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ENSINO E PEDAGOGIA DA IMAGEM
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EDUR Editora da Universidade Federal Rural do Rio de JaneiroRodovia BR 465, Km 7, Centro CEP 23890-000 Seropdica, RJ
Fone: (21)2682-1210 ramal 3302 FAX: (21)[email protected]
www.ufrrj.br/editora.htm
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitor: Prof. Ricardo Motta Miranda
Vice-reitor: Prof. Ana Maria Dantas Soares
Pr-Reitora de Pesquisa e Ps Graduao: Prof. Aurea Echevarria
Pr-Reitora de Ensino e Graduao: Prof. Ndia Majerowicz
Publicaes da Comisso Permanente de Formao de ProfessoresCoordenao Editorial: Profa. Gabriela Rizo
COMISSO EDITORIALProf. Francisco Jos Dias de Moraes (UFRRJ)
Prof. Luiz Claudio Valente Walker de Medeiros (UFRRJ)Prof. Valria Marques de Oliveira (UFRRJ)
Capa: Rafael Mathias Diagramao: Rogrio Ribeiro
371.33
E59
Ensino e pedagogia da imagem / Aristteles Berino(organizador). Seropdica, RJ: Ed. da UFRRJ, 2013.
100 p.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-8067-034-9
1. Educao visual. 2. Ensino de primeiro grau Seropdica (RJ). 3. Educao Mtodosexperimentais. 4. Inovaes educacionais. I. Berino,Aristteles. II. Ttulo.
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ENSINO E PEDAGOGIA DA IMAGEMOrganizao: Aristteles Berino
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SUMRIO
INCIO DE CONVERSAAristteles Berino............................................................................................................................. 7
PARTE 1 A IMAGEM EM MOVIMENTO
A ESCOLA NA CMERA DOS ALUNOS, IDENTIDADES JUVENIS, PROJEESMIDITICAS
Aristteles Berino............................................................................................................................. 11
HISTRIAS DE NS MESMOS: VDEO, PESQUISA E EXTENSOConceio Soares e Aline Caetano................................................................................................... 19
CURTA VILA KENNEDY: O CINEMA QUE CONECTA A EDUCAO POPULARIsabel Cristina Mendes Pinheiro Navega......................................................................................... 27
MDIAS, EDUCAO E SEXUALIDADE: DISCUTINDO IMAGENS PARA O ESPAOESCOLAR
Luriam Cruz da Silva........................................................................................................................ 37
CENAS DE CURRCULO: O CINEMA NA SALA DE AULA E AS CULTURASJUVENISMonique de Oliveira Silva e Talita Raquel Dantas Cardoso........................................................... 45
PARTE 2 O MOVIMENTO DA IMAGEM
PONDERAES SOBRE A ATUALIDADE DO ENSINO DAS ARTES VISUAISFRENTE S VISUALIDADES JUVENIS
Aldo Victorio Filho e Viviane Oliveira de Mello.............................................................................. 55
IMAGENS DAS CULTURAS. EDUCAO, FLUXOS ESTTICOS E FREQUNCIASCULTURAIS
Denise Esprito Santo e Kzia Jacomo Pimentel.............................................................................. 63
ARTE, GRANDES DIMENSES E PINTURA MURAL: CRIAO COLETIVA,APRENDIZADO INDIVIDUAL OU... UMA IMAGEM COMO O NO-EU MEUGilliatt Moraes Giudice.................................................................................................................... 69
IMAGENS E NARRATIVAS NOS/DOS/COM OS MOVIMENTOS ESTUDANTIS:
ENSINO, CURRCULOS PRATICADOS E ESPAOSTEMPOS DE FORMAORebeca Silva Brando Rosa.............................................................................................................. 79
CIBERCULTURA: UMA CONVERSA SOBRE IMAGENS JUVENIS NOCIBERESPAOThayn Marracho............................................................................................................................. 89
SOBRE OS AUTORES ............................................................................................................... 97
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INCIO DE CONVERSA
Antes de tudo, importante dizer que este um trabalho do Grupo de Pesquisa
Estudos Culturais em Educao e Arte. Todos os seus artigos foram escritos por integrantes
do grupo ou autores que fazem parte das nossas redes de contato, correspondncias e trocas.
Ensino e Pedagogia da Imagem uma coletnea de artigos, resultado de diversas
pesquisas, que tem o ensino e o uso pedaggico das imagens como interesse de
problematizao e investigao.
A reunio de artigos reflete uma variedade de temas conexos ao eixo proposto. Uma
proposta de publicao que se consolidou em torno de atividades acadmicas sistemticas,
comprometidas com a formao de professores e as prticas de ensino. So trabalhos
desenvolvidos por docentes e discentes de duas universidades (UFRRJ e UERJ) e trs cursos
de licenciatura: Pedagogia/UFRRJ (Aristteles Berino, Isabel Cristina Navega, Luriam da
Silva, Monique Silva, Talita Cardoso e Thayn Marracho), Pedagogia/UERJ (Conceio
Soares, Aline Caetano e Rebeca Brando Rosa), Artes Visuais/UERJ (Aldo Victorio Filho,
Viviane Mello, Denise Esprito Santo e Kzia Pimentel), alm do CTUR, o Colgio Tcnico
da UFRRJ, com a formao de professores de Artes, no PIBID (Gilliatt Giudice).
A multiplicidade de suportes para usos de imagens, diante de novas tecnologias
eletrnicas e digitais , alm da prpria composio imagtica do corpo no estgio avanado
do capitalismo, como uma caracterstica cultural do nosso tempo, nos permite falar de uma
pedagogia da imagem. As imagens so pedagogizadas, porque so usadas para transmitir
valores, sentidos, ideologias, impresses, vises etc. As imagens so, portanto, formativas.
Apesar do alcance das imagens na contemporaneidade, determinada herana
iluminista, centrada nas letras, na escritura, no texto, ainda embaraa a recepo e produo
das imagens nas escolas, vistas, geralmente, como ilustraes. Raramente so vistas na sua
alteridade de expresso, comunicao e formao/educao. Mesmo no campo restrito dasartes, ainda h a restrio das belas artes, que procuram reprimir a pluralidade das imagens.
assim que as imagens realizadas pelas classes populares ou pelas juventudes so
consideradas sem a mesma importncia das produes autenticadas, outorgadas.
Os textos aqui apresentados pretendem contribuir para uma concepo contempornea
do ensino, da formao de professores, propondo a pedagogia da imagem tambm como
questo para o currculo, a didtica, a prtica de ensino, a relao escola-comunidade, entre
outras relaes pertinentes. Uma abordagem que considera ainda que as pedagogias da
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imagem so tessituras que acontecem dentro e fora das escolas, com fios que cobrem toda a
vida social, convidando a um pensamento e a uma prtica educativa que no v mais a escola
como uma entidade separada da existncia no seu conjunto, nem desconsidera as capacidades
do ensino escolar como elemento importante da formao humana.O livro foi concebido em duas partes. A primeira delas vai se dedicar pluralidade dos
usos do audiovisual na educao e na escola, por parte dos seus sujeitos a imagem em
movimento. A segunda parte remete presena dinmica das imagens, presente nas prticas
culturais em diferentes suportes e espaos formativos (culturais, sociais, virtuais) diversos
o movimento da imagem.
Sobretudo, a proposta do livro a considerao do ensino como arte e do humano
como beleza. Destacar a existncia como esttica e a formao, o ensino, como plstica.Propor a discusso em torno da pedagogia da imagem amplificar nossas referncias para o
ensino e para a nossa viso do humano. O humano como personagem privilegiado da vida,
porque criador de formas, sentidos e prazeres tambm atravs de imagens.
Aristteles Berino
(Organizador)
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PARTE 1
A IMAGEM EM MOVIMENTO
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A ESCOLA NA CMERA DOS ALUNOS, IDENTIDADES JUVENIS, PROJEES MIDITICAS
Aristteles Berino
da natureza da ao docente e discente, a doura e a alegria,o puro divertimento e deleite para a alma.
Comenius (2011, p. 12)
I A escola na cmera dos alunos
Iniciei minhas pesquisas com imagens nas escolas, quando lecionava na rede
municipal do Rio de Janeiro, na Escola Municipal Uruguai. Cursava o doutorado em
educao na UFF e queria fotografar espaos do cotidiano: o prdio e os seus lugares, onde
alunos e professores compartilhavam a jornada de estudo e trabalho. Mas, sobretudo, queria
fotografar o espao do que gosto de chamar vida nas escolas 1. Pretendia fazer algumas
imagens focando esses espaos, mas sem a presena das pessoas. Queria me deter nesses
lugares, mas ausente dos seus frequentadores. Achei que assim eu poderia ver alguma coisa,
que no tumulto do seu pblico deixa tudo sem a nitidez que eu planejava capturar
solitariamente. Mas o cotidiano mesmo no se prev to bem.
Quando, silenciosamente, iniciei algumas fotos dos lugares sem as pessoas, logo as
pessoas apareceram. Inicialmente meus alunos, depois os demais, todo mundo queria serfotografado. E logo vi que no havia propriamente, pelo menos ali, espao sem pessoas. O
que queria para repousar meu olhar e apontar a cmera no existia seno como vida, vida
nas escolas. verdade que s vezes nossos alunos passam por algum canto e ali deixam em
traos, formas e cores suas vidas: um rabisco na carteira, um escrito na parede, coisas assim.
Mas os lugares so sempre resignificados pelas pessoas. Ento, mesmo para fotografar os
espaos vazios, seria necessrio lidar com a figurao dos vivos.
Terminei o doutorado e mais adiante ingressei na UFRRJ, no campus recm-criado,em Nova Iguau. Mudanas que no me afastaram completamente do cotidiano escolar.
Prossegui com o meu interesse de pesquisar a vida nas escolas, com registros fotogrficos, no
CTUR, Colgio Tcnico da UFRRJ, que fica em Seropdica, Baixada Fluminense. Perodo de
mudanas na minha vida pessoal, mas acompanhada de significativas transformaes tambm
nos cotidianos das escolas, e exatamente no aspecto que aqui tenho destacado: a produo de
imagens. No tenho mais a mquina que utilizei para fotografar, quando lecionava na
1Expresso que encontrei no ttulo de um livro de Peter McLarem (1997)
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educao bsica. Foi substituda por outra, melhor. Mas a principal alterao foi ainda outra.
Nem a mais atual das mquinas digitais exerce o mesmo poder de atrao nas mos de um
professor. Por qu?
Simplesmente porque, agora, as mquinas digitais no esto apenas melhores, elascustam muito menos e tambm os jovens estudantes fotografam e filmam!2Nos ltimos
anos, na esfera do consumo, dos usos prticos e cotidianos dos objetos, quem antes era,
sobretudo, retratado nas imagens, passam a ser tambm seu produtor, realizador e
distribuidor. A popularizao das mquinas digitais passou o equipamento de mos: do
professor para o aluno. E at das mos para o ouvido: a miniaturizao levou ainda mquina
fotogrfica para o celular. E filmar deixou tambm de ser um privilgio. A pesquisa com
imagens, no cotidiano das escolas, d um giro. Agora a fonte destes registros no principalmente institucional, nem est de posse exclusiva das figuras de autoridade escolar.
Quando iniciei a minha aproximao do CTUR, para conhecer suas imagens
fotogrficas, fui at o Centro de Memria da UFRRJ, para descobrir o que tinham como
registros do Colgio. O que consegui foram algumas imagens (fotografias digitalizadas) do
prdio em diferentes perodos e de momentos solenes na escola (assinaturas, personalidades)
ou de participao dos seus alunos fora do colgio (desfile cvico). Mas, depois de cinco anos,
essa aventura atrs das imagens mudou o rumo da caminhada. possvel procurar os prprios
alunos e com eles conhecer imagens do colgio que eles fizeram. Ou mesmo, partir para o
mundo virtual e na web encontrar o que muitos alunos, mas tambm professores e at
publicaes institucionais, esto disponibilizando.
Aqui o disponibilizando vem entre aspas, porque no se trata exatamente de
informao ou de material colocado na web para eventuais interessados. No se trata tambm,
especialmente, de uma produo de fontes para conhecimento, pesquisa ou mesmo recordao
e exibio pessoal, familiar, entre amigos. O carter da projeo flmica aqui outro, prprio
de um tempo, de uma poca, que possui caractersticas prprias quando falamos de imagens.
A mesma roda tecnolgica que faz os equipamentos passarem de mo em mo, quando antes
ficavam sob a posse de personagens mais exclusivos (o profissional, o adulto, o professor),
faz girar tambm as subjetividades nos usos das mquinas. Se as fotografias so documentos,
so antes de tudo, documentos de identidade 3.
2Como afirma o cineasta Cac Diegues (2012), o mundo se alfabetiza audiovisualmente, filma-se de todas asmaneiras, em todos os cantos do planeta.3Aqui estou me apropriando de outro ttulo de um livro: Documentos de identidade, de Tomaz Tadeu da Silva.(1999)
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No que o lbum de famlia ou instituies de memria no tenham significaes
identitrias. Sim, claro que tinham e continuam tendo. Ou que as fotografias antigas no
tivessem uso miditico. Com certeza, tinham tambm. Mas as imagens integram hoje uma
rede mais complexa. O nmero de indivduos que podem fazer imagens fotogrficas ouflmicas se diversificou. E os suportes para a projeo das prprias imagens tambm so
diversos e podem manter correspondncias entre si. Ento, h uma intensidade na produo
de imagens e um fluxo at agora desconhecidos. So mudanas nos objetos e nos sujeitos.
No existem transformaes que no sejam ntimas entre o mundo das coisas e o mundo
humano.
II Identidades juvenis
Depois de conhecer as imagens que o Centro de Memria possua sobre o CTUR (isso
foi em 2007, preciso atualizar minhas informaes sobre o acervo a respeito da escola),
comecei a fotografar no colgio. No era a mesma coisa de fotografar meus alunos ou outros
estudantes da escola, tal como fiz muitas vezes na E M Uruguai. No era da mesma forma
porque no havia a mesma familiaridade, o cotidiano de algum modo compartilhado. Foi
durante as frias escolares e resolvi comear por suas imagens, nas paredes e carteiras
escolares. Eles ainda no apareceriam nas fotografias, mas era mais aquela pretenso vaga de
fotografar os lugares. Queria agora fotografar suas presenas no cotidiano escolar, suas
vidas impressas nas superfcies. Extenses de suas existncias, as identidades decalcadas no
corpo da escola.
Mais adiante, com bolsistas de iniciao cientfica participando do contato com os
alunos do colgio, tive acesso a fotografias que os jovens estudantes do colgio estavam
realizando, quando registravam vrios momentos das suas presenas ali. Assim fotografias
realizadas por professores, que tambm registravam aspectos dos seus cotidianos no colgio.
E mais recentemente comecei a conhecer os vdeos que alunos do colgio postam no
YouTube e um deles ser de particular interesse aqui neste artigo, chama-se Pra mim o
CTUR ... e est disponvel no seguinte endereo:
http://www.youtube.com/watch?v=xdv6MPH640c. Trata-se de uma produo audiovisual
feita por alunos do 2 ano do curso de Agropecuria Orgnica, a partir de uma solicitao de
professores, para uma mostra de vdeos que ocorreria na Semana Acadmica do colgio, em
2010.
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Partindo, ento, de uma proposta de realizao feita por professores, Pra mim o
CTUR ..., com aproximadamente dez minutos, filme de um coletivo de alunos4 para
responder a um pedido institucionalizado. Carter que pode ser, aqui e ali, identificado na
produo. Mas nada disso importa muito para a sua apreciao. Principalmente, seu cartermaior a dedicao esttica e celebratria da vida na escola. Esse o ponto que gostaria de
destacar aqui, a respeito do cotidiano, que a pesquisa das suas imagens pode proporcionar:
essas imagens so fontes (manancial, nascente) para pensamentos e prticas que devem
decorrer da recorrente investigao a respeito das possibilidades da educao escolar e das,
menos procuradas, capacidades juvenis de alegria, paixo e amizade no cho da escola.
O audiovisual uma colagem de inmeras fotografias e alguns pequenos filmes, com
uma apresentao que feita ao som de canes pop. Nele aparecem, sobretudo, os alunos docolgio, mas tambm professores e outras pessoas que ali trabalham. O filme tem incio com
um texto, sobre imagens, que diz: CTUR/ Escola... /um espao de DIVERSIDADE!. A
seguir, outra mensagem, de um professor, ser inserida tambm. Mas o texto inicial que ser
mesmo indicativo do que pretendido realizar com o filme: dizer, com imagens, como a
escola. A pretenso parece ter um resultado simples, porque no existe nada de
extraordinrio nas imagens mostradas. Mas penso que no. O filme, feito de imagens
ordinrias, tem uma trama incomum, que colide com a forma recorrente de representao dos
jovens e a respeito da vida nas escolas.
O fato de ser um filme produzido para responder a uma solicitao de professores, ou
seja, do colgio, provoca uma viso, um ponto de vista, dos alunos sobre a existncia deles na
instituio. Deste ngulo, trata-se de um filme de identidades juvenis. Identidades
contagiadas, como apenas poderiam ser. Fala dos alunos, fala dos professores, tudo junto e
misturado. Mas uma mistura temperada pela alteridade das imagens. No existe confuso
quanto ao olhar peculiar dos jovens alunos do colgio na produo do filme. Na montagem,
escolha das fotografias e filmagens que tecem a narrativa do audiovisual, seus autores
desenham uma imagem de suas existncias juvenis na escola, sobretudo, atravs de uma
realizao esttica que demonstra a fora do comum e da coletividade nas identidades juvenis.
Um olhar vago do filme poderia enxergar apenas uma sucesso de imagens iguais,
afinal, h uma sequncia de retratos e gravaes em que aparecem somente os jovens da
escola e finalmente, outros personagens. No entanto, o olhar de quem procura saber o que
4Tamara Salustiano, Julia Barra, Aline Andrade, Gabriela Konkel, Lucas Ferraz, Yago Cardoso e MarianaSampaio, so os autores, com apoio da turma.
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um filme pode nos contar com suas imagens precisa explorar seus caminhos (e descaminhos),
o que conduz especularmente ( de espetacularmente), ampliando nossa compreenso daquilo
mesmo que mostrado. Geralmente as cenas so vistas como uma cpia da realidade, no
caso de documentrios, ou encenao de uma fabulao, no caso da fico. Contudo, osfotogramas tm outra realidade, eles no reproduzem, mas projetam. Eles se estendem para
fora da tela, porque so feitos para quem assiste sua exibio.
Assim, um filme no transposio de imagens para uma tela, mas criao que
acontece sobre a superfcie em que visto. A elaborao maior de um filme a que acontece
no encontro entre quem mostra e quem v, quando a imagem, de fato, se realiza. No h
realidade da imagem sem a sua realizao nesse encontro. Ento, vejamos: os jovens
aparecem, sempre em grupos, na sala de aula, em outros diferentes espaos da escola, ematividades externas, com uniforme escolar, com roupas de passeio, provando a beca que vo
utilizar na formatura, participando de atividades escolares, conversando, brincando, com
professores, com educadores que atuam na direo do colgio e outros profissionais da
escola. Essas so as presenas dos jovens no CTUR, que apresentam as imagens do
audiovisual. com elas que dizem, imageticamente, o que o colgio.
A vida em comum na escola o fluxo, como a corrente de um rio, que nos conduz do
incio ao fim do filme. No que a escola vive assim toda hora, todo dia. a imagem
desejante. E desejam, artisticamente, esteticamente. No o desejo ntimo, privado, da
recompensa escolar pelo resultado alcanado e a posterior carreira profissional de sucesso.
Nem so como as imagens de viagem, com o destaque de pessoas, que posam para mostrar,
fascinadas, onde esto. Tampouco imagens cintilantes de indivduos que do relevo aos seus
feitos, como as fotografias de triunfo narcsico. No, aqui o filme outro. o filme de
existncias que se intensificam com as possibilidades nascentes do instante coletivo:
ultrapassar o recanto do trabalho escolar (nota, comportamento, ateno...) em favor dos
corpos solidrios e plurais.
O Pr mim o CTUR ..., o colgio que seus alunos veem, o colgio que miram e
fabulam, um desenho que pode ser apresentado atravs de cenas recortadas e coladas, tiradas
das fotografias e filmagens feitas, montadas para o audiovisual criado. No uma filmagem
documental da vida nas escolas. No deve ser assistindo assim. O que encontramos quando
assistimos o filme uma produo da fantasia. Como tal, resultado das vivncias, mas
tambm das possibilidades (mas das virtuais impossibilidades tambm...) do amanh. Filme
da vontade de verem acontecer o que apresentam como imagens. So imagens do que foi feito
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ou recolhido para a montagem do audiovisual, negociando o que possuem como experincia e
o que almejam como futuridade, aquilo que ainda esperam encontrar como cotidianidade.
III Projees miditicas
Mas se o filme montado com imagens extradas da vida dos seus produtores (aqueles
que fizeram as fotografias e as filmagens, alm das pessoas que aparecem para as cmeras),
por que o carter apenas virtual das imagens? Porque o filme montado. Diferente de ver
as imagens separadamente, o que nos daria o retrato de um episdio que seria visto na sua
especificidade, no vdeo Pr mim o CTUR ..., a especificidade da cada fotografia ou
filmagem ressignificada diante da disposio com que so expostas. A montagem tece aimagem de que o colgio visto como um lugar que est alm do que j foi vivenciado,
quando temos representado, atravs de uma narrativa que multiplica os momentos de alegria e
fortalecimento dos personagens da escola. O efeito simples: as imagens de alegria
transbordam, excitandosua continuao, fora do filme, nas escolas.
Vamos retornar epgrafe que abre o texto: da natureza da ao docente e discente,
a doura e a alegria, o puro divertimento e deleite para a alma afirma Comenius, um dos
criadores do pensamento pedaggico na aurora da modernidade. A correspondncia entre a
sugesto pedaggica de Comenius e o filme muito grande. Pr mim o CTUR ...
corresponde a um elevado pensamento educacional, embora, muito distante da prtica
institucional recorrente nas escolas. essa distncia entre o pensamento pedaggigo do
filme, feito de imagens, e as realidades encontradas nas escolas que mobilizam o espectador
que se sentir instigado a rever aquelas cenas, por exemplo, com outros alunos, em outras
escolas e ainda na universidade, em cursos de formao de professores.
Com certeza, as cenas de doura e alegria, protagonizadas por docentes e discentes,
vistas no filme, acontecem, com intensidades variadas, em todas as escolas. Lecionei em
vrias escolas pblicas na cidade do Rio de Janeiro. Nelas, a alegria dos jovens nunca faltou.
Inclusive, praticamente todos gostavam de ir escola. Muitos tentavam no assistir a aula...
Mas isso outra histria. De estar na escola, alegres, com os outros colegas, isso fato. A
questo a ausncia da alegria como princpio educativo. A alegria invasora nos programas
escolares. vista com desconfiana ou desinteresse. A quietude e a ateno figuram como
imagens genuinamente pedaggicas, enquanto a alegria , na melhor das hipteses, uma
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imagem residual, que deve vir como recompensa. No admitida na sua integridade e
vitalidade.
Pr mim o CTUR ... exibe o que muitas vezes recalcado: a alegria dos alunos.
Com a importante ressalva, mais uma vez: no se trata de um agenciamento fugidio, reativoou dispersivo. Alegria como acontecimento solidrio, afirmativo de coletividades e da
existncia, plural, social. Essa deveria ser a matria prima de toda prtica pedaggica:
interesse pela escola, interesse pela vida, indissociveis. Imagens do cotidiano escolar, feitas
por alunos, so seguras em nos mostrar como podem ser participativos em relaes propcias
consagrao de suas vidas. Jovens em crescimento, em iluminao, vidos pelo
envolvimento social e pela partilha do existir. Na passagem final do filme, j com imagens em
movimento, h uma sequncia de imagens muito significativa, clmax da criao doaudiovisual.
Cinco jovens que estavam escondidos, atrs de plantas que esto diante do prdio da
escola, levantam-se e exibem cartazes. A cmera se aproxima para lermos o que est escrito:
Para/ Mim,/o /CTUR/.... Ento, uma fabular montagem continua com o texto, da seguinte
forma: Outros personagens da escola recebem cartazes que so entregues. Ou seja, cartazes
so passados de mo em mo. Mas existe um engenho cinematogrfico de especial efeito
imagtico. Em cada quadro assistimos uma dessas pessoas recebendo o cartaz de outra. Mas
apenas o personagem principal visto, recebendo um cartaz, que passado para outra pessoa.
Nunca vemos as pessoas nas duas extremidades do quadro, ou seja, a pessoa que entrega e a
que recebe o cartaz. H a sugesto (o ensaio de uma iluso) de que trata-se de uma corrente,
com todos os personagens alinhados para receber e passar o cartaz. Mas no o que acontece.
Com a mudana de quadro percebemos que o ambiente da imagem outro, no h
uma sequncia fsica. Ela virtual. Realidade produzida imageticamente, atravs da
montagem do audiovisual. E mais: o cartaz recebido nunca contm as palavras-mensagens
anteriores. Ento, a sequncia , ao mesmo tempo, uma continuidade da corrente de pessoas,
mas alternando os espaos da escola e o contedo do cartaz, produzindo um singular efeito de
passagem do texto sobre o que o CTUR, que atravessa os lugares e produz uma escrita que
desenvolve a significao do colgio: Para/ Mim,/o /CTUR/... /TUDO! /Eterno/ Tudo de
Bom! /Lugar de fazer amigos verdadeiros /Famlia /Tudo que eu tenho devo ao CTUR/
Mato/739 /Liberdade /Dedicao e compromisso/ Oportunidade de aprender/Ousar etc. E
aqui o jogo do poder vira tambm. Como?
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Se o prprio filme tem a temtica oferecida institucionalmente atravs dos professores,
na referida montagem os alunos colocam esses mesmos professores, alm da direo da
escola e outros funcionrios na roda, segurando os cartazes tambm. Os alunos fazem os
demais integrantes do cotidiano escolar participarem de suas falas sobre o colgio. Dirigemsuas participaes no filme e assim alcanam, para seus pontos de vista, um sentido de
generalidade, atravs do convencimento e da aceitao, que as imagens entregam. Um
sentimento de conjunto que reforado quando, j no fim do filme, todos os cartazes
aparecem sendo sobre a grama da escola, lado a lado, com uma cmera que percorre seus
dizeres, mas sem a diretividade to comum na apresentao das mensagens escolares. A
cmera sinuosa, exibindo os textos atravs de um plano irregular: de lado, de cabea para
baixo, at repousar, no fim, em Tudo!Se Tudo! exclama uma projeo, com volpia e deciso, a respeito do colgio em
suas vidas, tambm finaliza o filme. Finaliza, em termos. Afinal, ao publicarem no YouTube,
as imagens do filme se amplificam, sugerindo novos contatos, contgios e disseminaes. Um
filme, pelo menos, um bom filme, nunca termina. Ele ficar, durante muito tempo, nas nossas
fantasias, nos nossos sonhos. Neste caso, ser parte do imaginrio universal de uma escola
alegre, tal como, um dia, Comenius sorriu.
Referncias Bibliogrficas:
COMENIUS, Jan Amos. A escola da infncia. So Paulo: Unesp, 2011.
DIEGUES, Cac. Arte e cultura em Cannes. Disponvel em.Acesso em maio 2012.
McLAREN, Peter. A vida as escolas: uma introduo pedagogia crtica nos fundamentos daeducao. 2 ed. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introduo s teorias docurrculo. Belo Horizonte: Autntica, 1999
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HISTRIAS DE NS MESMOS: VDEO, PESQUISA E EXTENSO
Conceio Soares e Aline Caetano
Qualquer maneira de imaginar uma maneira de fazer poltica.Didi-Huberman
Vivemos em uma contemporaneidade povoada por imagens e sons tecnicamente
produzidos. Uma contemporaneidade caracterizada, principalmente, pela proliferao, pelo
barateamento, pela mobilidade, pela ubiquidade e pela facilidade operacional dos dispositivos
destinados produo e veiculao de imagens e de sons, o que, em certa medida, nosimpele a, todo momento, interpret-los, produzi-los e difundi-los atravs de diferentes, e cada
vez mais convergentes, meios e suportes. Nessas contingncias, nos deparamos a cada dia,
com a circulao de uma quantidade sempre crescente de imagens, estticas ou em
movimento, e de sons (produzidos tecnicamente e articulados ou no entre si) criados por no
profissionais da informao, da arte e do entretenimento e distribudos por outras vias que no
mais os j considerados tradicionais meios de comunicao de massa. Vivemos, enfim, em
uma cultura eminentemente audiovisual, cuja ambincia, como sugere Rincn (2002), faz
emergir outras formas de significao, isto , novas maneiras de perceber, de representar, de
apresentar e de reconhecer, alm de engendrar inditas formas de experincia, pensamento e
imaginao.
Com a noo de partilha do sensvel,Rancire (2005) destaca que a constituio
esttica que d forma comunidade est no cerne da poltica. A noo busca mostrar o modo
como se determina, no sensvel, a participao em um conjunto comum partilhado e, ao
mesmo tempo, a diviso em partes exclusivas. Nas palavras de Rancire: Essa repartio
das partes e dos lugares se funda numa partilha dos espaos, tempos e tipos de atividades
que determina prioritariamente a maneira como um comum se presta participao e como
uns e outros tomam parte nessa partilha(2005, p.15).A poltica, nesse cenrio, ocupa-se
do que se v e do que se pode dizer sobre o que visto, diz ele. Ou seja, ocupa-se de
determinar quem tem competncia para ver e qualidade para contar. A transformao poltica
pela revoluo esttica se d, ento, pelo embaralhamento desses lugares, pela redistribuio e
partilha do poder ver e dizer de outros modos e de outros lugares, pondo em xeque as
competncias e as autorizaes conferidas pelos espaos, tempos e tipo de atividades que
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legitimavam ou no a participao dos sujeitos nas redes de significao que organizam o
social.
De fato, as novas tecnologias, meios e suportes de contedos e formas
comunicacionais tm possibilitado a multiplicao de narrativas dos cotidianos, a partir dasquais os homens, as mulheres e os jovens ordinrios (Certeau, 1994), ou seja, comuns, criam
suas histrias e, por meio delas, imaginam, apresentam, representam e produzem
significaes sobre o seu mundo, sobre o seu grupo e sobre si mesmo, criando,
permanentemente, quando se pem a imaginar, novas possibilidades e estticas de existncia.
As narrativas audiovisuais criadas por esses sujeitos comuns circulam pelas novas e
alternativas mdias, especialmente na internet (em sites como oFacebook e o YouTube), bem
como so levadas de um lado para o outro em pen drives e DVDs. Para alm dessasprodues, que ainda tm um prazo de validade mais ou menos duradouro, outros tipos de
narrativas audiovisuais do vivido so constantemente produzidas, atualizadas, recriadas e
redistribudas por meio dos celulares, dispositivos multifuncionais que no descolam mais dos
corpos de seus usurios. A presena de cmeras por toda parte mais do que documentar em
tempo real, a vida real possibilita queles que produzem e consomem imagens dramatizar a
vida cotidiana, ficcionar sobre si e sobre sua relao com o mundo, imaginando, fabulando e
experimentando performaticamente novas possibilidades de criar sua existncia. E, como
aponta Didi-Huberman (2011), no nosso modo de imaginar jaz nossa forma de fazer poltica.
Enquanto os profissionais da indstria da comunicao e do entretenimento filmam,
registram em vdeo, apenas, ou pelo menos preferencialmente, grandes produes ficcionais
que renem autores e atores do ramo ou documentam eventos considerados especiais,
extraordinrios, incomuns, os produtores no profissionais e annimos de audiovisuais, por
sua vez, apontam suas cmeras para todos os lados, em todas as ocasies e filmam as
situaes do dia a dia, a dramaturgia dos cotidianos, gravam seus amigos, familiares, vizinhos
e companheiros de trabalho que se apresentam e representam em meio s suas rotinas, s suas
prticas ordinrias, aos seus pequenos prazeres, s suas insignificncias. Essas narrativas dos
cotidianos, assim produzidas, voltam-se tambm para os infortnios, os deslizes, as
banalidades, as bizarrices, o miudinho, o comezinho, o burburinho nas ruas, nos lares, nas
escolas, nas empresas. As narrativas audiovisuais do vivido reinventam os cotidianos e
configuram os contos morais de nossa poca.
Entretanto, em meio avalanche de produes, performances e fabulaes
audiovisuais que habitam as complexas e paradoxais redes de significaes, muitas vezes ns
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nos perdemos, nos confundimos, nos dispersamos. Impe-se, ento, para ns, arrebatados por
turbilhes de signos, a necessidade de, minimamente, atribuir e compartilhar sentidos que nos
permitam conviver, viver com os outros, e produzir o comum na diferena, a partir da
cooperao, colaborao e comunicao, como propem Hardt e Negri (2005). E essa nosparece ser, nas circunstncias da contemporaneidade, uma questo atual e central para a
educao implicada na emancipao dos sujeitos, enquanto possibilidade de interrogar seus
prprios projetos de subjetivao e de participao poltica.
Rincn (2002),pensando o audiovisual como uma estratgia fundamental na relaodos sujeitos com o mundo e com a vida na sociedade contempornea, nos indica a noo de
sensibilidade como a chave para a compreenso das formas audiovisuais e das redes de
significaes culturais de nossos tempos. A sensibilidade, como via de expresso do homemordinrio, no remete ao sujeito culto e competente conforme a racionalidade hegemnica,
mas implica outro modelo para compreender as dinmicas da vida social. Um modelo que,
segundo ele, se interessa pelo movimento, que reivindica novos espaos e relaes e que
configura um novo regime de reconhecimento e imaginao.
A sensibilidade, nessa perspectiva, pensada a partir das formas subalternas de
inscrever a vida na contemporaneidade: gnero, raa, etnia, sexualidade, juventude, futebol,
carnaval, msica, ecologia, entre outras. As sensibilidades, assim, operam como estratgias
para imaginar o diferente em meio ao fluxo catico e barroso de imagens. A imagem funciona
como uma maneira de pensar e narrar a existncia. Nesse contexto, o audiovisual se configura
como uma possibilidade de fabular o mundo atravs do cinema, da televiso e o vdeo.
Concordando com as consideraes apresentadas pelos autores citados e a ttulo de
exemplificao das mltiplas possibilidades que os usos dessas tecnologias abrem s prticas
educativas, discutiremos, a seguir, fragmentos do projeto de pesquisa extenso "O uso de
artefatos culturais por docentes e discentes na tessitura de conhecimentos e significaes nos
cotidianos escolares desenvolvido, em 2010, por uma equipe do Laboratrio Educao e
Imagem, vinculado Faculdade de Educao e ao Programa de Ps-Graduao em Educao
(PROPED) da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ). Esse projeto possibilitou a realizao
de trs vdeos, produzidos em conjunto por professores, pesquisadores e estudantes da
universidade e por professores, pesquisadores e estudantes de uma escola pblica de ensino
fundamental na cidade do Rio de Janeiro. Essa experincia possibilitou a todos, estudantes e
professores em formao ou em exerccio, condies para apropriao e uso das tecnologias e
linguagens das mdias audiovisuais, resultando na produo e difuso de contedos em novos
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e criativos formatos. A anlise do processo e dos produtos nos possibilitou, ainda, pensar os
modos singulares pelos quais alunos e professores usam as tecnologias, aprendendo uns com
os outros, para criar, mediar e comunicar conhecimentos, buscando o protagonismo e a
autoria coletiva. Essas anlises nos indicam ainda com a produo audiovisual em conjuntopor alunos e professores criou condies de maior aproximao e constituiu em um espao
para tencionar e negociar alguns termos das relaes entre uns e outros, entre uns e outros e as
tecnologias e entre uns e outros e os saberes demandados pelas disciplinas curriculares.
I A produo de vdeos na/com a escola
O projeto de pesquisa e extenso "O uso de artefatos culturais por docentes ediscentes na tessitura de conhecimentos e significaes nos cotidianos escolares",
coordenado pela professora Nilda Alves, foi desenvolvido por uma equipe do Laboratrio
Educao e Imagem, que alm de ns duas, contava com outros pesquisadores estudantes dos
cursos de doutorado, mestrado e graduao, bolsistas atuantes no rgo. A equipe da UERJ
trabalhou em conjunto com discentes e docentes da Escola Municipal Professor Ary
Quintella, em Vila da Penha, zona norte da cidade. O trabalho conjunto possibilitou a criao
de trs vdeos no perodo de um ano (maio de 2010/ abril de 2011), com a participao dos
envolvidos em todas as etapas necessrias produo. O processo incluiu, ainda, a realizao
do making of (registro de todos os encontros em vdeo) que constitui parte do corpus da
pesquisa e tem possibilitado diversas anlises.
Com verba do projeto, apoiado pela FAPERJ, a escola Ary Quintella recebeu os
equipamentos necessrios produo de vdeos, como uma cmera semiprofissional, um
computador Macintosh com programa de edio e um vdeo walkman. Esses equipamentos
agora integram o patrimnio da escola. Ainda visando realizao do projeto, foram
concedidas pela FAPERJ bolsas para dois professores da escola, para quatro ex-alunos, que
cursam o ensino mdio, e para duas estudantes do curso de pedagogia da UERJ. A partir de
uma negociao entre o grupo, ficou decidido que cada um dos quatro ex-alunos dividiria sua
bolsa com um aluno da escola, o que elevou para oito o nmero de adolescentes vinculados ao
projeto. A produo contou tambm com a presena de profissionais que ajudaram com
questes mais especficas como sonorizao (msico profissional) e ilustraes (desenhista)
que emergiram com os roteiros, durante as filmagens ou ainda no momento da edio.
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A equipe produziu trs vdeos, conforme o previsto. O primeiro a ser concludo,
"Joo: a histria pode ser outra", abordou a Revolta da Chibata e a histria de Joo Cndido,
estabelecendo conexes entre o motim dos marinheiros liderado pelo marujo que ficou
conhecido como "Almirante Negro" (Baa de Guanabara, 1910) e os problemas enfrentadospor um jovem negro e pobre em seu dia a dia. O segundo vdeo, "Ary Quintella: um complexo
de histrias", abordou a histria da prpria escola, contando com a participao de ex-alunos
nas dcadas de 1970, 80 e 90. O terceiro vdeo, "Luz, escola, msica, ao" um musical
realizado a partir de canes criadas pelos alunos, apresentadas em festivais promovidos pela
Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro, e que abordam questes da vida
cotidiana dos jovens, como a violncia, o trfico de drogas, o preconceito e a inveno de uma
vida melhor.A Escola Municipal Professor Ary Quintella est, oficialmente, situada em Vila da
Penha, porm, para alunos e professores ela est localizada na Penha Circular. Os dois bairros
so prximos e situam-se nos arredores da Penha. A regio ganhou destaque na mdia
nacional em novembro de 2010 por conta da ocupao da Vila Cruzeiro - no Complexo da
Penha - e do Complexo do Alemo (dois complexos de favelas construdos sobre a serra da
Misericrdia) por policias da Polcia Civil e do Bope, com apoio da Marinha. Naquele
perodo as aulas foram suspensas e as gravaes adiadas. A operao policial, porm, no
abalou a vontade e a disposio dos praticantes da escola Ary Quintella em criar e narrar, por
si mesmos, suas muitas histrias no contadas pelos meios de comunicao de massa. Cem,
dos 600 alunos da escola Ary Quintella participaram, de alguma maneira, das produes.
II Aprendizagens com o projeto de produo audiovisual na/com a escola
Entre as diversas possibilidades de anlise que os processos engendrados com o
projeto possibilitam, trataremos, primeiramente, de algumas questes vivenciadas no
cotidiano escolar por ocasio da realizao dos vdeos que nos possibilitaram, como
professora e estudante do curso de Pedagogia, vivenciar as redes em meio s quais foram
sendo tecidos conhecimentos e significaes relacionados aos usos das tecnologias.
A ideia de redes de conhecimentos e significaes em suas tessituras cotidianas
(Alves, Passos, Sgarbi, 2006) pelos praticantesdas mltiplas redes educativas fundamental
para que possamos compreender os complexos e mltiplos processos de criao de saberes
atravs dos/com os usos de artefatos culturais nos cotidianos escolares. Esses diversos e
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diferentes usos, tanto por alunos como por professores, bem como por uns e outros juntos,
implicam entrelaamentos de conhecimentos criados em vrios contextos da vida de cada um
(entretenimento, famlia, religio, consumo cultural, etc.), bem como trocas variadas e nos
dois sentidos, ou seja, alunos aprendem com professores (especialmente o que se refere aoscontedos a serem tratados) e professores aprendem com alunos (principalmente o que se
refere manipulao dos equipamentos e expressividade em linguagens audiovisuais).
Com essa compreenso, consideramos que o principal diferencial deste projeto em
relao aos outros j desenvolvidos, no s pelas equipes do Laboratrio, mas tambm por
outros pesquisadores, est no fato da produo dos vdeos ter sido desenvolvida por alunos e
professores juntos e no apenas por alunos ou apenas por professores, como acontece na
maioria das vezes. Isso permitiu que nossas anlises se voltassem para os modos pelos quaisnovas relaes vo se estabelecendo nas escolas com os usos dos variados artefatos culturais.
Nesse caso especificamente, podemos vivenciar a constante reelaborao das relaes que,
mediadas pelos usos das tecnologias e pelas aprendizagens conjuntas que esses usos
implicam, foram, pouco a pouco, tornando-se menos hierrquicas, mais horizontais. Nesses
processos foram se formando parcerias que acabaram se estendendo, como pudemos observar,
para outros contextos cotidianos da escola. Da mesma forma, as relaes entre professores e
estudantes do curso de Pedagogia participantes do projeto tambm se estreitaram,
configurando-se parcerias e trocas variadas nos dois sentidos.
Ainda em referncia s aproximaes, trocas e produo coletiva de conhecimentos,
vale ressaltar que o projeto possibilitou tambm uma parceria entre a universidade e a escola,
uma troca e um enredamento de saberes, fazeres, e significaes. Uma possibilidade de pensar
conjuntamente s prticas educativas, de fazer emergir as tantas histrias que, de outro modo,
no so contadas sobre as escolas e sobre os processos curriculares e pedaggicos que so
criados em seus cotidianos.
Participar desse projeto e analisar os processos engendrados durante a produo dos
vdeos nos permitiu vivenciar e investigar as negociaes, s vezes consensuais, s vezes
conflituosas, forjadas em diversas etapas necessrias construo vdeografica de uma histria e
que dizem respeito construo dos personagens em conexo com os modos de representao dos
sujeitos. Como os professores apresentam/representam os alunos e como querem ser
apresentados/representados? Como os alunos apresentam/representam os professores e como
querem ser apresentados/representados?
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Acompanhando as discusses entre docentes e discentes da escola e a equipe da
universidade que atravessaram toda a construo dos personagens e das cenas, sugerimos que
esse processo instituiu o que Bhabha (1998) chama de entre-lugar, um espao limiar em que
as pessoas convivem com experincias culturais diferentes e no qual so desconstrudas asrepresentaes estereotipadas de uns sobre outros, ou seja, os regimes de verdade cristalizados
sobre o outro, sobre o conhecimento e sua expresso e sobre o mundo, engendrando a
fabricao de outros possveis.
Como foram sendo construdos os personagens-alunos nas histrias? E os professores-
personagens? E os embates, as lutas, os entendimentos, as negociaes, as relaes raciais, de
gnero, entre faixa etria, socioeconmicas, de atividade desempenhada na escola, enfim, as
relaes de poder?Acompanhando essa produo, apontamos que a criao de histrias videogrficas
permite a ampliao da capacidade imaginativa, de modo que todos os envolvidos so levados
a imaginar sobre si mesmo e sobre o outro, redefinindo, como sugerem Gonalves e Head
(2009), a prpria concepo de representao. Em consequncia disso, uma multiplicidade de
representaes e auto-representaes passam a competir e negociar entre si. O resultado disso
que a obra produzida no pode mais ser pensada com a representao de um objeto, mas de
uma apresentao de uma relao entre sujeitos.
No que se refere ao modo pelo qual se constri a auto-imagem, Gonalves e Head
apontam para um processo relacional em que as representaes so produzidas atravs de um
jogo de espelhos. As imagens de si se produzem atravs dos outros, nas relaes com os
outros. A auto-imagem, portanto, uma imagem em transformao, o que acentua o seu
devir-imagtico(2009, p. 20). A noo de devir-imagtico busca dar conta da emergncia, nos
processos de auto-apresentao, de uma 'funo fabuladora' que, ao deixar de lado as
verdades sobre os outros, criadas pelos discursos hegemnicos, aposta na evocao de uma
potente falsidade sobre si, em oposio s verdades constitudas (p. 21). Vale ressaltar que o
personagem criado no real ou fictcio. De acordo com Gonalves e Head, agenciados pelos
estudos de Deleuze sobre o cinema, a auto-apresentao estaria aderida formulao do
devir da personagem real quando ela prpria se pe a ficcionar (2009, p. 21).
Comeamos com Didi-Huberman e com uma questo sobre a avalanche de imagens e
sons que nos arrastam e confundem num caos semitico. Voltamos ento a eles, o autor e a
questo, apenas para acentuar o que podem insinuar esses processos e produes na nossa
sociedade. Conforme Didi-Huberman (2011) em meio s luzes fortes dos projetores da
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sociedade do espetculo, que a tudo buscam ofuscar, preciso enxergar os lampejos dos vaga-
lumes. preciso enxergar seus gestos, suas manifestaes, suas imagens intermitentes, seus
intervalos de aparies, que instituem a criatividade e a criao como formas de resistncia e
sentido.
RefernciasBibliogrficas:
ALVES, Nilda; PASSOS, Mailsa; SGARBI, Paulo (Orgs.). Muros e Redes: conversas sobreescola e cultura.Porto: Profedies, 2006.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed-UFMG, 1998.
CERTEAU, Michel. de. A inveno do cotidiano - artes de fazer. Petrpolis: Vozes, 1994.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A sobrevivncia dos vaga-lumes.Belo Horizonte: Ed.UFMG,2011.
GONALVES, Marco Antonio; HEAD, Scott (org.). Devires imagticos:a etnografia, ooutro e suas imagens.Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.
HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Multido: guerra e democracia na era do Imprio.Rio de Janeiro: Record, 2005.
RANCIRE, Jacques. A partilha do sensvel: esttica e poltica. 2 ed. So Paulo: Ed. 34,2009.
RINCN, Omar. Televisin, video y subjetividad.Bogot: Grupo Editorial Norma.
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CURTA VILA KENNEDY: O CINEMA QUE CONECTA A EDUCAO POPULAR
Isabel Cristina Mendes Pinheiro Navega
O que a Educao Popular e onde sefaz?
A experincia de partilhar da criao solidria do saber inesgotvel esempre renovvel. Criar saberes, como formas de conhecimento partilhado,cria a exigncia de sua permanente e crescente criao. E o saber, em cadaum dos seus momentos de existncia entre os que partilham, desvenda ecoloniza, na cultura de que parte, sempre novos saberes. (Brando, 2002,
p. 364)
Entende-se por Educao Popular o conjunto de prticas e medidas socioeducativas
que visam resgatar a cidadania dos indivduos no cenrio social e poltico em que esto
inseridos. Essas aes estabelecem, para tanto, linhas de conexo com o universo cultural dos
sujeitos, relacionando, as suas trajetrias e aos seus conhecimentos de mundo, os fatos que
lhes so ilustrados cotidianamente em suas vidas, sendo estes, ento, suscetveis de ativas
transformaes sociais.
As manifestaes, que permeiam as esferas da Educao Popular, tem funo
mediadora e dialogam, no processo de construo da cidadania, com diversos temas
relacionados aos direitos, deveres e obrigaes do povo em geral; alm de manifestar as
aspiraes, os conflitos, as pretenses polticas e desejos dos sujeitos que se criam de acordo
com as preocupaes existentes na sociedade, quando determinados temas esto em
discusso.
a conscincia cidad que motiva a sociedade a mover-se, a assumir o pblico comoseu prprio, a exigir respeito do Estado e dos partidos polticos, a fiscalizar e controlaro desempenho pblico e a exigir prestao de contas dos funcionrios. Tambm se
relaciona com a necessidade de realizar trocas culturais substanciais em todos osmbitos, particularmente no poltico, ou seja, a necessidade de mudar valores, crenase atitudes diante do estatal, diante do pblico, diante da relao Estado-sociedade civile diante da relao Estado-partidos polticos, o que supe a erradicao de percepesideolgicas que os identificavam, no passado autoritrio, como inimigosirreconciliveis, diante das quais no havia sequer a possibilidade de dilogo (Pontual;Ireland, 2006, p. 24).
Porm, toda essa enrgica participao dos indivduos, em seu meio, nem sempre foi
ativa. Ela s se tornou possvel por conta de toda a diversidade existente na sociedade, que
emergia na existncia de fenmenos, ou problemas, que requeriam a cooperao de todos para
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solucion-los (Pontual; Ireland, 2006, p. 21); fazendo com que as contradies que
explicavam e justificavam as lutas tradicionais dos indivduos comeassem a ser
transfiguradas, com o passar do tempo, no correr da histria humana.
A partir dos anos 60, diversos campos de atuao social comearam a divergir entre si.O resultado culminou no aparecimento de correntes lideradas por distintos integrantes da
sociedade: desde intelectuais comprometidos, ativistas, personalidades e estruturas de
mediaes, como diversas organizaes e igrejas, partidos polticos, movimentos populares e
o que mais tarde, em meados de 1990, passariam a se chamar de ONGs (Pontual; Ireland,
2006, p. 46).
No Brasil, as primeiras investigaes a respeito do movimento de Educao Popular, e
suas aes de desenvolvimento e transformao social, emergem atravs dos iderios dePaulo Freire, h aproximados quarenta anos, por intermdio de suas itinerantes anlises,
propostas e enfoques expostos ao largo de suas experincias realizadas e direcionadas s
classes populares. A resistncia, a perpetuao e sua militncia ajudaram a repensar e a
promover questionamentos acerca das atuais democracias e realidades sociais.
Freire, um dos mais notveis pensadores da Educao brasileira e mundial,
fundamentava que a formao do indivduo s ser definitivamente efetiva quando as prticas
educativas privilegiarem a participao espontnea dos sujeitos. Isso independente das
circunstncias em que eles estejam localizados, j que suas vises e interpretaes de mundo
esto em perptuo, e contnuo, processo de ressignificao.
A Educao Popular, para Paulo Freire, parte do princpio de que o fator
preponderante para a obteno dos resultados desejveis deve-se, em qualquer conjuntura ou
hiptese, considerar o aprendizado democrtico; devendo relacion-lo s situaes cotidianas
e reais, que so vivenciadas pelo educando ao redor de seu ambiente fsico, histrico, social e
cultural.
Este tipo de educao, ento, volta-se para a conscientizao, para a mobilizao e
para a libertao das classes populares. Ideologia esta que no admite a manipulao dos seres
humanos, tampouco de seus anseios, na luta e busca por uma sociedade mais justa, digna e
igualitria para todos os que, nela, esto imersos, acreditando na liberdade e no na opresso;
na criao, na criticidade, que se faz diferente de paradigmas.
Assim, o homem, ser de relaes e no s de contatos, no apenas est no mundo, mas
com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura realidade, que o faz ser o ente de
relaes que (Freire, 1967, p. 39). Evidenciando que as prticas educacionais devem estar,
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indissociavelmente, aliadas aos espaos pblicos da populao como um todo, e devem,
tambm, resgatar e valorizar o homem, e suas potencialidades reais, como indivduo
protagonista do processo de construo e reconstruo de significado que ser, a qualquer
tempo, simultneo e dinmico.
I -Curta Vila Kennedy: a Educao Popular vista na tela do cinema
Um poema, sabe-se que foi escrito por algum; uma msica, composta,tocada por algum. At em uma paisagem ou um retrato, por mais fiel[grifo do autor] que seja o modelo, h a mo do pintor que coloca seus
gostos, sua preferncia por certas cores, sua simpatia ou antipatia pelapessoa que ele pinta. Agora, o olho mecnico, como alguns chamaram o
cinema, ele no. Ele no sofre a interveno da mo do pintor ou da palavrado poeta. A mecnica elimina a interveno e assegura a objetividade.
Portanto, sem interveno, sem deformaes, o cinema coloca na telapedaos de realidade, coloca na tela a prpria realidade. (Bernadet, 1980,p. 24).
O Curta Vila Kennedy foi o primeiro festival de Curtas-metragens realizado na Vila
Kennedy, periferia do bairro de Bangu, no Rio de Janeiro RJ. O projeto que contou com
apoio financeiro do Governo do Estado do Rio de Janeiro, atravs do edital de Microprojetos
da Secretaria Estadual de Cultura, foi idealizado por Guilherme Santos Junior, artista plstico
e morador da regio, e produzido pelo Coletivo Citt produes, equipe composta por
diversos profissionais ligados s reas da educao, jornalismo e, tambm, por integrantes da
comunidade que auxiliaram na promoo, propagao e divulgao do evento.
Assim resume o prprio Guilherme Junior, mentor do festival:
O festival nasceu de um experimento a partir de uma experincia que eu tive naEuropa, em Portugal, porque foi l que eu, verdadeiramente, comecei a estudarcinema. Nesse perodo, eu, alm de estudar a histria do cinema, eu tive contatos com
professores que me davam dicas e me incentivavam a produzir vdeos l e eu comeceia participar de alguns festivais e esses festivais reuniam um grupo de estudantes ecuriosos, e eu comecei a me preocupar em fazer trabalhos que adicionassem noconhecimento de outras pessoas, relacionados, principalmente, a cultura brasileira [...]e eu fui alimentando a possibilidade de fazer igual quando eu voltasse ao Brasil, eexiste essa possibilidade de fazer algo voltado para a rea socioeducativa e cultural..
Sua ideologia resultou no desejo de despertar o interesse pelo cinema amador dos
jovens que povoam as esferas da Vila Kennedy, rotulada como, ento, rea de risco: escrevi
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o projeto pensando nas questes que a gente estava vivendo. No convvio com a violncia que
estava predominando, eu queria muito fazer algo para mostrar ao morador que a gente tem
valores e podemos mostr-los para ns e para as outras pessoas.
Alm do supracitado, o projeto tentou tambm, segundo o idealizador, propiciar acriao audiovisual dos moradores dessa localidade, por intermdio de oficinas que
viabilizassem e fomentassem essa iniciativa. Tudo isso com a inteno de se desenvolver a
cultura cinematogrfica neste ambiente e integr-la aos seus contextos e realidades,
utilizando-a como ferramenta que conectasse a Educao Popular.
Ademais, o Curta Vila Kennedy favoreceu a discusso a respeito das grandes
produes audiovisuais dirigidas e gravadas nas grandes comunidades populares do Rio de
Janeiro, suas efetivas criaes, e a importncia delas como cerne da cultura mundializada naatualidade (Ramos, 2004, p. 11); j que a linguagem cinematogrfica dialoga com questes
inerentes ao dia a dia dos indivduos, e lhes confere novas possibilidades de ver, encarar e
interpretar as situaes de seu cotidiano.
A projeo do festival e sua abordagem educativa foi integralmente voltada para a
populao: desde a preocupao em trazer pessoas que pudessem falar das suas experincias
com cinema, auxiliar na edio dos vdeos amadores produzidos pelos moradores da Vila
Kennedy, at convid-los para conhecerem um dos poucos espaos de educao alternativa do
bairro, que o Teatro Mrio Lago, lugar que, para muitos, foi a origem das primeiras
experincias com o cinema.
Para atrair o pblico da localidade ao espao destinado para a exibio dos curtas, j
que este tido como mal localizado, os produtores do festival estipularam, ento, trs
modalidades de produo que, segundo os envolvidos, poderiam ser utilizadas como forma
entretenimento: a mostra no competitiva, a mostra competitiva e a mostra intitulada como
Eu curto a Vila Kennedy?.
A primeira mostra consistiu-se na exibio dos filmes produzidos por cineastas
convidados ou disponibilizados por diversas organizaes que foram parceiras do projeto; a
segunda, contou com a exibio dos filmes enviados por seus idealizadores com intuito de
participar, competitivamente, desta parte do festival que premiaria aos que produzissem curtas
amadores e de tema livre; e, a terceira, premiaria aos filmes ambientados na Vila Kennedy, no
tocante a sua histria, populao, geografia, a vida cotidiana dos moradores, os problemas e o
cotidiano local, etc.
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A resposta foi positiva em todos os aspectos, e os resultados foram imediatos. Aps
o recebimento dos filmes, a exibio destes foi aclamada por todos os espectadores que
estiveram presentes, no teatro, ao largo dos trs dias que compuseram o festival; isso
considerando relatos de moradores que compareceram e, principalmente, se identificaramcom as histrias narradas nas entrelinhas das produes cinematogrficas que foram exibidas.
Os efeitos do evento mobilizaram no s os moradores, que valorizaram a construo
cinematogrfica de seus conterrneos, mas tambm permitiram resgatar a Educao Popular
como parte integrante do trabalho humano e indissocivel da Educao em seu aspecto global.
Uma senhora, por exemplo, possivelmente me de um dos espectadores, possivelmente um
adolescente, aps o evento, entrou em contato e perguntou onde poderia ter acesso a esses
filmes, j que seu filho desejava utiliz-los como projeto da disciplina de artes na escola. o cinema educando a populao que dele faz uso, sendo ele considerado uma forma
legtima de agregar, aos conhecimentos que os espectadores j possuem, novas perspectivas
de se considerar os valores de sua cultura: propondo uma reflexo de ordem no somente
social, mas esttica e poltica; j que no cinema, sendo este fantasioso ou no, a realidade
impe-se com toda a fora (Bernadet, 1980, p. 126).
O Curta Vila Kennedyserviu, ento, como um laboratrio para a Vila Kennedy, como
espcie de valorizao do espao local. Sua receptividade foi to boa, que pessoas de
outros lugares, de outros estados, resolveram mandar uma cpia dos seus trabalhos para
exibio no festival. Alm disso, o pblico reagiu to positivamente a esta iniciativa que
muitos, no dia posterior ao evento, segundo relatos do idealizador, entraram em contato para
dizer que o festival deveria ocorrer, frequentemente, nos prximos anos.
Assim, percebe-se que o cinema, atravs de sua prtica educativa e manifestao
artstica, triunfa no s na pela reproduo da vida, mas pela possibilidade de, a partir dele,
adquirir novas formas de compreenso social, partindo do pressuposto de que este recurso
audiovisual pode chegar, democraticamente, a todas as diversas esferas da populao. Com
isso, pensar o cinema isoladamente no pens-lo em sua totalidade, desconsiderar que dele
se faz uso, tambm, o contexto e o contedo de seus espectadores.
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II -Histrias de Vida: o veculo audiovisual transmitindo e produzindo conhecimento naVila Kennedy
O cinema d a impresso de que a prpria vida que vemos na tela, brigasverdadeiras, amores verdadeiros. Mesmo quando se trate de algo que
sabemos no ser verdade [...], a imagem cinematogrfica permite-nos
assistir a essas fantasias como se fossem verdadeiras; ela confere realidadea estas fantasias.(Bernadet, 1980, p. 127).
Dentre as oficinas, as exposies e os debates que compuseram o projeto de
interveno cultural na Vila Kennedy, nos dias 16, 17 e 18 de maro de 2012, o acesso aos
vdeos e suas exibies nas datas supracitadas foi a parte mais esperada do festival.
Principalmente porque na mostra competitiva, cujo tema era Eu curto a Vila Kennedy,
muitos moradores desejavam assistir s produes em que estavam envolvidos, as de seus
vizinhos e amigos; o que propiciou, evidentemente, o dilogo dos moradores com seu meio.Esta parte do festival exibiu cinco curtas-metragens, inscritos, que relatavam inmeras
questes existentes na Vila Kennedy. Eles foram exibidos no ltimo dia do evento e fizeram
parte de uma seleo, uma espcie de jri tcnico, que levou em considerao a ativa
participao dos moradores nas produes, assim como seus pontos de vista e opinies sobre
o que relatavam nas imagens flmicas.
A banca examinadora elegeu, de acordo com as premissas acima, o filme Histrias de
Vida. Trabalho criado pelo professor Valdemir, da Escola Municipal Ciep Vila Kennedy,em parceria com os 39 alunos do Programa de Educao de Jovens e Adultos, o PEJA. O
ttulo da produo ajuda a imaginar, previamente, o que se deseja transmitir: relatar a
trajetria dos moradores que habitam este espao fsico e geogrfico e as relaes que eles
estabelecem sendo os prprios protagonistas da narrativa.
O curta-metragem suscita o desejo de se olhar esses atores sociais, que da Vila
Kennedy so integrantes, no conjunto de suas experincias, por meio de diferentes ngulos e
das leituras das suas memrias sociais: desde suas projees, limites, angstias e aspiraes.
No importando delimitar se o que o cinema reproduz tenta ser real ou no, ser fiel, natural ou
artificial; importando, apenas, o que o filme quer dizer e o que se pode interpretar acerca de
seu contedo (Bernadet, 1980, p. 131).
possvel perceber, atravs de algumas experincias retratadas no filme, que os
protagonistas esto repaginando suas concepes sobre o papel social que exercem, hoje, na
sociedade. A subjetividade de seus relatos representa no s as diversidades postas em debate,
mas tambm a viso e o posicionamento deles diante de uma srie de questes evidenciadas,
atualmente, em seu cotidiano. Haja vista a declarao da aluna Maria da Conceio Barbosa,
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que v, na Educao, as possveis formas de ascenso social e a valorizao de seu papel
como cidad atuante na luta pela manuteno e ampliao de seus direitos e deveres (Pontual;
Ireland, 2006, p. 109).
Assim, segundo Paulo Freire(1987, p. 23):A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, ter, doismomentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vo desvelando o mundo daopresso e vo comprometendo-se na prxis, com a sua transformao; o segundo, emque, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e
passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertao.
Outro ponto importante que chama a ateno para o filme, e traz tona o debate sobre
a significao da Educao Popular, provm da fala, impressionante, da aluna Ilza da
Conceio. Ela possibilita a interferncia dos espectadores, principalmente dos jovens, nomodo como pensam a Educao e o processo de ensino-aprendizagem, ao dizer que nunca
tarde para aprender e para aprender no tem idade.
Pela identificao, o espectador pode se deixar conduzir pelo sentido da narrativa,
enquanto atribui significados a ela (Duarte et alli 2004. p. 45). Isso possvel pela troca de
experincias entre os espectadores e moradores-atores do filme, o que possibilita a
interpretao e a contextualizao do emaranhado de informaes transpassadas atravs das
narrativas, associando-as s prticas existentes na contemporaneidade. Como, por exemplo,
visvel no relato da aluna Maria Jos Lopes, que na sua infncia no pode ir escola e
apanhou porque foi escondida, j que, segundo seu pai: mulher no precisava aprender a ler.
Aprender a ler para qu, para escrever carta para namorado?.
As experincias de cada componente do vdeo so bem tocantes e sensibilizadoras.
Elas resgatam valores, incorporam a diversidade social Educao Popular, pois propiciam a
participao dos sujeitos na tomada de decises, alm de proporcionar ganhos sociais atravs
das relaes que se estabelecem na interao do indivduo com o meio, neste caso, do
espectador com os protagonistas dos filmes e seu espao fsico e geogrfico.
Ainda nessa perspectiva, v-se, com a experincia da aluna Elza Maria, um relato
capaz de mobilizar boa parte da populao. Ela que, por razes diversas, no pode frequentar
o colegiado na fase regular, diz que, ainda hoje, existem pessoas que a questionam se ela, na
idade atual, ainda tem algo a aprender. Ciente do seu papel social, Elza contrape dizendo:
eu ainda tenho muita coisa a aprender ainda, ou seja, a Educao sendo utilizada, nesse
contexto, como elemento de superao.
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O contato com as imagens flmicas emociona integralmente os espectadores. Os
alunos, moradores, atores, protagonistas, repensam as questes assinaladas na narrativa, que
tambm se fazem presentes em diversas culturas, e as associam ao seu conhecimento de
mundo. Isso permitir atribuir sentido trama e, consequentemente, dar-lhe- novas ecabveis vias de interpretao social; alm de viabilizar recursos para a reflexo de aspectos
tidos como morais, porque permitem que os espectadores experimentem situaes diversas,
ainda que no, necessariamente, tenham sido vivenciadas por eles.
Outros dois relatos do filme Histrias de Vida tornam-se bem marcantes no ato de
sua exibio. O primeiro quando os alunos Carlos Davison e Mara Regina evidenciam seus
sonhos: ele diz que o de ajudar ao prximo, ela revela seu desejo de ser escritora. So
sonhos simples, mas so suficientes para marcarem as participaes desses dois personagensna trama. Seus desejos rompem com os esteretipos de que, por viverem em uma regio cuja
precariedade do bsico, como sustento, constante, no possam por fim aos paradigmas que
lhes so, constantemente, atribudos.
O segundo relato o do aluno Altair Matias. Esta parte do filme foi a mais impactante,
quando apresentada no festival, pois toca em um dos pontos mais questionados pelos
moradores da Vila Kennedy e de periferias que, tambm, se encontram s margens do que
lhes so predestinados: a possibilidade de ascenso social, a mudana de vida e de condio
financeira.
Para ele, esta alternativa, esteve relacionada a um paradoxo jogo. Isso mesmo, Altair
teve a possibilidade de melhorar sua condio financeira atravs da combinao dos seis
pontos agrupados da Loteria Federal, mas a desperdiou por no pensar no que isso,
futuramente, poderia proporcionar a sua vida. Ao invs de jogar na Loteria, ele jogou
purrinha e gastou todo o dinheiro que seu pai lhe deu. Ele apanhou e, no satisfeito com o
ato do pai, fugiu de casa.
Todas essas histrias funcionam como ganhos sociais: pois suas relaes com o
cotidiano, com o popular, com o contexto dos indivduos, interpelam as concepes de vida
que os personagens tinham quando os fatos aconteceram e pelas novas interpretaes que hoje
possuem ao relatar suas vivncias passadas. Alm de possibilitar que o espectador, no
exerccio de sua cidadania, repense suas prticas, aes, considerando a relao ativa de
sujeitos que eles exercem nas diversas esferas da sociedade. Exatamente o que se dimensiona
no campo da Educao e seu protagonismo popular, pois no h, como menciona FREIRE
(1967, p. 35), educao fora das sociedades humanas, assim como no h homem no vazio.
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III Concluso
O cinema entra na sua vida como um dos elementos que compem a suarelao com o mundo, o cinema no determina completamente essa relao.
Alm disso, contrariamente a muitas teses, diante do cinema, o espectador
no necessariamente passivo [...]. No ato de ver e assimilar um filme, opblico transforma-o, interpreta-o, em funo de suas vivncias,inquietaes, aspiraes, etc. (Bernadet, 1980, p. 166).
O cinema, como uma das artes dominantes (Bernadet, 1980, p. 132) na sociedade e
suas diversas formas de narrativas e linguagens, possibilita produzir sentido e construir
valores na sua interao com o espectador, alm de resgatar elementos e expresses culturais
interligadas s ideologias democrticas da Educao em seu campo Popular e relacionar-se,
tambm, aos outros campos da sociedade civil.
Como se pode perceber, a Educao Popular, como concepo educativa, est
conectada s inmeras aes e prticas que compem a histria cultural do ser humano. Suas
medidas socioeducativas atribuem o papel de protagonista populao, no tocante
disseminao do conhecimento e da permanncia ativa de seus participantes na construo do
poder poltico de suas camadas.
Por isso a arte cinematogrfica, e a valorizao de produes autorais criadas em
espaos populares, como, por exemplo, o filme Histrias de Vida, estabelece uma relao
significativa, porque vincula, resgata e pe em voga os aspectos polticos e socioculturais do
local. E, medida que o pblico assiste s produes cinematogrficas, principalmente s que
esto diretamente relacionadas ao seu convvio, novas projees sociais de realidade so
recriadas, porque os espectadores se reconhecem, e se redefinem mutuamente, atravs das
experincias alheias.
Assim, percebe-se que, projetos culturais como o 1 Festival de Curtas-metragens da
Vila Kennedy, possibilita o estreitamento entre Cinema e Educao Popular. No dilogo entreos elementos do filme, orientaes, sugestes e explicitaes, a arte flmica indica a entrada
da vida cotidiano dos personagens , tambm, vida cotidiana de seus espectadores, fazendo
com que estes se reconheam naqueles, por meio do coletivo ao qual fazem parte, e atuem
democraticamente, atravs das contnuas intervenes na sociedade.
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Referncias Bibliogrficas:
BRANDO, C. R. A educao popular na escola cidad. Petrpolis: Vozes, 2002.
BERNADET, J. C. O que cinema. So Paulo: Brasiliense, 1980.
DUARTE, R.; LABRUNNE, M.G.; ALVES, D.; LIMA. E.; ALVES, C.; LEITE, C. Produode Sentido e construo de valores na experincia com cinema. In: SETTON, M.G.J. (Org.).A cultura da Mdia na Escola. So Paulo: Annablume, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______. 1967. Educao como prtica de liberdade. 14ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
PONTUAL, P.; IRELAND, T. (Org.). Educao Popular na Amrica Latina: dilogos e
perspectivas. Braslia: Ministrio da Educao/ UNESCO, 2006.RAMOS, J.M.O. Cinema, televiso e publicidade: cultura popular de massa no Brasil nosanos 1970-1980. So Paulo: Annablume, 2004.
SETTON, M.G.J. Cinema: instrumento reflexivo e pedaggico. In: SETTON, M.G.J. (Org.).A cultura da Mdia na Escola. So Paulo: Annablume, 2004.
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MDIAS, EDUCAO E SEXUALIDADE:
DISCUTINDO IMAGENS PARA O ESPAO ESCOLAR
Luriam Cruz da Silva
Um corpo no apenas um corpo. tambm o seu entorno. Mais do que umconjunto de msculos, ossos, vsceras, reflexos e sensaes, o corpo tambm a roupa e os acessrios que o adornam, as intervenes que nele seoperam, a imagem que dele se produz, as mquinas que nele se acoplam, os
sentidos que nele se incorporam, a educao de seus gestos... Enfim, umsem limite de possibilidades sempre reinventadas e a serem descobertas.
(Goellner, 2010, p. 29)
Em busca das falas escolares, onde os sujeitos se expressam, produzem suas ideias e
percorrem as mltiplas diversidades culturais no/do ambiente social, busco neste trabalhorefletir sobre as influncias miditicas e expresses juvenis que fulguram o espao social, bem
como um dilogo entre as prticas educacionais desenvolvidas frente educao sexual.
Problematizamos neste captulo o trabalho escolar mediante a discusso das
sexualidades a partir das variadas pedagogias em circulao5 que reproduzem as mltiplas
caractersticas identitrias em produes miditicas. Analisamos especificamente trs vdeos
produzidos pela Organizao No Governamental (ONG) Pathfinder do Brasil para o
Ministrio da Educao (MEC), composto por histrias que fazem parte do espao escolar,histrias estas que apresentam as mltiplas transformaes e traz a pluralidade que, como dito
por Guacira Lopes Louro (2010: 42) novas identidades culturais obrigam a reconhecer que a
cultura, longe de ser homognea e monoltica, , de fato, complexa, mltipla, desarmonizada,
descontnua.
I Diretrizes Curriculares: singular ou plural?
A preocupao educacional sobre a sexualidade existe desde os anos 20, porm o
discurso se intensifica a partir dos anos 70 e 80, voltada para o risco das doenas e
contaminaes, bem como gravidez indesejada que comearam a acometer os jovens,
repercutindo no desenvolvimento de uma poltica de reduo de danos, introduzindo a escola
o papel de informar e prevenir. Em sequncia a estudos sobre a sexualidade, bem como sua
5Aqui me aproprio da fala de Silvana Goellner (2010) discursando sobre a construo do corpo, como aquele
que representa suas caractersticas sem normas fixadas, inconstante, que se expressa e expresso; Caractersticaspresentes em msicas, cinema, imagens, livros, etc.
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importncia frente o desenvolvimento identitrio, as influncias culturais e sociais que
permeiam o discurso e a construo de um conhecimento, possvel trabalhar o olhar e
perceber a complexidade que compe os espaos sociais e pensar nas multiculturas que se
originam das mltiplas redes emergentes de reivindicaes identitrias, vindas dasmodificaes sociais que se constroem a partir dos ideais refletidos e das relaes produzidas
durante seu percurso. Semprini (1999:146) nos apresenta em seu discurso o espao
multicultural como espao de sentido, onde a importncia da circulao dos smbolos maior
que a circulao de materiais e bens (grifos do autor). Num contexto multicultural, no
existe um espao social, mas tantos espaos quantas percepes os diferentes grupos
tenham do mesmo. (Semprini, 1999: 147).
Para dialogar com esta multiplicidade visualizamos a necessidade de compreender eaprender com esta diversidade de expresso, pois, investigar estas variveis, palpar e
absorver culturas distintas. Afrnio Catani e Renato Gilioli (2008: 104) chama ateno a
juventude e suas multiplicidades, desnaturalizando a condio natural do ser, o
desconhecimento social das juventudes, das diversidades e das desigualdades que constroem
as culturas juvenis e a relao que a sociedade pouco conhece/reconhece.
Os desenhos didticos6comeam a criar forma a partir da aprovao da ltima LDB
(Lei 9.394/96) com o lanamento dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o
Ensino Fundamental e Mdio, que conduz a educao ao acesso pleno em exerccio da
cidadania, bem como relevante aos assuntos contemporneos (ex: meio ambiente,
sexualidade, sade, tica). Quando se discute a sexualidade, temos vrios fatores que influem
na construo e conceitualizao da identidade, e incube ao indivduo os diferentes caminhos
precursores a mesma. Fatores sociais, culturais, religiosos, familiares tambm compem um
universo amplo que promove a diversidade que habita e co-habita os espaos e as identidades
sociais. Os meios de comunicao em massa cada vez mais em ascenso promovem ao
discurso atual, inmeras caractersticas e aspectos que apresentam um universo de novidades.
As mdias presentes no cotidiano trazem aos sujeitos, informaes possveis atravs da
vivncia social, ou seja, do que est inserido no espao social, do que faz parte do cotidiano e
tambm de caractersticas produzidas a fim de imprimir socialmente novas tendncias.
Concordamos com Silvana Goellner (2010: 29) quando diz que filmes, msicas, revistas e
livros, imagens, propagandas so tambm locais pedaggicos que esto o tempo todo, a dizer
6Referente ao desenvolvimento do trabalho pedaggico no ambiente escolar a partir da incluso dos parmetroscurriculares nacionais.
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de ns, seja pelo que exibem ou pelo que ocultam. O discurso proferido pelo Governo traz
aspectos importantes em questo informao do tema, porm esta mesma informao que se
inicia em um discurso global e igualitrio, no produzida em uma mudana social sob a
reflexo ao debate contemporneo da diversidade.Diante da diversidade cultural que compe o espao contemporneo e cerca o
cotidiano escolar, em consonncia as variadas ferramentas miditicas e tecnolgicas que
participam do movimento proferido, articulamos discusso a apresentao dos vdeos
produzidos para o Ministrio da Educao (MEC), intitulados: Torpedo, Probabilidade e
Encontrando Bianca. Nestes vdeos encontramos trs distintas histrias que do subsdios para
a discusso no meio escolar sobre o tema transversal. O que ser descrito, a seguir, se funda
nas caractersticas originais dos vdeos analisados, seguida por dilogos em educao sexualnas bases educacionais brasileiras.
III Histrias contadas em imagens retratadas7
Vdeo Probabilidade8
A famlia de Leonardo precisa mudar de cidade, e nesta transio de espaos,
Leonardo se sente atingido por ter que deixar para trs sua primeira namorada (Carla). Emmeio mudana, a adaptao em uma nova escola, novos amigos e a nova cidade, Leonardo
comea uma amizade com Matheus que a princpio, por receio no lhe conta sua opo
sexual, porm mais tarde acaba sendo revelada por piadas no ambiente escolar. Leonardo fica
meio confuso em considerao a omisso do amigo sobre sua opo sexual.
Ainda meio entristecido com a mudana de vida, seu novo amigo o convida para festa
de despedida de seu primo que passa pelo mesmo problema que Leonardo passou. Com a
convivncia no novo colgio, as novas amizades e as conversas Leonardo se v confuso;gostar de meninas ou de meninos? Mas porque tenho que escolher?
7As imagens utilizadas neste trabalho, se caracteriza a partir da captura de imagens do vdeo disponibilizado noYoutube, atravs do mtodo de Print Screen e finalizao da imagem em programa editorial de imagemPhotoscape, com a proposta de produzir diferentes percepes, questionamentos e reflexes sobre a discussoem educao sexual no ambiente escolar.
8Vdeo disponvel em: . Acesso em: 2de maio de 2012
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O vdeo se encerra com a reflexo de Leonardo mediante os questionamentos de sua
sexualidade, seus sentimentos; sem limitaes ao que se refere ao outro, sem barreiras as
relaes produzidas em sua vida.
Encontrando Bianca9
Jos Ricardo narra sua histria, contando os sonhos dos familiares, principalmente de
seu pai que gostaria de v-lo jogador de futebol, mas havia problemas com piadas sobre os
erros que cometia nos jogos; relata do preconceito sofrido quando pintou as unhas de
vermelho pela primeira vez, inventando desculpas para no ir escola. Logo em seguida, JosRicardo no encontrava sentido em continuar vivendo com roupas e cabelo de menino,
mudando completamente e passando por fases difceis, como o preconceito dentro e fora da
escola, e ainda dentro de casa, seus pais passaram um ano sem falar com Bianca (nome
adotado em homenagem a sua atriz favorita). Bianca relata sua experincia dentro do espao
escolar, da falta de reconhecimento da diversidade pelos profissionais, pela violncia
promulgada por outros alunos.
Apresenta a tradio social, que legitima padres de normalidade e demoniza a
diversidade que faz parte da sociedade. Mas, traz em sua histria outras relaes, as quais
apoia e d foras a lutar por um espao sem fronteiras.
9Vdeo disponvel em: . Acesso em: 2 de maio de 2012.
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Vdeo Torpedo10
Esse vdeo traz a histria de Ana e Vam; tudo acontece em uma festa onde tiram fotos
delas juntas e na semana seguinte as imagens so propagadas dentro da escola. Sem saber o
que fazer, elas conversam sobre a atitude a tomar, se continuam juntas e como agem para
enfrentar o pr-julgamento que as espera. Tomando assim a deciso de continuar seu
relacionamento e enfrentar todos os desafios sociais que surgir.
10Disponvel em: http://www.youtube.com/watch?v=2qR7yDl0W0g>. Acesso em: 2 de maio de 2012.
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IV Educao e Sexualidade: alguns dilogos
A produo do corpo se opera, simultaneamente, no coletivo e no individual.Nem a cultura um ente abstrato a nos governar nem somos merosreceptculos a sucumbir s diferentes aes que sobre ns se operam.
Reagimos a elas, aceitamos, resistimos, negociamos, transgredimos tantoporque a cultura um campo poltico como o corpo, ele prprio umaunidade biopoltica. (Goellner, 2010: p. 39)
Pensando no campo curricular sobre a diferena e identidade, pode-se observar um
discurso singular que padroniza as aes institucionais, criando nomenclaturas para o certo
e o errado, definindo o normal e o anormal. Guacira Lopes Louro (2012: 51) diz que
talvez seja mais produtivo para ns, educadoras e educadores, deixar de considerar toda essa
diversidade de sujeitos e de prticas como um problema e passar a pens-la como
constituinte do nosso tempo. [...] Um tempo em que a multiplicidade de sujeitos e de prticas
sugere o abandono do discurso que posiciona, hierarquicamente, centro e margens em favor
de outro discurso que assume a disperso e a circulao do poder. O que contradiz
totalmente a posio social ao padronizado.
A dificuldade do discurso sobre sexualidade em mbito escolar acontece ainda hoje
pela descontinuidade e interrupo de um processo permanente, tornando a educao sexual
somente uma atividade extra mediante busca para auxiliar em discusses necessrias que
acontecem em datas especficas. A dinmica que compe o multiculturalismo est inserida no
conceito construtivista, onde a troca entre todos os grupos viabiliza a interao indivduo-
coletividade. As comunicaes que originam as falas multiculturais tomam forma a partir do
que o receptor compreende do enunciado emitido, e este um dos desafios do
multiculturalismo, que passa por questes que estabelecem uma comunicao clara e que
possibilite encontrar novos terrenos de mediao. Nesse sentido, pode-se afirmar que,
algumas vezes, a cultura juvenil parece no ser bem-vinda escola (Aquino & Soares, 2010:
84).O choque provocado pela lgica social, em relao padronizao inserida nos
espaos, perturba o campo educacional em referncia ao tradicionalismo contnuo, que no
dispe de meios para lidar com os novos movimentos que so construdos no espao escolar.
Por outro lado, pensando na padronizao do corpo, dos esteretipos produzidos socialmente,
dialogamos com o outro lado miditico que promove a sexualidade e sua discusso a nvel
moral. Jimena Furlani (2010, p. 69) diz que o principal papel da educao sexual ,
primeiramente, desestabilizar as verdades nicas, os restritos modelos hegemnicos da
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sexualidade normal, mostrando o jogo de poder e de interesses envolvidos na intencionalidade
de sua construo; e, depois apresentar as vrias possibilidades sexuais presentes no social, na
cultura e na poltica da vida humana, problematizando o modo como so significadas e como
produzem seus efeit