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ENQUANTO ATRAVESSAVA De Lucas Pereira Publicado em 14/11/2013

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Conto n° 1

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ENQUANTO ATRAVESSAVA

De

Lucas Pereira

Publicado em 14/11/2013

Enquanto Atravessava.

Era uma manhã nublada de verão, o dia começava calmo, nem quente nem frio, as

pessoas começavam a levantar de suas camas. Céu Chumbo, 05h30 da manhã. Dona Gecí acorda

assustada e vai até o quarto do filho - um guri de uns 4 ou 5 anos, de nome engraçado – pois esse se

encontrara febril durante grande parte da noite, o que não era tão incomum, pois o garoto vez ou

outra apresentava alguns quadros de enfermidade, o que acabava por acarretar uma elevação em sua

temperatura corporal.

O Fato é que o garotinho não melhorara durante a noite, a febre persistira , deixando a

mãe preocupada. Dona Gecí comenta do acontecido com seu filho mais velho, mas este não lhe dá

muito ouvidos, pois tinha perdido a hora para ir trabalhar, saindo com muita pressa e desatenção.

Afinal, “as obrigações precisavam ser cumpridas, e dentro do prazo”. Era a única coisa que o filho

mais velho conseguia pensar quando interpelado pela mãe:

– Estou preocupado com seu irmão, ele tá com uma febre que não passa, desde ontem à

noite!

– Mãe, estou atrasado. Tchau! - responde, já entrando no carro.

Dona Gecí se encontra aflita, uma chuva fina cai sobre a casa e seus pensamentos.

Depois de se utilizar de vários recursos para estabilizar o quadro do garoto – de fármacos a

pajelanças - ela pensa e decide apelar: “Vou ter que fazer isso. Deus, todo poderoso está comigo!”.

Sendo assim, é hora de se utilizar do recurso emergencial. Ela se dirige em direção a garagem e

pega uma motocicleta que já a algum tempo, pouco era utilizada. Na verdade, desde a morte de seu

marido a dois anos atrás. “Idiota!” lembra com raiva do falecido. O certo é que ele sempre impôs

obstáculos a Dona Gecí. Julgava que mulheres e homens deveriam agir de formas distintas, e que

lugar de mulher era em casa cuidando dos filhos e não dando voltas de carro ou moto pela rua.

Consequentemente, Dona Gecí nunca aprendeu a dirigir um carro ou pilotar uma moto, na verdade

se limitara a umas duas ou três aulas com o filho mais velho, longe do olhar do patriarca. Agora, a

velha Honda Biz, parada ali, a desafiava a sair e mostrar que também sabia resolver os problemas

que extrapolavam os limites da cozinha.

Uma nova conferida no garoto e “Minha nossa Senhora. 40 graus”. Dona Gecí o

agasalha bem, e já com a pressa dos desesperados se dirige à garagem para implorar ajuda do

demônio de 125 cilindradas que ela sempre evitara. “Velho idiota!” se lembra do falecido enquanto

retira o pano que cobria a motocicleta.

Mãos Trêmulas, taquicardia, uma leve tontura e uma Biz que parecia pesar uns 300

quilos na suas mãos. Já com a moto retirada da garagem e colocada desajeitadamente, na calçada

externa da casa, Gecí busca o garotinho e lhe explica:

- Segura firme na cintura da mãe! Não solte! A gente vai pro postinho ver o tio do

pirulito! - com essas palavras ela tentou acalmar o garoto e principalmente, ela mesma. Se referiu ao

médico do posto de saúde, que ficava a mais ou menos uns 3 quilômetros e meio de sua casa.

Com o peso do garoto, dela mesma, da moto e do medo, Gecí sai apressadamente.

Desequilibrada, pilota por 200 metros em primeira marcha, até enfim, conseguir controlar o pé e

encaixar a segunda – na qual continuaria até o fim do seu percurso - Assim, começa a pior situação,

do pior dia da vida dessa jovem senhora de 41 anos.

Foram aproximadamente, um quilometro e meio percorridos, sem muitos “pares” - o

que não quer dizer que eles não estavam lá - Gecí então, se depara com um entroncamento entre a

rua que ela percorria e uma avenida. Uma avenida não tão movimentada assim, pois era afastada do

centro e o desvio de caminhões já não era mais por ali a algum tempo e “seis e meia da manhã

quase não há carros passando por aqui” pensa de forma rasa e descriteriosa dona Gecí.

Então, quando já quase vencido mais esse desafio... Quando já respirava um pouco mais

aliviada... Quando o seu filhinho a segurou com muito mais força pela cintura... Quando já quase

atravessava a avenida... … E só... dona Gecí só consegue se lembrar até ai, deitada estaticamente,

em sua cama de hospital.