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    1\1A S I G N I F I C A Q A O N O SE S P A Q O S E D U C A C I O N A I Sas processos de siqnlficacao que sao produzidosnas relacoes sociais e permitem a construcao dasubjetividade sao 0 tema nuclear dos trabalhosreunidos neste livre. a tema e explorado com basena abordagem hist6rico-cultural em psico!ogia, emespecial no pensamento de L.S. Vygotsky - umreferencial tomado, aqui, por seu valor heurfst ico ecomo ponto de part ida para a busca de respostas.as processos de slqniticacao sao examinados emcontextos educacionais e interpretados a partir dasinteracoes SOCialS e dainterdependenciallnquaqern-coqnlcao. As autoras focalizam taisprocessos apresentando dlscussoes de caraterconceitual-metodol6gico e relatos de estudosempfricos que abrangem os espacos de creche,pre-escola, educacao regular e especial.Desse modo, os textos desta coletanea buscamcontribuir para analises e reflex6es de professores epesquisadores, sobretudo aqueles que atuam noscampos da psico!ogia, da educacao e da lingOfstica.

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    Acervo PessoalAna L.B. Smolka

    P A P IR U S E D I T O R A

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    Ana Luiza Bustamante SmolkaGraduada em filosofia. Fez 0 mestrado(1978) flo Instituto de Educacao naUnive rs idade do Arizona . Dou to rou-se pelaUnlcarnp, na Faculdade de Educaeao(1987). E o docente do Departamento dePsico logia educacional (Un icamp) , desde1979. A SIGNIFICAQAo NOS ESPAGOS EDUCACIONAIS:INTERA

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    COLEC;AONlAGISTERIO: FORMA

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    Cap Famando CornacchiaFota: R e l ll ll ll o T O $ I "

    COpfd65qUlr. Monica Saddy Martin.ReYisi l a: elistiana Rullli.en Scanavini

    DBdos Inlamacl onaIs de Cs!Blogll~o naPubllc8o;:60 [CtP)( e ll m ar a B rasllelra doUvro, SP, Brasil)

    A aignmcs

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    5. ViDEO, ESCRITA, LEITURAS, RECORDAC;:OES:CULTURA E MEM6RIA NA SALA DE AULAElizabe th dos Santos Braga

    6. 0 PROCESSO DIALOGICO ENTRE ALUNO SURDOEEDUCADOR OUVINTE: EXAMINANDOA CONSTRUc;;:Ao DE CONHECIMENTOSCristina B.F. de Lacerda

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    1 1 17. ASPECTOS DADlNAMICA INTERATIVA NO

    CONTEXTO DA EDUCAc;:Ao DE CRIANGASE JOVENS COM SINDROME DE DOWNMaria de Fat ima Carvalho 14 5

    APRESENTAC;Ao

    Este volume e cornposto par urn conjunto de trabalhos cujointeresse se orienta para questoes de linguagem e cognicao, em espe-cial para aspectos relatives a processes de significacao do sujeito e ainstancias interativas em que esses processes se constituem.

    Ernbora os textos se ap6iem na contribuicao te6rica de diferentesautores, esforco de problcmatizacao e analise dos ternas abordados estacentrado na perspectiva historico-cultural em psicologia e se referenciapredominantemente no pensamento de L.S. Vygotsky. Consideramosoportuno realizar esta publicacao nUlll momenta em que varias iniciati-vas estao sendo implernentadas em razao do centenario de nascimentodesse autor . Entretanto, nosso prop6si to nao e apenas part icipar dashornenagens , mas tambem dar continuidade ao intercarnbio de ideias e aexposicao de estudos em que tern se envolvido 0 Grupo de PesquisaPensamento e Linguagem (Faculdade de Educacao - Unicamp), peloqual foram realizados os trabalhos aqui incluidos,

    Em relacao ao referencial te6rieo assurnido nestes estudos,julgamos importan!e esclarecer que a posicao das autoras nao 6 demera adesao a teses fundamentais e a urn bloco de recursos concei-

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    tuais e metodol6gicos. A afinidade com 0referencial em questao esta,sem duvida, configurada; mas ele e tornado pelo seu valor heurfsticoe como ponto de partida para indagacoes e busca de respostas. Nessal inha, alguns dos textos debatern problemas nas tendencias de lei turadentre os desdobrarnentos atuais das contribuicoes da perspectivahis t6rico-cultural; outros textos sal ientam expansoes que se fazemnecessarias ou, ainda, apontam lacunas e inconsistencias a seremdebatidas e superadas nesse quadro te6r ico.A perspectiva dessas discuss6es vincula-se a analise de proces-sos de subjetivacao origin ados no plano intersubjetivo e coloca aenfase no carater necessariamente simb6lico-dial6gico do funciona-mento dos sujcitos estudados. A atencao e dirigida, sobretudo, ainstancias de construcao de conhecimento em diversos espafi:0s edu-cacicnais (abrangendo ambientes de educacao infantil, de escolariza-1$aoinicial e de ensino especial).

    Com base nessa direcao comum, diferentes temas sao privile-giados nos textos que se seguem, Os dois capitulos iniciais, de M. CeciliaRafael de G6es e de Ana Luiza B. Smolka, abordam a constituicao socialde processos de significacao, problematizando interpretacoes correntesda abordagem hist6rico-cultural e apontando possibilidades de desdo-brarnentos que se rnostram especialmente produtivas. Ambos os traba-1hos focalizam quest6es te6ricas gerais; entrelanto, 0primeiro capituloapresenta apontamentos de ardem mais conceitual, ao passo que 0segundo dir ige a atencao principalmente para a questao metodoI6gi-ca. Os demais capitulos tambem assumem esses angulos de preocu-pacao, mas caracterizam-se como relalos de pesquisas especificasreal izadas pelas autoras, Maria Nazare da Cruz mostra alguns aspec-tos de sell estudo sobre 0movimento de estabilizacao do significadoda palavra em producoes de linguagem de criancas de creche nastrocas interativas com seus cuidadores adultos, salientando 0jogo deatribuicao de sent idos pelos outros e a part icipacao da propr ia criancano processo. 0 texto de M. Silvia P.M. Librandi da Rocha inves tiga,no ambito da pre-escola, as formas pelas quais 0 trabalho pedagogicoaborda 0 real e 0 i rnaginario no jogo de faz-de-conta, pela analise dedialogos da professora com as criancas, em relacao a atividade debrincar. Tambcrn elegendo situacoes pedag6gicas no espac;,:opre-esco-

    lar , El izabeth dos Santos Braga focalizaa const ituicao sociocul turalda memoria, para evidenciar, com base no exame das interlocucoesocorrentes, 0 processo interindividual que constitui os esforcos dacrianca na reconstrucao de eventos passados. Os dois capftulcs se-guintes, que cornpletam esta coletanea, dirigern 0olhar para contextosde ensino especial e buscam discutir algumas dimcns6es dos proces-sos de linguagem e cognicao que se dao em sala de aula, no ambitodo atendirnento educacional de sujeitos com condicoes atipicas dedesenvolvimento. Crist ina B. Fei tosa de Lacerda apresenta um estudosobre as complexas caracteristicas das negociacoes de sentidos nainteracao de alunos surdos com educadoras ouvintes, invest igando osl irni tes e as possibi lidades que decorrem daquelas caracterfst icas paraa construcao de conhecimentos escolares, 0 texto de Maria de Fat imaCarvalho cxp6e um estudo sobre as trocas dia16gicas entre suje itoscom Sfndrome de Down e educadoras durante atividades de classe eaponta problemas que emergem nos esforcos de construcao de conhe-cimento pelo aluno em virtude da irnagem que se tern dele comointerlocutor ; uma imagem sernpre vinculada a expectativas de intensadif iculdade de cornunicacao e cognicao,

    . Esperamos que as discussoes te6ricas e a exposicao de estudosempiricos deste conjunto de textos contribuam, em termos gerais, para 0debate sabre problemas conceituais e sobre caminhos metodol6gicos nainvest igacao do funcionamento humane e que, mais especificamente,venham a acrescentar pontos de reflexao sabre aportes da' perspectivahist6rico-cultural para a analise de problemas educacionais.

    Maria Cecilia Rafael de G6esAna Luiza Bustamante Smolka

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    1AS RELAC;OES INTERSUBJETIVAS NACONSTRUr;Ao DE CONHECIMENTOS

    M. Cecilia R. de Goes

    Neste trabalho, focalizamos questoes sabre a elaboracao deconhecimentos, buscando discutir algumas tendencias das interpreta-)?oes da tese segundo a qual esse processo e socialmente ccnst ituido. Atese em questao, atinente a abordagem historico-cultural em psicolo-gia, requer que se conceba 0conhecer como processo que se real iza narelacao entre Sujeito Cognoscente, Sujeito Mediador e Objeto deConhecimento - num esquema te6rico a ser aqui referido como"modele SSO". Pretendemos problematizar algumas tendencias daleitura que se faz desse modelo, focalizando 0 papel do outro nasformas de elaboracao de conhecimento pelo sujeito. Nosso interesse seorienta, rnais amplarnente, para problemas no ambito te6rico-concei-tual e, mais especificamente, para questoes relativas ao contexto edu-cacional.

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    Cornecarnos por apontar algumas diferencas importantes entr.ea tesc da const ituicao social e cutras vis6es do processo de conheci-mento que tern fundamentado 0 trabalho pedagogico.

    co, atribui-se ao professor umpapel de encorajador e facilitador, erecomenda-se a intensificacao de experiencias cooperativas entre par-ceiros. Entretanlo, a atribuicao de urn papel de "influencia" ao outro e a scondicoes contextuais apoia-se na nocao de que as efeitos do meiosocialapenas modulam urn processo que e pr6prio do sujeito. Assim, osprocess os intersubjet ivos nao sao concebidos como instancia efetiva-mente constitutiva, pois e privilegiada a ideia de construcao individual.

    Adernais, algumas concretizacoes de propostas educacionais,nessa linha, tenderam a tamar 0 funcionamento assimetrico entreprofessor e aIuno como urn problema a ser contornado com cuidadoau ate mesmo como urn obstaculo para a construcao individual,Assim, dentre as leituras da tese de urn sujeito cognoscente ativo econstrutivo, as derivacoes por vezes discrepam das formulacoes teo-ricas em que alegam se fundamentar, Aparecern, por exernplo, pres-cricoes pelas quais 0 adulto deve deixar que a crianca funcione comsuas proprias forrnas de claboracao, pais as aprendizagens dependem,essencialmente, da capacidade espontanea, individual e auto-estrutu-rante do sujeito cognoscente.

    Concepcoes de [uncionamento intersubjetivonosprocessos de conhecimento

    Om dos aspectos principais das abordagens de ensino-aprendi-zagem esta no tratamento te6rico dado a assimetria entre professor ealuno, no que respeita a conhecimentos dominados e a modos deelaboracao conceitua1.

    A ass imetr ia de funcionarnento conceitual entre sujei tos queinteragem orientados para urn objeto de conhecimento e abordada. d.eperspectivas diversas, conforrne a visao que se adote sabre a partlCI-pacao do outro e 0papel da linguagem no processo de conhecimento.Quando 0processo de ensino-aprendizagem e assumido como tra~s-missao-recepcao de conhecimentos, cspera-se que a outro transrmtaalgo que possui , enquanto ao sujeito e atribuido 0papel de rece~e: osconhecimentos a que e exposto. Considerado 0contexto pedagoglCo,o aluno pode au nao apreender tudo 0que 0professor transmite. Taisvariacoes entre os modos de funcionamento desses sujei tos acabamtendo urn cariterquantitativo - 0que se aprende corresponde a umacerta quant idade do conhecimento que se ensina. No que diz respeitoaos processos de linguagem presentes nessa recepcao de conh~cimen-tos, es ta implicada a ideia de que a palavra do outro deve ser reiterada,parcial ou totalrnente; a meta do ensino e , par assim dizer, a repeticaoda palavra, Em inovacoes pedag6gicas, passou-se, corretamente, aquestionar a visao "tradicional" de ensino e a negar 0 processo derecepcao, afirmando-se a existencia de uma necessaria atividade es-t ruturante, construt iva do sujei to. Na perspect iva dessa abordagemconstrut ivista, a assimetria de funcionamento entre professor e alunoassume urn carater qualitativo, pois 0 que se aprende nao espelha 0que se ensina, Pressupoe-se a carater ativo do sujeito na construcaode conhecimentos, ao passo que 0meio social e concebido como fontede influencia no processo. No que diz respeito ao contexte pedagogi-

    Desdobramentos desse tipo na implernentacao de diversas ver-soes de inovacao pedagogica trouxeram certas conseqi iencias preocu-pantes, decorrentes de uma compreensivel busca de deslocarnento: aideia de ensinar vinha tao marcada pela ideia de transmitir que se -chegava a confundir qual, dentre elas, devia ser negada. Em relacao apart icipacao dos processos de l inguagem no conhecimento, a reprodu-csaoda palavra do outre passava a ser alvo de desconfianca, a ser indiciade disfuncionamento do processo. A nocao de producao era tomadaincornpativel com a de reproducao. Tal tendencia carregou, a nosso ver,um risco: na rejeicao de urn modelo de (quase) silenciamento do sujeito,configurou-se um modelo de (quasejsi lenciamento do outro ..

    Outra visao do processo de conhecimento tambem tern fundadodiscuss6es sobre 0 conhecimento ocorrente em diferentes contextos,sobretudo no pedagogico, uma visao que se apoia na concepcao de umsujeito interativo (nem receptivo, nem apenas ativo), que elabora conhe-cimentos sabre objetos, em processos necessariamente mediados pelooutro e const itufdos pela l inguagem, pelo funcionamento dial6gico.

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    Trata-se do "modele S50", ancorado na abordagem hist6rico-culturalem psicologia, em especial no pensamento de L.S. Vygotsky.

    A intcrpretagao do conhecimento como social mente co.nstitui-do supoe a relacao mediada do sujeito cognoscente com os objetos. Amcdiacao nao se restringe a outros sujeitos fisicamente prescntes,estcnde-se aos efeitos da incorporacao de experiencias nas relacoessociais vivid as em diferentes contcxtos e de diferentes modos. A tesede constituicao social t ambe rn abrange urna certa nocao de obje to ,configurada nas praticas sociais enos significados circulantes. Basica-mente, 0 conhecer tern genese nas relacoes sociais , e produzido naintersubjetividade e e marcado por uma rede complexa de condicoesculturais.

    A esse respeito, hi discuss6cs e pesquisas (por exernplo, Gior-dan e de Vecchi 1988) que abordam D trabalho conceitual no contextede ensino, enfatizando as nocoes proprias do aluno, construidas demodo idiossincratico com base em situacoes vividas. As analisesnorteiarn-se pela prescricao de que 0professor deve considerar essesconhecimentos do aluno para propiciar situacoes patencialmente ge-radoras de conf litos cognit ivos e facil itadoras da t ransforrnacao deesquemas conceituais. Atribui-se ao outro 0 papel de modular urnprocesso cuja natureza 6 individual. A linguagem 6 admitida comoimport ante por permitir a comunicacao e por sua funcao de repre-sentar-expressar 0pensamento.

    A busca de implicacoes e diretrizes educacionais da aborda-gem historico-cultural tern envolvido expectativas acertadas, mastambern equivocadas. Como lembra Oliveira (1995), sem a com-preensao de pressupostos e sern 0 exarne detido das forrnulacoesteoricas, a irnportancia atribuida ao sujeito mediador, a linguagem eao trabalho de sisternatizacao de conheeimentos pode ser entendidacomo urn passive! retorno a prescricoes do rnodelo de transrniss iio-recepcao, num esquema verbalista e de curriculo Iechado. A diver-s idade de lei turas e inescapavel, e as relacoes teoria-pratica saomuito complexas, mas, concordando com Tunes (1995), julgarnosque nao esta, ainda, construida uma teoria pedagogica fundamenta-da nessa posicao teorica. E, concordando tambern com Coll (1991),entendernos que uma teoria pedagogica nao pede "espelhar" umateoria psico16gica nem se configurar apenas com base em contribui-coes do campo da psicologia.

    Em outros estudos (par exernplo, Fontana 1995), busca-seexaminar a diversidade do funcionamenlo conceitual e as ideias jaelaboradas pelo aluno, par meio das interacoes e do jogo dial6gico emque 0 aluno se envolve. Dessa maneira, 0 proposito e compor umahist6ria (social) das elaboracoes, considerando-se as vozes do profes-sor e dos parceiros, alem dos enunciados de varies outros, que seinterp6em no dizer desses sujei tos, Em tall inha de analise, difereri te-mente daquela ilustrada anter iormente, atribui-se ao outro e a lingua-gem urn papel fundante, e a atencao desloca-se para as relacoes sociaisem que 0 aluno esta inserido, participando do processo de urn modosingular.

    Nas derivacces educacionais, chama a atencao, adicionalmen-te, 0 fato de que as ideias de construcao individual e de construcaosocial podem ser jus tapostas, Duma colagem de pressupostos. Nessesentido, e importante pontuar , como aspecto dist intivo entre tenden-cias na invest igacao sobre construcao de conhecimento, a estatutotcorico atribufdo a atuacao do cutro e aos processos de linguagem.Considerernos, como ilustracao, as tentativas de exame da diversida-de de ideias prcscntcs durante 0 trabalho conceitual na sala de aula.

    Nas discuss6es do "modele SSO", podemos notar que, paraalern de justaposicoes ou derivacoes insuficientes, no plano educa-cion al, apresentam-se lei t uras no plano da discussao teorica, queconfiguram urn esquema tendencialmente prototipico, impregnadode uma visao harrnoniosa da mediacao peIo outro, no que concerneas relacoes implicadas na elaboracao de conhecimentos, (Sobre essavisao, sao apontadas crfticas ao tratamento conceitual e metodolo-gico da intersubjetividade em Smolka, G6es e Pino 1995.) Com aintencao de problcmatizar alguns aspectos daquele esquema, abor-damos, em seguida, 0papel de sujeitos mcdiadores nos processos deconhecimento e buscamos analisar a dinarnica intersubjetiva e asforrnas de elaboracao que se estabelecem entre 0 sujeito eo outro.

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    Apontamentos sobre a dindmica intersubjetivano contexto educacionalde convivencia e criter ios de organizacao das relacoes nas atividades.Porern, tais sinalizacoes dao-se de rnancira subordinada isto e a,orientacao do trabalho e posta nas esferas conceituais de carateracademico, ao passe que as questoes disciplinares e eticas ou as temasestritarnente pessoais sao abordados de forma mais breve e sao referidosem momentos que transcorrern como que se fossem "intervalos" dadirecao principal . Contudo, essa subordinacao nao corresponde a umareducao de relevancia. Ao contrario, as condutas e qualificacoes pessoaissao configuradas como condicao essencial para 0desenvolvimento dasatividades. Sao tomadas como inerentes as praticas saciais no ambienteinstrucional. Mesmo garantido urn clima de constante dialogo, os confli-tos e os confrontos sabre as condutas "atravessam" a mediacao que aprofessora faz dos conhecimentos da crianca. .

    Assim, 0papel do outro mostra-se muito complexo, nao poden-do ser examinado somente em termos do exito ou do fracasso em"promover" urn funcionamcnto rnais elevado na crianca, Nao se trataapenas de dizer que quest6es pert inentes ao ambito pessoal e discipli -nar intervem no processo; 0pr6prio encontro de formas divergentesde elaboracao dos sujeitos tambem apresenta caracteristicas que iridi-cam a envolvirnento de confrontos e oposicoes na mediacao de eo-nhecimentos, A esse respeito, pass amos a considerar, com base noexame do material analisado, a atuacao da professora quanta asoperacoes de conhecimento da crianca,

    Para a discussao proposta, e apresentado, em termos sinteticos,urn estudo no qual procuramos discut ir aspectos da mediacao social naconstrucao de conhecimentos, examinando as modos de participacao dooutro no funcionamento da crianca.' Embora as analises tenham abran-gido tarnbern a interacao de pares, focalizarernos aqui a atuacao daprofessora nas elaboracoes da crianca,

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    o estudo envolveu 0 exame de material docurnentado em vi-deo, relative ao acompanhamento, por dais anos , das atividades numac1asse pre-escolar da rede publica; durante a periodo, a idade dascriancas var iou entre 5 e 7 anos. Na sala observada, 0 trabalhopedagogico orientava-se pela busca de inovacao educacional quantaa organizacao das atividades e peJa preocupacao com a qual idade dasinteracoes professora-crianca e crianca-crianca,

    Nas observacoes feitas, cons tatamos que os modos de par tici -pacao da professora nos processos de signif icacao da crianca variam,dependendo, por exemplo, da esfera instrucional que esta sendo tra-balhada. Em algumas atividades, ela atua deixando grande margem de.iniciativa as criancas (por exemplo, no atelie de cscrita) ; em outras,conduz estritamente as tarefas (por exernplc, no atelie de computa-ao); ainda em outras, deixa que as criancas interajam, efetuandointervencoes mfnimas (por exernplo, no atelie de "casinha"), Durante as atividades em sala, ascriancas focalizam as relac6esinterpessoais em ocorrencia e tarnbem orientam a atencao para outras

    vivencias, nao restritas ao "aqui-e-agora", Ha muitos momentos emque elas se reportam a suas experiencias, trazendo como t6pico deelaboracao atributos pessoais e de conduta, ou aconlecimentos queenvolvern a si e a outras pessoas. Mesmo diante de situacoes em quese elabora sabre objetos instrucionais, a crianca busca inserir suasexperiencias anteriores, recorrendo a uma abordagem erninentementenarrativa, apoiada na memoria.

    A professora, ao mediar 0 encontro da crianca com objetos,atua privilegiando prop6si tos instrucionais , des tacando temas e bus-cando estabi lizar signif icados , focos e momentos de elaboracao. Ost6picos instrucionais sao priorizados em relacao as condutas ocorrentesau as qualificacoes de atributos pessoais. Nas trocas dialogicas saosinalizados incentives ou censuras a formas de ser ou comportar-se, regras1. Esse estudo e par te de u rn p ro je to deequ ipc, r ea li zado pelo Grupo de Pesqu isa Pensamento e

    Linguage m, da Faculdade de Educacao, Unicarnp. 0 projeto Ioi financiado pela Fapesp e peloFaep/Unicarnp. Esclarcccmos que outras analises do mcsmo estudo estao apresentadas emG6es(no prelo).

    Na classe observada, desenvolvem-se atividades regulares decontar bist6rias (como na leitura , conto e reconto de textos da litera-tura). Trata-se de momentos em que 0texto narrativo e em si tornado,

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    como objeto que deve scr sisternat izado. E tratado como t6pico ins-trucionai, que envolve 0conhecimento da propria estrutura narrativa;que e instancia de expans iio do conhecimento sabre 0 mundo; queapresenta normas morais; que perrnite a abordagern de situacoes ecoisas novas, nao vivid as; que amplia 0 universe sernantico etc.

    Privi legiar atividades com historias e mater iais li terarios tern,por cer to, repercussoes posi tivas para a crianca, Pcsquisas tern indi-cado que, na infancia, as experiencias com narrativas, em variescontextos, sao instancias de refinamento da cognicao. Nesses estudos,voltados principalmente para 0narrar ficcional, argumenta-se que, aolidar com as acoes de persanagens e com as situacoes da trama, acrianca estaria construindo teorias sobre a mente sabre situac6escotidianas regulates (can6nicas) e sobre mundos po;sfveis (por exem-plo, Ast ington 1989; Lucar iello 1989).

    Contudo, interessa-nos mais destacar 0 tratamento pedag6gicodo narrar como forma de elaboracao em instancias de trabalho con-ceitual sobre variados topicos instrucionais.

    Enquanto elabora sobre objetos de interesse instrucional, acrianca toma a iniciativa de narrar acontecirnentos, reportando-se,principaimente, ao vivenciado e, ocasionalmente, ao irnaginado, in-ventado. A professora desencoraja, de varies modos (par vezes sutis),essa disposicao da crianca para narrar, independentemente de 0 temaser ou nao digressive em relacao a atividade em ocorrencia; ainda quea professora possa tratar diferenternente essas duas ocorrencias, elaacaba par desviar 0 foco orientado para 0relata.

    Tambern e claramente marcada adifererica de invest imentos nanarrativa do vivido e na narrativa como objeto instrucional, Tantoassim que, mesmo dentro de uma atividade instrucional narrativa acrianca pode ser desencorajada no relato de acontecirnentos pessoais,au ser abreviada nesse intento.

    A narracao e a referencia a experiencias pessoais podern serdesencorajadas ou deslocadas, sendo frequenternentc reor ientadaspara 0 que poderiamos chamar de quasi-categorizacdo - pam adefinicao, a descricao, a caracterizacao, Ou seja, em diversos t ipos de

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    ocorrencia do narrar, essa forma de elaboracao e evitada au colocadaa service de opcracoes pcrtincntes an categorizar, deslocando-sc aenfase da crianca na experiencia vivenciada ou imaginada, Efetua-seentao, uma instrumentalizacao do narrar, '

    Nessas iniciat ivas instrumentalizantes, a propr ia professorarecorre, .asve~?s e bre-:emente, a urna abordagem narrativa, para quea classe identifique atnbutos criteriais de urn objeto de conhecimento.~dem~is, 0 relata de vivencias pessoais pelas criancas pode ser atelllcen!Iv~~o, ocasionaimente, como pretexto para elaboracoes quasi-categoriais, para mudancas de enfase do epis6dico para a generico.Nesse scntido, 0 narrar e subordinado e, na verdade acaba sendosilcnciado ern prol de urn certo tipo de trabalho conceitual, Parailustrar uma das formas utilizadas pela professora para gerenciar ainstrumentalizacao do narrar, apresentamos 0episodic a seguir,

    ;1 (atividade - roda) Ascriancas observarn urn vaso de violetas, e ap~ofessora tala sobre flores e doencas de plantas. A aluna Lia apro-xima-s e dela e conta alga em voz baixa.Prof'': Conta pra todo mundo! (Dirigc-se a turrna) 011, a Lia raicontar uma coisa!Lia: Um dia, lti no parque, ne, eu tava to . no parque, ne, eu vi ulna...[oaninha Iii JlO parque. .Pedro: Joanlnha.ProF: Eo que que e a joaninha? Eave, mamlfero 01.1 inseto?Carla: Inseto!Urn aluno, Paulo, pede a atencao da profes sora para outr o as suntomas nao recebe resposta. 'ProF: Quantas pat inhos ela tern?Criancas: Quatro,ProF: Quatro patinhas?Criancas: Tres. Nove . ..Paulo insis te em seu cornentario parale! o. A profess ors responderap idamen te e cont inua fal ando ao g rupo.ProF: A joaninha tern {res patinlias de cada lado. Ela tern seispatinh as.

    POde~l?S ~?tar: ne~se e,fi~6dio,. qU? a pr~fessora privilegia 0emergente tOPICO da joaninha ,111cIUSIVeimpedindo as tentativas de

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    inter ferencia de Paulo. No entanto, ela c1aramente "usa" 0 interessede Lia ern relatar urn acontecimento pessoal, de modo a envolver essacrianca e seus pares numa elaboracao sobre insetos ern termos gerais,descolada de circunstancias especificas da vivencia cotidiana.

    Esses apontamentos do estudo, quanta a operacoes de conheci-mento, podem ser examinados em termos das proposicoes de Vygots-ky sabre 0 funcionamento conceitual na ontogenese, que contribuempara interpretarmos as movimentos da crianca e da professora nasinteracoes analisadas.

    Segundo Vygotsky (1987), 0processo de concei tual izacao quemarca a abordagem da crianca na significacao das coisas do mundo eaquele que constitui 0 "pensamento par complexes". Nesse tipo depensamento, a crianca estabelece relacoes entre urn deterrninadoobjeto e urn conjunto de objetos, com base em suas propriedades (0que confere urn carater "objet ivo" ao signif icado da palavra); porem,essas propriedades do conjunto nao sao tomadas de modo estavel ecriter ial. Como os objetos incluidos no complexo retem todas assuaspropriedades, tal forma de conceitualizacao tende a envolver umafusao de analise e sintese, e a ser rnarcada par urn carater imediato-concreto, " indefinido e transbordante" (Vygotsky 1987, p. 140).

    de niveis de generalidade aos cotidianos, E tarnbem importante salientarque a palavra tern papel fundamental eJUambos esses processos, poremcom insercao diferente em cada caso: no conceito cotidiano, ela vaimediar a vivencia com 0objeto; no cient ifico, vai marcar a relacao comoutros conceitos, Duma rede de palavras ja significadas,

    o processo de conceitualizacao cotidiana se da na vivencia coma objeto mediad a pela palavra. E esse proccsso caracteriza-se par urnsistema de enlaces que se arganiza em termos de generalizacoesdependentes do vivencial, do evocado, do perceptual. ]a a conceitocientifico se forma ao ser inserido em relacoes de niveis de generali-dade, num sistema organizado hierarquicamente. Dai ser considerado"sistematizado" -

    Em vir tude dessas dis tincoes quali tativas quanta aos processosconceituais, 0 conhecimento tende a envolver heterogeneidade nasformas de elaboracao e nao-coincidencia de significados, na relacaodo sujeito cognoscente com os outros e!ll torno de- objetos. Issoocorre, tipicamente, nas interacoes crianca-adulto e aluno-professor,Ccnsiderando-se 0 contexto pedagogico, 0 professor busca e1egercertos sentidos, canalizando af0esforco de elaboracao, e transformaro funcionarnento conceitual do aluno, na direcao do conhecimentosistematizado. Tarnbem os pares sao participantes das elaboracoesconceituais do aluno. Dependendo da linha de acao pedagogica, asefeitos podem ou nao corresponder aos conhecirnentos pretendidos,podem gerar exitos au fracassos escolares. Entretanto, em qualquerdos casas, e na dinamica dos processes interpcssoais, nas tracasdialogic as com outras pessoas em torno de objetos, nas instancias deproducao e compreensao da palavra, que 0 aluno desenvolve 0 signi-ficado desta.

    No pensamento par "verdadeiros" conceitos, que aparece pos-teriormente aquele par cornplexos, as propriedades do objeto subme-tem-se a abstracao e a generalizacao, sendo que a inclusao doobjetono conceito e efetuada de acordo com propriedades especificadas eestaveis, Dessa forma, as operacoes de analise e sintese tern que sediferenciar e, ao mesmo tempo, ocorrer de forma art iculada, coorde-nada, Vygotsky (1987, p. 156) lembra 0argumento de Goethe, segun-do 0 qual essas operacoes sao lao imporlantes e relacionadasdialeticamente quanto 0 inspirar e a cxpirar.

    A essas forrnulacoes do autor acrescentam-se discussoes, maisorientadas para 0 ambito educacional, sobre as processos de consti -tuicao de conceitos cotidianos e cientificos, Esses dois processosdiferem entre si, mas mantem uma relacao de alimentacao reciproca- as conceitos cotidianos fundamentam, dao base vivencial aoscienti ficos/escolares, e estes podem trazer sistematizacao e elevacao

    Ainda, no pensamento vygotskiano, 0 conceito nao 6 " apenasrepresentado pela palavra nero se reduz ao desenvolvimento de im-press6es (pela percepcao, pela memoria). Forrna-se par meio do usada palavra, que nao e urn rotulo aderido a uma ideia ji estabelecida, aurn conceito pronto. Pensarnento e linguagem se constituem mutua-mente. Ao incorporar uma palavra, a crianca nao apenas designa urnobjeto, mas tambem analisa, abs trai propriedades, generaliza-as, Por

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    - I;

    essa razao, a palavra part icipa da s ignificacao do objeto e da exp~rien-cia de conhecimento do mundo, A palavra reflete e generahza arealidade. As relacoes entre palavra e conceito nao ocorrem isolada-mente; a palavra '6 enunciada e interpret ada numa rede de ~utraspalavras, de interacoes com outras pessoas e de acoes sobre objetos.

    Essas interpretacoes da abordagem historico-cultural sobreprocessos conceituais fornecem pistas para cornprecnder a heteroge-neidade de cstra tegias e a dinamica de trocas dialogicas destacadas noestudo mencionado. Mais especificarnente, elas ajudam a consideraras caracteristicas das operacoes da crianca vinculadas ao pcnsarnentopar complexos e ao conhecimento cotidiano. Ao descrever 0pensa-mento por complexes, Vygotsky (1987) repor ta-se a ideias de outrosautores iridicando que nesse modo de significacao, a palavra e " ( . .. ), ,uma especie de historia sobre urnconceito. E uma obra de arte" (p.154 [grifo nosso D. Sugere, por tanto, que 0pensamento por comple-xos e marcado pelo narrar, 0que se mostra congruente com a vincu-lacao as mernorias, a s experiencias, isto e , com a natureza vivencialdo significado das palavras e das coisas para a crianca.

    Diante desse modo de elaborar, 0 t rabalho pedag6gico tende ainvest ir num direcionamento para 0 pensamento por "verdadeiros"conceitos e para 0 conhecimento cientffico, Tal investirnento, tipicodo contexto instrucional (mas que nao pode ser automaticarnentegeneralizado a outros contextos institucionais), propoe-se a deslocara atencao ao vivencial para a ident ificacao do gener ico, dos significa-dos independentes de circunstancias especff icas; e propoe-se a prio-rizar certas operacoes vinculadas ao categorizar, subordinando outrost ipos de elaboracao, como 0narrar.

    Configuram-se, pois, instancias interativas em que 0 agente. mediador "prornove" conhecimentos, nao s6 em sintonia com asformas de funcionamento da crianca, mas tambem (e talvez pr incipal-mente) impondo-se e opondo-se a tal Iuncionamento. Na situacaoaqui enfocada, a participacao da professora tern duplo efeito: de urnlado, ela conduz a crianca a certas formas de conhecimento valoriza-das socialmente (em acordo com as praticas inst itucionais da educa-crao formal, oeste caso); de outro lado, eia redireciona e silencia

    22')

    forrnas de conhecimento que a crianca vern desenvolvendo emoutroscontextos de vida. 0 que salientarnos ai e a exis tencia de tensao entreprocessos de elaboracao que se confrontam, ainda que esse confrontopossa transcorrer sern desentendimentos au antagonismos expl icitosentre sujeitos. Isso nos induz a considerar que, tarnbem no ambito dasproprias operacoes de conhecimento, nao podernos atenuar a comple-xidade do encontro entre sujeitos nem negligericiar 0 carater contra-dit6rio do funcionamento intersubjetivo,

    A mediaciio social do conhecimento:Questoes sobre 0papel do outro

    A significancia que vemos no conjunto de dados descrito naoesta em algo inesperado nas constatacoes, esta no fato de que estasnos levam a iodagar, entre outras coisas, por que, nas discussoesteoricas sobre a constituicao social do conhecimento, 0 funcionarnentointersubjetivo, tornado como tfpico, e pouco contaminado por tens6es eelaboracoes multi pl as que permeiam a relacao com um dado objeto; epor que 0outro e tendencialmente concebido como urn participante queajuda, partilha, guia, cria suportes, estabelece pontes etc.

    Como ja temos discutido (Goes, no prelo), parece-nos que issoacontece porque a relacao entre sujeitos , no conhecimento de objetos,pode estar sendo pensada de urn modo uniforrne e atrelado aocontexteescolar, por meio de urn certo olhar idealizado sobre esse contexte. Ecabe notar que essa visao tende a ser tomada como referencia para 0exame de outras situacoes, nao-escolares, em que a crianca constroiconhecime~!os com a mae au com outros adultos. Daf decorre a inter-pretacao segundo a qual 0 conhecimento consist ir ia, em geraI, de urnfuncicnamcnto intcrsubjetivo prototipico, predominantemente harmo-nioso; e de que 0 outre teria urn papel homogeneo e, em essencia,"pedagogico", Entretanto, mesmo na sala de aula, 0conhecimento pare-ce acontecer tanto em acordo quanta em desacordo com ascaracterfst i-cas uniforrnes, esperadas ou idealizadas das relacoes entre sujeitos.

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    o que queremos salientar e que esquernas generalizantes deanalise do funcionamento intersubjetivo, em interpretacoes do "rno-delo SSO", podem desconsiderar especif icidades de circunstanciasinterativas concretas e de contextos ins ti tucionais concretes, com 0risco de serern reduzidas a dinamicidade e a cornplcxidade da partici-pacao do outro no processo de conhecimento.

    Essas quest6es nos remetem, tambern, a abordagem da rnediacaosocial do conhecimento nas referencias ao conceito de desenvolvimentoproximal, 0qual tern recebido especial atencao no debate sabre implica-

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    Julgamos que essa teridencia interpretativa, apesar de trazercontribuicoes, nao e plenamente coerente com a tese de ccnst ituicaodo sujeito nas relacoes sociais - tese a qual a "zona de desenvolvi-mento proximal" csta, necessariarnente, subordinada. Se as relacoessociais sao dinarnicas, tcnsas, conflituosas au harrnoniosas, nao hapor que pensar urn funcionamento intersubjetivo prevalente, que im-plique apenas algumas dessas caracteristicas,

    Consideradas as divcrsas forrnulacoes que Vygotsky apresen-tou da ZDP, pareee-nos que ha urn teor mais ilustrativo na assercaosobre a "ajuda" do outro, sendo que a ideia central seria de umaparticipacao, de qualquer tipo, de outros nas exper iencias de aprendi-zagem e no dcsenvolvimento do individuo. Nesse sentido, entende-mas que 0interesse do autor nao estava orientado merarnente para aprescricao de mediacoes harmoniosas, de carater estritarnente peda-g6gico, e que a proposicao sobre 0desenvolvimento proximal, embo-ra ainda requeira ac1aramentos, tern valor heur ist ico para a expansaoteorica no estudo dos processes humanos. A nosso ver, como jasugerimos, 0 conceito faz parte de urn esforco para explicitar a teseda constituicao social dos processos individuals. Em termos rnaisespecificos, ele ccntribui para redefinir 0desenvolvimento psicologi-co como urn eurso dinamico e socialmcnte cons ti tuido de transforma-

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    HE DE GA AR D , M . (1990) "The zone of proximal development as basisfor instruction". In: LiC, Moll (arg.), Vygotsky and education.Cambridge: Cambridge University Press.

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    Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.YAROSHEVSKY, M. (1989) Lev Vygotsky. Moscou: Progress Publishers.

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    2ESBOC;O DE UMA PERSPECfIVATEORICO-METODOLOGICA NO ESTUDO DE

    PROCESSOS DE CONSTRUC;Ao DE CONHECIMENTO

    Ana Luiza Bustamante Smolka *

    I nt roduciioEm nossos projetos de pesquisa temos tematizado a questao da

    construcao do conhecimento numa perspectiva historico-cultural, assu-mindo 0 pressuposto de que QS processos psicologicos emergem relacio-nados aos modos de vida dos individuos em interacao, Isso implicaassumir a natureza social/semiotica da atividade mental, 0que demanda aproblematizacao de aspectos concementes aos processes de significacao,a questiio da linguagem e a constituicio da subjetividade.

    Universidade Estadual de Carnpinas, e-mail;[email protected] trabal ho contcu com 0a uxi lio d a F ape sp - Fu nd aca o d eA rnpa ro a Pes qu is a do Est ad ode Sao Paulo, e do Faep - Fundo de Apoic a Pesquisa/U nicarnp.

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    mailto:e-mail;[email protected]:e-mail;[email protected]
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    Com base no pressuposto explicitado destacamos como urn dosobjetivos primordiais da nossa investigacao identificar, analisar ediscutir a emergencia e 0 funcionamento cognitivo/discursivo emcri ancas pre-escolares, procurando caracterizar, na trama dos proces-sos enunciativos produzidos no contexto da instrucao formal, asrelacoes sociais/textuais e as condicoes de producao que os consti-tuem.

    Tomando como pontos de partida e referencia os construtosteor icos de mediacao serniotica (Vygotsky 1984; 1987) eo principiodialogico (Bakhtin 1981; 1984) - construtos que trazem irnbricadas,consistente e inextricavelmente, duas nococs fundamentais : a produ-

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    1 3 nessa linha de indagacoes que desenvolvemos aqui nossareflexao, Iniciamos por uma discussao do carater difuso do concei-to/concepcao de sujeito, pontuando aspectos da configuracao histori -co-cultural dessa concepcao.

    Concepcoes de sujeito: ApontamentosCornecamos pO I afirmar que a concepcao de "sujeito" nao e

    i inica nem homogenea. Sao divers as as ideias e nocoes que comp6emconcepcoes mais ou menas explici tas de "sujeito", as quais permeiamatualrnente asvar ias ciencias (tanto humanas quanta exatas e biol6gi-cas ...), e estao, de uma forma ou de outra, implicadas no sensacomum, nas praticas cotidianas.

    Canevacci (1987), ao editar e apresentar a coletanea de textosque compoem 0volume Dialetica do individuo, cementa que 0descn-volvimento hist6r ico-cul tural da humanidade apresenta-se como urncontraditorio processo de individual izacao, Numa breve analise dasrelacoes de producao, da relacao dos homens com a propriedade, dodesenvolvimento das sociedades urbanas, dos movirnentos de exclu-sao, ele vai esbocando a emcrgencia das individual idades aut6nomas:

    Instaura-se uma dialetica entre a autoconsciencia do indivfduo e aautoconsciencia social, que pennite ao indivfduo tomar conscienciade si tao-somente em relacao a urn outre indivfduo ... (1987, p. 9)

    Na dinamica transforrnacao his tori co-cultural, algumas condi-~6es "nao s6 deram ao individuo a tarefa de sua construcao, masfizeram surgir 0sujeito como sujeito individual" (Celes 1993, p. 178).E somente a part ir do Renascirnento que 0 termo individuo .assume 0signif icado de homem singular que

    s e d ifer encia dos intere ss es e das rnetas a lheias, f az -s e subs tanc ia cms i mesrno, ins taura como norma sua propria au toconser vacao e SCIlproprio desenvolvimento. (Canevacci 1987, p. 9)

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    . Subjacente, a ideia de homemcomo valor, ser moral, ser livre,mdependente, aut6nomo. E, no entanto, nao uno ou uniforme, masapresentado em uma miriade de aspectos, nuan

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    1!I~li~~II

    subrnete-lo a ideologia, a lingnagem, ao inconsciente~ Desse desloca-mento e dessa problematizac.;ao emergem as reflexoes e propostasteoricas de Foucault, Althusser, Lacan, Derrida,_ entre out~~s, conten-do afirmacoes como: ~O homern e uma invencao reeentc. ~Fou~ault1981 p. 403)' "'A evidencia de que voce e en som_o~s ujeitos e .~~'. , '. - 1983 94)- "0 sujeito se constituiefeito ideologico" (Althusser , p. ,como tal no campo do (desejo do) Outre ... " (Lacan 1978).

    Concepcoes de sujeito no escopo dapsicologia:A contribuicao de Vygotsky

    o modele de suj eito que tem predominado no ambit~ da ~sico-f ~ . nocoes de identidadelogia condensa aspectos de auto-re ercncla, . _pessoal , objetivos e intencoes de conduta, 0qu~ confl~u~a .uma ~m~~t . ti nte enraizada nas concepcoes SUbjetlvlstas/mdlgem carac ens icame . ,. 1t . svidualistas, produzida nas c?n~i~6es hlstOI1CO-CU ura~anteriorrnente referidas. 0 sujeito mdlvldual- agente, yens ante

    em sua unidade em seu funcionamento autonomo, tern t l.dodestaqu1e, , r a psicclogia em crerae rimazia em termos teoncos e empHIC?S,. n . _. e o > 'l~ral e mult ifacetada: de tradicao assoclaclomsta au Ideahs~a, fun~

    ~ionalista ou construtivista; da personalidade; do desenVOlv!m~nt~,enetica: cognitiva etc. No entanto, se esse "sujeito". da P~lCOogra

    ~em sid; caracterizado em sua unicidade e homogenel.dade. internas,ele apresenta nuancas e distincoes impo~tant~~ numa dlVerSlda~e do~modelos, e nao merece ser reduzido e simplificado nas suas di eren

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    do numa 16gica irnanente, inatista au construtivista, que impli~a o~nao uma consciencia -, na tentativa de elaborar esquernas expl icat i-vas cada vez mais gerais , que deem conta do sujei to do conhecimentoe de suas acoes, sabra sempre alga que desregula, que niio se conse-gue forrnalizar. A psicalogia tern sistematicamente ,ignar~d~ e dcscar-tado aquila que des r egula e, nisso, acaba tambem e.lm:mando doescopo de silas analises 0que destaca, dist ingue e const itui (os modosde agir e pensar do) 0hornem: a linguagem, a cultura.

    Aqui se encontra a contribuicao espec~fi~a ~e Vygo~sky, . quenos fala do hornem produzido nas relacoes SOCIalS, SItuado hlston~~ eculturalmente, definido pela ernergencia do signo e par urna conscien-cia que se caracteriza pela natureza semiotics, forjada necessariamen-te na e pela l inguagem.

    o "sujeito" (cognit ive) de que nos fala Vygotsky e eminente-mente serniotico, cultural, constituido nas relacoes com os outros. Ese Vygotsky se preocupa sobrctudo com a questjio do controle e ~avontade - que configura 0 sujeito uno, homoEieneo. (poderos? e taocriticado) da psicologia -, ele aponta .para a diversidade e. a m~om-plctude desse sujei to numa construcao sui generis I que implica alinguagem. 0 "sujeito" na perspe.ctlva de V~gotsky.s? pode ser com-preendido na sua relacao com 0signo e, rnais especlfIcaI.ne~t~, com alinguagem. Para cornpreender alguns aspectos d~ const:tmo;:ao desse"sujeito", vale comentar hrevemente a concepc;.:ao de l1nguagem naproposta vygotskiana.

    Linguagem e sujeito: Algumas consideraqi5esEstudos que assumem a perspect iva hist6rico-cul tur~1 e consi-

    deram 0 papel do signo/palavra na consti tuicao do funcicnamentomental, geralmenle, derivam das forrnulacoes de Vygolsky da concep-c;.:aode linguagem como inslrumento.

    Nos desdobramentos dessas formulacoes, no entanta, ternosvisto que essa forma de conceber a linguagem - como instrumento_ corre 0risco de negligenciar 0aspecto constitutivo, que transpare-ce em afirmacoes de Vygotsky tais como:

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    . .. a ss im como a int erac ao soci al e impassive! scm 0 signa, e tambernimpassive ] sern a s ign if ic ado . .. A int erac ao soc ial p re ssupoe a gene-ral izaao e0desenvol v imento do signi ficado verba I ; a gene t al izaaot orna -se possfve l sornent e com 0desenvolvimento da interacao so-cial. (Vygotsky 1987, p.48)Do nosso ponto de vista, as elaboracces de Vygotsky vao alern

    da questao instrumental. Anunciarn outras possibilidades de concebera linguagem, 0que traz para 0centro das discuss6es a questao do seucarater cons ti tutive. 0 carater cons ti tutive da palavra vai adquirindorelevancia para Vygotsky e e problematizado no ultimo capitulo dePensamento e linguagem, quando ele explora as relacoes entre pensa-mento e linguagem e indaga, por exemplo: "0 que distirigue a palavrade outros objetos? Como a palavra representa as objetos na conscien-cia? 0 que faz da palavra uma palavra?" (Vygotsky 1987, p. 247).

    Perguntarnos, entao: 0 que diferencia a linguagem de outrosinstrumentos? 0 que diferencia a linguagem de outras acoes? E ainda:Encontramos resposta para isso no proprio Vygotsky ou temos de sairdo escopo de seus trabalhos para elaborar solucoes (ou outras propo-sicoes)? 0 que significa ou em que consiste 0 carater "constitutive"da linguagem?

    Se os pressupostos de natureza marxista sustentarn a proposi-

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    o que e 0 bornern? Para Hegel, eJe e urn sujeito 1,ogico. Para Pavl~v,6 l im soma , urn organi smo. Par a nos, 0 homcm e urna pessoa. s?clal= urn agregado de relacoes sociai s, corpori fi cado num indiv iduo.(Vygotsky 1989, p. 66)Para a hornem, pessoa social, "6 impassive! relacionar-se direta-

    mente consigo rnesrno. Indiretamente 6 possivel" (ibid.). Esse "indireta-mente" pressup6e 0signo, 0Dutro,a dimensao social. Suas concepr;;~esdasrelacoes signo/palavra/pessca (ele nao usa a termo "suj~ito") aproxlm~~-se dauma visao benvenistiana (Benveniste 1976) - a lmguagem possibi-lita e instaura a subjetividade, a reflexividade.

    Podernos depreender dar uma concepcao de homem nao como(sujeito) uno, mas (pelo menos) duplo, na Iuta/tensao constante ~social, mental ~ entre autonornia/submissao; hornern capaz de, cxpe-rienciando e condensando divers as posicoes/papeis sociais, contralar(0 outro, a si pr6prio) e resistir, Nessa concepcao, 0 hornern nao es irnplesmente produto das circunstancias, mas (agente que) t~a~sfor-rna as circunstancias e se transforma (se produz) nessa atividade,Hoje, de maneira talvez rnais pertiuente, dizemos que .0 hornernproduz l inguagem e se produz simultaneamente na/peIa lmgu.agem.Nesse trabalho social e simb6lieo de producao de signos e sentidos, al inguagem nao e 56 meio e modo de (inter/operjacao, 6 tarnbemproduto hist6rico, objetivado; e constitutiva/constituidora do homemcomo sujeito da e na linguagem (Smolka, no prelo).

    Processos discursivos: Ideologia, conhecimento, subjetividadeo estudo de processos de construcao do conhecime.nt.o n? con-texto institucional de educacao formal levou-nos a privilegiar as

    process os discursivos e rerneteu-nos, particul~rmeiIte, a ~ndagar;;6essabre ideologia e subjetividade: sobre ideologia, na medida em quel idamos com ideias, nocoes, concepcoes produzidas e trabalhadas nadinarnica hist6rico-cultural, que supoe necessariarnente a linguagem;sabre subjetividade, porque lid amos com relacoes de ensino quecircunscrevem e prornovem sujeitos individuals , que falam, pensam,agem, aprendem, conhecem, optam, decidern, resistem . ..

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    As discuss6es sobre concepcoes desujeito e l inguagem aborda-das anteriormente trazern embutidasimportantes quest6es metodo16-gicas, relacionadas aspossibilida-des de investigacao dos processos deelaboracao do conhecimento. Assumir teoricamente essa condicao dohornem, que contraditoriamente se constitui/e constituido suj eitona/pela linguagem, e somente pela linguagem conhece a mundo e se(re)conhecc, tem implicacoes que merecern consideracao especia1.

    Retomando e resumindo as colocacoes poder iamos perguntar:Como se coadunam ou podern se coadunar concepcoes diferenciadasde sujei to, au seja, uma concepcao (em psicologia, em Iinguist ica, porexemplo) que remete ao individuo em sua unicidade, em seu dominice em sua autonornia, dono de seupensar, de seu agir, de seu dizer, euma concepcao (na analise de discurso, na psicanalise, par exemplo)que desaloja esse sujeito individual e instaura uma outra forma depensar 0 sujeito - como Ingar teorico, como funcao - inescapavel-mente submetido ao inconsciente, a linguagem, a ideologia? E possf-vel trab alh ar teoricamente na articulacao dessas contribuig6esteoricas? Como pensar, pois, as relacoes discurso/sujeito/conheci-mento no irnbricamento dess~s concepcoes?

    Se a ideia de nm sujeito autonorno e dono de si, origem de seudizer e de seu saber, torna-se cada vez menos sustentavel, a negacaoradical da ideia de(sse) sujeito leva a uma ontologizao:;ao das estrutu-ras (sociais, l ingii fst icas) , que acabam aparecendo como real idadesautonornas.

    Para nos, 0 importante 6 pensar 0 movirnento dinamico deconstituicao que envolve e faz emergir sujeito/discurso/conhecimen-to/seritido, 0 que implica considerar a dirnensao histor ico-cul tural _que tern lugar somente no terreno interindividual - e indagar sobresuas condicoes de producao,

    Para efeitos deproblernat izacao, tomamos como base ernpfr i-ca urn material gravado em video em sala de aula, destacando umainstancia de interlocucao registrada quando de uma atividade cole-tiva conduzida pela professora na pre-escola. Varies aspectos dessarncsrna instancia foram analisados anteriormente (Smolka et al.1994). Naquele momento, priorizamos os modos de configuracao de

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    1IIIi~!~I!

    objetos de conhecimento e a composicao dinamica de "sujeitos" e"outros" no jogo de imagens, posicoes e referencias. Agora, conti-nuamos a explorar multiplas possibilidades de analise, buscandoarticular as dirnensoes pragmatica e ideol6gica na interpretacao doacontecimcnto discursive. Vamos nos deter em urn fragmento dadinamica interlocutiva que propicia, de maneira exemplar, umadiscussao sabre as quest6es aqui tematizadas -linguagem/sujeito,ideolo gia/su bjetividade.

    E 31 de marco, vespera de 1Q de abril, dia da mentira. Profes-sora e criancas estao sentadas no chao, cm roda, e conversarnsobrea mentira, a partir de uma manchete de jornal. Recorta-mos para analise a seguinte sequencia:7. Prof": Agora, eu vou perguntar pra cada urn, os outros

    escutam. Eu queria saber do Felipe a que e uma mentira.8. Feli: ... e que tern uma piscina, a ouiro [ala que num tern. ..9. Prof": All! Quando voce [ala que tern uma piscina, 0 outro

    diz que voce niio tern? Quem estd mentindo, voce au 0outro ?10. Fern: 0Dutro!

    11. ProF': 0 Dutra? Par que? Voce tern uma pisclnal ?12. Fel i: (balanca afirmativamente a cabeca)13. Prof'': Voce alguma vez [alau alguma mentira?14. Feb: (balanca negativamente a cabeca)15. Prot": Nunca?16. Fel i: (balanca negativamente a cabeca)17. Prof'': U e, aqui no jomal ui escrit o que todo mundo ja

    mentiu!18. Criancas reagem: Eu niio! Eu niio! Eu nao!

    Cornecarnos par destacar 0modo de enunciar da professora(turn a 7), que instaura e conduz, de determinada maneira, 0processode interlocucao. Aqui podemos identi ficar , no espaco inst itucional ,urn modo de operar da ideologia. Nessa inter locucao, "a voz de cadaurn" aparece como valor: e importante que cada urn diga a que pensa ,o que circunscreve e realca a nocao de sujei to indiv idual, distinto dos

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    outros: Felipe nao e Fernando, nao e Carlos nao e Paulo nao e Joana.r '"nao e Poliana ... E importante que ele (e cada urn) , como "sujeito",

    saiba (aprenda a) colocar-se, definir, conceituar, Seu "dizer" e tornadocomo indicador de sua capacidade, de seu aprendizado, de seu conhe-cimento.

    o t rabalho pedag6gico se delineia , assirn, na di recao da indiv i-dualizacao, e aparece com uma intencional idade ideologicamenteconfigurada. Pedagogicarnentc, trabalha-se conhecirnentos concei-,tuacoes e valores hist6rica e coletivarnente produzidos, Mas se 0conceito de mentira e colocado em evidencia e discussao, 0que dizemau podem dizer as sujeitos , individualmente, nessa situacao? QuaisSao as condicoes de possibilidade do dizer ou como 0 dizer deprofessora e alunos se inscreve no au se dist inguem dohistoricarnenteestabilizado, "ja dito"?

    No encaminhamento de quest6es como essas, e interessanteexplorar, nos tUTTIOS7/18, a intrincada relacao sujeito/discurso/co-nhecimento. Diante do lugar de autoridade da professora, de suamencao/rernissao a urna voz de autoridade inscrita na escrita dojornal, e da afirrnacao de que "todo mundo ja mentiu", as criancasreagem, enunciando enfat icamente "eu nao",

    Uma primeira aproximacao pode ser inicialmente delineadacom base em urn comentario de Ducrot sobre Da subjetividade nalinguagem, de Benveniste:

    o que is digno de observacao no pronorne "eu" nao e somcnte 0 fatode cons tit ui r e le u rn meio abrevi ado para falar da genre rnesmo; esobretudo 0 [ato de que obriga aquele que Iala a designar-se com amesrna palavra que seu interlocutor tambern uti liza ra para designar asi rnesmo. 0ernprego dO,"eu" const itui , portanto, urn aprendizado eurn exercfcio cons tan te da reclprocidade . .. E isso que Benvenisteresume quandod iz que o s p ronomes pessoa is ma rcarn, no int er io r daprop ri a l ingua, a presenc e da int er subj eti vidade. (1983, p. 11)

    Mas nao e s6 isso que se apresenta para analise no contexte denossas discussoes. Se 0dizer "eu" ja traz inscrita a intersubjetividade(ponto, a lias , cri ticavel em Benveniste, dada a autonomia atribuida ao

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    sujeito na Iinguagern), podemos apontar que as criancas nao 56enun-ciam "cu", sendo capazes, ao mesmo tempo, de auto-referencia e dereciprocidade, mas aparecem como micleos de resistencia explicita:"eu nao" (minto) demarca urn espas_:o simbolico e configura urnsujeito que expl icitamente se opoe a outros; alern disso, "eu nao" trazimplicito como pre-construido 0 conhecimento de uma norma naoenunciada no momenta, mas contida e afirmada na possibilidademesma de Sua contestacao.

    Essa resistencia explicita delineia carater dramatico da enun-ciacao: 0pr6prio movimento de circunscricao e resistencia do sujeito,na/pela l inguagem, insere-se no "conjunto de regras anonimas" (Fou-cault 1986), deixando ecoar uma voz generalizada, normativa, estabi-lizada. au seja, ao pretender se dist inguir, na sua individualidade, de"todo mundo (que) ja mentiu", ascriancas se indistinguern, na medidaem que reiteram, quase que em unissono, uma mesrna voz que pres-creve e homogeniza normas de conduta na cultura, e que diz que naose deve mentir, Urn modo depreservacao, de manutencao - dosujeito e da norma - diante da (possibilidade de) transgressao;movimento de tensao e interconsti~ui

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    3MULTIPLICIDADE E ESTABILTZA~AO DOS SENTIDOS NA

    DINAMICA INTERATlVA: A CONVENCIONALIZAC;AoDAS PRIMEIRAS PALAVRAS DA CRIAN

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    Ii1l

    se produzem, num movimento em que suas palavras se tornam grada-tivarnente convencionais.

    E esse processo de convencionalizacao das primeiras palavras dacrianca - que envolve a interpretacao do adulto e a apropriacao pelacrianca das significacoes sociais - que enfocarernos neste texto, com baseem urn conjunto de quatro epis6dios tornados aqui como instancias para aanalise da producao de sentido na dinamica interativa,

    Esses epis6dios foram recortados do registro em video de mo-mentos da retina de urn bercario de creche frequentado por 25 crian-!).:asde 9 a 18 rneses, atendidas par nove adul tos, do sexo feminino ,dos quais aper ias cinco au seis estavam efetivamente presentes , emvirtude de escalas de folgas, Ierias au faltas eventuais,

    No registro em video, focalizamos preferencialmente intera-' loes adultos-criancas envolvendo mul tiples parceiros e nao apenasdiades. Para captar essas interacoes, optamos por manter urn registrocontinuo da dinamica de adultos e criancas, em sua retina, durantesessoes de aproximadamente 40 minutes .

    o processo de recorte e anali se dos epis6dios foi rnetodologi-carnente orientado pelos principios da analise microgenetica, queperrnite a descricao e a interpretacao de deta lhes refinados da dinami-ca in tera tiva, v iabi lizando nosso prop6sito de identi ficar indic ios daapropriacao pela crianca de significacoes socia lrnente estabi lizadas ede sua relacao com a organizacao da propria experiencia em umamatr iz cultural.

    Episodic 1Marina esta t rocando Natal ia (15m; 4d) e coloca-a sentadasabre 0 trocador,Natalia: A bua! A bua! (olhando para 0 lado).Marina: Sua burra e ace! (Natalia inclina 0corpo para a Iado epcga 0 pente que esta sabre 0 troeador.) Eu niio sou burra. Cee burra? (Natalia vira-se para Marina.) C e tambem niio Iiburra, ce e inteligente!Natalia ri, olhando para a rosto de Marina.Marina: Voce e inteligente! Voce niio e burra!

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    ._

    Episodlo 2A~ criancas estiio,s~ntadas nos caqeiroes, esperando para scrernalimentadas, Natalia (15m; 4d) olha para os lados e mexe-se nacadeira.Natalia (enquaoto movimenta lent amcnte a cabeca ciaesquerdapara a direi ta, diri gindo scu olhar para a alto): Bua! Buuaa!Bu...Sara (voz): Natalia! Natalia! Niio pode falar assim viu Nata-lia? Sua mae ficou brava com voce outro dia. "Natalia fica parada com a mao na boca.

    Episodic 3Elizandra esta trocando Natalia (15m; 7d) e, ao lado, Sara falacom Tamara (12m; 24d).Sara: = 0 dente? (olhando para Tamara) Deixa eu ver(examinado a boca de Tamara). Ih! Rasgou mais urn!Elizandra:A Bia que td maus, hein?Sara: Ai, tadinha!Marina (que esta trocando outra crianca): Precisa passar nene-dente.Elizandra (para Natalia): Chama a Bia.Natalia: Bua!Elizandra: Bia!

    Episodic 4Bernadete esta com as criancas no salao.Bernadele; (...) Cade a Bia? Cade a Bia?Raq,u~115m; lad) olha em direcao a Bia (15m; lad).Natalia (15m; 13d): Bua! Bua! (batendo uma palma).

    Em cada urn desses quatro pequenos epis6dios, urn mesmo somemitido por Natalia recebe uma interpretacao diferente feita paradultos diferentes. '

    ~o primeiro, enquanto fala , Nata lia o lha para 0 lado, aparente-mente interessada no pente, que ela pega logo a seguir . Marina at ribuia sua fala 0 sentido deuma of e ns a" (sua burr a), a qual respondeprontamente, retrucando "sua burra e ore!".

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    No segundo, Natalia parece exercitar 0 sam: movimenta acabeca scm olhar para pessoa ou objcto deterrninado; modifica aentcnacao e a duracao do SOO1, alongando sua ernissao. Sara interrom-pe-a com uma repreensao e sua fala traz implicito 0 sentido queatribui a fala de Natalia.

    No epis6dio seguinte, a mesrna fala de Natalia ccorre em umasi tuacao em que Sara, El izandra e Marina conversant sabre uma outracrianca - a B1a. Elizandra dirige-se a Natalia, dizendo "chama aBia", ao que ela responde "bua". A fala da crianca e, nesse episodic,interpretada, aceita e confirmada como urna resposta a enunciacaoanterior de Elizandra.

    No ultimo epis6dio, Natalia diz "bua" numa situacao em que,novamente, urn adulto refere-se a Bia, mas sua fala nao chega a serreiterada ou explicitamente interprctada pelo adulto.

    Pode-se notar que, nos dais ultimos epis6dios, Marina e Saraparecem atr ibuir a mesmo significado a fala de Natalia. No entanto,Sara a repreende, ao passo que Marina the responde tomando a falade Natalia como sendo dirigida e referindo-se a ela.

    A semelhanca sonora entre "bua" e "burra" parece servir desuporte para a interpretacao dos adul tos, ao passo que outros elemen-tos da situacao sao aparentemente ignorados. Na primeira situacao,Natal ia olha para 0 pente e nao para Marina. Na segunda, seu olharnao se dirige a ninguem (nem a urn objeto especifico) e nao ha outroselementos que pudessem sus ten tar a cornpreensao de sua fala como"burra",

    No terceiro epis6dio, tambem ha uma sernelhanca sonora entre. a fala de Natalia e 0nome Bia. Mas, alem disso, sua fala ocorre emuma situacao de resposta a fala do adulto. Aqui a sernelhanca sonorapode ter provocado a resposta de Natalia, enquanto a interpretacao deElizandra parece articular essa semelhanca ao contexte de suas pr6-prias falas anteriores. E interessante notar que Sara e Marina (part ici-pantes dos epis6dios anteriores) tambern estao presentes nessasituacao, mas nao chegam a interpretar a fala de Natalia.

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    No ultimo episodic, novamente Natalia parece rclacionar ossons "bia" e "bua". Sua fala aparece como uma replica a pcrgunta"Cade a Bia?" e, nessa medida, apesar de nao ter sido relcvada peIoadulto, configura-se como uma fala signif icat iva.

    Pode-se notar que, em cada um desses momentos, a producaovocal da crianca e destacada e delineada pelo adulto (au em relacaoa sua fala anterior), com base em contextos significativos distintos.

    No primeiro momento, ernbora tornado como urna "of ens a","bua" e algo que pode ser dito, repetido e replicado. 0 aduItoassume 0lugar daque le a quem a fala da crianca se dirige e e a partirdai que responde, atribuindo-Ihe urn sentido determinado. Inicial-mente, 0 adulto "devolve a of ens a " a crianca, art iculando suasenunciacoes no terreno do desacordo com a fala da crianca. Emseguida, 0adulto parece assumir uma outra posicao (possivelmenterelacionada ao lugar social de quem educa a crianca), da qual parecetentar reparar sua replica "ofens iva", desdizendo-a.

    No segundo momenta, 0mesmo som 6 algo que nao pode serdito. 0 adulto nao assume a fala da crianca como sendo dirigida aele e parece compreende-Ia a partir de algum cornentario anterior damae da crianca. Sua resposta parece ser articulada do lugar daqueleque deve corrigir, orientar, regular 0 que e dito pela crianca, Aqui,a oposicao - diferenternente do momenta anterior - nao e emrelacao ao que a crianca diz, mas ao fate de dize-Io.

    Nos dais ultimos mementos, a producao vocal da criancaassume urna s ignificacao totalrnente dist inta dos mementos anter io-res, na medida em que se articula ao contexte do anteriormente ditopelo adulto. E interessante destacar que, ness as duas situacoes, epossivel ler indicios de modos de participacao ativa da crianca naproducao de sentidos, pois 0 estatuto de replica/resposta a fal a doadulto implica a configuracao de sua producao vocal como falasignifi ca ti va.

    Esse conjunto de mementos dis tintos cvidericia a nao-Iineari-dade da producao de sentidos. Embora articulados, seja pela inter-pretacao do adulto au pela resposta da cnanc;a, que indica uma

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    possivel relacao entre os sons "bia" e "bua", em cada urn deles ossentidos da producao vocal da crianca sao determinados por dife-rentes contextos significativos.

    A interpretacdo das producoes vocais da crianca pelo adul toOs modos de proceder a interpretacao da fala da crianca pare-

    cern indicar que as aduItos assumem urna determinada orientacao emrelacao a eIa, com base em elementos exteriores a si tuacao atual. Aarticulacao palavra-situacao concreta nao e suficiente para explicar 0modo como se opera a interpretacao do adulto, ja que a propriasituacao e sempre interpretada. A interpretacao envolve urn modo deolhar, uma orientacao determinada em relacao a situacao. Os aspectosque sao ou nao relevados parecem ser determinados pelo contextesignificative a partir do qual a adulto compreende a producao vocalda crianca,

    De acordo com Bakhtin, apaIavra do outro - ao ser compreen-dida - suscita sempre uma resposta (au atitude responsiva) em seuinterlocutor , resposta essa que a introduz em urn novo contexto.

    Todo ala de cornpreensao e uma resposta, na medida ern que introduzo obj eto da compreensao num novo cont ex to - a contexte potencialda resposta, (Bakhtin 1990, p. 94)

    Assim, ao responder a fala da crianca, 0adulto a circunscreve,com base em urn dado contexto que determina sua compreensao/ in-terpretacao e, portanto, 0proprio sentido dessa fala.

    Hi, nas enunciacoes dos adultos, elementos que possivelmentese l igam a experiencias anteriores com a linguagem infant il , a valoressociais relacionados a deterrninadas palavras, a outras situacoes ediscursos, aos lugares sociais que ocupam. Dito de outre modo, asenunciacoes do adulto parecern articular outras si tuacoes, outros dis-curses, outras vozes ao incorporar perspect ivas diversas e cultural-mente deterrninadas em relacao a palavra da crianca,52

    ..1

    De aeordo com Bakhtin, essa articulacao de vozes, de perspec-tivas constitui urn aspecto essencial de tada enunciacao, Ele afirrnaque:

    Enunci acoe s nao sao ind if eren tes umas as out ras , e uao sao auto- sa-ficientes ; elas sao cons cientes urna da outra e refletern-se uma naoutra , Essa reflexao mutua determina seu cad. Icc . Cads enunciacso eocupada corn e co s e reve rbcracoes de out ra s enunci acoes as quais cl acsta relacionada par uma esfera comum de comunicacao falada.(Bakhtin 1987, p. 91)

    Ou seja, para Bakhtin, a significacao de urna enunciacao esernpre de!erminada pela sua interacao com outras vozes (Wertsch1985b), e s6 pade ser compreendida com base em outras enunciacoesconcretas sobre 0 mesmo lema, de urn conjunto corist ituido deopini6es, pontos de vista e julgamentos de valores (Bakhtin 1987).Esse conjunto constitui 0 contexto de tada enunciacao, ja que, deacordo com suas concepcoes, a ideia de contexte refere-se nao apenasas situacoes concretas, mas principalmente a perspectiva dos interIo-cutores , ao contexto discursivo e ideologico das enunciacoes, Assirn,a possibil idade de compreensao da fala da crianca, a partir de contex-tos discursivos determinados, e 0 que parece sustentar a interpretacaodo adulto.

    Nessa perspectiva, pode-se discutir a concepcao de Vygotskyde que as primeiras palavras da crianca "coincidem" com as do adultoem termos de referente e de que essa "coincidencia" e 0que garantea possibi lidade de inter locucao (1989, p. 52). Ele procura dernonstrarque, quando a crianca comeca a falar, as palavras ainda nao tern paraela os mesmos significados que na Iinguagem adulta; ou seja, que elaainda nao se apropriou dos significados socialmente convencionais eque essa apropriacao se fara apenas par meio da interacao verbal como adulto, '

    No entanto, nossas analises tern apontado que essa "coinciden-cia" (se e que pode ser chamada assim) nao preexiste ao movimentode producao das significacoes que acontece nas dinamicas interativas,ja que, em nossa perspectiva, a interpretacao do adulto envolve a

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    circunscricao, 0 recorte da fala da crianca, com base em ur n contextodeterminado, e e esse movimento que parece fazer com que a palavrado adul to e da crianca acabem por "coincidir" .

    o problema da apropriaciio dos significadoscon vencionais pela crianca

    Uma vez que, para Vygotsky, a evolucao do significado dapalavra ocorre no processo de interacao verbal e que este primeiroexiste para os outros antes de existir para a crianca, podemos consi-derar que a interpretacao das producoes vocais da cr ianca pelo adulto,com base em contextos significativos determinados, e fundamental noprocesso de apropriacao dos significados socialmente convencionais.

    A questao que aqui se coloca diz respeito ao problema de comoa crianca chega a se apropriar dos signif icados socialmente conven-cionais, considerando-se a multiplicidade de sentidos que sua falaassume em virtude dos diferentes contextos em que se insere.

    . Para Bakhtin,a palavra da lingua e u rna pa lav ra serni -al he ia. E la s o sc lo rna"p ropr i a" quando 0 falan te a po vo a com sua intencao, com seuacento, quando a domina pelo d iscu rso, t orna -a famil iar com a suaorientacao sernant ica e expressive, Ate 0momento em que foi a pro-priado, 0d iscu rso nao se encon tr a em uma l fngua neu tr a e i rnpessoal(pois nao e do d icion~r io que el e e tornado pelo falante l) , e le esta nosl ab ios de out re rn , nos con textos de ou tr em e a servi ce das int cncoesde outr ern: e e hi que e prec iso que e le sej a i so la do e fei to propr i o .(1987 , p . 100)

    Tal concepcao aproxirna-se das formulacoes de Vygotsky, se-gundo as quais

    as c r i ancas na o selecionam 0significado de u rn a p al av ra . E s te I ll es edado no process o de interacs o ver bal com os adultos ... Em geral, ascr ia nca s nao c ri am sua propria Iala; e las dominarn a fala existentedes adu lt os que as rode i am . (V y gotsky, apud Wer tsch 1985 a ,p . 107)

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    Pode-se considerar, com base em tais afirmacoes, que, do mes-rna modo como a crianca nao inventa as palavras e seus significados,ela tambern nao tern acesso direto aos significados socialmente con-vencionais, E apenas pela relacao com a fala do outro, em situacoesconcretas de interlocucao, que a crianca se apropr ia gradativamentedas palavras - que, inicialrnente, sao sempre palavras do outro,

    Se essa apropriacao ocorre em situacoes de interlccucao, elacnvolve necessariamente relacoes entre a multiplicidade de sentidosque ai se produzem e os significados social mente convencionais,Nesse sentido, poderiamos, parafraseando Bakhtin, indagar como,baseada da polis semi a da palavra, a crianca chega a apreender suaunicidade.

    Para Vygotsky, e no interior de processos de interacao verbalcom as adultos que as palavras da crianca evoluern na direcao dossignificados socialrnente estabilizados, Essa ideia se relaciona direta-mente com a sua concepcao sabre 0 significado da palavra como-unidade de interacao social e generalizacao, como se pode notar emuma passagem de seu texto sobre a formacao de conceitos:

    ... a palavr a s erve como ur n meio de interacao e cor nprcensao entre ac ri anca e 0 adu lt o . .. 6 e sse a spec to funcional da pa lav ra que conduza emc rgenci a de u rn s ign if ic ado def inido e ao des ti ne f in al d apal av racomo portadora de urn conceito ... sern esse aspecto funcicnal dacornp re cn sao mutua , nenhum complexo sono ro pode torna r- se s igni -ficativo, nenhurn conceito pode surgir, (1987, p. 145)

    Tambern para Bakhtin, os processos de interacao verbal saofundarnentais na apropr iacao dos significados social mente conven-cionais pela crianca, -A crianca assirnila a lingua materna por urnprocesso de integracao progressiva na comunicacao verbal, em querrniltiplas significacces - efeitos da interacao social- se produzemcom base em condicoes concretas de interlocucao. Mas e nesse mes-mo processo de comunicacao verbal que deterrninadas significacoesse estabilizarn segundo as Linhas basicas de utilizacao tematica deuma dada palavra pelo grupo cultural em que a crianca se insere.

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    Vygotsky considera ainda que, no inicio do processo de aquisi-

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    Assim, se a estabihzacao das significacoes se faz no contextodas enunciacoes e se os contextos nao estao simplesmente justapos-tos, pode-se dizer que a apreensao dos significados convencionaispela crianca nao pode ser tomada como urn processo de descontextua-lizacao, mas parece supor interacao , conflito e contradicao entrecontextos.

    o que, entao, pode ser compreendido par "estabilizacao dassignificacoes"?

    Ja afirmamos que, para Bakhtin, as significacoes estabil izam-sc segundo as I inhas basicas de utilizacao ternatica da palavra e que,para Vygotsky, os significados das palavras da crianca evoluem deacordo com os significados da l inguagem adulta.

    Se considerarrnos que, para Bakhtin, a tema 6 "urn sistema des ignos dinamico e cornplexo, que procura se adaptar adequadamenteas condicoes de urn dado momenta da evolucao" (1990, p. 129), aideia de "l inhas basicas de utilizacao ternatica" parece irnplicar aexistencia de contextos possfveis para a utilizacao apropriada dapalavra. Ao discutir a modo de apreensao das formas Iinguisticaspelos falantes, ele afi rma que:

    o que impor ta nao e 0 aspecto da forma J ingu lst ica que , em qua lquercaso em que se ja u tl li zada, permanece sempre iden tico . Nao; para 0locutor a que irnporta e aqui la que perrn it e que a forma I ing ii fst icafigure num dado contexto, aqui lo que a torna urn signo adcquado ascondicocs de uma situacao concreta dada. Para 0 Jocutor , a formal ingu ist ica nao ter n importancia como s inal e stavel e sempre igual as i mcsmo, mas somente cnquan to s igna var iavel e f lex lvel . (Bakhtin1 9 9 0 , p p . 9 2 - 9 3 )

    Em sua perspectiva, mes rno nas fases iniciais da aquisicao dalinguagem, a compreensao da palavra envolve a apreensao da orien-tacao que the e conferida pelo contexto. Isso porque, "na pratica vivada lingua, a consciencia ... nada tern a ver com urn sistema abstrato ...mas com a linguagem no sentido dos contextos possiveis de uso decada forma part icular" (Bakhtin 1990, p_95) .

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    Vygotsky, ao discutir a formacao .dos conceitos cientificos,afirma que as criancas adquirern novas conceitos sempre com base nocontexto lingufst ico geral. Para ilustrar/enfatizar esse ponto, ele serefere as experiencias de Tolstoi no ensino da linguagem literaria acriancas camponesas, inicialrnente por rneio da traducao deja paravocabularies mais pr6ximos da crianca. Vygotsky aponta que esseprocedimento, nas palavras do proprio Tolstoi, "6 tao impossivel eimit i l quanta ensinar uma crianca a andar apenas por meio das leis doequilibrio" (apud Vygotsky 1989, p. 72).

    Ao contrario,quando ela ouve ou Ie uma palavra desconhecida numa fra se , de re stocompreensivc l, e a Ie novamente em outra frase, corncca a ter urnaideia vaga do novo conceito: mais cedo ou mais tarde ela . .. sentira anecessidade de usar essa palavra - e uma vez que a tenha usado, apalavra e 0 conceito lhe pertencem. (id., ibid.)

    Assim, a apropriacao das palavras e dos significados social-mente convencionais pela crianca parece impJicar a apreensao de suarelacao com os contextos 'em que elas aparecem.

    Retomando Vygotsky c Bakhtin, podemos dcs tacar que 0modoapropr iado de util izacao da palavra 6 0 inicio do processo de evolucaodo significado e que, na apreensao de uma forma lingiiistica, a queimporta para a locutor e aquila que a torna adcquada as condicoes deuma dada situacio concreta,

    Em nossos dois primeiros epis6dios, em que a crianca diz"bua", seria possivel afirmar que ha uma certa adequacao de sua falaas condicces concretas de interlocucao, uma vez que a interpretacaodo adulto, ao. introduzir a fala da crianca em urn contexte discursivedcterminado, acaba par torna-Ia apropriada do ponto de vista social.No entanto, nesses episodios nao hi indicios de que a crianca tenhase apropriado das significacoes produzidas na interlocucao com 0adulto.

    No terceiro epis6dio podernos destacsr que a part icipacao ativada crianca na producao de sentidos parece indicar um infcio de

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    estabilizacao das significacoes. 0 estatuto de replica a enunciacao doadulto, que pode ser atribuido a fala dacrianca, irnplica urn movimen-to de apropriacao das s ignificacoes produzidas na inter locucao. Alerndisso, sua fala e aceita pelo adulto como pertinente, adequada aocontexto de sua enunciacao.

    Esse processo de estabilizacao pode ser confirmado em nossoultimo epis6dio, em que a fala da crianca - embora nao seja explici-tamentc interpretada pelo adulto - tambem emerge como fala signi-ficativa, ao configurar-se como uma respos ta a fala do outro.

    Logo, pode-se cons iderar que, nos dais i ilt imos episodios, haurn "esboco" de convencional izacao da palavra. Embora a producaovocal da crianca nao seja ainda rigorosamente convencional em suadimensao fone tica, ela pode ser interpretada como urn movimento deapropriacao pela crianca de significacoes socialmente estabilizadas.

    Poderfamos dizer, entao, que a ocorrencia de momentos deestabil izacao das s ignificacoes implica a apropriacao, pela crianca, deuma palavra que se ja adequada as condicoes concretas de interlocu-

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    4OREAL E 0 IMAGINARIO NO FAZ-DE-CONTA:QUESTOES SOBRE 0 BRINCAR NOCONTEXTO DA PRE-ESCOLA

    M. Silvia P.M.L. daRochaA teoria historico-cul tural, assim como outras diversas teorias

    psicologicas, considera 0jogo do faz-de-conta como uma atividadefundamental para 0 desenvolvimento psicol6gico da crianca, em es-pecial, na idade pre-escolar, Considera, ainda, que a pesquisa sobreessa atividade tern urn papel central nos esforcos para a compreensaodos sujeitos em seu percurso de desenvolvimento e humanizacao,

    L.S.Vygotsky, AN. Leontiev e D.B. Elkonin sao os pr incipaisautares dessa matriz psicologica que investigaram 0jogo, Seus traba-lhos, destacando a natureza plastica do cornportamento humano, or-ganizado em razao de condicoes historico-culturais, orientarn-se nosentido de entender e revelar como as formas sociais e, em especial,o que se disp6e como rccursos sernioticos afetam e permitem aconstrucao de pessoas, incluindo a constituicao de sua capacidade de

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    brincar, Esses autares trazern contribuicoes especificas e rcvoluciona-rias a forma de entender essa atividade, como vercmos a seguir.

    o papel do brincar no desenvolvimento infanti lA atividade ludica e ident ificada como espa

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    um impulso especifico, que chama de criativo; este permit~ria aosujei to reordenar os elementos extraidos da real idade, orgamzandonovas combinacoes. Ele ainda indica nesse trabal~o ~u:, ent~e 0n~ale 0 criativo (exprcsso em diversas atividades do individuo, incluin-do a hidica}, ocorrern relacoes e interpenetra~oes :onstante.s. C~modiz Kramer (1993), Vygotsky, negando a separacao entre imagina-~ ao e realidade,

    adverte para 0 fato de que, quando sc interpoe e~tre amba~ umaf ronte i ra imperie travel , deixa-se de perceber a f ll n ~a o : ss en c la l .d~-s ernpenhada pela imagina~ ao: eta se torna mere enf cite acessonoquando 15,na vcrdadc, vita lmente necessaria. (p. 87)Com base nessa ideia geral, e possive l salientar relacoes mais

    espcdficas entre 0real eo imaginario na at ividade do jog~ de faz-de-eonta, aprofundando sua caracterizat;ao e sua compreensao.

    A realidade e suas regras no Jaz-de-contao jogo de faz-de-conta e extensamente maread~ par regra~.

    Vygotsky, Leontiev e Elkonin mostram que o.mundo do Jogo tern leisprecisas, que sao reflexo das relacoes rears das pessoas com osabjetos das pessoas entre si e dos papeis que elas desempenham nocotidia~o. 0real penetra em cada u rna das categor~as ~ti.liza~as c.omounidades de analise da at ividade hidica: acoes simbolicas. objetossubstitutivos (ou, no sentido vygotskiano, objetos-pivo), desempenhode papeis e si tuacao imaginaria au tematica.

    No processo de escolha de objetos substitutivos e~is.t~ sempreurn criterio, uma exigencia par parte da crianca: a P~SSI?I.hdade deque eles permitam 0 gesto, a a

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    As tematicas do br incar, par sua vez, originarn-se tambem dareal idade que a crianca observa eion experimen:a em sua vida cot idia-na. Compoem-se, no jogo, de elementos seleclOn~dos par ela comoessenciais, com base em situacoes nao-representativas,

    Em relacao a cada urn dos elementos estrulurais do jogo, epossivel, portanto, identificar como a realidade, ,l~nge de ser limainstancia esquecida ou relegada a plano secundano, estabelece osparametres segundo os quais urn "faz-de-con~a'~ e passive!: as ~u~spossibilidades de verossimilhanca, Dessa ~xlgencla de Ver?SSlml-lhanca advern as regras que regulamentam 0_J0~o. Ocorre, parem: ~ueessas regras do faz-de-conta nao sao, na maiona das vezes, expl icitaseiou formais, sendo necessario urn trabalho de analise para re~o?~e-ce-las e ident if ica-las. 0 fato de nao serem explicitas tern possibi lita-do interpretacoes psicologicas que negam apar ticipacao do real nessaatividade, criando, assim, a tendencia de considera-la como resultadopuro de uma capacidade imaginat iva, que teria uma origem outra quenao a vivencia da realidade.

    o aurnento gradual de participacao da realidade no jogo provoca 0seu desenvol vimento. Inicialmente, a crianca representa pequenas parcelasda realidade: centra-se no desempenho de poucas acoes rudiment ares, quese repetem sem se articular; essa capacidade de repr_esentar.ar;;6e~vai sedesenvolvendo, e a crianca passa a representar aqoes mats vanadas eencadeadas (variacao e encadeamento ainda orientados pelo real). ~?ste-riormente, com a surgirnento da capacidade de desempenho.de papers, asacoes passam a se organizar em consequenc i a des tes: a cnanca tende adeixar de desempenhar apcnas acoe s fragment arias, e, em gera l , passa adesempenhar preferencialmente as acoes relacionadas ao papel que as~u-me. Finalmente, ela se toma capaz de construir tematicas, 0 que reorgamzaojogo emvaries sentidos: orienta os papeis assumidos, exige e incrementaa articulacao entre os companheiros dejogo, cuja participacao tende, cadavez mais,~a complementaridade; a introducao de tematicas favorece que acrianca perceba as relacoes entre os jogadores (ou s~ja, at~nte para essaoutra e sfe ra d o r eal) e fac ilita a o bje tiv ac ao das ar;;oes,a ju da nd o a suadirccao e subordinacao as regras de conduta. Esse processo reflete que.acrianca incorpore progressivamente a realidade de forma cada vez rnaiscompleta, mais integral, nessa atividade.

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    No descnvolvimento da capacidade de brincar ocorre a intensi-ficacao de processos como: a participacao de regras de conduta nojogo, a capacidade de subordinacao a essas regras por parte da crian-ca, a exigencia de objetos mais e mais semelhantes ao real paracompor seu faz-de-conta e a movirnento de tipificacao dos papeis.Dessa perspectiva, a atividade Indica permite apropriacoes e repre-sentacoes cada vez mais refinadas da realidade, associadas a urnaumento da competencia em regular 0comportamento pelas regras.

    o imagindrio no jogo de Jaz-de-contaA liberdade em relacao ao real, por outro lado, esta tambempresente na propria origem do jogo. 0 carater revolucionario, no

    sent ido da nao-subordinacao do sujei to as condicoes concretas, reais,que Ihe sao dadas, e da superacao das Iimitacoes com as quais ele sedefronta, e inerente a constituicao da atividade hidica, Vygotsky(1988) diz: a brinquedo emancipa, Ao aprender a brincar, a criancatoma posse de uma atividade que permite a transgressao do real,sustentando-se nela,

    Aprender a lidar com as objetos de forma hidica significaaprender a ultrapassar sua dirnensao concreta e seu uso especifico,socialmente definido. A crianca, ao utilizar objetos como substitutosde outros, supera a delimitacao de seu comportamento dada pelosarranjos perceptuais, pelos atributos imediato-concretos dos objetos,e par suas competencias reais de acao; essa delimitacao e caracteris-tica de fases anteriores do desenvolvimento, em que as acoes seconfiguram somente segundo as possibi lidades que 0campo percep-tual oferece, dependentes da disponibilidade imediata dos objetos, ecircunscritas a seu modo de utilizacao socialmente definido e/ou asuas propriedades fisicas.

    Antes de aprender a brincar, aquila com que a cr ianca sedefronta a incita a agir , e determina 0que ela pode fazer. A ausenciade urn objeto significa a ausencia da acao que se efetua com esseobjeto, Como brincar implica tornar presentes objetos ausentes, pela

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    transposicao de significados, as possibilidades .de acoes s~bstitutivasampliam-se cada vez mais, com base na capacidade da cnanca d~ secomportar nao so de acordo com 0que ve.ou.encontr~, mas, tam