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Luciana Budal de Oliveira Psicologia e Comportamento

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Luciana Budal de Oliveira

Psicologia e Comportamento

Sumário

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CAPÍTULO 1 – Como se Estabeleceu a Visão de Homem na Psicologia? ..............................05

Introdução ....................................................................................................................05

1.1 A constituição do espaço psicológico: as diversas influências das correntes filosóficas sobre o pensamento psicológico ................................................................................05

1.1.1 A filosofia grega ..............................................................................................06

1.1.2 A modernidade – filosofia renascentista .............................................................08

1.2 A influência da escola de pensamento quantificador e mecanicista ................................12

1.2.1 Zeitgeist e os grandes homens da história da Psicologia.......................................12

1.2.2 O mecanicismo. ..............................................................................................12

1.2.3 A prática do pensamento mecanicista na Psicologia. ...........................................14

1.3 A influência da escola de pensamento funcionalista e organicista ..................................15

1.3.1 O funcionalismo pragmatista americano ............................................................15

1.3.2 O funcionalismo europeu .................................................................................17

1.4 A influência da escola de pensamento do historicismo ideográfico, estruturalismo e fenomenologia ......................................................................................................18

1.4.1 Estruturalismo - a Psicologia da Gestalt ............................................................19

1.4.2 Fenomenologia ...............................................................................................20

Síntese ..........................................................................................................................22

Referências Bibliográficas ................................................................................................23

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Capítulo 1IntroduçãoO homem sempre buscou desvendar os mistérios do mundo. Com a filosofia grega, os homens questionavam-se sobre o funcionamento da vida, do tempo, sobre a matéria e principalmente sobre o conhecimento. Ao tentar compreender o conhecimento, os homens voltaram-se para si próprios. Afinal, o conhecimento nasce do homem, ele é quem o produz e o detém.

A compreensão do homem em sua totalidade, ou seja, mente e corpo, emergiu na Idade Moder-na (séculos XV ao XVIII), com o nascimento das ciências, momento repleto de novos conceitos e crenças sobre a capacidade humana. A Psicologia se insere nesse contexto, buscando desvendar o que não é possível ver, o mundo subjetivo. Mas você sabe o que significa o subjetivo? E qual a sua ligação com os comportamentos? Para responder a essas questões, é preciso conhecer as correntes filosóficas que vão influenciar diretamente o fazer psicológico de cada tempo.

Para tanto, neste tópico você conhecerá o raciocínio que conduziu o homem a criar o espaço psi-cológico a partir das principais correntes filosóficas que serviram de alicerce para a construção da Psicologia, e os respectivos personagens que se destacaram.

Na sequência, você saberá como a escola de pensamento quantificador e mecanicista influen-ciou os pesquisadores sobre os fenômenos psicológicos analisando sua história e principais ato-res. Também estudará os aspectos relativos às escolas de pensamento funcionalista e organicista. Por fim, conhecerá a escola de pensamento do historicismo ideográfico, o estruturalismo e a fenomenologia. A partir desses conhecimentos, identificará a influências dessas escolas na Psico-logia e a criação das linhas de estudo existentes atualmente para a atuação psicológica clínica, escolar, jurídica, esporte, hospitalar, organizacional, de orientação profissional etc.

1.1 A constituição do espaço psicológico: as diversas influências das correntes filosóficas sobre o pensamento psicológicoComo a Filosofia se relaciona com a Psicologia? Qual a influência das correntes filosóficas para o pensamento psicológico? Haveria Psicologia sem a Filosofia?

Desde a Antiguidade, a Filosofia acompanha a evolução humana, respondendo às questões incompreendidas pelos homens. Nesse diálogo permanente com a sociedade e a cultura de seu tempo, a Filosofia abre caminhos, proporciona respostas e faz novas perguntas, alimentando uma espiral evolutiva de conhecimento.

A busca da verdade exigiu que filósofos como Immanuel Kant, René Descartes, Francis Bacon, John Locke, entre outros, construíssem o conhecimento tecendo questionamentos sobre a rela-

Como se Estabeleceu a Visão de Homem na Psicologia?

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ção sujeito e objeto. Nesse caso, sujeito é aquele que pretende conhecer, e objeto é o que será conhecido – e é dessa relação nasce o conhecimento.

A história do homem é a busca da compreensão sobre ele mesmo e do mundo a sua volta. Ao definir conhecimento como “o modo pelo qual o sujeito se apropria intelectualmente do objeto” (ARANHA; MARTINS, 2009, p.109), aponta-se o ato de conhecer como um verbo de ação, e o produto que resulta do conhecimento. O ato de conhecer se estabelece na relação entre o su-jeito cognoscente (sujeito que conhece) e o objeto a ser conhecido (fora da mente ou na própria mente, como o afeto, os sentimentos, as ideias). Assim, o produto do conhecimento é o próprio conhecimento. O acúmulo dos saberes recebidos da cultura, das tradições, das crenças, das religiões, das ciências, por exemplo, é o produto de todo o conhecimento adquirido.

Durante o desenvolvimento deste estudo, você verá como os primeiros filósofos gregos construí-ram o conhecimento sobre a vida e o saber humano. E como o conhecimento sofreu mudanças de acordo com o seu tempo em termos de objeto (o que se pretende conhecer), e de método (como conhecer).

1.1.1 A filosofia grega

Em uma sociedade escravista, filosofar era um ato de aristocratas. Na sociedade grega havia uma valorização da atividade intelectual com ênfase pela contemplação dissociada da prática, ou seja, a sociedade grega desvalorizava o trabalho manual criando a dicotomia pensar versus fazer. Dividida em três grandes momentos, período pré-socrático, socrático (ou clássico) e pós--socrático (ou helenístico), Sócrates foi a grande referência. A seguir você verá os temas mais estudados nesses períodos.

No primeiro período chamado pré-socrático (séculos VII e VI a.C.) os filósofos gregos romperam com o pensamento mítico e as explicações divinas sobre a natureza, investigando racionalmente as origens do mundo e as causas de suas transformações. Ainda que existam poucos vestígios das obras dos primeiros filósofos, o que se sabe – por filósofos posteriores – é que nesse período destacaram-se as ideias de mutualidade essencial do ser (que todas as coisas mudam sem ces-sar), é um eterno “devir” (o ser como processo, como movimento, como eterno vir a ser) elabo-rado por Heráclito; e de que o ser é imóvel, único, imutável e infinito, por Parmênides (princípio da identidade que explica que cada ser é igual a si mesmo).

Ainda envolvidos com questões da cosmologia, o segundo período se refere aos pensadores no período socrático ou clássico (século V e IV a.C.), são chamados de sofistas por serem iden-tificados como sábios e pedagogos. Valorizavam a retórica (arte de falar bem) e contribuíram para sistematização do ensino. Ampliaram seus questionamentos ao campo da política, moral e antropologia, elaborando um ideal teórico de democracia. Buscavam entender o conhecimento sobre o lugar do homem pela compreensão da ética e da política.

Sócrates, principal referência na filosofia grega (470-399 a.C.), não deixou nada escrito, tendo suas ideias divulgadas por Xenofonte e Platão. Com o pressuposto “só sei que nada sei’, reco-nhecia sua própria ignorância, base para seu método chamado maiêutica. Este método consistia em “dar à luz” novas ideias, conhecimentos advindos de cada interlocutor mediante um diálogo de confronto sobre questões polêmicas, principalmente morais.

Platão (428-347 a.C.) discípulo de Sócrates, escreveu o livro A República obra que expõe a pa-rábola A alegoria da caverna, sobre pessoas que vivem acorrentadas no fundo de uma caverna e enxergam somente movimentos em uma parede, na qual são projetadas sombras que elas pen-sam ser realidade. No entanto, essas sombras são marionetes projetadas por pessoas que estão fora da caverna e atrás de um muro iluminado por uma fogueira. De acordo com a parábola, se alguém saísse da caverna e descobrisse os verdadeiros agentes da ilusão, ao regressar seria con-siderado louco por seus antigos companheiros, que não acreditariam em suas palavras. Nessa história, Platão atenta-se essencialmente sobre o conhecimento, as etapas da educação de um

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filósofo (o despertar), e como deve utilizá-lo (voltar à caverna para orientar e governar seu povo). Para Platão, existem dois tipos de conhecimento, o sensível e o inteligível, e ele os categoriza de acordo com suas respectivas profundidades (PLATÃO, 2000).

O conhecimento sensível é percebido pelos sentidos, pelo movimento. É ilusório, é a sombra do verdadeiro mundo. Por sua vez, o conhecimento inteligível é alcançado pela dialética ascenden-te, ideias hierarquizadas que elevam a ideia do “bem” ao topo. Acima do conhecimento sensível estão as ideias gerais, alcançadas pela contemplação e pela depuração dos sentidos. Logo, os fenômenos só existirão a partir do momento que participam do mundo das ideias – essa é a te-oria da participação.

Figura 1 – Teoria da participação: ainda que existam diversas espécies de gatos, para Platão eles só existem enquanto participam da ideia de gato em si.

Fonte: Shutterstock, 2015.

O terceiro período, pós-socrático (séculos IV e III a.C.), busca a verdade e a ciência pelas leis do pensamento, desenvolvendo a teoria do conhecimento. Destaca-se o filósofo Aristóteles, que elaborou o princípio da lógica e dos conceitos da metafísica, denominada por ele de filosofia primeira, na tentativa de explicar o ser em geral. Suas primeiras ideias são redigidas nas obras Metafísica e Sobre a alma.

Para Aristóteles, as coisas são contingentes (produzidas por algo exterior), geradas sucessivamente umas pelas outras e tendo, como princípio de tudo, Deus. Aristóteles afirma que há uma relação en-tre corpo (matéria) e alma (forma), sendo a alma, o próprio ato, a perfeição de um corpo. As ideias são explicadas pelo intelecto (abstração) que, partindo de imagens das coisas, elabora conceitos universais. A indução ou percepção conduz ao primeiro princípio do conhecimento – a universali-dade. E a dedução desenvolve-se progressivamente, do conceito universal ao raciocínio particular.

Definindo ciência como conhecimento verdadeiro, Aristóteles reforça o princípio de causalidade, onde “tudo que se move é necessariamente movido por outro” (In: ARANHA; MARTINS, 2009, p. 159). Essa fase enfatiza o eterno devir, que tem origem na natureza da mudança: todo ser tem de realizar a forma que lhe é própria. Em outras palavras, o movimento é a forma atualizando a matéria. Percebe-se a eterna mudança da forma que lhe é própria na vida do ser humano: um bebê é um bebê e se transformará em criança, que será uma criança e se transformará em adolescente, que será um adolescente e se transformará em adulto – e assim por diante. Cada momento da vida do ser humano num eterno devir de transformação, de atualização da forma.

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Assim, é possível perceber que o objeto de estudo da filosofia grega discutia sobre a funcionalida-de dos sentidos e da razão, e como chega-se a conhecer as coisas em sua superficialidade ou sua essência. Para Platão, o real está nas ideias divididas em mundo sensível (os fenômenos) e mundo inteligível (as ideias); para Aristóteles está nos conceitos universais aplicados à coisa individual.

Entre os séculos V e XV surge a filosofia medieval, que se voltou para assuntos de força espiritual e política introduzidos pela Igreja Católica. É possível destacar duas tendências filosóficas desta época, a patrística e escolástica. O objetivo dessas correntes filosóficas era o de convencer e converter novos adeptos à nova religião; ambas consideravam que o objetivo da razão é auxiliar a fé, e por isso a razão está subordinada à fé.

1.1.2 A modernidade – filosofia renascentista

O século XVII foi o ápice de um processo que modificou a imagem do próprio ser humano e do mundo que o cerca. A Idade Moderna sofre profundas transformações culturais, sociais, po-líticas, morais, artísticas, científicas, religiosas e filosóficas. É nesse período que acontecem as grandes navegações e o descobrimento do Novo Mundo; a revolução comercial, o início do ca-pitalismo com a ascensão da burguesia; a reforma protestante e o surgimento das novas ciências da Física e da Astronomia. O paradigma da racionalidade é que a razão nasce da subjetividade e não mais na autoridade de um poder político ou religioso, libertando o homem de profundas crenças e superstições. Se antes a reflexão centrava-se na teologia, na modernidade prevalece à visão antropocêntrica, o homem é o centro de tudo.

As ideias de Galileu Galilei (1564-1642) endossaram o nascimento da ciência. Con-siderado o pai da Física moderna experimental, seus experimentos revolucionaram a história. Galileu Galilei que descobriu que a Terra gira em torno do sol, o que lhe custou a vida. Para saber mais, acesse o endereço <http://www.ifsc.usp.br/index.php?option=com_content&view=article&id=930:galileu-galilei-quem-foi-ele&catid=7:noticias&Itemid=224>.

VOCÊ QUER LER?

A modernidade é marcada pelo racionalismo, que exalta a confiança no poder da razão. Assim, para fugir do erro, o racionalismo buscou a questão do método, uma revisão da metafísica e do problema do conhecimento. Se na antiguidade o problema partia do ser (ser algo, objeto), na modernidade ele partiu do conhecer (sujeito). Os questionamentos voltam-se para a consci-ência do homem, o sujeito que conhece. Além do racionalismo, que destaca o papel da razão na construção do conhecimento. e tem como principais personagens René Descartes, Espinoza e Leibniz, surge também o empirismo, que enfatiza o papel da experiência sensível no processo de conhecimento e tem como principais pensadores Francis Bacon, John Locke, David Hume e George Berkeley. A seguir, você saberá mais sobre essas correntes filosóficas. Acompanhe!

Racionalismo

Nos estudos dessa corrente filosófica, destaca-se Descartes (1596-1650), o “pai da filosofia mo-derna”, que exaltou a capacidade do homem de construir o próprio conhecimento. A partir da consciência, o autor da obra Discurso do método, publicada inicialmente em 1647, lançou um método que conduzisse à verdade por meio de cadeias de pensamento pela dedução, isso é, um pensamento conduz a outro, e assim sucessivamente. Para tanto, estabeleceu quatro regras que estruturariam o pensamento: a evidência, a análise, a ordem e a enumeração:

• da evidência: seria o reconhecimento do que aparece como ideia clara e distinta;

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• da análise: seria a fragmentação do pensamento em parcelas menores para resolver por partes;

• da ordem: seria o pensar de forma progressiva, dos objetos mais simples aos mais complexos;

• da enumeração: seria a revisão constantemente para que nada tenha sido esquecido.

Esse método chamado dúvida metódica, que tem por base o questionamento de tudo, levou Descartes a concluir: “cogito ergo sum”, frase do latim que, em português, significa: “penso, logo existo”. Como percepcionado por si mesmo, “existo enquanto penso”. A filosofia de Descartes exalta o caráter absoluto da razão que, partindo do seu pensamento descobre todas as verdades possíveis (DESCARTES, 2011).

Descartes não conseguiu resolver a dicotomia corpo e mente. Se o corpo é realidade física, possui massa e está sujeito à realidade física, fisiológica e às leis deterministas da natureza. As atividades da mente (recordar, raciocinar, querer), porém, não têm extensão física e não se submetem às leis físicas. A partir desse ponto, distinguem-se dois campos de estudos que vão permear as ciências humanas: o corpo, como objeto de estudo da ciência; e a mente como ob-jeto de reflexão filosófica.

Figura 2 – O homem virtruviano de Leonardo da Vinci reproduz o ideário renascentista: humanista e clássico.

Fonte: Shutterstock, 2015.

Empirismo

Enfatiza que o processo de conhecimento se dá pelos sentidos e pela experiência sensível. Francis Bacon (1561-1626) é um dos representantes dessa corrente filosófica. Bacon, afirmando que sa-ber é poder, denuncia os preconceitos e falsas verdades que dificultam a apreensão da realidade, chamando-os de ídolos. Os ídolos podem ser doutrinas ou sistemas filosóficos (ídolos do teatro), formas coloquiais de comunicação (ídolos de mercado), vieses individuais (ídolos da caverna), limitações universais do espírito humano (ídolos da tribo); e todos corrompem o método indutivo que visa estabelecer as leis científicas. Para Bacon, o processo indutivo corresponde ao processo

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de enumerar exaustivamente as manifestações de um fenômeno, registrar suas variações e testar os resultados por meio de experiências.

John Locke (1632-1704) contrapõe-se às ideias inatas de Descartes e afirma que a mente huma-na, ao nascer, é uma página em branco. Para ele, o conhecimento advém da experiência sensí-vel, sendo a origem das ideias embasadas na sensação e na reflexão. A sensação tem estímulo externo e é processada na mente por meio dos sentidos, enquanto a reflexão é o resultado da experiência externa produzida pela sensação. Assim, a razão reúne as ideias conectando-as entre si. A partir dessa conexão, as ideias simples vêm da sensação e, combinadas, formando as ideias complexas. Por exemplo, a ideia de identidade, de existência, de causalidade etc.

Um dos defensores das ideias de Locke foi o filósofo James Mill. Por acreditar que a mente hu-mana seria uma página em branco, submeteu seu próprio filho recém-nascido, John Stuart Mill, a uma experiência de aprendizado precoce e intensivo. A agenda de estudos rigorosos contribuiu para que John fosse capaz de ler Platão em grego com apenas três anos de idade e de escrever seu primeiro artigo científico aos 11 anos (SCHULTZ; SCHULTZ, 2014).

John Stuart Mill (1806-1873) serviu de “cobaia” para o próprio pai, James. As experi-ências impostas desde a infância levaram-no, aos 18 anos, a autodenominar-se uma “máquina lógica”. Aos 20, Mill sofreu um colapso mental, o que lhe exigiu vários anos para recuperar-se e readquirir autoestima. Retomando os estudos, contribuiu forte-mente com argumentos que mostravam ser possível haver uma ciência da Psicologia, contrariando o pensamento positivista de Augusto Comte (SCHULTZ; SCHULTZ, 2014).

VOCÊ O CONHECE?

A partir do que você leu até o momento, observe o exemplo a seguir.

Caso:

Em 1922, ao norte da Índia, na aldeia de Bengali, um missionário anglicano encontrou duas me-ninas vivendo em uma família de lobos. Criadas em total isolamento do contato humano, tinham aproximadamente oito e cinco anos. Elas foram chamadas de Amala e Kamala. Quando foram en-contradas, as meninas não andavam em pé, somente de quatro. Comiam carne crua e tinham hábi-tos noturnos, preferindo a companhia de cachorros e lobos. A separação da família lupina foi muito sentida por elas, levando a mais nova à morte. A mais velha viveu por mais dez anos e aprendeu alguns hábitos humanos, como comer comida cozida e andar em pé (MATURANA; VARELA, 2010).

A partir do caso que você leu, reflita: quando nascemos, a mente humana realmente é um papel em branco? Como a menina conseguiu desenvolver novos hábitos depois de oito anos sem contato com os humanos? O ser humano é considerado um ser biopsicossocial, ou seja, ainda que tenha as es-truturas biológicas que o permitem desenvolver-se física e cognitivamente, para tornar-se “humano” é necessário a relação com o outro, com a sociedade, com a cultura. Mais adiante você verá como algumas teorias desenvolveram os conceitos da interação entre organismo e ambiente.

David Hume (1711-1776) também empirista, escreveu Tratado da natureza humana, em que relata seu método de investigação, que consiste na observação e generalização. Para Hume há duas espécies de conteúdo mental: as impressões e as ideias. As impressões, são elementos básicos da vida mental, tem origem nas percepções individuais, como a sensação. As ideias são experiências mentais formuladas sem objetos estimulantes, como as imagens. Os conteúdos mentais podem ser simples ou complexos. As ideias complexas dependem das ideias simples. Elas se compõem a partir da lei da associação que é regida pela semelhança, contiguidade no

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espaço e tempo, e pela relação causa e efeito. Nota-se que a experiência decomposta em sensa-ções e ideias simples organizada pelas leis da associação, expressa a tentativa de construir uma mecânica do pensamento (HUME, 2009).

Dessa forma, é na filosofia moderna que as questões epistemológicas foram centrais para os prin-cipais filósofos da época – Descartes, Bacon, Locke e Hume –, que organizaram métodos para investigar os limites do conhecimento humano. Esse cenário preparou o chamado Século das Lu-zes e abriu novas perspectivas sobre a razão a partir da crítica de Kant e do positivismo de Comte.

É no século XVIII o período conhecido como iluminismo. Nesse período, a natureza é vista des-vinculada da religião. Os homens ressaltam seu poder de transformação e a revolução científica, iniciada principalmente por Galileu (séc. XVII), é fortalecida.

Iluminismo

Essa doutrina tem Immanuel Kant (1724-1804) como maior expoente. Na tentativa de superar o racionalismo e o empirismo, Kant concluiu que o conhecimento é constituído de algo que vem de fora da experiência (a posteriori) e algo que existe em nós mesmos, anterior a qualquer experiên-cia (a priori). Sua grande conclusão é de que a matéria e a forma atuam ao mesmo tempo (KANT, 1987). Para consolidar seu pensamento, Kant cunhou os termos sensibilidade, para explicar a capacidade receptiva da qual obtém-se as representações exteriores; e entendimento, que é a capacidade do homem de pensar e produzir conceitos. O pensamento de Kant ficou conhecido como idealismo transcendental e como criticismo.

O pensamento de Kant inspirou duas linhas divergentes entre os filósofos do século XIX. Os materialistas, representados por Karl Marx e Friedrich Engels; e os idealistas, por Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Marx e Engels fizeram uma releitura da teoria de Hegel sobre dialética e influenciaram profundamente a Psicologia sócio-histórica, li-nha de estudo que trabalha o ser humano em seu contexto histórico-social (ARANHA; MARTINS, 2009).

VOCÊ SABIA?

Positivismo

Linha filosófica surgida após o criticismo de Kant, enfatiza que o conhecimento advém dos fatos captados pela observação e raciocínio, visando alcançar as leis universais. O termo “positivo” significa real, certeza e precisão. Para o filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), fundador da doutrina positivista, a verdade não é discutível, e o único conhecimento válido é o objetiva-mente observável na natureza social, abandonando totalmente os conceitos de consciência indi-vidual e da introspecção. É pela razão que o homem descobre as relações entre os fenômenos. Mas porque o positivismo foi tão importante para a Psicologia?

O positivismo teve grande aderência nos primeiros anos do século XX. O contexto social, econô-mico, político, ideológico e científico consolidaram seus ideais. Influenciando diversas escolas de pensamento da Psicologia, destaca-se o behaviorismo, que aplicou diretamente o positivismo em sua proposta de uma psicologia sem consciência, sem mente, sem alma, que se interessava so-mente pelo que pudesse ser visto, ouvido e tocado. Continue acompanhando, pois mais adiante você aprenderá mais sobre a escola behaviorista.

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1.2 A influência da escola de pensamento quantificador e mecanicistaComo você estudou anteriormente, a Psicologia carrega uma história advinda das diversas ten-tativas de conhecer o sujeito e o objeto do conhecimento. Fruto da cultura mais ampla, essa ciência está exposta a influências externas que a moldam e a direcionam. Para compreendê-la, é necessário considerar o seu contexto histórico, as forças sociais, políticas, ideológicas e eco-nômicas da época.

Quando a Psicologia nasceu, ela se encontrava dividida em escolas de pensamento. Definem-se escolas de pensamento como a união de um grupo de psicólogos que se associam ideologi-camente, ou a um líder, compartilhando as mesmas orientação teórica e sistemática. Algumas escolas de pensamento foram substituídas, outras extinguidas e outras ainda estão presentes na Psicologia. Neste tópico, você estudará as matrizes do pensamento psicológico, ideias nucleares que deram origem às diversas escolas de pensamento da Psicologia.

Para compreender as escolas de pensamentos, seguirá a abordagem de alguns historiadores da área que estudam a história da Psicologia mediante a identificação de quatro modelos de estudo:

1. Zeitgeist – o espírito do tempo;

2. grandes homens;

3. abordagem psicanalítica;

4. visão multifatorial.

1.2.1 Zeitgeist e os grandes homens da história da Psicologia

Zeitgeist é um termo alemão que significa o espírito, (ou índole) referenciando o clima social de uma época. Para os alemães, o Zeitgeist é como um agente personalizado que caracteriza e determina uma certa conduta à sociedade num determinado tempo e em lugar específicos. Por exemplo: você consegue imaginar as pessoas utilizando computadores em 1850? Provavelmente não. O clima da época não estava preparado para tal tecnologia. Não só para o desenvolvimento, mas os costumes, as questões éticas, morais, e a cultura manifestados no momento não eram adequados.

O conceito de Zeitgeist está associado aos grandes homens. Se não há Zeitgeist para o surgimento de uma nova ideia, sua aplicação ou descoberta se limitará ao padrão de pensamento dominante de uma cultura. É como se a sociedade não estivesse preparada para receber um novo conceito, uma nova ideia. Exemplo: imagine se o cientista escocês Ian Wilmut apresentasse sua descoberta, o clone da ovelha Dolly criado em 1996, na década de 1950? Nessa época, destacaram-se dois marcos científicos: a descoberta da estrutura do DNA (1953) e o envio da cadela Laika ao espaço, a bordo da nave Sputnik II (1957). Mas qual seria a reação à descoberta de Ian Wilmut?

Portanto, a melhor maneira de compreender a Psicologia é pelas matrizes do pensamento psi-cológico e suas respectivas escolas de pensamento, juntamente com os grandes homens que prestaram contribuições notáveis para o desenvolvimento dessa ciência.

1.2.2 O mecanicismo.

O Zeitgeist dos séculos XVII a XIX que influenciou e alimentou a nova Psicologia era o espírito do mecanicismo. Nas praças era comum ver chafarizes automatizados, com bonecos mecânicos que se moviam conforme o passar da água. Todas as máquinas eram construídas e aperfeiçoadas

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para o uso da ciência, da indústria e da diversão. Não tardou a aparecer “a mãe das máquinas” o relógio mecânico, seguido de todos os tipos de objetos para servir às necessidades humanas, a exemplo de bombas, roldanas, guindastes etc.

Por detrás das produções mecânicas, dois conceitos da Física se destacaram: a lei da inércia, criada por Galileu, que atribuiu o mesmo valor e propriedade ao estado de repouso e ao esta-do de movimento; e o resgate do conceito de atomismo grego, dos cientistas Pierre Gassendi (1592-1655), Robert Boyle (1627-1691) e Thomas Hobbes (1588-1679), que consideravam a realidade composta por partículas mínimas, invisíveis e que combinadas produziam corpos ob-serváveis. Esses conceitos, somados às tentativas de observação dos fenômenos e de dedução das propriedades matemáticas elementares sobre o comportamento dos corpos, fundamentaram os procedimento básicos da ciência, a análise teórica e experimental.

O relógio, metáfora perfeita do espírito mecânico, manifestava a regularidade e a eficiência que envolveram a ideia de determinismo, crença de que todo ato é determinado por eventos passa-dos. É também possível incluir na metáfora do relógio a expressão da onipresença das leis, do automatismo e da quantificação.

Figura 3 – Relógio astronômico com quatro autômatos, instalado em Praga, República Checa, no ano de 1410.

Fonte: Shutterstock 2015.

Em Medicina e na Fisiologia, a lógica do mecanicismo está na leitura do sistema circulatório humano. Na Psicologia, além da ideia de determinismo para explicar os atos presentes, a lógica mecanicista imbuiu que era possível aplicar as mesmas leis do universo físico para a análise científica e para o estudo da natureza humana. Assim como é possível analisar e reduzir o estudo das máquinas em componentes básicos, também podemos aplicar ao estudo do ser humano, que é semelhante a uma máquina: organizado, previsível, observável e mensurável. Descartes foi um dos primeiros a dar interpretação mecânica ao corpo humano: “Deus construiu nosso corpo como uma máquina e quis que ele funcionasse como um instrumento universal, operando segundo suas própria leis.” (In: FIGUEIREDO, 2008, p. 65).

Os movimentos automáticos eram aceitáveis para representar os organismos. Porém, quando referem--se aos homens, como explicar o espírito, a razão, e a vontade além dos movimento involuntários?

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1.2.3 A prática do pensamento mecanicista na Psicologia.

O século XIX foi dominado pelo espírito mecanicista da época. Tanto a Fisiologia quanto a Fi-losofia buscaram relacionar as disciplinas e lançaram um desafio: explicar todos os fenômenos, inclusive pertinentes à matéria viva, em termos físicos.

Foi nos laboratórios de Fisiologia, disciplina de orientação experimental que possuía métodos de pesquisa científicas já estruturados, que nasceu a Psicologia. Wilhelm Wundt foi o fundador oficial da disciplina acadêmica formal. Seu interesse era da experiência imediata, da experiência consciente. Mediante o princípio da apercepção, buscava organizar ou sintetizar os processos dos elementos cognitivos. Embora a visão de Wundt contrarie a noção mecânica e passiva da associação que tanto preconizava os empiristas e associacionistas da época, Wundt teve um discípulo, E. B. Titchener (1867-1927) que não aceitou a ênfase wundtiana da apercepção e se concentrou nos elementos que compõem a estrutura da consciência, criando sua própria abor-dagem da Psicologia, o estruturalismo.

Para Titchener, é preciso analisar a consciência em suas partes constituintes para determinar a sua estrutura. Nessa abordagem, é possível observar os conceitos da influência mecânica e ato-mista do estruturalismo. Titchener propôs três finalidades para a Psicologia:

1. reduzir os processos conscientes aos seus componentes mais básicos;

2. determinar as leis mediante as quais esses elementos se associam;

3. conectar esses elementos às suas condições fisiológicas.

Decompor a experiência, identificar elementos com base no método da introspecção e controlar os “erros de estímulo” exaltavam fortemente a psicofísica.

A ideia de decomposição do fluxo comportamental deveria explicar o comportamento comple-xo analisado mediante seus elementos, a sucessão de estímulos e respostas. Essa foi uma das ideias que preconizou o behaviorismo americano, que situa-se dentro da tradição atomista e mecanicista. J. B. Watson (1878-1958), C. L. Hull (1885-1952) e E. R. Guthrie (1886-1956) são alguns dos personagens que oscilam entre o pensamento atomista, o mecanicista e o organicista funcional, que você verá adiante.

Assim, compreende-se que as raízes do atomismo e do mecanicismo na Psicologia foram impor-tadas da aplicação da mecânica newtoniana em outras áreas bem-sucedidas como a Física, a Química, a Fisiologia, a Medicina e a própria Filosofia. O contexto de organização social e téc-nica do trabalho industrial fortaleceram e consolidaram o funcionamento do sujeito equiparado aos padrões da natureza inanimada e às formas do movimento mecanizado.

VOCÊ QUER VER?

Inspirado na obra de Fritjof Capra, o filme Ponto de mutação (Mindwalk), dirigido por Bernt Amadeus Capra, mostra uma conversa entre um cientista, um político e um filósofo sobre uma nova visão de mundo. Preste atenção aos pontos de vista que cada personagem traz para a discussão e procure identificar quais os princípios do pensa-mento holístico e suas diferenças em relação ao pensamento mecanicista.

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1.3 A influência da escola de pensamento funcionalista e organicistaTrês fenômenos característicos dos seres vivos desafiaram o poder compreensivo do mecanicismo e dos procedimentos analíticos atomistas: a reprodução, a autoconservação e a transformação. Ora, nenhuma máquina ou ser inanimado se reproduz, se conserta sozinho e tem a capacidade de mudar por si só. Isso indica que os seres humanos têm algo interno, não observável e que foi chamado de vitalismo. Os autores vitalistas do século XVIII recorriam ao princípio vital para explicar a manutenção, o florescimento e a multiplicação da vida. A unificação dos estudos da vida criou uma nova ciência: a Biologia, que trouxe os conceitos de organismo, função, evolução e desenvolvimento.

No início do século XIX, a corrente do mecanicismo e do atomismo servem de base para o fun-cionalismo. Assim como a corrente organicista e funcionalista, juntas, originarão o behaviorismo, que também mostrará conceitos mecanicistas. Sobreposições decorrentes das escolas de pensa-mento são comuns na Psicologia e explicam a profusão de linhas teóricas e correntes de estudos existentes, ora sob o aspecto de um movimento, associação informal de pessoas em torno de um ideal; ora sob o aspecto formal das escolas de pensamento.

Devido a essa característica, serão abordadas as matrizes do pensamento psicológico principal-mente a partir de seus respectivos precursores. Você verá o funcionalismo na América do Norte e sua expressão na Europa, e ainda identificará as submatrizes ambientalista e nativista da Psico-logia, juntamente com o interacionismo, resultado dessa relação.

1.3.1 O funcionalismo pragmatista americano

O movimento funcionalista se desenvolveu nos EUA a partir das obras de Charles Darwin (A origem das espécies) e Francis Galton (Gênio hereditário e Herança natural). O Zeitgeist da cultura americana abraçou a teoria da evolução que foi aceita e discutida nas universidades, popularizando-se nas revistas e até em publicações religiosas. Para Schultz e Schultz (2014), o povo americano refletia as qualidades de ser prático, útil e funcional, e por isso a América foi mais propícia à evolução da Psicologia funcionalista.

Afastando-se dos interesses sobre a estrutura e o conteúdo da consciência propagado pelos mecanicis-mo e estruturalismo de Titchener, os psicólogos funcionalistas tinham uma visão prática da Psicologia: descobrir a utilidade dos processos mentais aplicados aos problemas do mundo real. Com princípios da análise funcional, estrutural e genética, a Psicologia funcional caracteriza sua base metodológica.

Charles Darwin (1809-1882), naturalista e biólogo é considerado o pai da teoria da evolução das espécies. Em 1859, publicou o livro A origem das espécies, que expõe a ideia de variação entre membros individuais da mesma espécie transmissível esponta-neamente por herança. De acordo com Darwin, o processo de seleção natural é uma luta constante e resulta na sobrevivência do organismo mais bem preparado para o seu ambiente, e na eliminação dos que não se ajustam (SCHULTZ; SCHULTZ, 2014).

VOCÊ O CONHECE?

William James (1842-1910), considerado precursor da psicologia funcional, contribuiu para delimitar o seu objetivo, que não era a descoberta dos elementos da experiência, mas o estudo

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das pessoas vivas em sua adaptação ao ambiente. Para ele, a consciência é vital para os seres complexos e foi o que garantiu a evolução dos seres humanos, orientando-os à sobrevivência. James deu ênfase aos processos conscientes como atividades orgânicas, úteis e funcionais que produzem mudanças na vida do próprio organismo. Exaltando o funcionalismo e o organicismo, estas duas correntes se cruzam e influenciam a criação de novas ideias, conceitos e abordagens sobre o objeto de estudo da Psicologia.

James afirmou que os seres humanos não são criaturas inteiramente racionais. Trouxe valiosas contribuições para a teoria das emoções. Segundo ele, o comportamento precede as emoções. Por exemplo, vê-se um urso, corre-se e depois sente-se medo. As mudanças corporais ocorridas são a própria emoção. Para chegar a essa conclusão, James utilizou o método da introspecção para perceber as mudanças corporais, batimentos cardíacos, respiração ofegante e tensão mus-cular, que identificam a ocorrência da emoção.

Além das emoções, James introduziu novas concepções como o fluxo de consciência, ideia de que a consciência flui. Também afirmou que a consciência é cumulativa, ou seja, não é possível ter o mesmo pensamento igual mais de uma vez devido às experiências que intervêm de modo diferente no pensamento. O autor afirma, ainda, que a consciência é seletiva, escolhe os estí-mulos, filtra, combina, separa e os rejeita, tendo como critério de seleção a relevância. A cons-ciência tem um propósito que é capacitar à adaptação ao ambiente, permitindo fazer escolhas.

James também falou dos hábitos, ilustrando sua concepção acerca das influências fisiológicas. Considerava os hábitos como feixes associados ao sistema nervoso. Para ele, os hábitos servem para que seja possível realizar as ações repetidamente com menos atenção.

Por sua vez, John Dewey (1859-1952) formalizou a escola de pensamento funcionalista. Dewey acreditava na mudança social a partir da teoria da evolução. Para ele, o progresso é resultado da luta do intelecto humano com a realidade. Nessa luta, a consciência produz o comportamento apropriado para que o organismo sobreviva e progrida.

Com James Rowland Angell (1869-1949), a Psicologia funcional reuniu as três ideias principais do movimento funcionalista:

1. busca descobrir como opera um processo mental, o que realiza e em quais condições ocorre;

2. busca compreender a utilidade da consciência, estudando os processos fundamentais da atividade biológica, considerando a evolução orgânica;

3. estuda as relações psicofísicas e sua relação entre o organismo e seu ambiente.

Teoricamente o funcionalismo não adotou um método de estudo específico. Porém, na prática, havia uma ênfase para a objetividade complementando o método com a introspecção e técnicas de obtenção de dados. A escola funcionalista americana iniciou os estudos sobre o comporta-mento manifesto e objetivo, em vez de estudar a mente subjetiva e a consciência, abrindo cami-nho para os estudos da Psicologia aplicada.

A Psicologia aplicada foi a adequação da Psicologia no mundo real. Os psicólogos americanos introduziram a Psicologia nas escolas, fábricas, agências de publicidade, clínicas infantis, tribu-nais, centros de saúde mental, fazendo-a objeto de estudo e de uso.

Destaca-se nesse contexto o psicólogo Lightner Witmer (1867-1956), fundador da Psicologia clí-nica. Envolveu-se com avaliação e tratamento de problemas comportamentais e de aprendizagem de crianças em idade escolar, atualmente conhecida como Psicologia escolar. Também desenvol-veu programas-padrão de avaliação e tratamento e tornou-se referência em educação especial.

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Ainda nesta matriz, no contexto americano formou-se o movimento behaviorista também co-nhecido como comportamentalismo. Iniciado por John B. Watson, em 1903, rompeu com a psicologia de Wundt e o funcionalismo, devido as suas ideias positivistas e pela proposta de uma Psicologia objetiva, uma ciência do comportamento com foco nas ações observáveis, passíveis de descrição objetiva em termos de estímulo e resposta.

O comportamentalismo teve dois grandes estágios de evolução. De 1913 a 1930 tendo, depois de Watson, Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936) como principal referência. Seus estudos sobre a aprendizagem relacionada aos processos fisiológicos, os reflexos condicionados, mostrou que os processos mentais superiores (pensamento, linguagem e atenção voluntária) podem ser estuda-dos em termos fisiológicos, com uso de animais sem mencionar a consciência. Para Watson, a Psicologia é parte das ciências naturais e seu objeto de estudo é o comportamento.

Figura 4 – Aparato utilizado por Pavlov para estudar a resposta salivar condicionada em cães.

Fonte: SCHULTZ; SCHULTZ, 2014, p. 228.

O segundo estágio de evolução do comportamentalismo é datado de 1930 a 1960, tendo como principal representante Burrhus Frederick Skinner (1904-1990). Dedicado ao estudo das respostas, Skinner utilizou uma linguagem descritiva de comportamentalismo radical, voltada à descrição e à não-explicação do comportamento. Com foco no comportamento observável, a investigação científica centrava-se no controle do experimentador, das condições de estímulos e da resposta do organismo observado. Seus estudos sobre a aprendizagem trouxeram conceitos do comportamento respondente, referente à resposta do organismo a um estímulo externo ob-servável; e de comportamento operante, resposta do organismo sem estímulo externo aparente.

Para Skinner, o behaviorismo é uma filosofia da ciência que tem como foco os métodos e objetos de estudo da Psicologia. Os fenômenos mentais, chamados por ele de fenômenos privados, são de natureza física, material e, portanto, mensuráveis.

1.3.2 O funcionalismo europeu

Jean Piaget (1896-1980) foi um dos maiores representantes da matriz funcionalista e organicista em Psicologia na Europa. Sua teoria sobre a aprendizagem utiliza conceitos da análise genética e funcional ao falar da capacidade do organismo de se autorregular e mudar suas estruturas para se adaptar ao meio. Piaget chamou de acomodação a busca pelo equilíbrio do organismo

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em compensar as interferências do meio. Piaget estudou a inteligência identificando-a como um sistema de operações vivas e atuantes. Para ele, ser inteligente é ser capaz de estabelecer com o meio uma interação equilibrada e autorregulada. Autorregulação é um processo de reconstrução interna que age de acordo com as respostas do ambiente.

Para finalizar este item, você conhecerá um pouco da linha de estudo chamada psicanálise. Inicia-da por Sigmund Freud (1856-1939), a psicanálise freudiana não surgiu no âmbito da Psicologia acadêmica e não tinha características diretas com as escolas de pensamento do início do século XX. O seu objeto de estudo, os comportamentos “anormais” então identificados como distúrbios men-tais (histeria, fobias etc.); o seu método a observação clínica; e o seu foco de trabalho – a análise do inconsciente – divergiram das práticas psicológicas da época, levando-a a não ser classificada como uma escola de pensamento psicológica. No entanto, Para Schultz e Schultz (2009) a psica-nálise apresenta características indiretas com as ideias do funcionalismo e comportamentalismo, isto é, com a matriz mecanicista. Essa influência mostra-se na ideia de Freud sobre as forças físicas e químicas que agem nos seres vivos e inanimados, assim como sobre a natureza determinista do comportamento humano, denominado pelo psicanalista alemão como determinismo psíquico.

Freud cunhou o termo determinismo psíquico para explicar que todos os fenômenos psíquicos estão inter-relacionados, isto é, todas as manifestações psíquicas e comportamentais têm uma razão, uma função, um sentido, seja consciente ou inconsciente, e são determinadas por eventos passados.

Do ponto de vista funcional e orgânico, o estudo da estrutura e do desenvolvimento da perso-nalidade rompe com as ideias de causalidade mecânica. Conceitos reguladores sobre o sistema psíquico como a intenção de liberação e descarga da tensão, que servem para compatibilizar as exigências instintivas e atender às necessidades do mundo natural e social, reafirmam a raciona-lidade biológica da teoria psicanalítica

VOCÊ QUER VER?

O filme Um método perigoso, dirigido por David Cronenberg, 2012, mostra a relação entre Sigmund Freud e Carl Jung, dissidente das ideias freudianas. Retrata a divergên-cia de pensamentos que levaram à separação dos personagens, tanto física quanto conceitual, ocorrida antes do nascimento da psicanálise. O filme também mostra a relação que ambos têm com a paciente Sabina Spielrein, internada no Hospital Psiqui-átrico Burgholzi. Ao assistir, perceba quais são as principais ideias de Freud que Jung não aceita, e o que leva Jung a fundar a Psicologia analítica.

1.4 A influência da escola de pensamento do historicismo ideográfico, estruturalismo e fenomenologiaHistoricismo é o “pensamento histórico em geral que se originou em recusa da forma de pensa-mento racional e construtivista do iluminismo.” (SCHOLTZ, 2011, p. 43).

Apogeu das mais sublimes expressões do ser humano, as matrizes do historicismo ideográfico (captação da experiência como vivência única e individual através dos sentidos) trazem os con-ceitos da estética, das artes, da cultura, do transcendentalismo, uma filosofia que privilegiou a

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natureza, a percepção e o instinto humano. Surge o individualismo, a autoconsciência e a ideia do eu redefinida em expressões como autorrealização, auto-expressão e autossuficiência.

Para entender o mundo pós-iluminismo, você precisa saber por que a Gestalt é representante da matriz estruturalista, e como a fenomenologia ajudou a consolidar as psicologias existencialistas. Cabe lembrar que o estruturalismo neste campo, como matriz de pensamento, é diferente do estru-turalismo citado anteriormente que corresponde a uma abordagem psicológica criada por Titchener.

1.4.1 Estruturalismo - a Psicologia da Gestalt

Os estruturalistas trouxeram soluções metodológicas para o problema da autorreflexão, ou seja, a abor-dagem que compreende e interpreta o simbólico, as visões de mundo, a linguagem, a mitologia etc.

A Psicologia da Gestalt, também conhecida como Psicologia da forma, veio como alternativa à Psicologia elementarista, associacionista e introspectiva. Os primeiros gestaltistas, Max Wertheimer (1880-1943), Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfgang Köhler (1887-1967), inicialmente desenvolve-ram estudos sobre a percepção, expandindo-os mais tarde para os processos cognitivos (memórias e soluções de problemas). Mantendo-se atentos à motivação e ao comportamento, a proposta da Gestalt era estudar a experiência imediata, ou consciente. Ao observar os fenômenos tais como se expõem à percepção, percebe-se que as combinações de elementos formam um padrão que não pode ser analisado em partes, porque o todo é distinto da soma das partes. Essa valorização da experiência imediata enfatizou a subjetividade do fenômeno e a indivisibilidade das formas.

A Gestalt avançou seus estudos sobre o fenômeno, ou comportamento, afirmando que ocorrem em uma determinada estrutura, em um conjunto organizado de formas e significados, e cabe à Gestalt compreender as estruturas para analisar os fenômenos que nele ocorrem.

O termo Gestalt, palavra alemã que significa forma, ou propriedade como configuração específi-ca, serve tanto para objetos quanto para características de objetos. Ao definir a percepção como uma totalidade, na Gestalt espera-se mostrar a percepção ingênua como um abrir de olhos.

A percepção é uma organização instantânea do espaço a nossa volta. O mundo perceptivo é regido por princípios que organizam espontaneamente as percepções (visuais, auditivas, táteis, olfativas). Observe um exemplo de como a percepção visual se organiza pelos princípios da percepção Analisando a Figura 5:

(a) (c)

(b) (d)

Figura 5 – Imagem que mostra quatro exemplos dos princípios da organização perceptiva.

Fonte: SCHULTZ e SCHULTZ, 2014, p. 310.

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Agora, veja a descrição dos princípios representados:

1. Proximidade: partes que estão próximas no tempo ou espaço parecem formar uma unidade e tendem a ser percebidas juntas (a).

2. Continuidade: há uma tendência na percepção de seguir uma direção, de vincular os elementos de uma maneira que os faça parecer contínuos (a).

3. Semelhança: partes semelhantes tendem a serem vistas juntas como se formassem um grupo (b).

4. Complementação: a percepção tende a complementar figuras incompletas (c).

5. Simplicidade: tende-se a ver uma figura tão boa quanto possível sob as condições dos estímulos, ou seja, simétrica, simples e estável (c).

6. Figura/fundo: tende-se a organizar percepções no objeto observado (a imagem d) e o segundo plano contra o qual ela se destaca (fundo). A imagem d e o fundo são reversíveis, você pode ver os dois rostos ou uma taça, vai depender de como você organiza sua percepção.

A Gestalt contribuiu para os estudos da percepção e da aprendizagem. O avanço dos estudos da Gestalt ocorreram no desenvolvimento da fenomenologia.

1.4.2 Fenomenologia

A fenomenologia preocupa-se com o rigor epistemológico (referente a conhecimento), enfatizan-do o método de análise dos fundamentos do conhecimento.

Tem como foco os objetos da e para consciência, analisados pelo método da contemplação ime-diata, tais como na experiência espontânea e pré-reflexiva. Esse método consiste na descrição ingênua do fenômeno como aparece na consciência, sem interferência de qualquer reflexão ou análise. Para a fenomenologia, não há separação entre sujeito e objeto, sendo que a vida pró-pria é captada pelo imediato em sua totalidade. É aquilo que se revela, que aparece e o que é captado espontaneamente pelo sujeito. As ciências humanas vão se apropriar da fenomenologia para captar o psíquico na esfera da consciência individual e da consciência coletiva, de forma conceitual e instrumental que validem suas práticas e superem o bom senso.

Definindo a estrutura da consciência em três itens – intencionalidade, temporalidade e horizonte –, a fenomenologia nas ciências humanas orienta e destaca pontos de análise e de intervenção.

A intencionalidade da consciência indica que a consciência é ato, é a forma, é a mediadora entre o sujeito e o mundo. Logo, para compreendê-la, não se pode utilizar a introspecção porque ela está fora do sujeito, pelas suas manifestações comportamentais, corporais e espirituais. A cons-ciência é sempre consciência de algo. Em outras palavras, a consciência é a atividade psíquica intencional que dá sentido às coisas e ao mundo.

A temporalidade da consciência é inevitavelmente a manifestação da percepção em um determi-nado tempo. A percepção tem sua identidade numa sucessão temporal de imagens, implicando uma memória. “Todo ato de consciência reúne, diferencia, compara e sintetiza o tempo.” (FI-GUEIREDO, 2008, p. 176). Para a Psicologia de base fenomenológica, captar a vivência do su-jeito é vital para compreendê-lo, compreender sua historicidade. O passado é retido no presente, reconfigurando seu significado no aqui e no agora.

O conceito de horizonte da consciência intencional é sempre atualizado explicitamente por algo, juntamente com uma possibilidade implícita relacionada ao objeto um conjunto de significados ocultos. Para fenomenologia é possível clarificar a experiência humana compreendendo como

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o sujeito apreende o objeto, percebe sua vivência. Essa apreensão na consciência tem uma in-tencionalidade, que liga a vivência ao objeto, cria a relação entre o sujeito e o mundo, entre o sujeito e o objeto. É o que dá sentido ao homem, ao seu modo de existir.

Figura 6 – Uma fotografia representa a apreensão de um momento da percepção.

Fonte: Shutterstock, 2015.

Dessa forma, a fenomenologia fundamentará práticas psicológicas existencialistas, sendo um eixo orientador filosófico, metodológico e conceitual para o esclarecimento das teorias das ci-ências humanas.

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sínteseEste capítulo mostrou as bases filosóficas para as escolas de pensamento da Psicologia. Ao conc-tock, 2015.siçais.tudo deensamentoraço qual precisou de vela Laika para o espaço, luir seus estudos, você teve a oportunidade de:

• compreender a origem da visão de homem na Psicologia baseada na Filosofia grega e ocidental;

• entender a relevância da Filosofia moderna para o desenvolvimento das ciências ocidentais e suas influências para a psicologia;

• identificar as teorias e doutrinas que influenciaram o método experimental base para a consolidação das ciências humanas, nomeadamente o pensamento quantificador e mecanicista, funcionalista e organicista, o historicismo ideográfico, o estruturalismo e a fenomenologia;

• compreender os desdobramentos das matrizes do pensamento psicológico nas escolas de pensamento quantificador e mecanicista; funcionalista e organicista; estruturalista e fenomenológica da Psicologia.

Síntese

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Bibliográficas