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COMPROMETER-SE COM O ESTUDAR NA UNIVERSIDADE: “CARTAS DO GERVÁSIO AO SEU UMBIGO”

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COMPROMETER-SE COM O ESTUDARNA UNIVERSIDADE:

“CARTAS DO GERVÁSIO AO SEU UMBIGO”

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2 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

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COMPROMETER-SE COM O ESTUDARNA UNIVERSIDADE:

“CARTAS DO GERVÁSIO AO SEU UMBIGO”

PEDRO ROSÁRIO • JOSÉ CARLOS NÚÑEZJÚLIO ANTÓNIO GONZÁLEZ-PIENDA

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4 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

COMPROMETER-SE COM O ESTUDARNA UNIVERSIDADE:

“CARTAS DO GERVÁSIO AO SEU UMBIGO”

AUTORES

PEDRO ROSÁRIO • JOSÉ CARLOS NÚÑEZJÚLIO ANTÓNIO GONZÁLEZ-PIENDA

EDITOR

EDIÇÕES ALMEDINA, SARua da Estrela, n.º 63000-161 CoimbraTel.: 239 851 904Fax: 239 851 901www.almedina.net

[email protected]

EXECUÇÃO GRÁFICA

G.C. __ GRÁFICA DE COIMBRA, LDA.Palheira – Assafarge3001-453 Coimbra

[email protected]

Março, 2006

DEPÓSITO LEGAL

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Os dados e as opiniões inseridos na presente publicaçãosão da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).

Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer processo,sem prévia autorização escrita do Editor,

é ilícita e passível de procedimento judicial contra o infractor.

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Bebi com o primeiro leite que “a lua só pode desfrutar do meu sorrirse eu lhe erguer o olhar.” Esta sabedoria suave era recorrentemente

pontuada com um musculado“só chega quem se põe a caminho”.

Mais tarde, observei na tua vida embrulhada de eficácia silente,que para chegar é preciso não desistir de caminhar;

ouvi o teu persistente riso cristalino derrubar as entranhasdos problemas, mesmo em inferioridade numérica;

escutei o higiénico “esconder o errar é ecoar o asneirar”;e rendi-me ao teu engenhoso dizer:

“a caminho dado há que lhe pôr o dente”.Vi, por vezes com o olhar a meia haste,

que cada chegada é o embrião de uma nova partida.Crescer é saber dizer adeus, percebi.

Chegar é importante, mas caminhar é tudo, revisitei.Obrigado por me guiares ao sorriso do luar.

Janeiro, 2006

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6 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

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APRESENTAÇÃO

Designação:“Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Descrição:Este projecto está orientado para discutir com alunos do 1.º ano daUniversidade questões sobre estratégias e processos de auto-regu-lação da aprendizagem, equipando-os para poderem enfrentar assuas tarefas de aprendizagem com maior qualidade e profundidade.A ferramenta “Cartas do Gervásio ao seu Umbigo” corresponde aum conjunto de cartas de um aluno do 1.º ano, o Gervásio, dirigidasao seu Umbigo. Nestes textos, o Gervásio discorre e reflecte sobrealgumas das suas experiências na Universidade, acentuando o papeldas estratégias e dos processos de auto-regulação na sua aprendi-zagem.

Objectivos:Este projecto visa:i. Ensinar os processos de auto-regulação da aprendizagem. É im-

portante que os alunos conheçam os processos envolvidos naaprendizagem, memorização e resolução de problemas. Este conhe-cimento declarativo e procedimental sobre os processos envolvi-dos no aprender facilitará o conhecimento condicional sobrecomo e onde aplicar as estratégias de auto-regulação aprendidas.

ii. Trabalhar com os alunos um repertório de estratégias de apren-dizagem que os ajudem nas suas aprendizagens na Universidadee na vida. O desenho do projecto está orientado para que osalunos reflictam sobre a sua aprendizagem enquanto treinam aaplicação destas estratégias de aprendizagem à sua vida acadé-mica.

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8 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

População-alvo:Alunos do 1.º ano da Universidade, mas também outros alunos,psicólogos, professores e pais que queiram alargar os seus conheci-mentos sobre as estratégias de auto-regulação da aprendizagem eas competências de estudo no contexto universitário.

Racional desta ferramenta:A escolha do 1.º ano como alvo deste projecto de promoção decompetências de estudo está ancorada na facilitação dos processosde adaptação à Universidade. Sob o guarda-chuva do modelo socio-cognitivo da auto-regulação da aprendizagem, este projecto visaequipar os alunos com um repertório de estratégias de aprendiza-gem que os auxilie a enfrentar as aprendizagens mais competente-mente. Promover a autonomia e os processos de auto-regulação daaprendizagem é uma componente fundamental no processo deadaptação às exigências da Universidade e de formação ao longoda vida.

Metodologia:Cada carta está organizada em torno de um conjunto de estratégiasde auto-regulação da aprendizagem (e. g.,estabelecimento deobjectivos; organização do tempo; tomada de apontamentos; lidarcom a ansiedade face aos testes; estratégias de memorização dainformação). O estilo narrativo confere a esta ferramenta um carác-ter dinâmico permitindo uma adaptação ecológica ao contexto espe-cífico de aprendizagem.Num estilo não prescritivo, humorístico e pouco ameaçador, os lei-tores-autores têm oportunidade de aprender um leque alargado deestratégias de aprendizagem e de reflectir sobre situações, ideias ereptos em contexto, através da voz de um aluno que vivenciou umaexperiência par da deles. Esta proximidade experiencial facilita adiscussão e a tomada de perspectiva dos alunos face aos conteúdosestratégicos apresentados no texto. O carácter plástico desta fer-ramenta permite que as cartas possam ser lidas como uma descriçãoromanceada da experiência de um aluno do 1.º ano e discutidas numambiente familiar descomprometido; trabalhadas no contexto da clí-nica psicológica, desenvolvendo apenas os tópicos julgados neces-sários; ou ainda analisadas sob o formato de programa de promoçãode competências de estudo com um grupo de alunos interessados.

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Formato:O projecto apresenta um formato de justaposição curricular, semum número de sessões previstas, nem um tempo determinado paracada sessão tendo como referência o marco teórico subjacente aoprojecto. As 13 cartas, ou apenas algumas destas, podem ser distri-buídas pelo número de sessões que forem julgadas adequadas, ex-ploradas por um psicólogo na consulta individual, por um professorna sala de aula ou por um educador na sala de estar.

Conteúdo:O propósito final deste projecto é formar alunos auto-reguladoresdos seus processos de aprendizagem que assumam o controlo dasua aprendizagem. Neste sentido, no projecto são trabalhados quero racional subjacente ao projecto, quer um repertório de estraté-gias de auto-regulação da aprendizagem disseminadas nas cartas.São igualmente proporcionadas oportunidades de praticar e aplicaressas estratégias a diferentes tarefas e contextos de aprendizagem,e de reflectir sobre o percurso pessoal de aprendizagem.

Avaliação:A avaliação dos produtos desta intervenção de promoção de com-petências de auto-regulação da aprendizagem deve ser coerentecom os objectivos, a população e o formato escolhidos. A equipade investigação que desenhou a ferramenta “Cartas do Gervásio aoSeu Umbigo” construiu questionários e instrumentos de avaliaçãodos processos de auto-regulação e das abordagens dos alunos àaprendizagem na Universidade que podem ser solicitados ao coor-denador do projecto através do endereço [email protected],apenas para fins de investigação.

Agradecimentos

Estas cartas foram carpinteiradas por mãos amigas, que generosa-mente ofereceram o seu tempo e o seu pensar para aprimorar asmúltiplas versões do texto. Imaginem o ponto de partida…

Apresentação

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Num tempo sem tempo para nada, o Gervásio foi cuidadosamenteembalado por leitores zelosos, certeiros na crítica e elegantes noriscar e demasiado rápidos no louvar. Estes encontros adubaram omeu crescer, também isto o Gervásio nos ofereceu.

Aos meus colegas Joaquim Filipe, Flávia, Pedro, Céu, Luísa, Elisa,Miguel, Carla, Teresa, Ana Margarida, aos infatigáveis colabora-dores Rosa, Serafim, Carla, Abílio, Olímpia, Carina e Narcisa, aosalunos Ana, Liliana, Ângela, Paulo e Ana Gabriel, e à engenheirada língua Conceição Oliveira que cuidou do virgular, a todos umolhar agradecido sem ponto final.

Uma referência especial às empresas que contribuíram, no regimede mecenato científico, para que este projecto pudesse ser uma rea-lidade, nomeadamente a REN (Rede Eléctrica Nacional), e a Rey-mon, Lda, a ambas o nosso profundo agradecimento.

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ÍNDICE

Apresentação do projecto ..........................................................................

Introdução ......................................................................................................

O Projecto: Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo ....................................

Carta zeroSe lerem as cartas com atenção, poderão entender os sinuosos con-tornos da minha experiência como caloiro na Universidade e teste-munhar comigo o acontecido. Boa viagem. .........................................

Carta nº 1Aliás, o que é exactamente adaptar-se bem à Universidade? ..............

Carta nº 2Que objectivos tenho? O que é que verdadeiramente guia o meu agir,no meu estudo, na Universidade, nos meus hobbies, no meu desporto,nas relações com os outros, na minha preguiça…? .............................

Carta nº 3Como posso tirar melhores apontamentos? ..........................................

Carta nº 4Sabes como vencer a procrastinação, Gervásio? ..................................

Carta nº 5Porque é que esquecemos?.....................................................................

Carta nº 6Quem governa a tua aprendizagem? Sabes como se distinguem os alu-nos que obtêm sucesso escolar? ............................................................

Carta nº 7Qual destas afirmações está certa? .......................................................

Carta nº 8Como se resolvem problemas? ...............................................................

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12 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta nº 9Conto contigo para o resolver, posso? ..................................................

Carta nº 10Como é que consegues ter esta cadeira tão organizada? Preparar oexame com tanta intensidade? ...............................................................

Carta nº 11(…) o estudo deve ser diferente em função do tipo de exames? ...........

Carta nº 12Afinal, o que é isso da ansiedade face aos testes?................................

Carta nº 13Que tal vai o teu estudo, Gervásio? ......................................................

Implementar o Projecto .............................................................................

Introdução ......................................................................................................

Aprendizagem auto-regulada: uma abordagem processual ..........................

Gramáticas da aprendizagem auto-regulada .................................................

Estrutura e funcionamento dos processos auto-regulatórios: uma abordagem

sociocognitiva .........................................................................................

Ensinar estratégias de aprendizagem ............................................................

Investigação sobre os processos de auto-regulação da aprendizagem .........

Promover competências de auto-regulação da aprendizagem......................

Projecto “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” ...........................................

Estrutura do Projecto .....................................................................................

Proposta de actividades .............................................................................

Palavras finais .............................................................................................

Glossário ......................................................................................................

Referências ..................................................................................................

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INTRODUÇÃO

“A árvore maior e mais frondosa vive do que tem por debaixo.”(Mencius, VIB.15)

A Universidade tem sido confrontada com reptos exigentes, nomea-damente quanto à qualidade dos processos de ensino e aprendizagemoferecidos. A constante evolução tecnológica e a rapidez da comunicaçãodos resultados da investigação científica expõem diariamente a acade-mia à precariedade de quaisquer respostas rígidas, oferecidas em manu-ais ou em aulas cristalizadas.

Nestes últimos anos, a literatura na área dos processos e estratégiasde aprendizagem tem desenvolvido um vasto corpo de investigação rela-tivo à natureza, origens e desenvolvimento dos processos activados pe-los alunos na sua aprendizagem. O paradigma instrutivo, centrado nasrespostas, está a ser substituído, ainda que mais lentamente do que seriadesejável, pelo questionamento, pela pesquisa e pela construção activade respostas. As teorias e os modelos sobre os processos de aprendiza-gem têm sugerido a urgência de equipar os alunos com ferramentas quelhes permitam, a partir das questões formuladas no estudo pessoal, nasaulas, nos laboratórios, nas revisões da literatura, nos trabalhos de pro-jecto…, procurar respostas de uma forma autónoma e auto-regulada,mas não necessariamente solitária.

O paradigma de colmatação de lacunas de conteúdos está a sersubstituído pela dinâmica de promoção de competências. A redução dacomponente lectiva e presencial, acentuando a necessidade de os alunosaumentarem a carga de trabalho autónomo, sugere uma mudança doprocesso de ensino-aprendizagem na Universidade, um maior envolvi-mento do aluno no aprender e um compromisso mais substantivo e res-ponsável com a sua aprendizagem. Definitivamente, para fazer face às

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14 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

exigências da evolução tecnológica, da mudança de protocolos, de pro-cessos, de paradigmas…, os sujeitos têm de saber e de querer colocarquestões e resolver problemas, têm de estudar ao longo da vida e deestar preparados para trabalhar em grupo; mas esta dinâmica processualnão pode esperar pela entrada no mundo do trabalho, deve começarmuito antes, mas pelo menos, no primeiro dia de aulas na Universidade.

Os professores desejam que os seus alunos aprendam a analisar asmatérias e os processos, avaliem criticamente as soluções propostas paraos problemas do mundo físico e social e sejam capazes de aplicar asideias aprendidas na instrução formal aos problemas e desafios que vivemfora das salas de aula. Podemos inclusive sugerir que, universalmente,os docentes almejam que o estudo dos diferentes conteúdos académicosmodifique qualitativamente as interpretações dos seus alunos sobre omundo que os rodeia, acentuando o seu compromisso social. No entanto,assumindo que estas preocupações educativas são consensuais e genera-lizadas entre os educadores, somos confrontados com um conjunto deintrusivas questões às práticas de ensino-aprendizagem: porque é queestas mudanças qualitativas nem sempre acontecem? Para que tal acon-teça, o que é preciso mudar no comportamento dos alunos? Nas práticasdocentes? Nas metodologias de avaliação? No envolvimento dos pais efamiliares na aprendizagem? Na organização da Universidade? Na for-mação dos docentes?

Os alunos, apesar de serem confrontados com grandes quantidadesde informação, nem sempre modificam a arquitectura conceptual dosseus significados. Dito de outra forma, os níveis de complexidade estru-tural da compreensão dos alunos da universidade situam-se, não rarasvezes, abaixo dos pretendidos, com a consequente repercursão nos resul-tados académicos.

Mas esta constatação não deve ser o ponto de chegada; como devemestar organizadas as horas de contacto com os docentes para promovercompetências que preparem os alunos para os desafios que espreitamnas suas vidas? Como aumentar a implicação dos alunos na tarefa?Como melhorar a qualidade das suas aprendizagens? As respostas aestas questões envolvem toda a comunidade universitária. A formaçãopedagógica dos docentes, uma clarificação do impacto na carreira uni-versitária da componente e do investimento dos docentes nas suas práti-cas lectivas, o sistema e metodologias de avaliação dos alunos, a ofertadiversificada de geometrias de aprendizagem mais interactivas, de opor-tunidades de tutoria em pequenos grupos para discutir e aprofundar

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questões são alguns exemplos de aspectos com implicações evidentes naqualidade das aprendizagens que deveriam merecer uma atenção dedicadada academia.

“A tarefa fundamental dos professores é conseguir que os alunos seenvolvam nas actividades de aprendizagem, alcançando os resultadospretendidos... Convém recordar que aquilo que os alunos realizam émais importante para a determinação daquilo que é aprendido do queaquilo que o professor faz” (Shuell, 1986, p. 429). Sem descartar a im-portância dos factores de contexto já enunciados, e à boleia desta últimacitação, focaremos a nossa abordagem nas estratégias de aprendizagema partir da perspectiva do aluno (Biggs, 1987a; Entwistle, 1987a; Marton,1988; Rosário et al., 2003a; Rosário & Almeida, 2005), na presunção deque a forma como estes encaram a aprendizagem contribui para modelaras suas intenções efectivando a sua abordagem à aprendizagem, umavez que os alunos são “(...) agentes activos que podem […] deliberada-mente optimizar o seu desempenho e aprender com os seus erros” (Ro-binson, 1983, p. 106).

Acreditamos que os alunos realizam um contrato de estudo pessoalconsigo próprios, a partir da hierarquização de objectivos que fixam.As prioridades escolares podem alterar-se à medida que os alunos seconhecem melhor a si próprios, às suas tarefas escolares ou se (des)vin-culam ao ambiente social que os rodeia, modificando o perfil deste con-trato que, no entanto, pauta o processo de ensino-aprendizagem dos alu-nos de todos os níveis de ensino. Este contrato pessoal de trabalho e deestudo, como veremos, pode ser analisado em duas vertentes: will andskill (Pintrich & De Groot, 1990; Rosário, 2004b; Rosário & Almeida,2005; Rosário et al., 2003b; 2004b; 2005a; b; Zimmerman, 2000a).Compreender a anatomia deste contrato e agilizar processualmente a suaeficácia são os objectivos centrais da nossa intervenção.

O Projecto “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

A qualidade, também no Ensino Superior, é um tema que tem sus-citado uma atenção política e educativa crescente nos últimos anos.A exigência de qualidade como contrapartida do financiamento, a preo-cupação com a massificação do sistema de ensino e a possível relegaçãodo ensino para um segundo plano em favor da investigação são algumasdas preocupações do discurso em volta da organização do ensino-apren-

Introdução

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16 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

dizagem na Universidade. Centrando a discussão na análise do processode ensino-aprendizagem, a literatura tem referido a promoção dos pro-cessos auto-regulatórios como um dos contributos centrais para incre-mentar a motivação e a aprendizagem académica (Pintrich & Schunk,2002; Rosário, 2002a, 2004b; Rosário et al., 2004a, b; Zimmerman &Martinez-Pons, 1990; Zimerman, 2000b). A auto-regulação refere-se apensamentos, sentimentos e acções que são planeadas e sistematicamenteadaptadas, quando necessário, para incrementar a motivação e a aprendi-zagem (Schunk, 1994; Zimmerman, 2000a). Aplicado ao campo da edu-cação, este conceito compreende um vasto leque de processos e estratégias:o estabelecimento de objectivos; a atenção e concentração na instruçãoutilizando estratégias de codificação, organização e evocação da infor-mação aprendida; a construção de um ambiente de trabalho que favo-reça o rendimento escolar, utilizando recursos adequadamente; a gestãodo tempo disponível e a procura da ajuda necessária junto de colegas efamiliares, entre outros. O trabalho dos alunos deve estar investido decrenças positivas e ajustadas sobre as suas competências, o valor daaprendizagem e os factores que a influenciam, antecipando os resultadosdas suas acções e experienciando satisfação na alocação da sua energiae esforço na aprendizagem (Schunk & Zimmerman, 1996, 1998). Nestesentido, a auto-regulação dos processos de aprendizagem envolve não sóaspectos qualitativos, referenciados ao figurino dos motivos e estratégiaspara aprender, mas também aspectos quantitativos relacionados com afrequência da sua utilização. O cerne do processo auto-regulatório residena escolha e no controlo e, por este motivo, é fundamental para poder-mos discutir o processo de ensino-aprendizagem, focalizá-lo na e desdea perspectiva do aluno.

O projecto “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” está orientadopara discutir com alunos universitários do 1.º ano, mas não exclusiva-mente, questões sobre estratégias de aprendizagem e metodologias deestudo que os auxiliem a enfrentar as suas tarefas de aprendizagem commaior profundidade e qualidade (Rosário et al., 2005b). A escolha do 1.ºano como alvo deste projecto de promoção de competências de estudona Universidade está relacionada com a necessidade de promoção dosprocessos de adaptação à experiência académica. Equipar os alunos comferramentas estratégicas que os ajudem a enfrentar as aprendizagensmais competentemente é uma componente importante no processo deadaptação à Universidade com um impacto reconhecido nos resultadosescolares. Escolhemos um formato epistolar para ensinar e muscular

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estratégias e processos de auto-regulação da aprendizagem. Neste pro-jecto, o Gervásio, um aluno do 1.º ano, escreve um conjunto de cartasao seu Umbigo onde relata as experiências e reflecte sobre o seu papel,mas também sobre as dificuldades e os desafios desta nova etapa da suavida (Rosário et al., 2005b).

Esta narrativa, pelo seu carácter aberto e intrusivo, permite colocarquestões de arranque a partir do olhar de um outro que está a vivenciaruma etapa de desenvolvimento pessoal muito próxima à de tantos alunos.Esta proximidade experiencial, sugerindo que os leitores aprendam epensem num conjunto de questões relacionadas com a aprendizagem naUniversidade, alavanca o ponto de partida de um trabalho preventivocom inúmeras possibilidades. A partir destas cartas pode ser desenvolvi-do um trabalho individual reflexivo ou, se orientado por um psicólogoou por um professor com um grupo de alunos, fomentada a discussão dequestões relacionadas com estratégias e processos de aprendizagem ououtras questões relativas à adaptação ou ao trabalho e estudo na Univer-sidade.

“Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” é uma ferramenta que seafirma como uma alternativa aos manuais de estratégias de estudo con-vencionais, muito formatados e prescritivos. Cada carta, apesar de tersido desenhada em torno de estratégias e conteúdos relacionados com oprocesso de auto-regulação da aprendizagem, está redigida sem “pontofinal”, o que impele os leitores a uma reflexão metacognitiva em tornodas questões em discussão, mas também à necessidade e urgência deapropriação daqueles conhecimentos às rotinas pessoais de estudo e deaprendizagem.

Para facilitar este trabalho reflexivo de autor, na parte final do livrosão apresentados sumários temáticos que facilitam a arrumação concep-tual dos conteúdos trabalhados em cada carta, e também algumas pro-postas de actividades a desenvolver nas sessões de trabalho que devemser consideradas apenas como tal. Acreditamos que compete ao alunosignificar as diferentes aprendizagens sugeridas nas cartas. Qualqueraprendizagem – também esta – é tanto mais possível quanto maior for oseu envolvimento empenhado. A natureza amigável deste formato e oseu carácter desconvencional facilitam – acreditamos – o envolvimentodos sujeitos na componente estratégica da sua aprendizagem.

Nas páginas seguintes apresentaremos um conjunto de 13 cartasque elaboram sobre as experiências pessoais de um aluno do 1.º anorelacionadas com a sua vida de trabalho e de estudo na Universidade.

Introdução

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18 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Nestas cartas são trabalhadas competências instrumentais tais como:analisar e sintetizar a informação; procurar, trabalhar e combinar infor-mação de fontes diversas; organizar, planear e programar tarefas notempo e conhecer e exercitar estratégias de tomada de decisão. Esta famí-lia de competências é fundamental no desenvolvimento de um trabalhopessoal mais robusto e qualitativo.

Este projecto visa promover também competências interpessoaisorientadas para o trabalho em equipa, uma urgência da vida em socie-dade, discutindo a sua natureza e a importância do papel de cada um noproduto final. Neste âmbito, nas “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”,centraremos a nossa atenção nas seguintes competências: o desenvolvi-mento do sentido crítico e da assertividade e o trabalho em grupo deforma integrada, valorizando a diferença de posicionamentos e a multi-culturalidade. Promoveremos também competências sistémicas, taiscomo: a aplicação do conhecimento na prática; o saber investigar e apren-der; a capacidade de adaptação a situações novas com soluções diver-gentes; o trabalho autónomo e independente; e a procura da mestria e anecessidade de empenhamento pessoal para alcançar sucesso.

Na segunda parte deste livro discutiremos alargadamente o racionalteórico sociocognitivo que enforma este projecto, mas também outrosmodelos e questões relacionadas com a aprendizagem auto-regulada.Terminaremos discutindo questões específicas relacionadas com a imple-mentação no terreno das “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”. É funda-mental que os educadores e os técnicos que se queiram aventurar nesteprojecto leiam e estudem este tópico, e trabalhem respeitando oreferencial teórico que lhe está subjacente, de modo a irem para além deleituras superficiais filiadas no “óbvio” e no “senso comum”.

O projecto “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” deve ser encaradoapenas como o ponto de partida de um trabalho intencionalizado nodomínio das estratégias de aprendizagem, no qual, através de casospráticos e situações próximas aos alunos, se deve procurar antecipar aaplicabilidade do modelo de auto-regulação da aprendizagem e dasestratégias de aprendizagem trabalhadas à vida académica dos alunos.O verdadeiro sucesso desta ferramenta dependerá da competência paraplasmar o aprendido no vivido.

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PROJECTO “CARTAS DO GERVÁSIO AO SEU UMBIGO”

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20 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

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Carta zero

Se lerem as cartas com atenção, poderão entender os sinuososcontornos da minha experiência como caloiro na Universidade

e testemunhar comigo o acontecido.Boa viagem.

Olá a todos,Gervásio. Português. Caloiro. Estudante? (Tenho a ligeira impressão

de que este estilo telegráfico não me vai levar longe; mas, enfim, todostemos as nossas fragilidades…) Bem, cheguei à Universidade depois dealguns anos de intenso trabalho e de tortuosos exames que me levaram asderradeiras forças que, verdade, verdadinha, nunca foram muitas.

Quando aterrei no campus, com uma guia de marcha festejada nafamília com honras de evento, senti-me tão à vontade quanto um polvocoxo numa garagem. Longe dos meus, imerso num mundo que meultrapassa, órfão de orelhas disponíveis para as minhas interrogações eum pouco desnorteado – reconheço-o agora –, decidi desaguar os meuspensamentos, alegrias e receios nestas silenciosas folhas de papel reci-clado.

Nas páginas seguintes coligi algumas cartas que escrevi ao meuUmbigo, o ouvido mais atento da minha vida, mas também algumas dassuas bem intencionadas, apesar de algo ácidas, respostas. Eu sei, eusei… escrever-lhe talvez não tenha sido a decisão mais avisada da minhavida, mas como diz o meu avô quando a placa não lhe prega das suas:“em tempo de guerra não se assoam espingardas.”

Tudo isto pode parecer um pouco absurdo, mas não se precipitem;sustenham os impulsivos julgamentos e abram as orelhas da alma. O rastodo meu acidentado percurso no 1.º ano da Universidade está escondidonas entrelinhas das cartas que fui escrevendo; desvendá-lo espero quenão seja um fardo, mas não estou completamente convencido.

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22 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Este pequeno volume não pretende ser um diário, apenas compilaalgumas cartas avulsas, as que passaram no meu rigoroso crivo. Percebi,à minha custa, que aprender não é algo que acontece aos alunos, é algoque acontece por mão dos alunos. Não basta passear na Universidade decadernos em riste, sentar-se nas salas de aula, ouvir os professores elevantar as pálpebras que insistem em fechar-se; diluindo, depois, todosestes incómodos num arrastado café tomado com amigos.

É preciso conseguir colocar a bala onde o olho aponta, mas é maisfácil dizer do que fazer. Muito mais!

Estudar é fundamental, mas dormir também, e divertir-se aindamais… Agora mais a sério, aprendi no final desta primeira etapa domeu percurso académico que, para o resultado final, o que o aluno faz émuito mais importante do que o papel desempenhado pelo professor epelas estruturas móveis e imóveis da Universidade. Parece impossívelque eu próprio o diga, mas…

Se lerem as cartas com atenção, poderão entender os sinuosos con-tornos da minha experiência como caloiro na Universidade e testemu-nhar comigo o acontecido. No fundo, no fundo, talvez estas reflexõesnão sejam assim tão diferentes das de tantos outros que estão pela pri-meira vez na Universidade, possivelmente das vossas?

Leiam e desculpem qualquer coisinha. No final, não digam que nãoforam avisados.

Boa viagem.

Um abraço amigo,

G.

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23Carta n.º 1

Carta n.º 1

Aliás, o que é exactamente adaptar-se bem à Universidade?

Olá Umbigo,Sim, sou eu o Gervásio. Pode parecer estranho, mas senti um im-

pulso irreprimível de te escrever. Sei que isto não abona muito a favorda minha saúde mental, mas, em todo o caso, aqui vão umas linhinhas.A avó bem me dizia que era perigoso tomar os remédios dela…

Como sabes, entrei na Universidade, mas ainda não aterrei de ca-beça, o que talvez não seja necessariamente um mau sinal. A verdade éque a dimensão física do meu mundo mudou absurdamente; agora estouemparedado por enormes edifícios de ar sério e austero e sento-me emsalas de aula onde caberiam todos os alunos da minha antiga escola;bem, quase todos.

Por aqui tudo tem tamanho XXL e é difícil saber para e por ondeir. Biblioteca? Bar? Reprografia? Secretaria?, pergunto aos quatro ven-tos. “Há várias, em sítios distintos, com diferentes funções, exactamenteo que é que queres?”, respondem-me passos apressados sem abrandar oseu obstinado caminhar. “Isso queria eu saber”, sussurro entre dentes,isto porque nem os dentes conseguem disfarçar a minha imponente ver-gonha… O pasmo toma conta da minha cara sem pedir licença, provo-cando sorrisos amarelos que escondem um: “Ah, és caloiro?! Humm,deixa lá, nem sabes o que te espera, eh, eh, eh.” Algumas gotas desaliva, escorrendo por entre aqueles dentes ansiosos e algo afilados, nãoauguravam um bom final, mas podia não ser nada...

Algures, num desses guichets repletos de folhetos e sorrisos deorelha a orelha, ofereceram-me um flyer colorido e um guia do campustão complexo que preciso de outro para o descodificar. Mas talvez sejamais prudente guardar estas comprometedoras revelações para mim pró-prio…

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24 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Definitivamente, e para já, o mais curioso na Universidade são osimensos morcegos com pernas que não desaparecem, mesmo depois dosintensos beliscões a que sujeito os meus braços já pisados. Choco portodo o lado com bandos de alunos pintalgados como guerreiros, guarda-dos por trajes severos que lhes berram tanto, tanto que as veias da gar-ganta ameaçam rebentar a qualquer instante. Os caloiros, em magote ouem filinha indiana, cantam, num tom desafinadíssimo, toadas de um duvi-doso recorte intelectual, tipo: “Eu sou uma formiguinha rabiga, olé, olá.Ainda bem que estou aqui, se não estava lá… olé, olá.”

Num sítio assim é difícil conseguir destoar, não achas?

A vida, neste país académico, é bastante estranha, mas, talvez porisso, muito diferente da minha anterior existência. Estou mais só: osmeus pais, irmãos, galinhas, caracóis e até o cágado ficaram para trás;só o meu olhar saudoso reaviva as memórias, rasgando o imenso vazioque nos separa.

Sei que tenho sempre os inacreditáveis telemóveis, que servempara imensas coisas, até para telefonar. Diz-me que telemóvel tens e dir--te-ei que universitário és, parece ser a palavra de ordem aqui no burgo.Imagina a minha figurinha com um tijolo que já tem quase cinco meses…sou mesmo um trol!

Nas primeiras saídas e encontros tenho avaliado cuidadosamente oscaloiros que me rodeiam e calculado as minhas possibilidades de seraceite no grupo e por quem. Conseguirei integrar-me bem? Conseguireifazer amigos? Poderei mostrar-me tal como sou? Serão todos melhoresalunos do que eu? Conseguirei chegar ao fim? Terei muito sucesso? Osoutros alunos também pensam nisto, ou sou o único cliente destas ideiasclaustrofóbicas?

Estas perguntas assassinas deixam-me exausto e com o estômagomassajado por picantíssimos molhos mexicanos. Gostava de acreditarque vai correr tudo bem nesta minha experiência universitária, mas nãoestou completamente convencido e a dúvida semeia insegurança e algumnervosismo.

Para além das borgas, jantares, conversas e cafezadas… também háaulas, e parece que é importante marcar presença. Pelo menos, convémlevar um caderno para que não digam que vamos de mãos e cérebro aabanar.

Estar atento na aula depois de uma longa noitada é difícil. Deve sermais ou menos tão agradável quanto a vida de um hipopótamo numabanheira. Mas a verdade é que se não levo as coisas certinhas: aponta-

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25Carta n.º 1

mentos das aulas em dia, relatórios, trabalhos de grupo… a minha vidaescolar pode tornar-se insuportável, tipo vida de peru em vésperas deNatal. Umbigo, se eu começar a fazer “glu-glu”, interna-me, ok?

A propósito de comida, tenho muitas saudades do pão caseiro e doserviço completo lá de casa. Aqui tenho de realizar todo o tipo de tare-fas domésticas, também o heróico serviço de limpeza da casa de banho,não sei se me entendes? Ainda bem que inventaram as molas-extra paraprotecção completa das narinas, porque há bombas aromáticas que podemfazer estragos severos nos meus frágeis neurónios. Pagar a água, a luz,ir às compras, descobrir caminhos e atalhos no emaranhado da cidade,conhecer os horários e os percursos dos transportes… Fazer tudo istocom pouquíssimo tempo e um orçamento quase transparente é obra…Mas, como diria a avó: “o que não mata, engorda.”

Vivo com dois colegas que já conhecia do Secundário. Nos primei-ros tempos correu tudo bem, estávamos animados com a mudança e oentusiasmo escondeu os primeiros beliscões, mas as contrariedades nãoesperaram muito para nos tocar à porta: dificuldades com a conjugaçãodos horários; toneladas de lixo acumulado nas minúsculas varandas;incumprimento crónico de encargos; música estridente a desoras; luzesacesas competindo com o sol radioso; contínuos assaltos ao depaupe-rado frigorífico… Quase todos os dias há novidades, quase todos os diashá trocas de palavras sem açúcar, e tudo isto finalizado com os sorrisosamarelos e o cumprimento enjoado dos vizinhos desgasta-me muito.Não sei bem o que vai acontecer aqui em casa, mas alguma coisa, mui-tas aliás, têm de mudar e rápido.

Sinto cada vez mais a falta de tudo o que eu sempre dei por garantido,e ao qual nunca liguei demasiado. É estranho ter de perder para valorizar.

Embalado por esta ventania emocional, dei por mim a invejar osalunos com famílias residentes na cidade. Acho que sentia alguma penade mim enquanto estrelava ovos que, em conluio com o meu humor,insistiam em desmanchar-se. Conversando com colegas que vivem nacidade com os pais, relembrei que nem sempre o que parece é; quesempre que o sol nos lambe gera uma sombra. Resumindo e concluindo:todos os aspectos positivos têm o seu revés! Mas talvez seja melhorrepetir para ver se me convenço.

Estes colegas não têm de preparar as intermináveis refeições, deaspirar o irrequieto pó que insiste em ficar, nem de gerir o ingovernáveldia-a-dia da casa, mas têm outras fontes de problemas, e não necessaria-mente menores.

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26 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Após uma apurada investigação no campus, as fontes de problemasque recolhem os Óscares entre os alunos com os pais na cidade são: terde cumprir horários estritos, ser muito controlado nas saídas, menos di-nheiro para poder gerir à vontade; mais vigilância nos horários de estudo,mais “olha para o exemplo da tua irmã, essa sim”, mais, mais…

Ontem soube que a mãe de um colega meu do 2.º ano vigia rigoro-samente o tempo e o horário de estudo do filho decidindo tudo por ele,talvez até as bolas a que faz pontaria no bilhar. Gostava de ver a mãedele espreitar por cima do pano para avaliar as distâncias… Coitado!

Talvez seja verdade, como diz o poeta, que “não há nada completa-mente errado: mesmo um relógio parado está certo duas vezes por dia”,o problema é que raramente desfrutamos estes dois momentos de acerto,habitualmente consumimo-nos nos demais.

Neste meu novo percurso fui coleccionando algumas das questões-problema que afectam os universitários com maior virulência: sentir-sefeiíssimo(a) ou o modelo pelo qual a moda esperava ansiosamente; jul-gar-se menos ou muitíssimo mais inteligente do que os demais; com-pletamente desajustado(a) socialmente ou uma verdadeira inteligênciasocial com pernas; ter uma bolsa recheada para responder às exigênciasde um guarda-roupa sofisticado ou nem por isso; ser o “trinca-espinhasdo universo”, ou uma séria candidata ao concurso: “uma orca de trajeacadémico”; enamoradíssimo(a) e por isso descentrado(a) de aulas, dosestudos e de tudo o resto, ou um baldas militante igualmente alienado;consumir-se vorazmente a si próprio e às suas magníficas ideias…; jun-tar-se a amigos que incentivam os consumos desregrados de álcool oude outras drogas, abrindo as portas a uma espiral de problemas oportu-nistas… só para citar alguns.

Depois de alguns momentos de desconforto, mas também de outrosde enorme gozo, pude ver que, de uma maneira ou de outra, todosestamos a viver uma mudança. Não há adaptómetros de validade univer-sal e não é possível prever quem se pode adaptar melhor. Talvez a adap-tação seja um processo contínuo e interminável. Aliás, o que é exacta-mente adaptar-se bem à Universidade?

A vida por aqui não é tão fácil quanto pensava. Não basta vestiruma farpela académica e afivelar um ar grave para que tudo corra bemno mundo universitário. Mas, como diz o outro, “lá se vai andando coma cabeça entre as orelhas…”

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27Carta n.º 1

Estou cansado. Fazer braço-de-ferro tentando evitar desesperada-mente que as pálpebras se fechem durante um longo dia de aulas édifícil, o que é que pensas? E, talvez o pior, depois sobram-me apenasquatro ou cinco horas até ao repousante jantar. Como é que se podeviver com tão pouco tempo para gastar? Tenho razões de sobra para mequeixar, não te parece?

Nas aulas, a fauna e a flora docente é variopinta, podemosencontrá-los frenéticos, tipo manual de aeróbia ambulante, debitando in-formação a um ritmo que nem um corredor dos 100 metros acompanha-ria; ou, pelo contrário, lentos e arrastados como um astronauta coxo,ameaçando adormecer na própria aula…

Mas, verdade seja dita, também há professores cujas aulas nosagarram pelos colarinhos desde os primeiros momentos, derrotandoqualquer distracção por KO. Fazem-nos pensar e trabalhar muito. Temosde pesquisar, de apresentar trabalhos e discutir os dos colegas, preparan-do-nos com antecedência. Ele é ler capítulos e artigos – muitos delesem inglês, fazer experiências, relatórios, portfólios… Uma autênticatrabalheera.

Isto só para te citar alguns exemplos da complexa variedade doscomportamentos docentes… Mas todos sugerem centenas de artigos, li-vros e textos de apoio, tantos que é difícil saber por onde começar aestudar. O que me vale é que as decisões difíceis não devem ser precipi-tadas…

Conjugar tudo o que tenho para fazer é um grande desafio. Perco-me por entre o dever, o meu caprichoso querer e as importantíssimas einadiáveis urgências do dia-a-dia, tipo conseguir reservar um bom lugarna cantina. Ontem comecei a elaborar um horário pessoal incluindo asaulas e todas as outras actividades da minha vida, mas perdi rapidamen-te a vontade e não terminei. Acho que não vale a pena, não concordas,Umbigo?

Quando, finalmente, decido estudar, a minha famélica atenção fogesem resistência levada por qualquer ruído, pensamento ou chamamento.Como é que estarão a sobreviver os dois pandas no jardim zoológico deSentinela-a-Velha? O bambu estará dentro do prazo? A água terá clorosuficiente? Com tantos distractores quem é que consegue estar concen-trado e estudar?

Estar constantemente a lutar com tudo o que me distrai é uma tare-fa que consome as minhas poucas forças, obrigando-me a prolongadosdescansos…

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28 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Um destes dias, ouvi numa das mesas do bar – não é que eu sejacoscuvilheiro, mas é difícil ignorar uma conversa que é ouvida na Bir-mânia, não achas? – Bem, sem mais rodapés, assisti a uma autênticapalestra sobre a necessidade de estabelecermos horários para governar-mos a vida. Até me engasguei com a espessura daqueles pensamentos,mas terão razão? A verdade é que não me imagino a realizar um horáriopara a minha vida tipo carreira n.º 37 para o Vale-dos-Alinhadinhos…Mas enfim, o caminho pode ser por aí, a necessidade de planificação,não o Vale-dos-Alinhadinhos, percebes?

Um abraço à procura de norte,

G.

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29Carta n.º 2

Carta n.º 2

Que objectivos tenho? O que é que verdadeiramente guia o meuagir, no meu estudo, na Universidade, nos meus hobbies, no meu

desporto, nas relações com os outros, na minha preguiça…?

Olá Umbigo,Sou eu outra vez, o Gervásio. Desculpa ter demorado tanto a voltar

ao teclado, mas o ritmo que encharca tudo aqui no burgo universitário éestonteante. Passadas as primeiras semanas de euforia e fandango à voltada praxe e da recepção ao caloiro, já tudo segue o seu curso normal:aulas, aulas, aulas.

Ontem, na cantina, estávamos numa amena cavaqueira quando che-gou uma amiga do André, aquele do meu curso. Vinha acompanhada deuma tribo de colegas e, como aqui na Universidade onde cabem doiscabem quinze, lá nos ajeitámos na pequena mesa o melhor que conse-guimos. A conversa foi tão animada que o André comeu pelo menosmais três peças de fruta e cinco iogurtes do que a sua conta, mas nin-guém parece ter dado pela falta, tal era o entusiasmo.

Vinham de uma aula onde a professora, que por acaso é a directorade curso, lhes contou uma pequena estória para ilustrar a importância deestabelecer objectivos no estudo pessoal. A ideia desenvolvida parecesimples: conhecer com profundidade o que é e como se estabelece umobjectivo com o intuito de melhorar a realização escolar. Mas, comosempre, as coisas mais simples são as mais difíceis de definir. Estoufarto de saber o que é um objectivo, mas defini-lo, naquela mesa super-povoada de neurónios ávidos e truculentos, foi dificílimo. Senti-mecomo se estivesse em fato-de-banho no Evereste.

A Soraya Liliana – aquela de olhos irrequietos e cintilantes, mascom um nome fatal, enfim, não se pode ter tudo –, para salvar a conversade um apagão repentino, contou-nos com detalhe a tal estória. Se nãome falha a memória, o texto era mais ou menos assim:

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30 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

“O escuro tomou conta da terra. No longínquo céu uma fatia delua sorria com gosto, mas a intensa água que molhava o chão e osfortes barulhos que se seguiam aos riscos brilhantes, rasgando violenta-mente o escuro, amedrontavam até o respirar. Uma tartaruga com umadura carapaça, escondendo pernas pequenas e desajeitadas, passeavadistraída por entre a generosa erva. O animal avançava lentamente emdirecção a casa onde era esperada ansiosamente pela família, mascomo protegia a cabeça temendo as luzes que rasgavam bruscamente océu, o seu rumo era desalinhado e sem tino. Transida de medo, caiudesamparada numa armadilha para apanhar animais distraídos. Resva-lou sem sofrer danos, mas a água dormindo no fundo e a acentuadainclinação do buraco prenderam-na ali.

Depois delguns esforços mal sucedidos, a desajeitada tartarugaconcluiu que, sem ajuda, não conseguiria cumprir o seu objectivo. Deci-diu esperar com paciência, precisava de poupar forças.

Perto desta armadilha, um enorme e poderoso tigre rastejava acoberto da erva alta, escondendo-se dos brilhantes raios que desciamdo céu e assustavam as suas manchas. Sem prestar atenção ao caminho,uma das suas patas perdeu o chão e, quando o tigre conseguiu levantara cabeça, verificou que estava preso num enorme buraco. A tartarugaassistiu à queda desamparada do perigoso predador e, rapidamente, come-çou a trabalhar num plano que servisse o seu objectivo. Manteve-se emsilêncio aguentando as longas queixas do poderoso animal, mas o seucoração pulava irrequieto. Quando detectou um rasto de receio no res-pirar do enorme animal, disse-lhe com voz forte:

– Quem pensas que és para incomodares o meu descanso, entran-do na minha cova sem pedir licença?

O poderoso tigre assustou-se. Pensava-se sozinho e, por isso, res-pondeu agressivamente.

– Para que saibas, não caí nesta cova imunda. Entrei porque quis– a voz era irregular, denunciando o seu nervoso. – Mas espera quevais já engolir essa arrogância.

Acto contínuo, o enorme felino varreu a carcaça com uma patadatal que a colocou fora da cova. Mal se recompôs do vôo, a tartarugalibertou a sua cabeça e, com um sorriso maroto nos lábios, retomou asua viagem.”

A trupe que tomou de assalto a nossa mesa estava tão entusiasmadacom a moral da estória que prolongou a aula na cantina. Lembro-me de

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31Carta n.º 2

os ouvir falar de: estabelecer um plano, desenhar estratégias, auto-regu-lação da aprendizagem, monitorização da tarefa e não sei quantos maispalavrões técnicos, que omito para não ofender a tua apurada sensibili-dade. Sim, Umbigo, podias, pelo menos, mostrar algum agradecimento…

Discutiram muito uma ideia que me despertou alguma curiosidade;parece que podemos olhar para tudo o que nos acontece com óculos dedesafio ou de ameaça. Como resultado, o que finalmente fazemos navida depende bastante do look escolhido. A tartaruga da estória terá enca-rado a instável situação em que se encontrava como um desafio, o que lhevaleu uma enorme patada e a consequente dor ciática para toda a eter-nidade. Que bom para ela! Acho que os professores deveriam ter algumcuidado com os exemplos dados na aula. Não te parece, Umbigo?!

Segundo aqueles aprendizes de Nobel da Educação, um objectivo éaquilo que os alunos desejam conscientemente alcançar, e que, por isso,dirige o seu comportamento. Os objectivos podem estar orientados paraa mestria que, pelos vistos, é o mesmo que procurar desenvolver compe-tências, melhorar o trabalho e a aprendizagem por referência a si pró-prios. Os exemplos retratavam aqueles alunos que querem aprender,esforçando-se por fazer sempre mais e melhor. Pode ser que um destesdias conheça algum…

Mas, os objectivos também podem estar orientados para a realiza-ção, o que significa estar centrado na exibição pública de sucesso porcomparação com os demais. Neste caso a ideia geral é muito mais “pare-cer” do que “ser”; tudo o que ajudar a melhorar os resultados ou a evitaro fracasso, é bem-vindo, venha de onde e como vier…

“Relativamente ao tempo – eles tinham mesmo aprendido a lição –,os objectivos podem ser distais ou de longo prazo e devem ser fatiadosem objectivos de concretização mais próxima, ou de curto prazo, paraque as tarefas tenham sucesso.”

Com a tranquilidade que podes imaginar, naquela mesa que pareciaum centro comercial em hora de ponta, começaram a surgir exemplosdescabelados. Como objectivo de longo prazo, “terminar o curso” – tal-vez por motivos óbvios –, foi o mais referido. Embora neste momento,dada a minha vida académica, tal me pareça uma miragem, mais do quepropriamente um objectivo. Mas enfim, isso são problemas domésticosque o meu pudor me impede de discutir...

“Eu preciso de estar mais atento nas aulas”, disse em voz baixa,tentando mudar um pouco o rumo da conversa. “Ressonar em plenaaula, talvez não favoreça muito a concentração”, devolveu-me alguém

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32 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

da ponta da mesa com ironia. Deve ser verdade. Todos me conhecempor “Bela Adormecida”, mas acho injusto. Depois de algumas piadinhasfáceis, responderam-me que “estar mais atento nas aulas” não era umobjectivo porque não preenchia os requisitos CRAva. Crava?!, perguntei.“Claro!” Responderam em uníssono com a segurança de um relógiosuíço. Pelos vistos os objectivos devem respeitar esta regra, sendo: Con-cretos, Realistas e AVAliáveis.

Neste caso, para “estar mais atento nas aulas” é fundamental assis-tir às aulas e participar activamente. Registar apenas o mais importante,não tudo o que o professor diz, ajuda a seguir o rumo da aula, e maistarde a organizar o estudo pessoal.

Os objectivos devem ser desafiadores, mas concretizáveis. “Se qui-seres ser menos tímida nas relações sociais, talvez uma candidatura àpresidência do Cascalheira Sport Clube não seja o melhor caminho”,disse um deles dirigindo-se à Narcisa, que respondeu pintando a cara devermelho-vivo. Faz sentido, talvez fosse melhor a tal Narcisa começarpela vice-presidência, não te parece Umbigo?

Para ser mais eficaz no estudo, sugeriu a professora daquelesgénios educativos com pernas, “em primeiro lugar é importante estaratento nas aulas”. Ainda bem que me avisaram; acho que nunca o alcan-çaria sozinho… Mas pensando melhor, talvez o tenham dito porque istoacaba por ser difícil, para não dizer quase impossível...

Nas aulas, como sabes, distraio-me habitualmente com pensamen-tos que me levam para longe… Às 9.30 da manhã já estou inundado demelancolia e só consigo pensar no meu peixinho às riscas. Como estaráa passar o dia no aquário? Terá crescido algum centímetro nesta últimahora? Estará enjoado?

Também me esforço por adivinhar detalhadamente a ementa dacantina. Que vegetais terá a sopa? E qual será o acompanhamento doprato principal?

Porque é que estás a abanar a cabeça, Umbigo?! É preciso cuidarda saúde. Claro que também me perco com a formosíssima Kátia Vanessa.Estremeço sempre de amores quando imagino os lindos dentinhos ama-relados cobertos com três fiadas de arames coloridos… Sei que devocombater ferozmente os distractores internos e externos, que, como meexplicaram aqueles doutos colegas, é tudo aquilo que desvia a minhamoribunda atenção das tarefas escolares, mas eu sou definitivamente umhomem de paz, o que é que posso fazer?

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33Carta n.º 2

Achas que centre os meus objectivos neste combate? Talvez sejaimportante, sobretudo se é verdade que os objectivos dirigem os meusesforços na direcção da tarefa, afastando estrategicamente o que atrasaesta marcha. “Os objectivos têm um enorme poder motor no comporta-mento, por isso é tão importante que sejam concretos, realistas e avaliá-veis.” Umbigo, devo estar tão perturbado que já oiço as tuas palavraschocalhar na minha atormentada cabeça.

Toda esta conversa fez-me pensar nos meus objectivos. Nunca ti-nha pensado neles assim, nunca os tinha posto a nu. Que objectivostenho? O que é que verdadeiramente guia o meu agir, no meu estudo, naUniversidade, nos meus hobbies, no meu desporto, nas relações com osoutros, na minha preguiça…? E se os meus objectivos falassem, o que éque me diriam?

Concentrar-me nas aulas é difícil, tudo seria muito mais fácil se ostemas das aulas fossem mais cativantes; se os professores recorressem aDVD’s interactivos, desenhos animados mexicanos, até telenovelasvietnamitas… aí sim! Também ajudaria se eu não tivesse de responder amilhares de mensagens naquelas duas horas; se ao menos no intervalodas aulas a reitoria oferecesse café ou bijecas e couratos; se eu não mesentasse perto de quem ainda é mais distraído do que eu; se, se, se…

“Porque é que nem sempre estudamos como devemos?” “O que éque se esconde atrás de um não querer?” “Porque é que só estudamosna época dos exames?” “Porque é que um fracasso nem sempre nosimobiliza? “Porque é que umas vezes cerramos os dentes e estudamoscomo uns desalmados, e noutras enjoamos só com a ideia?” Estas per-guntas choveram sem pedir licença encharcando a conversa de emoções,opiniões, teorias e exemplos. Não chegámos a conclusão alguma, nemessa era a ideia; mas, não sei bem como, surgiu na mesa que o que nosmove verdadeiramente a agir, não é tanto o que vemos, o resultado doque fazemos, mas a expectativa; aquilo que acreditamos que pode vir aacontecer. Cunharam esta ideia de expectativas de auto-eficácia e avan-çaram um exemplo: “quando metemos na cabeça que não somos capa-zes de fazer o que quer que seja, mesmo que todos considerem quepodemos conseguir, o fracasso está perto.” A ideia era engraçada e foidefendida com garra: “se um corredor em ligeira desvantagem numaprova acreditar que pode virar o resultado, esforça-se até ao final, massó nesse caso.” Ainda estava a ruminar o exemplo, quando, com um

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34 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

mau gosto imperdoável, alguém aplicou o exemplo ao estudo: “sim, éverdade. Se o aluno acreditar que tem hipóteses de tirar uma boa nota,estuda, se não…” não vale a pena terminar o argumento, porque, comosabes, sou íntimo com este final…

Umbigo, imagina o meu estado de desespero, até resumi num qua-dro os passos da planificação de um objectivo, tal como eles os discri-minaram.

Felizmente, por aqui nem tudo gira em torno do estudar, os placardsna Universidade estão repletos de apelativos convites para cooperarcomo voluntário nas associações mais diversas: “Inscreve-te na Liga dosAmigos da Lagartixa da Serra do Periquito”; “Vem e protege a Socie-dade dos Músicos Sem-ouvido”; “Gelo sim, neve não! Luta pelo verda-deiro Marão”…

Carregados de livros e fotocópias, muitos alunos correm atontadosno campus, mais parecendo formigas à beira de um esgotamento nervoso,e muitos passam ao lado das magníficas oportunidades culturais e sociaisespalhadas em panfletos nas mesas do bar ou espreitando nas vitrinasdos corredores. Eu, é claro, não sou um desses…

Dizem-me que há tempo para assistir às aulas, estudar, ser voluntá-rio, fazer desporto, conviver e ter boas notas, humm! Ainda não desco-bri bem como, mas deve ser possível, pelo menos eu quero acreditarque sim…

Preto no branco, os objectivos guiam e empurram os nossos com-portamentos, mas não chega, é preciso que a vontade ajude, que a von-tade queira. Será que é possível dar corda ao relógio da vontade? Ajudaprecisa-se!

O que fazer? Como?

Definir o objectivo. Seguir o acrónimo CRAva (Concreto, Realista, Avaliável).

Estabelecer um plano. Como é vou alcançar este objectivo?Identificar recursos, passos e tarefas intermédias para o alcançar.

Monitorizar o Estou a seguir o previsto?cumprimento do plano. O que faço conduz-me ou desvia-me do objectivo?

A partir das respostas, retirar consequências.

Avaliar. Alcancei o objectivo? Sim/Não. Porque…

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35Carta n.º 2

Bem, a verdade verdadinha é que a tirania do “se”, se eu fosse…,se eu tivesse…, se acontecesse…, persegue a minha vida, minando omeu agir.

Eu sei que tenho um longo caminho a percorrer, ainda bem queainda estou no 1.º ano.

Um abraço CRAva (é assim, não é?),

G.

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36 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 3

Como posso tirar melhores apontamentos?

Olá Umbigo,Há uns dias, neste interminável “semestre” de integração dos caloi-

ros, fomos convidados a participar numas sessões de promoção de com-petências de estudo organizadas pelos finalistas de Psicologia. Sim, honraseja feita, nem todas as actividades organizadas para os caloiros mimamos hábitos e costumes dos Neandertais. Algumas são bem piores.

Bem, mas voltemos à vaca fria. Um amigo meu não queria apare-cer sozinho nessas sessões e empurrou-me com argumentos pintalgadosde bom senso paternalista. Entrei contrariado no ambiente escurecido doanfiteatro, mas dei de caras com a lindérrima Kátia Vanessa, e aqueleirresistível sorriso metálico silenciou imediatamente quaisquer dúvidas ereticências… Compreendes, não?!

A sala estava cheia de alunos dos mais variados cursos: Direito,Filosofia, Geografia, Engenharias das mais diversas, Medicina, Psicolo-gia, Matemática… Como é que sei? Conheço alguns, outros tirei pelapinta ou pelas cores das camisolas com dizeres apatetados. Não esperavaencontrar tanta gente, pelos vistos nem todos os alunos estão convenci-dos, como eu, de que sabem tudo sobre “como estudar”. Talvez reco-nhecer que não se sabe tudo e estar disponível para ser ajudado seja umbom começo. Será? Espero que sim!

Bem, mas voltemos à Terra. Quatro finalistas de Psicologia comum aspecto frágil e pontilhado de borbulhas enfrentavam a plateia comum sorriso acolhedor, mas algo tímido. Vestiam um ar de quem nãoconseguiria guiar uma manada de formigas na direcção de uma tabletede chocolate, quanto mais uma sessão de trabalho num anfiteatro a abar-rotar, mas enfim; já que estava ali, esperei para ver as pipocas estalar.

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37Carta n.º 3

Sem perder tempo, depois dos cumprimentos e das apresentaçõesiniciais, apresentaram o seguinte caso:

“Numa livraria centenária do centro da cidade que se recusava acatalogar os seus livros recorrendo a um sistema informático, um clientepreparava-se para abandonar a loja quando foi barrado pelo livreiro:

– Desculpe, o senhor leva um livro de poesia aqui da loja e esque-ceu-se de o pagar.

– Não, peço desculpa, mas o senhor está enganado – respondeucom segurança o cliente. – Este livro é meu, já o trazia quando entreinesta loja e posso, inclusive, dizer-lhe que o comprei por um preço infe-rior ao livro que tem aqui na loja.

– Se não se importa de me acompanhar ali à estante da poesia, eumostro-lhe o lugar onde estava esse livro. Sabe, aqui nesta loja, só te-nho um exemplar de cada título, e conheço-os todos como a palma dasminhas mãos – retorquiu-lhe o livreiro com voz calma enquanto condu-zia o cliente para uma estante.

– Repito que está enganado – respondeu o cliente com uma vozalgo trémula.

– Posso ver o livro que tem na mão? – o livreiro recebeu o livro eabriu a capa. – Está a ver estes pedacinhos de borracha? Eu escrevosempre aqui o preço. O senhor apagou-o.

– Francamente… Todas as livrarias colocam o preço aí – ripostouo cliente.

– Talvez. Tem consigo o recibo que possa comprovar a compra? –disparou o livreiro de óculos em riste.

– Comprei o livro há um mês e, como compreende, já não me lem-bro onde guardei o recibo. O que lhe posso dizer é que entrei nesta lojacom o livro. Não me viu entrar na livraria? – perguntou o cliente com aconfiança de quem conhecia a resposta.

– Não, confesso que estava a atender o meu cliente e amigo Sr.Soares – respondeu com voz baixa o livreiro enquanto apontava nadirecção do mesmo.

– Então, peço desculpa, mas vou andando para não perder maistempo – concluiu em triunfo o cliente.

Nessa altura, o Sr. Soares, que tinha assistido a tudo em silêncio,tapou a saída ao cliente e disse-lhe:

– O senhor não se vai embora, o livro pertence a esta loja e eufiquei a sabê-lo por si. O melhor é devolvê-lo de livre vontade ou tere-mos de chamar a polícia.”

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38 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Acto contínuo gerou-se um enorme burburinho no anfiteatro. Asfinalistas tentaram controlar as diferentes alternativas disparadas aqui eali sem grande ordem nem concertação. Depois de alguns momentos deagitação fervilhante, as alunas de Psicologia assumiram rapidamente ocontrolo da situação e, sem ligarem importância ao caso-problema quetinham apresentado, projectaram um slide sobre a importância da tomadade apontamentos no sucesso escolar. Pelos vistos, a investigação nestaárea sugere que os alunos que tiram mais e melhores apontamentos obtêmmelhores notas que os outros. “Outros”, onde eu me incluo, é claro!

Explicaram-nos que tomar apontamentos nos empurra a assistir àsaulas com mais atenção fazendo um esforço para compreender o fiocondutor da exposição, e também contribui para armazenar a informa-ção para os testes e provas de avaliação. Se elas o dizem…

“Tomar apontamentos é uma tomada de decisão”, concluíram entu-siasmadas, o que não é sinónimo de escrever indiscriminadamente todaa informação apresentada nas aulas ou num texto. É fundamental decidiro que é mais relevante, seleccionar e, por fim, confirmar. Todo este dis-curso pedagógico me parecia sensato e mais ou menos consensual, oproblema era consegui-lo dia após dia, digo, aula após aula. E a julgarpelo ar espantado da plateia, eu não era o único reticente.

Curiosamente, as finalistas pareciam ter-se esquecido do caso doroubo do livro apresentado no início da sessão. No anfiteatro, ninguémlevantou a questão, talvez com receio de parecer pouco inteligente aosolhos daquela multidão, mas, pela quantidade de testas franzidas, sus-peito que havia mais alguns com a pulga atrás da orelha.

Alheias aos meus elevados pensamentos, as frenéticas psicólogascontinuaram a sua apresentação: “os apontamentos da aula também aju-dam na organização do estudo, sobretudo se completados com notas suple-mentares tomadas de livros ou manuais.” Claro! Mas para isso é precisotempo e vontade. Assim também eu, apeteceu-me gritar.

“Entendidos assim, os apontamentos tirados na aula são um auxiliarna revisão das matérias trabalhadas na aula”, concluíram.

Sem pré-aviso, o caso do livro roubado voltou ao palco e as psicó-logas perguntaram, sem destinatário concreto, quem tinha tomado apon-tamentos do caso apresentado. Poucos braços apontaram o tecto, aindapor cima quase todos de aspecto frágil e repletos de pulseiras. Não con-segui ver bem, mas estou certo de que o sorrisinho metálico que empur-ra o meu viver estava entre eles.

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39Carta n.º 3

Questionados sobre a resolução do problema da livraria, alguns alu-nos avançaram respostas zangadas, muitas argumentando que era impos-sível concluir algo de substantivo a partir daqueles dados escanzelados.É engraçado que nos rebelemos contra os problemas, chegando a insultá--los, quando desconhecemos as respostas. Eu não protestei, mas nem seibem como é que me contive…

“Se a apresentação deste pequeno caso fosse o conteúdo de um textoacadémico ou de uma aula teórica, poucos tínhamos tomado notas e, porisso, poucos poderíamos estudá-lo em casa analisando os dados com calma,distanciamento e profundidade. Por exemplo, procurando outras informa-ções e recorrendo, se necessário, à ajuda de colegas ou familiares.” Fina-listas dixit, varrendo-nos com um olhar de metralhadora zangada.

Ok, ok, as finalistas marcaram um golo limpo. Explicitaram o argu-mento e não nos depenaram em público: Psicólogas 1, Assistência 0.Felizmente, não cederam à tentação fácil de nos massacrar com comen-tários paternalistas do tipo: “Vêem?”; “Quem vos avisa bom amigo é.”;“Depois não digam que não foram avisados.” Acho que não teria aguen-tado. Em vez disso, projectaram um slide com uma questão sugestiva:Como posso tirar melhores apontamentos?

Isso queria eu saber, disse alguém em voz alta despertando o risonos demais. Flanqueando bem a turba, as finalistas organizaram a res-posta depenando os três momentos da tomada de apontamentos: antes,durante e, por fim, depois da aula, da leitura de um livro ou do visiona-mento de um documentário.

A leitura antecipada dos textos e capítulos recomendados favorecea atenção na aula e a compreensão dos conteúdos. Esta dieta académicafacilita a identificação das ideias principais e dos nexos entre as diferen-tes matérias ou teorias. Deve ser verdade, atendendo ao estado famélicodos meus apontamentos nem ouso duvidar.

Se alguém seguisse este menu à risca mereceria um prémio cho-rudo, mas duvido que alguém o ganhasse.

Com o turbo ligado, as quatro listaram alguns aspectos relativos àtomada de apontamentos: rever as notas tiradas na aula anterior, e com-pletá-las com dados e informações extra de outros livros ou da Net, éuma estratégia fundamental para perceber o que não se entende. “Se ocaderno de apontamentos competir com um queijo suíço no número devazios de informação, talvez esta tarefa seja um tanto ou quanto difí-cil...” Estas piadinhas ajudavam a amenizar o pesado ambiente, maspouco porque a “matéria” é densa.

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40 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Ter um caderno ou folhas específicas para cada cadeira facilita atomada de apontamentos e finta a confusão. Também se deve numerar edatar as folhas dos apontamentos. Parecem coisas óbvias, mas…

Durante a aula convém estar atento à mensagem do professor, sobre-tudo aos sinais que calibram a importância da informação: as repetições,os esquemas escritos no quadro, as modulações de voz, ou as referên-cias explícitas, tipo: “Os três passos são…”; “As cinco característi-cas…”, habitualmente são pistas para a polpa dos conteúdos, recordei.

As finalistas, defendendo aquilo a que chamaram o “valor instru-tivo do erro”, animaram-nos a colocar questões nas aulas sempre quefôssemos assaltados por dúvidas. Curiosamente, apesar de todos – pro-fessores e alunos – apregoarem a importância do questionar, nas aulasnunca surgem muitas perguntas.

“Entendemos tudo o que é discutido ou teremos receio de nos expore de parecermos pouco capazes aos olhares hipercríticos dos demais?”,perguntaram-nos na sessão. Gostava de conseguir responder, mas paraisso tenho de começar a passar mais algum tempo nas aulas, hups!

“Se possível, é importante identificarmos a priorização das ideias esubideias na argumentação do professor ou do autor dos textos consultados.Se as conseguirmos sinalizar, melhor.” Segundo as psicólogas, pareceque no estudo pessoal deveríamos dedicar algum do nosso esforço a estatarefa. Para ilustrarem a ideia, apresentaram um slide sobre boas práti-cas na leitura:

Estratégias que promovem a compreensão.Os leitores proficientes…

1. Priorizam. Definem intenções e objectivos claros que guiam a sua leitura. Nas suasleituras, identificam as ideias principais distinguindo-as dos detalhes. Para tal podemrecorrer a estratégias de aprendizagem tais como os mapas de ideias ou o subli-nhado com a finalidade de os ajudar a representar a ordem de importância dainformação.

2. Sumariam. Após a leitura de um capítulo ou artigo, fazem um sumário das ideiasprincipais e da organização dos conteúdos, sintetizando o sentido global daquelainformação. Estes sumários devem estabelecer pontes com o conhecimento e aexperiência anteriores.

3. Questionam. Um envolvimento activo com a leitura através da elaboração de per-guntas e da procura de respostas evita que os olhos escorreguem pelas palavras semcompreender o significado.

4. Projectam implicações. Procuram ir para além da informação dada, elaborandosobre o material apresentado – “quais as implicações desta técnica ou destas

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41Carta n.º 3

A cruzada daquelas finalistas com pilhas não abrandava de entu-siasmo. Faziam perguntas e estimulavam-nos a apresentar a nossa opi-nião, mas não estavam a ser bem sucedidas.

“Se estou desatento e perco alguma informação deveria tentar com-pletá-la mais tarde com algum colega?” Esta infantilidade foi lançadapara o ar, por certo, num momento de desespero criativo das finalistas.Acontece a todos! No entanto, apesar disso, interiormente fui amadure-cendo uma posição. A resposta não é, obviamente, sim ou não, masporque não. Se o “sim” é tão óbvio porque é que não o faço, porque éque estou desatento? Porque é que não completo os apontamentos?

Para estudar é importante ter tempo, mas também conseguir domara força de vontade rebelde. Eu quero, a minha vontade não tem é força.Como sabes tenho dificuldade em controlar a desenfreada imaginaçãoque me assalta sempre que me sento para estudar; em parar os intermi-náveis e sonolentos rabiscos que infestam as folhas soltas a que chamocaderno; em desligar o intenso fluxo de mensagens escritas no telemó-vel; em evitar as pardas conversas com os residentes nos cafés à voltada Universidade; em afastar o irresistível sono que toma conta das pál-pebras, sobretudo durante as aulas... E é melhor pararmos por aqui, por-que a lista dos meus distractores de estimação é inesgotável.

O ataque psi era cerrado e o discurso ignorava por completo osdireitos dos “Belos Adormecidos”. Estive para protestar, mas a minhacobarde maçã-de-adão não me acompanhou.

Por último, as irrequietas finalistas desenvolveram o tópico da to-mada de apontamentos depois das aulas. Insistiram, sobretudo, na ideiade que os apontamentos, depois de corrigidos os hiatos e as frases semsentido, devem ser completos com novos dados que ampliem o seu sig-nificado. Parece que o estudo pessoal deve ser orientado por dois tiposde questões: as de espelho e as de sumarização. As primeiras são ques-tões cuja resposta directa está escrita nos apontamentos. Apresentaramestes dois exemplos a partir do caso discutido.

ideias?” É um exemplo das perguntas que podem auxiliar nesta tarefa –, e posicio-nam-se face aos conteúdos lidos: é relevante face aos seus objectivos? Concordam?Aspectos fortes e frágeis daquela argumentação…

5. Monitorizam o nível de compreensão. É importante certificar o nível de com-preensão do material; por exemplo, através de mapas de ideias, de sumários ou deparáfrase.

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42 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Por sua vez, as perguntas de sumarização reflectem o tema ou aideia principal daquele tópico:

Texto dos Apontamentos

“(…) Numa livraria centenária do centro dacidade que se recusava a registar e a catalogaros seus livros recorrendo a um sistema infor-mático”

Questão em Espelho

Como está organizado o sistema de registoe catalogação dos livros nesta livraria?

Texto dos Apontamentos

“(…) – Não, peço desculpa, mas o senhor é que estáenganado – respondeu o cliente. – Este livro é meu, já otrazia quando entrei nesta loja e posso dizer-lhe que ocomprei por um preço inferior ao seu. (…)

– Deve estar enganado – respondeu o cliente com umavoz trémula. (…)

– Todas as livrarias colocam o preço aí [na contracapa]– ripostou o cliente. (…)

– Comprei-o [o livro] há um mês, sei lá onde pára orecibo. O que lhe posso dizer é que entrei nesta loja com olivro. Não me viu entrar na livraria? – perguntou o clientecom a confiança de quem sabia a resposta. (…)– Peço desculpa, mas vou andando – concluiu triunfanteo cliente.

Questão de Sumarização

Que argumentos utilizou ocliente para se defender daacusação de que era alvo?

Que dizes desta primorosa arrumação de ideias que faria inveja aqualquer arrumador de carros?

Estas questões podem ajudar-nos a detectar lacunas nos aponta-mentos e a não dormir na forma enquanto estudamos. No meu casoconcreto não sei se será possível, aliás nem sei muito bem se quero,mas enfim.

No final, as estagiárias de Psicologia deram-nos um hand-out sobrea tomada de apontamentos. Deixo-te aqui um exemplar para me poderesdizer de tua justiça.

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43Carta n.º 3

Por favor, não digas que eu não faço nada disto, isso eu já sei. Sur-preende-me.

Obrigado, a gerência agradece.

Um abraço rabiscado,

G.

Dicas para Tomar Apontamentos

Antes da aula:1. Revê os apontamentos que tiraste na aula anterior.2. Prepara-te, realizando os exercícios e as leituras sugeridas.2. Reúne o material necessário: folhas, canetas, livros…3. Chega antes do início da aula de modo a poderes escolher um lugar de onde possas

ver bem o quadro e ouvir o professor sem dificuldade.

Durante a aula:1. Está atento, tentando identificar as ideias principais. Procura algum indicador –

inflexão de voz, explicitação, não verbal… – que te sugira a importância da infor-mação.

2. Protege a atenção dos teus distractores de estimação: toques de telemóvel, SMS,conversas laterais, sonhar acordado, …

3. Usa abreviaturas e não tentes escrever tudo o que o professor diz: selecciona.4. Assinala a mudança de assunto com um grafismo próprio.5. Numera e data os apontamentos referentes a cada aula.

Depois da aula:1. Completa os apontamentos com novas informações e exemplos logo que possas para

não te esqueceres do mais importante.2. Esclarece, com o professor ou com os colegas, alguma ideia que esteja incompleta

ou que não faça sentido.3. Elabora questões à medida que estudas a matéria.4. Transforma e organiza a informação recorrendo a estratégias de aprendizagem: re-

sumo, sublinhado, esquemas, sínteses, mapas de ideias…5. Responde a questões, às tuas, mas também a outras, por exemplo de exames de anos

anteriores.

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44 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 4

Sabes como vencer a procrastinação, Gervásio?

Olá Umbigo,Escrevo-te porque não sei bem o que fazer. A verdade é que estou

aflito, tanto, que decidi voltar a escrever-te, imagina… Tenho de apre-sentar um relatório de 5 páginas na segunda-feira e, como sabes, já sóme restam 3 dias. Suspeito que não vou conseguir e as consequênciasserão trágicas.

As indicações da professora foram mínimas. Para dificultar aindamais a minha vida, o tema sugerido é vago e vastíssimo. Nem sei poronde começar. Sim, sim. Eu sei, que devia ter pensado antes, mas pormuito que não acredites, eu tentei; simplesmente acho que não sou feitopara escrever relatórios.

– Caríssimo, tenho-me abstido de interromper os teus dislates mo-lhados, os teus queixumes típicos de avestruz de cabeça enterrada e atéas tuas piadinhas insossas, mas não me posso conter mais…

– Umbigo???!!!– Claro, quem querias que te respondesse, o teu rim?– Bem, se tu o dizes…– Eu percebo a tua estranheza e o teu desconforto, mas enquanto

continuares a choramingar, não vamos a lado algum. Como sabes “as ver-dades que menos gostamos de ouvir são as que mais falta nos fazem”,por isso, desculpa, mas não te vou poupar. Estou preocupado contigo e,como “quem não alimenta o cão, alimenta o ladrão”, aqui vai a primeiraregra de qualquer estudante, sobretudo de um universitário: precisas deassumir com verticalidade a responsabilidade pelo teu comportamentoacadémico.

– Isso tem tradução em português?

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45Carta n.º 4

– Engraçadinho… Claro que podes não ter sempre os melhoresprofessores, nem as melhores condições para estudar. Este curso podenão ter sido a tua primeira escolha, a vida pode não ser muito fácil, masse continuares a responsabilizar os docentes pelos teus insucessos, oscondutores dos autocarros pelos teus sucessivos atrasos, o meridiano deGreenwich pelos problemas recorrentes do teu despertador, a insuficientedieta em batata-doce pela tua desatenção crónica… vamos passar sem-pre ao lado dos problemas.

– Bem, não sei bem qual é o mal, mas enfim, se tu o dizes…– Atribuir sempre as causas de tudo o que não te corre bem a

alguém ou a alguma coisa pode fazer bem ao teu ego palaciano, masatrasa a resolução dos problemas. Tiveste má nota na frequência porque“não nasci para aprender Chinês”; porque “o professor de Chinês ador-mece nas próprias aulas”; porque “ninguém consegue ler aqueles livrosde texto, nem os próprios chineses”; porque “os livros chineses estãoescritos em Chinês e são… Chinês”; porque…

Talvez, pelo menos uma vez, o que te acontece seja consequênciado teu comportamento, da tua desorganização, do teu baixo empe-nho?… Talvez algo possa mudar se assumires a responsabilidade peloteu agir… Não te parece?

– O que é que queres que faça?! Nem sempre me apetece estudar.– Nem sempre te apetece estudar, Gervásio?! Bem-vindo ao mundo

dos mortais. A questão é que estudar é como tudo o resto na vida; nemsempre queremos fazer aquilo que devemos. O desafio está na capaci-dade de mobilizarmos a vontade no sentido do dever. Seria absurdo queum condutor de um autocarro a abarrotar o abandonasse no meio deuma avenida para comprar uns queijos na mercearia do Sr. José, não teparece?!…

– Sim, sim, já entendi a mensagem, mas agora estou mais preo-cupado em acabar este trabalho. Sobre tudo o resto tenho tempo parapensar depois.

– Esse é o problema. Vives sempre a tentar remendar as imensastrapalhadas da tua vida sem parar para reflectir sobre o teu agir. “Enquantonão for amanhã, desconheceremos os benefícios do presente.” Quemdera que este velho adágio popular te fizesse algum sentido, que desper-tasse alguns dos teus neurónios entorpecidos. O que te acontece hoje foiescrito ontem. Entendes? Se perderes mais esta oportunidade de tentarperceber porque é que o caos insiste em ocupar tanto espaço na tua vida,perdes o foco.

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46 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

– O que posso fazer?– “O vazio de um dia perdido nunca será preenchido”, por isso é

importante reflectires bem sobre o aproveitamento do tempo. Dizem osentendidos que a gestão do tempo é um dos factores mais importantesno sucesso escolar dos alunos universitários.

– O quê, tipo fazer horários?– Organização, isso é o que é necessário. Mas ser organizado não é

necessariamente sinónimo de pendurar um horário no frigorífico ou deespalhar post-it de cores e tamanhos diversos por todo o lado, até natorradeira. “Um dia vale por três para quem faz as coisas a tempo.”

– Umbigo, o que é que tens hoje, engoliste algum livro de ditadospopulares? E não tiveste nenhuma indigestão?

– …– Desculpa. Um destes dias lá na Universidade ouvi falar da impor-

tância da gestão de tempo, das listas CAF (listas de Coisas a Fazer) e danecessidade de priorizar as actividades para aumentar a eficácia e dimi-nuir o desperdício de tempo, mas não lhes dei grande atenção…

– Sim, Gervásio, essa é mais uma das estratégias de gestão dotempo. É fundamental sabermos o que temos de fazer para podermosorganizar e priorizar as nossas actividades. Para simplificar, digo-te queas tarefas mais complexas devem ser divididas nas suas componentes;qualquer bife pode ser comido inteiro, mas parti-lo em pequenos peda-ços facilita a mastigação, sobretudo se a carne conseguir entortar a faca.

– Ok, ok, deixa-te de sermões, e agora, o que é que faço com estetrabalho?

– Antes de atacares a tarefa deves estabelecer um plano, e dividiresse objectivo geral e distante em objectivos mais próximos. Estabelecer otema, datas para atingir cada etapa, recolher informação, procurar a ajudade colegas, de professores, realizar o primeiro rascunho e prever tempopara rever e corrigir. Para realizares todas estas tarefas é necessário orga-nizar o local de estudo, arrumar a imensa pilha de papéis que ameaçasoterrar-te, tentar controlar um pouco os distractores de estimação…

– Hum?!– Recorda que os distractores podem ser internos, tais como a pre-

ocupação exagerada, a imaginação desenfreada, o sonhar acordado, oaborrecimento… ou externos, tais como os barulhos intensos, a desarru-mação, a desordem do material de estudo, o frio…

– Sim, sim, somos íntimos; mas para os controlar o que é que devofazer?

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47Carta n.º 4

– Em primeiro lugar, Gervásio, podes estabelecer objectivos quesejam concretos e realistas, mas desafiadores. Objectivos que dirijam osteus esforços para a tarefa. Depois deves gerir o tempo de modo a con-seguires realizar a tarefa sem pressas nem atabalhoamentos. Organiza-ção é o apelido do sucesso.

– Eu tento estudar, o problema é que adio sucessivamente essa boaintenção. As saídas até tarde com os amigos, as conversas intermináveisna Net, as voltas em casa sem destino… Às vezes tento estudar, mas osolhos resvalam sem fixar as palavras… A vontade já não é muita e, comfrequência, deixo o trabalho para depois…

– Procrastinação!– Também não é preciso insultar, Umbigo.– Gervásio, Gervásio! Procrastinar significa o adiamento sucessivo

das tarefas. Podemos evitar as tarefas porque suspeitamos que podemosfalhar, porque somos perfeccionistas e nunca estamos satisfeitos com oque fazemos, por falta de hábitos de trabalho, por desorganização, por-que, porque, porque…

– Umbigo, Umbigo, nem pareces tu. Há que dar tempo ao tempo.A propósito de ditados, relembro-te o velho adágio que repetes até ànáusea: “Calma! Com o tempo, a erva torna-se leite” ou ainda aqueleoutro “Roma e Pavia não se fizeram num dia.” O que é que pensas destemeu contra-ataque cirúrgico?

– Vou ignorar a provocação. Sabes como vencer a procrastinação,Gervásio?

– Não, mas suspeito que me vais dizer…– Estabelecendo metas de curto prazo, monitorizando a realização

das tarefas intermédias, escolhendo as alturas mais favoráveis do diapara trabalhar, dando-te alguma pequena recompensa, modificando algu-mas condições do local de estudo para o tornar mais agradável ou maissóbrio... Enfim, trabalhando em pequenas etapas de cada vez e domandoa força de vontade. Por exemplo, é óbvio que não devias estudar deitadona cama, o nível de concentração que alcanças é demasiado profundo.Não sei se me entendes?

– Para ser sincero, não muito bem…– Nem sei porque faço estas perguntas… Também é importante

que não te esqueças que “uma só fenda pode afogar o barco”, por issocuida cada pormenor pois todos são importantes. A intimidade coma tarefa é um dos principais factores de motivação para a realização.As grandes amizades não se fazem à primeira vista, mas depois de

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48 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

muito conhecer-se. O julgamento impulsivo tipo “acho que não gosto”,ou o seu contrário, são superficiais. Quantos livros interessantíssimosteriam ficado por ler se os leitores não resistissem à aridez das primeiraspáginas? Conheço mais, gosto mais, invisto mais, domino mais, gostocada vez mais…

Resumindo, penso que relativamente a este trabalho concreto é im-portante definir o tema o mais exactamente possível; mas também o seupropósito final: um resumo?, uma crítica?, um relatório? A extensãopretendida: é diferente escrever um trabalho de 3 ou de 20 páginas; epor último, as indicações específicas: tipo de letra, espaçamento, datasde entrega, local…

É como te digo, Gervásio, neste relatório deves fazer o mesmo queno teu estudo pessoal. Para cada tarefa há sempre um antes, um durantee um depois, que é o mesmo que dizer: planificar, executar e avaliar.Qual o tema, onde e quando recolher as informações relevantes, quais asideias-chave a incluir… Planificar o que vais fazer, como o vais fazer,qual o timing, de que recursos dispões…

– Bem, neste momento estou um pouco nas lonas, mas…– Enfim, adiante… Depois há que enfrentar a tarefa, combater os

distractores, centrar-te no trabalho, recolher e organizar a informação nabiblioteca, tomar notas, e escrever o primeiro rascunho. Por fim, rever otrabalho. Corrigir os erros ortográficos, agilizar as ligações entre asideias, verificar a presença de todas as ideias-chave planeadas…

– Apesar de algo enjoativo, parece fácil, o pior é que…– Gervásio, tens de acreditar que és capaz. Não estás sozinho. Afi-

nal, não é todos os dias que encontras o apoio de um Umbigo assim…– Claro, como é que não tinha pensado nisso… Hã! Hã! Hã! Ainda

bem que me avisaste, já me sinto muito melhor. Bem, tenho mas é deaumentar a minha dose de medicamentos e rapidamente.

Apesar de tudo, um abraço sem ressentimentos,

G.

P. S. Retive dois conselhos que me fizeram especial sentido. O pri-meiro: “Escreve, mesmo que o primeiro resultado seja um desastre.O importante é começar, só depois burilar.” Pelos vistos os textos nuncasaem bem à primeira, e é mais fácil trabalhar e melhorar um texto con-creto. Faz sentido.

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49Carta n.º 4

O segundo: “Não abandones um texto num ponto final. No dia se-guinte, quando voltares a pegar no trabalho, vais ser assediado pelasíndrome da folha em branco, ficando paralisado sem saber como conti-nuar. Interrompe o trabalho sem terminar a ideia. No reinício, o comple-tamento da ideia será o aquecimento do trabalho de escrita seguinte.”Deve ser verdade, mas tenho de experimentar.

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50 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 5

Porque é que esquecemos?

Olá Gervásio,Depois de ler as tuas cartas não podia deixar de te responder. Quem

escreve ao seu Umbigo não deve estranhar que o mesmo lhe responda,não te parece?

Lendo com atenção as tuas primeiras cartas, detectei uma nuvemacinzentada ensombrando o texto: acentuas demasiado as dificuldadesdo percurso. Afinal, depois de tantos esforços, conseguiste o que deseja-vas: entrar na Universidade. Não exactamente na tua primeira escolha,mas isso são contas de outro rosário.

Conseguiste integrar-te rapidamente e já tens um pequeno grupocom quem discutes ideias com mais de uma linha. Foste desafiado paraentrar no grupo de teatro da Universidade e a asa já arrasta para os ladosde uma tal Kátia Vanessa. Bem, se a coisa vingar, espero que a dita estejadisponível para fazer uma plástica no nome.

Como vês, causas bastantes para festejar. Mas, talvez o aspectomais importante seja que estás a reflectir sobre o teu aprender tentandomelhorar, e isso é um bom sinal.

É verdade que tens algumas lacunas por completar; por exemplo,lês, quase exclusivamente, propaganda de hipermercado de reconheci-díssimo recorte intelectual. Como resultado, a tua conversa é circular epouco desembaraçada; tropeças irremediavelmente em cada trissílaboque encontras no caminho.

Quanto mais leres, melhor leitor te tornas, e um melhor leitor ex-pressa-se e escreve com mais desembaraço, aprendendo mais e melhor.Mas não basta apenas dizê-lo, é preciso vivê-lo.

No Secundário, as tuas fragilidades não se notavam tanto, mas agoraa exigência subiu as escadas. Este novo campeonato académico é para

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51Carta n.º 5

corredores de fundo, exige mais esforço, mais força de vontade, maistrabalho contínuo… Competências sólidas, como se diz hoje em dia.Agora sente-se claramente a falta de tudo o que antes não fizeste: “Paraquê fazer mais exercícios se esta nota já me chega…”; “Para quê estudarse esta matéria não sai no teste”; “Para quê completar apontamentos emcasa”; “Para quê estar atento nas aulas, se já passei…”; “Para quê tantoesforço pessoal se posso copiar o trabalho e isso basta…” Estes e outrospara quê’s minaram o teu empenho, reduzindo-o à sua expressão mínima,lembras-te?

A funcionalidade do aprender, ou a instrumentalidade como os teó-ricos referem, é importante. A aplicabilidade do que aprendes ajuda adesemperrar a força de vontade para estudar, mas a tirania do “para quê”pode ser perigosa: se os resultados obtidos, se as notas já te chegam,para quê fazer mais e melhor? Se bem te conheço, a resposta será, inva-riavelmente, um rotundo: “não vale a pena!” A confirmar-se este cenário,não prevejo tempos de bonança escolar. Gervásio, uma fatia gorda doque fazemos na vida não responde apenas aos apelos do “para quê”, mastambém aos do “porquê”.

Sinto-me um técnico de restauro. Desculpa, mas é o que sinto faceà impreparação, a tua e a de alguns caloiros, para as tarefas que vos espe-ram na Universidade. Os alunos sabem o que querem, mas nem sempreo que precisam de fazer para o alcançar. Academicamente falando, conhe-ces os teus pontos fortes? As tuas lacunas? Porquê e como colmatá-las?Pensas no que é melhor para ti próprio, antecipando consequências?

Porquê estudar?Não há respostas de aplicação universal, mas eu, que sou o teu dedi-

cado Umbigo, posso sugerir-te que conhecer os temas com profundidadenos torna mais capazes e mais aptos para trabalhar, e o nosso trabalhocompetente contribui para melhorar a vida dos demais. Estudar, emboranão pareça, é também intervir socialmente; talvez não hoje ou amanhã,mas seguramente em breve. Precisas de óculos para contrariar essa mio-pia académica que tolhe o teu estudar?

Gervásio, aprender não é guardar na memória um conjunto de dadosanónimos para serem reproduzidos acriticamente num exame, lamento anotícia. Talvez por isso seja melhor elucidar-te sobre o funcionamentoda memória. A memória é um sistema de armazenamento de informaçãoque pode ser utilizada a qualquer momento. Imagina uma superbiblioteca

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52 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

com milhares de livros. Qualquer novo residente com folhas tem de sercatalogado segundo uma determinada lógica para poder ser requisitadosem dificuldades e sem perdas de tempo.

A porta de entrada de qualquer informação na casa da memóriaé… Sim, os cinco sentidos, é claro. A este primeiro passo chamamosmemória sensorial. Escrevi-te esta carta e tu quiseste ler, prestaste aten-ção. A informação bateu à tua porta e atendeste. Estás a seguir-me?

Se estivesses distraído a pensar na morte da bezerra, não abrias aporta dos teus sentidos e, em consequência, nunca poderias arquivar aminha mensagem. A informação na memória sensorial tem uma espe-rança de vida muito curta, só está disponível por brevíssimos momentos.Se não a captares imediatamente, nunca chegarás a compreendê-la.

Bem, depois de passar a barreira da memória sensorial, a informa-ção chega ao hall de entrada da casa. Nesta etapa, temos de decidir se adeixamos entrar na sala de estar, onde só vão os amigos, ou se não valea pena e… a informação é convidada a sair.

Esta segunda etapa chama-se memória de curto prazo e está limitadapela duração e pela capacidade. Aqui, a informação tem mais ou menosuns vinte segundos para conseguir convencer-te de que vale a pena con-vidá-la a passar do hall para a sala de estar, a parte mais importante dacasa. Para que as informações importantes não se percam devem ser arti-culadas com outras que já tens armazenadas, os conhecimentos que jápossuis, mas também agrupadas para reduzir o espaço que ocupam. Porexemplo, os 9 dígitos de um número de telefone, o máximo de unidadesde informação (7±2) que a memória de curto prazo pode comportar,podem ser reduzidos se os agruparmos de três em três, por exemplo,218 543 876 ou 967 843 212, libertando 6 unidades. Sempre que organi-zamos a informação em unidades mais compactas, a memória de curtoprazo fica disponível para trabalhar novas informações. Esta estratégiade aglutinação pode ser treinada, como qualquer músculo, para aumen-tar a eficácia da memória.

A repetição consecutiva de um nome, número de telefone, moradaou definição é uma das formas de mantermos a informação na memóriade curto prazo até a podermos registar numa folha ou realizarmos atarefa. Por exemplo, quando pedes uma informação sobre a localizaçãode uma determinada rua, para não te esqueceres, vais repetindo: “2ª àdireita, frente, 1ª rotunda à direita, esquerda depois do semáforo.” Estaestratégia é útil, mas a informação perde-se se formos interrompidos, se

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deixarmos de a repetir ou logo que terminarmos a tarefa. Para ser arma-zenada de forma mais definitiva, a informação deve ser enviada para amemória de longo prazo. Como?

Talvez ajude se eu te disser que a memória de longo prazo é comoum enorme armário. Se não arrumares bem as tuas coisas, quando quise-res encontrar rapidamente algo, como é que fazes? Deixa estar, não digas.

Continuemos, como é que a informação transita da memória decurto prazo para a memória de longo prazo?

A memória de longo prazo está organizada como um mapa gigante.Como em qualquer mapa, ligando as cidades é possível organizar rotase desenhar percursos. Se o mapa estiver desactualizado, não saberemosexactamente quais os melhores percursos. Quando armazenamos umanova informação, escolhemos a que braço do mapa a vamos colar e ainformação beneficia dessa rede de ligações ou significados.

No fundo, no teu estudo pessoal tens de associar cada nova infor-mação a outra ideia que te faça sentido – usando esquemas, mapas deideias ou resumos organizados… –, para que, quando a quiseres recupe-rar, possas fazê-lo sem problema. Para isto é preciso tempo e reflexão.Se estudares todos os dias tentando compreender as ideias e as suasligações, a memória tem a vida facilitada. Não tem sentido estudar todaa matéria fazendo uma directa, muitas vezes à custa de litros de café oude outras drogas estimulantes, e esperar que os algoritmos trabalhadosou as ligações entre os conteúdos fiquem fortes e bem organizadas. Nãofuncionamos como as jibóias que comem um porco inteiro de seguida,gastando os dias seguintes a digeri-lo. Quer dizer… pelo menos algunssomos diferentes!

Há estratégias de organização da informação como os mapas deideias, onde os conteúdos estão ligados num esquema, ou os acrónimosem que a primeira letra de cada elemento a fixar forma uma palavracom sentido, por exemplo: DEPOIS. O lema de todos os procrastina-dores que se prezam: D(esculpas) E(sfarrapadas) P(ara) O(cultar)I(ncumbência) S(aturante). “Depois, sempre depois”, é de certeza olema da tua vida, mesmo que ainda não tenhas dado conta.

Quando as listas de palavras se relacionam pouco, podemos organi-zar uma frase com as iniciais de cada informação. Por exemplo, paraestudar a Mitose: profase, metafase, telefase, anafase, lembras-te? pode-mos utilizar a seguinte frase: Pro meto que telefono à Ana. Eu sei…Eu sei… A frase é um pouco apatetada, mas funciona.

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Para facilitar a compreensão sobre o funcionamento da memóriafiz-te um pequeno esquema:

Porque é que esquecemos? Bem, na memória, quando queremosrecuperar uma informação que está guardada, precisamos de conhecer ocaminho seguido para a guardar. Lembras-te da história de Hansel eGretel? Foram semeando pedrinhas à medida que penetravam no densobosque. Quando quiseram regressar a casa, bastou seguir o rasto. Podeparecer-te infantil, mas este é o sistema para podermos encontrar a infor-mação no labirinto da memória.

A organização é o truque para manter a memória de boa saúde.Tens de a treinar. Tal como os demais músculos, a memória precisa deexercício se não fica flácida. Quando estudas podes aprender a informa-ção repetindo o material sem o ligares ao que já conheces, sem construirum sentido sólido. Como resultado, depois do exame – e às vezes atéantes – perdes o rasto dessa informação: esqueces!

Estás a seguir-me? O esquecimento é a dificuldade de recordaruma determinada informação num determinado momento: nomes, datas,prazos… e pode ser mais definitivo, ou apenas temporário, uma vez quea informação está disponível, mas não acessível.

A ordem é fundamental, se a informação entrar desarrumada numamemória bem organizada, causa ruído. Se à boca do exame um colegate explicar à pressa alguns tópicos da matéria, essa informação podeentrar atabalhoadamente na memória, desorganizando-a completamente.Alguns alunos dizem que “bloqueiam”; provavelmente o que acontece éque baralham o que já sabiam, ficando sem saber nada.

O desuso também é uma forma de nos esquecermos das informa-ções. Se nunca mais usares o que aprendeste, também o podes esquecer,tal como na serra um caminho que não é utilizado fica escondido debaixoda vegetação. Se não usarmos uma informação, ela esconde-se atrás dasmais usadas e perdemo-la de vista…

input Memóriasensorial

perda

Memória decurto prazo

recuperação

codificação

perda

Memória delongo prazo

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55Carta n.º 5

Cada nova informação, ajuda-nos a pensar de uma forma diferente,mas também a conhecermo-nos melhor a nós próprios. No fundo, nofundo, aprender contribui para reflectirmos sobre o nosso papel no mun-do que nos rodeia e para mudarmos como pessoa.

Enquanto pensares em estudar e trabalhar apenas o necessário e osuficiente para passar nas cadeiras, perdes uma oportunidade de conhe-ceres outras coisas, novas coisas, mas também mais coisas sobre ti próprio.

Ânimo, Gervásio. Não te esqueças de que “só chega quem se põe acaminho”, e os teus primeiros passos, nem sei bem como, são promissores.

Sempre teu,

Umbigo

P. S. Perguntas-me se podes estudar com música? Sugiro que releiasa carta.

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Carta n.º 6

Quem governa a tua aprendizagem? Sabes como se distinguemos alunos que obtêm sucesso escolar?

Olá Gervásio,Desculpa voltar a escrever-te sem esperar pela tua resposta, mas a

leitura atenta das tuas primeiras cartas deixou-me deveras preocupado.Estás, como dizes frequentemente, farto de saber o que deves fazer e, sehouvesse alguma dúvida, todos – pais, familiares a perder de vista naimensa árvore genealógica, vizinhos e até o pachorrento peixinho prote-gido pelo vidro baço do aquário – te apontam o caminho. O problemaestá em percorrê-lo.

A auto-regulação das aprendizagens é um guião que nos ajuda aorientar o agir. Sugere-nos que devemos assumir o governo dos nossosactos, a responsabilidade última por tudo aquilo que fazemos na escolae na vida. Não é possível aprender sem que o queiramos, e o esforço e aluta fazem parte do aprender. Este guião para a nossa aprendizagem,com duas faces Will e Skill (vontade e a competência) empurra-nos apensar antes para podermos sorrir depois.

Quem governa a tua aprendizagem, Gervásio? Sabes como se dis-tinguem os alunos que obtêm sucesso escolar? Não?! Pois não são neces-sariamente os mais inteligentes. A inteligência não é fixa para todo osempre. É, pelo contrário, como um músculo que se pode desenvolver e“crescer”, desde que estimulada com desafios que a obriguem a expan-dir, procurando nexos e ligações entre as diferentes informações. O treinona resolução de problemas concretos – uma metáfora num poema; umaexpressão algébrica de três linhas; um determinado quadro sintomatoló-gico; um conflito interpessoal numa empresa… – empurra a inteligênciaa procurar novos caminhos, novos significados, muscula-a.

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57Carta n.º 6

Bem, mas como te estava a dizer, os alunos proficientes, em pri-meiro lugar, estabelecem objectivos de longo prazo e fatiam-nos emobjectivos de curto prazo que dirigem efectivamente o seu compor-tamento, mantendo os níveis motivacionais. A segunda diferença estárelacionada com a forma como planificam e organizam o seu estudo.Não adiam a realização das tarefas para o último minuto e, atempada-mente, alocam tempo suficiente para as diferentes tarefas de estudo:pesquisar, ler, redigir trabalhos, realizar projectos… Assim, têm sempretempo para trabalhar, mas também para os restantes aspectos da vida.É importante fazer desporto, estar com amigos, ser voluntário… Há tempopara tudo, mas não há lugar para desperdícios. Por último, estes alunosdiferenciam-se dos colegas na forma como se preparam e como reali-zam os exames. Não esperam que lhes digam o que fazer: assumem aresponsabilidade e o governo da sua aprendizagem. Elaboram um planopara o seu estudo tendo em conta os seus recursos, a dificuldade datarefa e o tempo disponível. No final desta fase estabelecem objectivosclaros que orientam o seu agir. Depois, dedicam-se a proteger o seu tra-balho dos distractores que os desviam da sua tarefa. Escolhem os locaispara trabalhar e estudar e, se necessário, alteram-nos, desligando a música,o telemóvel, refrescando ou aquecendo o ambiente… Quando estudam,tentam identificar as ideias principais dos textos. Para tal recorrem àelaboração de questões, ao sublinhado ou a pequenos resumos que osajudam na concentração da atenção, mas também nas revisões finais.Em qualquer uma destas etapas recorrem à ajuda dos demais para resol-verem as dúvidas.

Ser bom aluno não é uma inevitabilidade genética. As pessoas nãonascem bons alunos, aprendem a sê-lo.

Como eu ia dizendo, depois de ler estas cartas todas, parece-me quenecessitas da ajuda de um verdadeiro estratega. De alguém que, devidoà sua vasta experiência, te ensine a verdadeira arte da conquista, a técnicada estratégia de aprendizagem, o caminho árduo e inclinado da auto-regu-lação das aprendizagens.

Apresento-te um conjunto de máximas do famoso General Regu-lator1, que pertencem ao enorme e substantivo legado que este exímioguerreiro de tempos idos deixou aos seus soldados e ao mundo. O Gene-

1 Qualquer semelhança entre estes ensinamentos e os do Mestre Sun Tzu é puraevidência.

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58 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

ral acreditava que o estudo era como um combate e o estudante comoum guerreiro, por isso escolhi as suas reflectidas palavras. Esta pérolada sabedoria resume a tarimba de uma longa vida estudando para co-mandar homens na frente de batalha. “Não há louvores sem dores”, eraum dos seus lemas preferidos. Espero que estes profundos pensamentoste estimulem o pensamento e te ajudem a mudar.

“O General Regulator terá dito:

A estratégia é a arma de todos os combatentes. Um estudante despro-vido de estratégia é como um barco errante no oceano, ou um machadorombo tentando derrubar uma árvore centenária. A estratégia inconsis-tente é causa de grandes males.

O sinuoso caminho da estratégia mima o ritmo da natureza. O olharque não conseguir divisar mais além do que o breve momento, nem isso vê.

O código do verdadeiro estratega, o código da auto-regulação, im-plica assumirmos o controlo da realização de cada tarefa: planificar oagir, executar o agir, avaliar o produto desse agir.

Todo este percurso deve ser realizado com a ajuda e ajudando osdemais. Auto-regulação não é sinónimo de trabalho isolado, mas de laboracompanhado.

Três momentos que interagem num ciclo contínuo. Três etapas,num único movimento.

Passo primeiro: Planificar“Pensar antes ajuda no depois” é o principal aliado dos verdadei-

ros estrategas, a primeira lança de qualquer contenda ou batalha.

É importante que cada um se conheça a si próprio, os pontos for-tes que podem servir de apoio no ataque à tarefa, mas também as fragi-lidades próprias; por exemplo, a desordem, a distracção, a lentidão, operfeccionismo... Esta reflexão permite identificar os inimigos pessoaismais temidos – os distractores de estimação –, mas também ajuda a

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59Carta n.º 6

antecipar como e por onde nos podem atacar, minando o nosso estudare trabalhar. Lembrai-vos de que a corda esgaça sempre pelo lado maisfraco.

Na natureza, os elementos encontram sempre um caminho para resol-ver os seus problemas. A água serpenteia no meio das rochas e o arirrequieto aponta a saída nas escuras e profundas grutas. Oxalá supe-rássemos os obstáculos com tanta elegância.

Deveis praticar constantemente para obter vitórias sem grandesdesperdícios. O vosso trabalho deve ser um conjunto harmonioso; ospormenores marcam a diferença.

Todo o acto tem um amanhecer. Se quiserdes conhecer o motivo deum entardecer pobre e desalinhado questionai o seu atarantado ama-nhecer.

Tudo isto parece difícil no início, mas tudo o que é verdadeiramentevalioso tem um inclinado começar.

Passo segundo: a ExecuçãoO plano de ataque à tarefa tem de ser concretizável, tem de ser

realista, tem de ser exequível.

A execução do plano é importante, pois um exército em desordemfacilita a vitória do inimigo, tal como um estudo desatento e desalinhadoconduz ao fracasso. Correr muito não basta para assegurar a vitória,sobretudo se o atleta correr no sentido contrário da pista…

Deveis treinar muito de modo a conseguir tomar decisões rápidase sensatas no combate às tarefas, antecipando as suas consequências noviver. Reflectir, sem medo do que possa surgir, ajuda a muscular a elas-ticidade do nosso agir. Antecipar consequências dos actos a curto, mé-dio e longo prazo é o segredo de qualquer estratega.

Deveis praticar constantemente para compreender tudo isto comprofundidade.

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60 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

O domínio da aplicação das estratégias de aprendizagem exigeuma prática persistente. Não há grandes louvores sem grandes dores.Desconfiai do sucesso demasiado fácil, tem a duração de um pau defósforo.

Uma poeira aparentemente irrequieta e desinteressante origina amagnífica pérola que se esconde no interior da concha, mas não percor-re este longo caminho durante a breve vida de um dia solar. A persis-tência na natureza e na vida é a chave de qualquer pérola.

Não vos limiteis a ler, memorizar ou imitar, mas fazei um esforçovisível para compreender e aplicar este e os demais conteúdos à vossavida.

Se errardes o caminho da estratégia ficareis confundidos e caíreisem rotas descabeladas e prejudiciais.

Deveis defender os vossos recursos do que vos afasta do objectivo.Protegei o vosso trabalho de tudo o que atrasa o realizar: a desgana, adesordem, o perfeccionismo, o capricho, a exaustão…

Protegei-vos dos distractores externos; do que, vindo de fora, vosafasta das tarefas – conversas fúteis, saídas extra, ruídos estridentes… –,mas também dos distractores internos; do que, vindo de dentro, vosatrasa – imaginação desenfreada, medos, desejos, angústias… Esta higieneface ao trabalho é uma obrigação de qualquer combatente digno deenvergar tal nome.

Na guerra, como no estudo, quem não acreditar verdadeiramenteque pode vencer está a um passo de fracassar.

Os guerreiros devem acreditar na vitória – lembro-me de um gran-de comandante que para animar os seus homens na conquista de umaposição muito difícil, atirou uma moeda ao ar deixando à sorte a esco-lha do resultado final da contenda. Na sua mão repousou a cara damoeda, e no ar só se ouviu o imenso grito de confiança dos seus guer-reiros. Empurrados pela certeza da vitória ditada pela cara da moeda,os homens atacaram o objectivo com uma força demasiado insuportável

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61Carta n.º 6

para os inimigos, apesar da sua aparente vantagem. A batalha terminouantes do previsto e com um final imprevisto. No final, o general içouvitorioso o seu estandarte e, perante os seus homens, levantou a moeda.Ninguém pôde ver, mas as duas faces eram iguais.

Olhar para trás, só para pensar no que se vai fazer para a frente.Os homens não devem colar o seu olhar ao que deixaram para trás,mas sim ao que vão conquistar. “Como teria sido se…”, “Que bom seriase…” são exemplos de pensamentos que interrompem a tarefa que temosentre mãos, distraindo-nos do alvo: devem ser extintos liminarmente!

O destino está nas nossas mãos, mas mãos desossadas deixam esca-par tudo o que lhes surja!

Tentai vencer hoje o homem que éreis ontem. Mesmo para percor-rer a estrada mais longa – por exemplo, estudar uma enorme pilha defotocópias – dai um passo de cada vez.

“Não consigo” deve ser banido e substituído por “ainda não con-sigo.” Aqueles que têm pena de si próprios, que justificam os seus erroscom os comportamentos incorrectos dos demais, que empurram para osoutros a responsabilidade dessa mudança … todos estes raramente atin-gem o fim do caminho, e as suas botas dificilmente pisarão os terrenosda vitória.

A antecipação dos movimentos e dos possíveis “senãos” ajuda naconquista do objectivo. Forte não é aquele que enfrenta um pedregulhocom uma pá, mas o que cava um buraco, esconde o pedregulho, e ultra-passa o obstáculo. Se um distractor é mais forte do que tu, elimina-o,afastando-te dele.

Monitorizar os nossos passos, saber se estamos a executar o pre-visto e no tempo previsto, evita surpresas desagradáveis. Quem, paraguiar o seu agir, confiar apenas no instinto, nos encontros fortuitos einconsistentes, e não confirmar a sua posição no terreno, pode desviar-se fatalmente do seu alvo.

Para que a seta abata a presa, o dedo tem de puxar a corda doarco na direcção que o olho indicar. Esperar pela presa no local certo é

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62 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

fundamental, apontar bem é importante, mas não chega; é preciso dis-parar. Boas intenções não geram bons resultados.

Querer é importante, mas o agir tem de o seguir para o final podersorrir.

O que estou a fazer hoje empurra-me para o meu objectivo? Do sen-tido da resposta devemos retirar ilações para o nosso agir.

Para grandes males grandes remédios. Tendes de pensar em cadaum dos vossos movimentos como uma oportunidade de imobilizar o ini-migo – os distractores, uma vontade esquálida, a enorme desorganiza-ção, as certezas de papel… – e alcançar os vossos objectivos.

Não vos queixeis por tudo e por nada. Não vos percais a pensarno que não tendes, guardai antes as energias para o que precisais defazer para o teres.

Um precipício não se ultrapassa em dois movimentos, há sempreconsequências em cada decisão. É impossível estar simultaneamentenos dois lados da ponte. Quem está lá, nunca estará satisfeito se quiserestar cá. E estar cá implica um percurso que é incompatível com estarlá. Quem corre entre as duas margens sem assentar, procrastina. Quemprocrastina, desatina.

Passo terceiro: a Avaliação…A avaliação é o último passo do processo auto-regulatório. Deveis

avaliar não só o produto final expresso na nota do exame, de um relató-rio, de uma avaliação de um portfólio ou de um trabalho de projecto,mas também, e sobretudo, o processo de realização, analisandodetalhadamente cada um dos passos que conduziram ao resultado.

Os oficiais da planificação devem propor um plano de ataque àtarefa, pensando com detalhe nos seus recursos – objectivos, tipo detarefa, materiais necessários, datas de entrega... A sua tarefa terminacom a execução de um plano claro e legível, mas também exequível.O plano final também deve ser avaliado relativamente a cada uma dassuas partes ou componentes. Após a última verificação, o plano finaldeve ser enviado aos oficiais da execução.

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63Carta n.º 6

Na etapa de execução, o plano de ataque à tarefa deve ser estudado,interiorizado e aplicado. A monitorização de cada um dos seus passosdeve ser assegurada. O sucesso do plano de estudo vive de uma ade-quada priorização de cada uma das suas etapas e da colaboração comos demais.

É impossível moldar uma lâmina fria. O Querer e o Fazer estãounidos como as duas faces de uma moeda. Quando o resultado não vossorrir, questionai-os e encontrareis a resposta.

A rigidez conduz ao desequilíbrio, a flexibilidade contorna os obs-táculos. Flexibilidade não rima com desordem.

Vencer o inimigo, terminar a tarefa, alcançar um objectivo é aumen-tar a própria força. O principal inimigo, a maior parte das vezes, viveescondido dentro de nós e não fora. Só o escutamos se avaliarmos onosso agir com a devida calma e silêncio. Tende sempre presente o con-selho dos romanos: “si vis pacem para bellum”, se quereis a paz, pre-para a guerra, mas a única guerra que interessa fomentar: a interior.

Tal como num combate, a dificuldade de um trabalho académicoprofundo consiste em aplanar o caminho sinuoso, transformando cadaadversidade numa vantagem. É preciso treinar bastante e avaliar pararetirar consequências.

Um dia aniquilado não volta a existir. Auto-regular é assumirdeliberadamente o governo do nosso agir. Deveis praticar constante-mente para alcançar a mestria do comportamento estratégico.

É importante avaliar e retirar consequências. Encobrir o erro éerrar outra vez.

Tenho dito.”

E eu também.

Sempre teu,

Umbigo

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64 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 7

(…) qual destas afirmações está certa?

Olá Umbigo,Hoje à tarde, depois das aulas, estava a beber um tranquilo galão e

a devorar um bolo de arroz gigante quando, numa mesa próxima, alguémlançou um problema assassino. Sabes que não sou coscuvilheiro, mastenho uma especial predilecção por problemas, talvez por isso tenha sin-tonizado as minhas habitualmente distraídas antenas. Eis o que captei:

“Imagina que tens uma chávena de café cheia do respectivo esaborosíssimo líquido negro e um copo alto cheio de leite, cerca de seisvezes o tamanho da chávena. Mergulha uma colher de chá na chávenade café e despeja o seu conteúdo no copo de leite. Depois, volta a mer-gulhar a mesma colher no copo que agora tem a mistura e devolve-a àchávena de café.

Completada esta operação, qual destas afirmações está certa?

1. Há mais café no copo de leite do que leite na chávena de café.2. Há tanto café no copo de leite quanto leite na chávena de café.3. Há mais leite na chávena de café do que café no copo de leite.”2

Depois de um silêncio espantado, aproveitado por todos para riscargatafunhos incompreensíveis em guardanapos de papel, o burburinhonão se fez esperar. Logo, logo uma pequena multidão acotovelou-se àvolta da tal mesa e o bitaite correu solto e entusiasmado. Ouvi diferen-tes respostas e vi vários esquemas desenhados descuidadamente. Sempre

2 Este problema foi adaptado de um texto do livro de Edward de Bono, “The 5-day course in thinking”, editado pela Penguin Books, 1967.

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65Carta n.º 7

que pensei ter chegado à resposta certa, surgiu no ar uma explicaçãoalternativa que me pareceu igualmente válida, destronando a anterior.Resultado: não me consegui decidir por nenhuma.

A verdade é que depois de ouvir tantas e tão contraditórias respos-tas, sinto-me bastante confuso. O melhor é perguntar a opinião a maisalguém, depois dou notícias.

Um abraço,

G.

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66 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 8

Como se resolvem problemas?

Olá Umbigo,Voltei. Estive ocupado a tentar resolver o problema. Apresentei-o a

uns amigos e as respostas que obtive foram muito similares às que escuteinaquela mesa do bar da Associação.

Uns diziam que o café se diluía no copo de leite e que, por isso,quando a colher era mergulhada no copo, agora com mistura, levavaobviamente menos café do que aquele que tinha trazido. “É impossívelque a colher mergulhada no leite com café trouxesse apenas café. Aliás,é absurdo.”, defendiam com uma voz encharcada de certeza.

No final deste arrazoado, interrompido com múltiplos comentários,concluíam que há mais leite na chávena de café do que café no copo deleite. Outros defendiam o contrário. Por fim, ainda um terceiro grupodefendia que havia tanto café no leite quanto o contrário, mas a pobrezada argumentação não convenceu ninguém.

O nível da conversa foi elevadíssimo: falava-se de proporcionali-dade, de moléculas, de níveis de diluição, gradientes, fórmulas…, enfim,a ciência de ponta à mesa do café. É verdade que os argumentos pulula-vam de garganta em garganta, mas não consegui descortinar uma linhacoerente.

Aqui, na Universidade, passamos a vida a falar de resolução de pro-blemas, e da necessidade de estarmos preparados para enfrentar desafiostécnicos de forma divergente e criativa; mas… em face de um problemacom uma cara um pouco diferente, não nos conseguimos entender muitobem.

Espicaçado por um bichinho interno que não convive lá muito bemcom deixar tarefas a meio, e por uma memória de um professor sensato

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67Carta n.º 8

do Secundário: “Como se resolvem problemas?! Se estamos a ter difi-culdades é fundamental que o (re)formulemos de tal modo que o enten-damos”, fui à procura de mais informação na Net e na biblioteca.

Descobri que para desenvolver o pensamento crítico, temos, pri-meiro que tudo, de entender o problema. Bem, “até aí chega o Brotas”,já dizia o meu avô. Depois, devemos analisar os dados apresentados,mas também os omissos. Por último, é importante considerar diferentesperspectivas sobre o tal problema e gerar muitas alternativas. Por vezes,estamos tão viciados numa determinada solução que não consideramosoutras alternativas e resvalamos no mesmo sítio. Aprendi que nesses casosdevemos começar tudo de novo para tomarmos perspectiva. As diferen-tes ideias e os passos percorridos devem ser registados para evitar con-fusões, repetições e perdas de tempo. Antes da decisão final, devemostestar as diferentes alternativas consideradas.

Irritado com a musculada resistência do problema às minhas tenta-tivas para o desventrar, acabei por discuti-lo com um professor do Depar-tamento que me empurrou para uma psicóloga especialista em problemsolving.

A conversa foi muito interessante. Aprendi algumas estratégias deresolução de problemas, por exemplo, a urgência de dividir o problemanas suas partes ou passos. “Esta estratégia ajuda-nos a clarificar as liga-ções entre os diferentes elementos do problema”, sugeriu. Pelos vistos,convém representar graficamente os dados do problema, porque há mui-tas questões que desaparecem, e outras que, pelo contrário, só ganhamsentido após a leitura dos dados representados em esquema. Se quere-mos resolver um problema complexo, este é o melhor método, até por-que muitos passos podem ser resolvidos por analogia. No final, quasecomo prova dos nove, o problema deve ser resolvido de marcha-atrás –do fim para o princípio. Se os dados baterem certos, o problema foi res-pondido correctamente.

“Na resolução de um problema da vida diária – a psicóloga come-çou assim a sua abordagem ao problema que lhe colocámos – não pro-curem apenas a informação que pode confirmar a vossa hipótese, pelocontrário, procurem argumentos que a possam invalidar.” Parece umpouco absurdo, mas ela lá saberá.

Depois, leu-nos uns trechos escolhidos de um livro sobre compe-tências de estudo e estratégias de aprendizagem escrito para os miúdosdo Ensino Básico. Torci ligeiramente o nariz, mas o título: “(Des)ventu-ras do Testas” despertou a minha curiosidade habitualmente moribunda.

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68 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Para poderes seguir o raciocínio, reproduzo o texto que a psicóloga nosdeu, retirado de um dos livros da tal colecção do Testas.

“(…)3 Nessa altura, discutimos que os problemas podem ter mui-tas caras. Desde aqueles que vêm nos livros de Matemática, aos poemasque analisamos nas aulas, até às asneiras que fazemos, passando pelasdecisões que temos de tomar.

O meu pai explicou-me, um dia, que devemos estar atentos às impres-sões digitais dos problemas. Quando fico nervoso ou inquieto, entusias-mado, perturbado ou confuso, então tenho um problema por resolver.Tudo o que tenhamos que decidir ou resolver na nossa vida é um pro-blema, e para todos há um mapa que nos ajuda a chegar com maiorsegurança ao tesouro... Esta era uma oportunidade de ouro para testarse o guião que tínhamos aprendido na aula era de “aplicação univer-sal”, como defendiam os stores, ou se só se aplicava aos da escolacomo pensávamos nós. Começámos pelo princípio. O Bernardo foi oprimeiro a ler:

– Primeiro passo na resolução de problemas: identificar o problema.Pode ajudar perguntar: ‘Qual é o problema?’ O objectivo desta

fase é reconhecer o problema, clarificá-lo. Isto significa ser capaz deperceber os diferentes aspectos envolvidos, como, por exemplo, o con-texto onde ocorreu, tipo de resposta pretendida, a urgência desta…Pode ajudar atribuir um nome ao problema. Aconselha-se a ler o enun-ciado mais de uma vez e a tentar parafrasear o seu conteúdo, ou seja,recontar o problema por palavras próprias. Nunca responder impulsiva-mente, sem pensar (…) avançámos para a fase seguinte da resolução deproblemas. Desta vez li eu:

– Segundo passo para a resolução dos problemas: identificação depossíveis hipóteses para a resolução do problema. Isto significa pensarem diferentes possibilidades de resposta para o problema concreto.Esta é uma fase importante no processo de resolução do problema.Nesta etapa, devemos procurar diferentes possibilidades de resposta,quantas mais melhor, para podermos considerar todos os aspectos queenvolvem o problema. Uma única hipótese de resposta pode prejudicara solução. Depois de elaborarmos uma lista com as diferentes possibili-dades de resolução do problema, devemos pensar nos aspectos positivose negativos de cada uma das escolhas e nas possíveis consequências de

3 ???

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cada uma das hipóteses. Quer dizer, pensar no que pode acontecer secada uma delas for a resposta para o problema (…) Alguns minutosdepois, decidimos continuar os passos da resolução de problemas a fimde avaliarmos todas as hipóteses com cuidado, confirmarmos o resultadoe ver se poderíamos descobrir mais algum dado novo. O Bernardo leupausadamente:

– Terceiro passo: escolha de uma resposta. Depois de analisarcada uma das opções listadas, os prós, os contras e as consequênciasda escolha de cada uma, é preciso tomar uma decisão. Os diferentespassos que levam à escolha de uma resposta devem ser justificadospara garantir, dentro do possível, que a resposta a que chegamos é asolução mais que provável do problema.

Este último passo parecia-nos agora bem mais fácil. Voltámos arepetir a resposta (…) e passámos à derradeira fase. Desta vez li eu:

– Quarto passo: avaliação da decisão. Nesta fase verificamos todosos passos dados e analisamos a resposta escolhida.”4

Era, definitivamente, um livro para miudinhos do 2.º Ciclo, mas averdade é que acertava na mouche. Quando eu estive no Ensino Básico,ninguém me ensinou estas coisas, talvez a minha vida escolar tivessesido diferente, para melhor, digo! Sim, porque pior deveria ser difícil.

Já estávamos um pouco nervosos, suspeitando que a psicóloga ensaia-va uma manobra estratégica de fuga ao problema, quando vislumbrámosuma pequena luz. Num enorme quadro de lousa foram surgindo os dife-rentes passos do problema do café e do leite: uma chávena, um copo euma colher com perninhas representavam as diferentes transferências.Quando terminou a exposição gráfica do problema, ficou especada àespera da nossa resposta.

“Desculpe, mas ouvir uma resposta foi exactamente o que viemosfazer aqui”, disse-lhe bruscamente.

Sem acusar o toque, a psicóloga tomou a palavra explicando que sedeitássemos uma colher com café num copo de leite, aquele misturava--se, diluindo-se. Por isso, quando a colher fosse novamente mergulhadano copo, agora de leite com um pouco de café misturado, traria, obvia-

4 Texto retirado do livro “Elementar, meu caro Testas”, pp. 59-68, publicado pelaPorto Editora.

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mente, menos café do que aquele que tinha levado. “Parece, por isso,que há mais leite na chávena de café do que café no copo de leite, o queconfirma a hipótese A.”

Acentuou o “parece” como que esperando uma pergunta. Não adesiludimos. Um silêncio prolongado excitou a minha curiosidade edesconcerto: se aquela era a resposta, porquê tanto suspense? Qual seriaa dúvida? A resposta veio embrulhada num sorriso malandro; aquelaanálise perceptiva poderia esconder uma falácia.

“Uma vez que a colher que transporta os líquidos de um lado parao outro é a mesma, e assumindo que o volume transportado é o mesmo,o café que não voltar à chávena, fica diluído no copo de leite, e o espa-ço correspondente na colher é ocupado por leite que é despejado nachávena de café. No final da operação, mantém-se, assim, tanto de umno recipiente do outro, como o contrário”, disse-nos tentando apaziguaras nossas dúvidas exaltadas.

Ouvimos atentamente, mas os nossos olhares devem ter espelhadoo desnorte dos neurónios à procura de um abrigo seguro e, talvez porisso, a professora tenha recorrido a exemplos.

“Imaginando que, ao limite, a colher mergulhada no copo de mis-tura trazia só café de volta à chávena, ficávamos com tanto café no leite– nada – como leite na chávena de café – nada”, explicou-nos comdesenvoltura e sem sobranceria.

Ante o nosso olhar esgazeado, e como que adivinhando a nossaresistência ao seu argumento – definitivamente, não me estava a serfácil silenciar a análise perceptiva –, a professora repetiu o raciocínioensaiando diferentes proporções de leite e café de um lado para o outro.Concluiu em todas que, assumindo que o volume se mantém inalterável,no final há sempre tanto café no copo de leite como leite na chávena decafé.

Terminada a conversa, com tanta mistura e remistura, os meusolhos pareciam ter saído de uma máquina de fazer batidos. Confessoque no final da explicação abanei a cabeça afirmativamente, mas sus-peito que a minha cara devia parecer um ponto de interrogação gigante.Vou rever outra vez os argumentos que a psicóloga esgrimiu com agili-dade, pode ser que entenda um pouco melhor a resposta.

Um abraço bastante misturado,

G.

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Carta n.º 9

Conto contigo para o resolver?

Olá Gervásio,É curioso que me tenhas apresentado um problema tão interessante.

Fiz umas pesquisas e encontrei um conto muito antigo5 que te querooferecer. O texto exige que abras o coração e a imaginação à sua lição.Conto contigo para o resolver. Aqui vai.

“Era uma vez um casal de agricultores que tinha três filhas. Numdos dias em que estavam todos ocupados nas tarefas do campo, a irmãmais velha encontrou uma raiz enorme nunca antes vista. Tentou puxá-la, mas não conseguiu. Fez mais força colocando no movimento toda asua energia, mas nem assim. Por fim, atou uma corda em volta da raizrebelde e com a ajuda do macho desejoso de umas apetitosas cenourasque teimavam em afastar-se, a raiz cedeu descobrindo um enorme buraco.A rapariga espreitou, limpou a terra com a mão, e encontrou um alça-pão. Curiosa, e sem avisar a mãe e as irmãs, abriu-o. Entrou num labi-rinto iluminado com archotes e caminhou com o nervoso palpitar doseu coração como única companhia e consolo. Por fim, encontrou umasala enorme cheia espelhos, mas nem teve tempo de se aproximar por-que foi surpreendida por uma voz forte e quente:

– Hum, mnham, mnham, que carne humana tão tenrinha – cumpri-mentou-a um enorme Ogre esverdeado.

Assustadíssima a Arlete tentou articular um qualquer som, masteve muita dificuldade porque estava transida de medo. Quando, porfim, conseguiu, disse-lhe:

5 Este conto foi retirado do livro “O Senhor aos papéis: a Irmandade do Anel”,pp. 180 – 186, editado pela Porto Editora.

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– Por favor Ogre, não me mates, somos pobres e a minha famíliaprecisa da minha ajuda para trabalhar no campo.

– Está bem, como sou um Ogre com bom coração vou poupar-te.Ficas aqui a guardar-me a casa enquanto vou caçar. Deixo-te um almoçodelicioso: olhinhos de rã escalfados, acompanhados com asas de borbo-letas fritas. Como vês, um verdadeiro acepipe. Se tiveres comido tudoquando eu voltar, casamos e nada te faltará. Se recusares, corto-te essalinda cabecinha amarela.

A Arlete nem hesitou:– Ogre, Ogre, não te preocupes que eu como tudo, eu como tudo –

a rapariga repetia mecanicamente a frase, sem ter muita consciência doque estava a prometer.

Depois de o Ogre sair, a Arlete respirou um pouco mais tranquila.O pior já parecia ter passado e a verdade é que estava cheia de fome.Aproximou-se voluptuosamente da panela onde estava a comida, mas ocheiro era insuportável e o aspecto nojento. Antes de o Ogre chegaratirou a comida para uma fossa amiga das necessidades fisiológicas ejuntou-lhe água abundante tentando ocultar os vestígios do plano. Estavaa morrer de fome, mas quando o Ogre chegou mostrou-se satisfeita ealegre.

– Então, a minha cabecinha amarela comeu os olhinhos de rã quelhe deixei? – perguntou-lhe gentilmente o Ogre.

– Claro, Ogre, estava delicioso. Muito obrigada pela tua generosi-dade – respondeu-lhe a Arlete, mas a falta de espontaneidade traiu-a.

O Ogre não a deixou terminar e gritou:– Rã onde estás?– Estou aqui na fossa – respondeu a rã.– Mentirosa – urrou o Ogre, furioso. – Não perdes pela demora.Arlete perdeu a cabeça no instante seguinte.Nessa noite, quando chegaram a casa no fim do trabalho, as irmãs

deram pela falta da Arlete. Voltaram ao campo à sua procura, mas nãoa encontraram. Procuraram e chamaram até a rouquidão não o permitirmais, mas sem resultado. O breu estava retinto e as irmãs desistiramdas buscas. Regressaram a casa arrastando a alma. Todo o resultado dacolheita desse dia – invariavelmente bom – lhes parecia, agora, um motivode culpabilização. Não tinham estado atentas, estavam gananciosamenteconcentradas em atulhar a carroça, e tinham perdido a irmã. No diaseguinte, com luz e mais tino, tudo seria mais fácil. Os primeiros raiosquentes e brilhantes empurraram Celeste, a irmã do meio, para o último

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local onde se lembrava de ter visto a irmã. Procurou em volta e, talcomo Arlete, encontrou um enorme tufo de ervas. Instintivamente tentouarrancar a raiz. As ervas resistiram e Celeste agarrou-as com as duasmãos para as puxar com mais facilidade. Durante um pedaço, fizerambraço-de-ferro, mas quando as gotas de suor já espreitavam na sua testa,o tufo cedeu dando lugar a um grande buraco no chão. Da terra bar-renta surgiu um alçapão. A curiosidade e a suspeita de que a irmãpoderia estar ali, levaram-na a abrir a tampa. Do outro lado, no fim dolabirinto, encontrou o enorme colosso à sua espera. Revelando algumafalta de originalidade o Ogre verde repetiu:

– Hum, mnham, mnham, que carne humana tão tenrinha.– Ó Ogre, não me mates. Sou pobre e, para além disso, já perdi a

minha irmã mais velha – suplicou-lhe Celeste.– Sim, eu sei – o Ogre sibilava. – Matei a tua irmã porque a

desgraçada teve o desplante de me tentar aldrabar, a mim, o Ogreimpiedoso. Ofereci-lhe um delicioso prato, ela concordou com o menu eprometeu comê-lo. Mas não só não o fez, como mentiu. Esse foi o seucrime – o Ogre fitava ameaçador a jovem. – Agora que entraste no meupalácio tens de ficar a guardar-me a casa enquanto vou caçar. O teualmoço é um saboroso acepipe de fígado de veado grelhado, acompa-nhado com ovas de minhoca – enquanto falava, o Ogre conduziu Celes-te para a cozinha gigante onde o acepipe estava preparado.

– Tudo, tudo o que quiseres Ogre – titubeou Celeste tremendo demedo.

– Ficas avisada de que se tiveres comido este repasto quando euchegar, casas comigo. Se não, corto-te a cabeça – maliciosamente oOgre rugiu durante a última palavra, acentuando a sua argumentação.

– Não te preocupes Ogre, correrá tudo bem, correrá tudo bem –repetia a rapariga, querendo tranquilizar-se a si própria.

– Já veremos, já veremos – imitou-a o Ogre, tentando, infantilmente,aflautar o vozeirão.

Logo que o Ogre saiu, Celeste chorou convulsivamente até não termais lágrimas para derramar. A irmã tinha morrido e, por este andar,também ela sucumbiria às garras da imensa besta verde. Secou as lágri-mas e procurou vestígios da irmã. As portas estavam fechadas e a suaforça e gemidos não eram suficientes para as abrir. O tempo ia passandoe a urgência de comer a mistela que jazia em cima da mesa, aumentando.Depois de várias tentativas com os olhos fechados, com o nariz tapado,com os dois órgãos dos sentidos imobilizados, nada! Não conseguia evi-

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tar o vómito e a repulsa mal aproximava ligeiramente a colher da boca.Por fim, decidiu cavar um pequeno buraco e enterrar a comida. Commuitas folhas para ocultar os cheiros e muita terra por cima, o Ogrenão descobriria o truque, pelo menos esse era o seu pensamento e desejo.Quando o Ogre chegou rejubilou com a boa nova, mas isso não o impe-diu de, por prudência, confirmar a novidade.

– Fígado, fígado, onde estás? – perguntou.– Estou enterrado no chão perto da cozinha – respondeu com uma

voz abafada o fígado.O Ogre, furioso, revirou os olhos e expectorou uma labareda que,

por pouco, não chamuscou a rapariga. Apavorada, antecipava o que, deresto, aconteceu poucos segundos depois. Também desta feita, a cabeçafoi o preço a pagar pela desobediência e mentira.

Entretanto, na casa dos agricultores, a tristeza tinha inundado oambiente. A segunda filha tinha saído à socapa e, no fim do dia, nenhumadas duas tinha voltado. A família estava desesperada. Narcisa, a filhamais nova, inconformada com a perda das suas irmãs, partiu à suaprocura, prometendo que voltaria. A mãe implorou-lhe chorosa que de-sistisse, não desejava perder a sua última filha, mas não o conseguiu.Despediu-se com um enorme receio no coração.

A Narcisa fez o mesmo percurso das irmãs e aterrou na mesmasala onde foi recebida com a mesma saudação pelo Ogre. Quando per-cebeu que a Narcisa era a terceira irmã, o Ogre fez-lhe uma propostasemelhante. O almoço era composto de pé de macaco grelhado, acom-panhado com língua de camaleão estufada, tudo regado com bílis deelefante. As condições e consequências foram novamente apresentadas eesclarecidas. A rapariga não precisou de explicações para perceber oque tinha acontecido às irmãs e, logo após a partida do Ogre, começoua pensar nas possíveis alternativas para resolver o imbróglio em queestava metida. Rapidamente afastou a possibilidade de ingerir tamanhamistela e…”

Depois de tanto conhecimento sobre resolução de problemas, resol-ver este deve ser “canja”. Espero notícias, de preferência antes do Natal,ok? Bom trabalho.

Sempre teu,

Umbigo

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Carta n.º 10

Como é que consegues ter esta cadeira tão organizada?Como é que consegues preparar o exame com tanta intensidade?

Olá Umbigo,Estamos em plena época de exames. Sim, sim, já sei! Mas só para

alguns… Como já estou farto da vida parda dos últimos dias, digo sema-nas, decidi estudar com uns amigos para me animar e tentar não pro-crastinar mais o estudar – que tal?! A linguagem vai entrando, não teparece?

Fui desafiado por um grupo de amigos para uma Sabatina night.O plano é simples: estudamos em silêncio durante um determinado pe-ríodo de tempo, por certo demasiado, e, de vez em quando, somos ques-tionados por algum dos colegas sobre as matérias estudadas.

Os sabatineiros são quatro e costumam estudar juntos. A Olímpia ea Rosa são finalistas, o Abílio é caloiro, mas não sei nada do Serafim.Na resposta ao convite, deixei bem claro que ainda não tinha acabadode estudar a matéria toda da cadeira, muito menos feito revisões, mas aRosa insistiu e, como a mãe dela tem fama de fazer o melhor bolo dechocolate da cidade, não precisou de se esforçar muito para que eu acei-tasse o convite.

Depois de uns cumprimentos rápidos e sacudidos, iniciámos o estudoem silêncio. Olhei de relance para a cozinha, mas não consegui verqualquer bolo de chocolate, e as minhas apuradas narinas confirmaramesta terrível evidência. Desmoralizado – como conseguiria aguentar ofardo do estudo sem a esperança de umas fatias do delicioso castanho? –espalhei o meu material na mesa e segui a matilha, mergulhando a cabeçanas folhas. O ambiente era tão organizado que só faltava que estivesselua cheia e uivássemos em uníssono, qual familinha de lobos bem com-portada. Não me contive e sorri saboreando a ideia: os quatro de gatas,com os beiços unidos em homenagem à roda branca, rainha do escuro.

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De volta à Terra, fui invadido por um ligeiro desconforto frutoda intensidade e do ritmo que inundava aquele ambiente de trabalho.Os meus colegas de sabatina pareciam atletas de alta competição nalinha de partida dos 100 metros barreiras. Esticavam as pernas e esten-diam os braços, desafiando limites que eu não julgava possíveis, que écomo quem diz, fixavam os olhos em folhas repletas de resumos eapontamentos profusamente anotados. De vez em quando, não satisfei-tos, ainda procuravam informações extra nos livros de apoio ou na com-pacta pasta de textos da cadeira. Executavam todo este ritual, sem amínima hesitação, com a certeza de quem está muito familiarizado como caminho para Sucesso street.

O irritante à-vontade com que manipulavam aquelas resmas de folhasrepletas de conhecimento deixou-me arrepiado e com calafrios. Aquelecenário de perfeição em carne viva, em vez de me ajudar, confrontava-me, distraía-me, desanimava-me.

Habitualmente não me consigo concentrar no estudo. Estou con-vencido de que nunca conseguirei estudar com aquele ritmo e comaquela profundidade, e essa certeza retirou-me energia para o que, ape-sar de tudo, dependia completamente de mim.

Pela minha memória passearam as muitas horas de estudo perdidasao longo do semestre “a dar água sem caneco”, como diria a minhairmã com a delicadeza de urtiga que lhe é tão característica. A verdade éque perco carradas de tempo a limpar o pó aos cafés das redondezas,nos inteligentíssimos jogos de computador com glutões ou aviõezinhospatetas, a conversar na Net, ou dormindo até à hora do lanche para repou-sar das intensas noitadas...

Naquele ambiente de estudo intenso, o esquecimento confortávelque habitualmente afasta as minhas responsabilidades estava definitiva-mente imobilizado. A culpabilidade subia e a raiva tomava conta domeu interior. Esse era, acho, o principal motivo do desconforto que meinvadia naquela sessão de estudo.

Os alunos, pelo menos aqueles três – não conheço bem o caloiro,não estudou connosco nesse dia –, eram pessoas normais. Bem, tantoquanto se pode ser quando se assiste às aulas com regularidade e seestuda com intensidade, não apenas na época de exames…

A Rosa é voluntária numa associação que apoia crianças com pro-blemas; a Olímpia pratica ginástica rítmica de alta competição e o Sera-fim trabalha em part-time numa loja de fotocópias para equilibrar asmagras finanças, porque os pais não o ajudam monetariamente. Todos

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tinham, pelo menos aparentemente, bastante menos tempo do que eupara estudar e, apesar de tudo, conseguiam melhores resultados acadé-micos. Definitivamente, eu podia fazer mais e melhor. Talvez esta cons-ciência me tenha corroído as entranhas da alma, afastando a paz interior.

O povo diz que “mais tempo é sinónimo de mais desperdício”.Será mesmo verdade? Estes pensamentos, e outros que tais, foram cres-cendo, crescendo e esmagaram a minha, já de si moribunda, atenção.

Na primeira oportunidade, descarreguei tudo o que estava cá den-tro, perguntando num tom algo contrariado:

– Como é que consegues ter esta cadeira tão organizada? Como éque consegues preparar o exame com tanta intensidade?

A Rosa arregalou os olhos como se tivesse sido atropelada por umenorme camião e respondeu-me atrapalhada:

– Desculpa, não entendo o que queres dizer…– Nem eu sei bem – respondi-lhe, esboçando um sorriso que

desfraldava uma bandeira branca –, eu assisto a algumas aulas e tomoalguns apontamentos em folhas soltas. Para não me faltar nada, tiro foto-cópias de cadernos. Mas, apesar de tudo isto, ficam sempre alguns bura-cos e, quando estudo, há sempre muitas coisas que não me fazem qual-quer sentido. Não consigo ligar algumas ideias e não as compreendo.A minha vontade para estudar já não é muita, e se as coisas começam acorrer mal… – concluí, ajoelhando a voz no final.

O que disse fazia tanto sentido quanto uma passagem de modelosde rinocerontes, mas, apesar disso, a Rosa respondeu:

– Sei lá?! Há um ror de tempo, uma professora do 7.º ou do 8.ºano, já não me lembro bem, ensinou-me a técnica Cornell para tirarapontamentos – arqueei as sobrancelhas de espanto, e a Rosa recuperouo fôlego. – Nas folhas A4 de linhas faço uma risca vertical a uns 4 cen-tímetros da margem direita. Há cadernos de folhas já com risca incluída,mas são mais caros…

– Sim, mas para que serve essa risca? – interrompi-a, não escon-dendo as minhas reticências quanto à eficácia daquela estratégia deaprendizagem.

– Sei lá!… Nesse espaço podes escrever as dúvidas que surgiramna aula, as datas de entrega dos relatórios ou dos trabalhos, mas tambémtodo o tipo de dificuldades que surjam durante o estudo, sei lá? Eutambém anoto as questões que quero esclarecer com a professora oucom os colegas, sei lá, uso aquele espaço como se fosse uma agendaespecial daquela cadeira, mas isso sou eu… – aquele “sei lá” da Rosa,já me estava a pôr os nervos em franja.

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– Eu não quero armar-me em moralista – interveio o Serafim comvoz grave –, mas o fundamental é tirar apontamentos nas aulas, com ousem risca vertical.

– Sim, mas às vezes não é fácil. Lembras-te da profe que não nosdava os slides que projectava nas aulas? – perguntou a Olímpia. – Eradifícil, para não dizer impossível, acompanhar a aula e anotar aquelainformação toda.

– Nesses casos, acho que é preciso escolher o mais importante eapontar apenas isso. Depois, em casa, completar o que falta com infor-mações de colegas ou de outros textos – concluiu solenemente o “papá”Serafim. – É difícil e quase nunca consigo, umas vezes por falta detempo, o trabalho na loja rouba-me algum; mas quase sempre por pre-guiça. Quando leio e completo apontamentos, tudo faz mais sentido,controlo a matéria, entendo melhor as aulas seguintes e consigo pensarem mais perguntas e responder com mais profundidade – falava com asegurança de quem é capaz de vender areia ao próprio deserto. Talvezconsiga...

– A propósito de perguntas, ouvi numa das sessões para caloirosorientada pelas finalistas de Psicologia que, no estudo, o mais importan-te é fazer perguntas. Acho um bocado exagerado, não concordam? –perguntei, mas um pouco a medo.

– Sei lá… – desviei o olhar para não a fulminar. – Eu vou pensan-do em perguntas à medida que estudo, e tento fazer esquemas que orga-nizem a informação para lhes responder. Sei lá, nunca pensei muito nis-so, mas acho que fazer perguntas ajuda-me porque estou mais activa edistraio-me menos. Quando leio sem fazer perguntas, os olhos resvalampelo texto sem se fixarem, como se as páginas estivessem untadas commanteiga. Sei lá, ter como objectivo elaborar perguntas sobre o que es-tou a estudar, disciplina a minha atenção, obriga-me a estar concentrada.Sei lá, a mim ajuda-me – concluiu a Rosa.

– Eu não faço assim tantas perguntas. Organizo resumos da matériae depois faço esquemas ou mapas de ideias para testar a relação entre osconceitos. Sinto que me ajudaria antecipar questões que podem sair nostestes porque seria menos surpreendido nos exames… – o tom de vozdenunciava alguma hesitação. – Também não consigo fazer muitas per-guntas porque as boas perguntas exigem navegar com à-vontade na maté-ria, e isso... A maior parte das vezes falta-me tempo para estudar toda amatéria, e acho que nunca programei um tempo específico para as revi-sões… – o Serafim terminou abruptamente evitando finalizar a ideia, euagradeci-lhe interiormente.

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– Pois. O problema é sabermos bem o que é compreender – deixouescapar a Olímpia, como se pensasse em voz alta.

– Não sei bem – definitivamente, o Serafim não conseguia ficarcalado durante muito tempo –, mas acho que só podemos dizer quecompreendemos quando articulamos com flexibilidade os conhecimentos.

– Sim, de facto, quando decoramos um conceito qualquer sem oconseguir explicar ou aplicar a casos concretos, não podemos dizer queo compreendemos. Sei lá, faz sentido – concluiu a Rosa, como que mas-tigando o alcance do que acabara de dizer.

– Estudar, tentando compreender as ligações entre as matérias demodo que façam sentido, é muito custoso, dá muito trabalho – disseeu. Ninguém me respondeu e vários olhares apontaram as biqueiras.Para evitar o embaraço que me pintou de avermelhado sem pedir li-cença, continuei. – A forma como eu estudava no Secundário, e quesempre deu frutos, agora não está a funcionar. Antes tinha tempo paratudo. Aproveitava pedaços curtos de tempo e resolvia os TPC ou estu-dava partes das matérias, e chegava: umas vezes melhor, outras pior,mas não me posso queixar muito – as duas raparigas abanaram a cabeçaafirmativamente corroborando o meu raciocínio. Pareciam reviver algofamiliar. – Agora, sinto que estou sempre a correr e, mesmo assim, nãotenho tempo para nada… Deito-me mais tarde, durmo menos, estoumais cansado, e sinto-me um pouco perdido nas matérias. Nem seibem porquê...

– Eu também senti o mesmo. No nosso ano de caloiros até fomosmuito ajudados nas questões de integração na Universidade, também nascompetências de estudo, mas liguei pouco àquelas ajudas. Pode parecerkitsch e politicamente correcto, típico de concorrente a Miss que adorabrincar com crianças e ler livros complexos com uma única frase – umsorriso assolavancado de riso cruzou-me os lábios –, mas estou arrepen-dida de não ter aproveitado aqueles ensinamentos sobre o estudo e aauto-regulação da aprendizagem. Sei lá, acho que nem sempre estamospreparados para aproveitar o que nos oferecem – a Rosa falava como sepedisse desculpa a si própria.

– O quê, por exemplo? – perguntei, não disfarçando a minha curio-sidade.

– Escrever – interrompeu bruscamente o Serafim. – No meu pri-meiro ano esteve disponível para os caloiros uma workshop de escrita.A ideia era treinar a escrita, corrigindo erros típicos.

– E então? – perguntou a Olímpia.

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80 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

– Não funcionou por ausência de inscritos, eu incluído… – disse oSerafim baixando a voz. – Era uma oportunidade dada de bandeja, e,talvez por isso, desperdiçada…

– Mas também o sentido crítico – continuou a Olímpia, claramentedesatempada na conversa. – No Secundário, falo por mim, bastava repro-duzir factos. A correcção formal com que os apresentávamos era impor-tante, mas pouco mais. Não me lembro de ter sido muito solicitada pararealizar reflexões profundas ou grandes elaborações teóricas. A ideia erareter a informação o mais exactamente possível e apresentá-la direitinhano teste. Na Universidade, pelo contrário, a mera reprodução dos factosé, por vezes, penalizada. Pedem-nos que pensemos, que elaboremos, quesejamos críticos, que apresentemos pistas e soluções... Eu, falo pormim, fui pouco treinada para tal. A minha dieta de aprendizagem eramais do tipo: lê, entende e responde estritamente ao que te pedimos,não sei se me entendes?

– Uma amiga minha – a Rosa entrou bruscamente na conversa –contou-me que a Biologia no Secundário nunca tinha tido notas abaixode 19. Sabia sempre a matéria toda, e foi acreditando que seria sempreassim, desde que se esforçasse. No estudo para o 1º exame na Universi-dade, as semanas iam passando e, por mais que estudasse, não conse-guia saber tudo sobre nenhum dos tópicos da interminável matéria.Começou a ficar muito nervosa e quis desistir do exame. O primeiro 12da sua vida, regado com lágrimas gordas, ensinou-lhe a importância deseleccionar e de ser estratégica na abordagem às matérias.

– Uau! Acho que resumiram bem o desnorte que sinto – disse entu-siasmado. Já não me sentia tão deslocado. – No 1.º semestre, uma pro-fessora pediu-nos um resumo de 3 páginas de um artigo da bibliografiaà nossa escolha. Um dos meus colegas decidiu mudar o texto escolhidoporque não concordava com a abordagem do autor e receava tirar mánota… A professora ficou aborrecida, mas eu acho que ele fez bem, nãovos parece? – perguntei apenas para certificar as minhas certezas.

– Penso que o mais difícil é assumirmos radicalmente as responsa-bilidades – o tom grave da Olímpia, ignorando a minha questão, abalouas minhas anteriores certezas. – Isto de que na Universidade a papinhajá não está toda feita é fácil de perceber, mas difícil de praticar. Aindame lembro de alguns dos meus iluminados protestos contra a rigidezexagerada do Secundário, contra as poucas oportunidades de escolha…mas agora dou por mim a desejar que na Universidade o trabalho nãodependesse tanto de nós, que não exigissem tanta autonomia, tanto estudo

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81Carta n.º 10

pessoal, tanta responsabilidade, até porque o apoio nem sempre é ade-quado e suficiente. Assistir às aulas é apenas o ponto de partida, não ode chegada. Sempre me disseram que para ter boas notas bastava estaratento nas aulas. Esta ideia não é um engano, é uma mentira. Demorei aperceber e, sobretudo, a aceitar interiormente, que o mais importante, oque verdadeiramente faz a diferença no resultado final, é o trabalho pessoal.

Um silêncio pesado abateu-se sobre a conversa. Felizmente, a Rosarasgou-o:

– Olímpia, conta-lhes aquele episódio do exame.– No semestre passado – a Olímpia por pouco não se engasgou no

largo sorriso –, um dos professores contou-nos que dois alunos chega-ram muito atrasados ao exame da sua cadeira, explicaram vagamenteque tinham tido um furo e pediram para o repetir na semana seguinte.Inesperadamente, e para seu grande espanto, o professor, que tinha famade intransigente, acedeu ao pedido. Na data marcada, foram acolhidoscom um sorriso polido e receberam, um em cada ponta da sala, umaúnica pergunta: “Em que roda?” – concluiu a Olímpia, trocando o pontofinal por uma risada franca.

– Eu nem devia dizer isto, mas esse professor esteve bem – cor-roborei.

– Naquele ano, este episódio ficou famoso. Durante algum tempo“Em que roda?” foi usado como sinónimo de aldrabão. A piada só parouquando outros colegas, turvados pelo álcool, sofreram um grave acidente.

Quando discutimos tudo isto na aula, soube que há Universidadesnoutros países em que os alunos respondem às perguntas do exame semvigilância, porque assinam um compromisso garantindo um trabalho ho-nesto. Rimo-nos como uns perdidos, imaginando como seria a imple-mentação desse sistema aqui no burgo, mas quando nos demos conta doverdadeiro significado dessa impossibilidade, guardámos silêncio, umsilêncio comprometido e algo triste – a postura encolhida da Olímpiaacompanhou estas palavras.

– No meu caso, o problema não é a reflexão – o Serafim avançoutentando arejar um pouco a conversa –, o que custa e sempre me custoué a distribuição de tempo pelas tarefas: a priorização. Acho que percomuito tempo porque não me organizo muito bem. Se eu escrutinassecom rigor tudo o que faço durante o dia, por exemplo em intervalosde meia hora, como nos sugeriu um professor, tenho a certeza de queencontraria muitos pedaços, acho que demasiados, completamente des-perdiçados.

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82 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

– Não é por nada – interrompeu a Olímpia –, a conversa está inte-ressantíssima, mas acho que devíamos continuar a estudar, afinal os exa-mes estão aí à porta.

O silêncio voltou à sala. Mergulhámos nos papéis e só parámosuma hora e meia depois. No caminho para casa, apesar de ensonado,muitas das ideias discutidas latejavam-me na cabeça como as dores doestado febril. Tinha de pensar um pouco mais em algumas das coisasque tinha ouvido. A fim de organizar um pouco os meus pensamentos, epraticar o aprendido, decidi resumir a informação num quadro:

Devido ao adiantado da hora, e à pouca prática, não sei se meesqueci de algum tópico importante. Se for o caso, as minhas humildesdesculpas e a promessa de um posterior completamento da informação,que tal?

Um abraço ensonado,

G.

Estratégias de preparação para o exame(Muito antes)

– Estabelecer objectivos (CRAva).– Definir um plano de estudo.– Fazer uma primeira leitura na diagonal da

matéria, dos índices, dos tópicos principaispara ficar com uma ideia geral da organiza-ção dos conteúdos da matéria e sua ligação.

– Tirar apontamentos.– Completar apontamentos em casa.– Fazer pesquisa, na biblioteca, na Net…– Sublinhar as ideias principais.– Fazer mapas de ideias.– Fazer sumários.– Monitorizar o cumprimento do plano de

estudo.– Elaborar questões.– Colocar dúvidas aos colegas/professores/

familiares …– Resolver problemas, exercícios.– Compilar exames anteriores.

Estratégias de revisão da informação para oexame (Pouco antes)

– Rever a informação.– Explicar os mapas de ideias, testando a

qualidade das ligações entre os conheci-mentos.

– Construir mapas de ideias, sumários, es-quemas… recorrendo apenas à memóriade evocação.

– Responder a questões elaboradas duranteo estudo.

– Responder a questões dos textos de apoioou de exames anteriores.

– Resolver problemas, exercícios, tentandoagilizar as rotinas.

– Explicar a matéria em voz alta a si próprio,a colegas ou para um gravador.

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83Carta n.º 11

Carta n.º 11

(…) o estudo deve ser diferente em função do tipo de exames?

Olá, UmbigoVoltei àquela casa mais algumas vezes, tomei o gosto da Sabatina

night e, como prémio da minha persistência, acabei por provar o famosobolo de chocolate. Digo-te que valeu a pena, o bolo, não o estudo, éclaro…

Ter retornado àquela casa é um facto relevante, sobretudo porquealgumas das minhas experiências de trabalho em grupo aqui na Univer-sidade nem sempre foram as melhores.

Trabalhar em grupo ou realizar um trabalho de projecto é maisdifícil do que parece à vista desarmada. Quando queremos realizar umtrabalho no qual todos colaboram verdadeiramente, um trabalho diferentedo típico – retirar da Net trabalhos já realizados ou conteúdos avulsos,dividir as tarefas por todos recorrendo ao infantil pim-pam-pum, e sim-plesmente colar as diferentes contribuições no final –, as coisas podemcomplicar-se. Discutir as ideias sem atacar as pessoas, cumprir as tarefasnos prazos acordados para não prejudicar o trabalho dos demais, res-peitar os horários marcados para os encontros, negociar acordos quantoaos textos, mas também quanto aos formatos, são desafios hercúleos.

Ontem, um colega meu contou-me que, num trabalho de grupo,gastaram quase uma hora e meia em volta de uma vírgula numa frase,acho que mais para marcar uma posição pessoal do que por amor àgramática. Segundo o que entendi, o que estava em jogo não era tantouma ideia, mas acertar o passo a um deles, não sei se me entendes?Podemos discordar de uma ideia sem atacar o autor, mas é mais fácildizê-lo do que vivê-lo. Numa ocasião, esperei até não poder mais pordois colegas para iniciar um trabalho depois do almoço. Os dois tinhamo telemóvel estrategicamente desligado e acabaram por faltar sem dar

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84 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

cavaco às tropas. Sei, percebo, que não devo ser rápido a julgar os com-portamentos dos outros, porque posso errar o alvo com muita distância,mas há ocasiões em que é difícil segurar o fel que se acumula cá dentro,e quando ele sai… Bem, tu sabes.

Tenho-me lembrado bastante da irresponsivite aguda a que a Olím-pia se referiu numa das últimas sabatinas. Também eu estou um bocadocontagiado por este vírus, conheces algum antídoto?

É claro que já vivi boas experiências de trabalho em grupo, em queas diferentes ideias e contribuições foram respeitadas e onde todos con-tribuímos para o produto final; mas não foram muitas. Nestes trabalhosaprendi bastante: às vezes a conter-me, tentando ser assertivo em vez deagressivo; outras a ser mais tolerante, evitando o juízo fácil; ou ainda arelativizar o meu génio contactando com engenhosas formas de resolverproblemas que escapavam ao meu iluminado cérebro…

No trabalho de grupo deve haver outros caminhos para além dedominar ou amuar, mas a julgar pelo que vejo à minha volta, estes tri-lhos devem ter poucos peregrinos… Trabalhar em grupo é exigente, rea-lizar um trabalho de projecto seguindo todos os passos é muito exigente.Pensava que era muito mais fácil do que fazer exames, mas não é ver-dade. Acho que aprendi muito mais, mas também trabalhei muito mais.

Eu, pelo menos, não me sinto muito preparado para o trabalho degrupo, talvez porque de todo não esteja preparado para trabalhar… Te-nho de pensar mais sobre isto.

Acho que nem sempre é fácil admitir que somos um pequeno peixenum grande lago. A propósito de pequeno peixe, ontem falei com umacolega que esteve um semestre fora numa Universidade estrangeira aoabrigo do programa Erasmus. Estava entusiasmadíssima. Falava do gigan-tesco campus, do fervilhante ambiente social e cultural na Universidade,dos diferentes programas de estudos, das múltiplas oportunidades deformação, das divertidas gaffes linguísticas dos primeiros tempos nasaulas e nos corredores, da possibilidade de conhecer imensas pessoas depaíses estranhíssimos, de contactar com outras culturas e modos de es-tar… Não se calava. Fiquei contagiado. Tenho de recolher informação,falar com os meus pais, poupar dinheiro… Erasmus, aí vou eu!

Bem, mas voltemos à sabatina. Para as sessões seguintes levei enga-tilhadas algumas questões e dúvidas sobre o meu estudo, e a verdade éque suguei a experiência daqueles três. Era cada vez mais evidente aimportância vital da aprendizagem fora da sala de aula…

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85Carta n.º 11

Nunca tinha feito testes de escolha múltipla e, logo no primeiroexame, fiquei paralisado sem saber o que fazer em muitas delas. Numteste de respostas de escolha múltipla, em caso de dúvida severa devooptar pela “c”, assumindo que habitualmente no meio é que está a vir-tude? Se não sei uma resposta, é melhor responder ou nem por isso?

Alguns alunos do meu ano respondem que sim sem hesitar, outrosque não, mas os argumentos utilizados são mais escorregadios do queareia nas mãos de uma criança e não me convencem, até porque emalguns exames as respostas erradas descontam e noutros não.

Também não sei se devo seguir o meu primeiro instinto e marcar acruz na resposta que me “soa” – senti-me um pouco ridículo quandoverbalizei o “soa”. Nesse caso, devo voltar atrás e mudar a resposta, areboque do argumento de que não devemos confiar no primeiro impulso?

E se, no final do exame, a mancha das respostas estiver bastantecentrada numa letra, por exemplo no “a” ou no “d”, devo mudar algu-mas das minhas respostas para que a mancha final fique mais dispersa,mais equilibrada?

A conversa foi animada, lá me foram explicando que as perguntasde escolha múltipla, habitualmente, fazem parte de grandes bases dedados e que a ordem das respostas não segue nenhuma regra, muito pelocontrário. Por isso, nem o “c” tem mais probabilidade de sair, nem amancha final das respostas deve ser um dado relevante nas nossas res-postas. Por vezes, para desincentivar o copianço, os professores distri-buem na sala dois ou três modelos de exame, mudando apenas a ordemdas respostas. Enfim…

Conseguirmos justificar interiormente as nossas escolhas, eliminandoas demais candidatas, não por critérios sensitivos tipo “não me cheira”,mas sim com base em argumentos lógicos, parece ser o mais importante.A escolha deve recair sobre a resposta que sobrar depois de descartadasas demais. O problema é conseguirmos fazê-lo com segurança, mas paraisso acho que o remédio é conhecido, apesar de ser algo amargo…

Pelos vistos, as questões de resposta múltipla apelam à memória dereconhecimento. Os detalhes são muito importantes e, em muitos casos,a resposta certa só se distancia de outra por estar um pouco “mais certa”.O estudo para estes exames deve centrar-se, sobretudo, nos detalhes.

Também discutimos se os exames com perguntas de escolha múlti-pla eram mais fáceis do que os exames de perguntas de resposta curtaou de desenvolvimento. Esta parte da conversa foi muito animada comadeptos ferrenhos em cada uma das posições.

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86 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Se nos pedem para… Devemos fazer o seguinte

Comparar Escrever as diferenças, as semelhanças, as proximidades ou asdistâncias entre as ideias ou os factos.

Provar Apresentar factos que suportem a veracidade da afirmação.

Interpretar Explicar, com palavras próprias, os possíveis significados numa/de uma determinada mensagem.

Enumerar Ordenar, de acordo com um critério ou ordem, um conjunto defactos ou dados.

“Acham que o estudo deve ser diferente em função do tipo de exa-mes?” A Rosa, provocativa como sempre, lançou a questão para o ar.Nos exames com perguntas de resposta curta ou de desenvolvimento,não chega conseguir reconhecer os conceitos, é preciso conseguirexplicá-los por palavras próprias, se possível apresentando exemplos.Nestas respostas, a memória tem de conseguir evocar a informação, orga-nizando-a a partir apenas do enunciado da pergunta.

Nestes exames, pelos vistos, deveríamos fazer um esquema da res-posta antes de começar a escrever, porque é importante aplicar os con-ceitos estudados a uma situação particular, organizando o discurso. Se forpossível gerar exemplos, melhor.

Escrever sem erros ortográficos, mas, sobretudo, conseguir organi-zar as frases sem assassinar as ideias são as palavras de ordem. Para tal,“é importante ler muito, muito e escrever ainda mais”, sugeriu um delestentando convencer-se a si próprio. Neste departamento ainda tenhomuito que palmilhar.

Nestas respostas longas, “um professor detecta facilmente se osalunos conseguem integrar informação, demonstrando mais do que umaligação avulsa entre os conceitos. Por isso, organizar a matéria em esque-mas ou mapas de ideias facilita a tarefa e expulsa o caos”, disse alguém.Faz sentido! Não pude deixar de me lembrar das inúmeras frasesriscadas no meu último exame denunciando a confusão e as hesitações.Se eu tivesse escrito em letras garrafais “estou mais perdido do que umagalinha numa loja de informática” o efeito não seria muito diferente.

Pois é, Umbigo, já estou um pró em teoria dos exames, agora sófalta praticar.

A propósito, o Abílio, aquele que também é caloiro, deu-me umagrelha sobre os verbos de arranque das perguntas dos testes e examesque descobriu num livro, o que é que te parece?

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87Carta n.º 11

Para maximizarem o estudo, aqueles três sabatineiros analisamcom atenção alguns dos exames anteriores das cadeiras. Disseram-meque ficam com uma ideia das matérias mais recorrentes e do tipo deperguntas mais frequente. Quando não há exemplares disponíveis nodossier da cadeira ou na reprografia, pedem uma simulação do examepara terem uma ideia do estilo pretendido. Nem sempre é possível, masnão custa tentar.

Nas revisões, segundo aqueles famosos examólogos, o objectivo éconseguirmos organizar o pensamento explicando as diferentes matériaspor palavras próprias. Para o conseguir, a Olímpia realiza um índice damatéria que orienta o seu estudo e as revisões gerais. No meu caso estoucerto de que não funcionaria, mas no estudo como em tudo “cada um écomo cada qual”.

Voltámos a falar na estratégia de antecipar questões para testar odomínio da matéria, a confiança e, como consequência, baixar a ansie-dade face aos testes. Definitivamente, tenho de tentar isto no estudopara o próximo exame.

Aquelas noitadas de estudo foram uma grande ajuda. Estudar cus-tou-me muito menos e rendeu-me muito mais. Fiquei convencido de quea aprendizagem fora da sala de aula é pelo menos tão importante quantoa outra, talvez ainda mais.

Nunca pensei que tal fosse possível, mas, também como já te disse,afinal ainda só estou no 1.º…

Um abraço, em revisão

G.

Justificar Escrever algumas certezas e razões que possam apoiar asafirmações.

Explicar Num texto claro e simples: expor razões ou causa(s).

Relacionar Apresentar as ligações entre os conceitos e respectivas impli-cações.

Verificar Confirmar a verdade das afirmações com dados ou exemplos.

Sintetizar Combinar partes de uma ideia, situação ou acontecimento.

Sumariar Condensar os pontos principais no menor número de palavraspossível.

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88 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 12

Afinal, o que é isso da ansiedade face aos testes?

Olá Umbigo,Os dois primeiros exames deste semestre até nem correram mal de

todo, mas com o resultado deste último estou muito apreensivo. À portada sala de exame, devias ter visto, a turba acotovelava-se exalando umburburinho nervoso e indefinido que intoxicava o estreito corredor.Os alunos irrequietos marcavam vez junto à porta, como se esperassemo início de um concerto dos magníficos “Vomita-aqui”. O entusiasmoespelhado nos rostos é que talvez fosse um pouco diferente, ou talveznão.

Algumas colegas mascavam pastilha elástica com tal intensidadeque os maxilares ameaçavam desconjuntar-se a qualquer instante, fiz algu-mas apostas sobre o momento exacto em que tal aconteceria, mas nãofui bem sucedido. Outros, carregados de folhas escritas em letra miudi-nha, faziam revisões apressadas, discutindo em voz alta partes soltas dasmatérias. A enxurrada de questões e respostas incendiou o corredor, per-turbando os mais impávidos. Fazer mergulho de profundidade nos tópi-cos das matérias, aprendendo à pressa conteúdos desgarrados, parece--me perigoso e tão absurdo quanto uma reunião de bacalhaus para discutiro acompanhamento na ceia de Natal; mas, enfim, gostos!

Também passaram pelos meus ouvidos as mais disparatadas con-versas, por exemplo, uma aluna magríssima receava um enfarte a meiode exame por ter comido um profiterole na véspera…

Mais afastado, um outro grupinho falava dos próximos exames, doespaçamento do tempo de estudo, dos boatos sobre a dificuldade dasdiferentes cadeiras, dos comportamentos mais ou menos bizarros de algunsprofessores, eu sei lá. Acho que naquele ambiente até uma preguiça pachor-renta ficaria electrizada e com ataques de pânico.

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89Carta n.º 12

A verdade é que depois de nos sentarmos no anfiteatro, sem nadamais do que a caneta, o cartão de estudante, o neurónio e algum conhe-cimento – no meu caso bastante pouco –, as pernas começaram afraquejar enquanto o coração insistia em forçar um caminho para forado peito. Eu estava pouco seguro, tinha estudado a correr e com poucaprofundidade, embora a suficiente para me preocupar com o resultadofinal.

Durante o exame fui assaltado por pensamentos que me afastavamdefinitivamente dali. Lembro-me de que pensei como seria bom se orelógio se adiantasse três horas e já tudo tivesse terminado, mas tambémme assustei com o elevado nível de concentração dos que estavam àminha volta. Ninguém levantava a cabeça da folha de teste para recolheruma vista panorâmica, imagina só?!

Liguei o meu instinto de detective e varri a sala tentando descobriralunos em pleno copianço. Conheço algumas técnicas, umas mais sofis-ticadas do que outras, mas eu não conseguiria copiar mantendo a postura.No meio daquele emaranhado de ideias ainda me lembrei de uma dis-cussão na aula sobre “plagiar” e “copiar”. Recorrendo a um exemplo grá-fico, uma das professoras disse-nos que copiar era tão absurdo quantoretirarmos consequências práticas para a nossa saúde a partir da infor-mação de um termómetro colocado numa axila próxima, supostamentede aspecto mais saudável. Bem, se a axilinha fosse a da Kátia Vanessanão me importava, mas não pude deixar de tirar o chapéu ao argumento.Profe 1, Copianços 0.

A verdade é que, apesar de não mexer um músculo, o meu pensa-mento vagueava esbanjando tempo sob o olhar implacável do relógio.No entretanto, os meus olhos escorregavam em algumas questões que sóconseguiria resolver se o génio da lâmpada do Aladino tivesse a delica-deza de me visitar, oferecendo-me um pacote de desejos. Só te contoisto a ti porque teria vergonha se alguém ouvisse as coisas que invadema minha cabeça durante o exame, escorraçando os pensamentos e osraciocínios que a deveriam ocupar.

Em vez de ler o teste todo antes de iniciar as respostas, avanceipara a primeira questão com a voracidade de um lutador de Sumo. A meioda pergunta entrei em desequilíbrio e perdi imediatamente o combate.Li e reli a questão fazendo riscos circulares na folha de exame, tentandodespistar o caos que ameaçava tomar conta da minha caneta. Salteiumas quatro perguntas antes de descansar numa questão familiar que medevolveu o alívio, mas os meus indisciplinados olhos, como que respon-

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90 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

dendo a uma ordem sem voz, não largaram as questões assassinas. Li ereli vezes sem conta aquelas frases com um ponto de interrogação nacauda, sem que surgisse qualquer pista. A minha memória parecia tertirado férias, justo naquele dia. Li e reli, mas como não avançava noexame, o chumbo que me sorriria mal cruzasse a porta da sala ocupou orestante espaço dos meus pensamentos. Todo o corpo parecia compreen-der o meu problema e atrapalhação, mostrando simpatia: os músculosestavam tensos, as mãos suavam e doía-me um pouco a cabeça. Foramminutos de intranquilidade e de alguma angústia. Exausto, pensei váriasvezes em abandonar a sala, nem sei bem porque não o fiz.

Suei como se estivesse a correr numa maratona. Só reparei nissoquando, a meio do exame, uma colega de mola protectora no maltratadonariz me ofereceu um desodorizante embrulhado em sorriso amarelo.Colorido de brasa incandescente, tropecei na resposta, e só consegui arti-cular um atarantado: “hãn, hãn que bom. Estava mesmo a precisar.” Enfim,um episódio para esquecer.

Tentei acalmar-me, mas por azar, a minha caprichosa caneta deci-diu fazer greve. Como não antecipei essa eventualidade, tive de pediruma emprestada, e distraí-me, ficando um pouco mais nervoso.

Não li o teste todo antes de começar a escrever, e não ajustei otempo disponível para cada resposta. Resultado: faltava meia hora paraterminar e ainda tinha metade das perguntas do exame por resolver.Respondi a correr, com um português fatal e uma grafia que me confun-diria com um árabe…

Quando abandonei a sala nem queria acreditar.Nunca fui atacado por dores na barriga, nem por aquela necessi-

dade premente de passar a vida na casa de banho, mas há quem refiraeste tipo de incómodas queixas. Conversando com uns colegas, percebique o que me acontece, que não sei muito bem como lhe chamar, ébastante mais frequente do que eu imaginava. Uma das raparigas falou--nos de uma amiga que recorreu ao serviço de consulta psicológica daUniversidade por causa do seu nervosismo e desconforto nas situaçõesde avaliação.

Afinal, o que é isso da ansiedade face aos testes?, alguém pergun-tou. O relato pormenorizado demonstrava um conhecimento tão completoda ansiedade face aos testes que, provavelmente, nos falava dela própria,escondendo-se confortavelmente atrás das saias de uma amiga. Não tenhoa certeza, mas, neste caso, talvez não seja muito importante.

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Disse-nos que a ansiedade inclui duas componentes: a cognitiva(Preocupação) e a afectiva (Emocionalidade). A preocupação está relacio-nada com os pensamentos sobre as consequências de um possívelinsucesso e as dúvidas sobre a própria competência para realizar as tare-fas com sucesso. A emocionalidade, por sua vez, refere-se às reacçõesfisiológicas causadas pelo stress da avaliação.

No meio do seu sermão aos ansiosos, socorreu-se de um exemploque tinha aprendido com a tal amiga – isto é, com ela própria. A ansie-dade, tinha-lhe explicado a psicóloga, é como a corda de uma viola: temuma tensão óptima. Se estiver lassa, o som sai distorcido, mas se muitoesticada, a corda rompe-se escondendo a voz do som. A moral da metá-fora da corda da viola sugere que um quanto baste de ansiedade é fun-damental para nos mantermos activos e centrados na tarefa, mas quemuito menos ou muito mais perturbaria a nossa realização comprome-tendo-a. Este quanto baste não é igual para toda a gente. Há quem comecea tremer de nervoseira um mês antes do exame, qual formiguinha àbeira de um esgotamento nervoso – a Kátia Vanessa –, mas também háquem só se preocupe muito perto do exame, apresentando uma tal passi-vidade que escandaliza até as impávidas preguiças – eu!

Talvez nenhum dos comportamentos seja melhor que o outro, tal-vez cada um tenha de conhecer o seu estilo e aprender a lidar com ele,talvez…

Pelos vistos, esta ansiedade não surge apenas durante as provas,também nos ataca antes do exame, corroendo-nos a capacidade de nosconcentrarmos no estudo, de conseguirmos organizar a informação novae de a ligarmos aos conhecimentos que já possuímos. A ansiedade tem opoder de nos desfocar, de nos levar a pensar no tempo que já não temospara estudar e não no que ainda nos resta. Encaramos o que não sabe-mos ou o que não conseguimos resolver como fatalidades e não comooportunidades de melhoria.

Disse-nos a aprendiz de “catedrática” que a ansiedade funciona umpouco como a areia movediça: quanto mais esbracejarmos sem estraté-gia, mais nos enterramos.

Falava com uma irritante segurança de ferro, como se estivesse adiscursar na cerimónia de entrega do Nobel da Ansiedade, mas a verdadeé que tinha conseguido levar a minha curiosidade ao rubro. Felizmente,alguém lhe perguntou o que fazer contra a ansiedade face aos testes. Sin-tonizei a orelha tentando escutar a fórmula mágica, e esperei que a cera

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acumulada nos meus pavilhões auriculares não impedisse o trânsito dainformação. A resposta foi bastante desenxabida: “a melhor arma contra aansiedade é um estudo profundo e uma sólida preparação para o exame.”

Esperava um pitéu, a água já me escorria na boca, e saiu-me umabatata cozida sem sal, e ainda por cima algo presumida. Consegues ima-ginar a minha desilusão?

Ignorando olimpicamente o sonoro “ÓÓÓ” que ocupou o espaçoda conversa, continuou a explicar-nos que a ansiedade, tal como a auto--regulação, também tem um antes, um durante e um depois. A ansieda-de movimenta-se no terreno da dúvida: Será que vou conseguir passar?E se no exame sair aquela matéria que eu não estudei bem? E se osexercícios e os problemas forem difíceis e incompreensíveis? E se eutropeçar nas armadilhas da escolha múltipla? E se os meus dedos parali-sarem?…

Claro que é sempre possível que alguma coisa corra mal durante oteste, num jogo de futebol, numa viagem de autocarro, a atravessar a rua…mas contra as dúvidas, mesmo as mais agressivas e corrosivas, as certe-zas sólidas são o único remédio: se estudei pausadamente a matéria; sefiz exercícios, os sugeridos, mas não só; se estudei os textos e os artigosdistribuídos; se tentei resolver exames anteriores; se consegui elaboraruma lista de possíveis questões, se realizei um trabalho profundo… entãoa possibilidade de o exame correr bem aumenta.

Nunca amealhamos a certeza absoluta de que vamos controlar tudoe na justa medida que desejamos. Há sempre muitos, demasiados, impon-deráveis que cercam a nossa vida. Pelos vistos, neste caso, a solução étentarmos reduzir a incerteza, estudando com profundidade para que oresultado se aproxime dos nossos objectivos. Fazia sentido, mas pareciademasiado fácil, ali devia haver algum truque de vendedor da banha dacobra.

A quem lhe perguntou como ajudar alunos que abandonam a salaporque não conseguem sequer ler as perguntas do teste, a “catedrática”da ansiedade respondeu com exercícios de relaxamento. Aprender algu-mas técnicas de relaxamento pode ser decisivo. Por exemplo, sentar-senuma posição confortável de olhos fechados e expirar lentamente pelonariz. (Pelo menos nesta técnica eu não preciso de grandes lições!) Depois,tentar relaxar os músculos começando por imaginar que os pés estão aficar moles e deixar que este sentir vá subindo pelo corpo acima. Ajudarespirar pausadamente pelo nariz concentrando-se no próprio acto derespirar. A ideia geral é conseguir que o corpo e a mente sejam invadi-

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93Carta n.º 12

dos por uma tranquilidade que expulse os pensamentos e os sentimentosde desconforto. Não consegui ouvir o pacote completo das técnicas derelaxamento, mas desta lembro-me:

1. Senta-te confortável. Deixa cair os braços e as pernas.2. Fecha os olhos.3. Inspira profundamente e conta devagarinho 1… 2… 3… 4 (…) 6.4. Deixa sair o ar lentamente, contando 1… 2… 3… 4 (…) 6.5. Repete os passos 3 e 4 colocando as mãos no estômago e sente

o movimento ascendente.6. Deixa sair o ar lentamente, sentindo o ar sair.7. Repete estes movimentos algumas vezes.8. Abre os olhos.

Eu adormeceria passados três segundos de olhos fechados, mas nãocusta tentar, pode ser que me ajude.

Ela não o disse, mas imagino que estas técnicas de relaxamentodevem ser usadas antes do exame, não exactamente durante a sua reali-zação. Ainda bem, porque não sei se alguns alunos aguentariam o potentecheiro das minhas meias… Acho que eu próprio morreria intoxicado nasala de exame.

No fim disto tudo recordei que somos filhos dos nossos actos, talcomo defende o D. Quixote. Bem, neste particular devo ser órfão, mas oque é que posso fazer?

Um abraço ansioso,

G.

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94 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 13

Que tal vai o teu estudo, Gervásio?

Olá Umbigo,Recebi uma carta do meu pai. Há algum tempo que não me escre-

via; as confusões do dia-a-dia, os afazeres profissionais e até algumapreguiça, confessou com uma honestidade cristalina, justificam a escas-sez de cartas. O texto era longo e detinha-se nas inúmeras e saborosasmiudezas do dia-a-dia que escapam à urgência dos sacudidos telefone-mas. No meio das desejadas e detalhadas notícias dos meus, perguntava-me pelo meu estudo.

“Que tal vai o teu estudo, Gervásio?”É curioso o impacto desta pergunta simples. Lia e reli-a como que

hipnotizado, e o som ficou a balançar na minha cabeça embalado pelasondas suaves de um mar pouco apaziguado. Tentei responder, mas osdedos resistiram à tarefa.

Depois das descabeladas reflexões que encheram estas páginas, tinhamuitas coisas para dizer ao meu pai, mas, talvez por isso, nenhuma con-clusiva. Poderia responder-lhe num estilo politicamente correcto, que:“o estudo vai andando”; mas se optasse por um formato um pouco maisprofundo, não saberia bem por onde começar.

Recordei um episódio de um filme a que nunca dei demasiada impor-tância, mas que, apesar de tudo, nunca esqueci. Algures, uma das perso-nagens retirou uma pequena pedra de uma fonte e, com uma pancadaseca no firme rebordo, forçou uma abertura para o seu interior. A pedra,apesar de coberta de um ligeiro verde escorregadio, denunciando o lon-go mergulho, apresentava as entranhas secas, alheada do molhado que arodeava. Este era o ponto de partida para um breve, mas intenso, monó-logo interior sobre a importância da apropriação de comportamentos eatitudes. Uma elaborada reflexão a partir de uma pedra seca por dentro,apesar do ambiente molhado que a rodeava há anos...

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95Carta n.º 13

Será que pode acontecer o mesmo no meu estudo? Todas estasaprendizagens podem escorrer sem penetrar?

Sei, percebi, que não serve de nada querer mudar a vida de alguémse o próprio não o quiser. Enfim…

Como vai o meu estudo? Voltou a ribombar cá dentro. Depois demuito pensar – talvez o meu mal seja pensar demasiado –, sinto queenquanto deixar esta questão respirar, enquanto não colocar um pontofinal no meu estudo, enquanto alimentar a minha insatisfação, procurandoresponder à questão sem me contentar com a resposta, talvez o estudová bem.

O que pensas sobre isto, Umbigo?

Um abraço agradecido,

G.

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96 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

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97Implementar o Projecto

IMPLEMENTAR O PROJECTO

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99Implementar o Projecto

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de competências pessoais e profissionais naUniversidade é considerado, de uma forma cada vez mais generalizada,como um dos principais indicadores de qualidade, e converteu-se nomarco do Espaço Europeu de Educação Superior numa necessidadee prioridade para todos os agentes implicados neste nível educativo.Para alcançar este objectivo, a Universidade deve agilizar rotinas, repen-sar a sua missão e visão, envolvendo no processo docentes, funcionáriose estudantes. Esta mudança é importante no “como” o aluno aprende(Cochram-Smith, 2003), e sugere a urgência de promover um ensino queassuma a qualidade como um processo de melhoria contínua (Biggs,2001). Para concretizar este objectivo no domínio do processo de ensino--aprendizagem são necessárias mudanças no ensino, no papel de estudantee de professor, no desenho e implementação do currículo, nas metodolo-gias de avaliação, entre outras.

Entendemos as competências como o conjunto de conhecimentos,destrezas e atitudes necessários para exercer uma determinada tarefa, epara resolver problemas de forma autónoma e criativa. No domínio dosprocessos de aprendizagem, referimo-nos às competências instrumen-tais, relacionadas com os conhecimentos sobre como lidar com a infor-mação e organizar os recursos pessoais e estratégicos; às competênciassistémicas, as quais fazem referência à aplicação dos conhecimentos asituações concretas; e, por fim, às competências interpessoais, relaciona-das com a comunicação, cooperação e o incentivo à participação con-junta (Hernandez-Pina, Clares, Rosário & Espín, 2005). A chave estáem que estas competências possibilitem a tarefa de aprender, promovendoo saber, o saber fazer, o saber ser e o saber estar, de forma que a educa-ção universitária desempenhe um papel fundamental na preparaçãoefectiva para aprender ao longo da vida.

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100 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Aprendizagem auto-regulada: uma abordagem processual

“Estudar é o principal meio de auto-regulação ao longo da vida.”(Rohwer, 1984, p. 1)

Queria apresentar-vos a Conceição. É universitária e está a ultimara apresentação dos trabalhos e a preparar os exames do semestre. No seuestudo pessoal, logo que possível, anota na sua agenda os dias dos refe-ridos exames, mas também o tempo que medeia tendo em atenção acomplexidade dos conteúdos e o seu interesse nas diferentes matérias.A partir desta tarefa recolhe dados para a planificação do seu estudo edos demais compromissos pessoais tendo em consideração os seusobjectivos escolares. Como, por vezes, se distrai, com pensamentos quea afastam da tarefa, mas também com o mensager, durante o estudoafasta-se do computador. Na preparação específica para um determinadoexame, primeiro faz um primeiro reconhecimento da matéria, uma leitu-ra na diagonal: títulos, tópicos, textos ilustrativos, apontamentos da aula,elaborando uma panorâmica das matérias e do seu nível de dificuldade.Em seguida, avança para uma primeira leitura, tirando apontamentos dasideias principais e sublinhando os conteúdos que julga relevantes. Orga-niza os tópicos recolhidos e vai encadeando as ideias principais. Quandoenfrenta uma passagem mais complicada, lê-a e relê-a até lhe conferirum sentido, tentando concretizar em exemplos os conteúdos que está aestudar. O seu trabalho está orientado para tentar identificar e compre-ender as questões a que o autor está a tentar responder com a argumen-tação expressa nos textos ou no manual. Faz muitas perguntas durante oseu estudo e tenta orientar o seu trabalho pessoal para a construção des-sas respostas. Quando se confronta com uma dificuldade, não insiste naresolução do problema ou dilema, tenta outro mais acessível voltandoao anterior depois de apaziguada a dúvida. Para que o cansaço não seinstale, faz intervalos regulares e controla o tempo de estudo pensandono merecido descanso e nos seus objectivos. Estes estão fatiados poretapas. De vez em quando, monitoriza os seus progressos e retira conse-quências práticas, por exemplo, mudando algumas das estratégias deaprendizagem utilizadas até então, ou o local de estudo. Face às difi-culdades, pede ajuda (aos professores, colegas, familiares) para escla-recer dúvidas ou para saber como é que os colegas enfrentaram as pas-sagens ou questões difíceis, seleccionando as estratégias que a podem

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101Implementar o Projecto

ajudar a alcançar os seus objectivos. Nas revisões, procura exames ante-riores ou a lista das questões que orientaram o seu estudo e tenta re-solvê-las. Se possível, discute com colegas alguns resultados, estratégiasseguidas na resolução dos problemas ou as suas ideias sobre as matériasestudadas.

No repertório de estudo da Conceição podemos identificar quatroaspectos determinantes que constituem o cerne da sua proficiência noestudo: possui uma ideia definida e esclarecida dos seus objectivos; estáconsciente de alguns obstáculos que lhe podem dificultar a aprendiza-gem; utiliza, deliberadamente, estratégias de aprendizagem, tais como agestão do tempo, a selecção da informação, a organização do materialou do ambiente, a repetição compreensiva, entre outras, para atingir osseus objectivos. Por último, exercita ao longo do seu trabalho o controlosobre os seus afectos e cognições. Como podemos analisar a competênciaauto-regulatória da Conceição?

A auto-regulação da aprendizagem não deve ser encarada comouma aptidão mental, tal como a competência verbal, mas como: “(...) oprocesso de auto-direcção, através do qual os alunos transformam assuas aptidões mentais em competências académicas” (Zimmerman,1998, p. 2). Este conceito está a assumir uma importância cada vez maiorna literatura, uma vez que a investigação tem sugerido que os alunos par-ticipam activamente no seu processo de aprendizagem monitorizando eregulando os processos de aprendizagem orientados para produtos(Pintrich & Schrauben, 1992; Rosário, 2004b).

Contrariamente a uma crença instalada, a auto-regulação da apren-dizagem não apresenta uma natureza nem uma origem asocial. Cadaprocesso ou comportamento auto-regulatório, tal como o estabelecimen-to de um objectivo, a realização de um sumário ou o estabelecimento deauto-consequências, pode ser ensinado directamente ou modelado pelospais, professores ou colegas. De facto, os alunos auto-reguladores da suaaprendizagem procuram ajuda de modo a melhorarem a qualidade dasua aprendizagem. O que, claramente, os identifica como “auto-regula-dores” da sua aprendizagem não é tanto a sua proficiência na utilizaçãoisolada de estratégias de aprendizagem, mas sim a sua iniciativa pessoal,a sua perseverança na tarefa e as competências exibidas, independen-temente do contexto onde tal aprendizagem ocorre. Os alunos auto-regu-ladores focalizam-se no seu papel agente: o sucesso escolar depende,sobretudo, do que construírem (Bandura, 2001). Neste sentido, activam,alteram e sustêm estratégias de aprendizagem em contexto. Encaram a

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aprendizagem como uma actividade que desenvolvem proactivamente,envolvendo processos de auto-iniciativa motivacional, comportamental emetacognitivos, mais do que processos reactivos desencadeados porreacção ao ensino (Zimmerman, Greenberg & Weinstein, 1994; Zimer-man, 2002).

Estes alunos auto-reguladores da sua aprendizagem destacam-seacademicamente, sendo facilmente identificados pelos docentes através,por exemplo, dos objectivos instrutivos que estabelecem para si próprios,normalmente mais ambiciosos do que os previstos curricularmente, dasua capacidade de monitorização das actividades de estudo e da eficáciado seu planeamento estratégico (Schunk & Zimmerman, 1994). Nas pala-vras de Boekaerts (1996): “Os estudantes que regulam a sua própriaaprendizagem possuem a capacidade de: por um lado exercer controlosobre as diferentes dimensões do processo de aprendizagem, incluindo aselecção, a combinação e a coordenação das estratégias cognitivas numdeterminado contexto; e por outro de canalizar recursos para os diferen-tes aspectos do processo de ensino-aprendizagem, sem muitos custospara o seu bem-estar” (p. 102).

Este tipo de comportamentos escolares contribui para que estesalunos assumam o controlo do seu processo de aprendizagem. Paris eByrnes (1989) descrevem-nos como aqueles que: “(…) procuram desa-fios e ultrapassam obstáculos, algumas vezes com muito esforço e per-sistência, outras com inventivas resoluções de problemas. Estabelecemobjectivos realistas e mobilizam uma bateria de recursos. Abordam astarefas escolares com confiança. A combinação de expectativas positi-vas, motivação e diversas estratégias para resolver problemas são as vir-tudes dos alunos que realizam aprendizagens auto-reguladas” (p. 169).

Neste sentido, podemos concluir que o construto de auto-regulaçãose relaciona com o grau no qual os alunos se sentem metacognitiva,motivacional e comportamentalmente participantes no seu processo deaprendizagem. A aprendizagem deve envolver, assim, o uso de estratégiasespecíficas para alcançar os objectivos escolares estabelecidos a partirdas suas percepções de auto-eficácia (Zimmerman, 1998). Esta assunçãosublinha três aspectos essenciais no estudo dos processos de auto-regu-lação da aprendizagem: as estratégias de auto-regulação da aprendiza-gem dos alunos, as suas percepções de auto-eficácia e o seu comprome-timento com os objectivos educativos.

Zimmerman (1989) definiu as estratégias de auto-regulação da apren-dizagem como: “(…) as acções e os processos dirigidos para adquirir

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informação ou competência que envolvem actividade, propósito e percep-ções de instrumentalidade por parte dos alunos” (p. 329). A auto-efi-cácia refere-se às percepções dos alunos sobre as suas próprias capaci-dades de organização e implementação das acções necessárias para alcançarum determinado objectivo ou o desenvolvimento de uma competência pararealizar uma tarefa específica (Bandura, 1986; Bandura & Schunk, 1981).

Os objectivos escolares, o terceiro elemento considerado, variamnão só relativamente à sua natureza, mas também quanto ao estabeleci-mento do timing necessário para os alcançar (Rosário, 2005). Assim, ede acordo com o modelo proposto por Zimmerman e Martinez-Pons(1986, 1988, 1990), a auto-regulação da aprendizagem pode ser definidacomo: “um processo activo no qual os sujeitos estabelecem os objecti-vos que norteiam a sua aprendizagem tentando monitorizar, regular econtrolar as suas cognições, motivação e comportamentos com o intuitode os alcançar” (Rosário, 2004b, p. 37).

Gramáticas da aprendizagem auto-regulada

A literatura refere muitas abordagens à auto-regulação da aprendi-zagem, conceptualizando-a a partir de distintas famílias teóricas (Boe-kaerts, 1995, 1996, 1999; Boekaerts & Niemivirta, 2000; Corno, 1993;Pintrich, 1994, 2000; Pintrich & De Groot, 1990; Rosário, 2004b; Rosá-rio et al., 2004a, b; 2005a; Zimmerman & Martinez-Pons, 1986, 1988;Zimmerman, 1998, 2000, 2002). No entanto, todas partilham comunali-dades. De seguida, apresentaremos 4 aspectos que reúnem consenso nosdiferentes desenhos auto-regulatórios. Sob um guarda-chuva cognitivo,todos os modelos encaram os alunos como construtores activos dos seuspróprios significados, objectivos e estratégias a partir da informação dis-ponível. Os sujeitos não são encarados como meros recipientes passivosde informação, pelo contrário, a sua agência é sublinhada permitindo--lhes exercer, desta forma, o controlo e a regulação sobre o seu processo deaprendizagem (Pintrich & Schrauben, 1992; Zimmerman, 2002). Um se-gundo aspecto está relacionado com o facto de todos considerarem queos alunos podem potencialmente monitorizar, controlar e regular certosaspectos da sua própria cognição, motivação, comportamento e ambiente.Existem constrangimentos biológicos, desenvolvimentais e contextuais,entre outros, que interferem na regulação, mas esta é sempre possívelem algum grau. Um terceiro aspecto de acordo global assume que existe

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algum tipo de critério (e. g., objectivo, valores de referência) que servede referencial face ao qual o aluno pode avaliar os produtos obtidos econcluir da necessidade de modificar o rumo do percurso dos seus inves-timentos escolares. Os alunos estabelecem objectivos escolares para asua aprendizagem e podem adequar os seus processos cognitivos emotivacionais para os atingirem. O último aspecto refere que todos osmodelos de auto-regulação encaram os comportamentos auto-regula-tórios como mediadores entre os aspectos pessoais e contextuais deaprendizagem e os resultados académicos. É o processo metacognitivosubjacente à auto-regulação da cognição, da motivação e do comporta-mento que medeia as relações entre a pessoa, o contexto e o rendimento.

As comunalidades referidas permitem: (i) descrever os vários com-ponentes implicados num processo de aprendizagem orientado para osucesso, (ii) explicar as interacções que ocorrem entre os diferentescomponentes, (iii) relacionar a aprendizagem e a realização directamentecom o self, ou seja, com a estrutura de objectivos do sujeito, a sua moti-vação, volição e emoção.

A abordagem à auto-regulação, recorrendo a diferentes termos eclassificações para descrever as mesmas facetas do construto, contribuipara uma certa dispersão e confusionismo em torno do mesmo. No en-tanto, apesar das diferenças que os distinguem, todos os modelos defen-dem o pressuposto básico de que os alunos podem regular activamente asua cognição, motivação e comportamento e, através desses processosauto-regulatórios, alcançar os seus objectivos, incrementando o seu ren-dimento académico (Dembo & Eaton, 2000; Zimmerman, 1994, 1998).

A perspectiva sociocognitiva que organiza este projecto e que desen-volveremos seguidamente (e. g., Bandura, 1986, 1997; Rosário, 2004b;Schunk, 1994; Zimmerman, 2000a, 2000b, 2002, Zimmerman & Schunk,2001) centra-se nos processos da auto-observação ou autocontrolo,autojulgamento e nas crenças dos alunos (e. g., a auto-eficácia e o esta-belecimento de metas). A psicologia fenomenológica (e. g., McCombs,1988, 1989; McCombs & Marzano, 1990) analisa a aprendizagem doponto de vista do sujeito centrando-se no estudo das percepções pes-soais que o indivíduo elabora de si mesmo, por exemplo, no seu auto-conceito. As teorias cognitivo-construtivistas (e. g., Paris & Byrnes, 1989;Paris & Newman, 1990) enfatizam a construção do significado e dasteorias pessoais sobre o aprender que guiam a acção dos alunos (e. g.,teorias sobre a autocompetência, o esforço, as tarefas de aprendizagem).As teorias volitivas (e. g., Corno, 1989; Corno & Mandinach, 1983)

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105Implementar o Projecto

realçam o papel da vontade como o motor que põe em marcha o sujeito,capacitando-o para executar as suas decisões. Por fim, só para citar algu-mas, a perspectiva vygotskiana (e. g., Vygotsky, 1978; Rohrkemper,1989) centra-se na importância do discurso interno autodirigido comoforma de conhecimento, de autocontrolo e de domínio do meio.

Estrutura e funcionamento dos processos auto-regulatórios:uma abordagem sociocognitiva

Como se combinam as estratégias de aprendizagem, a motivação,os objectivos, as emoções e o controlo pessoal para promover alunosauto-reguladores da sua aprendizagem? Zimmerman (1998, 2002), nomarco da abordagem sociocognitiva aos processos de aprendizagem,descreve a estrutura do processo auto-regulatório em três fases, tal comoé patente na figura 1. A fase prévia refere-se aos processos e às crençasque influenciam e precedem os esforços dos alunos para aprender, mar-cando o ritmo e o nível dessa aprendizagem. A segunda fase do proces-so auto-regulatório, o controlo volitivo, é influenciada pela anterior eenvolve os processos que ocorrem durante a aprendizagem afectando acentração na tarefa e a monitorização da volição na direcção dosobjectivos (Zimmerman, 1998). Por fim, a auto-reflexão envolve os pro-cessos que ocorrem após a aprendizagem. Este processo reflexivo, dadaa natureza cíclica do processo, influencia a fase prévia e os esforçosposteriores conducentes à aprendizagem, completando, assim, o cicloauto-regulatório (cf. figura 1) (Zimmerman, 1998, 2000, 2002).

Figura 1 – Fases do ciclo de aprendizagem auto-regulada (Zimmerman, 2000, 2002).

Fase Prévia Estabelecimento de objectivos Planeamento estratégico Crenças de auto-eficácia Tipo de objectivos Interesse intrínseco/valores

Controlo Volitivo Focalização da atenção Auto-instrução Imagens mentais Automonitorização

Auto-reflexão Auto-avaliação Atribuição causal Adaptabilidade/defensividade Auto-satisfação/afecto

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106 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Fase prévia

A fase prévia do modelo cíclico de auto-regulação é caracterizadapor Zimmerman (1998) em cinco tipos de aspectos e crenças. O estabe-lecimento de objectivos concretiza a intenção dos alunos para alcança-rem determinados resultados de aprendizagem (Locke & Latham, 1990;Rosário, 2005). Existe evidência do aumento de resultados escolares emalunos que estabelecem objectivos proximais para as tarefas, tais comosubdividir conteúdos de estudo para estudar num determinado tempo.A literatura descreve que os alunos com objectivos orientados para aaprendizagem estão mais centrados no progresso da sua aprendizagemdo que na competição com os seus pares e tendem a aprender maiseficazmente do que os alunos com objectivos centrados na realização(Ames, 1992a, b; Rosário, 2005). O planeamento estratégico consiste naselecção por parte do aluno do leque de estratégias de aprendizagem oude métodos que lhe permite alcançar os objectivos desenhados (Zimmer-man & Martinez-Pons, 1992). Estas duas estratégias (o estabelecimentode objectivos e o planeamento estratégico) são afectadas por muitascrenças pessoais, tais como a percepção de auto-eficácia, o tipo de objec-tivos escolares, ou a valorização atribuída à tarefa pelo aluno (Rosário,2001; 2004b). A percepção de auto-eficácia – as crenças pessoais dosalunos sobre a sua capacidade para aprender ou alcançar determinadosníveis de realização escolar – é uma das variáveis mais significativasnesta fase prévia, uma vez que condiciona o nível de investimento e,habitualmente, os resultados escolares dos alunos (Bandura, 1986, 1993).A última variável, denominada interesse intrínseco na tarefa, caracterizao comportamento dos alunos que sustêm o seu esforço nas tarefas deaprendizagem, mesmo na ausência de recompensas tangíveis (Zimmer-man & Martinez-Pons, 1990).

Controlo volitivo

Esta fase subsume os processos que ajudam o aluno a focalizar aatenção na tarefa de aprendizagem optimizando a sua realização escolar.Kuhl (1985) descreve a focalização da atenção como a necessidade deos alunos protegerem a sua intenção de aprender dos distractores quecompetem com a tarefa concreta de aprendizagem. Os alunos com baixorendimento escolar distraem-se mais facilmente das suas actividades e

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tendem a centrar-se mais nos erros cometidos do que os alunos queapresentam um elevado rendimento escolar (Corno, 1993; Heckhausen,1991). “A investigação sobre a aprendizagem académica mostra que osalunos capazes de regular a sua própria aprendizagem face aos múltiplosdistractores e dificuldades na sala de aula apresentam melhores resulta-dos e aprendem mais do que os alunos que não exibem estas competên-cias auto-regulatórias” (Pintrich & Zusho, 2002, p. 249). As auto-instru-ções constituem verbalizações sobre os passos a empreender durante odesempenho das tarefas escolares (Schunk, 1998). A investigação sugereque as auto-instruções melhoram a aprendizagem dos alunos, uma vez quea vocalização dos protocolos (e. g., algoritmos, fórmulas químicas) con-tribui para a diminuição dos erros cometidos (Schunk, 1984). A auto--monitorização fornece informação sobre os progressos e os fracassosrelativamente a um determinado critério de referência (e. g., classifica-ções escolares, objectivos escolares delineados, sucesso escolar dos pares)(Winnie, 1995). À medida que os alunos vão adquirindo competênciasescolares, a automonitorização das tarefas escolares diminui, sendo cadavez menos intencionalizada em consequência da automatização das roti-nas na resolução de problemas. Este facto facilita o cometimento de erros,uma vez que os alunos relaxam a atenção à tarefa, permitindo-se dividira atenção com tarefas secundárias concorrentes.

Auto-reflexão

A auto-reflexão compreende quatro tipos de processos. A auto-ava-liação das produções escolares é usualmente um dos processos auto-refle-xivos iniciais, que envolve a comparação da informação monitorizadacom algum objectivo educativo concreto (e. g., confrontação do resultadoobtido no exercício com o apresentado no manual de exercícios).

Os processos de atribuição causal desempenham um papel fun-damental nos processos de auto-reflexão, uma vez que atribuições dosfracassos escolares a uma competência cognitiva deprimida podem desen-cadear reacções negativas e desinvestimento no trabalho académico (Rosá-rio, 2005; Zimmerman & Paulsen, 1995; Zimmerman & Kisantas, 1997).

As atribuições causais, a exemplo dos demais processos descritos,são influenciadas pelos factores pessoais e contextuais, (e. g., os objecti-vos escolares que o aluno se propõe alcançar, ou o ambiente e a compe-titividade do contexto de aprendizagem). Os alunos auto-reguladores da

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108 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

sua aprendizagem encaram os seus resultados escolares como conse-quência do seu investimento, atribuindo, por exemplo, um determinadoinsucesso académico a causas que podem ser alteradas, por exemploatravés de um incremento de tempo e esforço no estudo individual.As atribuições causais com o foco na estratégia de aprendizagem tam-bém ajudam os alunos na identificação da(s) fonte(s) dos seus erros e nareorganização do perfil estratégico da sua aprendizagem. Os alunosauto-reguladores da sua aprendizagem, normalmente, apresentam umacapacidade superior de adaptação às tarefas de aprendizagem porqueavaliam as suas realizações escolares de forma mais frequente e ade-quada (Zimmerman & Ringle, 1981).

Por fim, e para completar o ciclo das fases do processo de auto--regulação, as auto-reacções favoráveis promovem crenças positivasacerca de si próprio como estudante, incrementam a percepção de auto--eficácia, promovem orientações mais centradas nos objectivos deaprendizagem (Dweck, 1988) e incrementam o interesse intrínseco nastarefas escolares (Zimmerman & Kisantas, 1997). As auto-reacções tam-bém assumem a forma de respostas defensivas ou adaptativas à apren-dizagem. As primeiras referem-se aos esforços para proteger a própriaimagem, evitando a exposição às actividades de aprendizagem e realiza-ção (e. g., faltando aos exames, procrastinando a data de entrega derelatórios). Por contraste, as reacções adaptativas referem-se aos ajustesrelacionados com o incremento da efectividade dos métodos de aprendi-zagem, alterando ou apenas modificando uma estratégia de aprendiza-gem que não esteja a ajudar a alcançar os objectivos estabelecidos (Pin-trich & Schunk, 2002). O aumento da satisfação pessoal no aprenderincrementa a motivação; por sua vez, o decréscimo de satisfação pessoalna tarefa mina os esforços futuros para aprender (Schunk, 2001). Estesprocessos de auto-regulação, como já referimos, são cíclicos e, nessamedida, estas fases tendem a criar um movimento no sentido de facilitarou dificultar as fases seguintes do ciclo (Zimmerman, 2002). Resumindo,a fase prévia da auto-regulação prepara o aluno para a fase de controlovolitivo, influenciando-a. Esta, por sua vez, afecta os processos utiliza-dos na fase de auto-reflexão, que interagem com a fase prévia seguinte,incrementando a qualidade das aprendizagens.

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109Implementar o Projecto

Ensinar estratégias de aprendizagem

“(…) Numa era onde estas qualidades para a aprendizagem ao longoda vida estão ausentes na vida de muitos alunos, o ensino de estraté-gias e processos de auto-regulação da aprendizagem é especialmenterelevante.” (Zimmerman, 2002, p. 70).

Simpson e colegas apresentaram em 1997 uma revisão da literaturasobre os programas e intervenções na área das competências de estudo,elegendo como critério organizador a transferência das estratégias deaprendizagem trabalhadas para outros contextos. Nesse sentido, apresen-taram uma taxonomia organizada em cinco categorias gerais. A primeirainclui os cursos de aprender-a-aprender, englobando intervenções queapresentam uma natureza desenvolvimental mais do que uma orientaçãolacunar com vista à redução de défices na área das estratégias de apren-dizagem. A tipologia de cursos integrada nesta categoria está orientadapara o desenvolvimento de processos e para a promoção de alunos auto--reguladores da sua aprendizagem, trabalhando repertórios de estratégiasde aprendizagem modificáveis em função das tarefas escolares especí-ficas. Os alunos são encorajados a identificar e a utilizar estratégias apro-priadas às diferentes tarefas e contextos de aprendizagem. Esta orien-tação promove a transferência das aprendizagens para outros contextosna medida em que os alunos desenvolvam uma consciência metacogni-tiva das condições associadas a cada tarefa específica de aprendizagem etreinem diferentes opções em função dos seus objectivos e constriçõescontextuais. A literatura refere que os participantes em cursos sob o rótulogeral de aprender-a-aprender apresentaram uma melhoria no seu rendi-mento escolar (Weinstein, 1994).

A segunda categoria descrita inclui cursos similares aos anteriores,mas centrados num domínio de aprendizagem específico. Estes cursosapresentam uma orientação de natureza desenvolvimental, treinando aaplicação das estratégias de aprendizagem, mas numa determinada dis-ciplina de estudo ou área de conhecimento concreto sem a preocupaçãode intencionalizar a transferência dessas aprendizagens para conteúdos econtextos adjacentes. Coerentemente, não foi encontrada evidência deque essas competências tenham sido transferidas para outros domíniosde estudo (Hattie et al., 1996; Simpson et al., 1997).

A terceira categoria inclui intervenções pontuais, cursos de Verãoou programas-ponte entre dois ciclos de estudo (e. g., Secundário e Uni-

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110 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

versidade), orientados sob uma lógica de colmatação de lacunas. A tónicaremediativa é emergente nestas intervenções, focalizada em potenciaraspectos estratégicos avulsos (e. g., técnicas de leitura ou competênciasde escrita). A investigação refere que a frequência destes cursos/módu-los não favoreceu a transferência das competências aprendidas e trabalha-das para domínios adjacentes. As explicações apresentadas podem estarrelacionadas quer com a duração das intervenções, habitualmente cursosbreves, quer com a baixa incidência no treino explícito da aplicaçãoestratégica a outros domínios.

A quarta categoria agrupa cursos integrando o exercício das com-petências de leitura e escrita. O seu objectivo está orientado para incre-mentar a proficiência de escrita e, por consequência, o sucesso escolar,mas, como refere Ackerman (1993), estes programas não apresentaramresultados consistentes.

A última categoria inclui os serviços assistenciais na área das com-petências de estudo oferecidos por gabinetes especializados. Estes servi-ços são habitualmente avulsos e ateoréticos, uma vez que não apresentamum racional teórico onde estas intervenções pontuais estejam ancoradas,nem uma avaliação que permita concluir do seu impacto no rendimentoescolar dos alunos (Simpson et al., 1997).

A infusão curricular é outro método, não referenciado na tipologiadescrita, utilizado para ajudar os alunos a desenvolverem estratégias deaprendizagem efectivas. Os professores e educadores que optam por estametodologia instruem os seus alunos nas questões motivacionais e estra-tégias cognitivas relativas à sua área de conteúdo (Entwistle & Tait,1992). Na revisão de literatura sobre as diferentes intervenções na áreadas estratégias de aprendizagem, Hattie e companheiros (1996) sugeremque estes programas apresentam uma relação mais proximal com o su-cesso escolar quando trabalhados no âmbito de um contexto e domíniode aprendizagem específico. A literatura (Hadwin & Winnie, 1996; Hattieet al., 1996; Simpson et al., 1997) sugere a conveniência, a urgência –atrevemo-nos a pontuar – de incorporar o ensino das estratégias deaprendizagem nos programas de formação dos professores para, poste-riormente, estas poderem ser infundidas nos respectivos currículos dasáreas de conhecimento.

Outro aspecto fundamental na arquitectura das intervenções em estra-tégias de aprendizagem é o seu desenho. As intervenções de justaposi-ção proporcionam instrução na área das estratégias de aprendizagemnum espaço específico fora do currículo criado para o efeito. O projecto“Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” é um exemplo deste formato.

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111Implementar o Projecto

A infusão curricular, por sua vez, tem como objectivo integrar oensino das estratégias de aprendizagem na dinâmica de cada uma dascadeiras. A metodologia da infusão curricular, trabalhando as estratégiasde auto-regulação da aprendizagem em contexto, promove a sua concep-tualização como ferramentas úteis para aplicação em diversos domínios,e não apenas no curso específico de “técnicas de estudo” onde estas são,habitualmente, trabalhadas de uma forma avulsa e desancorada teorica-mente. Treinando a utilização das estratégias de auto-regulação da apren-dizagem em diferentes contextos, tarefas e áreas de conteúdo, os projec-tos de infusão curricular incrementam a probabilidade de transferênciadessas aprendizagens (Salomon & Perkins, 1989, Simpson et al., 1997;Zimmerman, Bonner & Kovach, 1996). Apesar de não existir nesta áreaum corpo sólido de investigação comparando programas de infusãoversus programas de justaposição, os dados sugerem que os programasde infusão seriam mais viáveis e eficazes na escolaridade básica e secun-dária e os de justaposição na Universidade. As razões poderiam estarrelacionadas com a especificidade dos diferentes saberes leccionados, abaixa formação pedagógica de alguns docentes universitários, o regimede semestralidade que não permite uma interacção prolongada dos do-centes com os alunos, entre outros factores explicativos. No entanto, nãoé evidente a partir desta meta-análise se os resultados encontrados sedevem a diferenças desenvolvimentais dos alunos ou a característicasespecíficas das intervenções nos diferentes níveis etários (Hadwin &Winnie, 1996; Hattie, Biggs & Purdie, 1996; Simpson et al., 1997).

Investigação sobre os processos de auto-regulação da aprendizagem

O que motiva os alunos a auto-regular a sua aprendizagem? Quaissão os processos-chave ou as respostas dos alunos auto-reguladores aosseus objectivos escolares? Como é que o ambiente físico e social afectaos processos de auto-regulação da aprendizagem? Por fim, e talvez aquestão mais premente, como é que um aluno, quando aprende, adquirea competência de auto-regular o seu conhecimento?

O esforço inicial dos investigadores desta linha de investigaçãosociocognitiva foi dirigido para a compreensão dos processos e compo-nentes específicas da auto-regulação. Assim, os primeiros estudos mapea-ram e caracterizaram 14 tipos de estratégias de auto-regulação referencia-das nos auto-relatos dos alunos (Zimmerman & Martinez-Pons, 1986, 1988,

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112 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

1990, 1992), registando, por exemplo, que o grupo de alunos com me-lhores classificações escolares comparativamente aos seus pares utilizamais, treze, das catorze estratégias descritas. A estratégia de auto-avalia-ção é a única que não apresentou correlações positivas com os resul-tados escolares.

Contudo, talvez os dados mais significativos desta linha de investi-gação estejam relacionados com o facto de ser possível classificar correc-tamente, através da análise do padrão de estratégias de auto-regulaçãoutilizado, 93% dos alunos quanto ao seu nível de rendimento escolar(Zimmerman & Martinez-Pons, 1986). Os mesmos autores, em 1990,identificaram as estratégias de auto-regulação utilizadas pelos alunosdos 5.º, 8.º e 11.º ano, relacionando-as com as suas percepções de auto--eficácia. Os valores sugerem que os esforços dos alunos para regularestrategicamente a aprendizagem estão associados a elevadas percepçõesde auto-eficácia verbal e numérica (Schunk, 1994). Os alunos cognitiva-mente mais competentes utilizam mais estratégias de aprendizagem pararegular os seus processos pessoais, o seu comportamento e modificar assuas condições ambientais;”(…) o sucesso escolar destes alunos [auto-reguladores competentes] sugere que o modelo triárquico de auto-regu-lação é adequado para treinar os alunos no sentido de estes se tornaremaprendizes mais eficazes” (Zimmerman & Martinez-Pons, 1990, p. 58).

Zimmerman e Bandura (1994) estudaram as relações entre auto--eficácia, objectivos e auto-regulação dos processos de escrita entre osalunos universitários. A auto-eficácia para a escrita correlaciona-se posi-tivamente com os objectivos escolares dos alunos, níveis de auto-avalia-ção (satisfação com as potenciais notas) e o rendimento escolar. Os seusresultados evidenciaram que a auto-eficácia afecta o rendimento acadé-mico de forma directa e indirectamente através da sua influência nosobjectivos.

Outras investigações focalizaram a sua atenção no desenvolvimentoda auto-regulação, estudando em que medida os factores de contexto einstrutivos afectam a auto-regulação da aprendizagem dos alunos. Nestalinha, Schunk e Rice (1992, 1993) conduziram uma série de estudoscom alunos que apresentavam dificuldades na leitura. Os resultados suge-rem que a modelação das estratégias e o feedback sobre a eficácia dautilização dessas estratégias, promovem a auto-eficácia dos alunos, autilização de estratégias de auto-regulação e a melhoria da sua compe-tência leitora (Schunk & Rice, 1992, 1993).

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113Implementar o Projecto

Também Graham e Harris (1989), numa investigação onde foi utili-zada a modelação cognitiva (professores que explicavam e demonstra-vam a aplicação de estratégias de aprendizagem no estudo de históriasescritas, acentuando a sua importância para alcançar os objectivos pro-postos), concluíram que o ensino de uma estratégia de auto-regulação daescrita a alunos com dificuldades de aprendizagem incrementa a suaauto-eficácia e o seu desempenho na escrita. Estes ganhos não só forammantidos no tempo após a instrução, como foram generalizados a outroscontextos de vida.

Todos estes dados sugerem que, mais ou menos proficientemente,todos os alunos tendem a auto-regular a sua aprendizagem escolar e assuas realizações em geral, mas como as primeiras investigações aponta-ram (Zimmerman & Martinez-Pons, 1988), existem diferenças acentua-das nos seus métodos e crenças pessoais (Schunk, 1994, 1998). Assim, umasegunda fase de investigação destes processos auto-regulatórios dirigiu asua atenção para a identificação das diferenças entre os aprendizesinexperientes e ineficazes e os experientes e eficazes na escolha e utili-zação de estratégias de auto-regulação da sua aprendizagem. O resumode algumas dessas diferenças processuais está patente no quadro 1.

Quadro 1 – Subprocessos auto-regulatórios de alunos peritos e inexperientes(adaptado de Zimmerman, 1998).

Fases Alunos auto-reguladores inexperientes

i. Objectivos inespecíficos e distaisii. Objectivos orientados para o

Prévia desempenho escolariii. Baixa auto-eficáciaiv. Desinteresse

i. Plano de trabalho difusoControlo volitivo ii. Ausência de estratégias-guia

iii. Automonitorização aleatória

i. Baixa auto-avaliaçãoAuto-Reflexão ii. Atribuições à capacidade

iii. Auto-reacções negativas

Alunos auto-reguladores experientes

i. Objectivos específicos e hierarqui-zados

ii. Objectivos orientados para a apren-dizagem

iii. Elevada auto-eficáciaiv. Intrinsecamente motivados

i. Plano centrado na tarefaii. Auto-instruçãoiii. Automonitorização dos processos

i. Auto-avaliam as realizaçõesii. Atribuições à estratégiaiii. Auto-reacções positivas

Os aprendizes ineficazes estabelecem objectivos instrutivos, mas debaixa operacionalidade dada a sua inespecificidade e o facto de seremestabelecidos a longo prazo, conduzindo desta forma a um baixo controlo

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114 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

volitivo e a formas limitadas de auto-reflexão sobre os seus comporta-mentos escolares (Zimmerman & Risemberg, 1997). Contrastando comeste tipo de desempenho escolar, os alunos auto-reguladores competentesestabelecem objectivos específicos, proximais e uma priorização adequada(Bandura, 1991; Rosário, 2005). Estes alunos também estabelecemobjectivos orientados para a aprendizagem ou a mestria, enquanto queos alunos auto-reguladores inexperientes adoptam, preferencialmente,objectivos de realização ou egocentrados (Pintrich & De Groot, 1990;Pintrich & Schunk, 2002). Estes últimos alunos perspectivam os episó-dios de aprendizagem como experiências ameaçadoras nas quais as suasrealizações escolares vão ser avaliadas e a sua competência cognitivaquestionada, pelo que, o evitamento das oportunidades de aprendizagemé muitas vezes a sua opção (Rosário, 2005; Zimmerman, 1990). Por outrolado, os alunos auto-reguladores da sua aprendizagem encaram os episó-dios escolares como oportunidades para alargar o leque das suas compe-tências e, como tal, valorizam-nas. Como resultado, estes alunos nor-malmente percebem-se a si próprios como mais auto-eficazes do que osaprendizes inexperientes (Schunk, 1984).

Estas crenças de auto-eficácia incrementam não só a motivaçãopara a aprendizagem, mas também o processo de auto-regulação, facili-tando o estabelecimento de objectivos instrutivos ambiciosos e a exibiçãode comportamentos de automonitorização. Os alunos que apresentamuma auto-eficácia deprimida tendem a ser mais ansiosos na sua apren-dizagem e a evitar as oportunidades instrutivas quando estas aparecem.Estudam só o que está prescrito pelos professores, manifestando muitoreceio em expor-se perante os pares (Zimmerman & Ringle, 1981). Os alu-nos auto-reguladores experientes, também em contraste com os alunosinexperientes, apresentam índices superiores de interesse e envolvimentonas suas tarefas de aprendizagem (Pintrich & De Groot, 1990; Zimmer-man & Kisantas, 1997). Encaram a motivação como algo que eles própri-os desenvolvem em contacto com as tarefas escolares, lendo e procurandoinformação suplementar sobre um determinado tema. Rosário e colabo-radores (2001, 2004a) afirmam que os alunos do Ensino Secundáriocom um padrão comportamental mais auto-regulado obtêm um melhorrendimento escolar nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesae, inversamente, as médias escolares mais baixas correspondem a padrõesauto-regulatórios menos proficientes.

Os alunos inexperientes, por seu lado, têm dificuldade em centrar-seà volta de um tópico, até porque atribuem a falta de interesse a factores

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externos, tais como professores com um ‘discurso pouco cativador’ ouaulas ‘pouco interessantes’. A literatura refere que estes alunos são muitodependentes das influências e recompensas sociais externas (Deci, 1975;Ryan & Deci, 2000).

Nos processos de controlo volitivo, os aprendizes competentes sãocapazes de concentrar a sua atenção na tarefa escolar, enquanto que osinexperientes são mais facilmente atraídos por diversões ou pensamen-tos distractores em competição com a tarefa (Rosário, 2004b; Schunk &Zimmerman, 1998). A atenção destes alunos é, assim, muitas vezesdirigida para os seus estados emocionais ou para as condições ambien-tais circundantes (e. g., as suas actividades preferidas, os sons, a tempe-ratura) (Corno, 1993).

Os auto-relatos dos alunos sobre os seus processos de estudo refe-rem que a manutenção da atenção e dos níveis motivacionais durante aaprendizagem são normalmente as tarefas mais difíceis no processo deauto-regulação da aprendizagem (Zimmerman & Bandura, 1994a; Zim-merman & Martinez-Pons, 1989; Zimmerman, 2000). Os auto-regula-dores experientes utilizam, de uma forma sistemática, algumas técnicas,tais como imagens mentais ou auto-instruções vocalizadas, para aplica-rem as estratégias de aprendizagem a uma determinada tarefa escolar.Cleary e Zimmerman (2000) relatam que os alunos peritos se diferen-ciam de outros na aplicação de conhecimentos em momentos cruciaisdurante o seu processo de aprendizagem, tais como corrigir deficiênciasespecíficas na utilização de uma determinada técnica ou estratégia deaprendizagem. Os aprendizes inexperientes, por outro lado, não reco-nhecem a importância das imagens como guia e, em vez dessa estraté-gia, confiam nas experiências de tentativa-erro, quando querem imple-mentar novos métodos de aprendizagem.

A automonitorização é, talvez, o processo de controlo volitivo quemelhor distingue estes dois perfis de competência auto-regulatória(Zimmerman & Paulsen, 1995). Os alunos automonitores competentes,quando não estão a alcançar bons resultados escolares, utilizam esta infor-mação (e. g., as notas dos exames, dos trabalhos, as informações dosdocentes), para alterarem o tipo e o nível do seu insucesso, sem esperarpor circunstâncias externas adversas a quem responsabilizar (Schunk &Zimmerman, 1994, 1998).

Os auto-reguladores inexperientes falham sistematicamente namonitorização das suas realizações e dos seus progressos na aprendizagem,tendendo a sobreestimar os seus êxitos escolares pontuais (Zimmerman,

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1989). Em concordância, estes alunos evitam as oportunidades de auto--reflexão, monitorizando os comportamentos de estudo aleatoriamente eseguindo critérios de comparação social com os pares, normalmente emsituação mais desfavorável (Nicholls, 1984; Zimmerman & Kisantas,1997).

A auto-reflexão, a última fase do processo de auto-regulação daaprendizagem, como já dissemos, influencia a fase prévia do ciclo deauto-regulação da aprendizagem, quer positiva quer negativamente (Schunk,1998; Zimmerman & Kisantas, 1997).

Os ciclos pessoais de auto-regulação, inexperientes ou competentes,são resistentes à mudança a não ser que sejam realizadas intervençõeseducativas que influenciem qualitativamente qualquer uma das fases dociclo descritas. O incremento da compreensão processual da aprendiza-gem é um passo fundamental para a assunção, por parte dos alunos, dassuas responsabilidades no sucesso do seu processo de aprendizagem.

Promover competências de auto-regulação da aprendizagem

“Aprender não é algo que acontece aos alunos, é algo que ocorre emconsequência dos comportamentos dos alunos.” (Zimmerman, 1989,p. 22).

A auto-regulação não pode ser caracterizada como um conjunto decaracterísticas dos alunos, mas sim como processos activados em con-texto para alcançar o sucesso escolar. Neste sentido, a regulação do estudonão é um aspecto singular dos alunos, mas sim um processo multidi-mensional na perspectiva e contextual na sua aplicação. Por este motivo,os processos de estudo interagem com os resultados e os acontecimen-tos sociais e exigem um ajustamento e um envolvimento contínuos.

A auto-regulação não pode ser encarada categorialmente como umtraço que os alunos possuem ou não. Pelo contrário, envolve a opçãoselectiva de processos específicos que podem ser utilizados em tarefasconcretas de aprendizagem. Estas competências incluem, entre outras: i.o estabelecimento de objectivos de aprendizagem proximais; ii. aadopção de estratégias de aprendizagem para os alcançar; iii. a moni-torização da realização pessoal, seleccionando indicadores de evolução;iv. a reestruturação do local de aprendizagem e do contexto, compatibi-

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117Implementar o Projecto

lizando-o com os objectivos a alcançar; v. a gestão efectiva do tempo;vi. a auto-avaliação de métodos e processos; vii a atribuição causal dosresultados. A investigação sugere que a qualidade do resultado final deaprendizagem apresenta uma relação próxima com o facto de o reper-tório de estudo dos alunos incluir, ou não, esta dieta estratégica (Schunk& Zimmerman, 1994, 1998). A promoção dos processos de auto-regu-lação é importante porque uma das funções prioritárias da educação é odesenvolvimento de competências de aprendizagem ao longo da vida.Após saírem da Universidade, os jovens profissionais necessitam decontinuar a aprender e a aplicar os conhecimentos aprendidos a novoscontextos. Aliás, uma das causas principais do insucesso escolar estárelacionada com a inabilidade de os alunos controlarem o seu própriocomportamento; por este motivo “o ensino de estratégias é consideradouma das chaves principais na promoção da aprendizagem auto-regulada”(Zimmerman, 1998, p. 227). Apesar de alguns processos auto-regula-tórios, tais como o estabelecimento de objectivos e a automonitorização,serem geralmente indetectáveis, os professores estão atentos a muitasmanifestações destes processos, tais como a consciência pessoal da qua-lidade do seu trabalho e do seu nível de preparação académica (Zim-merman & Bandura, 1994a,b; Zimmerman & Martinez-Pons, 1988). Quandoos alunos não são sujeitos a um treino auto-regulatório explícito e inten-cional no trabalho da aula, na realização de trabalhos de casa e no estudopessoal, frequentemente desenvolvem técnicas pessoais para incrementaro seu sucesso escolar (Rosário, 2004b; Zimmerman & Martinez-Pons,1986, 1988, 1990). Ghatala, Levin, Foorman e Pressley (1989) referemque muitos destes alunos tendem, na realização de exercícios escritos eexames, a sobreestimar o processo de preparação (e. g., lendo, resumindo,revendo as matérias...) subestimando o processo de realização dos exer-cícios escritos (e. g., não relendo com suficiente cuidado as questões doenunciado do exercício escrito, deixando esquecidas algumas perguntasde resposta conhecida...). Estes comportamentos têm muitas vezes comoconsequência um resultado escolar desproporcional ao esforço escolarinvestido.

Neste sentido, na realização das tarefas previstas no currículo da suadisciplina, os professores poderiam discutir com os alunos a aplicaçãodas estratégias de auto-regulação a situações concretas, treinando a suatransferência para outros contextos, conteúdos e tarefas académicas. Os alu-nos seriam, deste modo, ajudados a responderem mais eficazmente aosseus objectivos e abordagens típicas à aprendizagem. A literatura refere

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que os alunos a quem os professores, de uma forma sistemática, ensi-nam e modelam estratégias de auto-regulação da aprendizagem aplica-das a diferentes tarefas escolares, exercitam mais autonomamente a suautilização (Ablard & Lipschultz, 1998; Zimmerman & Schunk, 1998).“As estratégias [de auto-regulação da aprendizagem] podem ser ensina-das com eficácia ao longo de toda a escolaridade conquanto sejam inte-gradas num marco alargado de treino auto-regulatório” (Zimmerman,Bonner & Kovach, 1996, p. 10).

No entanto, apesar da sua importância, as estratégias de auto-regu-lação da aprendizagem não são uma panaceia para as dificuldades deaprendizagem, porque a sua eficácia depende da interdependência, comojá referimos, dos factores pessoais e contextuais (Bandura, 1986; Zim-merman & Martinez-Pons, 1986). As estratégias de aprendizagem apre-sentam também uma influência directa na motivação, uma vez que osalunos que centram a sua capacidade de aplicar eficazmente uma estra-tégia sentir-se-ão mais competentes na realização das tarefas e, prova-velmente, incrementarão os seus níveis de auto-eficácia (Schunk &Swartz, 1993). “O papel principal do professor, na promoção da apren-dizagem auto-regulada, consiste em ajudar o aluno a assumir as suasresponsabilidades no seu próprio processo de aprendizagem” (Zimmer-man, Bonner & Kovach, 1996, p. 17). Promover alunos auto-reguladoresda sua aprendizagem implica favorecer o seu crescimento nos processosauto-regulatórios subjacentes às suas aprendizagens, tais como a auto--monitorização, o estabelecimento de objectivos, e a (re)adaptação dasestratégias de aprendizagem para alcançar um nível de proficiência dese-jável (Zimmerman & Martinez-Pons, 1992). Deste modo, os professoresque responderem afirmativamente ao repto de transformarem as suas salasde aula em academias de aprendizagem auto-regulada terão, em primeirolugar, de negociar com os alunos a mensagem de que cada um é respon-sável pelo seu processo de aprendizagem e, posteriormente, trabalhar ainfusão curricular do treino das estratégias de auto-regulação (Dembo &Eaton, 2000; Schunk & Zimmerman, 1998).

O incremento destes processos auto-regulatórios no comportamentode estudo dos alunos é um objectivo importante do sistema de ensino naacademia, porque para além de muitos alunos universitários, em geral,investirem pouco (tempo e esforço) no seu estudo pessoal, por vezes,desaproveitam grande parte deste, uma vez que lêem e tiram aponta-mentos ineficientemente, escrevem deficientemente e preparam os exa-mes sem método. Estes alunos, habitualmente, não são sistemáticos no

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seu estudo, confiando em métodos idiossincráticos aos quais se foramhabituando ao longo dos anos. Tendo em vista superar esta situação, umtreino auto-regulatório poderia ajudá-los, por um lado, a conhecerem ospontos fortes e as limitações destas estratégias e, por outro, a adequarem asnovas estratégias de aprendizagem às tarefas escolares concretas. O projectoque apresentamos de seguida foi desenhado para responder a este repto.

PROJECTO “CARTAS DO GERVÁSIO AO SEU UMBIGO”

Estrutura do Projecto

Racional desta ferramenta: A escolha do 1.º ano como alvo deste projecto depromoção de competências de estudo está ancorada na facilitação dos processosde adaptação à Universidade. Sob o guarda-chuva do modelo sociocognitivo da auto--regulação da aprendizagem, este projecto visa equipar os alunos com um reper-tório de estratégias de aprendizagem que os auxilie a enfrentar as aprendizagensmais competentemente. Promover a autonomia e os processos de auto-regulaçãoda aprendizagem é uma componente fundamental no processo de adaptação àsexigências da Universidade e de formação ao longo da vida.

A auto-regulação da aprendizagem não é um processo de aprendi-zagem de tudo ou nada. Refere-se, pelo contrário, ao grau no qual osestudantes estão metacognitiva, motivacional e comportamentalmenteactivos na sua aprendizagem. Muitos alunos que apresentam dificulda-des no seu percurso académico atribuem o seu problema à falta de capa-cidade, quando o problema pode estar relacionado com o facto de estesnunca terem sido instruídos em processos e estratégias de aprendiza-gem. Neste sentido, quanto mais cedo se iniciar a aprendizagem estraté-gica, melhor. Os alunos podem auto-regular diferentes dimensões daaprendizagem, por exemplo, os seus motivos para aprender, os métodose estratégias que empregam, os resultados de aprendizagem que desejame os seus recursos sociais e ambientais. Os pilares do processo auto--regulatório são: a escolha e o controlo. Como referimos no racionalteórico sociocognitivo que analisámos anteriormente, os alunos só podemauto-regular a sua aprendizagem se lhes forem dadas oportunidades paratal, e se puderem controlar algumas dimensões essenciais da sua apren-dizagem.

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120 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Descrição: Este projecto está orientado para discutir com alunos do 1.º ano daUniversidade questões sobre estratégias e processos de auto-regulação da aprendi-zagem, equipando-os para poderem enfrentar as suas tarefas de aprendizagem commaior qualidade e profundidade.A ferramenta “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” corresponde a um conjunto decartas de um aluno do 1.º ano, o Gervásio, dirigidas ao seu Umbigo. Nestes textos,o Gervásio discorre e reflecte sobre algumas das suas experiências na Universida-de, acentuando o papel das estratégias e dos processos de auto-regulação na suaaprendizagem.

Este projecto de promoção da aprendizagem auto-regulada na salade aula está alicerçado na convicção, entre outras, de que todos os alu-nos são capazes de aprender, podem auto-regular a sua motivação eaprendizagem, sempre que decidam aprender, assumindo esse controlo.

Construímos um projecto de promoção da aprendizagem dos pro-cessos auto-regulatórios, evitando a descontextualização das experiênciasconcretas de aprendizagem, amplamente sancionada na literatura comouma metodologia, que não promove a transferência de conhecimentos ecompetências para outros conteúdos e contextos de aprendizagem.

Esta ferramenta dirigida aos alunos universitários é suportada pelaconvicção de que a aprendizagem auto-regulada pode ser promovidaatravés da modelação e da experienciação de múltiplas oportunidadespara o desenvolvimento de uma aprendizagem autónoma. No entanto, jáem 1987 Schunk e colaboradores afirmaram que a observação de ummodelo (e. g., um professor ou o pai), mesmo proficiente, não é sufi-ciente para a aprendizagem e utilização de estratégias de auto-regu-lação. Para que esta aprendizagem seja efectiva, é importante que ossujeitos percebam semelhanças entre o modelo e a sua vida pessoal.Esta é, no processo de modelação, a variável motivacional mais rele-vante para o resultado final das aprendizagens. Nesse sentido, elaborá-mos um conjunto de cartas escritas num registo intimista e narrativoonde um aluno do 1.º ano descreve e reflecte sobre as suas experiên-cias e processos de aprendizagem no contexto académico. Os leitorespodem, desta forma, experienciar uma aprendizagem vicariante atravésdesta narrativa e aprender, indutivamente, um modelo auto-regulatóriopara enfrentar as suas experiências de aprendizagem. Esta aprendiza-gem estratégica envolve um processo de meta-análise dos comporta-mentos e reflexões oferecidas ao longo do texto “Cartas do Gervásioao Seu Umbigo”.

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121Implementar o Projecto

Objectivos:Este projecto visa:i. Ensinar os processos de auto-regulação da aprendizagem. É importante que os

alunos conheçam os processos envolvidos na aprendizagem, memorização e reso-lução de problemas. Este conhecimento declarativo e procedimental sobre osprocessos envolvidos no aprender facilitará o conhecimento condicional sobrecomo e onde aplicar as estratégias de auto-regulação aprendidas.

ii. Trabalhar com os alunos um repertório de estratégias de aprendizagem que osajudem nas suas aprendizagens na Universidade e na vida. O desenho do pro-jecto está orientado para que os alunos reflictam sobre a sua aprendizagemenquanto treinam a aplicação destas estratégias de aprendizagem à sua vidaacadémica.

A narrativa segue um guião consonante com o marco teórico auto--regulatório apresentado, desenvolvendo em cada carta um conjunto deestratégias de aprendizagem relativas a cada fase do processo de auto--regulação da aprendizagem analisado. A proposta de trabalho a partirdas diferentes cartas sugere a realização da tarefa inversa: identificar asestratégias e procedimentos subjacentes ao discurso, construindo, a partirda narrativa auto-regulatória oferecida pelo Gervásio, a própria. O discursoauto-regulatório que propomos não é, pois, um produto final, apresen-tando-se como o ponto de partida para a construção pessoal de itinerá-rios auto-regulatórios.

Neste projecto, alguns aspectos concretizam esta intenção de com-pelir o aluno à construção de um projecto pessoal auto-regulatório: (i) apossibilidade de escolher que cartas trabalhar com os alunos tendo emconta as necessidades e características da população-alvo e as constri-ções espaciotemporais que envolvam a aplicação do projecto. Apesar deseguirem uma determinada lógica e de cada carta estar alocada prefe-rencialmente a uma determinada fase do processo auto-regulatório, oprojecto foi desenhado para permitir a selecção sem desorganizar a estru-tura conceptual; (ii) o carácter não formatado das sessões, sem temposrígidos nem actividades normalizadas, apela à reflexão metacognitiva eà construção de um percurso auto-regulatório pessoal; (iii) as pistas detrabalho, a propósito de cada carta, apresentam um conjunto alargado desugestões para trabalhar as competências auto-regulatórias. Tambémneste particular, caberá ao aluno ou aos educadores que dirijam as ses-sões, a escolha final atendendo à idiossincrasia da população-alvo.

Como já referimos, Zimmerman apresentou em 1998, e depois em2002, um modelo explicativo da aprendizagem auto-regulada. O projecto“Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”, embora ancorado no seu modelo

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122 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

processual da aprendizagem auto-regulada, apresenta, a exemplo de outroprojecto de promoção da aprendizagem auto-regulada no Ensino Básico(Rosário, 2002a, b, c, d, 2003, 2004a, b), um modelo cíclico mais parci-monioso: o PLEA (Planificação, Execução e Avaliação das tarefas). Comopode ser observado na figura seguinte, o modelo apresenta três fases: aPlanificação, a Execução e, por último, a fase de Avaliação das tarefasdesenvolvidas, assegurando um movimento cíclico que relaciona as fases.Simultaneamente, o processo é activado em cada uma das fases refor-çando a lógica processual auto-regulatória do modelo, tal como é possívelobservar na figura 3 (cf. Rosário, 2004b para aprofundar no modelo).

Tendo em consideração a proximidade discursiva, não voltaremos acaracterizar detalhadamente cada uma das fases do modelo das fasescíclicas da auto-regulação da aprendizagem (cf., Rosário, 2002a, 2004b;Rosário et al., 2003b; 2004a, b; Zimmerman, 1998, 2002). A fase deplanificação ocorre a montante, quando os alunos analisam a tarefa espe-cífica de aprendizagem com a qual se defrontam. Esta análise envolve oestudo dos seus recursos pessoais e ambientais para enfrentar a tarefa, oestabelecimento de objectivos face à tarefa e o desenho de um planoconcreto para reduzir a distância que os separa da meta final.

A fase de execução da tarefa refere-se à implementação das estra-tégias para alcançar as metas desenhadas. Na sua abordagem à tarefa, osalunos utilizam um conjunto organizado de estratégias e automonitori-zam a sua eficácia tendo em vista o alcance dos objectivos estabelecidos.

Figura 3 – Modelo PLEA da aprendizagem auto-regulada (Rosário, 2004b)

Avaliação Execução

P

A

E

P

A

E

P

A

E

Planificação

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123Implementar o Projecto

A fase de avaliação tem lugar quando o aluno analisa a relação entreo produto da sua aprendizagem e o objectivo estabelecido. O núcleofundamental desta fase do processo auto-regulatório não se centra namera constatação de eventuais discrepâncias, mas sim no redesenho deestratégias que possam diminuir essa distância e permitam atingir oobjectivo marcado.

A natureza cíclica deste modelo sugere-nos, ainda, que cada umadas fases descritas e respectivas tarefas seja analisada de acordo com asua natureza interactiva (cf. Rosário, 2004b). A estrutura da narrativa decada uma das cartas está orientada segundo o ciclo auto-regulatório des-crito anteriormente.

Metodologia: Cada carta está organizada em torno de um conjunto de estratégiasde auto-regulação da aprendizagem (e. g., estabelecimento de objectivos; organi-zação do tempo; tomada de apontamentos; lidar com a ansiedade face aos testes;estratégias de memorização da informação). O estilo narrativo confere a esta ferra-menta um carácter dinâmico permitindo uma adaptação ecológica ao contexto es-pecífico de aprendizagem.Num estilo não prescritivo, humorístico e pouco ameaçador, os leitores-autorestêm oportunidade de aprender um leque alargado de estratégias de aprendizagem ede reflectir sobre situações, ideias e reptos em contexto, através da voz de um alunoque vivenciou uma experiência par da deles. Esta proximidade experiencial facilitaa discussão e a tomada de perspectiva dos alunos face aos conteúdos estratégicosapresentados no texto. O carácter plástico desta ferramenta permite que as cartaspossam ser lidas como uma descrição romanceada da experiência de um aluno do1.º ano e discutidas num ambiente familiar descomprometido; trabalhadas no con-texto da clínica psicológica, desenvolvendo apenas os tópicos julgados necessários;ou ainda analisadas sob o formato de programa de promoção de competências deestudo com um grupo de alunos interessados.

Apesar dos resultados da investigação reforçarem a importância deos alunos recorrerem a processos de auto-regulação na sua aprendiza-gem, poucos professores, efectivamente, preparam os alunos para umaaprendizagem autónoma (Zimmerman, 2002).

Em 1986, Zimmerman e Martinez-Pons recolheram auto-relatosdos alunos do Ensino Secundário sobre as estratégias de auto-regulaçãoda aprendizagem mais utilizadas nos contextos de aprendizagem maistípicos: a sala de aula e o estudo pessoal. Nesta investigação, foramdescritos 14 tipos de estratégias de auto-regulação da aprendizagem (cf.quadro 2), sugerindo que a utilização de estratégias de auto-regulação noestudo apresenta uma correlação estreita com as classificações escolares

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124 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

(Zimmerman & Martinez-Pons, 1986, 1990). Num outro estudo dosmesmos autores (1988), aponta-se uma correlação de .70 entre os rela-tos da utilização de estratégias de auto-regulação na aprendizagem e osjulgamentos dos professores. Estes dados indicam que as estratégias deauto-regulação da aprendizagem se revelaram altamente preditivas dodesempenho escolar dos alunos na sala de aula (Zimmerman &Martinez-Pons, 1988, 1992). O propósito de cada uma é incrementar osprocessos de auto-regulação nos alunos face ao seu funcionamento pes-soal, ao seu comportamento escolar e ao seu ambiente de aprendizagem(Zimmerman & Martinez-Pons, 1986, 1988).

Quadro 2 – Apresentação das estratégias de aprendizagem organizadassegundo as fases do processo de auto-regulação PLEA.

1. Auto-avaliação(…) as avaliações dos alunos sobre a qualidade ou progressos do seu trabalho

3. Estabelecimento de objectivos e planeamento(…) planeamento, faseamento no tempo e conclusão de actividades relacionadascom esses objectivos.

6. Estrutura Ambiental(…) esforços para seleccionar ou alterar o ambiente físico ou psicológico de modoa promover a aprendizagem.

9-11. Procura de ajuda social(…) as iniciativas e os esforços dos alunos para procurarem ajuda dos pares (9),professores (10) e adultos (11)

2. Organização e transformação(…) as iniciativas dos alunos para reorganizarem, melhorando-os, os materiais deaprendizagem.

4. Procura de informação(…) os esforços dos alunos para adquirir informação extra de fontes não-sociaisquando enfrentam uma tarefa escolar.

5. Tomada de apontamentos(…) os esforços para registar eventos ou resultados.

8. Repetição e memorização(…) as iniciativas e os esforços dos alunos para memorizar o material.

7. Autoconsequências(…) a imaginação ou a concretização de recompensas ou punições para os suces-sos ou fracassos escolares.

12-14. Revisão de dados(…) os esforços-iniciativas dos alunos para relerem notas (12), testes (13), livrosde texto (14) a fim de se prepararem para uma aula ou para um exercício escrito.Fase

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125Implementar o Projecto

Para trabalhar com os alunos as estratégias de auto-regulação daaprendizagem, o educador deverá apresentar a estratégia de aprendiza-gem, explicando a sua natureza e função (conhecimento declarativo daestratégia de aprendizagem), mas também como (conhecimento procedi-mental) e quando a utilizar (conhecimento condicional) para alcançarum determinado objectivo escolar. Na etapa de modelação da estratégia(cf. figura 2), as instruções sobre a natureza e sua adequação às tarefasde aprendizagem devem ser claras e fazer referência a exemplos con-cretos e diferenciados. Depois de ensinar os conteúdos relativos a cadaestratégia de aprendizagem, o educador deve ensaiar a sua utilização emdiferentes actividades e conteúdos de aprendizagem. Numa segundafase, a da prática guiada, os alunos devem identificar os diferentes pas-sos seguidos pelo educador para a operacionalizar e, seguidamente, tentarpraticar autonomamente a mesma estratégia. Esta tarefa deverá ser super-visionada pelo educador que corrige e sugere a cada aluno as alteraçõesnecessárias.

Figura 2 – Sequência para trabalhar as estratégias de aprendizagem (Rosário, 2004b)

No passo seguinte, os alunos devem praticar a estratégia de apren-dizagem sem terem de recorrer ao guião fornecido pelo educador. Estetreino de autonomização promove a interiorização da estratégia. Nesta fase

Educador

Aluno

Controlo

Modelação

Prática guiada

Interiorização

Prática autónoma

Passos

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126 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

é desejável que os alunos tentem aplicar a estratégia a outras tarefas deaprendizagem/problemas testando a solidez desta aprendizagem. Por úl-timo, os alunos deverão ser capazes de transferir esta aprendizagem paraoutros domínios, ou seja, deverão ser capazes de conseguir aplicar aestratégia de aprendizagem trabalhada a outros conteúdos, disciplinas,ou contextos de vida, analisando as diferentes constrições da tarefa e doambiente de aprendizagem. Por exemplo, sublinhar é uma tomada dedecisão sobre o que é mais importante e significativo num determinadomaterial, o que pode ser realizado num texto sinalizando a tomada dedecisão com um traço colorido, mas também com a voz – a propósitode uma actividade não escolar ou conversa social –, assinalando os aspec-tos mais relevantes, ou incongruentes, de uma determinada afirmação deum colega.

Trabalhar competências cognitivas no anfiteatro ou no laboratórionão é uma tarefa fácil, mas os alunos dificilmente progredirão sem umtreino específico. As actividades que propomos, a propósito de cada cartado Gervásio, estão organizadas para que os alunos sejam instruídos noprocesso auto-regulatório, aprendam e treinem a aplicação de estratégiasde aprendizagem em diferentes domínios, desenvolvendo hábitos de refle-xão. Por exemplo, pensando sobre as suas experiências pessoais, os seussucessos, fracassos, os seus planos, objectivos, escolhas e consequênciasa curto, médio e longo prazo. O papel dos educadores é fundamental edeve estar orientado, sobretudo, para promover oportunidades efectivasde trabalhar metacognitivamente, posicionando-se face ao acontecido,produzindo alternativas, antecipando consequências, avaliando o sucedido…Por outro lado, e simultaneamente, devem também oferecer feedbackatempado para que os educandos, a partir dessas indicações, possammelhorar as suas realizações.

Formato: O projecto apresenta um formato de justaposição curricular, sem umnúmero de sessões previstas, nem um tempo determinado para cada sessão tendocomo referência o marco teórico subjacente ao projecto. As 13 cartas, ou apenasalgumas destas, podem ser distribuídas pelo número de sessões que forem julga-das adequadas, exploradas por um psicólogo na consulta individual, por um pro-fessor na sala de aula ou por um educador na sala de estar.

A intervenção que propomos apresenta um formato de justaposiçãocurricular. As 13 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” podem ser traba-lhadas em sessões de uma duração aproximada entre os 60 e os 90

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127Implementar o Projecto

minutos, nas quais é suposto que os alunos leiam as cartas, individual-mente ou em grupo, no caso de não as terem lido previamente, e asdiscutam, trabalhando as estratégias de aprendizagem subjacentes. O nú-mero e a frequência das sessões não estão determinados pelos motivosjá discutidos; o desenho final fica a cargo do educador ou do próprioaluno, de acordo com as constrições concretas da situação. No entanto,para facilitar a aprendizagem, o intervalo entre as sessões de trabalhonão deve ser muito alargado.

Conteúdo: O propósito final deste projecto é formar alunos auto-reguladores dosseus processos de aprendizagem que assumam o controlo da sua aprendizagem.Neste sentido, no projecto são trabalhados quer o racional subjacente ao projecto,quer um repertório de estratégias de auto-regulação da aprendizagem disseminadasnas cartas. São igualmente proporcionadas oportunidades de praticar e aplicar essasestratégias a diferentes tarefas e contextos de aprendizagem, e de reflectir sobre opercurso pessoal de aprendizagem.

As 13 cartas distribuem-se pelas diferentes fases do processo deauto-regulação da aprendizagem e trabalham estratégias de aprendiza-gem, tal como está elencado nas sínteses que acompanham cada uma(cf. quadro 3).

Quadro 3 – Distribuição dos conteúdos e estratégias de auto-regulaçãopelas sessões do projecto

Distibuição das cartas do projecto

Carta zeroSe lerem as cartas com atenção, poderãoentender os sinuosos contornos da minhaexperiência como caloiro na Universidade etestemunhar comigo o acontecido. Boaviagem.

Carta n.º 1Aliás, o que é exactamente adaptar-se bem àUniversidade?

Carta n.º 2Que objectivos tenho? O que é queverdadeiramente guia o meu agir, no meuestudo, na Universidade, nos meus hobbies,no meu desporto, nas relações com os outros,na minha preguiça…?

Conteúdos e estratégias de auto-regulaçãoda aprendizagem trabalhadas

Apresentação dos motivos que levaram oGervásio a escrever as cartas.Reflexão sobre o processo de aprendizagem eo papel de aluno.

Adaptação à Universidade.Organização e gestão de tempo.

Estabelecimento de objectivos.Propriedades dos objectivos (CRAva).Objectivos de curto e de longo prazo.Objectivos de aprendizagem e de realização.

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128 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 3Como posso tirar melhores apontamentos?

Carta n.º 4Sabes como vencer a procrastinação,Gervásio?

Carta n.º 5Porque é que esquecemos?

Carta n.º 6Quem governa a tua aprendizagem? Sabescomo se distinguem os alunos que obtêmsucesso escolar?

Carta n.º 7(…) qual destas afirmações está certa?Carta n.º 8Como se resolvem problemas?Carta n.º 9Conto contigo para o resolver?

Carta n.º 10Como é que consegues ter esta cadeira tãoorganizada? Como é que consegues prepararo exame com tanta intensidade?

Carta n.º 11 (…) o estudo deve ser diferente em função dotipo de exames?

Organização da informação: sumários, esque-mas, mapas de ideias…Tomada de apontamentos.Técnica Cornell.Controlo dos distractores.

Gestão do tempo.Listas CAF (Coisas a Fazer).Estruturação do ambiente.Procrastinação das tarefas.Técnicas de relaxamento.

Modelo de processamento da informação.Memória de curto prazo.Memória de longo prazo.Esquecimento.Instrumentalidade do aprender.

Auto-regulação da aprendizagem.Modelo cíclico da aprendizagem auto-regu-lada. PLEA (Planificação, Execução e Ava-liação).Estabelecimento de objectivos.Monitorização.Volição.

Metodologia de resolução de problemas.Passos da resolução de problemas.Exercícios (problema do leite e do café;problema do Ogre).

Estratégias de preparação para os exames.(gestão do tempo, estabelecimento de objec-tivos, organização da informação…).Revisão das matérias.Questionamento.Realização de exames anteriores.

Estratégias de realização de exames.Tipos de perguntas (exames de resposta deescolha múltipla, curta ou de desenvolvi-mento).Controlo dos distractores.Revisão das respostas.Trabalho de grupo.

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129Implementar o Projecto

Apesar deste desenho musculado, o projecto foi desenhado demodo a possibilitar a escolha das estratégias de aprendizagem a discutircom os alunos, não sendo necessário trabalhar todas nem pela ordemapresentada para garantir a lógica auto-regulatória desta ferramenta. A suanatureza plástica é concorde com os dois eixos do processo de auto-regu-lação da aprendizagem: a escolha e o controlo.

Em resumo, as “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” não apresen-tam uma estrutura de sessões rígidas, nem tempos previstos para desen-volver actividades estipuladas; constituem-se como um móbil para tra-balhar as competências auto-regulatórias na sala de aula, apresentandoum carácter ajustável às velocidades e necessidades dos diferentes lei-tores-autores. Seguidamente, apresentaremos um breve sumário dosconteúdos e das estratégias de aprendizagem discutidas em cada carta ealgumas sugestões de actividades passíveis de serem realizadas a pro-pósito da análise das cartas deste projecto. Como já afirmámos, a leiturae a discussão das cartas não tem de seguir necessariamente a sequênciaproposta nas actividades deste projecto. Esta deve ser construída tendoem atenção as necessidades concretas dos sujeitos-alvo, a sua competên-cia auto-regulatória, proficiência académica, nível de reflexibilidade,objectivos… entre outros factores relevantes para o desenho final da in-tervenção.

Os sumários pretendem sistematizar os conteúdos e as estratégiasde aprendizagem auto-reguladas trabalhados nas diferentes cartas. Assugestões de trabalho, que apresentamos alocadas a cada carta, sãodiversificadas de modo a responder às necessidades diferenciadas dosdiferentes públicos e contextos académicos. A escolha final deve ser deci-dida em função das diferentes constrições em presença – pessoais, instru-tivas, culturais...

Carta n.º 12Afinal, o que é isso da ansiedade face aostestes?

Carta n.º 13Que tal vai o teu estudo, Gervásio?

Ansiedade face aos testes.Dimensões da ansiedade (Preocupação eEmocionalidade).Distractores internos e externos.Plágio e copiar.Técnicas de relaxamento.

Reflexão final sobre o processo de aprendi-zagem percorrido.

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130 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Avaliação: A avaliação dos produtos desta intervenção de promoção de competên-cias de auto-regulação da aprendizagem deve ser coerente com os objectivos, apopulação e o formato escolhidos. A equipa de investigação que desenhou a ferra-menta “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” construiu questionários e instrumentosde avaliação dos processos de auto-regulação e das abordagens dos alunos à apren-dizagem na Universidade que podem ser solicitados ao coordenador do projectoapenas para fins de investigação.

Na linha do já enunciado, reforçamos a ideia de que as “Cartas doGervásio ao Seu Umbigo” não são um programa fechado de promoçãodas competências de auto-regulação da aprendizagem, pelo que os edu-cadores que se sentirem motivados para trabalhar as “Cartas” deverãosentir-se estimulados a desenvolver outros sumários, outras actividades,outros materiais e abordagens de análise dos conteúdos, respeitando,sempre, as linhas de força que pautam este projecto de promoção da auto--regulação: a escolha e controlo do próprio processo de aprendizagem àluz do marco teórico sociocognitivo.

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131Propostas de Actividades

PROPOSTA DE ACTIVIDADES

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132 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

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133Propostas de Actividades

Carta zeroSe lerem as cartas com atenção, poderão entender os sinupsoscontornos da minha experiência como caloiro na Universidade

e testemunhar comigo o acontecido. Boa viagem.

Sumário:1. Breve apresentação dos motivos que levaram o Gervásio a escre-

ver ao seu Umbigo.

Proposta de actividades:1. Tópicos para discussão:

a. “Percebi, à minha custa, que aprender não é algo que aconte-ce aos alunos, é algo que acontece por mão dos alunos.”

b. “É preciso conseguir colocar a bala onde o olho aponta, masé mais fácil dizer do que fazer.”

c. “(…) aprendi no final desta primeira etapa do meu percursoacadémico que, para o resultado final, o que o aluno faz émuito mais importante do que o papel desempenhado peloprofessor e pelas estruturas móveis e imóveis da Universi-dade.”

d. “Se lerem as cartas com atenção, poderão entender os sinuososcontornos da minha experiência na Universidade e testemu-nhar comigo o acontecido. No fundo, no fundo, talvez estasreflexões não sejam assim tão diferentes das de tantos outrosque estão pela primeira vez na Universidade, possivelmentedas vossas?”

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134 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 1Aliás, o que é exactamente adaptar-se bem à Universidade?

Sumário:1) No processo de adaptação à Universidade é importante partici-

par nas actividades de boas-vindas organizadas e procurar infor-mação que facilite o processo.

2) Qualquer processo de adaptação implica mudança e algum des-conforto inicial. Esse processo pode ser facilitado com a ajudados diferentes serviços de apoio da Universidade, mas tambématravés da adequada planificação das actividades e antecipaçãode consequências.

3) A organização do tempo é uma estratégia de aprendizagem fun-damental para o sucesso escolar dos alunos na Universidade.

4) O estabelecimento de horários, não só incluindo o tempo de aulas,mas também o tempo de estudo, o tempo para realizar traba-lhos, pesquisas e também o dedicado às demais tarefas de vida,deve ser actualizado cada semana.

Propostas de actividades:1. Listar os 5 Óscares das “questões-problema” que afectam os

alunos no seu processo de adaptação à Universidade e respecti-vas sugestões para lidar com os mesmos.

2. Elencar 5 “elogios” no processo de acolhimento realizado pelaUniversidade e/ou pelo Departamento. Comunicá-los à comis-são de praxe, comissão de curso, associação de estudantes, rei-toria…

3. Elencar 5 “assobios” no processo de acolhimento realizado pelaUniversidade e/ou pelo Departamento. Comunicá-los à comis-são de praxe, comissão de curso, associação de estudantes, rei-toria…

4. Realizar uma breve consulta/entrevista a um aluno, que não do1.º ano, recolhendo “As 5 sugestões que eu daria a um caloiro.”

5. Escrever uma carta a um caloiro a partir da experiência pessoalde adaptação à Universidade.

6. Colocar um anúncio de jornal “pedindo” um caloiro para umcurso à escolha. Elencar um conjunto de características e com-portamentos desejáveis para conseguir o lugar.

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135Propostas de Actividades

7. Tópicos para discussão:a. “Nas primeiras saídas e encontros tenho avaliado cuidadosa-

mente os caloiros que me rodeiam e calculado as minhaspossibilidades de ser aceite no grupo e por quem. Conseguireiintegrar-me bem? Conseguirei fazer amigos? Poderei mos-trar-me tal como sou? Serão todos melhores alunos do queeu? Conseguirei chegar ao fim? Terei muito sucesso? Os outrosalunos também pensam nisto, ou sou o único cliente destasideias claustrofóbicas? Estas perguntas assassinas deixam-meexausto e com o estômago massajado por picantíssimos mo-lhos mexicanos ”

b. “Sinto cada vez mais a falta de tudo o que eu sempre dei porgarantido, e ao qual nunca liguei demasiado. É estranho terde perder para valorizar.”

c. “Depois de alguns momentos de desconforto, mas tambémde outros de enorme gozo, pude ver que, de uma maneira oude outra, todos estamos a viver uma mudança. Não há adap-tómetros de validade universal e não é possível prever quemse pode adaptar melhor. Aliás, o que é exactamente adaptar-se bem à Universidade? “

d. “Conjugar tudo o que tenho para fazer é um grande desafio.”e. “Com tantos distractores quem é que consegue estar concen-

trado e estudar?”8. Realizar um horário geral para o semestre, mas ensaiar uma

actualização para a(s) semana(s) seguinte(s).a. Analisar o tempo gasto nas diferentes actividades, mas tam-

bém o tempo perdido.b. Quantificar o tempo de estudo e compará-lo com o tempo

gasto nas demais actividades. Retirar consequências.c. Listar alguns dos obstáculos à concretização do horário, mas

também algumas sugestões para os eliminar.d. Porquê planificar, programar a gestão do tempo? Listar prós

e contras.

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136 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 2Que objectivos tenho? O que é que verdadeiramente guia o meu

agir, no meu estudo, na Universidade, nos meus hobbies, no meu des-porto, nas relações com os outros, na minha preguiça…?

Sumário:1. Os objectivos guiam e energizam o comportamento; podem ser

caracterizados como o que o sujeito deseja conscientementealcançar.

2. Os objectivos influenciam a motivação e a aprendizagem, ori-entando e dirigindo os comportamentos.

3. Todos os comportamentos são guiados por objectivos, a suaeficácia depende da intencionalização.

4. CRAva (Concretos, Realistas, Avaliáveis): acrónimo que resumeas três propriedades dos objectivos que influenciam a motiva-ção e a centração na tarefa.

5. Passos para o estabelecimento de um objectivo:a. Identificação de um objectivo;b. Estabelecimento do plano para o alcançar;c. Implementação de um plano;d. Monitorização dos progressos;e. Avaliação do resultado.

6. Os objectivos de longo prazo devem ser fatiados em objectivosde curto prazo para facilitar a sua operacionalização e concre-tização.

7. É importante elencar e priorizar os múltiplos objectivos queguiam a nossa vida.

8. Os objectivos podem estar orientados para a mestria. Os alu-nos que estabelecem este tipo de objectivos procuram desen-volver competências, melhorar o seu trabalho e aprender, com-parando-se sempre consigo próprios. Os objectivos tambémpodem estar orientados para a realização, o que significa afocalização na demonstração pública de competência por com-paração com os demais, esforçando-se por evitar o fracasso.

9. Uma vez desenhados os objectivos e o plano concreto de reali-zação, é importante antecipar os obstáculos que possam difi-cultar o cumprimento dos objectivos.

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137Propostas de Actividades

10. Após listar estes obstáculos, é importante pensar em estraté-gias que possam ultrapassá-los.

11. Os objectivos influenciam a realização de cinco modos (Locke& Latham, 1990):a. Esforço – Os objectivos dirigem o comportamento e o esforço

do sujeito no sentido de os alcançar.b. Duração e persistência – Um objectivo ajuda o sujeito a diri-

gir e a manter os seus recursos nesse sentido até o alcançar.c. Direcção da atenção – O estabelecimento de um objectivo

ajuda à centração na tarefa e a combater os distractores quecompetem com a realização da tarefa.

d. Planeamento estratégico – Um objectivo encoraja o estabe-lecimento de um plano concreto para o alcançar.

e. Ponto de referência – Quando o “ponto de chegada” estáreferenciado e o sujeito recebe feedback sobre a sua locali-zação pode decidir o que fazer para o alcançar.

Propostas de actividades:1. Discutir o conceito de objectivo.

a. “um objectivo é aquilo que os alunos desejam consciente-mente alcançar, e que, por isso, dirige o seu comportamento.Os objectivos podem estar orientados para a mestria (…)Mas, os objectivos também podem estar orientados para arealização...”

2. Pensar numa tarefa concreta e num objectivo determinado rela-cionado com a mesma, e atribuir a cada passo do estabeleci-mento de um objectivo uma notação de 1 (pouca) a 5 (muita)de acordo com a dificuldade na sua execução. Elencar solu-ções para as diferentes dificuldades encontradas.

3. Listar alguns objectivos que os alunos desejem alcançar navida/na Universidade. Seguindo o critério CRAva (os objectivostêm de ser concretos, realistas e avaliáveis), estabelecer 4 objec-tivos que respeitem esta estrutura, não exclusivamente rela-cionados com a dimensão académica.

4. Desenhar objectivos de longo prazo relacionados com a apren-dizagem, com a carreira, com a vida pessoal, com o desporto,com o lazer… e, para cada um, estabelecer 1 ou 2 objectivosproximais.

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138 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

5. Listar alguns exemplos de objectivos de mestria e de realiza-ção na aprendizagem na Universidade.

6. Face aos objectivos identificados (ou a outros) estabelecer umapriorização.

7. Para cada um destes objectivos elencar os possíveis obstácu-los, mas também algumas estratégias para os ultrapassar.

8. “Se as nossas actividades forem guiadas pelos nossos valores,sentiremos a satisfação que advém de sermos bem sucedidosnaquilo que significa muito para nós.” (In Carta do Gervásio“não” publicada). Comentar.

9. Escolher um valor que oriente a vida pessoal e discutir em quemedida os objectivos de médio e de longo prazo, nesse domí-nio, estão alinhados com esse valor. Desenhar um plano paraos alinhar.

10. Elaborar uma lista de 5 princípios da “tirania do se” que mi-nam o investimento na tarefa. Discutir os resultados encontra-dos com os demais alunos.

11. “Que conselhos daria a um professor para ajudar os alunos notópico: estabelecimento de objectivos…”

12. Discutir a moral da história do tigre e da tartaruga.13. Tópicos para discussão:

a. “Estou farto de saber o que é um objectivo, mas defini-lo,naquela mesa superpovoada de neurónios ávidos, foi dificí-limo.”

b. “(…) parece que podemos olhar para tudo o que nos acon-tece com óculos de desafio ou de ameaça. Como resultado,o que finalmente fazemos na vida depende bastante do lookescolhido.”

c. “Sei que devo combater ferozmente os distractores internose externos, que, como me explicaram aqueles doutos cole-gas, é tudo aquilo que vindo de dentro ou de fora desviaa minha moribunda atenção das tarefas escolares, mas eusou definitivamente um homem de paz, o que é que possofazer?”

d. “Que objectivos tenho? O que é que verdadeiramente guiao meu agir, no meu estudo, na Universidade, nos meushobbies, no meu desporto, nas relações com os outros, naminha preguiça…?”

e. “E se os meus objectivos falassem, o que é que me diriam?”

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139Propostas de Actividades

f. Tentar responder a algumas destas questões:“Porque é que nem sempre estudamos como devemos?”;“O que é que se esconde atrás de um não querer?” “Porqueé que só estudamos na época de exames?”; “Porque é queum fracasso nem sempre nos imobiliza? “Porque é queumas vezes cerramos os dentes e estudamos como uns de-salmados, e noutras enjoamos só com a ideia?”

g. “(…) quando metemos na cabeça que não somos capazesde fazer o que quer que seja, mesmo que todos consideremque podemos conseguir, o fracasso está perto.”

h. “Dizem-me que há tempo para assistir às aulas, estudar, servoluntário, fazer desporto, conviver e ter boas notas, humm!Ainda não descobri bem como, mas deve ser possível, pelomenos eu quero acreditar que sim…”

i. “Preto no branco, os objectivos guiam e empurram os nos-sos comportamentos, mas não chega, é preciso que a von-tade ajude, que a vontade queira. Será que é possível darcorda ao relógio da vontade? Ajuda precisa-se!”

Carta n.º 3Como posso tirar melhores apontamentos?

Sumário:1. Os leitores proficientes:

a. Recorrem a estratégias de aprendizagem para promover oincremento da compreensão do material aprendido,

b. Estabelecem metas para as suas leituras de acordo com osseus objectivos;

c. Organizam os conteúdos e o material de aprendizagemconstruindo um significado pessoal;

d. Monitorizam a qualidade da sua compreensão à medida quelêem.

2. Sublinhados, sumários, esquemas e mapas de ideias são exem-plos de estratégias de aprendizagem que visam organizar etransformar o material de aprendizagem, exigindo um papelactivo do aluno.

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140 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

3. Elaborar questões durante a leitura, orienta a atenção no sen-tido de encontrar as respostas e ajuda a aumentar a qualidadeda compreensão.

4. Sublinhar os textos à medida que se vai lendo não é uma estra-tégia efectiva de aprendizagem. Sublinhar é um processo detomada de decisão, configura uma escolha sobre o que é nu-clear na informação e o que é acessório.

5. Tirar apontamentos envolve actividade em três momentos: antes,durante e depois da aula ou de uma conferência, mas tambémantes, durante e depois da leitura de um texto ou do visiona-mento de um filme.

6. A tomada de apontamentos apresenta duas funções principais:a. Processo. Concentração da atenção no material com o fim

de compreender o fio condutor da exposição, da narraçãoou da acção presenciada.

b. Produto. Realização dos apontamentos e sua utilizaçãocomo uma ferramenta para a organização e posterior revi-são da informação.

7. Na tomada de apontamentos é fundamental estar atento aossinais do professor que calibram a importância da informação.

8. No processo de tomada de apontamentos (aulas, workshop,documentários, texto lido) não se deve escrever tudo o que seouve/lê, mas sim tomar notas com palavras próprias, se neces-sário, recorrendo a abreviaturas.

9. É fundamental conhecer e controlar os distractores internos eexternos que competem com a tomada de apontamentos.

10. Para tomar apontamentos pode ajudar:a. Escrever questões-espelho a que os apontamentos/notas

pessoais respondam.b. Escrever um sumário que descreva o tema ou as ideias prin-

cipais da aula/capítulo/documentário.c. Usar a técnica Cornell e apontar dúvidas ou inconsistências

dos apontamentos para esclarecimento posterior com o pro-fessor ou com os colegas.

11. Depois da aula, logo que possível, é importante corrigir osapontamentos e completá-los.

Propostas de actividades:1. Logo que possível, depois de terminada a narração do caso do

“livro roubado na livraria”, elaborar um breve questionário (V, F)

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141Propostas de Actividades

com 10 questões sobre o conteúdo do caso, e apresentá-lo aosalunos. A partir dos resultados, retirar implicações para a prática.

2. Discutir as vantagens e as desvantagens de tirar fotocópias dosapontamentos de colegas.

3. Discutir diferenças entre a tomada de apontamentos numaaula, no estudo pessoal, a partir de livros/manuais de consulta,de um filme, numa workshop, num trabalho de pesquisa…

4. Elaborar uma lista de obstáculos à tomada de apontamentos.Caracterizar a natureza do tema escolhido, mas também o for-mato e o contexto onde a informação é veiculada.

5. Elaborar uma lista de 5 sugestões que melhorem a leccionaçãodos professores e favoreçam a tomada de apontamentos.

6. Elencar uma lista de conselhos para estar atento nas aulas.7. Analisar os seguintes comentários de alunos do 1.º ano:

a. “Que estratégias posso utilizar para melhorar a minha com-preensão leitora?”

b. “Devo gravar as aulas e depois transcrever os conteúdos?”c. “Os professores falam tão rápido que não os consigo acom-

panhar, o que devo fazer?”d. “Escrevo mal e com alguns erros ortográficos, o que não

me facilita a tomada de apontamentos, o que posso fazer?”8. Listar os principais distractores que competem com a tomada

de apontamentos e as respectivas sugestões.a. “a lista dos meus distractores de estimação inclui…”

9. Treinar a elaboração de questões-espelho a partir de um texto,de um manual, de um artigo de jornal ou de uma história.

10. Fazer um sublinhado de um pequeno excerto da carta n.º 3 e, apartir daí,a. Realizar um esquema ou um mapa de ideias com as ideias

principais.b. Comparar e discutir os diferentes resultados.

11. Tirar fotocópias e comparar alguns apontamentos de diversosalunos tirados na mesma aula, analisando a legibilidade, a orga-nização a compreensão e a substância dos mesmos. No final,retirar consequências.

12. Realizar um breve diário de bordo, o mais exaustivo e expe-riencial possível, sobre:a. Tomada de apontamentos durante uma determinada aula.

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142 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

b. Tomada de apontamentos e estudo pessoal de uma determi-nada matéria.Nota: Se fosse possível comparar os “diários” referentes à mesma aula

ou ao estudo da mesma matéria, facilitaria a discussão.

13. Tendo em consideração a carta/tema escolhido como referên-cia, elaborar os tópicos de uma possível carta-resposta do Um-bigo.

14. Discutir e completar o quadro apresentado na carta sobre as“dicas para tomar apontamentos”.

15. Tópicos para discussão:a. Resolver o caso do livro roubado (o cliente referiu que tinha

comprado o livro por um preço inferior ao que estava na loja, como na

prateleira da loja não estava nenhum livro, como poderia o cliente saber

essa informação? Sabendo nós que só havia um exemplar, o cliente estava

a mentir.)

b. Função da estratégia de tomada de apontamentos:“Explicaram-nos que tomar apontamentos nos empurra aassistir às aulas com mais atenção fazendo um esforço paracompreender o fio condutor da exposição, e também contri-bui para armazenar a informação para os testes e provas deavaliação.”

c. “os apontamentos da aula também ajudam na organizaçãodo estudo, sobretudo se completados com notas suplemen-tares tomadas de livros ou manuais.”

d. “Como posso tirar melhores apontamentos?”e. “valor instrutivo do erro”…f. “Eu quero, a minha vontade não tem é força.”

Carta n.º 4Sabes como vencer a procrastinação, Gervásio?

Sumário:1. Os sujeitos podem assumir o controlo das suas vidas começando

por controlar o seu tempo.2. Os alunos que gerem mais eficazmente o seu tempo apresentam

melhores resultados académicos.

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143Propostas de Actividades

3. Tomar consciência do tempo gasto e do tempo perdido, numdia, numa semana, num semestre…, é fundamental para tomardecisões.

4. A alocação do tempo às tarefas do dia-a-dia deve ter em consi-deração a priorização dos objectivos.

5. Um dos problemas principais na gestão do tempo é a baixacompetência dos sujeitos na priorização das tarefas.

6. Para gerir o tempo é importante estabelecer um horário de aulas,mas também um plano, o mais abrangente possível, de tarefasa realizar em cada semana.

7. Realizar listas CAF (Coisas a Fazer) pode ser um bom auxiliarpara uma correcta gestão do tempo.

8. Os alunos mais proficientes reestruturam o seu ambiente físicoe social.

9. Os alunos devem conhecer os seus principais distractores inter-nos e externos e actuar para que estes não comprometam a rea-lização da tarefa.

10. A procrastinação é o adiamento sucessivo das tarefas e estárelacionada com um padrão de baixo controlo associado a umamá gestão do tempo, incompetência volitiva e irresponsabili-dade; mas também a um padrão de evitamento associado aomedo de falhar e à ansiedade.

11. Para lidar com a procrastinação, podem ser utilizadas algumasestratégias tais como: melhorar a gestão do tempo, aumentar aatenção e a concentração na tarefa, dividir os objectivos distaisem proximais que permitem um feedback atempado, reduçãoda ansiedade, modificação do padrão dos pensamentos irra-cionais.

Propostas de actividades:1. Listar:

a. As três actividades onde os alunos gastam mais tempo (ex-cluir o dormir).

b. As três actividades onde os alunos perdem mais tempo.c. Retirar consequências a partir dos dados encontrados, dis-

cutindo as diferenças entre “gastar” e “perder”.2. “5 minutos não dá para nada.” Listar um conjunto de activi-

dades que é possível realizar em 5 e em 15 minutos.

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144 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

3. Discutir estratégias de gestão do tempo:a. “ouvi falar da importância da gestão de tempo, das listas

CAF (listas de Coisas a Fazer) e da necessidade de priorizaras actividades para aumentar a eficácia e diminuir o desper-dício de tempo, mas não lhes dei grande atenção…”

b. realizar horários semanais/diários.c. para uma determinada tarefa, ensaiar o estabelecimento de

um dead-line a fim de aumentar o comprometimento com atarefa, e treinar o estabelecimento de objectivos proximais.

4. Identificar os 5 argumentos mais frequentes para procrastinar noestudo pessoal e na realização de tarefas escolares. Elencar acontra-argumentação para cada um deles.

5. Identificar os 5 principais distractores internos e externos queperturbam a aprendizagem e o estudo e sugerir formas de lidarcom os mesmos de modo a aumentar a centração na tarefa.

6. Reflectir sobre:a. os diferentes ditados populares utilizados pelo Umbigo:

i. “Quem não alimenta o cão, alimenta o ladrão.”ii. “Enquanto não for amanhã, desconheceremos os benefí-

cios do presente.”iii. “O vazio de um dia perdido nunca será preenchido.”iv. “Calma! Com o tempo, a erva torna-se leite.”

b. Elaborar uma lista com outros ditados populares que possamilustrar os temas e conteúdos da auto-regulação da aprendiza-gem. Por exemplo:i. Ao homem de esforço a fortuna lhe põe ombro.

ii. Barco parado não faz viagem…7. Tópicos para discussão:

a. “Atribuir sempre as causas de tudo o que não te corre bem aalguém ou a alguma coisa pode fazer bem ao teu ego pala-ciano, mas atrasa a resolução dos problemas.”

b. “Talvez algo possa mudar se assumires a responsabilidadepelo teu agir… Não te parece?”

c. “O que te acontece hoje foi escrito ontem. Entendes? Se per-deres mais esta oportunidade de tentar perceber porque é queo caos insiste em ocupar tanto espaço na tua vida, perdes ofoco.”

d. “Procrastinar significa o adiamento sucessivo das tarefas.Podemos evitar as tarefas porque suspeitamos que podemos

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145Propostas de Actividades

falhar, porque somos perfeccionistas e nunca estamos satis-feitos com o que fazemos, por falta de hábitos de trabalho,por desorganização, porque, porque, porque…”

e. “Sabes como vencer a procrastinação,________?”

Carta n.º 5(…) Porque é que esquecemos?

Sumário:1. O modelo de processamento da informação descreve como os

sujeitos obtêm, transformam, armazenam e aplicam a informa-ção.

2. A memória é um sistema que armazena blocos de informaçãoque pode ser utilizada posteriormente.

3. Estruturalmente, a memória é constituída por vários sistemas:inclui a memória sensorial, a memória de curto e a memória delongo prazo.

4. Não pode haver aprendizagem sem focalização da atenção.5. Sugestões para melhorar a atenção:

a. Pratica. Esforça-te por concentrar a atenção nas tarefas e nãosó no contexto académico.

b. Reduz a competição de tarefas secundárias com a tarefa prin-cipal. Prioriza e põe ordem nos pensamentos e acções que te“afastam” da realização da tarefa.

c. Combate os distractores internos e externos.d. Estuda/trabalha num ambiente que favoreça o trabalho, se

necessário, modifica-o.e. Faz intervalos para recarregar energia, evitando a dispersão

da atenção.f. Descansa e alimenta-te convenientemente.

6. A aprendizagem envolve o armazenamento da informação namemória de longo prazo.

7. A informação é armazenada na memória de longo prazo atravésda relação entre significados. Para incrementar o poder da memó-ria, é fundamental relacionar a nova informação com o que já seconhece.

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146 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

8. A aprendizagem significativa – na qual as informações e con-teúdos estão ligados com um nexo, e não apenas justapostas –facilita quer o armazenamento, quer a posterior recuperação dainformação.

9. Para manter a informação na memória de curto prazo bastarepetir a informação sem interrupção, mas para a enviar para amemória de longo prazo, é necessário recorrer a estratégias deelaboração que ajudem a ligar a informação a outros conteúdosjá residentes na memória de longo prazo.

10. As estratégias de organização da informação e elaboração dainformação incluem esquemas, mapas de ideias, mnemónicas,acrónimos, paráfrases, analogias, sumarizações, explicações equestionamento.

11. A forma como a informação é organizada e elaborada influen-cia a qualidade do processamento da memória, uma vez que édifícil compreender um material de aprendizagem confuso edesorganizado.

12. Para melhorar o funcionamento da memória:a. Agrupa a informação solta em unidades com significado.b. Codifica significativamente a informação organizando o

material, ligando-o a conceitos sólidos na rede semânticada memória de longo prazo.

c. Estabelece redes familiares. O princípio é simples: quantomelhor dominares um tema, mais fácil é aprender e recor-dar.

d. Recorre a pistas. Quanto mais pistas conseguires estabele-cer entre o material a aprender e o contexto onde a aprendi-zagem ocorreu, mais fácil será estabelecer uma ligação erecordar esse material.

Propostas de actividades:1. Qual é a diferença entre memorizar de cor e memorizar com-

preensivamente? Como é que os alunos podem promover estaúltima?

2. Que estratégias podem facilitar a aprendizagem e a atenção?Nas aulas? No estudo pessoal? Na realização de uma experiên-cia? Na biblioteca? Num trabalho de projecto?

3. Tenta fixar este número: 19141918193919451143 durante unssegundos, depois tenta escrevê-lo. Discutir as diferentes

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147Propostas de Actividades

estratégias utilizadas pelos alunos. Por exemplo, pensar nasdatas de início e final das duas grandes guerras e por fim o anodo tratado de Zamora.

4. Para testar a atenção dividida, realizar a seguinte tarefa:a. “Durante 1 minuto escreve a letra de uma canção ou um

poema que conheças de cor. No minuto seguinte continua aescrever o texto, mas simultaneamente canta uma canção.No final, regista o n.º de palavras escritas em cada um dosmomentos.” Retirar ilações para o estudo pessoal.

5. Listar as diferentes estratégias de organização da informaçãoutilizadas pelos alunos. Comparar e discutir as vantagens e asdesvantagens na utilização de cada uma delas.

6. Listar acrónimos conhecidos. Construir um novo, aplicado aum conteúdo concreto do domínio de estudo dos alunos.

7. “Como é que a informação transita da memória de curto prazopara a memória de longo prazo?”

8. Estudar um pequeno texto/páginas de um manual relacionadocom uma matéria familiar aos alunos e, no final, discutir asestratégias para memorizar a informação utilizadas pelos alunos.

9. “Porque é que esquecemos?” discutir algumas estratégias eimplicações para o estudo pessoal.

10. Realizar um hand-out sobre o funcionamento da memória esuas implicações no sucesso escolar para distribuir aos alunosdo 1.º ano.

11. Tópicos para discussão:a. “Mas, talvez o aspecto mais importante seja que estás a

reflectir sobre o teu aprender tentando melhorar, e isso éum bom sinal.

b. “Quanto mais leres, melhor leitor te tornas, e um melhorleitor expressa-se e escreve com mais desembaraço, apren-dendo mais e melhor. Mas não basta apenas dizê-lo, é pre-ciso vivê-lo.”

c. “A aplicabilidade do que aprendes ajuda a desemperrar atua força de vontade para estudar, mas a tirania do «para quê»pode ser perigosa: se os resultados obtidos, se as notas já techegam, para quê fazer mais e melhor?” (reflectir sobre atirania da instrumentalidade).

d. “Porquê estudar?”

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148 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

e. “Os alunos sabem o que querem, mas nem sempre o queprecisam de fazer para o alcançar. Academicamente falando,conheces os teus pontos fortes? As tuas lacunas? Porquê ecomo colmatá-las? Pensas no que é melhor para ti próprio,antecipando consequências? Porquê estudar?”

Carta n.º 6Quem governa a tua aprendizagem? Sabes como se distinguem

os alunos que obtêm sucesso escolar?

Sumário:1. A auto-regulação assume, como pressuposto básico, que os alu-

nos podem regular ou aprender a regular activamente a suacognição, a sua motivação e o seu comportamento. Estes pro-cessos auto-regulatórios capacitam os alunos para alcançaremos seus objectivos, melhorando simultaneamente o seu rendi-mento académico.

2. A auto-regulação da aprendizagem subsume os conceitos demotivação e cognição enfatizando a sua interrelação. Apresentaum carácter motor sublinhando a agência do sujeito como umacondição para a realização escolar.

3. O projecto “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo” está ancoradono modelo sociocognitivo e está desenhado em torno de ummodelo cíclico: o PLEA (Planificação, Execução e Avaliação).a. A fase da planificação ocorre quando os alunos analisam a

tarefa específica de aprendizagem com a qual se defrontam.Esta análise envolve o estudo dos seus recursos pessoais eambientais para enfrentar a tarefa, o estabelecimento de objec-tivos face à tarefa e um plano para reduzir a distância que ossepara da meta final.

b. A fase de execução da tarefa refere-se à implementação daestratégia para atingir a meta desenhada. Os alunos utilizamum conjunto organizado de estratégias e automonitorizam asua eficácia tendo em vista o alcance da meta estabelecida.

c. A fase de avaliação tem lugar quando o aluno analisa a rela-ção entre o produto da aprendizagem e a meta estabelecida

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149Propostas de Actividades

para si próprio. O núcleo fundamental desta fase do processoauto-regulatório não se centra na mera constatação de even-tuais discrepâncias, mas sim no redesenho de estratégias quepossam diminuir essa distância e atingir o objectivo marcado.

d. A natureza deste modelo sugere-nos, ainda, que cada umadas fases descritas e respectivas tarefas, seja analisada deacordo com o guião cíclico que constitui o seu cerne.

4. Os alunos proficientes assumem o controlo do seu processo deaprendizagem:a. Estabelecem objectivos de longo prazo e fatiam-nos em objec-

tivos de curto prazo que dirigem efectivamente o seu com-portamento.

b. Planificam e organizam o seu estudo. Não adiam a realizaçãodas tarefas para o último minuto e, atempadamente, alocamtempo suficiente para as diferentes tarefas de estudo: pesqui-sar, ler, redigir trabalhos, realizar projectos…

c. Não esperam que lhes digam o que fazer: assumem a respon-sabilidade e o governo da sua aprendizagem. Elaboram umplano para o seu estudo tendo em conta os seus recursos, adificuldade da tarefa e o tempo disponível. No final destafase, estabelecem objectivos claros que orientam o seu agir.

d. Protegem o seu trabalho dos distractores que os desviam dasua tarefa. Escolhem os locais para trabalhar e estudar e, senecessário, alteram-nos, desligando a música, o telemóvel,refrescando ou aquecendo o ambiente…

e. Quando estudam tentam identificar as ideias principais dostextos. Para tal recorrem à elaboração de questões, ao subli-nhado ou a pequenos resumos que os ajudam na concentra-ção da atenção, mas também nas revisões finais.

f. Antes das avaliações, revêem as matérias procurando testar asolidez das ligações entre os conteúdos estudados. Tentamantecipar perguntas que podem sair nos exames, completamtestes anteriores, e realizam exercícios para testar a solidezdos seus conhecimentos.

5. No processo de desenvolvimento da proficiência é importanteque o próprio desenvolva a competência para monitorizar o conhe-cimento, reconhecendo o nível de (in)compreensão das matériase actuando sobre esse dado.

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150 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

6. Ser bom/mau aluno não é uma inevitabilidade genética. As pes-soas não nascem bons alunos, aprendem a sê-lo.

Propostas de actividades:1. O que preciso de fazer para mudar o meu comportamento esco-

lar?2. Treinar a “regra do passo seguinte” (tudo o que fazemos tem

repercussões a curto, a médio e a longo prazo), aplicando-a aactividades escolares, mas também a outras relacionadas com asaúde ou os relacionamentos sociais.

3. Analisar as máximas do General Regulator:a. “Passo primeiro: Planificar

i. “Pensar antes ajuda no depois”, é o principal aliado dosverdadeiros estrategas, a primeira lança de qualquer con-tenda ou batalha.

ii. Todo o acto tem um amanhecer. Se quiserdes conhecer omotivo de um entardecer pobre e desalinhado questionaio seu atarantado amanhecer.

iii. Tudo isto parece difícil no início, mas tudo o que é ver-dadeiramente valioso tem um inclinado começar.

b. Passo segundo: a Execuçãoi. O plano de ataque à tarefa tem de ser concretizável,

tem de ser realista, tem de ser exequível.ii. Correr muito não basta para assegurar a vitória, sobre-

tudo se o atleta correr no sentido contrário da pista…iii. Antecipar consequências dos actos a curto, médio e

longo prazo é o segredo de qualquer estratega.iv. O domínio da aplicação das estratégias de aprendiza-

gem exige uma prática persistente.v. Não há grandes louvores sem grandes dores.

vi. Desconfiai do sucesso demasiado fácil, tem a duraçãode um pau de fósforo.

vii. Deveis defender os vossos recursos do que vos afastado objectivo. Protegei o vosso trabalho de tudo o queatrasa o realizar: a desgana, a desordem, o perfeccio-nismo, o capricho, a exaustão…

viii. Protegei-vos dos distractores externos; do que, vindo defora, vos afasta das tarefas – conversas fúteis, saídas

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151Propostas de Actividades

extra, ruídos estridentes… –, mas também dos distrac-tores internos, do que, vindo de dentro, vos atrasa –imaginação desenfreada, medos, desejos, angústias…

ix. Na guerra, como no estudo, quem não acredita verdadei-ramente que pode ganhar está a um passo de fracassar.

x. O destino está nas nossas mãos, mas mãos desossadasdeixam escapar tudo o que lhes surja!

xi. Monitorizar os nossos passos, saber se estamos a exe-cutar o previsto e no tempo previsto, evita surpresas desa-gradáveis.

xii. Querer é importante, mas o agir tem de o seguir para ofinal poder sorrir.

xiii. Um precipício não se ultrapassa em dois movimentos,há sempre consequências em cada decisão.

c. Passo terceiro: a Avaliaçãoi. A avaliação é o passo final do processo auto-regula-

tório. Deveis avaliar não só o produto final expresso nanota do exame, de um relatório, de uma avaliação deum portfólio ou de um trabalho de projecto, mas tam-bém, e sobretudo, o processo de realização, analisandodetalhadamente cada um dos passos que conduziram aoresultado.

ii. O principal inimigo, a maior parte das vezes, vive escon-dido dentro de nós e não fora. Só o escutamos se avaliar-mos o nosso agir com a devida calma e silêncio.

iii. Tende sempre presente o conselho dos romanos: “si vispacem para bellum”, se queres a paz, prepara a guerra,mas a única guerra que interessa fomentar: a interior.É importante avaliar e retirar consequências.

iv. Um dia aniquilado não volta a existir. Auto-regular éassumir deliberadamente o governo do nosso agir.

v. Encobrir o erro é errar outra vez.”4. Se existisse um Almirante (Des)Regulator que conselhos daria

aos seus marujos.5. Analisar e reflectir sobre as seguintes questões de alunos do 1.º

ano:i. “Que preciso de fazer para desenvolver a minha auto-

regulação da aprendizagem?”

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152 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

ii. “Que dificuldades antecipo no processo de auto-regulação daminha aprendizagem?”

6. Realizar um diário de bordo, durante dois ou três períodos detrabalho, sobre o estudo pessoal. Discutir pontos fortes e fragili-dades no sentido do incremento da proficiência.

7. Como podem os professores/pais/amigos ajudar no desenvolvi-mento da “minha” auto-regulação da aprendizagem?

8. Tópicos para discussão:a. “Quem governa a tua aprendizagem?”b. “(…) Como se distinguem dos demais os alunos que obtêm

sucesso escolar?”c. “Ser bom aluno não é uma inevitabilidade genética. As pes-

soas não nascem bons alunos, aprendem a sê-lo.”

Carta n.º 7qual destas afirmações está certa?

Carta n.º 8Como se resolvem problemas?

Carta n.º 9Conto contigo para o resolver?

Sumário:1. Pensar é uma competência que pode ser desenvolvida com um

esforço deliberado e contínuo.2. A força de uma argumentação válida está intimamente relacio-

nada com a força da premissa mais fraca do argumento.3. O processo auto-regulatório é um aspecto importante da resolu-

ção de problemas. Apresentamos alguns tópicos:a. Planeamento e estabelecimento de objectivos parciais;b. Compreender as componentes do problema ajuda a dividir o

problema em partes e a estabelecer objectivos parciais;c. Os conhecimentos prévios são fundamentais;

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153Propostas de Actividades

d. O problema deve ser reformulado de modo que se torne fa-miliar. Um aluno auto-regulador encara os novos problemasa partir de uma base que lhe seja familiar;

e. Monitorizar os diferentes passos seguidos ajuda a não come-ter erros;

f. Não basta fazer planos, é preciso confirmar se estão a ser pos-tos em prática e se as estratégias seguidas são as mais ade-quadas;

g. Um aluno auto-regulador pede ajuda quer para compreendero enunciado, quer para ultrapassar alguma dificuldade que oestá a imobilizar.

4. Passos para resolver problemas:a. Identificar o problema;b. Reconhecer a importância do problema;c. Produzir soluções alternativas;d. Avaliar as alternativas produzidas;e. Colocar a solução em prática.

5. Para desenvolver as competências de resolução de problemas éimportante:a. Juntar informação que possa ajudar a decidir;b. Olhar para a questão de um ângulo diferente;c. Tentar dividir o problema nas suas partes, detendo-se nos deta-

lhes;d. Ser flexível no pensamento,

i. Produzindo o maior número de alternativas de respostapossível.

ii. Tentando mudar a abordagem seguida até ao momento.iii. Discutindo as ideias com outras pessoas; novos olhares

podem ajudar.e. Praticar o processo de tomada de decisões.f. Estabelecer os seus objectivos.g. Olhar atentamente e tentar ver aspectos a que nunca tinha

dado importância.h. Tentar manter uma abertura à mudança.i. Pensar em oportunidades de aproveitar os aspectos negativos

a seu favor.

Propostas de actividades:1. Discutir as diferentes soluções apresentadas para o problema do

leite e do café, confrontando-as com a solução apresentada no

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154 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

texto. Discutir as falácias, os diferentes passos e as estratégiasde resolução seguidas.

2. Seguir um processo similar na resolução do problema do “Ogre.”Discutir os diferentes passos e estratégias de resolução do pro-blema seguidas. Apresentamos um final possível:

“… Depois de muito pensar, a Narcisa decidiu moer, com um pilão,toda a comida num almofariz. Triturou tudo até ficar com uma papafina. Esta tarefa ocupou-a durante um bom pedaço, porque lá nisso oOgre era muito generoso, as doses eram todas XXL. Quando terminou,escondeu tudo numa bolsa junto da barriga e preparou-se para a chegadado Ogre.

– Então comeste tudo? – perguntou-lhe a besta logo que chegou acasa.

– Sim, sim Ogre – respondeu a Narcisa lambendo os beiços –, maspara ser sincera, faltava-lhe uma pitadinha de sal para o meu gosto.

– Ai sim?! Deixa que já te respondo. Pé de macaco, pé de macaco,onde estás? – perguntou com voz de trovão o Ogre.

– Estou na barriga da Narcisa – respondeu com uma voz abafada opé de macaco.

– Ah, finalmente! – gritou o Ogre de alegria – Amanhã serás minhaesposa. Vamos festejar – dirigiu-se à adega e abriu uma pipa. A Narcisadeixou-o beber muito vinho e quando este já estava muito alegre, tentourecolher algumas informações que lhe pareciam vitais:

– Ó Ogre, eu sei que és muito forte, mas não consegues derrubaraquela porta azul, pois não? – perguntou-lhe com uma voz doce.

– Derrubar? Para quê, mulher? Se eu tenho uma chave – o riso eradesengonçado, e a rapariga continuou a regar generosamente a caneca.

– Ogrinho querido, qual é a chave da porta azul? – perguntou-lhesinuosa a Narcisa.

– É esta, mas não ta posso dar – respondeu o Ogre meio grogue.– Porquê, meu querido? – insinuou-se a Narcisa.– Porque estão lá escondidos os mortos – respondeu atabalhoada-

mente o Ogre.– Que mortos? – continuou interessada a Narcisa.– Olha, todos os que se atrevem a visitar-me sem cumprir as minhas

ordens. As tuas irmãs são um bom exemplo – deu uma risadinha cínicaa cheirar a carne putrefacta.

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155Propostas de Actividades

– Mas se estão mortos não há problema. Não vão por certo ressus-citar. Agora que está decidido que vamos casar, como presente de casa-mento, podias deixar-me ver as minhas irmãs pela última vez – pediu--lhe com uma voz gentil a Narcisa.

– Sabes? – disse-lhe ufano o Ogre. – Eu posso dar-lhes vida, eutenho a poção que lhes permite voltar a respirar – concluiu o monstro,embora tenha hesitado no final, arrependido.

– Não. Não posso acreditar – a Narcisa tentava fazê-lo falar man-tendo o copo sempre cheio de vinho. Incitava-o a beber, sem perder ocontrolo. Esvaziava discretamente o seu líquido para uma planta, essasim, já um bocadinho desorientada. – Estás a brincar comigo, não épossível juntar cabeças ao corpo e dar-lhes vida – insistiu a Narcisa.

– Eu consigo, eu sou o Ogre. Guardo a poção no sótão numa garrafaverde – gabou-se despudoradamente o monstro.

– Isso é magnífico, porque assim nunca mais morres. Podes viverpara sempre? – questionou-o a rapariga investigando alguma fragilidadenaquele hectare de carnes verdes.

– Sim – arrastou-se o Ogre. – Isto, se não me cortarem as unhasdos mindinhos com a tesou… – e adormeceu sonoramente em cima damesa.

Narcisa confirmou o estado de alerta do Ogre, movimentando a suapalma aberta em frente dos olhos cerrados e retirou-lhe o molho dechaves. Correu à procura de algo que pudesse cortar as unhas dosmindinhos, os únicos dedos protegidos com dedais de cabedal grosso.Entrou em duas ou três salas, mas para evitar perder-se sujou as solasdos seus sapatos de lama. Assim, saberia sempre a direcção e o sentidodos seus movimentos. Na quarta sala encontrou a garrafa verde e muitoscorpos à espera de serem salvos. Mas não se podia precipitar, primeirotinha de acabar com a vida do Ogre, por isso procurou uma tesoura.Procurou, procurou, e encontrou duas: uma enorme, de podar sebes, eoutra pequena de cortar papel. Temeu só ter uma oportunidade e nãopoder falhar.

Se o Ogre acordasse, o seu destino seguiria o das irmãs. Pensoumuito e optou pela tesoura pequena. Os mindinhos estavam protegidos,contrariamente aos outros, talvez por terem unhas mais sensíveis. Deci-diu-se pela tesoura pequena. Pé ante pé, para não acordar o Ogre, láconseguiu retirar os dedais de cabedal e cortar as unhas dos mindinhosanormalmente finas. Quando terminou, o Ogre susteve definitivamente orespirar. Nessa altura, correu para a sala e untou com a poção todos os

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156 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

corpos que lá estavam, que, a pouco e pouco, retornaram à vida. Abra-çou as irmãs e fugiram as três de volta a casa o mais rápido possível.

FIM”

3. Listar os erros mais típicos no processo de resolução de proble-mas.

4. Num exame/estudo pessoal/trabalho de grupo/ o que pode per-turbar a resolução de problemas?

5. Identificar um problema/exercício de uma determinada matériade estudo e analisar as diferentes possibilidades de resolução,assim como as dificuldades e erros típicos associados.

6. Organizar um atelier de reparação de argumentos a partir daresposta a um problema específico, por exemplo, centrado nodomínio de estudo dos alunos. Identificar os erros cometidos naresolução desse problema e “reparar” os argumentos, soluçõesapresentadas.

7. Realizar um hand-out sobre o processo de resolução de proble-mas e suas implicações no sucesso escolar para distribuir aosalunos do 1.º ano.

8. Discutir:a. “na Universidade passamos a vida a falar de resolução de pro-

blemas, e da necessidade de estarmos preparados para enfren-tar desafios técnicos de forma divergente e criativa; mas…em face de um problema com uma cara um pouco diferente,não nos conseguimos entender muito bem.”

b. “como se resolvem problemas?”

Carta n.º 10(…) Como é que consegues ter esta cadeira tão organizada?

Preparar o exame com tanta intensidade?

Sumário:1. A preparação próxima do exame deve ser precedida por um estudo

contínuo, evitando precipitações e possibilitando a consolidaçãoda informação aprendida.

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157Propostas de Actividades

2. A estratégia de preparação próxima dos testes ou exames maiseficaz é a antecipação e a resposta a potenciais questões. Os alu-nos devem incluir na sua planificação do estudo um tempopara as revisões da matéria. Nesta fase devem ser elaboradas erespondidas questões formuladas pelos próprios ou constantesem exames anteriores.

3. Questões de baixa complexidade (e. g., quem?, o quê?, quando?e onde?) envolvem respostas relacionadas com factos, datas,definições, listas…

4. Questões de elevada complexidade (e. g., como?, porquê?, e se?como é que A se relaciona com B? vantagens e desvantagensde…quais são os pontos fortes e os fracos de…) requeremaplicar a informação aprendida a uma nova situação, resolverproblemas, analisar. Comparar e/ou contrastar informação, desen-volver um novo plano ou solução…

5. A gestão do tempo é um elemento fundamental para aimplementação do plano de preparação próxima dos exames.

6. O dia anterior deve ser dedicado a rever apontamentos ou exer-cícios, estabelecendo e fortalecendo ligações, não a estudarmatérias pela primeira vez.

7. Nesta etapa, o aluno deve centrar-se na revisão de apontamen-tos, resumos, esquemas ou exercícios já realizados durante oestudo anterior, tentando fortalecer as ligações entre os conteú-dos.

8. Tentar explicar os conceitos por palavras próprias ajuda a sedi-mentar os conceitos.

9. Pode ajudar recitar em voz alta definições, os diferentes passosdados durante o processo de resolução de problemas.

10. Explicar a matéria a colegas ou responder a questões colocadasdurante uma sabatina de estudo ajuda a certificar-se do nívelde compreensão dos conteúdos estudados.

Propostas de actividades:1. No estudo o mais importante é… Listar 5 ideias e partilhá-las

com os colegas, discutindo as ideias mais referidas.2. Listar estratégias de revisão seguidas pelos alunos. Partilhar expe-

riências.3. Listar as principais dificuldades no cumprimento de um plano

de estudo. Elencar propostas de as ultrapassar.

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158 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

4. Discutir a importância de grupos de estudo ou de “sabatinas”.5. Centrando-se nos conhecimentos adquiridos sobre as estraté-

gias e a auto-regulação da aprendizagem, construir exemplosde questões de baixa e de elevada complexidade estrutural.

6. Pensar numa cadeira específica, escolher um capítulo ou tópicoe organizar a informação, ensaiando a preparação para o exame.

7. Relativamente ao texto/capítulo/tópico escolhido, identificar asideias principais e elaborar um conjunto de perguntas sobre omaterial estudado.

8. Discutir o quadro-resumo apresentado no texto da carta sobreas estratégias de preparação para os exames.

9. Na preparação para um exame, é importante tentar evitar…Listar 3 aspectos.

10. Elencar 5 conselhos de um experiente “examólogo” (aluno do2.º ou do 3.º ano) sobre as estratégias de preparação de exames.

11. Tópicos para discussãoa. “Quão eficaz é a minha preparação dos exames?”b. “Preciso modificar o meu plano de estudo para os exames?”

Porquê? Como?c. “Porque é que é importante rever a matéria regularmente,

não apenas na época de exames?”d. “Habitualmente não me consigo concentrar no estudo.”e. “O problema é sabermos bem o que é compreender.”f. “A forma como eu estudava no Secundário, e que sempre

deu frutos, agora não está a funcionar. Antes tinha tempopara tudo.” Agora…

g. “Na Universidade, pelo contrário, a mera reprodução dosfactos é, por vezes, penalizada. Pedem-nos que pensemos,que elaboremos, que sejamos críticos, que apresentemospistas e soluções... Eu, falo por mim, fui pouco treinadapara tal.”

h. “há Universidades noutros países em que os alunos respon-dem às perguntas do exame sem vigilância, porque assinamum compromisso garantindo um trabalho honesto.”

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159Propostas de Actividades

Carta n.º 11O estudo deve ser diferente em função do tipo de exames?

Sumário:1. As estratégias de realização de exames são importantes, mas

não substituem uma preparação atempada e adequada.2. À entrada do exame não se deve discutir questões relativas à

matéria, nem tentar colmatar nenhuma lacuna de conteúdos deuma forma apressada e atabalhoada.

3. É aconselhável ler o exame até ao final, certificando-se do nú-mero total de perguntas, e planificar a alocação do tempo paracada questão.

4. Procedimentos gerais para responder a questões de respostamúltipla:a. Leia com cuidado as instruções da prova, tempo, penali-

zações para respostas erradas…b. Determine quanto tempo pode dedicar a cada questão, tendo

em atenção a sua ponderação na nota final.c. Controle a impulsividade. Leia todas as opções de cada ques-

tão antes de responder.d. Salte as questões que não consegue responder imediatamente.e. Risque as respostas não plausíveis. Centre-se nas alíneas que

são muito similares, tentando discriminar as diferenças.f. Se não souber a resposta, antes de assinalar uma resposta

“adivinhada”, certifique-se de que compensa responder, aten-dendo às eventuais penalizações para respostas erradas.

g. Se tiver tempo, retorne às questões que deixou para trás.h. Tente rever as suas respostas, dedique mais tempo àquelas

em que hesitou.5. Procedimentos gerais para responder a questões de desenvolvi-

mento:a. Leia com cuidado as instruções gerais e respeite o que lhe é

pedido.b. Se lhe for oferecida uma escolha, responda apenas a uma

questão.c. Leia com cuidado todo o exame e certifique-se de que enten-

deu o que é pedido em cada questão. Tome notas enquantoprepara a resposta.

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160 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

d. Divida o tempo pelas diferentes questões do exame.e. Se ajudar, altere a ordem das respostas, assinalando devida-

mente o facto.f. Faça um esquema que oriente a resposta, garantindo uma

sequência lógica na apresentação das ideias e dos argumen-tos.

g. Cuide a apresentação e a grafia, garantindo a legibilidade.h. Reveja as respostas, pelo menos as de pontuação superior.

6. Não se fixe nas questões para as quais não conhece a resposta.Passe à frente e retome-as no final, caso tenha tempo.

7. Controle os pensamentos e as distracções que o afastam da tarefa.8. No final, reveja o teste antes de o entregar, tentando detectar

algum erro. Numere e assine todas as folhas de exame.9. Logo que possa, analise o tipo de erros cometidos no exame

para poder retirar implicações para o futuro.

Propostas de actividades:1. “Que estratégias posso seguir para responder a questões de

resposta múltipla?” Listar as diferentes estratégias elencadas.2. Fazer uma pequena recolha das dificuldades mais típicas dos

alunos na realização de exames de resposta múltipla e tentarelaborar uma lista de sugestões e recomendações.

3. “Que estratégias posso seguir para responder a questões de de-senvolvimento?” Listar as diferentes estratégias elencadas.

4. Fazer uma pequena recolha das dificuldades mais típicas dosalunos na realização de exames de desenvolvimento e tentarelaborar uma lista de sugestões e recomendações.

5. Que cuidado deve ter um professor a preparar um exame? Quesugestões lhe daria?

6. Analisar um exame do semestre/ano anterior e a respectivacorrecção, antecipando dificuldades.

7. Discutir boas práticas do trabalho em grupo ou do trabalho deprojecto.

8. A partir dos verbos de arranque apresentados no quadro refe-renciado nesta carta, elaborar questões relativas às estratégias eao processo de auto-regulação da aprendizagem.

9. Elaborar uma lista de sugestões/dicas para candidatos quequeiram trabalhar em grupo.

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161Propostas de Actividades

10. Tópicos para discussão:a. “Trabalhar em grupo ou realizar um trabalho de projecto é

mais difícil do que parece à vista desarmada.”b. “Sei, percebo, que não devo ser rápido a julgar os compor-

tamentos dos outros, porque posso errar o alvo com muitadistância, mas há ocasiões em que é difícil segurar o felque se acumula cá dentro, e quando ele sai…”

c. “nem sempre é fácil admitir que somos um pequeno peixenum grande lago.”

d. “O estudo deve ser diferente em função do tipo de exames?”e. “Voltámos a falar na estratégia de antecipar questões para

testar o domínio da matéria, a confiança e, como conse-quência, baixar a ansiedade face aos testes.”

f. “Porque é que nem sempre o trabalho de grupo correbem?”

g. “Aquelas noitadas de estudo foram uma grande ajuda. Estu-dar custou-me menos e rendeu-me mais. Fiquei convencidode que a aprendizagem fora da sala de aula é pelo menostão importante quanto a outra, talvez ainda mais.”

Carta n.º 12(…) Afinal, o que é isso da ansiedade face aos testes?

Sumário:1. A ansiedade face aos testes é uma “(…) disposição individual

para reagir com estados de ansiedade de forma mais intensa efrequente, com condições de preocupação, pensamentosirrelevantes que interferem com a atenção, concentração e reali-zação de testes” (Spielberger & Vagg, 1995, pp. 13-14).

2. A relação entre a ansiedade face aos testes e a realização podeser representada sob a forma de um U invertido. Esta relação éconhecida como a lei de Yerkes-Dodson (1908). Níveis muitobaixos ou muito elevados de ansiedade prejudicam a realização.Baixa estimulação afecta a realização porque o esforço colocadona tarefa é baixo, demasiada interfere comprometendo o resultadofinal (cf. exemplo da tensão de uma corda de uma viola).

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162 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

3. Podemos considerar a ansiedade como um fenómeno bidimen-sional, incluindo as componentes cognitiva (Preocupação) e afec-tiva (Emocionalidade).

4. A preocupação diz respeito aos pensamentos acerca dasconsequências de um possível insucesso e às dúvidas sobre asua própria competência para realizar as tarefas com sucesso.

5. A emocionalidade refere-se às reacções autonómicas ou fisioló-gicas evocadas pelo stress da avaliação. Estas reacções incluemsuores, tensão muscular, aumento do ritmo cardíaco… Nesta si-tuação, sempre que possível, deve procurar-se uma resposta derelaxamento:a. Sentar-se quieto, calmo e confortável, fechando os olhos.b. Relaxar os músculos. Começar por baixo, imaginando os pés

relaxados, até atingir a cabeça.c. Respirar com profundidade pelo nariz. Focalizar a atenção

no respirar repetindo a palavra “um” na expiração.6. A melhor solução para combater a ansiedade face aos testes é

um estudo profundo e qualitativo. Uma melhor preparação reduza ansiedade, mas não a elimina necessariamente.

7. Começamos a ficar ansiosos quando não sabemos algo, quandonão dominamos os conteúdos. O terreno propício à ansiedade éa dúvida.

Propostas de actividade:1. Definir o conceito: “Afinal, o que é isso da ansiedade face aos

testes?”2. Como lidar com a ansiedade face aos testes, antes, durante e

depois da situação de avaliação.3. Listar um conjunto de preocupações e distractores internos que

podem provocar interferência cognitiva na tarefa de exame.4. Trabalhar o autocontrolo e os contra-argumentos para as dife-

rentes preocupações.5. Imaginar uma situação de avaliação ansiogénica e ensaiar as

técnicas de relaxamento.6. Listar as estratégias mais utilizadas pelos alunos na realização

do exame.7. Treinar algumas técnicas de relaxamento.8. Que comportamentos dos pais/familiares/namorado(a)/amigos

podem aumentar a ansiedade face aos testes? Que lhes diria?

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163Propostas de Actividades

9. O que podem fazer os professores durante o exame para baixara ansiedade dos alunos?

10. Organizar um folheto sobre a ansiedade face aos testes paradistribuir aos colegas da Universidade.

11. Falar sobre os comportamentos e conversas típicas que ocor-rem à porta da sala de exame.

12. Tópicos para discussão:a. “No meio daquele emaranhado de ideias ainda me lembrei

de uma discussão na aula sobre “plagiar” e “copiar”. Recor-rendo a um exemplo gráfico, uma das professoras disse-nosque copiar era tão absurdo quanto retirarmos consequênciaspráticas para a nossa saúde a partir da informação de umtermómetro colocado numa axila próxima, supostamente deaspecto mais saudável.”

b. “Durante o exame fui assaltado por pensamentos que meafastavam definitivamente dali. Lembro-me de que penseicomo seria bom se o relógio se adiantasse três horas e játudo tivesse terminado (…) A verdade é que, apesar de nãomexer um músculo, o meu pensamento vagueava esbanjandotempo sob o olhar implacável do relógio.”

c. “A ansiedade, tinha-lhe explicado a psicóloga, é como acorda de uma viola: tem uma tensão óptima. Se estiverlassa, o som sai distorcido, mas se muito esticada, a cordarompe-se escondendo a voz do som.”

d. “Pelos vistos, esta ansiedade não surge apenas durante asprovas, também nos ataca antes do exame, corroendo-nos acapacidade de nos concentrarmos no estudo, de conseguir-mos organizar a informação nova e de a ligarmos aos conhe-cimentos que já possuímos. A ansiedade tem o poder fan-tástico de nos desfocar, de nos levar a pensar no tempo quejá não temos para estudar e não no que ainda nos resta.”

e. “A ansiedade movimenta-se no terreno da dúvida: Será quevou conseguir passar? (…) Pelos vistos, a solução é tentar-mos reduzir a incerteza, estudando com profundidade paraque o resultado se aproxime dos nossos objectivos.”

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164 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Carta n.º 13Que tal vai o teu estudo, Gervásio?

Sumário:Gervásio questiona-se sobre as implicações para a sua vida das

aprendizagens realizadas ao longo do ano lectivo.

Propostas de actividades:1. Tópicos para discussão:

a. “Que tal vai o teu estudo?” elaborar um e-mail, poema ouuma carta para responder à questão.

b. “Percebi, à minha custa, que aprender não é algo que aconte-ce aos alunos, é algo que acontece por mão dos alunos.”(Re)comentar esta frase da primeira carta.

c. “A pedra apesar de coberta de um ligeiro verde escorregadio,denunciando o longo tempo de mergulho, apresentava as entra-nhas secas, alheada do molhado que a rodeava. (…) Será quepode acontecer o mesmo no meu estudo? Todas estas apren-dizagens podem escorrer sem penetrar?”

d. “sinto que enquanto deixar esta questão respirar, enquantonão colocar um ponto final no meu estudo (…) enquantoalimentar a minha insatisfação, procurando responder à ques-tão sem me contentar com a resposta, talvez o estudo vábem.”

2. Escrever uma carta ao Gervásio reflectindo sobre as aprendiza-gens realizadas a partir das suas cartas.

3. No final deste projecto, as minhas 3 aprendizagens mais impor-tantes foram…

4. Aspectos em que já melhorei…5. Responder a um mail de um candidato a caloiro sobre “Estudar

na Universidade”.6. Organizar um folheto para promover o projecto “Cartas do

Gervásio ao Seu Umbigo”, explicitando os objectivos, população,utilidade...

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165Propostas de Actividades

PALAVRAS FINAIS

Apesar de existir um confortável acordo quanto à importância doprocesso auto-regulatório, a forma como este é perspectivado e definidonão é universal. Apresentámos neste livro as “Cartas do Gervásio ao SeuUmbigo”, uma ferramenta desenhada para promover as competências detrabalho e de estudo dos alunos na Universidade, no quadro do marcosociocognitivo da aprendizagem auto-regulada.

O processo de auto-regulação é referenciado a ideias, sentimentose comportamentos governados pelo próprio para reduzir o espaço que osepara dos seus objectivos. Neste sentido, a auto-regulação exige activare manter no tempo as cognições e os comportamentos, o que, indepen-dentemente do marco teórico que enforma as diferentes abordagens àtarefa, sugere encarar o aluno como um “governador” do seu processode aprendizagem. As possibilidades de escolha e de controlo sobre astarefas a realizar são os tópicos estruturantes do processo auto-regula-tório, que fica comprometido na sua ausência. Acreditamos, seguindo asugestão do poeta: “Se deres um peixe a um homem, alimenta-lo porum dia, se o ensinares a pescar, alimenta-lo para toda a vida” (Confu-cius, 551-479 a. C.), que as ferramentas auto-regulatórias constituem ogarante de uma aprendizagem autónoma, regulada pelos próprios eminteracção com o meio social envolvente. Os seus produtos são promo-tores de sucesso e bem-estar pessoal e académico. Ensinar a pescar é,definitivamente, mais difícil e moroso, mas muito mais eficaz. Oxalá acompetência volitiva dos educadores esteja em forma.

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166 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

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167Propostas de Actividades

GLOSSÁRIO

Aluno auto-regulador da sua aprendizagem: aquele que activa recursoscognitivos e volitivos na sua aprendizagem, planificando, monitorizando econtrolando o seu comportamento e a sua aprendizagem.

Ambiente de estudo: local onde se trabalha e estuda que, pelas suas condições,influencia a qualidade do estudo.

Ansiedade face aos testes: pensamentos distractores que competem com a tarefade aprendizagem e sentimentos ansiogénicos que ocorrem antes, durantee depois da realização de provas de avaliação.

Aprendizagem auto-regulada: processo através do qual os alunos activam esustêm comportamentos, cognições e emoções orientadas sistematicamen-te para a consecução dos objectivos de aprendizagem.

Aprendizagem: mudança duradoura no comportamento resultante da prática oude outras experiências pessoais.

Atribuições: razões apresentadas pelos alunos para explicar o seu comporta-mento ou a sua realização.

Auto-avaliação: julgamentos dos alunos sobre a sua eficácia num determinadodomínio, habitualmente influenciada por observações ou realizações pre-téritas.

Auto-eficácia: percepção sobre a própria capacidade para realizar uma tarefa aum determinado nível.

Conhecimento prévio: conhecimento que o aluno pode utilizar para o ajudar aconstruir significado sobre os conteúdos que está a tentar aprender.

Emocionalidade: componente psicológica da ansiedade face aos testes.Expectativa: componente motivacional que envolve os julgamentos sobre a

própria capacidade para realizar uma tarefa.Estratégia de aprendizagem: plano sistemático orientador do trabalho escolar

para alcançar os objectivos escolares pretendidos.Gestão do tempo: gasto eficiente do tempo disponível.Mapa conceptual: modo económico de organização da informação, utilizando

palavras, símbolos que ilustrem as inter-relações entre os conceitos.Memória de curto prazo: sistema que armazena a informação durante um curto

período de tempo.

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168 “Cartas do Gervásio ao Seu Umbigo”

Memória de longo prazo: sistema que armazena a informação durante umlongo período de tempo.

Metacognição: consciência e controlo sobre a própria cognição. Envolve plani-ficação e monitorização da actividade cognitiva.

Modelação: refere-se ao processo pelo qual os observadores padronizam osseus pensamentos, crenças, estratégias e acções depois de desenvolvidaspor um ou mais modelos.

Modelo cíclico de aprendizagem auto-regulada: modelo de aprendizagemproposto por Zimmerman (1998, 2000) caracterizado por três fases: fasede planificação, de realização e de auto-avaliação das tarefas.

Motivação extrínseca: desejo de trabalhar centrado nas recompensas externasexpectadas.

Motivação intrínseca: o desejo de trabalhar pelo gozo do desafio de aprender,curiosidade genuína ou satisfação pela compreensão.

Motivação: processo pelo qual se iniciam e se sustêm as actividades orientadaspara objectivos.

Objectivo: representação cognitiva daquilo que o sujeito visa alcançar.Objectivos de longo prazo: objectivos relacionados com a vida em geral, que

não serão alcançados num curto período de tempo.Objectivos proximais: objectivos específicos a curto prazo que capacitem os

sujeitos para monitorizarem o seu progresso e regularem o seu comporta-mento de modo a alcançarem objectivos de longo prazo.

Pensar: competência para utilizar conhecimento adquirido de uma forma flexí-vel e significativa.

Planificação: etapa de avaliação dos próprios recursos e estabelecimento deobjectivos que guiem a actividade cognitiva.

PLEA: modelo que caracteriza o processo de auto-regulação da aprendizagemem três fases: Planificação, Execução e Avaliação.

Procrastinação: Adiamento sucessivo das tarefas.Revisão: leitura de textos escritos de modo a reter a informação na memória e

poder reproduzi-la posteriormente.Volição: activação da vontade. Processo de exercício dos comportamentos para

alcançar as metas.

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169Referências

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