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Turismo de Base Comunitária ORGANIZAÇÃO Roberto Bartholo Davis Gruber Sansolo Ivan Bursztyn diversidade de olhares e experiências brasileiras

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  • Turismo de Base Comunitria

    ORGANIZAO

    Roberto BartholoDavis Gruber Sansolo

    Ivan Bursztyn

    diversidade de olhares e experincias brasileiras

    Apresentar um marco conceitual para o turismo de base comunitria no das tarefas mais fceis. Muitas so as abordagens possveis e as referncias que podem guiar um discurso que busque defi nir esta ativi-dade que em sua essncia diversa. A diversidade de contextos, hist-rias, lugares e personagens fazem de cada uma das iniciativas autopro-clamadas comunitrias nicas. Tentar compreender essa diversidade e extrair ensinamentos que possam subsidiar a formulao de polticas pblicas sem dvida um grande desafi o.

    A presente publicao est organizada em duas grandes partes. A primeira parte dedicada a um enfoque terico que possa dar con-tribuies para conceituao do Turismo de Base Comunitria. Na segunda parte buscamos expor algumas caractersticas das iniciativas apoiadas pelo Ministrio do Turismo no mbito do edital 01/2008. Nossa inteno dar visibilidade para a diversidade de projetos e seus promotores, divulgando alguns dos lugares e iniciativas que compem o cenrio do Turismo de Base Comunitria no Brasil.

    Apoio:

    Realizao:

    Turism

    o de B

    ase Com

    un

    itriaBARTH

    OLO, SANSOLO e BURSZTYN

    ISBN 978856101201-4

  • Turismo de Base Comunitria diversidade de olhares e experincias brasileiras

  • PRESIDENTE DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASILLuiz Incio Lula da Silva

    MINISTRO DO TURISMOLuis Eduardo Pereira Barreto Filho

    SECRETRIO EXECUTIVOMrio Augusto Lopes Moyses

    SECRETRIO NACIONAL DE PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMOFrederico Silva da Costa

    DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE QUALIFICAO E CERTIFICAO E DE PRODUO ASSOCIADA AO TURISMORegina Cavalcante

    COORDENADORA GERAL DE PROJETOS DE ESTRUTURAO DO TURISMO EM REAS PRIORIZADASKtia T. P. da Silva

    COORDENAO GERAL DE QUALIFICAO E CERTIFICAOLuciano Paixo Costa

    COORDENAO GERAL DE PRODUO ASSOCIADAAna Cristina Faanha de Albuquerque

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    REITOR Alosio Teixeira

    DIRETOR DE COORDENAO DOS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA (COPPE)Luiz Pinguelli Rosa

    COORDENADOR DO PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUOCOORDENADOR DO LABORATRIO DE TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL (LTDS)Roberto Bartholo

  • Turismo de Base Comunitria diversidade de olhares e experincias brasileiras

    Roberto Bartholo, Davis Gruber Sansolo e Ivan BursztynORGANIZADORES

  • RealizaoLaboratrio de Tecnologia e Desenvolvimento Social COPPE/UFRJCoordenao Geral de Projetos de Estruturao do Turismo em reas priorizadas do Ministrio do Turismo

    ApoioFundao Banco do BrasilFundao COPPETEC

    Auxiliares de pesquisaAfonso Getlio ZucaratoAna Bauberger PimentelGilberto BackNilton Henrique Peccioli Filho

    Cartografi a dos projetosGilberto Back

    AgradecimentosOs organizadores gostariam de agradecer o empenho e a colaborao de:Andria Ribeiro Ayres do Laboratrio de Tecnologia e Desenvolvimento Social Ktia Silva, Rodrigo Ramiro e Breno Teixeira do Ministrio do Turismoe ainda aos coordenadores e responsveis dos 50 projetos pelas informaes repassadas.

    Aviso de licena copyleft

    Atribuio-Uso No-Comercial-Vedada a Criao de Obras Derivadas 2.5 Brasil

    autorizada a cpia, distribuio e exibio desta obra. Sob as seguintes condies:Atribuio . Deve-se dar crdito ao autor original, da forma especifi cada pelo autor ou licenciante. Uso No-Comercial . No se pode utilizar esta obra com fi nalidades comer-ciais. Vedada a Criao de Obras Derivadas . No se pode alterar, transformar ou criar outra obra com base nesta. Para cada novo uso ou distribuio, voc deve deixar claro para outros os termos da licena desta obra. Qualquer uma destas condies podem ser renunciadas, desde que se obtenha permisso dos orgaizadores.

  • MINISTRIO DO TURISMOSecretaria Nacional de Programas de

    Desenvolvimento do Turismo

    Apresentao

    O Turismo brasileiro enquanto setor econmico reconhecido como importante gerador de divisas capaz de gerar oportunidades de trabalho e renda e de contri-buir para a reduo das desigualdades regionais e sociais em diferentes pontos do nosso territrio. O Plano Nacional do turismo consiste na ferramenta de plane-jamento e ao estratgica do governo federal, para estruturao e ordenamento da atividade turstica, com respeito aos princpios da sustentabilidade econmica, ambiental, sociocultural e poltico-institucional.

    Entre as diretrizes do PNT 2007-2010 destacamos nosso compromisso com o desenvolvimento local e a incluso social, com vetor no turismo, por meio da implementao de macroprogamas e programas orientados por objetivos como o de estruturar destinos, diversifi car a oferta e dar qualidade ao produto turstico. Neste contexto identifi camos que em um territrio ocorre a interao do homem com o ambiente, podendo resultar em diversas maneiras de se organizar e se re-lacionar com a natureza e a cultura transformando estes ativos em fonte de lazer, entretenimento e conhecimento para visitantes e insero socioeconmica da po-pulao local nas atividades relacionadas com o turismo.

    Sabemos das potencialidades do produto turstico brasileiro composto pela diversidade da nossa cultura e das inmeras belezas naturais. Nesta perspectiva, o programa de regionalizao do Turismo Roteiros do Brasil, nos indica os cami-nhos nos quais localizamos regies e ou roteiros em que comunidades receptoras assumem o papel de atores principais na oferta dos produtos e servios tursticos. Estes produtos e servios ofertados por comunidades locais denominado de tu-rismo de base comunitria ainda um segmento pouco conhecido, todavia tem sido visvel como campo de estudo e como demandante de uma ao mais efetiva por parte do poder pblico.

    Esta publicao sobre turismo de base comunitria, por um lado, refl ete um conjunto amplo de idias resultados de pesquisas tericas e empricas pro-duzidas no mbito da academia, por especialistas de diferentes formaes, e, por

  • outro, demonstra a preocupao do Ministrio do Turismo em conhecer e apoiar iniciativas de turismo de base comunitria. Entendemos que esta uma alterna-tiva de organizao singular para alguns roteiros e/ou regies de compatibilizar a oferta de produtos e servios tursticos diferenciados, com a promoo de melho-rias na qualidade de vida das comunidades locais.

    Luis Eduardo Pereira Barreto FilhoMinistro do Turismo

  • Secretaria Nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo - SNPDTUR

    A Secretaria Nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo (SNPDTur) Ministrio do Turismo, subsidia a formulao dos planos, progra-mas e aes destinados ao desenvolvimento e fortalecimento do turismo nacio-nal. Tambm formula e acompanha os programas de desenvolvimento regional do turismo e a promoo do apoio tcnico, institucional e fi nanceiro necessrio ao fortalecimento da execuo e participao dos estados, do Distrito Federal e dos municpios nesses programas. Para a execuo de suas atividades a Secretria conta com os Departamentos de:

    Infraestrutura Turstica (DIETUR) que apia projetos para a expanso da atividade turstica e a melhoria da qualidade do produto para o turista em di-versas regies do Pas, como a implantao de sinalizao turstica, os centros de informaes e infraestrutura turstica como urbanizao, acessibilidade, centros de eventos, entre outros. Programas Regionais de Desenvolvimento do Turismo (PRODETUR) que apia projetos para a estruturao e o desenvolvimento da atividade turstica em bases sustentveis como forma de gerar benefcios econmicos e sociais para a populao, com a implantao de infraestrutura necessria para o de-senvolvimento do turismo, fortalecimento institucional, qualifi cao em ocu-paes bsicas e empresarial promoo, entre outras aes;Financiamento e Promoo de Investimentos no Turismo (DFPIT) que ela- bora estudos e pesquisas para a melhoria da competitividade de empreen-dimentos tursticos e de setores auxiliares do turismo e a divulgao das oportunidades de investimentos no setor em eventos especfi cos, nacionais e internacionais;Qualifi cao e Certifi cao e de Produo Associada ao Turismo (DCPAT) que apia programas e aes de para o desenvolvimento da qualifi cao e certifi cao de profi ssionais, de equipamentos e servios tursticos; aes de produo associada para o incremento da produo artesanal e demais pro-dutos associados ao turismo que agreguem valor ao destino turstico, bem como sua promoo e comercializao e o fomento a projetos de desenvolvi-mento turstico local e de incluso social, com o apoio tcnico, institucional e

  • fi nanceiro necessrios s regies com potencial turstico e de baixa renda per capita, em conformidade com o Plano Nacional de Turismo.

    O investimento executado no mbito da Secretaria pelos seus departamentos, em 2008, totalizou o valor de R$1,7 bilhes. No mbito do DCPAT, destacamos que os investimentos realizados totalizam o valor de R$40 milhes em programas para qualifi cao em lngua estrangeira; formao de gestores; turismo de aventu-ra, gastronomia, incubao de cooperativas populares da cadeia produtiva do tu-rismo, apoio a comercializao da produo associada ao turismo, entre outros.

    O apoio ao turismo de base comunitria como uma ao do DCPAT, capita-neada pela Coordenao Geral de Projetos de Estruturao do Turismo em reas Priorizadas CGPE - tem como objetivo conhecer o potencial deste segmento, para, por um lado, agregar valor a alguns destinos, diversifi car a oferta turstica e, por outro, promover o desenvolvimento local e a incluso social, em virtude das caractersticas peculiares da organizao e estruturao dos produtos e servios tursticos denominados como de base comunitria.

    Em 2008, por meio do edital de chamada publica, foram selecionados 50 propostas para apoio nos exerccios de 2008 e 2009, representando 19 unidades da federao, e cerca de 100 municpios, com oramento total previsto de R$ 7,5 milhes. Em 2008, foram formalizados, por meio de convnio, 22 projetos, distribudos nas cinco regies do Brasil totalizando um investimento de R$3,36 milhes. Os resultados dos procedimentos, as diretrizes e estratgias adotadas para o apoio aos projetos de turismo de base comunitria so objeto de anlise da equipe tcnica da Coordenao do DCPAT nesta publicao.

    Assim, diante do desafi o de aumentar e diversifi car a oferta turstica brasilei-ra, associado ao objetivo de promover o turismo como vetor de desenvolvimen-to local com gerao de trabalho e renda, esta publicao tem importncia por contribuir para o dilogo entre a produo da Universidade sobre o tema e uma iniciativa de poltica pblica do MTur, com o fomento s iniciativas de turismo de base comunitria.

    Frederico Silva da Costa Secretrio Nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo

  • Apresentao 13roberto bartholo, davis gruber sansolo e ivan bursztyn

    Parte I . Diversidade de olhares

    O turismo rural comunitrio na Amrica Latina:gnesis, caractersticas e polticas 25carlos maldonado

    Sobre o sentido da proximidade: implicaes paraum turismo situado de base comunitria 45roberto bartholo

    Do turismo de massa ao turismo situado: quais as transies? 55hassan zaoual

    Turismo para quem? Sobre caminhos de desenvolvimento e alternativas para o turismo no Brasil 76ivan bursztyn, roberto bartholo e mauricio delamaro

    Turismo, produo do espao e desenvolvimento desigual:para pensar a realidade brasileira 92rita de cssia ariza da cruz

    Sumrio

  • Reinventando a refl exo sobre turismo de base comunitria: inovar possvel? 108marta de azevedo irving

    Centralismo e participao na proteo da natureza e desenvolvimento do turismo no Brasil 122davis gruber sansolo

    Turismo de base comunitria: pontencialidadeno espao rural brasileiro 142davis gruber sansolo e ivan bursztyn

    Patrimnio cultural, turismo e identidades territoriais: um olhar geogrfi co 162maria tereza duarte paes

    Praia do Aventureiro: um caso sui generis de gesto local do turismo 177gustavo vilella l. da costa, helena cato e rosane m. prado

    Descubra a tradio de um lugar: o encontro entre nativos e biribandos em Trancoso, sul da Bahia 198fernanda carneiro e roberto bartholo

    Ddiva e hospitalidade no sistema de hospedagem domiciliar 216ana bauberger pimentel

    O turismo desenvolvido em territrios indgenas sob o ponto de vista antropolgico 240rosana eduardo da silva leal

    Turismo e desenvolvimento na Amaznia brasileira: algumas consideraes sobre o arquiplago do Maraj (PA) 249maria goretti da costa tavares

    Ecoturismo, cultura e participao: gesto do territrio indgena no alto Rio Negro 261ivani ferreira de faria

  • O turismo comunitrio no nordeste brasileiro 277luzia neide m. t. coriolano

    Turismo socialmente responsvel da Prainha do Canto Verde: uma soluo em defesa do local herdado 289teresa cristina de miranda mendona

    Ecoturismo e incluso social na Resex Marinha do Delta do Parnaba (MA/PI): tendncias, expectativas e possibilidades 302fl via ferreira mattos

    Turismo e populao dos destinos tursticos:um estudo de caso do desenvolvimento e planejamentoturstico na Vila de Trindade - Paraty/RJ 319alexandra campos oliveira

    Comunidade quilombola de Furnas do Dionsio: aspectos relacionais entre cultura, turismo e desenvolvimento local 334anelize martins de oliveira e marcelo marinho

    O turismo rural em reas de agricultura familiar: as novasruralidades e a sustentabilidade do desenvolvimento local 348enrique sergio blanco

    Parte II . Experincias brasileiras

    Fomento ao turismo de base comunitria: a experincia do Ministrio do Turismo 359ktia t. p. silva, rodrigo c. ramiro e breno s. teixeira

    Projeto Nacional 374Projetos na Regio Norte 378Projetos na Regio Nordeste 396Projetos na Regio Centro-Oeste 432Projetos na Regio Sudeste 438Projetos na Regio Sul 476

    Resumos biogrfi cos 495

  • 13

    Apresentao

    ROBERTO BARTHOLODAVIS GRUBER SANSOLOIVAN BURSZTYN

    Esta publicao fruto de uma trajetria. Encontros e refl exes que ao longo da ltima dcada consolidaram uma abordagem ao turismo desde uma perspectiva mais ampla e complexa do que seguidamente vem sendo tratada como exclusi-vamente uma atividade econmica. O Laboratrio de Tecnologia e Desenvolvi-mento Social (LTDS) est vinculado rea de Gesto e Inovao do Programa de Engenharia de Produo do Instituto Luiz Alberto Coimbra de Ps-graduao e Pesquisa de Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e liderado por Roberto Bartholo. O LTDS vem, desde 1996, realizando atividades que procuram unir a refl exo acadmica ao enfrentamento de carncias sociais, reunindo e formando profi ssionais interessados em aplicar critrios tico-valorati-vos criao, gerenciamento e avaliao de modelos inovadores de interveno e desenvolvimento. Alm dos projetos que desenvolveu e desenvolve, oferece cursos e mantm uma linha de publicaes impressas e eletrnicas.

    Uma das linhas de trabalho do LTDS o grupo de pesquisa Turismo e Desenvolvimento Social, que tem como uma de suas mais importantes atividades manter o Instituto Virtual de Turismo (IVT), sediado no LTDS desde sua criao em 1999. Como atividades desenvolvidas nesse mbito esto a vitalizao de uma rede de pesquisadores, a manuteno atualizada do website que abriga o Instituto e a publicao do peridico on-line Caderno Virtual de Turismo.

    O IVT tem por objetivos reunir e divulgar estudos, pesquisas, projetos e experincias sobre o turismo, assim como fomentar a refl exo interdisciplinar sobre o tema, relacionando esta atividade s dimenses econmica, social, cul-tural e ambiental. As atividades realizadas pelo Instituto tm por fi nalidade a troca de informaes, saberes e servios por meio do funcionamento de uma rede de pesquisadores associados, oriundos de diversas universidades, instituies de pesquisa, organizaes governamentais e no-governamentais. Pretende-se as-sim colaborar para um enraizamento acadmico da temtica do turismo em ins-tituies de excelncia.

  • 14 TURISMO DE BASE COMUNITRIA

    Entre os anos de 2001 e 2002, durante o estgio de ps-doutoramento do professor Maurcio Csar Delamaro (viabilizado com o apoio da FAPERJ), um grande passo foi dado para a consolidao do IVT. A criao e manuteno do site do IVT (http://www.ivt-rj.net), juntamente com a sistematizao dos procedi-mentos editoriais do Caderno Virtual de Turismo CVT (http://www.ivt-rj.net/caderno) permitiram a dinamizao da rede de pesquisadores e de difuso de re-fl exes e conhecimento sobre as relaes entre turismo e desenvolvimento social. Um resultado importante desse trabalho conjunto de pesquisadores associados ao IVT, incluindo integrantes do LTDS, foi o livro Turismo e Sustentabilidade no Estado do Rio de Janeiro, publicado em 2005 pela Editora Garamond, primeira publicao integralmente dedicada a refl exes sobre o turismo no estado.

    Em paralelo s atividades de cunho acadmico, pesquisadores vinculados ao LTDS e ao IVT participaram de uma srie de projetos junto a ministrios e outras entidades de governo. Algumas atividades mais recentes merecem destaque. Em 2004, fomos convidados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) para coordenar o Programa de Promoo do Turismo Inclusivo na Ilha Grande (Rio de Janeiro). Em 2005, em parceria com o Laboratrio de Trabalho e Formao, tambm da COPPE-UFRJ, encomendado pelo Ministrio do Trabalho e Emprego no mbito do Programa Nacional de Incluso de Jovens: Educao, Qualifi cao e Ao Comunitria ProJovem, elaboramos o material didtico do Arco Ocupacional Turismo e Hospitalidade e participamos do pro-cesso de formao dos educadores. E, em 2006, participamos do estudo de Avalia-o Ambiental Estratgica (AAE) da Regio Costa Norte. O projeto que envolveu uma cooperao entre o Ministrio do Turismo e o Laboratrio Interdisciplinar de Meio Ambiente (COPPE/UFRJ), teve por fi nalidade desenvolver metodolo-gia de AAE para apoiar os processos de formulao de polticas e de planos de desenvolvimento do turismo sustentvel no Nordeste, no mbito do Programa PRODETUR NE II.

    Em 2006, o pesquisador Davis Gruber Sansolo chegou ao LTDS para um estgio de ps-doutoramento, tambm com o apoio da FAPERJ. Suas atividades supervisionadas pelo Prof. Roberto Bartholo envolveram uma pesquisa com o t-tulo: Turismo de base comunitria no Brasil: indicadores para o desenvolvimento social. As refl exes e dilogos com a bibliografi a pesquisada deram suporte para alguns trabalhos de campo que foram realizados com intuito de observar o carter da diversidade dos casos de turismo de base comunitria no Brasil. Visitou-se a Reserva Ecolgica da Juatinga e a Apa Cairuu, em Paraty, onde em um micro cosmos, podem-se observar trs tipos de culturas diferentes: caiara, quilombola e indgena, todas inseridas em um territrio turstico e todas as trs com projetos de turismo de base comunitria. Em seguida visitou-se uma experincia latina americana, na Bolvia, pois se trata de um pas que possui uma rede (TUSOCO)

  • 15BARTHOLO, SANSOLO e BURSZTYN . Apresentao

    de empreendimentos de turismo comunitrio e uma poltica federal de turismo comunitrio. Constatou-se que a diversidade, seria um dos fundamentos tericos inerentes a essa forma de atividade. No entanto, paradoxalmente, esse fundamen-to exps o desafi o de se compreender a complexidade dessa diversidade.

    Constatada a necessidade de uma conceituao do turismo de base comunit-ria no contexto brasileiro, fomos em busca de parcerias para iniciar o mapeamen-to do turismo comunitrio no Brasil. No mesmo perodo, durante as atividades do estudo de Avaliao Ambiental Estratgica mantivemos os primeiros contatos com o Ministrio do Turismo sobre o interesse comum de estabelecermos uma parceria para trabalharmos especifi camente o tema do turismo de base comuni-tria. As conversas evoluram de modo que em outubro de 2007 realizamos um encontro durante a Feira da ABAV, no Rio de Janeiro, reunindo alm do Minist-rio do Turismo, os ministrios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrrio e alguns representantes de iniciativas locais. Esse encontro teve como principal resultado a certeza da existncia de uma demanda social pelo reconhecimento da existncia e apoio fi nanceiro a experincias de turismo que tivessem como prota-gonistas organizaes comunitrias.

    Poucos meses depois, durante o II Seminrio Internacional de Turismo Sus-tentvel realizado em Fortaleza (Cear) em maio de 2008, foi anunciado publica-mente o lanamento do Edital 01/2008 do Ministrio do Turismo voltado para o fi nanciamento especfi co de projeto de Turismo de Base comunitria. Embora no se possa defi nir como uma poltica pblica federal, esse foi um marco das primei-ras aes do poder pblico federal em apoio a um outro modelo de turismo onde as populaes tradicionais, os trabalhadores rurais, os pescadores, os representan-tes das culturas indgenas so os principais protagonistas.

    Tambm neste evento surgiu a idia de produzirmos uma publicao sobre o tema. Um livro que reunisse algumas refl exes sobre fundamentos e prticas de turismo de base comunitria no Brasil e ao mesmo tempo pudesse evidenciar a diversidade existente em todo o territrio nacional. Trata-se de um trabalho introdutrio, onde se apresentam olhares, idias e se descrevem casos em todo o territrio nacional. Entretanto, ainda no se trata de um avano analtico sobre os casos. Trata-se de uma obra que visa constatar, expor a existncia de uma forma de turismo que visa constituir vnculos, tecer redes de relaes, reafi rmar identi-dades sem se fechar para o mundo.

    A presente publicao est organizada em duas grandes partes. A primeira parte, intitulada Diversidade de olhares dedicada a um enfoque terico que possa dar contribuies para conceituao do turismo de base comunitria. Na segunda parte, intitulada Experincias brasileiras buscamos expor algumas ca-ractersticas das iniciativas apoiadas pelo Ministrio do Turismo no mbito do edital 01/2008. Nossa inteno dar visibilidade para a diversidade de projetos

  • 16 TURISMO DE BASE COMUNITRIA

    e seus promotores, divulgando alguns dos lugares e iniciativas que compem o cenrio do turismo de base comunitria no Brasil.

    Apresentar um marco conceitual para o turismo de base comunitria no das tarefas mais fceis. Muitas so as abordagens possveis e as referncias que podem guiar um discurso que busque defi nir esta atividade que em sua essncia diversa. No se pode falar em modelos ou quaisquer outras formas simplifi ca-doras. A diversidade de contextos, histrias, lugares e personagens fazem de cada uma das iniciativas autoproclamadas comunitrias nicas. Tentar compreender essa diversidade e extrair ensinamentos que possam subsidiar a formulao de polticas pblicas sem dvida um grande desafi o.

    Convidamos, assim, 27 pesquisadores, doutores e mestres, para comparti-lharem suas vises e experincias. Oriundos dos mais diferentes campos do sa-ber (engenharia, antropologia, geografi a, sociologia, cincias ambientais, turismo, jornalismo, economia, etc) e dos quatro cantos do pas e do exterior, os autores buscaram apresentar suas contribuies em forma de ensaios, artigos e estudos de caso. So textos que, no entender dos organizadores, podem contribuir para a compreenso das bases conceituais e, por conseguinte, fornecer ferramentas para o fortalecimento dessa forma de turismo, protagonizado por atores sociais cuja identidade foi forjada na histria dos lugares. De forma alguma, desconectada com o mundo, mas distinguindo-se pela sabedoria construda no lugar, com suas crenas, valores, mitos, tcnicas, enfi m, por aqueles que detm um patrimnio in-tangvel, mas que existe, que resiste e que se dispem a aqueles que compreendem o valor da diversidade, da alteridade.

    Abrindo esta parte da publicao, Maldonado apresenta um panorama ge-ral internacional do turismo de base comunitria. Analisa a gnese da atividade atravs de fatos histricos que explicam o seu surgimento para, em seguida, de-senvolver alguns aspectos conceituais. As fraquezas inerentes oferta do turismo comunitrio foram realadas, assim como o carter heterogneo de suas formas e graus de participao no mercado. Para fi nalizar, o autor analisa algumas medidas de poltica pblica destinadas a reconhecer e a incentivar o exerccio do turismo comunitrio em alguns pases da Amrica Latina.

    Na seqncia, Bartholo apresenta o sentido de proximidade como elemento fundamental no apenas nas relaes internas que identifi cam a prpria comu-nidade, mas tambm nas relaes entre os visitantes e a comunidade. Assim, o conceito de stio simblico de pertencimento ganha importncia, uma vez que o elemento de vnculo e suporte para a relao dialogal. Essa abordagem relacional do turismo de base comunitria corroborada por Zaoual que, no artigo seguinte, faz uma anlise das novas dinmicas tursticas apontando para o crescimento de uma nova tendncia de demanda cujo interesse no esta mais no uniforme ou no homogneo, mas sim na diversidade. Sua crtica ao chamado turismo de massas

  • 17BARTHOLO, SANSOLO e BURSZTYN . Apresentao

    contraposta noo de turismo situado, um turismo que tem como base o stio simblico de pertencimento e as relaes nele presentes.

    Bursztyn, Bartholo e Delamaro fazem uma crtica s polticas pblicas de desenvolvimento turstico no Brasil, em especial ao PRODETUR-NE, que por meio do fomento a mega-empreendimentos hoteleiros alterou signifi cativamente as dinmicas sociais dos lugares onde se instalaram gerando impactos sociais e ambientais irreparveis. O questionamento sobre quais os verdadeiros benefi ci-rios de polticas com este vis coloca em cheque o discurso da incluso social e do desenvolvimento socioeconmico a nvel local. Buscando entender as dinmicas entre o local e o global e a produo do espao turstico, Cruz faz uma anlise crtica da realidade brasileira no que diz respeito sua relao com o desenvolvi-mento da atividade turstica e seu lugar no processo social e histrico de produo do espao.

    Diante de tantas crticas s polticas hegemnicas emerge o turismo de base comunitria. Uma resposta que pode apontar caminhos profcuos para uma nova proposta de poltica de fomento turstico. Para compreender esse fenmeno so-cial, Irving faz um breve resgate das primeiras discusses, em eventos e encontros acadmicos buscando ressignifi c-las e vinculando-as ao paradigma da incluso social e da conservao ambiental. Palavras e expresses como participao, pro-tagonismo social, empoderamento, afi rmao cultural, benefcios diretos, ganham destaque nesse contexto e comeam a se articular com o tema da conservao ambiental. o que prope Sansolo em sua anlise sobre os paralelismos entre as polticas de proteo da natureza e de desenvolvimento turstico, principalmente no que diz respeito ao processo de descentralizao e gesto compartilhada.

    Com o intuito de sistematizar e sintetizar suas experincias de pesquisa, San-solo e Bursztyn analisam o potencial do espao rural para o desenvolvimento de iniciativas de turismo de base comunitria. Partindo de refl exes tericas e verifi -caes empricas, os autores discutem uma nova multifuncionalidade dos espaos rurais, onde a diversidade de contextos e formas organizativas podem proporcio-nar terreno frtil para uma prtica turstica que tenha em sua essncia a abertura para a relao dialogal.

    Elemento fundamental para um dilogo genuno a simetria nas relaes. Tratando-se de relaes decorrentes de prticas tursticas, podemos dizer que a simetria se d no reconhecimento e valorizao mtua das identidades culturais. A construo e o resgate da memria dos lugares tursticos so tratados por Paes como essenciais para a afi rmao de contextos e modos de vida. Suas anlises e crticas a processos de revalorizao e revitalizao de patrimnios contribuem para uma refl exo sobre o valor simblico da memria social.

    A memria de um lugar construda a partir das histrias, dos confl itos, dos encontros e desencontros que permeiam a dinmica e os processos sociais.

  • 18 TURISMO DE BASE COMUNITRIA

    Esses elementos em constante tenso geram coeses e dissidncias que fortalecem o tecido comunitrio e o prprio sentido de comunidade. Costa, Cato e Prado fazem uma anlise dos confl itos que transformaram a dinmica social na Praia do Aventureiro, na Ilha Grande (Angra dos Reis, RJ), e contriburam para unir a comunidade em torno de uma causa comum. Nesse processo, o aumento do turismo na regio teve papel fundamental, ampliando redes de relaes sociais e conhecimentos viabilizando, assim, a permanncia da comunidade em seu local de origem. No entanto, no incomum que o turismo provoque efeitos negativos, desestabilizando e desarticulando contextos sociais frgeis. o que nos mostra Carneiro e Bartholo em estudo sobre os primeiros contatos dos nativos da vila de Trancoso (Porto Seguro, BA) com os biribandos viajantes que redescobriram o pequeno vilarejo na dcada de 70. O encontro que teve incio baseado no respeito mtuo a alteridade do outro foi atropelado pelo processo de turistifi cao...

    O encontro entre visitantes e visitados, hospedes e anfi tries, tema de re-fl exo de Pimentel. Em sua pesquisa sobre os meios de hospedagem na cidade do Rio de Janeiro, em especial os servios de bed and breakfast, a autora analisa as relaes de hospitalidade tendo como referncia a teoria da ddiva de Marcel Mauss. O trabalho sugere a refl exo sobre o sentido d comunidade em reas ur-banas sendo que os resultados e refl exes apresentados podem contribuir para a formatao de sistemas de hospedagens nas localidades que promovem o turismo de base comunitria.

    A questo do encontro nas comunidades tradicionais diversa se comparadas aos centros urbanos. Nas comunidades tradicionais a fragilidade dos contextos pode por em risco a possibilidade de uma relao genuna e direta entre visitantes e visitados. Leal discute as estratgias de uma abertura para o turismo nos terri-trios indgenas, destacando a importncia do planejamento e da participao para que os efeitos nocivos possam ser minimizados. A abertura para o turismo, que antes era vista como processo de aculturao, passa ento a ser promovida como um veculo de reforo etnicidade e revitalizao cultural. Uma iniciativa neste sentido apresentada por Faria. O projeto Umukam-sara: planejamento participativo e ecoturismo indgena tem como objetivo expandir o conhecimento entre as comunidades sobre turismo e ecoturismo indgena, discutindo diretrizes e princpios que devero nortear um possvel planejamento ecoturstico em terra indgena.

    Ainda na regio norte, mas no mais tratando de turismo em terras indge-nas, Goretti analisa a poltica de desenvolvimento turstico no arquiplago da Ilha do Maraj (Par). Sua pesquisa discute a poltica e o planejamento de territrios voltados para o turismo, buscando perceber como a perspectiva de um planeja-mento territorial sustentvel e o processo de mobilizao dos grupos sociais tem sido considerado na formulao de polticas e do planejamento territorial.

  • 19BARTHOLO, SANSOLO e BURSZTYN . Apresentao

    Ao falarmos de turismo de base comunitria no Brasil, no podemos deixar de destacar a importncia da regio nordeste no cenrio nacional. Coriolano faz uma anlise das polticas de fomento ao turismo na regio e do surgimento de movimentos sociais de resistncia ao modelo hegemnico proposto. Inicialmente isoladas, essas iniciativas comearam a se articular e hoje promovem modos orga-nizacionais e relaes em rede inovadoras. A histria de luta pela posse da terra, pela preservao do meio ambiente ou mesmo pelo direito ao modo de vida tra-dicional uniu comunidades e formou a base para o desenvolvimento de um outro turismo. Mendona apresenta um pouco da histria de organizao e luta da Prai-nha do Canto Verde, comunidade do litoral cearense pioneira na promoo do turismo de base comunitria. Enquanto Mattos relata os confl itos que permeiam a gesto local do turismo na Reserva Extrativista do Delta do Parnaba (Piau).

    A realidade de confl itos, especulao imobiliria e movimentos sociais de resistncia no uma novidade na histria da ocupao do litoral brasileiro e nem to pouco uma exclusividade da regio nordeste. Oliveira resgata a histria da vila de Trindade, no extremo sul do litoral fl uminense, que j na dcada de 1970 enfrentava uma multinacional que projetava a construo de um condomnio de luxo na localidade. Alguns anos depois, j com a posse da terra assegurada, os moradores da vila tiveram que enfrentar outro desafi o: o aumento no fl uxo de vi-sitantes e a turistifi cao acelerada. Mesmo sem contar com o apoio do poder p-blico, os trindadeiros conseguiram atravs da organizao comunitria e de aes de planejamento conter o desenvolvimento desenfreado da atividade turstica.

    Fechamos essa parte da publicao com mais dois relatos de experincias que buscaram no turismo de base comunitria um vetor de desenvolvimento lo-cal. Oliveira e Marinho apresentam a histria da comunidade quilombola de Fur-nas do Dionsio (Mato Grosso do Sul) e como o seu legado histrico-cultural tem sido fundamental no desenvolvimento social e humano da comunidade. J Bianco discute o forte potencial na associao entre o turismo e o modo de vida das fa-mlias rurais em projetos de agricultura familiar, especifi camente no municpio de Dois Irmos (Rio Grande do Sul).

    Como os leitores puderam notar, buscamos contemplar nesta publicao uma diversidade de olhares e abordagens para tentar compreender melhor essa atividade que vem crescendo e se consolidando como um grande aliado de comu-nidades rurais, do interior ou do litoral, em todo o Brasil. No pretendemos de forma alguma esgotar essa discusso. Muito pelo contrrio, gostaramos que este fosse um tema cada vez mais estudado, pesquisado e praticado para que possamos ter material para mais tantos volumes como este.

    A segunda parte desta publicao dedicada a uma breve descrio dos 50 projetos apoiados pelo Ministrio do Turismo por meio do edital 01/2008. A chamada para o edital atraiu cerca de quinhentas propostas de todo o Brasil

  • 20 TURISMO DE BASE COMUNITRIA

    das quais 50 foram selecionadas por uma banca formada por representantes do Ministrio do Turismo, por professores e pesquisadores de algumas universidades brasileiras e por consultores especialistas no tema.

    Todo o processo que envolveu o edital 01/2008 foi relatado e analisado por Silva, Ramiro e Teixeira, responsveis pela iniciativa dentro do Ministrio do Tu-rismo. Foram recebidas propostas que representam todas as macro-regies brasi-leiras, demonstrando uma verdadeira demanda por este tipo de chamada pblica. Merece destaque, ainda, o resgate feito pelos autores das primeiras discusses sobre turismo de base comunitria no interior do Ministrio.

    A diversidade da natureza das propostas tornou-se um grande desafi o para os organizadores do livro. A princpio defi niu-se que as propostas seriam apresen-tadas utilizando-se um formato descritivo padro para que favorecesse ao leitor um ritmo de leitura. Com base em experincias de pesquisa anteriores sobre o tema, elaborou-se uma fi cha padro que deveria ser preenchida. A fi cha foi estru-turada para se registrar a identifi cao do proponente do projeto, a localizao e o acesso, o domnio de natureza na qual esta inserida, possveis relaes com reas protegidas (visto que em pesquisas anteriores constatamos uma grande freqncia da relao entre turismo de base comunitria e proteo da natureza), o patrim-nio cultural tangvel e intangvel (com intuito de expor em parte a identidade cul-tural vinculada as propostas), as possveis atividades convivenciais, pois partimos da idia de que tanto quem recebe visitantes, quanto quem visita essas iniciativas, almejam experimentar novos vnculos, vivenciar experincias autnticas de conv-vio com o outro, estabelecer relaes de hospitalidade. Dessa forma procurou-se descrever possveis espaos convivenciais, onde o visitante tem a oportunidade de conviver com o anfi trio, seja nos espaos do trabalho, do lazer, da cultura ou do sagrado. Finalmente, procuramos expor qual a insero da instituio proponen-te e seus parceiros na comunidade e o papel de cada uma em relao a proposta aprovada.

    Para que pudssemos levantar todas essas informaes, contamos com o au-xlio de quatro pesquisadores que ao longo de seis meses buscaram estabelecer contato, via internet e por telefone, com os representantes de cada proposta apro-vada. Solicitamos que fi zessem uma primeira rodada de contatos para que puds-semos calibrar as fi chas e readequ-las, pois prevamos de antemo que haveria difi culdade no levantamento das informaes.

    Logo constatamos que a difi culdade seria maior do que o previsto. Entre as propostas, encontramos iniciativas que existem e funcionam como empreendi-mentos de turismo comunitrio; propostas para formao de lideranas comuni-trias; propostas cujo territrio envolve diversos municpios, propostas em reas urbanas, propostas feitas pelo poder pblico municipal, enfi m, uma diversidade que nossa ferramenta de pesquisa no estava preparada para receber.

  • 21BARTHOLO, SANSOLO e BURSZTYN . Apresentao

    Preparamos ento outra fi cha, com espaos para informaes mais simples e que nos facilitasse a exposio das principais caractersticas das propostas que no se enquadravam na ferramenta inicial. Uma ferramenta fl exvel, para que a variedade de possibilidades pudesse ser representada no livro.

    Contudo, outras difi culdades se apresentaram ao longo da pesquisa. Alguns proponentes no deram retorno aos contatos estabelecidos e alguns forneceram informaes muito limitadas. A soluo foi uma busca de informaes em outras fontes como em sites da internet e nas prprias propostas enviadas ao Ministrio do Turismo. Mesmo assim, no foi possvel coletar informaes sobre uma das 50 propostas. Por este motivo, o projeto AYTY Turismo de base comunitria do povo Tapeba promovido pela Associao para o Desenvolvimento Local Co-produzido ADELCO no consta nesta publicao.

    Finalmente decidiu-se expor os casos em forma de textos e no de informa-es separadas por tpicos. Dessa forma, entendemos que conseguimos alguma uniformidade na forma de apresentao, respeitando a diversidade de contedos de cada proposta.

    Uma vez fi nalizada a fase de levantamento de informaes, decidimos fi na-lizar esse trabalho com a exposio das propostas. O tempo para fi nalizao do livro e o tamanho do que j havia sido reproduzido foi determinante na opo em no se fazer uma anlise das experincias. Certamente esta ser uma nova fase de trabalho que pretendemos em breve realizar.

    Nosso objetivo foi o de reunir e apresentar as refl exes que hoje j esto disponveis sobre o turismo de base comunitria, como um passo para um apro-fundamento que exige olhares multifacetados, mas tambm que estejam abertos ao dilogo transdisciplinar que o tema necessita. Acreditamos que esta publicao marque o incio de uma parceria entre o Ministrio do Turismo e o Laboratrio de Tecnologia e Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ, visando o aprimo-ramento dos instrumentos pblicos de fomento ao turismo de base comunitria no Brasil. A consolidao do turismo de base comunitria enquanto atividade geradora de benefcios diretos as comunidades locais necessita de um esforo con-junto dos setores pblico e privado, da sociedade civil organizada e de instituies de ensino em todo o pas.

    Esperamos que o leitor possa se inspirar e perceber que o turismo de base comunitria antes de tudo, uma expresso do mundo contemporneo, onde as pessoas no se contentam mais em comprar, em vender. Vive-se um perodo em que produzir simulacros de relaes, da espetacularizao da natureza e da cultura com intuito de mercantilizao comea a ser questionado. O que o ser humano tem de mais rico a sua possibilidade de relao direta com o outro e com o diverso.

  • Diversidade de olhares

  • 25

    Introduo

    A indstria do turismo precisa conquistar constantemente novos espaos e in-corporar novas atraes sua oferta habitual e macia para dar respostas s no-vas tendncias da demanda mundial. Milhes de pequenas empresas familiares, cooperativas e comunitrias contribuem ao enriquecimento da oferta nos mbi-tos local, nacional e internacional, destacando-lhe diversos atributos prprios.

    O turismo rural comunitrio (TRC) encontra-se presente atualmente em todos os ecossistemas da Amrica Latina. O fenmeno tem sido observado em grande ascenso em locais de beleza paisagstica excepcional, dotada de vida sel-vagem e de atrativos culturais nicos. Florestas primrias ou secundrias, sejam estas secas de altitude ou tropicais; reas lacustres, insulares ou costeiras; man-guezais ou salinas cobrem um vasto leque de zonas ecolgicas: de exuberantes vales amaznicos aos glidos altiplanos. Diversas comunidades esto se abrindo para o mercado graas a um turismo com selo prprio, combinando atributos originais e autnticos, mas sem perder a sua alma.

    A participao das comunidades indgenas e campestres no turismo um assunto delicado e complexo. complexo em funo do impacto gerado por uma atividade muito competitiva e crescente internacionalizada em comunida-des localizadas em regies remotas, dedicadas s atividades tradicionais de so-

    O turismo rural comunitrio na Amrica Latinagnesis, caractersticas e polticas

    CARLOS MALDONADO

  • 26 TURISMO DE BASE COMUNITRIA . Diversidade de olhares

    brevivncia, com poucas fontes alternativas de rendimento. delicado em funo do carter ambivalente do turismo: embora isto represente uma oportunidade para melhorar o bem-estar das comunidades, no obstante, sempre traz consigo efeitos de pacote, muitos destes irreversveis, como as alteraes nos padres de produo e de consumo, e as ameaas a cultura indgena.

    Este artigo abordar o TRC a partir de vrias perspectivas. Primeiramente, sua gnese atravs de fatos histricos que explicam o seu surgimento para em se-guida desenvolver alguns aspectos conceituais. As fraquezas inerentes a oferta do turismo comunitrio sero realadas, assim como o carter heterogneo de suas formas e graus de participao no mercado. Para fi nalizar, foram analisadas algu-mas medidas de poltica pblica destinadas a reconhecer e a incentivar o exerccio do turismo comunitrio em alguns pases da Amrica Latina.

    Origem do turismo rural comunitrio

    O TRC um fenmeno recente na Amrica Latina; as primeiras incurses de comunidades isoladas so datadas em meados dos anos 80. Diversos fatores de ordem econmico, social, cultural e poltico explicam a sua origem.

    O primeiro fator refere-se s presses mundiais do mercado turstico, cujas correntes mais dinmicas so o turismo cultural e o turismo de natureza. Como resultado destas falsas tendncias nas ltimas trs dcadas, as comunidades rurais e indgenas vm enfrentando crescentes presses do mercado sobre seus patrimnios naturais e culturais. Muitas ONGs ambientais encorajaram diversas comunidades a receber turistas em seus territrios por considerarem uma opo vivel para a preservao de seus recursos naturais, do meio ambiente e da biodiversidade local. Algumas autoridades pblicas e empresas privadas, incentivadas por bancos mul-tilaterais (como o BID e a CAF), juntaram-se a este esforo, convencidos de que as operaes tursticas comunitrias contribuem para a diversifi cao da oferta nacio-nal e so consistentes com as novas correntes da demanda mundial.

    O TRC responde a um segmento do mercado especializado (nicho) ao diri-gir-se a pequenos grupos de viajantes em busca de experincias pessoais originais e enriquecedoras, combinando vivncias culturais autnticas, desfrutando de ce-nrios naturais e de uma remunerao adequada do trabalho comunitrio. Esta modalidade contrasta com o padro convencional do turismo de massa, cujos pacotes rgidos e impessoais obedecem a uma lgica econmica de um retorno imediato e mximo dos investimentos.

    O segundo setor explicativo do TRC deriva-se das necessidades econmicas e trabalhistas da grande maioria das comunidades que buscam superar uma si-

  • 27MALDONADO . O turismo rural comunitrio na Amrica Latina

    tuao de pobreza crnica. A incidncia de pobreza na Amrica Latina tem sido historicamente alta. O mapa de sua distribuio revela duas tendncias: uma forte concentrao geogrfi ca nas reas rurais e os indicadores so especialmente agra-vados nos povos nativos.

    Na verdade, h mais de uma dcada, a pobreza na regio manteve-se em tor-no de 45% da populao, e a indigncia em 20%; os ndices para o setor rural re-presentaram 65% e 39%, respectivamente, ou seja, o triplo dos ndices urbanos. Ainda que a pobreza tenha diminudo em cerca de 10% durante o recente ciclo de bonana (2003-08), no obstante, a pobreza segue afetando 182 milhes de indivduos; as mulheres so responsveis por 20% destas famlias1. Com relao aos povos indgenas, os ndices tendem a piorar ou a diminuir mais lentamente do que no resto da populao; uma situao preocupante para um continente que aspira cumprir o objetivo de reduzir pela metade os ndices de pobreza at o ano de 2015.

    A vontade de superar a pobreza levou milhares de comunidades a buscar fontes alternativas de renda frente aos limitados resultados da economia de so-brevivncia. Uma das opes implementadas a dinamizao das atividades no-agrcolas: a pequena agroindstria domstica, o turismo e os econegcios possuem um potencial ainda no explorado. Sem ser uma panacia, o turismo, gerido sob determinadas condies, pode contribuir na revitalizao da economia rural, gerando novas fontes de emprego e de renda. A valorizao do patrimnio ambiental e dos acervos culturais pode signifi car vantagens competitivas para os negcios comunitrios.

    O terceiro fator que explica o surgimento do TRC o papel relevante que de-sempenham as pequenas e microempresas no desenvolvimento econmico local e na diversifi cao da oferta turstica nacional. O setor do turismo cobre uma ampla gama de pequenos negcios que se encontram na base piramidal, confi gurando segmentos especializados.

    As pequenas e microempresas tm como denominador comum a prestao de servios personalizados ao cliente, operaes com escala reduzida e uma grande fl e-xibilidade de operao. Por serem espalhadas em todo o territrio nacional do vida a um grande tecido que mobiliza recursos, gera riquezas e distribu renda para as economias locais. No entanto, dadas as poucas barreiras existentes entrada neste setor, as pequenas empresas podem crescer rapidamente, criando uma concorrncia exacerbada e a deteriorao dos recursos naturais e dos servios aos clientes.

    O quarto fator associado origem do TRC so as estratgias polticas do movimento indgena e rural da regio para preservar seus territrios ancestrais parte essencial do seu patrimnio e base material de sua cultura na tica de incorporao aos processos de globalizao com sua prpria identidade.

  • 28 TURISMO DE BASE COMUNITRIA . Diversidade de olhares

    Com a acelerao da globalizao, os interesses pelo controle dos cobiados recursos naturais que agregam tais territrios aguados, alcanando nveis dram-ticos em determinados casos. Nos planos de desenvolvimento impulsionados por vrios governos, colonizadores de novas terras, grandes consrcios de ex-trao de recursos fl orestais, mineradores e petroleiros, empresas de explorao agrcola e pecuria tm invadido territrios dos povos nativos. Desta forma tem-se violado o direto de propriedade, assim como os direitos de consulta prvia e bem informada dos povos indgenas, segundo a Conveno n 169 da OIT, ratifi cada pela maioria dos pases da regio.

    Neste contexto, os receios de muitas das comunidades no que diz respeito aos impactos nocivos provenientes do turismo so bem fundamentadas. As inter-venes externas podem signifi car um aumento na sua dependncia no mercado, um desmembramento de seus territrios, uma acelerao na perda de sua identi-dade cultural, um enfraquecimento de suas instituies e a coeso social que estas seguem. A atitude hostil de uma parte da comunidade tem causado fortes tenses internas entre os que defendem posies distintas. A percepo, as atitudes e os interesses das comunidades em relao ao turismo esto longe de ser homogneas e harmnicas.

    Defendendo o turismo comunitrio e seu patrimnio

    Estabelecer a natureza de a comunidade implica defi nir os princpios, valores, normas e instituies que regem a forma de organizao e convivncia de um determinado grupo humano, que por sua vez os diferencia de outros atores da sociedade. O seu objetivo fi nal assegurar o bem-estar comum e garantir a sobre-vivncia de seus membros, preservando sua prpria identidade cultural. Na esfera institucional, a comunidade rege-se por normas sociais, econmicas e polticas que regulam os processos de tomada de deciso, alocao de recursos, aplicao de justia e represso de delitos.

    A comunidade indgena designa um sujeito histrico, cuja coeso interna sustenta-se na identidade tnico-cultural, a posse de um patrimnio comum e a aceitao de um conjunto de normas e valores. A base da identidade comunitria tambm pode ser enraizada na conscincia de pertencer a um determinado grupo tnico, seja este descendente ou no de povos que habitaram e possuram vastos territrios do continente, antes da poca das colonizaes, tal como o caso dos povos afro-descendentes.

  • 29MALDONADO . O turismo rural comunitrio na Amrica Latina

    Contribuio dos povos indgenas diversidade bio-cultural mundial.2

    Representam 5% da populao mundial.Detm 80% da diversidade cultural do planeta. Conservam 80% da diversidade biolgica do mundo em seus territrios.Cultivam 65% das espcies vegetais consumidos no mundo.60% dos medicamentos a base de plantas foram descobertos graas aos seus conhecimentos ancestrais (xams).

    mundialmente reconhecido que os povos indgenas possuem um carter especfi co na medida em que so portadores de valores, de signifi cado e de iden-tidade histrica. A proteo e a valorizao de seus patrimnios revestem um in-teresse excepcional humanidade por ser parte de um legado universal: a riqueza cultural e a biodiversidade de seus territrios representam uma preciosidade em nosso planeta. A diversidade cultural para a humanidade to essencial como a diversidade biolgica para os organismos vivos.

    O patrimnio comunitrio formado por um conjunto de valores e crenas, conhecimentos e prticas, tcnicas e habilidades, instrumentos e artefatos, lugares e representaes, terras e territrios, assim como todos os tipos de manifestaes tan-gveis e intangveis existentes em um povo. Atravs disso, se expressam seu modo de vida e organizao social, sua identidade cultural e suas relaes com a natureza.

    Com apoio nessas premissas, o turismo abre vastas perspectivas para a valo-rizao do acervo do patrimnio comunitrio. Diversas avaliaes tm mostrado que, graas ao turismo, as comunidades esto cada vez mais conscientes do poten-cial que seus bens patrimoniais, ou seja, o conjunto de recursos humanos, cultu-rais e naturais, incluindo formas inovadoras de gesto de seus territrios.

    As estruturas de participao, deciso e controle que repousam sobre as ins-tituies das comunidades indgenas na Amrica Latina nutrem-se dos princpios da equidade, reciprocidade e confi ana. Estes princpios constituem a base do capital social, que designa o conjunto de valores, conhecimentos coletivos (ances-trais), tcnicas de produo, formas de conduta e de organizao, suscetveis de gerar comportamentos de cooperao entre seus membros e efi cincia no traba-lho, com a fi nalidade de preservar a coeso social e garantir sufi cientes meios de vida para assegurar a sobrevivncia do grupo como tal.

    Desde a perspectiva da afi rmao cultural, inegvel a fascinao que a reali-dade indgena exerce sobre a imaginao do turista internacional e nas motivaes pessoais dos viajantes. A riqueza cultural se manifesta atravs de uma variedade de rituais, celebraes e festividades civis, religiosas e comerciais (feiras agrcolas, de pecuria, artesanais, gastronmicas e medicinais) com um colorido e uma ex-

  • 30 TURISMO DE BASE COMUNITRIA . Diversidade de olhares

    pressividade, sendo produto do sincretismo pr-hispnico, colonial e republica-no. O fator humano e cultural da experincia o que cativa o turista e precede a simples motivao de imerso na natureza.

    Os princpios sobre os quais o turismo se baseia nas comunidades derivam da viso do mundo (cosmoviso) que estas possuem, ou seja, uma viso holstica onde o homem e a natureza formam parte de uma unidade total e indivisvel. A terra e as pessoas so complementares e esto unidas por um destino: garantir a harmonia do mundo que deve ser constantemente recriada, transcendendo o tempo e as pessoas. A regenerao da vida est baseada na reciprocidade de todas as formas de vida*. O conceito de desenvolvimento sustentvel, hoje em voga, inspira-se desta viso do mundo e sua fi losofi a de vida.

    Nossa concepo de desenvolvimento do turismo sustentado nos valores de

    solidariedade, cooperao, respeito pela vida, conservao e aproveitamento sus-

    tentvel dos ecossistemas e da diversidade biolgica que estes englobam. Conse-

    quentemente, ns somos contra qualquer desenvolvimento do turismo em nossos

    territrios que prejudique nossos povos, sua cultura e o meio ambiente.

    Ns esperamos que nossas comunidades possam prosperar e viver com dig-

    nidade, melhorando as condies de vida e de trabalho de seus membros. O

    turismo pode contribuir na concretizao desta aspirao na medida em que fi -

    zermos dele uma atividade socialmente solidria, ambientalmente responsvel,

    culturalmente enriquecedora e economicamente vivel. Com esta fi nalidade,

    exigimos uma distribuio justa dos benefcios que gera o turismo entre todos

    os atores que participam de seu desenvolvimento. Declarao de San Jos sobre

    o Turismo Rural Comunitrio, Arts. 1 e 2.

    O turismo no deve competir nem, e menos ainda, suplantar as atividades tradicionais que tm garantido a sobrevivncia de tais povos. concebida como um complemento ao progresso econmico e ocupacional para potencializar e di-namizar as atividades tradicionais que as comunidades controlam com imensa sabedoria e maestria.

    Reafi rmamos o direito de propriedade e controle de nossas terras e territrios

    fonte de subsistncia, identidade e espiritualidade , direito consagrado na

    * Nos contextos regionais, nacionais e locais, o autor deste artigo pde verifi car a presena desta viso nas esferas pblicas, domsticas e pessoais dos povos nativos, Maias, Quechua, Aymara e Mapuche.

  • 31MALDONADO . O turismo rural comunitrio na Amrica Latina

    Conveno n 169 da OIT, ratifi cado por todos os pases presentes neste evento.

    Consideramos que ao empreender qualquer atividade econmica, e o turismo

    em particular, deve-se adotar uma poltica de planejamento e gesto sustentvel

    dos recursos naturais. Queremos ser cautelosos quando da construo de novas

    infra-estruturas ou ampliao das j existentes. Declinamos vender ou ceder

    em concesso nossas terras a indivduos que no sejam de nossas comunidades.

    Desaprovamos toda deciso que viole este princpio. Declarao de San Jos

    sobre o Turismo Rural Comunitrio, Arts. 7.

    Por turismo comunitrio entende-se toda forma de organizao empresarial sustentada na propriedade e na autogesto sustentvel dos recursos patrimoniais comunitrios, de acordo com as prticas de cooperao e equidade no trabalho e na distribuio dos benefcios gerados pela prestao dos servios tursticos. A caracterstica distinta do turismo comunitrio sua dimenso humana e cul-tural, vale dizer antropolgica, com objetivo de incentivar o dilogo entre iguais e encontros interculturais de qualidade com nossos visitantes, na perspectiva de conhecer e aprender com seus respectivos modos de vida.3

    A empresa comunitria parte da economia social, mobiliza recursos pr-prios e valoriza o patrimnio comum com fi nalidade de gerar ocupao e meios de vida para seus membros. A fi nalidade da empresa comunitria no lucro nem a apropriao individual dos benefcios que so gerados, e sim a sua distribuio equitativa, atravs do investimento em projetos de carter social ou de produo.

    Defi cincias e riscos da oferta comunitria

    A globalizao do turismo cria um importante estmulo s comunidades, mas tam-bm exerce fortes presses, particularmente difceis de serem encaradas por pe-quenos negcios que funcionam de forma isolada. Diversos estudos evidenciaram as graves restries com que a maioria das comunidades enfrenta o mercado, ao permanecerem excludas das instituies governamentais e discriminadas do aces-so a recursos de produo, mercados, servios empresariais e demais incentivos oferecidos a estratos empresariais. Em particular, o dfi cit na educao, formao profi ssional, servios bsicos de sade e infra-estrutura rodoviria notrio. Tudo isto conduz a uma grande instabilidade e fraca competitividade dos negcios co-munitrios.

    A avaliao de cerca de trinta projetos de turismo comunitrio permite ca-pitalizar ensinamentos sobre as experincias observadas, a fi m de potencializar suas fortalezas, evitar erros do passado e, sobre tudo, atuar de maneira mais sbia

  • 32 TURISMO DE BASE COMUNITRIA . Diversidade de olhares

    futuramente. A informao disponvel permite entender o turismo comunitrio, desde a perspectiva dos problemas que sofre e dos desafi os que precisa encarar. Os mais notveis esto enunciados no quadro a seguir.

    As defi cincias constatadas resultam, em parte, da incurso das comunidades no turismo em situaes de improviso, ausncia de profi ssionalismo, desconhe-cimento do mercado e dos instrumentos de gesto de negcios. Em todo caso, desde que devidamente ponderados os riscos e os pontos fracos, uma srie de iniciativas operam em condies econmicas insustentveis, no contexto de pro-gramas de suposto alvio da pobreza.

    Defi cincias da oferta de turismo comunitrio

    Oferta dispersa e fragmentada, carente de estruturas e mecanismos regulares 1. de cooperao interna para organiz-la e externa para potencializ-la. Apesar das vantagens das parcerias serem percebidas, os esforos empreendidos ainda so incipientes e pouco sistemticos.

    Escassa diversifi cao dos produtos tursticos cujos componentes so 2. baseados exclusivamente em fatores naturais e herdados. Existe potencial e vontade para empreender inovaes que superem o mimetismo predominante.

    Gesto profi ssional limitada, tanto operacional como gerencial dos 3. negcios; as tendncias e o funcionamento da indstria do turismo so desconhecidos. As aspiraes das comunidades de acesso a servios de informao e capacitao permanecem amplamente insatisfatrias.

    Qualidade heterognea dos servios, com predominncia de qualidade 4. mdia e baixa. A competncia aguda com outras empresas tende a resolver-se somente em curto prazo e atravs da baixa de preos.

    Posicionamento incerto e imagem pouco divulgada do turismo comunitrio 5. em mercados e segmentos dinmicos: a promoo e comercializao so realizadas geralmente, por meios rudimentares, individuais e diretos.

    Defi cincia dos mecanismos de informao, comunicao e organizao 6. comercial: a fraca representao e capacidade para negociao com outros agentes da cadeia turstica no permite a tomada de decises estratgicas, alm do horizonte dirio.

    Participao marginal ou subordinada de mulheres e suas associaes na 7. concepo e conduo de projetos tursticos e, consequentemente, na captao de benefcios.

  • 33MALDONADO . O turismo rural comunitrio na Amrica Latina

    Dfi cit notvel de servios pblicos: rodovias, eletricidade, gua potvel, 8. saneamento ambiental e esgoto, comunicaes e sinalizao turstica. As comunidades no so capazes de cobrir estes custos; isto responsabilidade dos governos locais ou nacionais.

    Fonte: NETCOM: Manual Del facilitador, mdulo 3, p.25, OIT-REDTURS, 2006.

    O turismo no isento de riscos ou ameaas; a comunidade deve conhec-los e debater sobre estes antes de iniciar um negcio e durante todo o seu ciclo de vida, a fi m de salvaguardar seus interesses e minimizar os efeitos indesejveis. Mais do que uma simples abertura ao exterior, com o turismo as comunidades enfrentam uma srie de desafi os para os quais, muitas das vezes, no esto preparadas.

    Estamos conscientes de que o turismo pode ser uma fonte de oportunidades,

    mas tambm uma ameaa para a coeso social de nossos povos, sua cultura e

    seu habitat natural. Por este motivo, propiciamos a autogesto do turismo, de

    modo que nossas comunidades assumam o verdadeiro papel no seu planeja-

    mento, operao, fi scalizao e desenvolvimento.

    Incentivamos a participao de equipes interdisciplinares no planejamento

    comunitrio, na gesto e operao dos servios tursticos, assim como na reali-

    zao de estudos para avaliar a incidncia do turismo na vida de nossas comuni-

    dades. Declarao de San Jos sobre o Turismo Rural Comunitrio, Arts. 3 e 9

    O turismo uma atividade invasora e exigente; frequentemente geram graves efeitos negativos. Os estudos consultados advertem sobre os riscos que condu-zem a criao de confl itos internos, a acelerao de uma aculturao dos jovens e enfraquecimento da coeso social. Isto ocorre quando a atividade turstica no foi debatida e planejada sufi cientemente na comunidade, quando a sua gesto defi ciente e quando tenha subestimado o comportamento dos visitantes e das exigncias das operadoras de turismo.

    As comunidades mais dinmicas tm procurado abordar as exigncias do mercado e suas prprias restries de duas maneiras: diferenciando o seu produto e educando os seus profi ssionais. No primeiro caso, busca-se valorizar as manifes-taes de sua identidade cultural combinado com atrativos do turismo ecolgico, histrico e recreativo, em funo de uma especfi ca dotao de recursos. No se-gundo caso, tm tomado medidas para preparar os seus profi ssionais na realizao das funes complexas inerentes a operao turstica e a gesto do negcio.

  • 34 TURISMO DE BASE COMUNITRIA . Diversidade de olhares

    Formas e graus de participao das comunidades

    Com base nos estudos mencionados, estabeleceu-se uma tipologia acerca de seis modalidades genricas de participao das comunidades na indstria do turismo. A tipologia considera como fatores crticos a disponibilidade de recursos patrimo-niais aproveitveis pelo turismo (propriedade dos bens empresariais), o grau de iniciativa econmica da comunidade e sua participao na gesto do negcio.

    O quadro a seguir ilustra as formas de propriedade que prevalecem nos des-tinos comunitrios do Equador, e onde cerca de 60% so de propriedade e gesto das prprias comunidades. Depois seguem as iniciativas de tipo familiar dentro das comunidades, com 27%. As iniciativas em que o setor privado participa no investimento e na gesto da operao turstica somam cerca de 8% do total, ilus-trando assim a existncia de uma postura fl exvel e aberta das comunidades, na sua adaptao s novas circunstncias da globalizao.

    Formas de propriedade no turismo comunitrio, Equador

    Propriedade Freqncia PorcentagemComunitria 31 59.6Familiar 14 26.9

    Parcerias com o setor privado

    4 7.7

    Formas mistas 3 5.8Total 52 100.0

    Fonte: NETCOM: Manual del Facilitador, mdulo 3, p.12.

    1. Autogesto do negcio turstico. Uma comunidade decide por iniciativa pr-pria criar um negcio turstico mobilizando seus recursos patrimoniais naturais, culturais e humanos. Esta forma de autogesto implica na participao de seus membros em todas as fases da operao turstica: planejamento, prestao de ser-vios ao viajante, promoo e venda do produto e gesto. Obviamente, isso no exclui a contribuio de atores externos, como ONG, instituies acadmicas, governo central ou local e cooperao internacional, que orientam seus recursos na formao de profi ssionais, complementar investimentos na infra-estrutura e equipamentos, reforo na promoo e comercializao do destino comunitrio. Exemplos: A grande maioria das 300 comunidades promovidas atravs do portal REDTURS, na Argentina, Brasil, Bolvia, Chile, Colmbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Mxico, Nicargua, Panam e Peru, podem ser classifi ca-das nesta categoria.

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    2. Parceria de negcios com uma empresa privada. Um investidor e a comuni-dade assinam um contrato, legalmente aprovado, sob forma de uma parceria de negcios. Cada scio contribui com uma parcela de bens de capital social, tais como territrios comunais, conhecimentos coletivos, capital fi nanceiro, compe-tncias tcnicas e experincia empresarial. A comunidade tem o direito aos lucros variveis e, alm disso, recebe uma renda fi xa, mensal ou anual. Sua participao na gesto do negcio progressiva, podendo alcanar cargos administrativos e gerncia de sua empresa. No fi nal de um perodo determinado, geralmente entre 10 e 15 anos, a comunidade torna-se proprietria do investimento e, tambm, est livre da renovao do acordo com seu parceiro, de separar-se do parceiro e de fi rmar com outro diferente. Exemplos: O povo Ashuar (Kapawi Lodge, com Canodros), no Equador; a Comunidade Nativa Esseeja de Infi erno (Posada Ama-zonas, com Reinforest Expeditions) no Peru; a comunidade San Antonio (Takalik Maya Lodge com Agreco S.A.) na Guatemala, entre outras. 3. Parceria comercial com operadoras de turismo. Uma operadora de turismo ou uma agncia de viagens faz acordo com uma comunidade de enviar turistas, com a obrigao de prestar atendimento durante poucas horas ou cuidar da estadia durante alguns dias na comunidade. Esta, por sua vez, recebe uma comisso por turista e recebe tambm pagamento pelos servios prestados. Em alguns casos, a comunidade, que conserva a autogesto de seu negcio, tem a liberdade de fi xar suas prprias tarifas diretamente aos turistas; em outros casos, a operadora quem remunera a comunidade em termos dos servios prestados. A operadora controla a promoo e a comercializao do produto e, consequentemente, o fl u-xo de turistas. Para que a comunidade alcance os padres de qualidade exigidos pela operadora de turismo, esta prev o suporte de diversas formas: formao, assessoramento, emprstimos para investimentos na infra-estrutura e equipa-mentos, capital de giro para a fabricao de artesanatos, organizao de eventos culturais, etc. Exemplos: As experincias das comunidades Anapia e Llachn no Peru (ADETURS com All Ways Travel); Zbalo no Equador (Aguarico Trekking com Transturi); San Renato, Villa Carmen e Villa Vistoria na Bolvia (com Viajes Fremen) ilustram esta modalidade de fortalecimento de um negcio comunitrio, graas a uma parceria com o setor privado.4. Concesso de recursos comunitrios em usufruto. Uma operadora privada soli-cita a uma comunidade o uso e o desfruto temporrio dos recursos naturais de seu territrio e alguns servios culturais. Eventualmente, instala-se um acampamento, sem edifi car uma infra-estrutura fi xa. A ttulo de compensao pela concesso comunitria para garantir a operao turstica (s vezes incluindo a renncia do direito de caar em algumas reas), a empresa privada se compromete a assumir algumas obrigaes, tais como a prestao de trabalho temporrio comunidade

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    (das transportadoras e acompanhantes de guias externos), entregar alimentos ou uma quantidade de dinheiro, realizar investimentos na infra-estrutura da comu-nidade (mdicos, escolas, formao, transporte, etc.). Convm observar que as obrigaes assumidas pela operadora nem sempre so cumpridas. Exemplos: As comunidades quchuas de Zancudococha no Equador, no acampamento Pacuya, localizado na Reserva faunstica Cuyabeno, cooperam nestes termos com a empre-sa Transturi, proprietria do Flotel Orellana. 5. Trabalho assalariado para operrios. Uma empresa privada se instala ou rea-liza atividades tursticas no entorno territorial de uma comunidade, em razo dos excepcionais recursos naturais e/ou culturais da regio. Algumas famlias da re-gio participam a ttulo pessoal na operao turstica fornecendo mo de obra assalariada e temporria para desempenhar atividades fora da comunidade tais como cozinheiros, limpadores, motoristas de barcos, guias naturalistas, etc. Este um caso de proletarizao de famlias indgenas, no existindo um projeto co-munitrio para tal. Exemplo: As comunidades quchuas de Playas de Cuyabeno, localizadas na Amaznia do Equador ilustram esta modalidade de participao com a empresa Transturi.6. Formas hbridas. Algumas comunidades tm optado por parcerias com operado-ras privadas que trazem turistas e, ao mesmo tempo, proporcionam trabalho assa-lariado. As comunidades realizam investimentos prprios para prestar servios de estadia, transporte fl uvial, guias nativos e eventos culturais (bailes e demonstrao de tcnicas de caa, etc.). Simultaneamente, a comunidade aproveita as oportuni-dades de emprego geradas pela empresa privada, distribuindo-as entre os membros da comunidade, atravs de um sistema rotativo. Exemplos: As tribos siona de Puerto Bolvar e as sequias de San Pablo cooperam com vrias agncias de viagens; no primeiro caso com Nuevo Mundo e Neotropic; e o segundo com Etnotur. Ambas as experincias ocorrem na Reserva faunstica Cuyabeno do Equador.

    O que interessa destacar destas modalidades de participao o grau de controle que a comunidade pode exercer sobre os bens da empresa, a gesto da mesma ou o poder de negociao ante os agentes econmicos e institucionais externos. A captao de benefcios depende do grau de empoderamento alcan-ado, fator chave para a realizao dos objetivos de bem-estar da comunidade, equidade social e alvio da pobreza.

    Empresas em rede e competitividade

    A necessidade de atingir nveis mais elevados de efi cincia econmica e competi-tividade que os alcanados por empresas isoladas, tm dado origem a novas abor-

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    dagens de integrao econmica, organizao de produo e desenvolvimento empresarial. Uma das abordagens mais difundidas a da criao das empresas em rede. De maneira resumida, existem duas formas distintas de integrao em-presarial: a horizontal (agrupamentos, parcerias ou clusters) e a vertical (cadeias de produo). Ambas as abordagens so baseadas em formas de organizao e cooperao mais efi cientes do processo de produo, a valorizao do recurso hu-mano, o incentivo dos processos de aprendizagem contnuo e a gesto sustentvel dos recursos.

    As redes de integrao horizontal (clusters) so parte de uma estratgia de cooperao entre empresas de um mesmo setor, que compartilham uma base ter-ritorial, uma forte consolidao ao seu conhecimento, competncias tcnicas e modos de produo (capital social). As empresas fazem parcerias para obter van-tagens cooperativas derivadas do acesso aos servios comuns, economias de es-cala e uma capacidade crescente de negociao. Estas vantagens esto destinadas a traduzirem-se em nveis mais elevados de efi cincia econmica e, por tanto, a alcanar uma maior competitividade frente aos seus concorrentes e maiores cotas no mercado.

    Exemplos: A ttulo ilustrativo citaremos Runa Tupari (Provncia de Imbabu-ra) e a Cooperativa Salinas (Provncia de Guaranda), ambas nos Andes do Equa-dor; a Ruta Moskitia em Honduras; e a Cooperativa Campesina Agraria Atahual-pa Jerusaln, em Granja Porcn (Provncia de Cajamarca), nos Andes do Peru.

    As primeiras incurses da poltica pblica

    Embora o turismo represente uma fonte de reais benefcios para um crescente nmero de comunidades, existe um consenso sobre o fato de que estas no po-dem por si s suprir as insufi cincias causadas pelo ambiente em que operam. Na verdade, ainda h muito por fazer no mbito das polticas pblicas para alcanar um ambiente propcio para o desenvolvimento do TRC. Muitas tenses surgiram durante a ltima dcada por falta de dilogo e de mecanismos de concluso entre as comunidades, a fi m de criar condies favorveis para o seu desenvolvimento.

    Em conjunto com a problemtica empresarial mencionada acima, as deman-das mais frequentes das comunidades geralmente consistem no acesso aos mer-cados, linhas de crdito e assistncia tcnica, sem deixar de lado a melhora das qualifi caes profi ssionais. Os problemas gerais que os afetam so o reconheci-mento legal para o exerccio do turismo pelas comunidades, a prestao de servi-os pblicos e infra-estrutura rodoviria para o acesso dos visitantes aos destinos fi nais. Menos frequentes so as demandas para a atribuio de territrios para

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    o aproveitamento dos recursos naturais, a (co)gesto de stios arqueolgicos e a eliminao de algumas barreiras institucionais.

    Um dos pases que permite ilustrar uma situao de fato a Guatemala. Em-bora nenhuma lei ou decreto declare dar qualquer prioridade ao TRC na poltica estatal, a verdade que a ao do Instituto Guatemalteco de Turismo (INGUAT) tem sido relativamente constante nos ltimos cinco anos. Os seus objetivos vi-sam a melhora na comunicao com as comunidades organizadas em torno da Federao Nacional de Turismo Comunitrio da Guatemala (FENATUCGUA); apoi-las no desenvolvimento de projetos, no marketing e na gesto dos fundos; coordenar aes com as instituies do governo e as ONGs a favor do TRC; e apoiar a realizao de eventos nacionais e internacionais.

    Em 2007, o INGUAT emitiu um acordo de reconhecimento do exerccio legal de guia comunitrio, que, em troca de recompensas fi nanceiras, assume a funo de informar, acompanhar e direcionar o turista em sua comunidade rural, para demonstrar o modo de vida de sua cultura, seus costumes e o ambiente rural. Este instrumento estabelece os requisitos para o seu exerccio, como a aprovao de um curso de formao realizado pelo Instituto Tcnico de Formao e de Pro-dutividade (INTECAP), sem a necessidade de um diploma universitrio.

    Em 2008 foi criado a Secretaria de Turismo Comunitrio, um rgo de coor-denao destinado a integrar os esforos de trs atores fundamentais: os setores pblico, privado e comunitrio, apoiados pela cooperao internacional. Cerca de 15 instituies participam desta secretaria e apiam diretamente as iniciativas decididas. As linhas de ao impulsionadas nos ltimos anos para a sustentabili-dade dos destinos comunitrios so: formao de guias de turismo comunitrio (15 por destino) em cinco comunidades; curtas ofi cinas de marketing, servio ao cliente e gastronomia internacional em benefcio de cerca de 15 organizaes co-munitrios, em mdia; formao de 20 profi ssionais no planejamento do TRC e elaborao de planos de negcios com a metodologia NETCOM da OIT.

    A Costa Rica um dos pases onde o TRC tornou-se mais enraizado, graas a uma dupla vertente: de base cooperativa (COOPRENA) e grupos familiares (ACTUAR), com importantes ligaes com a populao local atravs de mltiplas parcerias que trabalham pela proteo e pela educao ambiental e, mais generi-camente, pela conservao da biodiversidade do pas. Grande parte dos projetos tem sido impulsionada por organizaes da sociedade civil, sustentadas por doa-es de cooperao internacional, principalmente atravs do PNUD, com o Fun-do para o Meio Ambiente Mundial (FMAM), criando na sequncia da Cimeira da Terra (Rio de Janeiro, 1992)4. A Aliana do Turismo Rural Comunitrio, uma organizao profi ssional que rene mais de 40 destinos no mbito nacional, tem como objetivo estabelecer alianas estratgicas, consolidar esforos para impul-

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    sionar aes a favor de seus membros com instituies governamentais centrais e locais, e uma sociedade civil organizada.

    Em 2007, o Plano Nacional de desenvolvimento sustentvel do Turismo do Instituto de Turismo Costarriquenho (ICT) reconheceu o TRC como um dos qua-tro eixos estratgicos para o desenvolvimento do turismo. Atravs de um decreto, declarou-se esta modalidade de turismo como de interesse pblico para o pas. Graas concesso de uma ao declaratria, os pequenos empreendimentos pos-suem a opo de sair do limbo da informalidade para acessar recursos tcnicos e fi nanceiros. Neste novo cenrio, estes podero ser incorporados s aes de promoo e comercializao conduzidas pelo ICT, e podero ter como objetivo servios de formao, capacitao e assistncia prestados pelo Instituto Nacional de Aprendizagem (INA).

    Uma Lei de Incentivo ao TRC foi aprovada pela Comisso Permanente Espe-cial de Turismo da Assemblia Legislativa (abril 2009), devendo ser aprovada por todo o plenrio legislativo.5 Este importante instrumento se prope a incentivar o crescimento das atividades existente e o surgimento de novas atividades para gerar rendas familiares adicionais e contribuir para a diminuio da pobreza rural. Ela fornece incentivos compra de veculos, micro-nibus e motores de popa, assim como a importao de tecnologias alternativas (equipamentos, materiais e insumos) para o tratamento de esgoto.

    Segundo o porta-voz do Instituto de Turismo da Nicargua (INTUR), a po-ltica de promoo do TRC na Nicargua surgiu de um processo de dilogo du-rante dois anos (2008 e 2009) entre o principal organismo pblico de turismo no pas e a Rede Nicaraguense de Turismo Rural (RENITURAL), com objetivo de dinamizar o setor. A sua aplicao entrar em vigor em 2010. Segundo estimativas recentes, nos ltimos dois anos o nmero de comunidades rurais ativas no turismo dobrou, chegando a cerca de 100 iniciativas em 2009. A lei ir regular a atividade destas e incluir componentes de assistncia para gerar capacidade rural comuni-tria, promover seus destinos nos mercados externos e melhorar a infra-estrutura rodoviria para o acesso aos viajantes.

    No Equador, pas pioneiro nesta questo, diversos instrumentos legais reco-nhecem os direitos das comunidades rurais tursticas. A Lei de Turismo de 2002, por exemplo, consagra o direito das iniciativas comunitrias indgenas, rurais, campestres (montubia) e afro-equatorianas a participar do turismo como presta-dores de servios, e fazer parte do Conselho Consultivo de Turismo, um rgo de assessoramento do Ministrio do Turismo (MINTUR) que coordena as aes en-tre os setores pblico, privado e comunitrio. A regulamentao das atividades tu-rsticas nas reas Naturais Protegidas reconhece a participao das comunidades na preservao e conservao dos ecossistemas, graas s suas prticas ancestrais.

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    Aps duras negociaes com a Federao Plurinacional de Turismo Comu-nitrio do Equador (FEPTCE), o MINTUR desenvolveu iniciativas ideais s co-munidades para o exerccio do turismo em seus territrios, chamado de Centros de Turismo Comunitrio. Em fevereiro de 2008 foi emitido o regulamento para o seu registro, e em maro de 2009, as instrues para o seu registro com os pa-dres mnimos para a prestao de servios de estadia, alimentao e bebidas.6 No entanto, o processo burocrtico que foi criado, o carter convencional de certos padres e o custo proveniente de uns e outros sugerem um risco de novas barrei-ras no exerccio do TRC no Equador.

    Em funo dos avanos registrados em outros pases, o Ministrio do Co-mrcio Exterior e Turismo (MINCETUR) do Peru tem feito nos ltimos anos grandes esforos de aprendizagem e vontade de realizar o enorme potencial que o pas possui na questo do TRC, incorporando-o na oferta nacional. O Plano Nacional Estratgico do Turismo (PENTUR) prev a promoo da participao da comunidade, com foco principal nas mulheres e jovens, a fi m de gerar for-maes no nvel local para a operao e gesto do desenvolvimento turstico e o desenvolvimento empresarial do TRC. As Orientaes para o Desenvolvimento do Turismo Comunitrio (setembro 2008) defi nem os objetivos especfi cos de: reforo da capacidade local de planejar e gerir o turismo comunitrio; diversi-fi cao da oferta e a formao de novos mercados atravs do desenvolvimento de produtos tursticos especializados e competitivos nas zonas rurais; criao de empregos e melhora nos rendimentos da populao local atravs da prestao de servios tursticos e a venda de produtos relacionados; reduo da migrao das populaes rurais.7

    O principal instrumento de interveno do MINCETUR o projeto de for-talecimento e desenvolvimento do TRC no Peru (TURURAL: 2007-2010). O seu objetivo principal a incluso dos setores sociais marginalizados, com baixo po-tencial de produo, no desenvolvimento da atividade turstica para sustentar um nvel de vida digno e superar a pobreza. O fortalecimento das instituies pbli-cas centrais e municipais para formular e implementar polticas a favor do turismo comunitrio, por um lado, e a gerao de capacidades locais para a promoo de servios tursticos e artesanais na rea rural atravs do MIPYMES, por outro lado, contribuiro para este objetivo. Cinco municpios-piloto, em igual nmero de regies, implementaro as estratgias orientadas ao TRC.

    O Plano Nacional de Turismo na Bolvia prioriza o desenvolvimento do TRC, no contexto da democratizao dos benefcios do turismo, a partir da incor-porao das comunidades indgenas, rurais e urbanas no planejamento e gesto do turismo a partir de uma perspectiva territorial. As propostas do Plano que preconizam um modelo de incluso da gesto turstica com promoo de empre-

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    sas comunitrias so, sem dvida, as mais elaboradas da regio tanto em termos estratgicos quando pragmticos.

    O universo do programa inclui 15.000 comunidades rurais e urbanas, com formas de organizao tradicional e no tradicional, cujas caractersticas funda-mentais so: a propriedade coletiva da terra e de seus recursos; a gesto de uma organizao territorial estabelecida; e um sistema democrtico participativo nas tomadas de deciso e a distribuio de benefcios e deveres.

    O objetivo geral visa eliminar a pobreza graas a uma estratgia diversifi cada de gerao de empregos e de receitas, articulando aes entre os setores privado e pblico. Distinguem-se dois programas: o fortalecimento dos destinos comu-nitrios consolidados ou em vias de consolidao; e a criao da oferta turstica indgena e comunitria em regies com altos ndices de pobreza.

    O projeto de fortalecimento de empreendimentos tursticos comunitrios existentes ser implementado com base nas infl uncias dos produtos, circuitos e destinos que j recebem fl uxos de turistas no pas e que tm sido priorizados no Plano Nacional (grandes locais naturais e monumentos histricos e culturais). Ser igualmente apoiada a criao de novos empreendimentos comunitrios ao re-dor destas reas, diversifi cando e complementando a oferta de servios tursticos. Para cada um destes projetos prev-se a formulao e implementao de um pla-no estratgico participativo com seus componentes de diagnstico, organizao, formao, promoo, assistncia tcnica e infra-estrutura, e a confl uncia de aes e investimentos pblicos e privados.

    O projeto de criao de oferta turstica indgena e comunitria nas regies com altos ndices de pobreza muito mais complexo e de difcil viabilidade. Estas regies padecem de um alto dfi cit de infra-estrutura, servios bsicos, potencial de produo e carecem de recursos humanos para criar, operar e administrar ne-gcios. Alm disso, para conseguir certo impacto, o desenvolvimento de novos destinos e complexos tursticos nessas condies requer uma ao simultnea de programas de proteo social, construo de infra-estrutura e investimento pro-dutivo privado e pblico.

    Alm da complexidade da execuo de um programa desta natureza, somam-se fatores como a defi cincia institucional do pas, e do turismo em particular, a instabilidade econmica e as tenses polticas, que minam as bases da sua viabili-dade econmica, social e poltica.

    REDTURS: Fortalecendo as redes do TRC

    Um dos objetivos estratgicos da OIT o fortalecimento das organizaes de trabalhadores rurais e povos indgenas com a fi nalidade de reduzir o grave dfi cit

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    de trabalho decente e contribuir na eliminao da pobreza que os afeta. Sob esta perspectiva, dada nfase criao de redes, ao intercmbio de experincias e participao destes atores no debate de questes prioritrias, incentivando pro-cessos de aprendizagem coletiva e elaborao de agendas de trabalho conjuntas.

    O desafi o das comunidades rurais da Amrica Latina consiste na criao de estruturas e meios de presso poltica que lhes permita incidir a seu favor as deci-ses econmicas e institucionais que afetam suas condies de vida e o bem-estar. Somente aumentando o seu poder de barganha as organizaes podero, por um lado, promover polticas pblicas que incentivem seus projetos de produo e, por outro lado, subscrever acordos de comrcio justo com operadoras de turismo nacionais ou transnacionais.

    FEDERAES NACIONAIS E PARCERIAS LOCAIS DETURISMO COMUNITRIO PARTICIPANTES NOS ENCONTROS REGIONAIS REDTURS: 2007-2008

    RITA1. : Rede Indgena de Turismo do Mxico. SENDA SUR2. : Rede de Turismo de Chiapas Ecotours e Etnias, M-xico.FENATUCGUA3. : Federao Nacional de Turismo Comunitrio da Guatemala.A Rota Moskitia:4. Rede de comunidades, Honduras.MUTU5. : Rede de Turismo Mulheres Garfunas, Honduras.RENITURAL6. : Rede Nicaraguense de Turismo Rural. ACTUAR7. : Associao Costarriquense de Turismo Rural Comunitrio.COOPRENA8. : Consrcio Cooperativo Rede Ecoturstica Nacional, Costa Rica. Congreso9. KUNA: Secretaria de Turismo, Panam. KA ECOTRAVEL10. : Operadora Turstica Comunitria, Colmbia. ASOPRES:11. Associao de Prestadores de Servios Tursticos, Cali-ma, Colmbia. Runa Tupari12. : Rede Provincial de Imbabura, Equador.FEPTCE13. : Federao Plurinacional de Turismo Comunitrio do Equador. REDTURC-Titikaka14. : Rede Comunitria, Puno, Peru.Capachica:15. Rede comunitria de Capachica, Peru TUSOCO16. : Rede Boliviana de Turismo Solidrio Comunitrio. TURISOL17. : Rede Brasileira de Turismo Solidrio Comunitrio. ONPIA:18. Organizao Nacional de Povos Indgenas da Argentina.

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    Turismo Campesino:19. Rede dos Vales Calchaques, Salta, Argentina.Huella Gaucha:20. Rede Provincial de Turismo Rural de base comunit-ria, Jujuy, Argentina.Mapu Lahual21. : Rede de Parques Comunitrios, Chile.

    Para enfrentar este desafi o, o primeiro imperativo incentivar os processos associativos que articulam efi cientemente a oferta de servios e procuram uma insero competitiva nos mercados, propiciando o uso sustentvel do patrim-nio comunitrio. O segundo imperativo o fortalecimento da sua capacidade de auto-gesto, tanto no mbito empresarial como no organizacional, qualifi cando recursos humanos de uma nova gerao.

    Em resposta s aspiraes manifestadas por diversas organizaes indgenas e rurais, a OIT promoveu a criao da Rede de Turismo Sustentvel (REDTURS), cujo propsito acompanh-las nos processos de pensamento, encontrar solues e aplicao de estratgias que lhes permitam competir com vantagem no mercado, potencializando seus pontos fortes e superando suas carncias. Sob esta perspec-tiva, seis encontros consultivos regionais (entre 2001 e 2008) foram organizados, com apoio dos respectivos governos anfi tries, com participao de mais de 20 organizaes, de 13 pases.8

    A Declarao de Otavalo (2001) estabeleceu os princpios fundamentais e as linhas estratgicas de ao da RETURS, enquanto a Declarao de San Jos (2003) se deu pela auto-gesto e o papel das comunidades no planejamento, de-senvolvimento e avaliao das atividades tursticas em seus territrios. Um pro-grama de ao de cinco anos foi delineado, e vem sendo aplicado at os dias de hoje. No Panam (2005) foi discutida a criao de uma marca coletiva do turismo comunitrio para coloc-la no mercado; tambm foram concebidas diretrizes de cdigos de conduta para que as comunidades pudessem elaborar seus prprios regulamentos e desenvolver destinos tursticos sustentveis.

    No mbito do encontro realizado na Bolvia (2007), foram debatidas ques-tes dos governos locais e das comunidades, onde foi delineada uma agenda para o desenvolvimento turstico participativo; examinou-se um diagnstico de 16 or-ganizaes nacionais e locais de turismo comunitrio com objetivo de consolidar suas estruturas representativas na regio. Finalmente, na Guatemala (2008), os dois temas analisados foram: conglomerados tursticos comunitrios bem-sucedi-dos, sistematizao do modelo e lies aprendidas; qualidade e sustentabilidade no turismo comunitrio; uma Carta de Qualidade para servios tursticos e uma Carta de Sustentabilidade para destinos comunitrios.

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    Em concluso, o TRC na Amrica Latina surge em um contexto de grandes alteraes sociais e econmicas. Em particular, a liberao dos fl uxos comerciais e fi nanceiros, a vigncia de novos paradigmas como o desenvolvimento sustentvel e a responsabilidade social empresarial. A fora da indstria turstica e as novas demandas expressas no mercado mundial representam uma fonte de oportuni-dade para os pequenos negcios comunitrios. Os atributos de originalidade e autenticidade que o turismo comunitrio combina constituem fatores de diferen-ciao e competitividade no mercado global e torna-o um nicho promissor para o futuro, desde que as empresas sejam geridas com uma crescente efi cincia e uma maior integrao na cadeia turstica, em condies de equidade.

    Para realizao plena de seu potencial, as autoridades pblicas, a cooperao internacional e a sociedade civ