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LOCALIZANDO O ACRE: UM PONTO NA ENCRUZILHADA DA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANO Prof. Dr. Silvio Simione da Silva CFCH/UFAC [email protected] Neste artigo, procurou-se apresentar reflexões sobre a localização do Estado do Acre a unidade federativa brasileira situada mais ao oeste do país, neste início do século XXI, perante a integração às repúblicas vizinhas da Bolívia e Peru . Por sua localização num extremo do Brasil, boa parte dos brasileiros o desconhece e tem dificuldade de situá-lo. Às vezes, ser do Acre ou estar no Acre é motivos espanto e deboche em noutras partes do país; assim este território e visto como: o “fim da estrada”, o “fim do mundo”, “terra de índios”, “lugar onde o vento faz a curva” entre outros preconceitos manifestos. Situação esta que também se percebe nos territórios vizinhos, seja boliviano e peruano, onde também são visto como “fim do mundo”. Aqui se busca mostrar a localização, sobretudo do Acre, como uma parte fundamental da Amazônia, rica por sua sociobiodiversidade, mas também por situar numa posição territorial que integra o “coração da América do Sul”. Assim, o Acre (BR), junto com os territórios vizinhos de Pando (BO) e Madre de Dios (PE) passa a constituir também como um ponto nodal para os processos de integração continental na América do Sul, no plano do eixos de integração interoceânico da IIRSA. Entende-se, então que conhecer esta localização é condicional para desfazer falsas ideias sobre este território, assim como para entender as transformações recentes vividas. Com isto, espera-se desfazer preconceitos e mostrar potencialidades, sair da condição de ser “fim de...” para ser “parte de um processo de integração territorial e regional/internacional maior”, no âmbito das novas estratégias de territorialização do capitalismo no continente. Mas o que a situação territorial acriana, realmente, implica em sua localização? Vejamos inicialmente o mapa abaixo:

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Page 1: Localizaçao do acre.simione

LOCALIZANDO O ACRE: UM PONTO NA ENCRUZILHADA DA INTEGRAÇÃO

SUL-AMERICANO

Prof. Dr. Silvio Simione da Silva

CFCH/UFAC

[email protected]

Neste artigo, procurou-se apresentar reflexões sobre a localização do Estado do Acre

– a unidade federativa brasileira situada mais ao oeste do país, neste início do século XXI,

perante a integração às repúblicas vizinhas da Bolívia e Peru . Por sua localização num extremo

do Brasil, boa parte dos brasileiros o desconhece e tem dificuldade de situá-lo. Às vezes, ser do

Acre ou estar no Acre é motivos espanto e deboche em noutras partes do país; assim este

território e visto como: o “fim da estrada”, o “fim do mundo”, “terra de índios”, “lugar onde o

vento faz a curva” entre outros preconceitos manifestos. Situação esta que também se percebe

nos territórios vizinhos, seja boliviano e peruano, onde também são visto como “fim do mundo”.

Aqui se busca mostrar a localização, sobretudo do Acre, como uma parte

fundamental da Amazônia, rica por sua sociobiodiversidade, mas também por situar numa

posição territorial que integra o “coração da América do Sul”. Assim, o Acre (BR), junto com

os territórios vizinhos de Pando (BO) e Madre de Dios (PE) passa a constituir também como um

ponto nodal para os processos de integração continental na América do Sul, no plano do eixos de

integração interoceânico da IIRSA.

Entende-se, então que conhecer esta localização é condicional para desfazer falsas

ideias sobre este território, assim como para entender as transformações recentes vividas. Com

isto, espera-se desfazer preconceitos e mostrar potencialidades, sair da condição de ser “fim

de...” para ser “parte de um processo de integração territorial e regional/internacional maior”, no

âmbito das novas estratégias de territorialização do capitalismo no continente.

Mas o que a situação territorial acriana, realmente, implica em sua localização?

Vejamos inicialmente o mapa abaixo:

Page 2: Localizaçao do acre.simione

Mapa 01 – Acre: limites e localização na Bacia hidrográfica do Amazonas

Fonte: Simielli, 2008; ACRE, 2008. Redesenhado Silvio Simione da Silva, 2008

Vejamos: a localização de um lugar é também um condicionante que lhe faz único e

necessário no mundo. Por isto, no Acre temos uma localização que é única, com implicações

geográficas e gerando dificuldades e possibilidades que são únicas. É nesta condição que nossa

situação geográfica, num dos extremos do país, é a característica que mais nos une Federação

dos Estados Brasileiros. Oferecemos entre outras condições, as melhores possibilidades

geográficas para a integração nacional no Continente: o Acre, agora se torna “meio” caminho

para a integração continental sul-americana.

Desta forma, conhecer bem da localização geográfica do Acre é a base para

continuar fazendo as transformações de nossa realidade. Isto, ao mesmo tempo em que

formamos bases para melhorar ainda mais aquelas ações já iniciadas e corrigir outras que não

foram bem sucedidas.

Vamos então ampliar um pouco estas informações localizacionais sobre nossa terra!

Para iniciar, o Acre surgiu como espaço em disputa nas áreas de alto curso dos rios

da margem direita do Amazonas, a partir de 1870. A ocupação se deu função dos potenciais

produtivos da floresta com a borracha natural. Então esse espaço foi ocupado, graças as

informações de suas potencialidades produtivas divulgadas por seus exploradores. Era uma terra

florestal, com muitas seringueiras, rios, animais e muitos povos indígenas. Muitos indígenas

foram mortos; a floresta foi sendo rapidamente transformada em lugar para a produção, pela

frente econômica capitalista que avançava.

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No confronto entre brasileiros vindos do Nordeste com os indígenas e com a natureza

regional venceu os interesses econômicos e, isso fez surgir o Acre. Por isso, a primeira

localização, deu-se como uma “invenção criativa” dos interesses diversos, dos confrontos e

conflitos; é, daí que surge a palavra que deu nome ao Território: Acre – derivado de Uáquiri –

Rios dos Jacarés – dos povos Indígenas (dialeto do povo Apurinã). Assim, nas terras banhadas

por este Rio e outros da região acriana, seria revelado ao mundo o maior potencial produtivo da

borracha natural, em toda a Região Amazônica.

Desta forma, para esses migrantes nordestinos que chegava ao Acre os rios foram os

caminhos de chegada. Era uma terra distante, em áreas drenadas por três importantes afluentes

do Rio Amazonas, em sua margem direita, isto é, o Rio Juruá, o Rio Purus e do Rio

Madeira.Portanto, as terras acrianas estão localizadas na porção Sul da Região Amazônica, em

trecho de médio e alto curso, nas bacias do Purus e do Juruá e nas sub-bacias hidrográficas de

seus afluentes; apenas uma pequena porção do território, no extremo leste, está em áreas

drenadas por afluentes do Rio Madeira (rios Abunã e Rapirran): Municípios de Plácido de Castro

e Acrelândia.

Neste sentido, do ponto de vista da configuração físico territorial, caracterizamos

duas bacias hidrográficas1, subordinadas aos sistemas fluviais do Amazonas: a do Juruá e a do

Purus, como pode ser visto no Mapa 02.

Mapa 02 – Bacias hidrográficas e rodovias federais no Acre.

Fonte: ACRE, 2008 (Cf. Nota de rodapé 01). Redesenhado por Silvio Simione da Silva, 2010.

1 Cabe ressaltar que para melhor compreensão, em nível mesorregional, o território banhado pelos afluentes do Rio

Madeira aparece junto a Bacia do Purus, embora drenem para seu rio principal.

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Esta localização no sul da Amazônia (Amazônia Sul-Ocidental), confere ao Acre a

condição de ser um território formado por relevo de altitude modesta, variando entre de 130 a

600 acima do nível do mar, aproximadamente. Por isto, o território estadual é tomado por

planícies com amplas colinas, sendo que nas proximidades com fronteira peruana, a altura do

terreno se eleva, chegando em torno dos 600 metros, na Serra do Divisor, no município de

Mâncio Lima, no extremo oeste do Estado.

Este território esteve originalmente coberto pela Floresta Tropical Úmida

Amazônica, com sua enorme biodiversidade. Esta cobertura florestal, atualmente é mais intensa

nos municípios que se situam na porção centro-ocidental do Estado. Hoje, contudo, o Acre, já

apresenta cerca de 12% do território desmatado, ocupado por pastagens, áreas de plantações

agrícolas e cidades.

Relacionado a esta localização física e a altitude do território acriano, temos as

caracterização climática: o Acre possui um clima tipo Equatorial Quente Úmido. Como está no

Hemisfério Sul da terra, na zona tropical sul (ao sul da linha do Equador) suas estações do ano

são poucas definidas. No período do inverno no hemisfério sul pode ocorrer rápidas friagens,

quando as temperaturas caem, sob a influência da Massa de Ar Polar Atlântica na região. Na

realidade, graças a esta localização física no Planeta, o mais correto seria entendermos que

estamos numa zona climática da terra caracterizada por climas quentes, sendo que sua variação

anual é baseada, especialmente, no índice de pluviosidade, isto é: um período “chuvoso” (o

“inverno amazônico” – que caracteriza a fase das estações que vai do final da primavera – o

verão, ao início do outono no Hemisfério Sul) e, o período “estiagem” (o “verão amazônico” –

que caracteriza o final do outono – inverno, ao início da primavera).

Outro aspecto da localização acriana que temos de considerar, foi que a integração

econômica territorial do estado, deveu-se inicialmente a rede sua rede hidrográfica. Era, contudo,

uma integração que não estava facilitado pelos cursos hidrográficos que cortam o Estado no

sentido sul-norte. A ligação quase sempre se dava via Manaus, pelo sistema hidrográfico

Solimões/Amazonas.

A partir de 1960 com as vias terrestres, esta situação começa a ser mudadas,

sobretudo, com a implantação inicial da BR – 364 interligando o Estado no plano leste/oeste e da

BR – 317 ligando o Estado no plano norte/sul na bacia do Rio Acre (Cf. mapa 02).

Posteriormente várias estradas estaduais foram planejadas, mas apenas na porção lestes algumas

foram implantadas. Desta forma, a ligação por terra ainda é bastante desigual nos municípios

mais distantes de capital. Isto, pois a pavimentação destas estradas somente a partir do ano de

2000 se deu mais intensivamente de forma sistemática. Com isto, pode-se dizer que apesar de

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todos os municípios serem dotados de pistas para pousos para aeronaves, ainda há muitos lugares

que carecem de melhorias no sistema de circulação de pessoas e mercadorias, com vistas a

melhor integração territorial do Estado.

Então, na ocupação deste espaço, por décadas seguidas de ações socioeconômicas

sobre a natureza, foi produzido o arranjo político-administrativo atual. Este caracterizara por as

cidades que surgiram, cresceram e ganharam autonomia política, isto é, tornaram-se municípios.

Atualmente, no Acre há 22 municípios com variáveis extensões territoriais e populacionais

(Mapa 03).

Mapa 03. Os municípios acrianos atuais

Fonte: ACRE, 2008 (Cf. Nota de rodapé 01). Redesenhado por Silvio Simione da Silva, 2010.

Dentre estes municípios de Rio Branco destaca por ser a cidade mais populosa, o

principal centro econômico e político e o mais urbanizado. Tal situação reflete as origens dos

desequilíbrios regionais no estado retratado no contraste entre a capital que cresce

demograficamente e os municípios que, em geral, perdem população ou crescem em taxas mais

moderadas. Ressalta-se que, ainda temos municípios que seu território recorta o estado de sul ao

norte. São áreas que se estendem desde a faixa de fronteira internacional até a fronteira nacional

com o Estado do Amazonas, como é o caso de Manuel Urbano, Sena Madureira e Feijó (Cf.

Mapa 03).

Tratando desta diversidade localizacional, podemos entender a necessidade de

melhor situar as regiões internas do Estado para agir sobre seus problemas, conforme suas

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condições específicas. Assim, caracterizamos o Estado formado por duas microrregiões

geográficas: do Vale do Juruá e do Vale do Acre. Estas estão dividas em microrregiões

geográficas (IBGE, 1989) ou regionais de desenvolvimento (ZEE/AC, 2000) conforme

apresentamos nos Quadro 01.

Quadro 01 – ACRE: Divisões regionais atuais

Mesorregião

Geográfica

Microrregião/regional de

desenvolvimento

Municípios

Vale do Juruá Cruzeiro do Sul/Do Juruá Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Rodrigues

Alves, Porto Walter, Mal. Thaumaturgo

Tarauacá/ Do Tarauacá-

Envira

Tarauacá, Feijó e Jordão

Vale do Acre Rio Branco/Do Baixo Acre Rio Branco, Bujari, Sen. Guiomard, Porto

Acre, Capixaba, Acrelândia, Plácido de

Castro

Sena Madureira/ Do Purus Sena Madureira, Manoel Urbano, Santa

Rosa do Purus.

Brasiléia/Alto Acre Brasiléia, Assis Brasil, Epitaciolândia,

Xapuri

Fonte: SILVA, Silvio Simione da Silva, 20102.

Ainda é muito importante de se considerar, na atualidade, a localização do Acre, no

Continente: na América do Sul, na Amazônia, nas proximidades com a Cordilheira dos Andes e

com Oceano Pacífico. Isto, pois, situando no extremo ao oeste brasileiro, o Acre partilha a

fronteira com dois importantes países andinos: a República do Peru e da Bolívia. Esta

localização faz que as principais cidades acrianas, inclusive, a capital – Rio Branco esteja num

arco de menos de 2.000 km de grandes cidades andinas e da costa do Pacífico como é o caso de

Lima, Cusco e Arequipa, capital e importantes cidades peruanas; de La Paz, capital boliviana;

Quito, capital equatoriana; e ainda das cidades com portuárias franqueadas do norte do Chile

(Iquique e Arica) e do sul do Peru (Illo e Matarani).

Mapa 04: Eixo de integração interoceânico Brasil-Peru-Bolívia

2 SILVA, Silvio Simione da Silva. Acre: uma visão temática de sua Geografia. Rio Branco: Edufac, 2010 (no prelo)

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Fonte: Rapp (2005). Peru (2009)3. Redesenhado e reorganizado por Silvio Simione da Silva, 2010

Outro ponto importante nesta localização é que temos o mesmo fuso horário dos

principais portos do litoral Pacífico sul-americano. Assim, o Acre é um ponto estratégico para o

Brasil na articulação terrestre continental, para a implantação de vias comerciais sul-

americana/asiática através do eixo comercial do Oceano Pacífico.

Neste sentido que se deu a implantação do Eixo de Integração Interoceânico Brasil-

Peru-Bolívia da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana – IIRSA.

Com isto a BR-317, transformou na “Estrada do Pacífico” e passou a simbolizar toda esta

possibilidade regional. Contudo, isto não descartou a integração via rodoviária e aeroviária por

Cruzeiro do Sul (Acre, Brasil) e Pucalpa (Ucayali, Peru), que mesmo já iniciada, continua sendo

discutida ampliadamente.

Para finalizar, agora vamos apenas que apontar algumas das implicações de tudo isto

na geração de possibilidades localizacionais sócio-espacialmente produzidas do Acre, na sua

relação macro-espacial na Amazônia, no Brasil, na América do Sul:

Como parte da Amazônia, o Acre é território fundamental na integração do espaço

Pan-amazônica, dado sua condição limítrofe e, os processos já iniciado tanto com

pelas vias rodoviárias com o Peru e a Bolívia, as ligações aeroviárias com cidades

peruanas; assim como, pela formação da Região Internacional do MAP – Madre

3 PERU, República del. Mapa da Republica del Peru. http://ciat-library.ciat.cgiar.org/paper_pobreza/067.pdf

(acessado em 10/2009); e RAPP, Kenn. La Carretera Transoceánica de Brasil-Perú: Resumen de Proyecto. 30

diciembre 2005. http://www.bicusa.org/es/Article.10028.aspx

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de Dios, Acre e Pando – que passam a ter fóruns de discussão de desenvolvimento

integrados.

Como estado brasileiro situado mais ao oeste, no centro do Continente, tem a

possibilidade de oferecer ao país, o território melhor localizado para a integração

intercontinental. Com isto criar condições objetivas, para não de ser trecho de

passagem, mas sim de espaço para localização de investimentos econômicos, em

condições vantajosas pela proximidade com o litoral do Pacífico.

No plano continental, além do que já foi citado pela proximidade dos Andes e de

grandes centros turísticos e comerciais, temos a possibilidade ser local para

atrações de rotas turísticas e comerciais. Estas seriam voltadas para quem pretende

conhecer a Amazônia dos altos cursos dos rios, além de outros atrativos locais,

como os recentes descobertos geoglifos; ou no plano comercial, para infra-

estrutura de recepção de mercadorias das rotas asiáticas, vias portos peruanos e

chilenos. Salienta-se, ainda que neste plano continental, a marca mais importante

é a de situar como ponto nodal nas redes de integração espacial nas fronteiras com

os países vizinhos andinos e da costa do Pacífico.

Portanto, muitas situações que no passado eram vistas como empecilhos, hoje são

potencialidades dadas por nossa localização, sob as quais podemos operar bases para o

desenvolvimento. Concluímos isto, no sentido tratar de formas de integrar os territórios, de gerar

novas oportunidades para os povos que habitam estas partes do Continente e, de romper com a

sombra da pobreza que ainda atinge a maior parte da população acriana, assim como das áreas

limítrofes dos países vizinhos.