostas mentais favorveis performance so fundamentais para o estabelecimento da auto-confiana necessriapara o intrprete realizar seu recital a contento. como se o msico passasse a atuarcomo uma espcie de terapeuta de si mesmo, monitorando suas aes e pensamentos, eprocurando direcion-los para situaes positivas. Segundo Green (1986), existem dois jogos que ocorrem simultaneamente durante uma execuo musical: o jogo exterior,que a msica em si, com todos os desafios tcnicos e interpretativos que o msicobusca superar, e o jogo interior, que acontece na mente do intrprete. Esse jogo interior,muito mais sutil, produz obstculos mentais - falta de concentrao, nervosismo e dvida- que precisam decididamente ser sobrepujados. Com esse fim, enquanto prepara seurecital, o msico pode praticar uma srie de respostas mentais otimistas. SegundoSeligman (apud Salmon, 1992), respostas efetivas a muitas situaes de stress - taiscomo as situaes de performance - resultam da combinao de otimismo, habilidade emotivao . Os dilogos interiores (Roland, 1998) sugeridos a seguir ilustram algumaspossibilidades de se manter o otimismo durante a fase preparatria de um recital:

    DILOGOS INTERIORES POSITIVOSNa preparao do recital

    Objetivos:Defina alguns objetivos especficos para cada recital.Pense positivo desde o incio do trabalho.Procure desenvolver um rotina pr-recital.

    Exemplos:Quais so os objetivos que busco com esta performance?Vou organizar ensaios com amigos.Se eu me sentir nervoso s vezes, isso natural.

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    Imediatamente antes da performanceObjetivos:

    Encare a ansiedade como uma sensao a seu favor.Lembre-se de usar estratgias de apoio, como exerccios de respirao.Concentre-se nos seus objetivos.

    Exemplos:Estudei muito, fiz ensaios com amigos, vai dar tudo certo.Estou nervoso, mas isso normal.

    O antdoto para a ansiedade de performance no pode, no entanto, ser reduzido asimplesmente pensar positivo . Alm da resposta mental positiva, preciso encarar orecital como um desafio e no como uma ameaa. Quando nos sentimos ameaados,seja a ameaa real ou imaginria, uma srie de eventos so desencadeados em nossoorganismo. No caso do recital, uma ameaa imaginria, como a idia de que no momento dorecital o intrprete tem uma nica chance de sucesso, aumenta consideravelmente o nvel deansiedade e compromete o resultado total da apresentao. Ao contrrio, se o intrprete capaz de encarar o recital como parte de seu desenvolvimento artstico, o nvel de ansiedadetende a diminuir. Estabelecer metas para cada recital uma estratgia que permitecompreender a real dimenso do evento dentro de uma trajetria de aprendizado musical.

    Os dilogos interiores positivos podem facilitar tambm a aceitao do erro durante aexecuo. Quando no palco, a percepo do msico fica muito mais aguada, em estadoconhecido como hipervigilncia (Salmon, 1992), e os erros parecem muito mais gravesdo que so na verdade. A prtica de aceitar as pequenas falhas deve constituir um dosobjetivos do msico durante a preparao para um recital. Ensaios ou pr-recitais devemfocar tambm a aceitao do erro como um dos objetivos.

    Concentrao outro tpico fundamental para o bom desempenho do msico, e que seressente tambm quando o nvel de ansiedade assume propores alm do nvel timo.Manter o foco de concentrao no que interessa, afastando pensamentos irrelevantes, fundamental para o sucesso do recital. Pensamentos irrelevantes so todos os que nodizem respeito msica em si. Por exemplo, irrelevante pensar, durante o recital, sobre ascompras no supermercado ou os planos para o dia seguinte, mas muito comum que nossamente se desvie para assuntos variados durante a execuo musical. Nesse caso, o uso dedilogos interiores positivos tambm pode contribuir para a retomada da concentrao namsica, como, por exemplo, perguntando-se: qual seria a coisa mais importante em que eudeveria me concentrar agora?

    Ainda outra estratgia para diminuir o stress a prtica de ensaios mentais (Roland, 1998).Ensaios mentais consistem em imaginar o resultado sonoro do recital, acompanhando com aspartituras. Esse exerccio auxilia o intrprete a se sentir mais confiante, a diminuir aansiedade de performance e a superar alguma eventual dificuldade tcnica.

    s vsperas de recitais, alguns msicos procuram o isolamento, outros parecem buscarna companhia de amigos um pouco de distrao. As solues para o stress so sempreindividuais, assim como a escolha de pequenos rituais. Ler um trecho de um livro ou ouviruma determinada msica so exemplos de rituais simples que podem acompanhar omsico nos dias que precedem recitais. De acordo com Salmon (1992), os rituais geramuma sensao de conforto graas familiaridade e repetio da atividade. Aoperformer os rituais parecem diminuir a probabilidade de acontecimentos inesperados,com os quais ele freqentemente se depara, a cada recital.

    1.4. Preparao FsicaO intrprete que desenvolve hbitos saudveis no seu dia-a-dia, com uma alimentao

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    balanceada e a prtica de exerccios fsicos, sente-se em boa forma, mantm boa postura, ediminui o risco de leso. Aquecimentos, alongamentos e o hbito de fazer intervalos duranteo estudo do instrumento so tambm importantes para se evitar leses fsicas. O estudoininterrupto por horas algo completamente improdutivo e danoso sade.

    A prtica de esportes altamente recomendada, principalmente exerccios aerbicos,como natao e caminhadas, associados a alongamentos. Exerccios de relaxamento e odomnio da respirao diafragmtica so tambm importantes para a diminuio do stresspara todos os instrumentistas.

    2. DURANTE O RECITALSe o intrprete est confiante de sua preparao artstica e capaz de encarar cadarecital como um desafio, ser muito mais fcil lidar com a ansiedade de performance. Apreparao fsica o ajudar a se manter saudvel, com boa postura e, o que maisimportante, a controlar sua respirao. O segredo de manter a ansiedade em nveisbaixos est de alguma forma relacionado com o controle da respirao. Esta a razopela qual to importante para qualquer msico aprender a estar atento respiraomesmo com o aumento da freqncia cardaca ou alguma tenso muscular. Concentrar-se na respirao ajuda a controlar outros aspectos freqentemente associados com aansiedade de performance, no permitindo que esses sentimentos prejudiquem o fluxoda experincia musical.

    A prtica de alguns dilogos interiores durante o recital pode contribuir para amanuteno do foco de concentrao na msica:

    DURANTE O RECITALObjetivos:

    Concentre-se no presente.Saiba como lidar com os pequenos erros, pense neles depois.Divirta-se!

    Exemplos:Opa! Errei! Tudo bem, depois eu cuido disso.Vou continuar respirando.Preciso me concentrar no que est dando certo.

    3. DEPOIS DO RECITALSabendo que as falhas de performance assumem propores muito maiores para ointrprete do que elas realmente representam para o pblico, importante que o msicosaiba muito bem o que, como e com quem comentar sua execuo logo depois do recital.A melhor sugesto ainda no evidenciar os erros nesse momento, deixar a auto-avaliao para o dia seguinte. Perguntar a opinio de um profissional de confiana dointrprete, depois de alguns dias, fundamental para reconhecer os desafios vencidos eos pontos a serem ainda trabalhados. A seguir alguns dilogos interiores para depois dorecital:

    DEPOIS DO RECITALObjetivos:

    Avalie os resultados honestamente.Aceite os elogios, mesmo que voc no tenha achado aquela sua melhorperformance.Valorize seu progresso a cada recital.Depois de algum tempo pergunte a um profissional de sua confiana sobreseus erros e acertos durante essa performance.

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    Exemplos:Eu sobrevivi.Fiz a maioria das coisas que me propus a fazer.Mesmo ainda no sendo 100%, estou contente com o progresso que fiz.O que posso aprender a partir desta performance?

    Depois do recital hora de coletar os artigos de divulgao e as crticas que eventualmenteforam publicadas na mdia, e guard-los em um portflio que pode ser requisitado mais tarde.

    4. CONCLUSOO resultado final de um recital depende de como ele foi concebido e de toda apreparao a que o msico se submeteu, s vezes durante meses. A escolha dorepertrio, a ordem de execuo das peas, e cada item relacionado produo edivulgao do evento pode funcionar a favor ou contra o msico. fundamental que ointrprete mantenha-se atento aos detalhes. E que desenvolva a sua prpria estratgiapara lidar com a ansiedade de performance. No possvel generalizar nem o problemanem a soluo. A discusso sobre stress e ansiedade sempre bem-vinda, mas o msicono deve esperar uma receita pronta para melhor se preparar para um recital. Cadapessoa reage em graus diferentes ao stress do dia-a-dia, assim como ao stress deperformance. A soluo deve ser sempre, portanto, individual. De fato, o grau deansiedade de performance depende da ansiedade da pessoa em outros ambientessociais. Segundo Salmon (1992):

    Embora seja comum imaginar a performance como uma atividade altamente individual,a msica um meio de se comunicar com as pessoas. Se voc se sente ansioso antesde tocar em pblico, examine como se sente em outros situaes, em que a fonte deansiedade no seja to bvia (...). uma boa idia prestar ateno a como voc sesente socialmente como performer e como pessoa. Quanto mais voc descobrir quegosta verdadeiramente da msica e tem prazer em dividi-la com outras pessoas, menora probabilidade de a ansiedade o impedir de atuar .

    Ao realizar uma preparao eficiente nas quatro reas: artstica, fsica, organizacional epsicolgica, o performer se sentir mais confiante com relao ao seu prprio trabalho,consciente da importncia de cada recital dentro de sua trajetria de crescimento comomsico, e, conseqentemente, mais feliz com sua profisso.

    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASGREEN, Barry (with W. Timothy Gallwey). The Inner Game of Music. London: Pan Original, 1987.ROLAND, David. The Confident Performer. London: Heinemann, 1998.SALMON, Paul & MEYER, Robert. Notes From The Green Room: Coping with Stress and Anxiety In

    Musical Performance. New York: Lexington Books, 1992.

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