livro_ensino e pedagogia da imagem (1)

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    ENSINO E PEDAGOGIA DA IMAGEM

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    EDUR Editora da Universidade Federal Rural do Rio de JaneiroRodovia BR 465, Km 7, Centro CEP 23890-000 Seropdica, RJ

    Fone: (21)2682-1210 ramal 3302 FAX: (21)[email protected]

    www.ufrrj.br/editora.htm

    UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitor: Prof. Ricardo Motta Miranda

    Vice-reitor: Prof. Ana Maria Dantas Soares

    Pr-Reitora de Pesquisa e Ps Graduao: Prof. Aurea Echevarria

    Pr-Reitora de Ensino e Graduao: Prof. Ndia Majerowicz

    Publicaes da Comisso Permanente de Formao de ProfessoresCoordenao Editorial: Profa. Gabriela Rizo

    COMISSO EDITORIALProf. Francisco Jos Dias de Moraes (UFRRJ)

    Prof. Luiz Claudio Valente Walker de Medeiros (UFRRJ)Prof. Valria Marques de Oliveira (UFRRJ)

    Capa: Rafael Mathias Diagramao: Rogrio Ribeiro

    371.33

    E59

    Ensino e pedagogia da imagem / Aristteles Berino(organizador). Seropdica, RJ: Ed. da UFRRJ, 2013.

    100 p.

    Inclui bibliografia.

    ISBN 978-85-8067-034-9

    1. Educao visual. 2. Ensino de primeiro grau Seropdica (RJ). 3. Educao Mtodosexperimentais. 4. Inovaes educacionais. I. Berino,Aristteles. II. Ttulo.

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    ENSINO E PEDAGOGIA DA IMAGEMOrganizao: Aristteles Berino

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    SUMRIO

    INCIO DE CONVERSAAristteles Berino............................................................................................................................. 7

    PARTE 1 A IMAGEM EM MOVIMENTO

    A ESCOLA NA CMERA DOS ALUNOS, IDENTIDADES JUVENIS, PROJEESMIDITICAS

    Aristteles Berino............................................................................................................................. 11

    HISTRIAS DE NS MESMOS: VDEO, PESQUISA E EXTENSOConceio Soares e Aline Caetano................................................................................................... 19

    CURTA VILA KENNEDY: O CINEMA QUE CONECTA A EDUCAO POPULARIsabel Cristina Mendes Pinheiro Navega......................................................................................... 27

    MDIAS, EDUCAO E SEXUALIDADE: DISCUTINDO IMAGENS PARA O ESPAOESCOLAR

    Luriam Cruz da Silva........................................................................................................................ 37

    CENAS DE CURRCULO: O CINEMA NA SALA DE AULA E AS CULTURASJUVENISMonique de Oliveira Silva e Talita Raquel Dantas Cardoso........................................................... 45

    PARTE 2 O MOVIMENTO DA IMAGEM

    PONDERAES SOBRE A ATUALIDADE DO ENSINO DAS ARTES VISUAISFRENTE S VISUALIDADES JUVENIS

    Aldo Victorio Filho e Viviane Oliveira de Mello.............................................................................. 55

    IMAGENS DAS CULTURAS. EDUCAO, FLUXOS ESTTICOS E FREQUNCIASCULTURAIS

    Denise Esprito Santo e Kzia Jacomo Pimentel.............................................................................. 63

    ARTE, GRANDES DIMENSES E PINTURA MURAL: CRIAO COLETIVA,APRENDIZADO INDIVIDUAL OU... UMA IMAGEM COMO O NO-EU MEUGilliatt Moraes Giudice.................................................................................................................... 69

    IMAGENS E NARRATIVAS NOS/DOS/COM OS MOVIMENTOS ESTUDANTIS:

    ENSINO, CURRCULOS PRATICADOS E ESPAOSTEMPOS DE FORMAORebeca Silva Brando Rosa.............................................................................................................. 79

    CIBERCULTURA: UMA CONVERSA SOBRE IMAGENS JUVENIS NOCIBERESPAOThayn Marracho............................................................................................................................. 89

    SOBRE OS AUTORES ............................................................................................................... 97

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    INCIO DE CONVERSA

    Antes de tudo, importante dizer que este um trabalho do Grupo de Pesquisa

    Estudos Culturais em Educao e Arte. Todos os seus artigos foram escritos por integrantes

    do grupo ou autores que fazem parte das nossas redes de contato, correspondncias e trocas.

    Ensino e Pedagogia da Imagem uma coletnea de artigos, resultado de diversas

    pesquisas, que tem o ensino e o uso pedaggico das imagens como interesse de

    problematizao e investigao.

    A reunio de artigos reflete uma variedade de temas conexos ao eixo proposto. Uma

    proposta de publicao que se consolidou em torno de atividades acadmicas sistemticas,

    comprometidas com a formao de professores e as prticas de ensino. So trabalhos

    desenvolvidos por docentes e discentes de duas universidades (UFRRJ e UERJ) e trs cursos

    de licenciatura: Pedagogia/UFRRJ (Aristteles Berino, Isabel Cristina Navega, Luriam da

    Silva, Monique Silva, Talita Cardoso e Thayn Marracho), Pedagogia/UERJ (Conceio

    Soares, Aline Caetano e Rebeca Brando Rosa), Artes Visuais/UERJ (Aldo Victorio Filho,

    Viviane Mello, Denise Esprito Santo e Kzia Pimentel), alm do CTUR, o Colgio Tcnico

    da UFRRJ, com a formao de professores de Artes, no PIBID (Gilliatt Giudice).

    A multiplicidade de suportes para usos de imagens, diante de novas tecnologias

    eletrnicas e digitais , alm da prpria composio imagtica do corpo no estgio avanado

    do capitalismo, como uma caracterstica cultural do nosso tempo, nos permite falar de uma

    pedagogia da imagem. As imagens so pedagogizadas, porque so usadas para transmitir

    valores, sentidos, ideologias, impresses, vises etc. As imagens so, portanto, formativas.

    Apesar do alcance das imagens na contemporaneidade, determinada herana

    iluminista, centrada nas letras, na escritura, no texto, ainda embaraa a recepo e produo

    das imagens nas escolas, vistas, geralmente, como ilustraes. Raramente so vistas na sua

    alteridade de expresso, comunicao e formao/educao. Mesmo no campo restrito dasartes, ainda h a restrio das belas artes, que procuram reprimir a pluralidade das imagens.

    assim que as imagens realizadas pelas classes populares ou pelas juventudes so

    consideradas sem a mesma importncia das produes autenticadas, outorgadas.

    Os textos aqui apresentados pretendem contribuir para uma concepo contempornea

    do ensino, da formao de professores, propondo a pedagogia da imagem tambm como

    questo para o currculo, a didtica, a prtica de ensino, a relao escola-comunidade, entre

    outras relaes pertinentes. Uma abordagem que considera ainda que as pedagogias da

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    imagem so tessituras que acontecem dentro e fora das escolas, com fios que cobrem toda a

    vida social, convidando a um pensamento e a uma prtica educativa que no v mais a escola

    como uma entidade separada da existncia no seu conjunto, nem desconsidera as capacidades

    do ensino escolar como elemento importante da formao humana.O livro foi concebido em duas partes. A primeira delas vai se dedicar pluralidade dos

    usos do audiovisual na educao e na escola, por parte dos seus sujeitos a imagem em

    movimento. A segunda parte remete presena dinmica das imagens, presente nas prticas

    culturais em diferentes suportes e espaos formativos (culturais, sociais, virtuais) diversos

    o movimento da imagem.

    Sobretudo, a proposta do livro a considerao do ensino como arte e do humano

    como beleza. Destacar a existncia como esttica e a formao, o ensino, como plstica.Propor a discusso em torno da pedagogia da imagem amplificar nossas referncias para o

    ensino e para a nossa viso do humano. O humano como personagem privilegiado da vida,

    porque criador de formas, sentidos e prazeres tambm atravs de imagens.

    Aristteles Berino

    (Organizador)

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    PARTE 1

    A IMAGEM EM MOVIMENTO

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    A ESCOLA NA CMERA DOS ALUNOS, IDENTIDADES JUVENIS, PROJEES MIDITICAS

    Aristteles Berino

    da natureza da ao docente e discente, a doura e a alegria,o puro divertimento e deleite para a alma.

    Comenius (2011, p. 12)

    I A escola na cmera dos alunos

    Iniciei minhas pesquisas com imagens nas escolas, quando lecionava na rede

    municipal do Rio de Janeiro, na Escola Municipal Uruguai. Cursava o doutorado em

    educao na UFF e queria fotografar espaos do cotidiano: o prdio e os seus lugares, onde

    alunos e professores compartilhavam a jornada de estudo e trabalho. Mas, sobretudo, queria

    fotografar o espao do que gosto de chamar vida nas escolas 1. Pretendia fazer algumas

    imagens focando esses espaos, mas sem a presena das pessoas. Queria me deter nesses

    lugares, mas ausente dos seus frequentadores. Achei que assim eu poderia ver alguma coisa,

    que no tumulto do seu pblico deixa tudo sem a nitidez que eu planejava capturar

    solitariamente. Mas o cotidiano mesmo no se prev to bem.

    Quando, silenciosamente, iniciei algumas fotos dos lugares sem as pessoas, logo as

    pessoas apareceram. Inicialmente meus alunos, depois os demais, todo mundo queria serfotografado. E logo vi que no havia propriamente, pelo menos ali, espao sem pessoas. O

    que queria para repousar meu olhar e apontar a cmera no existia seno como vida, vida

    nas escolas. verdade que s vezes nossos alunos passam por algum canto e ali deixam em

    traos, formas e cores suas vidas: um rabisco na carteira, um escrito na parede, coisas assim.

    Mas os lugares so sempre resignificados pelas pessoas. Ento, mesmo para fotografar os

    espaos vazios, seria necessrio lidar com a figurao dos vivos.

    Terminei o doutorado e mais adiante ingressei na UFRRJ, no campus recm-criado,em Nova Iguau. Mudanas que no me afastaram completamente do cotidiano escolar.

    Prossegui com o meu interesse de pesquisar a vida nas escolas, com registros fotogrficos, no

    CTUR, Colgio Tcnico da UFRRJ, que fica em Seropdica, Baixada Fluminense. Perodo de

    mudanas na minha vida pessoal, mas acompanhada de significativas transformaes tambm

    nos cotidianos das escolas, e exatamente no aspecto que aqui tenho destacado: a produo de

    imagens. No tenho mais a mquina que utilizei para fotografar, quando lecionava na

    1Expresso que encontrei no ttulo de um livro de Peter McLarem (1997)

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    educao bsica. Foi substituda por outra, melhor. Mas a principal alterao foi ainda outra.

    Nem a mais atual das mquinas digitais exerce o mesmo poder de atrao nas mos de um

    professor. Por qu?

    Simplesmente porque, agora, as mquinas digitais no esto apenas melhores, elascustam muito menos e tambm os jovens estudantes fotografam e filmam!2Nos ltimos

    anos, na esfera do consumo, dos usos prticos e cotidianos dos objetos, quem antes era,

    sobretudo, retratado nas imagens, passam a ser tambm seu produtor, realizador e

    distribuidor. A popularizao das mquinas digitais passou o equipamento de mos: do

    professor para o aluno. E at das mos para o ouvido: a miniaturizao levou ainda mquina

    fotogrfica para o celular. E filmar deixou tambm de ser um privilgio. A pesquisa com

    imagens, no cotidiano das escolas, d um giro. Agora a fonte destes registros no principalmente institucional, nem est de posse exclusiva das figuras de autoridade escolar.

    Quando iniciei a minha aproximao do CTUR, para conhecer suas imagens

    fotogrficas, fui at o Centro de Memria da UFRRJ, para descobrir o que tinham como

    registros do Colgio. O que consegui foram algumas imagens (fotografias digitalizadas) do

    prdio em diferentes perodos e de momentos solenes na escola (assinaturas, personalidades)

    ou de participao dos seus alunos fora do colgio (desfile cvico). Mas, depois de cinco anos,

    essa aventura atrs das imagens mudou o rumo da caminhada. possvel procurar os prprios

    alunos e com eles conhecer imagens do colgio que eles fizeram. Ou mesmo, partir para o

    mundo virtual e na web encontrar o que muitos alunos, mas tambm professores e at

    publicaes institucionais, esto disponibilizando.

    Aqui o disponibilizando vem entre aspas, porque no se trata exatamente de

    informao ou de material colocado na web para eventuais interessados. No se trata tambm,

    especialmente, de uma produo de fontes para conhecimento, pesquisa ou mesmo recordao

    e exibio pessoal, familiar, entre amigos. O carter da projeo flmica aqui outro, prprio

    de um tempo, de uma poca, que possui caractersticas prprias quando falamos de imagens.

    A mesma roda tecnolgica que faz os equipamentos passarem de mo em mo, quando antes

    ficavam sob a posse de personagens mais exclusivos (o profissional, o adulto, o professor),

    faz girar tambm as subjetividades nos usos das mquinas. Se as fotografias so documentos,

    so antes de tudo, documentos de identidade 3.

    2Como afirma o cineasta Cac Diegues (2012), o mundo se alfabetiza audiovisualmente, filma-se de todas asmaneiras, em todos os cantos do planeta.3Aqui estou me apropriando de outro ttulo de um livro: Documentos de identidade, de Tomaz Tadeu da Silva.(1999)

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    No que o lbum de famlia ou instituies de memria no tenham significaes

    identitrias. Sim, claro que tinham e continuam tendo. Ou que as fotografias antigas no

    tivessem uso miditico. Com certeza, tinham tambm. Mas as imagens integram hoje uma

    rede mais complexa. O nmero de indivduos que podem fazer imagens fotogrficas ouflmicas se diversificou. E os suportes para a projeo das prprias imagens tambm so

    diversos e podem manter correspondncias entre si. Ento, h uma intensidade na produo

    de imagens e um fluxo at agora desconhecidos. So mudanas nos objetos e nos sujeitos.

    No existem transformaes que no sejam ntimas entre o mundo das coisas e o mundo

    humano.

    II Identidades juvenis

    Depois de conhecer as imagens que o Centro de Memria possua sobre o CTUR (isso

    foi em 2007, preciso atualizar minhas informaes sobre o acervo a respeito da escola),

    comecei a fotografar no colgio. No era a mesma coisa de fotografar meus alunos ou outros

    estudantes da escola, tal como fiz muitas vezes na E M Uruguai. No era da mesma forma

    porque no havia a mesma familiaridade, o cotidiano de algum modo compartilhado. Foi

    durante as frias escolares e resolvi comear por suas imagens, nas paredes e carteiras

    escolares. Eles ainda no apareceriam nas fotografias, mas era mais aquela pretenso vaga de

    fotografar os lugares. Queria agora fotografar suas presenas no cotidiano escolar, suas

    vidas impressas nas superfcies. Extenses de suas existncias, as identidades decalcadas no

    corpo da escola.

    Mais adiante, com bolsistas de iniciao cientfica participando do contato com os

    alunos do colgio, tive acesso a fotografias que os jovens estudantes do colgio estavam

    realizando, quando registravam vrios momentos das suas presenas ali. Assim fotografias

    realizadas por professores, que tambm registravam aspectos dos seus cotidianos no colgio.

    E mais recentemente comecei a conhecer os vdeos que alunos do colgio postam no

    YouTube e um deles ser de particular interesse aqui neste artigo, chama-se Pra mim o

    CTUR ... e est disponvel no seguinte endereo:

    http://www.youtube.com/watch?v=xdv6MPH640c. Trata-se de uma produo audiovisual

    feita por alunos do 2 ano do curso de Agropecuria Orgnica, a partir de uma solicitao de

    professores, para uma mostra de vdeos que ocorreria na Semana Acadmica do colgio, em

    2010.

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    Partindo, ento, de uma proposta de realizao feita por professores, Pra mim o

    CTUR ..., com aproximadamente dez minutos, filme de um coletivo de alunos4 para

    responder a um pedido institucionalizado. Carter que pode ser, aqui e ali, identificado na

    produo. Mas nada disso importa muito para a sua apreciao. Principalmente, seu cartermaior a dedicao esttica e celebratria da vida na escola. Esse o ponto que gostaria de

    destacar aqui, a respeito do cotidiano, que a pesquisa das suas imagens pode proporcionar:

    essas imagens so fontes (manancial, nascente) para pensamentos e prticas que devem

    decorrer da recorrente investigao a respeito das possibilidades da educao escolar e das,

    menos procuradas, capacidades juvenis de alegria, paixo e amizade no cho da escola.

    O audiovisual uma colagem de inmeras fotografias e alguns pequenos filmes, com

    uma apresentao que feita ao som de canes pop. Nele aparecem, sobretudo, os alunos docolgio, mas tambm professores e outras pessoas que ali trabalham. O filme tem incio com

    um texto, sobre imagens, que diz: CTUR/ Escola... /um espao de DIVERSIDADE!. A

    seguir, outra mensagem, de um professor, ser inserida tambm. Mas o texto inicial que ser

    mesmo indicativo do que pretendido realizar com o filme: dizer, com imagens, como a

    escola. A pretenso parece ter um resultado simples, porque no existe nada de

    extraordinrio nas imagens mostradas. Mas penso que no. O filme, feito de imagens

    ordinrias, tem uma trama incomum, que colide com a forma recorrente de representao dos

    jovens e a respeito da vida nas escolas.

    O fato de ser um filme produzido para responder a uma solicitao de professores, ou

    seja, do colgio, provoca uma viso, um ponto de vista, dos alunos sobre a existncia deles na

    instituio. Deste ngulo, trata-se de um filme de identidades juvenis. Identidades

    contagiadas, como apenas poderiam ser. Fala dos alunos, fala dos professores, tudo junto e

    misturado. Mas uma mistura temperada pela alteridade das imagens. No existe confuso

    quanto ao olhar peculiar dos jovens alunos do colgio na produo do filme. Na montagem,

    escolha das fotografias e filmagens que tecem a narrativa do audiovisual, seus autores

    desenham uma imagem de suas existncias juvenis na escola, sobretudo, atravs de uma

    realizao esttica que demonstra a fora do comum e da coletividade nas identidades juvenis.

    Um olhar vago do filme poderia enxergar apenas uma sucesso de imagens iguais,

    afinal, h uma sequncia de retratos e gravaes em que aparecem somente os jovens da

    escola e finalmente, outros personagens. No entanto, o olhar de quem procura saber o que

    4Tamara Salustiano, Julia Barra, Aline Andrade, Gabriela Konkel, Lucas Ferraz, Yago Cardoso e MarianaSampaio, so os autores, com apoio da turma.

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    um filme pode nos contar com suas imagens precisa explorar seus caminhos (e descaminhos),

    o que conduz especularmente ( de espetacularmente), ampliando nossa compreenso daquilo

    mesmo que mostrado. Geralmente as cenas so vistas como uma cpia da realidade, no

    caso de documentrios, ou encenao de uma fabulao, no caso da fico. Contudo, osfotogramas tm outra realidade, eles no reproduzem, mas projetam. Eles se estendem para

    fora da tela, porque so feitos para quem assiste sua exibio.

    Assim, um filme no transposio de imagens para uma tela, mas criao que

    acontece sobre a superfcie em que visto. A elaborao maior de um filme a que acontece

    no encontro entre quem mostra e quem v, quando a imagem, de fato, se realiza. No h

    realidade da imagem sem a sua realizao nesse encontro. Ento, vejamos: os jovens

    aparecem, sempre em grupos, na sala de aula, em outros diferentes espaos da escola, ematividades externas, com uniforme escolar, com roupas de passeio, provando a beca que vo

    utilizar na formatura, participando de atividades escolares, conversando, brincando, com

    professores, com educadores que atuam na direo do colgio e outros profissionais da

    escola. Essas so as presenas dos jovens no CTUR, que apresentam as imagens do

    audiovisual. com elas que dizem, imageticamente, o que o colgio.

    A vida em comum na escola o fluxo, como a corrente de um rio, que nos conduz do

    incio ao fim do filme. No que a escola vive assim toda hora, todo dia. a imagem

    desejante. E desejam, artisticamente, esteticamente. No o desejo ntimo, privado, da

    recompensa escolar pelo resultado alcanado e a posterior carreira profissional de sucesso.

    Nem so como as imagens de viagem, com o destaque de pessoas, que posam para mostrar,

    fascinadas, onde esto. Tampouco imagens cintilantes de indivduos que do relevo aos seus

    feitos, como as fotografias de triunfo narcsico. No, aqui o filme outro. o filme de

    existncias que se intensificam com as possibilidades nascentes do instante coletivo:

    ultrapassar o recanto do trabalho escolar (nota, comportamento, ateno...) em favor dos

    corpos solidrios e plurais.

    O Pr mim o CTUR ..., o colgio que seus alunos veem, o colgio que miram e

    fabulam, um desenho que pode ser apresentado atravs de cenas recortadas e coladas, tiradas

    das fotografias e filmagens feitas, montadas para o audiovisual criado. No uma filmagem

    documental da vida nas escolas. No deve ser assistindo assim. O que encontramos quando

    assistimos o filme uma produo da fantasia. Como tal, resultado das vivncias, mas

    tambm das possibilidades (mas das virtuais impossibilidades tambm...) do amanh. Filme

    da vontade de verem acontecer o que apresentam como imagens. So imagens do que foi feito

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    ou recolhido para a montagem do audiovisual, negociando o que possuem como experincia e

    o que almejam como futuridade, aquilo que ainda esperam encontrar como cotidianidade.

    III Projees miditicas

    Mas se o filme montado com imagens extradas da vida dos seus produtores (aqueles

    que fizeram as fotografias e as filmagens, alm das pessoas que aparecem para as cmeras),

    por que o carter apenas virtual das imagens? Porque o filme montado. Diferente de ver

    as imagens separadamente, o que nos daria o retrato de um episdio que seria visto na sua

    especificidade, no vdeo Pr mim o CTUR ..., a especificidade da cada fotografia ou

    filmagem ressignificada diante da disposio com que so expostas. A montagem tece aimagem de que o colgio visto como um lugar que est alm do que j foi vivenciado,

    quando temos representado, atravs de uma narrativa que multiplica os momentos de alegria e

    fortalecimento dos personagens da escola. O efeito simples: as imagens de alegria

    transbordam, excitandosua continuao, fora do filme, nas escolas.

    Vamos retornar epgrafe que abre o texto: da natureza da ao docente e discente,

    a doura e a alegria, o puro divertimento e deleite para a alma afirma Comenius, um dos

    criadores do pensamento pedaggico na aurora da modernidade. A correspondncia entre a

    sugesto pedaggica de Comenius e o filme muito grande. Pr mim o CTUR ...

    corresponde a um elevado pensamento educacional, embora, muito distante da prtica

    institucional recorrente nas escolas. essa distncia entre o pensamento pedaggigo do

    filme, feito de imagens, e as realidades encontradas nas escolas que mobilizam o espectador

    que se sentir instigado a rever aquelas cenas, por exemplo, com outros alunos, em outras

    escolas e ainda na universidade, em cursos de formao de professores.

    Com certeza, as cenas de doura e alegria, protagonizadas por docentes e discentes,

    vistas no filme, acontecem, com intensidades variadas, em todas as escolas. Lecionei em

    vrias escolas pblicas na cidade do Rio de Janeiro. Nelas, a alegria dos jovens nunca faltou.

    Inclusive, praticamente todos gostavam de ir escola. Muitos tentavam no assistir a aula...

    Mas isso outra histria. De estar na escola, alegres, com os outros colegas, isso fato. A

    questo a ausncia da alegria como princpio educativo. A alegria invasora nos programas

    escolares. vista com desconfiana ou desinteresse. A quietude e a ateno figuram como

    imagens genuinamente pedaggicas, enquanto a alegria , na melhor das hipteses, uma

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    imagem residual, que deve vir como recompensa. No admitida na sua integridade e

    vitalidade.

    Pr mim o CTUR ... exibe o que muitas vezes recalcado: a alegria dos alunos.

    Com a importante ressalva, mais uma vez: no se trata de um agenciamento fugidio, reativoou dispersivo. Alegria como acontecimento solidrio, afirmativo de coletividades e da

    existncia, plural, social. Essa deveria ser a matria prima de toda prtica pedaggica:

    interesse pela escola, interesse pela vida, indissociveis. Imagens do cotidiano escolar, feitas

    por alunos, so seguras em nos mostrar como podem ser participativos em relaes propcias

    consagrao de suas vidas. Jovens em crescimento, em iluminao, vidos pelo

    envolvimento social e pela partilha do existir. Na passagem final do filme, j com imagens em

    movimento, h uma sequncia de imagens muito significativa, clmax da criao doaudiovisual.

    Cinco jovens que estavam escondidos, atrs de plantas que esto diante do prdio da

    escola, levantam-se e exibem cartazes. A cmera se aproxima para lermos o que est escrito:

    Para/ Mim,/o /CTUR/.... Ento, uma fabular montagem continua com o texto, da seguinte

    forma: Outros personagens da escola recebem cartazes que so entregues. Ou seja, cartazes

    so passados de mo em mo. Mas existe um engenho cinematogrfico de especial efeito

    imagtico. Em cada quadro assistimos uma dessas pessoas recebendo o cartaz de outra. Mas

    apenas o personagem principal visto, recebendo um cartaz, que passado para outra pessoa.

    Nunca vemos as pessoas nas duas extremidades do quadro, ou seja, a pessoa que entrega e a

    que recebe o cartaz. H a sugesto (o ensaio de uma iluso) de que trata-se de uma corrente,

    com todos os personagens alinhados para receber e passar o cartaz. Mas no o que acontece.

    Com a mudana de quadro percebemos que o ambiente da imagem outro, no h

    uma sequncia fsica. Ela virtual. Realidade produzida imageticamente, atravs da

    montagem do audiovisual. E mais: o cartaz recebido nunca contm as palavras-mensagens

    anteriores. Ento, a sequncia , ao mesmo tempo, uma continuidade da corrente de pessoas,

    mas alternando os espaos da escola e o contedo do cartaz, produzindo um singular efeito de

    passagem do texto sobre o que o CTUR, que atravessa os lugares e produz uma escrita que

    desenvolve a significao do colgio: Para/ Mim,/o /CTUR/... /TUDO! /Eterno/ Tudo de

    Bom! /Lugar de fazer amigos verdadeiros /Famlia /Tudo que eu tenho devo ao CTUR/

    Mato/739 /Liberdade /Dedicao e compromisso/ Oportunidade de aprender/Ousar etc. E

    aqui o jogo do poder vira tambm. Como?

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    Se o prprio filme tem a temtica oferecida institucionalmente atravs dos professores,

    na referida montagem os alunos colocam esses mesmos professores, alm da direo da

    escola e outros funcionrios na roda, segurando os cartazes tambm. Os alunos fazem os

    demais integrantes do cotidiano escolar participarem de suas falas sobre o colgio. Dirigemsuas participaes no filme e assim alcanam, para seus pontos de vista, um sentido de

    generalidade, atravs do convencimento e da aceitao, que as imagens entregam. Um

    sentimento de conjunto que reforado quando, j no fim do filme, todos os cartazes

    aparecem sendo sobre a grama da escola, lado a lado, com uma cmera que percorre seus

    dizeres, mas sem a diretividade to comum na apresentao das mensagens escolares. A

    cmera sinuosa, exibindo os textos atravs de um plano irregular: de lado, de cabea para

    baixo, at repousar, no fim, em Tudo!Se Tudo! exclama uma projeo, com volpia e deciso, a respeito do colgio em

    suas vidas, tambm finaliza o filme. Finaliza, em termos. Afinal, ao publicarem no YouTube,

    as imagens do filme se amplificam, sugerindo novos contatos, contgios e disseminaes. Um

    filme, pelo menos, um bom filme, nunca termina. Ele ficar, durante muito tempo, nas nossas

    fantasias, nos nossos sonhos. Neste caso, ser parte do imaginrio universal de uma escola

    alegre, tal como, um dia, Comenius sorriu.

    Referncias Bibliogrficas:

    COMENIUS, Jan Amos. A escola da infncia. So Paulo: Unesp, 2011.

    DIEGUES, Cac. Arte e cultura em Cannes. Disponvel em.Acesso em maio 2012.

    McLAREN, Peter. A vida as escolas: uma introduo pedagogia crtica nos fundamentos daeducao. 2 ed. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.

    SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introduo s teorias docurrculo. Belo Horizonte: Autntica, 1999

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    HISTRIAS DE NS MESMOS: VDEO, PESQUISA E EXTENSO

    Conceio Soares e Aline Caetano

    Qualquer maneira de imaginar uma maneira de fazer poltica.Didi-Huberman

    Vivemos em uma contemporaneidade povoada por imagens e sons tecnicamente

    produzidos. Uma contemporaneidade caracterizada, principalmente, pela proliferao, pelo

    barateamento, pela mobilidade, pela ubiquidade e pela facilidade operacional dos dispositivos

    destinados produo e veiculao de imagens e de sons, o que, em certa medida, nosimpele a, todo momento, interpret-los, produzi-los e difundi-los atravs de diferentes, e cada

    vez mais convergentes, meios e suportes. Nessas contingncias, nos deparamos a cada dia,

    com a circulao de uma quantidade sempre crescente de imagens, estticas ou em

    movimento, e de sons (produzidos tecnicamente e articulados ou no entre si) criados por no

    profissionais da informao, da arte e do entretenimento e distribudos por outras vias que no

    mais os j considerados tradicionais meios de comunicao de massa. Vivemos, enfim, em

    uma cultura eminentemente audiovisual, cuja ambincia, como sugere Rincn (2002), faz

    emergir outras formas de significao, isto , novas maneiras de perceber, de representar, de

    apresentar e de reconhecer, alm de engendrar inditas formas de experincia, pensamento e

    imaginao.

    Com a noo de partilha do sensvel,Rancire (2005) destaca que a constituio

    esttica que d forma comunidade est no cerne da poltica. A noo busca mostrar o modo

    como se determina, no sensvel, a participao em um conjunto comum partilhado e, ao

    mesmo tempo, a diviso em partes exclusivas. Nas palavras de Rancire: Essa repartio

    das partes e dos lugares se funda numa partilha dos espaos, tempos e tipos de atividades

    que determina prioritariamente a maneira como um comum se presta participao e como

    uns e outros tomam parte nessa partilha(2005, p.15).A poltica, nesse cenrio, ocupa-se

    do que se v e do que se pode dizer sobre o que visto, diz ele. Ou seja, ocupa-se de

    determinar quem tem competncia para ver e qualidade para contar. A transformao poltica

    pela revoluo esttica se d, ento, pelo embaralhamento desses lugares, pela redistribuio e

    partilha do poder ver e dizer de outros modos e de outros lugares, pondo em xeque as

    competncias e as autorizaes conferidas pelos espaos, tempos e tipo de atividades que

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    legitimavam ou no a participao dos sujeitos nas redes de significao que organizam o

    social.

    De fato, as novas tecnologias, meios e suportes de contedos e formas

    comunicacionais tm possibilitado a multiplicao de narrativas dos cotidianos, a partir dasquais os homens, as mulheres e os jovens ordinrios (Certeau, 1994), ou seja, comuns, criam

    suas histrias e, por meio delas, imaginam, apresentam, representam e produzem

    significaes sobre o seu mundo, sobre o seu grupo e sobre si mesmo, criando,

    permanentemente, quando se pem a imaginar, novas possibilidades e estticas de existncia.

    As narrativas audiovisuais criadas por esses sujeitos comuns circulam pelas novas e

    alternativas mdias, especialmente na internet (em sites como oFacebook e o YouTube), bem

    como so levadas de um lado para o outro em pen drives e DVDs. Para alm dessasprodues, que ainda tm um prazo de validade mais ou menos duradouro, outros tipos de

    narrativas audiovisuais do vivido so constantemente produzidas, atualizadas, recriadas e

    redistribudas por meio dos celulares, dispositivos multifuncionais que no descolam mais dos

    corpos de seus usurios. A presena de cmeras por toda parte mais do que documentar em

    tempo real, a vida real possibilita queles que produzem e consomem imagens dramatizar a

    vida cotidiana, ficcionar sobre si e sobre sua relao com o mundo, imaginando, fabulando e

    experimentando performaticamente novas possibilidades de criar sua existncia. E, como

    aponta Didi-Huberman (2011), no nosso modo de imaginar jaz nossa forma de fazer poltica.

    Enquanto os profissionais da indstria da comunicao e do entretenimento filmam,

    registram em vdeo, apenas, ou pelo menos preferencialmente, grandes produes ficcionais

    que renem autores e atores do ramo ou documentam eventos considerados especiais,

    extraordinrios, incomuns, os produtores no profissionais e annimos de audiovisuais, por

    sua vez, apontam suas cmeras para todos os lados, em todas as ocasies e filmam as

    situaes do dia a dia, a dramaturgia dos cotidianos, gravam seus amigos, familiares, vizinhos

    e companheiros de trabalho que se apresentam e representam em meio s suas rotinas, s suas

    prticas ordinrias, aos seus pequenos prazeres, s suas insignificncias. Essas narrativas dos

    cotidianos, assim produzidas, voltam-se tambm para os infortnios, os deslizes, as

    banalidades, as bizarrices, o miudinho, o comezinho, o burburinho nas ruas, nos lares, nas

    escolas, nas empresas. As narrativas audiovisuais do vivido reinventam os cotidianos e

    configuram os contos morais de nossa poca.

    Entretanto, em meio avalanche de produes, performances e fabulaes

    audiovisuais que habitam as complexas e paradoxais redes de significaes, muitas vezes ns

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    nos perdemos, nos confundimos, nos dispersamos. Impe-se, ento, para ns, arrebatados por

    turbilhes de signos, a necessidade de, minimamente, atribuir e compartilhar sentidos que nos

    permitam conviver, viver com os outros, e produzir o comum na diferena, a partir da

    cooperao, colaborao e comunicao, como propem Hardt e Negri (2005). E essa nosparece ser, nas circunstncias da contemporaneidade, uma questo atual e central para a

    educao implicada na emancipao dos sujeitos, enquanto possibilidade de interrogar seus

    prprios projetos de subjetivao e de participao poltica.

    Rincn (2002),pensando o audiovisual como uma estratgia fundamental na relaodos sujeitos com o mundo e com a vida na sociedade contempornea, nos indica a noo de

    sensibilidade como a chave para a compreenso das formas audiovisuais e das redes de

    significaes culturais de nossos tempos. A sensibilidade, como via de expresso do homemordinrio, no remete ao sujeito culto e competente conforme a racionalidade hegemnica,

    mas implica outro modelo para compreender as dinmicas da vida social. Um modelo que,

    segundo ele, se interessa pelo movimento, que reivindica novos espaos e relaes e que

    configura um novo regime de reconhecimento e imaginao.

    A sensibilidade, nessa perspectiva, pensada a partir das formas subalternas de

    inscrever a vida na contemporaneidade: gnero, raa, etnia, sexualidade, juventude, futebol,

    carnaval, msica, ecologia, entre outras. As sensibilidades, assim, operam como estratgias

    para imaginar o diferente em meio ao fluxo catico e barroso de imagens. A imagem funciona

    como uma maneira de pensar e narrar a existncia. Nesse contexto, o audiovisual se configura

    como uma possibilidade de fabular o mundo atravs do cinema, da televiso e o vdeo.

    Concordando com as consideraes apresentadas pelos autores citados e a ttulo de

    exemplificao das mltiplas possibilidades que os usos dessas tecnologias abrem s prticas

    educativas, discutiremos, a seguir, fragmentos do projeto de pesquisa extenso "O uso de

    artefatos culturais por docentes e discentes na tessitura de conhecimentos e significaes nos

    cotidianos escolares desenvolvido, em 2010, por uma equipe do Laboratrio Educao e

    Imagem, vinculado Faculdade de Educao e ao Programa de Ps-Graduao em Educao

    (PROPED) da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ). Esse projeto possibilitou a realizao

    de trs vdeos, produzidos em conjunto por professores, pesquisadores e estudantes da

    universidade e por professores, pesquisadores e estudantes de uma escola pblica de ensino

    fundamental na cidade do Rio de Janeiro. Essa experincia possibilitou a todos, estudantes e

    professores em formao ou em exerccio, condies para apropriao e uso das tecnologias e

    linguagens das mdias audiovisuais, resultando na produo e difuso de contedos em novos

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    e criativos formatos. A anlise do processo e dos produtos nos possibilitou, ainda, pensar os

    modos singulares pelos quais alunos e professores usam as tecnologias, aprendendo uns com

    os outros, para criar, mediar e comunicar conhecimentos, buscando o protagonismo e a

    autoria coletiva. Essas anlises nos indicam ainda com a produo audiovisual em conjuntopor alunos e professores criou condies de maior aproximao e constituiu em um espao

    para tencionar e negociar alguns termos das relaes entre uns e outros, entre uns e outros e as

    tecnologias e entre uns e outros e os saberes demandados pelas disciplinas curriculares.

    I A produo de vdeos na/com a escola

    O projeto de pesquisa e extenso "O uso de artefatos culturais por docentes ediscentes na tessitura de conhecimentos e significaes nos cotidianos escolares",

    coordenado pela professora Nilda Alves, foi desenvolvido por uma equipe do Laboratrio

    Educao e Imagem, que alm de ns duas, contava com outros pesquisadores estudantes dos

    cursos de doutorado, mestrado e graduao, bolsistas atuantes no rgo. A equipe da UERJ

    trabalhou em conjunto com discentes e docentes da Escola Municipal Professor Ary

    Quintella, em Vila da Penha, zona norte da cidade. O trabalho conjunto possibilitou a criao

    de trs vdeos no perodo de um ano (maio de 2010/ abril de 2011), com a participao dos

    envolvidos em todas as etapas necessrias produo. O processo incluiu, ainda, a realizao

    do making of (registro de todos os encontros em vdeo) que constitui parte do corpus da

    pesquisa e tem possibilitado diversas anlises.

    Com verba do projeto, apoiado pela FAPERJ, a escola Ary Quintella recebeu os

    equipamentos necessrios produo de vdeos, como uma cmera semiprofissional, um

    computador Macintosh com programa de edio e um vdeo walkman. Esses equipamentos

    agora integram o patrimnio da escola. Ainda visando realizao do projeto, foram

    concedidas pela FAPERJ bolsas para dois professores da escola, para quatro ex-alunos, que

    cursam o ensino mdio, e para duas estudantes do curso de pedagogia da UERJ. A partir de

    uma negociao entre o grupo, ficou decidido que cada um dos quatro ex-alunos dividiria sua

    bolsa com um aluno da escola, o que elevou para oito o nmero de adolescentes vinculados ao

    projeto. A produo contou tambm com a presena de profissionais que ajudaram com

    questes mais especficas como sonorizao (msico profissional) e ilustraes (desenhista)

    que emergiram com os roteiros, durante as filmagens ou ainda no momento da edio.

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    A equipe produziu trs vdeos, conforme o previsto. O primeiro a ser concludo,

    "Joo: a histria pode ser outra", abordou a Revolta da Chibata e a histria de Joo Cndido,

    estabelecendo conexes entre o motim dos marinheiros liderado pelo marujo que ficou

    conhecido como "Almirante Negro" (Baa de Guanabara, 1910) e os problemas enfrentadospor um jovem negro e pobre em seu dia a dia. O segundo vdeo, "Ary Quintella: um complexo

    de histrias", abordou a histria da prpria escola, contando com a participao de ex-alunos

    nas dcadas de 1970, 80 e 90. O terceiro vdeo, "Luz, escola, msica, ao" um musical

    realizado a partir de canes criadas pelos alunos, apresentadas em festivais promovidos pela

    Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro, e que abordam questes da vida

    cotidiana dos jovens, como a violncia, o trfico de drogas, o preconceito e a inveno de uma

    vida melhor.A Escola Municipal Professor Ary Quintella est, oficialmente, situada em Vila da

    Penha, porm, para alunos e professores ela est localizada na Penha Circular. Os dois bairros

    so prximos e situam-se nos arredores da Penha. A regio ganhou destaque na mdia

    nacional em novembro de 2010 por conta da ocupao da Vila Cruzeiro - no Complexo da

    Penha - e do Complexo do Alemo (dois complexos de favelas construdos sobre a serra da

    Misericrdia) por policias da Polcia Civil e do Bope, com apoio da Marinha. Naquele

    perodo as aulas foram suspensas e as gravaes adiadas. A operao policial, porm, no

    abalou a vontade e a disposio dos praticantes da escola Ary Quintella em criar e narrar, por

    si mesmos, suas muitas histrias no contadas pelos meios de comunicao de massa. Cem,

    dos 600 alunos da escola Ary Quintella participaram, de alguma maneira, das produes.

    II Aprendizagens com o projeto de produo audiovisual na/com a escola

    Entre as diversas possibilidades de anlise que os processos engendrados com o

    projeto possibilitam, trataremos, primeiramente, de algumas questes vivenciadas no

    cotidiano escolar por ocasio da realizao dos vdeos que nos possibilitaram, como

    professora e estudante do curso de Pedagogia, vivenciar as redes em meio s quais foram

    sendo tecidos conhecimentos e significaes relacionados aos usos das tecnologias.

    A ideia de redes de conhecimentos e significaes em suas tessituras cotidianas

    (Alves, Passos, Sgarbi, 2006) pelos praticantesdas mltiplas redes educativas fundamental

    para que possamos compreender os complexos e mltiplos processos de criao de saberes

    atravs dos/com os usos de artefatos culturais nos cotidianos escolares. Esses diversos e

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    diferentes usos, tanto por alunos como por professores, bem como por uns e outros juntos,

    implicam entrelaamentos de conhecimentos criados em vrios contextos da vida de cada um

    (entretenimento, famlia, religio, consumo cultural, etc.), bem como trocas variadas e nos

    dois sentidos, ou seja, alunos aprendem com professores (especialmente o que se refere aoscontedos a serem tratados) e professores aprendem com alunos (principalmente o que se

    refere manipulao dos equipamentos e expressividade em linguagens audiovisuais).

    Com essa compreenso, consideramos que o principal diferencial deste projeto em

    relao aos outros j desenvolvidos, no s pelas equipes do Laboratrio, mas tambm por

    outros pesquisadores, est no fato da produo dos vdeos ter sido desenvolvida por alunos e

    professores juntos e no apenas por alunos ou apenas por professores, como acontece na

    maioria das vezes. Isso permitiu que nossas anlises se voltassem para os modos pelos quaisnovas relaes vo se estabelecendo nas escolas com os usos dos variados artefatos culturais.

    Nesse caso especificamente, podemos vivenciar a constante reelaborao das relaes que,

    mediadas pelos usos das tecnologias e pelas aprendizagens conjuntas que esses usos

    implicam, foram, pouco a pouco, tornando-se menos hierrquicas, mais horizontais. Nesses

    processos foram se formando parcerias que acabaram se estendendo, como pudemos observar,

    para outros contextos cotidianos da escola. Da mesma forma, as relaes entre professores e

    estudantes do curso de Pedagogia participantes do projeto tambm se estreitaram,

    configurando-se parcerias e trocas variadas nos dois sentidos.

    Ainda em referncia s aproximaes, trocas e produo coletiva de conhecimentos,

    vale ressaltar que o projeto possibilitou tambm uma parceria entre a universidade e a escola,

    uma troca e um enredamento de saberes, fazeres, e significaes. Uma possibilidade de pensar

    conjuntamente s prticas educativas, de fazer emergir as tantas histrias que, de outro modo,

    no so contadas sobre as escolas e sobre os processos curriculares e pedaggicos que so

    criados em seus cotidianos.

    Participar desse projeto e analisar os processos engendrados durante a produo dos

    vdeos nos permitiu vivenciar e investigar as negociaes, s vezes consensuais, s vezes

    conflituosas, forjadas em diversas etapas necessrias construo vdeografica de uma histria e

    que dizem respeito construo dos personagens em conexo com os modos de representao dos

    sujeitos. Como os professores apresentam/representam os alunos e como querem ser

    apresentados/representados? Como os alunos apresentam/representam os professores e como

    querem ser apresentados/representados?

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    Acompanhando as discusses entre docentes e discentes da escola e a equipe da

    universidade que atravessaram toda a construo dos personagens e das cenas, sugerimos que

    esse processo instituiu o que Bhabha (1998) chama de entre-lugar, um espao limiar em que

    as pessoas convivem com experincias culturais diferentes e no qual so desconstrudas asrepresentaes estereotipadas de uns sobre outros, ou seja, os regimes de verdade cristalizados

    sobre o outro, sobre o conhecimento e sua expresso e sobre o mundo, engendrando a

    fabricao de outros possveis.

    Como foram sendo construdos os personagens-alunos nas histrias? E os professores-

    personagens? E os embates, as lutas, os entendimentos, as negociaes, as relaes raciais, de

    gnero, entre faixa etria, socioeconmicas, de atividade desempenhada na escola, enfim, as

    relaes de poder?Acompanhando essa produo, apontamos que a criao de histrias videogrficas

    permite a ampliao da capacidade imaginativa, de modo que todos os envolvidos so levados

    a imaginar sobre si mesmo e sobre o outro, redefinindo, como sugerem Gonalves e Head

    (2009), a prpria concepo de representao. Em consequncia disso, uma multiplicidade de

    representaes e auto-representaes passam a competir e negociar entre si. O resultado disso

    que a obra produzida no pode mais ser pensada com a representao de um objeto, mas de

    uma apresentao de uma relao entre sujeitos.

    No que se refere ao modo pelo qual se constri a auto-imagem, Gonalves e Head

    apontam para um processo relacional em que as representaes so produzidas atravs de um

    jogo de espelhos. As imagens de si se produzem atravs dos outros, nas relaes com os

    outros. A auto-imagem, portanto, uma imagem em transformao, o que acentua o seu

    devir-imagtico(2009, p. 20). A noo de devir-imagtico busca dar conta da emergncia, nos

    processos de auto-apresentao, de uma 'funo fabuladora' que, ao deixar de lado as

    verdades sobre os outros, criadas pelos discursos hegemnicos, aposta na evocao de uma

    potente falsidade sobre si, em oposio s verdades constitudas (p. 21). Vale ressaltar que o

    personagem criado no real ou fictcio. De acordo com Gonalves e Head, agenciados pelos

    estudos de Deleuze sobre o cinema, a auto-apresentao estaria aderida formulao do

    devir da personagem real quando ela prpria se pe a ficcionar (2009, p. 21).

    Comeamos com Didi-Huberman e com uma questo sobre a avalanche de imagens e

    sons que nos arrastam e confundem num caos semitico. Voltamos ento a eles, o autor e a

    questo, apenas para acentuar o que podem insinuar esses processos e produes na nossa

    sociedade. Conforme Didi-Huberman (2011) em meio s luzes fortes dos projetores da

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    sociedade do espetculo, que a tudo buscam ofuscar, preciso enxergar os lampejos dos vaga-

    lumes. preciso enxergar seus gestos, suas manifestaes, suas imagens intermitentes, seus

    intervalos de aparies, que instituem a criatividade e a criao como formas de resistncia e

    sentido.

    RefernciasBibliogrficas:

    ALVES, Nilda; PASSOS, Mailsa; SGARBI, Paulo (Orgs.). Muros e Redes: conversas sobreescola e cultura.Porto: Profedies, 2006.

    BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed-UFMG, 1998.

    CERTEAU, Michel. de. A inveno do cotidiano - artes de fazer. Petrpolis: Vozes, 1994.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. A sobrevivncia dos vaga-lumes.Belo Horizonte: Ed.UFMG,2011.

    GONALVES, Marco Antonio; HEAD, Scott (org.). Devires imagticos:a etnografia, ooutro e suas imagens.Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.

    HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Multido: guerra e democracia na era do Imprio.Rio de Janeiro: Record, 2005.

    RANCIRE, Jacques. A partilha do sensvel: esttica e poltica. 2 ed. So Paulo: Ed. 34,2009.

    RINCN, Omar. Televisin, video y subjetividad.Bogot: Grupo Editorial Norma.

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    CURTA VILA KENNEDY: O CINEMA QUE CONECTA A EDUCAO POPULAR

    Isabel Cristina Mendes Pinheiro Navega

    O que a Educao Popular e onde sefaz?

    A experincia de partilhar da criao solidria do saber inesgotvel esempre renovvel. Criar saberes, como formas de conhecimento partilhado,cria a exigncia de sua permanente e crescente criao. E o saber, em cadaum dos seus momentos de existncia entre os que partilham, desvenda ecoloniza, na cultura de que parte, sempre novos saberes. (Brando, 2002,

    p. 364)

    Entende-se por Educao Popular o conjunto de prticas e medidas socioeducativas

    que visam resgatar a cidadania dos indivduos no cenrio social e poltico em que esto

    inseridos. Essas aes estabelecem, para tanto, linhas de conexo com o universo cultural dos

    sujeitos, relacionando, as suas trajetrias e aos seus conhecimentos de mundo, os fatos que

    lhes so ilustrados cotidianamente em suas vidas, sendo estes, ento, suscetveis de ativas

    transformaes sociais.

    As manifestaes, que permeiam as esferas da Educao Popular, tem funo

    mediadora e dialogam, no processo de construo da cidadania, com diversos temas

    relacionados aos direitos, deveres e obrigaes do povo em geral; alm de manifestar as

    aspiraes, os conflitos, as pretenses polticas e desejos dos sujeitos que se criam de acordo

    com as preocupaes existentes na sociedade, quando determinados temas esto em

    discusso.

    a conscincia cidad que motiva a sociedade a mover-se, a assumir o pblico comoseu prprio, a exigir respeito do Estado e dos partidos polticos, a fiscalizar e controlaro desempenho pblico e a exigir prestao de contas dos funcionrios. Tambm se

    relaciona com a necessidade de realizar trocas culturais substanciais em todos osmbitos, particularmente no poltico, ou seja, a necessidade de mudar valores, crenase atitudes diante do estatal, diante do pblico, diante da relao Estado-sociedade civile diante da relao Estado-partidos polticos, o que supe a erradicao de percepesideolgicas que os identificavam, no passado autoritrio, como inimigosirreconciliveis, diante das quais no havia sequer a possibilidade de dilogo (Pontual;Ireland, 2006, p. 24).

    Porm, toda essa enrgica participao dos indivduos, em seu meio, nem sempre foi

    ativa. Ela s se tornou possvel por conta de toda a diversidade existente na sociedade, que

    emergia na existncia de fenmenos, ou problemas, que requeriam a cooperao de todos para

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    solucion-los (Pontual; Ireland, 2006, p. 21); fazendo com que as contradies que

    explicavam e justificavam as lutas tradicionais dos indivduos comeassem a ser

    transfiguradas, com o passar do tempo, no correr da histria humana.

    A partir dos anos 60, diversos campos de atuao social comearam a divergir entre si.O resultado culminou no aparecimento de correntes lideradas por distintos integrantes da

    sociedade: desde intelectuais comprometidos, ativistas, personalidades e estruturas de

    mediaes, como diversas organizaes e igrejas, partidos polticos, movimentos populares e

    o que mais tarde, em meados de 1990, passariam a se chamar de ONGs (Pontual; Ireland,

    2006, p. 46).

    No Brasil, as primeiras investigaes a respeito do movimento de Educao Popular, e

    suas aes de desenvolvimento e transformao social, emergem atravs dos iderios dePaulo Freire, h aproximados quarenta anos, por intermdio de suas itinerantes anlises,

    propostas e enfoques expostos ao largo de suas experincias realizadas e direcionadas s

    classes populares. A resistncia, a perpetuao e sua militncia ajudaram a repensar e a

    promover questionamentos acerca das atuais democracias e realidades sociais.

    Freire, um dos mais notveis pensadores da Educao brasileira e mundial,

    fundamentava que a formao do indivduo s ser definitivamente efetiva quando as prticas

    educativas privilegiarem a participao espontnea dos sujeitos. Isso independente das

    circunstncias em que eles estejam localizados, j que suas vises e interpretaes de mundo

    esto em perptuo, e contnuo, processo de ressignificao.

    A Educao Popular, para Paulo Freire, parte do princpio de que o fator

    preponderante para a obteno dos resultados desejveis deve-se, em qualquer conjuntura ou

    hiptese, considerar o aprendizado democrtico; devendo relacion-lo s situaes cotidianas

    e reais, que so vivenciadas pelo educando ao redor de seu ambiente fsico, histrico, social e

    cultural.

    Este tipo de educao, ento, volta-se para a conscientizao, para a mobilizao e

    para a libertao das classes populares. Ideologia esta que no admite a manipulao dos seres

    humanos, tampouco de seus anseios, na luta e busca por uma sociedade mais justa, digna e

    igualitria para todos os que, nela, esto imersos, acreditando na liberdade e no na opresso;

    na criao, na criticidade, que se faz diferente de paradigmas.

    Assim, o homem, ser de relaes e no s de contatos, no apenas est no mundo, mas

    com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura realidade, que o faz ser o ente de

    relaes que (Freire, 1967, p. 39). Evidenciando que as prticas educacionais devem estar,

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    indissociavelmente, aliadas aos espaos pblicos da populao como um todo, e devem,

    tambm, resgatar e valorizar o homem, e suas potencialidades reais, como indivduo

    protagonista do processo de construo e reconstruo de significado que ser, a qualquer

    tempo, simultneo e dinmico.

    I -Curta Vila Kennedy: a Educao Popular vista na tela do cinema

    Um poema, sabe-se que foi escrito por algum; uma msica, composta,tocada por algum. At em uma paisagem ou um retrato, por mais fiel[grifo do autor] que seja o modelo, h a mo do pintor que coloca seus

    gostos, sua preferncia por certas cores, sua simpatia ou antipatia pelapessoa que ele pinta. Agora, o olho mecnico, como alguns chamaram o

    cinema, ele no. Ele no sofre a interveno da mo do pintor ou da palavrado poeta. A mecnica elimina a interveno e assegura a objetividade.

    Portanto, sem interveno, sem deformaes, o cinema coloca na telapedaos de realidade, coloca na tela a prpria realidade. (Bernadet, 1980,p. 24).

    O Curta Vila Kennedy foi o primeiro festival de Curtas-metragens realizado na Vila

    Kennedy, periferia do bairro de Bangu, no Rio de Janeiro RJ. O projeto que contou com

    apoio financeiro do Governo do Estado do Rio de Janeiro, atravs do edital de Microprojetos

    da Secretaria Estadual de Cultura, foi idealizado por Guilherme Santos Junior, artista plstico

    e morador da regio, e produzido pelo Coletivo Citt produes, equipe composta por

    diversos profissionais ligados s reas da educao, jornalismo e, tambm, por integrantes da

    comunidade que auxiliaram na promoo, propagao e divulgao do evento.

    Assim resume o prprio Guilherme Junior, mentor do festival:

    O festival nasceu de um experimento a partir de uma experincia que eu tive naEuropa, em Portugal, porque foi l que eu, verdadeiramente, comecei a estudarcinema. Nesse perodo, eu, alm de estudar a histria do cinema, eu tive contatos com

    professores que me davam dicas e me incentivavam a produzir vdeos l e eu comeceia participar de alguns festivais e esses festivais reuniam um grupo de estudantes ecuriosos, e eu comecei a me preocupar em fazer trabalhos que adicionassem noconhecimento de outras pessoas, relacionados, principalmente, a cultura brasileira [...]e eu fui alimentando a possibilidade de fazer igual quando eu voltasse ao Brasil, eexiste essa possibilidade de fazer algo voltado para a rea socioeducativa e cultural..

    Sua ideologia resultou no desejo de despertar o interesse pelo cinema amador dos

    jovens que povoam as esferas da Vila Kennedy, rotulada como, ento, rea de risco: escrevi

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    o projeto pensando nas questes que a gente estava vivendo. No convvio com a violncia que

    estava predominando, eu queria muito fazer algo para mostrar ao morador que a gente tem

    valores e podemos mostr-los para ns e para as outras pessoas.

    Alm do supracitado, o projeto tentou tambm, segundo o idealizador, propiciar acriao audiovisual dos moradores dessa localidade, por intermdio de oficinas que

    viabilizassem e fomentassem essa iniciativa. Tudo isso com a inteno de se desenvolver a

    cultura cinematogrfica neste ambiente e integr-la aos seus contextos e realidades,

    utilizando-a como ferramenta que conectasse a Educao Popular.

    Ademais, o Curta Vila Kennedy favoreceu a discusso a respeito das grandes

    produes audiovisuais dirigidas e gravadas nas grandes comunidades populares do Rio de

    Janeiro, suas efetivas criaes, e a importncia delas como cerne da cultura mundializada naatualidade (Ramos, 2004, p. 11); j que a linguagem cinematogrfica dialoga com questes

    inerentes ao dia a dia dos indivduos, e lhes confere novas possibilidades de ver, encarar e

    interpretar as situaes de seu cotidiano.

    A projeo do festival e sua abordagem educativa foi integralmente voltada para a

    populao: desde a preocupao em trazer pessoas que pudessem falar das suas experincias

    com cinema, auxiliar na edio dos vdeos amadores produzidos pelos moradores da Vila

    Kennedy, at convid-los para conhecerem um dos poucos espaos de educao alternativa do

    bairro, que o Teatro Mrio Lago, lugar que, para muitos, foi a origem das primeiras

    experincias com o cinema.

    Para atrair o pblico da localidade ao espao destinado para a exibio dos curtas, j

    que este tido como mal localizado, os produtores do festival estipularam, ento, trs

    modalidades de produo que, segundo os envolvidos, poderiam ser utilizadas como forma

    entretenimento: a mostra no competitiva, a mostra competitiva e a mostra intitulada como

    Eu curto a Vila Kennedy?.

    A primeira mostra consistiu-se na exibio dos filmes produzidos por cineastas

    convidados ou disponibilizados por diversas organizaes que foram parceiras do projeto; a

    segunda, contou com a exibio dos filmes enviados por seus idealizadores com intuito de

    participar, competitivamente, desta parte do festival que premiaria aos que produzissem curtas

    amadores e de tema livre; e, a terceira, premiaria aos filmes ambientados na Vila Kennedy, no

    tocante a sua histria, populao, geografia, a vida cotidiana dos moradores, os problemas e o

    cotidiano local, etc.

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    A resposta foi positiva em todos os aspectos, e os resultados foram imediatos. Aps

    o recebimento dos filmes, a exibio destes foi aclamada por todos os espectadores que

    estiveram presentes, no teatro, ao largo dos trs dias que compuseram o festival; isso

    considerando relatos de moradores que compareceram e, principalmente, se identificaramcom as histrias narradas nas entrelinhas das produes cinematogrficas que foram exibidas.

    Os efeitos do evento mobilizaram no s os moradores, que valorizaram a construo

    cinematogrfica de seus conterrneos, mas tambm permitiram resgatar a Educao Popular

    como parte integrante do trabalho humano e indissocivel da Educao em seu aspecto global.

    Uma senhora, por exemplo, possivelmente me de um dos espectadores, possivelmente um

    adolescente, aps o evento, entrou em contato e perguntou onde poderia ter acesso a esses

    filmes, j que seu filho desejava utiliz-los como projeto da disciplina de artes na escola. o cinema educando a populao que dele faz uso, sendo ele considerado uma forma

    legtima de agregar, aos conhecimentos que os espectadores j possuem, novas perspectivas

    de se considerar os valores de sua cultura: propondo uma reflexo de ordem no somente

    social, mas esttica e poltica; j que no cinema, sendo este fantasioso ou no, a realidade

    impe-se com toda a fora (Bernadet, 1980, p. 126).

    O Curta Vila Kennedyserviu, ento, como um laboratrio para a Vila Kennedy, como

    espcie de valorizao do espao local. Sua receptividade foi to boa, que pessoas de

    outros lugares, de outros estados, resolveram mandar uma cpia dos seus trabalhos para

    exibio no festival. Alm disso, o pblico reagiu to positivamente a esta iniciativa que

    muitos, no dia posterior ao evento, segundo relatos do idealizador, entraram em contato para

    dizer que o festival deveria ocorrer, frequentemente, nos prximos anos.

    Assim, percebe-se que o cinema, atravs de sua prtica educativa e manifestao

    artstica, triunfa no s na pela reproduo da vida, mas pela possibilidade de, a partir dele,

    adquirir novas formas de compreenso social, partindo do pressuposto de que este recurso

    audiovisual pode chegar, democraticamente, a todas as diversas esferas da populao. Com

    isso, pensar o cinema isoladamente no pens-lo em sua totalidade, desconsiderar que dele

    se faz uso, tambm, o contexto e o contedo de seus espectadores.

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    II -Histrias de Vida: o veculo audiovisual transmitindo e produzindo conhecimento naVila Kennedy

    O cinema d a impresso de que a prpria vida que vemos na tela, brigasverdadeiras, amores verdadeiros. Mesmo quando se trate de algo que

    sabemos no ser verdade [...], a imagem cinematogrfica permite-nos

    assistir a essas fantasias como se fossem verdadeiras; ela confere realidadea estas fantasias.(Bernadet, 1980, p. 127).

    Dentre as oficinas, as exposies e os debates que compuseram o projeto de

    interveno cultural na Vila Kennedy, nos dias 16, 17 e 18 de maro de 2012, o acesso aos

    vdeos e suas exibies nas datas supracitadas foi a parte mais esperada do festival.

    Principalmente porque na mostra competitiva, cujo tema era Eu curto a Vila Kennedy,

    muitos moradores desejavam assistir s produes em que estavam envolvidos, as de seus

    vizinhos e amigos; o que propiciou, evidentemente, o dilogo dos moradores com seu meio.Esta parte do festival exibiu cinco curtas-metragens, inscritos, que relatavam inmeras

    questes existentes na Vila Kennedy. Eles foram exibidos no ltimo dia do evento e fizeram

    parte de uma seleo, uma espcie de jri tcnico, que levou em considerao a ativa

    participao dos moradores nas produes, assim como seus pontos de vista e opinies sobre

    o que relatavam nas imagens flmicas.

    A banca examinadora elegeu, de acordo com as premissas acima, o filme Histrias de

    Vida. Trabalho criado pelo professor Valdemir, da Escola Municipal Ciep Vila Kennedy,em parceria com os 39 alunos do Programa de Educao de Jovens e Adultos, o PEJA. O

    ttulo da produo ajuda a imaginar, previamente, o que se deseja transmitir: relatar a

    trajetria dos moradores que habitam este espao fsico e geogrfico e as relaes que eles

    estabelecem sendo os prprios protagonistas da narrativa.

    O curta-metragem suscita o desejo de se olhar esses atores sociais, que da Vila

    Kennedy so integrantes, no conjunto de suas experincias, por meio de diferentes ngulos e

    das leituras das suas memrias sociais: desde suas projees, limites, angstias e aspiraes.

    No importando delimitar se o que o cinema reproduz tenta ser real ou no, ser fiel, natural ou

    artificial; importando, apenas, o que o filme quer dizer e o que se pode interpretar acerca de

    seu contedo (Bernadet, 1980, p. 131).

    possvel perceber, atravs de algumas experincias retratadas no filme, que os

    protagonistas esto repaginando suas concepes sobre o papel social que exercem, hoje, na

    sociedade. A subjetividade de seus relatos representa no s as diversidades postas em debate,

    mas tambm a viso e o posicionamento deles diante de uma srie de questes evidenciadas,

    atualmente, em seu cotidiano. Haja vista a declarao da aluna Maria da Conceio Barbosa,

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    que v, na Educao, as possveis formas de ascenso social e a valorizao de seu papel

    como cidad atuante na luta pela manuteno e ampliao de seus direitos e deveres (Pontual;

    Ireland, 2006, p. 109).

    Assim, segundo Paulo Freire(1987, p. 23):A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, ter, doismomentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vo desvelando o mundo daopresso e vo comprometendo-se na prxis, com a sua transformao; o segundo, emque, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e

    passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertao.

    Outro ponto importante que chama a ateno para o filme, e traz tona o debate sobre

    a significao da Educao Popular, provm da fala, impressionante, da aluna Ilza da

    Conceio. Ela possibilita a interferncia dos espectadores, principalmente dos jovens, nomodo como pensam a Educao e o processo de ensino-aprendizagem, ao dizer que nunca

    tarde para aprender e para aprender no tem idade.

    Pela identificao, o espectador pode se deixar conduzir pelo sentido da narrativa,

    enquanto atribui significados a ela (Duarte et alli 2004. p. 45). Isso possvel pela troca de

    experincias entre os espectadores e moradores-atores do filme, o que possibilita a

    interpretao e a contextualizao do emaranhado de informaes transpassadas atravs das

    narrativas, associando-as s prticas existentes na contemporaneidade. Como, por exemplo,

    visvel no relato da aluna Maria Jos Lopes, que na sua infncia no pode ir escola e

    apanhou porque foi escondida, j que, segundo seu pai: mulher no precisava aprender a ler.

    Aprender a ler para qu, para escrever carta para namorado?.

    As experincias de cada componente do vdeo so bem tocantes e sensibilizadoras.

    Elas resgatam valores, incorporam a diversidade social Educao Popular, pois propiciam a

    participao dos sujeitos na tomada de decises, alm de proporcionar ganhos sociais atravs

    das relaes que se estabelecem na interao do indivduo com o meio, neste caso, do

    espectador com os protagonistas dos filmes e seu espao fsico e geogrfico.

    Ainda nessa perspectiva, v-se, com a experincia da aluna Elza Maria, um relato

    capaz de mobilizar boa parte da populao. Ela que, por razes diversas, no pode frequentar

    o colegiado na fase regular, diz que, ainda hoje, existem pessoas que a questionam se ela, na

    idade atual, ainda tem algo a aprender. Ciente do seu papel social, Elza contrape dizendo:

    eu ainda tenho muita coisa a aprender ainda, ou seja, a Educao sendo utilizada, nesse

    contexto, como elemento de superao.

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    O contato com as imagens flmicas emociona integralmente os espectadores. Os

    alunos, moradores, atores, protagonistas, repensam as questes assinaladas na narrativa, que

    tambm se fazem presentes em diversas culturas, e as associam ao seu conhecimento de

    mundo. Isso permitir atribuir sentido trama e, consequentemente, dar-lhe- novas ecabveis vias de interpretao social; alm de viabilizar recursos para a reflexo de aspectos

    tidos como morais, porque permitem que os espectadores experimentem situaes diversas,

    ainda que no, necessariamente, tenham sido vivenciadas por eles.

    Outros dois relatos do filme Histrias de Vida tornam-se bem marcantes no ato de

    sua exibio. O primeiro quando os alunos Carlos Davison e Mara Regina evidenciam seus

    sonhos: ele diz que o de ajudar ao prximo, ela revela seu desejo de ser escritora. So

    sonhos simples, mas so suficientes para marcarem as participaes desses dois personagensna trama. Seus desejos rompem com os esteretipos de que, por viverem em uma regio cuja

    precariedade do bsico, como sustento, constante, no possam por fim aos paradigmas que

    lhes so, constantemente, atribudos.

    O segundo relato o do aluno Altair Matias. Esta parte do filme foi a mais impactante,

    quando apresentada no festival, pois toca em um dos pontos mais questionados pelos

    moradores da Vila Kennedy e de periferias que, tambm, se encontram s margens do que

    lhes so predestinados: a possibilidade de ascenso social, a mudana de vida e de condio

    financeira.

    Para ele, esta alternativa, esteve relacionada a um paradoxo jogo. Isso mesmo, Altair

    teve a possibilidade de melhorar sua condio financeira atravs da combinao dos seis

    pontos agrupados da Loteria Federal, mas a desperdiou por no pensar no que isso,

    futuramente, poderia proporcionar a sua vida. Ao invs de jogar na Loteria, ele jogou

    purrinha e gastou todo o dinheiro que seu pai lhe deu. Ele apanhou e, no satisfeito com o

    ato do pai, fugiu de casa.

    Todas essas histrias funcionam como ganhos sociais: pois suas relaes com o

    cotidiano, com o popular, com o contexto dos indivduos, interpelam as concepes de vida

    que os personagens tinham quando os fatos aconteceram e pelas novas interpretaes que hoje

    possuem ao relatar suas vivncias passadas. Alm de possibilitar que o espectador, no

    exerccio de sua cidadania, repense suas prticas, aes, considerando a relao ativa de

    sujeitos que eles exercem nas diversas esferas da sociedade. Exatamente o que se dimensiona

    no campo da Educao e seu protagonismo popular, pois no h, como menciona FREIRE

    (1967, p. 35), educao fora das sociedades humanas, assim como no h homem no vazio.

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    III Concluso

    O cinema entra na sua vida como um dos elementos que compem a suarelao com o mundo, o cinema no determina completamente essa relao.

    Alm disso, contrariamente a muitas teses, diante do cinema, o espectador

    no necessariamente passivo [...]. No ato de ver e assimilar um filme, opblico transforma-o, interpreta-o, em funo de suas vivncias,inquietaes, aspiraes, etc. (Bernadet, 1980, p. 166).

    O cinema, como uma das artes dominantes (Bernadet, 1980, p. 132) na sociedade e

    suas diversas formas de narrativas e linguagens, possibilita produzir sentido e construir

    valores na sua interao com o espectador, alm de resgatar elementos e expresses culturais

    interligadas s ideologias democrticas da Educao em seu campo Popular e relacionar-se,

    tambm, aos outros campos da sociedade civil.

    Como se pode perceber, a Educao Popular, como concepo educativa, est

    conectada s inmeras aes e prticas que compem a histria cultural do ser humano. Suas

    medidas socioeducativas atribuem o papel de protagonista populao, no tocante

    disseminao do conhecimento e da permanncia ativa de seus participantes na construo do

    poder poltico de suas camadas.

    Por isso a arte cinematogrfica, e a valorizao de produes autorais criadas em

    espaos populares, como, por exemplo, o filme Histrias de Vida, estabelece uma relao

    significativa, porque vincula, resgata e pe em voga os aspectos polticos e socioculturais do

    local. E, medida que o pblico assiste s produes cinematogrficas, principalmente s que

    esto diretamente relacionadas ao seu convvio, novas projees sociais de realidade so

    recriadas, porque os espectadores se reconhecem, e se redefinem mutuamente, atravs das

    experincias alheias.

    Assim, percebe-se que, projetos culturais como o 1 Festival de Curtas-metragens da

    Vila Kennedy, possibilita o estreitamento entre Cinema e Educao Popular. No dilogo entreos elementos do filme, orientaes, sugestes e explicitaes, a arte flmica indica a entrada

    da vida cotidiano dos personagens , tambm, vida cotidiana de seus espectadores, fazendo

    com que estes se reconheam naqueles, por meio do coletivo ao qual fazem parte, e atuem

    democraticamente, atravs das contnuas intervenes na sociedade.

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    Referncias Bibliogrficas:

    BRANDO, C. R. A educao popular na escola cidad. Petrpolis: Vozes, 2002.

    BERNADET, J. C. O que cinema. So Paulo: Brasiliense, 1980.

    DUARTE, R.; LABRUNNE, M.G.; ALVES, D.; LIMA. E.; ALVES, C.; LEITE, C. Produode Sentido e construo de valores na experincia com cinema. In: SETTON, M.G.J. (Org.).A cultura da Mdia na Escola. So Paulo: Annablume, 2004.

    FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

    ______. 1967. Educao como prtica de liberdade. 14ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

    PONTUAL, P.; IRELAND, T. (Org.). Educao Popular na Amrica Latina: dilogos e

    perspectivas. Braslia: Ministrio da Educao/ UNESCO, 2006.RAMOS, J.M.O. Cinema, televiso e publicidade: cultura popular de massa no Brasil nosanos 1970-1980. So Paulo: Annablume, 2004.

    SETTON, M.G.J. Cinema: instrumento reflexivo e pedaggico. In: SETTON, M.G.J. (Org.).A cultura da Mdia na Escola. So Paulo: Annablume, 2004.

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    MDIAS, EDUCAO E SEXUALIDADE:

    DISCUTINDO IMAGENS PARA O ESPAO ESCOLAR

    Luriam Cruz da Silva

    Um corpo no apenas um corpo. tambm o seu entorno. Mais do que umconjunto de msculos, ossos, vsceras, reflexos e sensaes, o corpo tambm a roupa e os acessrios que o adornam, as intervenes que nele seoperam, a imagem que dele se produz, as mquinas que nele se acoplam, os

    sentidos que nele se incorporam, a educao de seus gestos... Enfim, umsem limite de possibilidades sempre reinventadas e a serem descobertas.

    (Goellner, 2010, p. 29)

    Em busca das falas escolares, onde os sujeitos se expressam, produzem suas ideias e

    percorrem as mltiplas diversidades culturais no/do ambiente social, busco neste trabalhorefletir sobre as influncias miditicas e expresses juvenis que fulguram o espao social, bem

    como um dilogo entre as prticas educacionais desenvolvidas frente educao sexual.

    Problematizamos neste captulo o trabalho escolar mediante a discusso das

    sexualidades a partir das variadas pedagogias em circulao5 que reproduzem as mltiplas

    caractersticas identitrias em produes miditicas. Analisamos especificamente trs vdeos

    produzidos pela Organizao No Governamental (ONG) Pathfinder do Brasil para o

    Ministrio da Educao (MEC), composto por histrias que fazem parte do espao escolar,histrias estas que apresentam as mltiplas transformaes e traz a pluralidade que, como dito

    por Guacira Lopes Louro (2010: 42) novas identidades culturais obrigam a reconhecer que a

    cultura, longe de ser homognea e monoltica, , de fato, complexa, mltipla, desarmonizada,

    descontnua.

    I Diretrizes Curriculares: singular ou plural?

    A preocupao educacional sobre a sexualidade existe desde os anos 20, porm o

    discurso se intensifica a partir dos anos 70 e 80, voltada para o risco das doenas e

    contaminaes, bem como gravidez indesejada que comearam a acometer os jovens,

    repercutindo no desenvolvimento de uma poltica de reduo de danos, introduzindo a escola

    o papel de informar e prevenir. Em sequncia a estudos sobre a sexualidade, bem como sua

    5Aqui me aproprio da fala de Silvana Goellner (2010) discursando sobre a construo do corpo, como aquele

    que representa suas caractersticas sem normas fixadas, inconstante, que se expressa e expresso; Caractersticaspresentes em msicas, cinema, imagens, livros, etc.

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    importncia frente o desenvolvimento identitrio, as influncias culturais e sociais que

    permeiam o discurso e a construo de um conhecimento, possvel trabalhar o olhar e

    perceber a complexidade que compe os espaos sociais e pensar nas multiculturas que se

    originam das mltiplas redes emergentes de reivindicaes identitrias, vindas dasmodificaes sociais que se constroem a partir dos ideais refletidos e das relaes produzidas

    durante seu percurso. Semprini (1999:146) nos apresenta em seu discurso o espao

    multicultural como espao de sentido, onde a importncia da circulao dos smbolos maior

    que a circulao de materiais e bens (grifos do autor). Num contexto multicultural, no

    existe um espao social, mas tantos espaos quantas percepes os diferentes grupos

    tenham do mesmo. (Semprini, 1999: 147).

    Para dialogar com esta multiplicidade visualizamos a necessidade de compreender eaprender com esta diversidade de expresso, pois, investigar estas variveis, palpar e

    absorver culturas distintas. Afrnio Catani e Renato Gilioli (2008: 104) chama ateno a

    juventude e suas multiplicidades, desnaturalizando a condio natural do ser, o

    desconhecimento social das juventudes, das diversidades e das desigualdades que constroem

    as culturas juvenis e a relao que a sociedade pouco conhece/reconhece.

    Os desenhos didticos6comeam a criar forma a partir da aprovao da ltima LDB

    (Lei 9.394/96) com o lanamento dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o

    Ensino Fundamental e Mdio, que conduz a educao ao acesso pleno em exerccio da

    cidadania, bem como relevante aos assuntos contemporneos (ex: meio ambiente,

    sexualidade, sade, tica). Quando se discute a sexualidade, temos vrios fatores que influem

    na construo e conceitualizao da identidade, e incube ao indivduo os diferentes caminhos

    precursores a mesma. Fatores sociais, culturais, religiosos, familiares tambm compem um

    universo amplo que promove a diversidade que habita e co-habita os espaos e as identidades

    sociais. Os meios de comunicao em massa cada vez mais em ascenso promovem ao

    discurso atual, inmeras caractersticas e aspectos que apresentam um universo de novidades.

    As mdias presentes no cotidiano trazem aos sujeitos, informaes possveis atravs da

    vivncia social, ou seja, do que est inserido no espao social, do que faz parte do cotidiano e

    tambm de caractersticas produzidas a fim de imprimir socialmente novas tendncias.

    Concordamos com Silvana Goellner (2010: 29) quando diz que filmes, msicas, revistas e

    livros, imagens, propagandas so tambm locais pedaggicos que esto o tempo todo, a dizer

    6Referente ao desenvolvimento do trabalho pedaggico no ambiente escolar a partir da incluso dos parmetroscurriculares nacionais.

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    de ns, seja pelo que exibem ou pelo que ocultam. O discurso proferido pelo Governo traz

    aspectos importantes em questo informao do tema, porm esta mesma informao que se

    inicia em um discurso global e igualitrio, no produzida em uma mudana social sob a

    reflexo ao debate contemporneo da diversidade.Diante da diversidade cultural que compe o espao contemporneo e cerca o

    cotidiano escolar, em consonncia as variadas ferramentas miditicas e tecnolgicas que

    participam do movimento proferido, articulamos discusso a apresentao dos vdeos

    produzidos para o Ministrio da Educao (MEC), intitulados: Torpedo, Probabilidade e

    Encontrando Bianca. Nestes vdeos encontramos trs distintas histrias que do subsdios para

    a discusso no meio escolar sobre o tema transversal. O que ser descrito, a seguir, se funda

    nas caractersticas originais dos vdeos analisados, seguida por dilogos em educao sexualnas bases educacionais brasileiras.

    III Histrias contadas em imagens retratadas7

    Vdeo Probabilidade8

    A famlia de Leonardo precisa mudar de cidade, e nesta transio de espaos,

    Leonardo se sente atingido por ter que deixar para trs sua primeira namorada (Carla). Emmeio mudana, a adaptao em uma nova escola, novos amigos e a nova cidade, Leonardo

    comea uma amizade com Matheus que a princpio, por receio no lhe conta sua opo

    sexual, porm mais tarde acaba sendo revelada por piadas no ambiente escolar. Leonardo fica

    meio confuso em considerao a omisso do amigo sobre sua opo sexual.

    Ainda meio entristecido com a mudana de vida, seu novo amigo o convida para festa

    de despedida de seu primo que passa pelo mesmo problema que Leonardo passou. Com a

    convivncia no novo colgio, as novas amizades e as conversas Leonardo se v confuso;gostar de meninas ou de meninos? Mas porque tenho que escolher?

    7As imagens utilizadas neste trabalho, se caracteriza a partir da captura de imagens do vdeo disponibilizado noYoutube, atravs do mtodo de Print Screen e finalizao da imagem em programa editorial de imagemPhotoscape, com a proposta de produzir diferentes percepes, questionamentos e reflexes sobre a discussoem educao sexual no ambiente escolar.

    8Vdeo disponvel em: . Acesso em: 2de maio de 2012

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    O vdeo se encerra com a reflexo de Leonardo mediante os questionamentos de sua

    sexualidade, seus sentimentos; sem limitaes ao que se refere ao outro, sem barreiras as

    relaes produzidas em sua vida.

    Encontrando Bianca9

    Jos Ricardo narra sua histria, contando os sonhos dos familiares, principalmente de

    seu pai que gostaria de v-lo jogador de futebol, mas havia problemas com piadas sobre os

    erros que cometia nos jogos; relata do preconceito sofrido quando pintou as unhas de

    vermelho pela primeira vez, inventando desculpas para no ir escola. Logo em seguida, JosRicardo no encontrava sentido em continuar vivendo com roupas e cabelo de menino,

    mudando completamente e passando por fases difceis, como o preconceito dentro e fora da

    escola, e ainda dentro de casa, seus pais passaram um ano sem falar com Bianca (nome

    adotado em homenagem a sua atriz favorita). Bianca relata sua experincia dentro do espao

    escolar, da falta de reconhecimento da diversidade pelos profissionais, pela violncia

    promulgada por outros alunos.

    Apresenta a tradio social, que legitima padres de normalidade e demoniza a

    diversidade que faz parte da sociedade. Mas, traz em sua histria outras relaes, as quais

    apoia e d foras a lutar por um espao sem fronteiras.

    9Vdeo disponvel em: . Acesso em: 2 de maio de 2012.

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    Vdeo Torpedo10

    Esse vdeo traz a histria de Ana e Vam; tudo acontece em uma festa onde tiram fotos

    delas juntas e na semana seguinte as imagens so propagadas dentro da escola. Sem saber o

    que fazer, elas conversam sobre a atitude a tomar, se continuam juntas e como agem para

    enfrentar o pr-julgamento que as espera. Tomando assim a deciso de continuar seu

    relacionamento e enfrentar todos os desafios sociais que surgir.

    10Disponvel em: http://www.youtube.com/watch?v=2qR7yDl0W0g>. Acesso em: 2 de maio de 2012.

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    IV Educao e Sexualidade: alguns dilogos

    A produo do corpo se opera, simultaneamente, no coletivo e no individual.Nem a cultura um ente abstrato a nos governar nem somos merosreceptculos a sucumbir s diferentes aes que sobre ns se operam.

    Reagimos a elas, aceitamos, resistimos, negociamos, transgredimos tantoporque a cultura um campo poltico como o corpo, ele prprio umaunidade biopoltica. (Goellner, 2010: p. 39)

    Pensando no campo curricular sobre a diferena e identidade, pode-se observar um

    discurso singular que padroniza as aes institucionais, criando nomenclaturas para o certo

    e o errado, definindo o normal e o anormal. Guacira Lopes Louro (2012: 51) diz que

    talvez seja mais produtivo para ns, educadoras e educadores, deixar de considerar toda essa

    diversidade de sujeitos e de prticas como um problema e passar a pens-la como

    constituinte do nosso tempo. [...] Um tempo em que a multiplicidade de sujeitos e de prticas

    sugere o abandono do discurso que posiciona, hierarquicamente, centro e margens em favor

    de outro discurso que assume a disperso e a circulao do poder. O que contradiz

    totalmente a posio social ao padronizado.

    A dificuldade do discurso sobre sexualidade em mbito escolar acontece ainda hoje

    pela descontinuidade e interrupo de um processo permanente, tornando a educao sexual

    somente uma atividade extra mediante busca para auxiliar em discusses necessrias que

    acontecem em datas especficas. A dinmica que compe o multiculturalismo est inserida no

    conceito construtivista, onde a troca entre todos os grupos viabiliza a interao indivduo-

    coletividade. As comunicaes que originam as falas multiculturais tomam forma a partir do

    que o receptor compreende do enunciado emitido, e este um dos desafios do

    multiculturalismo, que passa por questes que estabelecem uma comunicao clara e que

    possibilite encontrar novos terrenos de mediao. Nesse sentido, pode-se afirmar que,

    algumas vezes, a cultura juvenil parece no ser bem-vinda escola (Aquino & Soares, 2010:

    84).O choque provocado pela lgica social, em relao padronizao inserida nos

    espaos, perturba o campo educacional em referncia ao tradicionalismo contnuo, que no

    dispe de meios para lidar com os novos movimentos que so construdos no espao escolar.

    Por outro lado, pensando na padronizao do corpo, dos esteretipos produzidos socialmente,

    dialogamos com o outro lado miditico que promove a sexualidade e sua discusso a nvel

    moral. Jimena Furlani (2010, p. 69) diz que o principal papel da educao sexual ,

    primeiramente, desestabilizar as verdades nicas, os restritos modelos hegemnicos da

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    sexualidade normal, mostrando o jogo de poder e de interesses envolvidos na intencionalidade

    de sua construo; e, depois apresentar as vrias possibilidades sexuais presentes no social, na

    cultura e na poltica da vida humana, problematizando o modo como so significadas e como

    produzem seus efeit