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Saúde e cidadania – uma visão histórica e comparada do SUS Paulo Henrique Rodrigues e Isabela Soares dos Santos

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Saúde e cidadania – uma visão histórica e comparada do SUS

Paulo Henrique Rodriguese Isabela Soares dos Santos

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Apresentação

Este livro foi concebido com objetivos didáticos para alunos de graduação da área de saúde. Apresenta de forma sucinta o desenvolvimento da saúde pública brasileira no século XX e o processo de implantação do Sistema Único de Saúde, procurando contextualizar o tema no âmbito do desenvolvimento dos direitos de cidadania e das políticas sociais no Brasil e no mundo.

Como professores em cursos de graduação na área da saúde, sentíamos a necessidade de um texto didático sobre o SUS que servisse de base para a introdução dos alunos no tema. Daí surgiu a idéia deste livro. Quase todos os textos disponíveis tratam de aspectos do SUS e de seus antecedentes, não permitindo uma visão abrangente do tema, em geral são escritos ou em linguagem acadêmica – que nem sempre acessível para os alunos de graduação – ou numa linguagem técnica de caráter normativo.

Seu desenvolvimento inicial foi possível a partir do Programa de Iniciação Científica do Curso de Medicina da Universidade Estácio de Sá, dirigido por Hesio Cordeiro, um dos principais líderes da luta pela Reforma Sanitária. O projeto inicial de pesquisa que possibilitou o livro foi feito em conjunto com Isabela Soares dos Santos, pesquisadora da Fiocruz e funcionária da Agência Nacional de Saúde Suplementar e os alunos de medicina Anna Carolina Braga e Frederico Ferro, bolsistas de iniciação científica da Estácio, em 2004.

Ao longo do tempo, outros temas além do SUS, foram sendo incorporados ao projeto, tais como os diferentes tipos de sistemas de saúde existentes no mundo, as bases para a organização do setor privado de saúde no país e o desenvolvimento e a configuração das redes e sistemas de saúde. Tais temas são fundamentais para que alunos de graduação tenham mais subsídios para entender tanto os princípios que regem a saúde pública e privada no país, como seus méritos e dificuldades atuais.

Como livro didático, procura apresentar de forma simples, embora não simplista os temas que o compõem. Não discute a fundo temas teóricos de grande importância sobre os sistemas de saúde, mas contém uma postura crítica, procurando suscitar o debate sobre o SUS e a saúde privada no Brasil, assunto de grande interesse de todos os brasileiros, particularmente daqueles que irão trabalhar no mesmo.

Paulo Henrique Rodrigues e Isabela Soares dos Santos

Saúde e CidadaniaPaulo H. Rodrigues

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Siglas e Abreviaturas

ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicina de Grupo

AIH – Autorização de Internação Hospitalar (SUS)

AIS – Ações Integradas de Saúde (INAMPS)

ANA – Agência Nacional de Águas

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações

ANCINE – Agência Nacional do Cinema

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica

ANP – Agência Nacional de Petróleo

ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres

ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANSSAL – Administração Nacional do Seguro de Saúde (Argentina)

ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

ARH – Agences Régonales d’Hospitalisation (França)

CAP – Caixa de Aposentadorias e Pensões

CASSI – Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil

CES – Conselho Estadual de Saúde

CIB – Comissão Intergestores Bipartite (SUS)

CIT – Comissão Intergestores Tripartite (SUS)

CMS – Conselho Municipal de Saúde

CNS – Conselho Nacional de Saúde

CFS – Contribuição sobre a Folha de Salário

CONAMGE – Conselho Nacional de Autoregulamentação das Empresas de Medicina de Grupo

CONASP – Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária

CRIS – Comissões Regionais Interinstitucionais (INAMPS)

DATASUS – Departamento de Informática do SUS

DESAI – Departamento de Saúde Indígena (FUNASA)

DHOS – Direction d’Hospitalisation et Organisation des Soins (França)

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90)

FES – Fundo Estadual de Saúde

Saúde e CidadaniaPaulo H. Rodrigues

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FMS – Fundo Municipal de Saúde

FNS – Fundo Nacional de Saúde

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde

IAP – Instituto de Aposentadorias e Pensões

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano (Nações Unidas)

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/96)

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n.º 8.742/93)

LOS – Lei Orgânica da Saúde (Lei n.º 8.080/90)

NAFTA – North Atlantic Free Trade Act

NHS – National Health System (Reino Unido)

NOAS – Norma Operacional de Assistência à Saúde (SUS)

NOB – Norma Operacional Básica (SUS)

OMS – Organização Mundial de Saúde

OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde

OSS – Orçamento da Seguridade Social

PAB – Piso Assistencial Básico (SUS)

PAYG – pay as you go (regime de administração financeira da previdência social, baseado no regime de caixa)

PDI – Plano Diretor de Investimentos (SUS)

PDR – Plano Diretor de Regionalização (SUS)

PMO – Plano Médico Obrigatório (Argentina)

PPI – Programação Pactuada Integrada (SUS)

PSF – Programa Saúde da Família (SUS)

RHA – Regional Health Authorities (Canadá)

SAMHPS – Sistema de Atenção Médico-Hospitalar da Previdência Social

SAS – Secretaria de Assistência à Saúde

SES – Secretaria de Estado (ou Estadual) de Saúde

SESP – Serviços Especiais de Saúde Pública (depois Fundação – FSESP)

SIA – Sistema de Informações Ambulatoriais (SUS)

SIAB – Sistema de Informações de Atenção Básica (SUS)

SIH – Sistema de Informações Hospitalares (SUS)

Saúde e CidadaniaPaulo H. Rodrigues

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SINAMGE – Sindicato Empresarial de Medicina de Grupo e Empresarial

SIOPS - Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SUS)

SILOS – Sistemas Locais de Saúde (OPAS)

SMS – Secretaria Municipal de Saúde

SNS – Sistema Nacional de Saúde (Portugal)

SROS – Schéma Régional d'Organisation Sanitaire (França)

SPH – Service Publique Hospitalier (França)

SSN – Servizio Sanitario Nazional (Itália)

SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública

SUS – Sistema Único de Saúde

TFAE – Teto Financeiro de Assistência do Estado (SUS)

TFAM – Teto Financeiro de Assistência do Município (SUS)

UCA – Unidade de Medida Ambulatorial (SUS)

UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde

Saúde e CidadaniaPaulo H. Rodrigues

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Sumário

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................3

2. SAÚDE E PROTEÇÃO SOCIAL...................................................................................3

2.1. Direitos de cidadania.................................................................................................3

2.2. Regimes de proteção social......................................................................................3

2.3. Sistemas de saúde....................................................................................................3

2.4. Exemplos de sistemas de saúde...............................................................................3

3. ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE................................................................3

3.1. As idéias de Dawson.................................................................................................3

3.2 Os SILOS da OMS/OPAS..........................................................................................3

3.3. Elementos fundamentais de uma rede de saúde......................................................3

3.4. Modelos de gestão de redes e serviços....................................................................3

4. CIDADANIA NO BRASIL...........................................................................................3

4.1 Antecedentes (1822-1930).........................................................................................3

4.2 Nascimento e evolução (1930-1988).........................................................................3

4.3 Situação atual.............................................................................................................3

5. A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL ANTES DO SUS........................................................3

5.1 Até 1933.....................................................................................................................3

5.2 De 1933 a 1966..........................................................................................................3

5.3 De 1966 a 1977..........................................................................................................3

5.4 Reforma Sanitária......................................................................................................3

6. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE....................................................................................3

6.1 Um difícil processo de implantação............................................................................3

6.2 As lacunas do direito à saúde....................................................................................3

6.3 As diretrizes e os princípios do SUS..........................................................................3

6.4 Mecanismos de gestão do SUS.................................................................................3

6.5 Financiamento do Sistema.........................................................................................3

7. SETOR PRIVADO DE SAÚDE....................................................................................3

7.1. Nascimento e evolução.............................................................................................3

7.2 Composição do Mercado Privado de Saúde Brasileiro..............................................3

7.3 Outras características do mercado privado................................................................3

REFERÊNCIAS............................................................................................................3

Bibliografia........................................................................................................................3

Fontes documentais.........................................................................................................3

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1. INTRODUÇÃO

O que é setor de saúde? Quais são os seus objetivos? O que o compõe? Quem o faz funcionar? Para que as pessoas necessitam dele e o que esperam do mesmo? Como fazem para utilizar seus serviços? Parecem perguntas idiotas ou simplistas não é mesmo?

Afinal parece bastante óbvio que o setor visa tratar as pessoas doentes; que é composto de unidades de atenção à saúde, como hospitais, clínicas, laboratórios, postos de saúde; que seu funcionamento depende de médicos, enfermeiros e outros profissionais; e que as pessoas o procuram quando estão doentes, ou quando querem evitar uma doença.

Mas o setor de saúde envolve ainda outras questões. Uma delas é que a utilização dos seus serviços pelas pessoas depende de elas terem dinheiro para pagar, ou de existirem hospitais e postos de saúde públicos. Outra questão é a da qualidade dos serviços oferecidos. Uma outra é que além das unidades de atenção à saúde há: as indústrias de medicamentos; equipamentos; material médico-hospitalar; além de empresas de planos e seguros de saúde, com grande poder econômico e de influência sobre a forma com que o setor de saúde se organiza e como os serviços são prestados.

A primeira dessas últimas questões contém um problema que não é tão simples. Alguns serviços de saúde ou são privados e pagos, ou são públicos e gratuitos. Nos sistemas privados, mesmo que uma pessoa tenha uma doença grave, ou que esteja em risco de vida, ela precisa pagar para ser atendida. Já no sistema público, os serviços são oferecidos a todas as pessoas, independentemente de elas poderem ou não pagar por eles.

Na verdade o setor de saúde vem sendo organizado de forma muito diferente em todo o mundo. Alguns países criaram sistemas públicos que atendem a todos seus cidadãos de forma igual; outros criaram sistemas semi-públicos que atendem de forma diferenciada a cada grupo específico da população; e há, ainda, países onde a maior parte dos serviços é privada e o governo mantém hospitais e outras unidades para os mais pobres ou para os idosos.

Por que a organização do setor de saúde de cada país se desenvolveu de forma tão diferente? Teria sido por obra do acaso, ou há outra explicação? Que diferença existe entre a pessoa que paga por um serviço privado e outra que tem direito a um serviço público? A relação que cada pessoa tem com o setor de saúde depende apenas de ela poder ou não pagar pelos serviços? Porque alguns governos organizaram serviços públicos para todos seus cidadãos e outros não?

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), criado para oferecer atenção universal, para todos, existe desde 1988. Antes não era assim, o sistema público existente não era voltado para todos. Quando o SUS foi criado já havia um grande setor privado, que hoje continua existindo. O que levou o setor de saúde brasileiro a ter um setor público e outro privado? Como e porque o setor público brasileiro se transformou? Quais vêm sendo os resultados dessa transformação para a população, para os profissionais de saúde e para os prestadores de serviços de saúde e demais empresas do setor?

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São questões como essas, que este livro procura tratar e apresentar, de forma simples e objetiva, para que alunos de graduação da área da saúde e afins possam ter uma introdução à organização e ao funcionamento do setor em que, em futuro próximo, estarão atuando como profissionais. Este livro pretende, ainda, fornecer informações básicas para eles adquirirem uma consciência crítica em relação ao seu papel, como profissionais e cidadãos, num setor tão importante para toda a sociedade.

O segundo capítulo trata dos diferentes tipos de sistemas de proteção social e de saúde existentes no mundo e do tipo de relação das pessoas com eles, ou, dito de outra maneira, das diferenças existentes entre uma pessoa que paga por serviços privados e outra que tem direito a um serviço público de saúde. Traz, ainda, exemplos de alguns sistemas de saúde de países selecionados.

No terceiro capítulo são apresentados e discutidos os critérios e as diferentes formas de organização e gestão dos sistemas e redes de serviços de saúde. Novamente são apresentados exemplos da organização e gestão das redes e sistemas de saúde.

A evolução dos direitos de cidadania e do sistema público de proteção social no Brasil, que conformam e constituem o pano de fundo da evolução do sstema de saúde brasileiro, são o assunto do capítulo 4.

O capítulo quinto apresenta deforma resumida o processo de evolução do sistema público de saúde brasileiro, do início do século XX até o processo da Reforma Sanitária, dos anos 1980, que resultou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS é o tema do sexto capítulo, no qual é dada atenção especial às suas diretrizes, princípios, à organização, e às formas de gestão e financiamento.

Finalmente, o sétimo e último capítulo, de autoria de Isabela Soares dos Santos, apresenta a evolução do setor de saúde privado brasileiro, tanto do ponto de vista da organização, do funcionamento das empresas que operam planos e seguros de saúde, quanto dos prestadores de serviços, assim como as relações existentes entre ambos e, entre eles seus usuários.

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2. SAÚDE E PROTEÇÃO SOCIAL

De um país para o outro há grandes diferenças nos modos de pensar sobre os direitos das pessoas, ou dos cidadãos. Em alguns países, os direitos e políticas sociais abrangem toda a sociedade e de forma igualitária; em outros, os direitos e políticas são mais restritos, atingindo de forma diferente cada tipo de pessoa, ou cidadão. Em alguns, por exemplo, os direitos de sociais estão relacionados com a situação dessa pessoa no mercado de trabalho; em outros, só há políticas sociais do Estado para alguns grupos da população.

Qual é a razão dessas diferenças quanto aos direitos e políticas sociais entre os países, ou Estados nacionais? O que leva uns a organizarem políticas para todos seus cidadãos, enquanto outros o fazem apenas para alguns deles e outros, ainda, a separarem seus cidadãos em diferentes grupos, com direitos distintos?

Tais diferenças nascem do tipo de relação que existe em cada país entre seus cidadãos e seu governo, ou Estado. A história de cada país levou-os a desenvolverem diferentes formas de direitos e políticas sociais. O conjunto desses direitos e políticas sociais é chamado de Estado do bem-estar social, que assume diferentes tipos, segundo a evolução do processo político e social de cada país (ESPING-ANDERSEN, 1990, pp. 9-34).

2.1. Direitos de cidadania

O que são

Os direitos sociais fazem parte de uma idéia mais ampla que é a de cidadania. O conceito de cidadania mais utilizado e considerado clássico foi formulado por T. H. Marshall, sociólogo inglês. Para ele, o conceito contém três elementos: civil, político e social.

O elemento civil se refere basicamente aos direitos de liberdade individual – de ir e vir, de pensamento, de expressão, de crença religiosa, de propriedade. Da existência dos direitos civis decorre a possibilidade de as pessoas ou as empresas estabelecerem contratos entre si e de recorrem à Justiça, em caso de conflito com outro cidadão, empresa ou mesmo com o Estado, ou Poder Público. Seu conteúdo essencial é o reconhecimento pelo Estado do direito à liberdade individual e à igualdade formal de todos os cidadãos perante a Justiça. A idéia central relacionada com este tipo de direito é a da liberdade, que implica na redução da interferência do Estado na vida das pessoas.

O elemento político se refere à liberdade de associação político-partidária, à capacidade de participação no exercício do poder político, através da capacidade de cada cidadão votar e ser votado para cargo eletivo. Seu conteúdo essencial é o reconhecimento pelo Estado do direito de os cidadãos participarem nas decisões políticas, através do processo político-eleitoral. A idéia central relacionada com o direito político é novamente a da liberdade individual, entendida como autonomia perante o Estado (MARSHALL, 1967, pp. 63-66).

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Direitos de Cidadania, segundo T. H. Marshall

“O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Este último difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual [na Justiça]. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político deve-se entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor ... . As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do governo local [Grã-Bretanha]. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais” (Marshall, 1967, pp. 63-64).

“... é possível ... atribuir o período da formação da vida de cada um a um século diferente - os direitos civis ao século XVIII, os políticos ao XIX e os sociais ao XX. Estes períodos, é evidente, devem ser tratados com uma elasticidade razoável...” (op. cit. P. 66).

O elemento social se refere ao direito de os cidadãos terem acesso a um conjunto de políticas e serviços – como saúde, educação, aposentadoria – que lhes possa assegurar um mínimo de bem-estar e dignidade na vida. Seu conteúdo essencial é o reconhecimento pelo Estado de que para haver maior igualdade social é preciso que uma série de necessidades básicas dos cidadãos seja atendida mediante políticas públicas.

Direitos do homem, segundo Norberto Bobbio

“... os direitos do homem... são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual...” (BOBBIO, 1992, p. 5).

“... o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade [ou civis], isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais - concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia - ...; finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências - ... valores -, como os de bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado.” (op. cit., pp. 32-33).

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Outro importante autor que defende uma idéia muito parecida com essa é Norberto Bobbio – filósofo italiano e autor de diversas obras sobre política e direito e um dos autores mais clássicos a respeito da questão dos direitos de cidadania.

Como se pode ver nos trechos citados, ambos definem de forma semelhante a cidadania (Marshall) e os direitos do homem (Bobbio) como formados por três elementos ou conjunto de direitos básicos - civis, políticos e sociais - que se foram formando gradual e sucessivamente, ao longo de um processo histórico de luta social.

Como se desenvolveram

A história do desenvolvimento dos direitos de cidadania não foi nem fácil nem curta. Estendeu-se pelos últimos quatro séculos e prossegue até nossos dias. As primeiras conquistas, relativas aos direitos civis, ocorreram ao longo dos séculos XVII e XVIII. O início da conquista e do estabelecimento dos direitos políticos se deu no século XIX. Finalmente os direitos sociais começaram a ser estabelecidos apenas no século XX.

O nascimento dos direitos civis

Os direitos civis se desenvolveram inicialmente na Inglaterra, ao longo de um complexo processo de lutas entre a sociedade e o Estado, durante século XVII, conhecido como Revolução Inglesa. Tais lutas envolviam a Coroa e os nobres, de um lado, e, do outro, o parlamento e uma parcela expressiva da sociedade. Esse processo levou 49 anos (1740-1689), e três sangrentas trocas de poder entre a Coroa e seus adversários. Seu resultado final foi a redução do poder da Coroa e o reconhecimento, por esta, dos primeiros direitos civis da era moderna, que constam da Declaration of Rights, ou Declaração dos Direitos (KINDER e HILGEMANN, 1995, pp. 267-269; SILVA, 1998, p. 157).

No século XVIII, houve outras duas grandes revoluções que resultaram na implantação de direitos civis. A primeira delas foi a Revolução Americana, em que, depois de uma luta travada com a Inglaterra (entre 1775 e 1783), os Estados Unidos se tornaram independentes. Um dos seus principais resultados foi a ‘Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia’, de 1776, cujo conteúdo foi depois incorporado à ‘Bill of Rights’ (Carta de Direitos), de 1791, constituindo as primeiras 10 emendas à Constituição norte-americana de 1787 e tratam dos direitos de liberdade individual (MADISON et al, 1987, pp. 1-29; SILVA, 1998, pp. 157-159).

A segunda e a mais famosa dessas revoluções foi a Revolução Francesa de 1789, um sangrento processo de lutas que durou até 1792 e levou à substituição do poder da Coroa e da nobreza pela República. Um dos seus principais resultados foi a ‘Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão’, de agosto de 1789, influenciada pela declaração norte-americana. Ao contrário, entretanto, das declarações inglesa e norte-americana – que eram voltadas para os cidadãos dos respectivos países – a declaração francesa se reportava aos homens em geral, como fica claro em seu artigo primeiro: “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (BOBBIO, 1992, p. 93).

A conquista dos direitos civis foi fruto, portanto, dessas três grandes revoluções. Elas inauguraram uma era em que parte da humanidade veio a experimentar um

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grau de liberdade individual jamais experimentada antes. Depois delas, o gigantesco controle e opressão que o Estado exercia sobre as pessoas começou a ser dramaticamente reduzido. O desenvolvimento dos direitos civis continua até hoje. Em algumas sociedades ele ainda é muito reduzido, bastando lembrar a situação das mulheres em alguns países islâmicos e a situação de desigualdade dos negros e de outras etnias em diversos países.

O nascimento dos direitos políticos

Uma vez conquistados os direitos civis, apesar de gozarem de maior liberdade e de uma certa igualdade formal perante a Justiça, determinados setores da sociedade de diversos países perceberam que isto não era suficiente. As leis que regiam a vida em sociedade e serviam de base para as decisões da Justiça continuavam a ser elaboradas por uma elite e a ela beneficiavam principalmente. Pouco a pouco cresceu a consciência de que era necessário ampliar a participação da população nas decisões políticas e no processo de elaboração das normas que regiam sua vida.

O primeiro grande movimento de luta pela participação no poder político teve lugar novamente na Inglaterra, no século XIX. Conhecido como Movimento Cartista, ele, durante 17 anos (1830-47), sacudiu a Inglaterra na luta pela introdução, na Constituição (ou Carta Magna), da bandeira ‘um homem um voto’, que lutava pelo direito de voto para todos os cidadãos. A classe operária da Inglaterra, que lutava ao mesmo tempo por direitos trabalhistas, foi a principal base do movimento. O cartismo foi o primeiro movimento de caráter político do operariado, em todo o mundo (ELEY, 2005, p. 43; HOBSBAWN, 1987, p. 417).

As lutas pelo direito de votar e de ser votado continuaram e continuam em todo o mundo. Ao longo do século XX, foi a vez de as mulheres, em vários países, conquistarem este direito, antes restrito aos homens. Até hoje, contudo, em diversos países, há grandes parcelas da população, sem direitos políticos. Em outros, ainda há grupos excluídos – como é o caso das mulheres em alguns países – ou há falta de liberdade partidária, de expressão, ou de manifestação.

O nascimento dos direitos sociais

Entre os direitos humanos, são os direitos sociais os mais recentes. Eles só se desenvolveram efetivamente ao longo do século XX. Antes disso, houve uma experiência pioneira na Alemanha, no final do século XIX. Lá, entre 1883-89 foi aprovada uma legislação social que deu início aos sistemas de aposentadoria, de assistência à saúde e de seguro desemprego. O Estado alemão na época passava por um processo de enorme tensão política, por conta de três processos políticos de grande importância.

A unificação do país estava se completando, por meio de um dos seus estados, a Prússia, que, pouco a pouco, foi atraindo e submetendo à sua liderança diversos principados de língua alemã, que formam a Alemanha dos nossos dias. O país passava, ao mesmo tempo, por um intenso processo de lutas revolucionárias movidas por sua classe operária, a qual chegou, em 1848, a conquistar por pouco tempo o poder em Berlim. A Alemanha, sob a liderança da Prússia, buscava, ainda, desafiar o sistema de poder na Europa, dividido entre a maior potência da época, a Inglaterra, e outras potências secundárias, como a França, a Rússia e a Áustria. A liderança prussiana diante de tantas frentes de luta, procurou atrair o

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operariado para o seu lado, implantando a legislação social (ROSANVALLON, 1984, pp. 116-117).

Os países que seguiram os passos da Alemanha, no início do século XX, também passavam por uma grande tensão política e social. Ó México e a Rússia, logo após suas revoluções populares de 1911 e 1917, respectivamente, foram os primeiros países a implantarem direitos e políticas sociais abrangentes. A ‘Declaração dos Direitos Sociais’, que integra até hoje a Constituição do México e que reconheceu os direitos trabalhistas e de aposentadoria, foi resultado da revolução de 1911. Na Rússia, a revolução comunista de 1917, resultou na ‘Declaração do Povo Trabalhador e Explorado’, aprovada em janeiro de 1918, e deu início ao primeiro sistema de saúde do mundo voltado para todos os cidadãos, além de um sistema de aposentadorias e pensões (SILVA, 1998, pp. 165-167).

No decorrer do século XX, diversos países foram implantando direitos e políticas sociais. O principal impulso se deu após a Segunda Guerra Mundial, quando muitos passaram a adotar sistemas amplos de proteção social para toda ou grande parte de sua população. Um dos processos de maior repercussão se deu na Inglaterra, entre 1944 e 1948. Naquele país, como parte do esforço tanto de motivação da população para vencer a guerra, como de reconstrução nacional, foi implantado o Plano Beveridge, que organizou o National Health System, o primeiro sistema de saúde público de acesso universal do Ocidente, além de um amplo sistema público de aposentadorias e pensões (ROSANVALLON, 1984, pp. 114-116).

2.2. Regimes de proteção social

O que são

Os regimes de proteção social (ou de bem-estar social) são compostos por direitos e políticas sociais e visam o atendimento das necessidades básicas das pessoas e a garantia das condições mínimas de igualdade entre os cidadãos de um país. Tais direitos e políticas dizem respeito a uma série de áreas, como: a saúde, educação, previdência social (aposentadorias e pensões) e assistência social (sistemas de proteção para grupos mais vulneráveis da população: idosos, crianças, pobres, portadores de deficiência, entre outros).

Há diferentes tipos de regimes, os quais correspondem a entendimentos variados a respeito dos direitos de cidadania, tal como veremos no item seguinte. As cestas de políticas e serviços oferecidos à população também variam muito. As três áreas que constituem o núcleo dos regimes de proteção social são: a assistência e a previdência sociais, além da saúde.

Os diferentes tipos

Há basicamente três tipos de regimes de proteção social, que decorrem de entendimentos diferentes sobre o direito social. Uma das classificações mais utilizadas é a de Gosta Esping-Andersen (1990 e 2000) que aponta os seguintes regimes apresentados no Quadro 1, a seguir.

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É importante assinalar que a maior parte dos sistemas de bem-estar social do mundo combina diferentes aspectos destes regimes, assim na maior parte dos países eles não ocorrem de forma pura. Na Inglaterra e no Canadá, por exemplo, a saúde está organizada dentro dos princípios do regime social-democrata, enquanto a previdência social e a assistência social são organizadas de acordo com o modelo liberal. A Itália, por exemplo, adotou, desde a década de 1970, o regime social-democrata, mas até hoje, parte dos seus serviços de saúde ainda obedece ao modelo conservador, ou de seguro social.

Quadro 1 - Tipos de regime de proteção social

Tipos de regime Característica Exemplos de países

Liberal As políticas e serviços sociais públicos são restritos e voltados apenas para grupos considerados como mais desfavorecidos da sociedade, e grande parte dos serviços é privada.

Austrália, EUA, Grã-Bretanha, Nova Zelândia.

Conservador ou de seguro social

As políticas e serviços sociais são organizados de forma separada por categorias profissionais, como benefícios que decorrem da contribuição dos trabalhadores.

Alemanha, Argentina, Bélgica, França, Holanda.

Social-democrata As políticas e serviços sociais são entendidos como direito do cidadão e abrangem toda a sociedade de forma igualitária.

Cuba, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia.

Regime liberal

O primeiro regime, chamado de liberal, corresponde ao entendimento mais restrito do direito social. Os países que o adotam consideram que as necessidades sociais das pessoas devem ser atendidas principalmente pelo setor privado, em troca de um pagamento em dinheiro, devendo o Estado ser responsável apenas pela organização desses serviços para os cidadãos mais pobres, que não têm condições de pagar pelos serviços e sistemas de aposentadoria e saúde. Uma característica importante das políticas sociais deste tipo de regime de bem-estar é a de estarem baseadas em “teste de meios”, ou seja, a comprovação da situação de pobreza das pessoas, para que elas possam ter acesso aos benefícios sociais.

Entre os países mais desenvolvidos, são relativamente poucos os que mantêm a maior parte de suas políticas sociais baseadas principalmente no regime liberal, ou privado, com exceção dos países anglo-saxões (Austrália, Canadá, EUA, Grã-Bretanha e Nova Zelândia). Os Estados Unidos e a Suíça são os principais exemplos de países que adotam este regime no mundo desenvolvido (ESPING-ANDERSEN, 2000, pp. 74-77).

Regime social-democrata

Os países que adotaram o regime social democrata na organização de suas políticas e serviços sociais propõem que eles sejam igualitários e universais, ou seja, voltados para todos os cidadãos, sem diferenças. Este tipo de regime considera essas políticas sociais como um direito dos cidadãos. As propostas pioneiras, que incluíam os serviços de saúde, além da previdência social,

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surgiram na antiga União Soviética1 e na Suécia2 ainda na primeira metade do século XX, embora só fossem efetivadas mais tarde. Os exemplos mais típicos deste tipo de regime de bem-estar social existem nos países escandinavos – Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia (ESPING-ANDERSEN, 2000, pp. 78-81).

Regime conservador ou de seguro social

Em outros países, os sistemas de proteção social são amplos, abrangendo praticamente todos os cidadãos, mas as políticas e serviços sociais são organizados de forma diferente para cada grupo da sociedade. Nesses países, as políticas sociais são organizadas não exatamente em decorrência do reconhecimento do direito dos cidadãos, são antes benefícios a que fazem jus os trabalhadores de diferentes categorias profissionais que para isso contribuíram durante sua vida produtiva. Por esta razão este regime de proteção social é chamado de seguro social.

Nos países que adotam o sistema conservador, ou de seguro social, o acesso à aposentadoria, aos serviços de saúde, ao seguro desemprego e à assistência social depende da contribuição em dinheiro dos trabalhadores e é organizado de acordo com cada categoria profissional, por meio de diferentes agências, ou institutos. É chamado de regime conservador, por ter sido adotado na Alemanha, em primeiro lugar, ao final do século XIX, e ter tido o objetivo explícito de dividir as diferentes categorias de trabalhadores, de forma a melhor controla-las politicamente. Isto foi feito durante o governo de Bismarck, e por esta razão também é chamado de sistema bismarckiano de proteção social. É adotado em muitos países do continente europeu, da América Latina e na Ásia.

Outra característica importante do sistema de seguro social é a de estar fortemente fundamentado e voltado para a instituição familiar. Como é organizado por categoria profissional e beneficia os familiares dos trabalhadores, o sistema pressupõe a atenção ao conjunto das famílias. Ele se baseia, portanto, na lógica da família tradicional, que tinha, no passado, o homem como principal provedor e centro do núcleo familiar. As grandes mudanças por que vem passando a organização familiar nos últimos 40 anos vêm afetando negativamente a capacidade de os sistemas de seguro social atender plenamente a seus segurados (ESPING-ANDERSEN, 2000, p. 78-81-86).

2.3. Sistemas de saúde

Há diferentes formas de organização dos sistemas de saúde no mundo, as quais correspondem, de forma geral, aos tipos de regimes e bem-estar social acima apontados. Uns são públicos e voltados para todos, outros são públicos, ou semi-públicos, mas voltados para grupos restritos da população e outros, ainda, são privados. Os setores públicos de saúde são administrados direta ou indiretamente pelo Poder Público, e são financiados através de tributos, enquanto os privados são organizados empresas privadas e financiados pelos consumidores, que pagam pelos serviços.

1 Logo após a Revolução Bolchevique de 1917, o Estado soviético decretou a assistência à saúde pública e universal, só efetivada depois da Segunda Guerra Mundial (OMS, 2000, p. 12).2 Em 1930, a social-democracia assume o poder na Suécia, começando a construir as bases da política de bem-estar reorientada no sentido do universalismo, mas só em 1956 é criado o seguro nacional de saúde (Eley, 2005, p. 370).

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Tipos de sistemas

As diferentes formas de organização dos sistemas de saúde podem ser resumidas nos seguintes tipos básicos:

1. Sistema público de acesso universal: neste tipo de sistema os serviços podem ser utilizados de forma gratuita por qualquer cidadão, sem distinção. É financiado por toda a população, através de tributos, e administrado pelo Estado. A prestação de serviços neste tipo de sistema cabe, em geral, ao Poder Público, mas também pode ser feita também por serviços privados, como ocorre, por exemplo no Brasil, no Canadá e na Espanha. Este tipo de sistema existe geralmente em países que adotam os regimes de bem-estar social de tipo social-democrata, embora haja exceções, como a Austrália, o Canadá e a Grã-Bretanha, onde os sistemas de saúde são públicos e de acesso universal, mas as demais políticas de bem-estar social (assistência e previdência) são organizadas de forma liberal.

2. Seguro social: tal como as demais políticas sociais dos regimes de bem-estar deste tipo, os sistemas de saúde deste tipo são voltados para grupos específicos de pessoas, organizados por categoria profissional, e geridos por agências ou institutos de caráter semi-públicos, administrados por representantes dos trabalhadores e dos empregadores e, às vezes, do Estado. Só têm acesso aos serviços organizados por essas agências, os trabalhadores da categoria correspondente e seus dependentes. É financiado por meio de contribuições obrigatórias cobradas dos empregados e empregadores. A prestação dos serviços é feita tanto por estabelecimentos públicos, como privados.

3. Saúde privada: é voltada para as pessoas que pagam pelos serviços ou que contratam empresas de planos ou seguros de saúde. É financiada ou diretamente pelos indivíduos que contratam planos ou seguros de saúde, e também pelas empresas que os empregam. É administrada de forma privada, muitas vezes, com regulação, ou controle, pelo Estado. A prestação dos serviços é, em geral, feita por estabelecimentos privados e nem sempre se organiza como um sistema de saúde. É o correspondente, na saúde, aos regimes de bem-estar social de tipo liberal.

O Quadro 2, a seguir, sintetiza as principais características dos tipos de sistemas de saúde apresentados, com exemplos de países que os adotam.

Quadro 2 - Sistemas de Saúde segundo a forma de financiamento,do seguro e a responsabilidade pela provisão dos serviços

Sistemas Público de acesso universal

Seguro Social Privado

Forma de Financiamento

Tributos Contribuição sobre as folhas de pagamento das empresas

Privado

Forma de acesso

Universal Múltiplo, de acordo com as categorias profissionais

Individual

Condição de acesso

Direito de cidadania Benefício correspondente a

Pagamento pelo serviço

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contribuições pagas

Organização Pública Semi-pública Privada

Prestação dos serviços

Pública e/ou privada Pública e/ou privada Privada

Países (exemplo)

Suécia, Reino Unido, Itália e Espanha.

Alemanha, França, Argentina e Japão.

EUA, Nova Zelândia e Suíça.

É importante registrar que os sistemas de saúde de muitos países são mistos, ou seja, há combinações entre as diferentes formas de sistema em um mesmo país. Assim, quando se diz que um país adota um determinado tipo de sistema, está se falando, na verdade, do sistema que predomina naquele país. Nos EUA, por exemplo, apesar de predominar largamente o sistema privado, há sistemas públicos para os muito pobres e para idosos. No Brasil, na Espanha e em outros países há um sistema público de acesso universal ao lado do setor privado.

A maior parte dos países desenvolvidos assegura acesso aos serviços de saúde à maioria, ou a todos os seus cidadãos, seja através dos sistemas públicos de caráter universal – caso da Inglaterra, Canadá e Espanha –, seja sob a forma do seguro social obrigatório – caso da Alemanha, França e Japão. Veja bem, utilizamos a palavra cidadão e não habitante, porque o acesso ao sistema de saúde públicos, na maioria dos casos, só é assegurado aos cidadãos de um país, não o sendo aos imigrantes não legalizados.

Os EUA, a Nova Zelândia3 e a Suíça constituem exemplos praticamente isolados entre os países desenvolvidos, por não assegurarem o acesso de todos os seus cidadãos a serviços de saúde públicos nem na forma de sistemas de acesso universal, nem através de sistemas de seguro social. A maior parte dos habitantes desses países depende do setor privado para cuidar de sua saúde. Por causa disso, muitas pessoas dos EUA, por exemplo, ou por não terem recursos para contratar seguro de saúde privado, ou por não preencherem as condições necessárias para serem incluídos nos programas públicos existentes, acabam sem acesso a qualquer serviço de saúde (veja item 2.4.2, sobre o sistema de saúde norte-americano).

2.4. Exemplos de sistemas de saúde

Alemanha4

Contexto:

A Alemanha é uma federação, composta por 16 estados (länders), incluindo a região da capital, Berlim. Depois da Segunda Guerra Mundial, o país esteve dividido até 1989 em duas partes: A República Federal Alemã, capitalista, no lado ocidental, e a República Democrática Alemã (RDA), socialista, no lado oriental. Berlim, antiga capital do país, ficava no lado oriental e era também dividida em duas partes, uma administrada pelas potências ocidentais – EUA, França e Reino

3 O caso da Nova Zelândia é curioso, pois foi o primeiro país do mundo a implantar um sistema público de saúde em moldes universais (OMS, 2000, p. 12) e o único que retrocedeu no sentido do desmonte do sistema e as substituição por um sistema privado de caráter liberal, em 1993 (Hornblow, 1997) 4 As informações a respeito do Sistema de Saúde alemão estão baseadas nas seguintes fontes: EUROPEAN OBSERVATORY ON HEALTH CARE SYSTEMS (2000) e ROEMER (1991).

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Unido – e outra pela antiga União Soviética. O famoso muro de Berlim, erguido pelos soviéticos na década de 1960 separava a cidade. A queda do muro, em 1989, derrubado pela população dos dois lados da fronteira foi o maior símbolo da reunificação do país.

Durante os mais de 40 anos em que o país esteve dividido, em cada uma das partes vigorou um tipo diferente de sistema de saúde. No lado ocidental, foi mantido o sistema original de seguro social, de acordo com o modelo conservador criado no século XIX. No lado oriental, prevalecia o sistema público de acesso universal, montado de acordo com o modelo soviético. Desde 1989, vem se trabalhando para unificar os dois sistemas

Estatísticas:

Fonte: WHO (OMS) The world health report 2005.

Sistema de Saúde:

Como apontado anteriormente, o sistema de saúde alemão foi criado ainda no século XIX pela legislação social do governo de Otto von Bismarck, entre 1883 e 1889. A legislação social representou uma tentativa do governo alemão de procurar reduzir a influência do Partido Social Democrata, que liderava os operários e propunha uma revolução comunista no país, mediante a concessão de benefícios sociais ao revolucionário operariado alemão.

O sistema de proteção social, que incluía os serviços de saúde, foi concebido, para dividir o movimento operário, de forma a enfraquecê-lo. Por esta razão foi organizado, não a partir do direito, mas como um benefício social em contrapartida ao pagamento de contribuições financeiras obrigatórias pelos próprios trabalhadores e seus patrões.

Os serviços sociais, inclusive os de saúde, são organizados, desde então, por fundos correspondentes às diferentes categorias profissionais em que se divide a classe trabalhadora. Tais fundos se encarregam, além dos serviços de saúde, das aposentadorias, seguro de acidente de trabalho, seguro-desemprego e outros benefícios sociais. São dirigidos por representantes dos trabalhadores, dos empregadores de cada categoria profissional.

A administração e o financiamento conjunto dos fundos pelos trabalhadores e patrões visava obrigar os dois oponentes do conflito capital-trabalho a cooperarem num mesmo objetivo, substituindo, assim, a luta de classes pela colaboração mútua . Este caráter dos fundos criados pelo governo alemão despertou, inicialmente, entre os operários, uma grande oposição e até mesmo o

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boicote. Muitos deles, estimulados pelos social-democratas e pelos sindicatos, defendiam a existência de fundos de ajuda mútua, controlados e financiados apenas pelos trabalhadores.

Com o tempo, os fundos foram sendo aceitos e vieram a se transformar num dos bastiões políticos dos social-democratas, que inicialmente a eles se opunham. No seu início, os fundos eram livres para contratar serviços privados de saúde no mercado, segundo suas conveniências. O governo nacional limitava-se a estabelecer regras gerais para os fundos, que tinham quase completa autonomia administrativa. Cabia aos governos dos diferentes estados alemães a supervisão do funcionamento dos fundos.

Salvo pequenas alterações, o sistema se mantém basicamente o mesmo até hoje. Desde as dificuldades econômicas da década de 1930, foi estabelecido o co-pagamento, pelos usuários, dos serviços de saúde oferecidos pelos fundos. Desde 1931, em decorrência do lobby feito pelos médicos, os serviços ambulatoriais passaram a ser um monopólio destes, tornando-se objeto de contratos coletivos complexos entre as associações médicas e os fundos de saúde.

Por conta desta vitória da categoria médica, estabeleceu-se uma grande separação entre os serviços ambulatoriais, exercidos de forma liberal pelos profissionais médicos e os serviços hospitalares, em geral organizados pelos fundos ou pelos governos locais. Esta separação acirrou as rivalidades entre médicos que atuam no setor privado e os que atuam no interior dos serviços de saúde dos fundos e entre os médicos generalistas e os especialistas. Outra conseqüência da separação entre os serviços ambulatoriais e os serviços hospitalares foi a não organização de um grande sistema público de atenção básica.

Uma das conseqüências mais sérias do desenvolvimento do sistema de saúde alemão, na forma em que este veio a se organizar tem sido a forte tendência de crescimento dos seus custos. Nas décadas de 1950 e de 1960, o governo empreendeu diversas tentativas de reformar o sistema, todas elas abortadas pela oposição dos médicos, fundos e políticos. O aumento dos custos foi considerado explosivo na década de 1970, dando início a uma série de medidas de contenção a partir de 1977.

Finalmente nos anos 1990, uma série de medidas visando a contenção de custos começou a introduzir mudanças importantes no sistema de saúde alemão, que se havia mantido praticamente inalterado por mais de um século. Tais mudanças reduziram a separação entre a atenção ambulatorial e a atenção hospitalar, diminuindo a autonomia dos médicos, além de terem introduzido a liberdade de escolha e de associação aos fundos pelos trabalhadores e ampliaram o co-pagamento pelos serviços (EUROPEAN OBSERVATORY ON HEALTH CARE SYSTEMS, 2000).

Principais Problemas:

Os principais problemas do sistema alemão são: seu alto e crescente custo – só superado praticamente pelos custos do sistema norte-americano – e o fato de suas partes não funcionarem de forma integrada. Há, também, uma rígida separação entre o atendimento ambulatorial – organizado e desenvolvido de

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forma quase liberal por profissionais autônomos – e o atendimento hospitalar -- organizado e financiado pelos fundos de saúde.

Curiosidades:

Desde praticamente o início da formação do sistema de saúde alemão, houve fortes embates entre os profissionais médicos estabelecidos em moldes liberais, que mantinham seus próprios consultórios e os fundos de saúde. Desde 1890, os médicos alemães lutaram para manter sua autonomia profissional em relação aos fundos, organizando greves e pressões políticas sobre o Poder Legislativo. O conflito entre os médicos e os fundos de saúde permanece até os dias de hoje.

Para que se tenha uma idéia da força do movimento de resistência dos médicos, é importante dizer que uma única organização de defesa profissional a Hartmann Union chegou a ter 75% dos médicos alemães como seus associados em 1911. Em 1913, o governo teve de intervir no conflito, criando comissões conjuntas obrigatórias entre os médicos e os fundos, como um canal para a negociação das diferenças. O papel de tais comissões é assumido atualmente pelo Comitê Federal de Médicos e Fundos de Saúde.

Lições para o caso brasileiro:

A desintegração entre a atenção ambulatorial e a atenção hospitalar que prevalece na Alemanha constitui o oposto do que é buscado pelo Sistema Único de Saúde no Brasil. Um dos princípios do SUS é a “integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (artigo 7.º, I, da Lei n.º 8.080/1990).

Embora ainda não esteja em funcionamento pleno no Brasil, esse princípio é um dos pilares da organização do nosso sistema de saúde. A adoção do funcionamento em separado da atenção ambulatorial e da atenção hospitalar teria um impacto extremamente negativo, em função das condições de vida e de saúde de nossa população, que são relativamente piores, como se sabe, do que as que prevalecem na sociedade alemã. O controle de uma série de doenças infecto-contagiosas, por exemplo, se tornaria uma tarefa virtualmente impossível em nosso meio, caso prevalecesse uma separação tão grande entre a atenção básica e a atenção especializada.

Argentina5

Contexto

A Argentina é um país federativo, composto por 23 províncias, mais a Cidade Autônoma de Buenos Aires. Entre 1966 e 1983, o país viveu apenas três anos de democracia, sendo controlado, na maior parte do tempo, por uma ditadura militar. A partir de 1983, vêm se sucedendo governos civis, eleitos pela população.

5 As informações a respeito do sitema de saúde da Argentina estão baseadas nos seguintes documentos da OPAS: Country Health Profile (2002); e Transformaciones del sector salud en la Argentina estructura, proceso y tendências de la reforma del sector entre 1990 y 1997 (1998), além de CASTEJÓN e MARTOS (2004) e ROEMER (1991).

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Estatísticas

Fonte: WHO (OMS) The world health report 2005

O sistema de saúde

O sistema de saúde argentino é organizado segundo o regime de seguro social obrigatório. As Obras Sociais, instituições controladas pelos sindicatos, são responsáveis pela organização dos serviços de saúde, previdência e assistência social para os trabalhadores e seus dependentes. No país há cerca de 300 Obras Sociais voltadas tanto para os trabalhadores, como para os empregadores. A maior de todas é a Obra Social dos Empregados do Comércio, que arrecada 14,24% do total dos recursos financeiros administrados pelo sistema das obras sociais e atende 15,53% dos beneficiários do mesmo. Há Obras Sociais nacionais e provinciais. Estas últimas muitas vezes contam com financiamento parcial dos governos provinciais.

Desde meados dos anos 1990, o sistema de Obras Sociais vem passando por um importante processo de mudanças. A privatização de grandes empresas estatais, a redução de diversas categorias profissionais – como foi o caso dos bancários – e o crescimento do desemprego têm contribuído para o enfraquecimento do sistema das Obras Sociais, principalmente em função da redução de suas receitas. Desde as reformas dos anos 90, os beneficiários podem escolher a Obra Social à qual preferem estar vinculados.

Desde 1994, o governo argentino vem promovendo a desregulamentação do sistema e o fortalecimento de empresas privadas de planos e seguros de saúde. As Obras Sociais vêm sendo obrigadas a oferecer um Plano Médico Obrigatório (PMO), que inclui os principais procedimentos de atenção ambulatorial, internação e diagnóstico. Entre 1995 e 1996, foi reformado o setor de seguros contra acidentes de trabalho, que passou a ser de responsabilidade de seguradoras privadas, as quais passaram a desempenhar funções que antes cabiam às Obras Sociais.

As pouco mais de 300 Obras Sociais existentes estão submetidas ao controle da Administração Nacional do Seguro de Saúde (ANSSAL), que tem como missão garantir o acesso dos beneficiários à integralidade da atenção nos diferentes níveis de complexidade de serviços. Este órgão define normas e administra os subsídios do Fundo de Redistribuição das Obras Sociais, mecanismo financeiro que redistribui recursos entre as Obras Sociais, com o objetivo de reduzir as disparidades existente entre elas, em termos de oferta de serviços.

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Para a população idosa, há um serviço especial de saúde denominado Programa de Atenção Médica Integral (PAMI), criado em 1967 e financiado pelo orçamento federal. O PAMI administra fundos anuais de cerca de 2 bilhões de pesos (US$ 709 milhões) e beneficia 3,5 a 4 milhões de aposentados, cerca de 12% da população do país. É administrado pelo Instituto Nacional de Serviços Sociais para Aposentados e Pensionistas (INSSJP), um organismo autônomo do Estado.

Há uma série de hospitais públicos no país, responsáveis pela atenção a pobres e indigentes, atendimento de emergência para toda a população e pela prestação de serviços aos beneficiários das Obras Sociais, as quais remuneram os serviços efetuados. Eles são os maiores responsáveis pela oferta de serviços de saúde à população. Tais hospitais vêm funcionando ultimamente num regime de autogestão, que lhes confere uma autonomia administrativa relativamente grande.

O principal órgão governamental responsável pelo setor de saúde é o Ministerio de Salud de la Nación, e, além do Ministério, há um Conselho Federal de Saúde (COFESA). Cada uma das 23 províncias tem seu próprio ministério da saúde. Estima-se que o gasto total em saúde do país esteja dividido entre os seguintes componentes: hospitais públicos, 22%; obras sociais e PAMI, 36,8%; saúde privada, 19,2%; e medicamentos, 22%. O gasto público tem crescido, como forma de compensar as dificuldades enfrentadas pelas Obras Sociais.

Principais Problemas

Como o sistema de saúde do país é o do seguro social, nem todos os cidadãos argentinos têm acesso aos serviços de saúde. O Censo populacional de 1991 verificou que cerca de 62,2% da população conta com alguma forma de cobertura de saúde. Este percentual varia por região. Em Buenos Aires, capital do país, estima-se que 79,5% das pessoas estão cobertas por algum sistema de saúde, enquanto que na província de Jujuy são apenas 42,1% os que se encontram na mesma situação.

Como há grandes diferenças entre as Obras Sociais, em relação à sua capacidade de arrecadação e financiamento dos serviços de saúde, o acesso e a qualidade dos serviços oferecidos aos seus beneficiados é muito variável. Estima-se que 80% dos beneficiários do sistema de Obras Sociais pertencem a categorias profissionais cujo salário médio equivale a menos de 40% dos grupos de maiores salários.

O grande número de desempregados que resultou da crise econômica de 2001/2002, reduziu muito o número de pessoas que efetivamente têm acesso aos serviços de saúde e enfraqueceu ainda mais as Obras Sociais. Muitas dessas pessoas passam a depender dos poucos serviços públicos de saúde oferecidos para a população mais pobre, o que vem contribuindo para aumentar as necessidades de financiamento público do setor de saúde.

O setor de saúde argentino, que era um dos mais importantes e financeiramente mais sólidos de toda a América Latina, vem sofrendo um forte processo de desgaste desde a segunda metade dos anos 1990, e passa atualmente por sério problema de financiamento, em decorrência da crise econômica de 2001 e 2002.

Curiosidades

Além da contribuição de empregadores e trabalhadores, o financiamento das Obras Sociais contava também com taxas embutidas nos preços de mercadorias

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e serviços. Desta forma, os consumidores, ao comprarem uma passagem de trem, um selo no correio, ou gasolina nos postos de combustível, estavam pagando um percentual correspondente a taxas recolhidas pelas Obras Sociais. Ou seja, todos pagavam para que as diferentes categorias profissionais pudessem se beneficiar de serviços prestados pelas Obras Sociais.

Com as reformas econômicas de corte neoliberal promovidas nos anos 1990, que incluíram privatizações, estímulo à terceirização de serviços e maior competição entre as empresas, tais taxas deixaram de existir, enfraquecendo a situação financeira de diversas Obras Sociais, as quais além de financiar a atenção à saúde financiam aposentadorias e pensões, que constituem obrigações fixas.

Lições para o caso brasileiro

O sistema de saúde argentino baseado no regime de seguro social e organizado por meio das Obras Sociais demonstrou-se muito frágil e incapaz de se adaptar às mudanças por que vem passando a economia mundial nas últimas décadas. O aumento do desemprego e as mudanças na organização do processo de trabalho acabaram enfraquecendo as Obras Sociais, cujo financiamento está baseado nas contribuições sobre as folhas de pagamento, fazendo com que um número enorme e crescente de argentinos se visse desamparado no que diz respeito à atenção à saúde.

Canadá6

Contexto:

O Canadá é o maior país do hemisfério ocidental, com mais de 10 milhões de km2, embora a vida econômica e social esteja organizada em cerca de 20% do território, nas áreas mais ao Sul, em função principalmente do frio intenso e das condições inóspitas que prevalecem no Norte do país. O país é uma confederação regida por um Governo nacional, 10 governos provinciais e dois territoriais. Entre 1994 e 1997 figurou em primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas.

Como ex-colônia da Inglaterra, o Canadá ainda pertence ao à Comunidade Britânica (Commonwealth) e é formalmente governado pela rainha da Inglaterra, por conta de um Governador Geral por ela nomeado. O sistema de governo é parlamentar, sendo a mais alta autoridade de fato o primeiro-ministro apontado pelo Parlamento. A maioria da população do país descende de colonos britânicos e fala a língua inglesa. Uma minoria importante, no entanto, descende de colonos franceses, que habitavam o antigo Canadá francês, localizado no lado Oriental do país. A Província do Quebec, de língua francesa, é a de maior importância econômica no país e detém uma autonomia relativa no que diz respeito à cultura, idioma e comércio exterior.

6 As informações sobre o sistema de saúde do Canadá foram extraídas de: ARMSTRONG et al (1994), COMMISSION SUR L’AVENIR DES SOINS DE SANTÉ AU CANADÁ (2004), BARLOW (2002) e THERET (1999).

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Estatísticas:

Fonte: WHO (OMS) The world health report 2005.

Sistema de Saúde

Desde 1961, como resultado da Lei sobre Seguro Hospitalar e Serviços de Diagnóstico, promulgada em l957, todos os canadenses contam com atenção hospitalar e acesso a serviços de diagnóstico de caráter público. As províncias de Saskatchewan e da Colúmbia Britânica foram pioneiras no país, instituindo o acesso público, universal e gratuito em 1947 e 1949, respectivamente.

Atualmente todos os canadenses contam com atenção hospitalar e acesso a serviços de diagnóstico de caráter público desde 1961, como resultado da promulgação da Lei sobre Seguro Hospitalar e Serviços de Diagnóstico, promulgada em 1957. A partir de 1966, por força da Lei Federal sobre o Seguro Médico (Medical Care Insurance Act), o sistema de saúde se tornou efetivamente público e de acesso universal, passando a oferecer cobertura completa das ações e serviços de saúde para todos os cidadãos.

O sistema de saúde canadense está estruturado a partir dos médicos de família, generalistas que constituem a principal porta de entrada do sistema de saúde, controlando o acesso dos usuários à maior parte dos especialistas e exames de diagnóstico. Toda família canadense deve escolher um desses generalistas como seu médico de família de referência, tendo liberdade de escolha do profissional. Tais médicos, assim como os demais profissionais de saúde do país, não são funcionários públicos; prestam serviços para a população, mas esses serviços só podem ser remunerados pelo Estado, ou pelo sistema de saúde da província ou território onde estão instalados.

O acesso aos serviços é feito através da apresentação de um cartão de saúde, que constitui o principal documento de identificação do cidadão canadense, desde o momento em que nasce. Com base neste cartão, há um sistema informatizado de prontuário clínico unificado em todo o país, de forma a que os serviços e profissionais de saúde possam ter acesso, quando necessário, à história clínica dos pacientes.

O sistema de saúde é financiado com base em tributos, de forma compartida pelos governos Federal, provinciais e territoriais. O sistema de saúde é organizado com base nas províncias e territórios, ou seja, cada província ou território administra um sistema de saúde para seus cidadãos, com base em regras nacionais estabelecidas pela legislação e normas federais. Há pequenas

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diferenças, em termos de oferta de serviços, entre os sistemas provinciais e territoriais.

O sistema de financiamento das políticas sociais canadenses obrigava, tradicionalmente, o governo federal a contribuir com 50% das despesas realizadas pelas províncias e territórios, os quais eram responsáveis pela fixação do montante total das mesmas. Dessa forma, o governo federal não tinha poder sobre sua parte, que aumentava na medida em que as províncias aumentassem seu gasto. Como resultado, as despesas vinham crescendo ano a ano, apesar de todos os controles existentes e da reconhecida eficiência do sistema canadense.

Desde 1995, no entanto, o ajuste estrutural do Estado canadense, promovido pela área econômica do governo, determinou cortes drásticos nas transferências de recursos às províncias relativas ao sistema de saúde, contrariando a estratégia geral de assegurar relativa igualdade social e o sistema nacional de saúde. O objetivo era reduzir as despesas federais, em busca do equilíbrio orçamentário. Os cortes orçamentários passaram a atingir toda a política social do governo e não apenas o setor de saúde. A redução dos gastos sociais do governo federal, entre 95 e 97, chegou a 23,7%. Tais cortes passaram a afetar tanto a qualidade dos serviços quanto a sua extensão.

O sistema conta com numerosos organismos de cooperação e integração entre as províncias e territórios, além de diversos comitês para a regulamentação de assuntos específicos, como é o caso da gestão de tecnologia biomédica. Desde 1994, funciona um Fórum Nacional de Saúde para assessorar a melhora dos serviços de saúde no país.

Uma das grandes contribuições do Canadá para a saúde em outros países foi o desenvolvimento do conceito e de programas de promoção da saúde, que constituem atualmente uma das ênfases principais da Organização Mundial de Saúde. O conceito de promoção da saúde, desenvolvido a partir do Relatório Lalonde (1974), chamou a atenção para um conjunto de problemas de saúde cujas causas ou determinantes se encontram além dos limites do setor de saúde. Tais problemas estão relacionados a condições ambientais ou de vida e exigem uma abordagem intersetorial para serem enfrentados.

Em 1994, quando o Partido Liberal voltou ao poder no Canadá, o país se encontrava sob a influência de uma série de mudanças externas, que ameaçavam, tanto seu avançado sistema de proteção social, como a própria união nacional. Tal ameaça acabou sendo afastada, levando a um reforço do Estado do Bem-estar e a um novo pacto federativo naquele país, graças à resistência social às mudanças de tipo neoliberal. Além da “globalização”, o Canadá vem sofrendo forte influência das mudanças trazidas pelo Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (NAFTA), que aumentou o grau de integração de sua economia com a dos EUA.

A política do governo liberal canadense nos anos 1990 foi contraditória: O discurso social apontava numa direção, mas as políticas econômicas foram em outra. No nível do discurso, os estrategistas do governo defendiam que a capacidade do país de permanecer unido e tirar proveito da “globalização” e do NAFTA, dependia essencialmente do chamado “poder doce” (capacidade da sociedade em lidar com a informação, a comunicação e a inovação). Segundo esta visão, as novas condições de competição, impostas pela “globalização”,

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exigiam da sociedade forte capital social, ou cidadãos altamente educados e saudáveis.

De acordo com esta estratégia, o fortalecimento do capital social do Canadá dependeria de dois aspectos centrais: a) a redução, ou a manutenção em limites estreitos, da desigualdade de renda entre os membros da sociedade canadense; e b) a continuidade do seu sistema público e universal de saúde.

O primeiro ponto visava principalmente impedir que o aumento da desigualdade econômica, que vem acompanhando a “globalização”, afetasse a capacidade de as famílias menos favorecidas educarem adequadamente seus filhos. Em relação ao segundo ponto, a idéia era que as políticas de reestruturação do Estado não deveriam afetar sua capacidade de transferir os recursos necessários ao sistema de saúde, o qual é considerado um dos principais símbolos da nacionalidade canadense.

Para os estrategistas do governo canadense, não existiria o dilema neoliberal entre eqüidade e eficiência, Pelo contrário, na sua visão, quanto maior for a igualdade social, maior será a competitividade do país. Deve-se acrescentar o fato de que o sistema de saúde canadense representava, na opinião deles, uma forte vantagem na competição com os EUA, pelo fato de ser mais eficaz e mais barato, portanto mais eficiente, do que o daquele país.

Como no Canadá, a maior parte dos gastos sociais é feita no nível das províncias, os governos provinciais reagiram às medidas federais, organizando uma frente de oposição ao governo federal7. Tal frente passou a exigir uma revisão do pacto federativo, baseada na idéia de que as políticas e os recursos transferidos são “nacionais” e não federais. Com base neste argumento, as províncias sinalizaram claramente ao governo federal que ele não poderia continuar a agir como se estivesse numa posição “superior” a delas próprias.

A tática dos governos provinciais passou a ser a defesa de um novo pacto entre o governo federal e a União e as províncias em nome da sociedade, chamado de “União Social”. Apesar da resistência inicial do governo federal, que durou até o final de 1997, ele finalmente sentou-se para negociar com as províncias, o que resultou na assinatura, em fevereiro de 1999, do acordo de “União Social Canadense”. O acordo passou a prever, ao lado de um forte aumento das transferências federais para a área social, maior liberdade para as províncias em torno dos caminhos da política social e um compromisso de elas buscarem a melhoria de suas condições sociais, com base em indicadores comparados, de forma a estabelecer uma corrida conjunta pela melhora da situação social.

Graças ao novo pacto federativo, a defesa da igualdade social e do sistema de saúde retornou à agenda das prioridades do Governo Federal, colocando em cheque às políticas de restrição monetária da área econômica.

Principais Problemas:

Uma dificuldade importante do sistema de saúde canadense é a alocação de profissionais para as áreas rurais e regiões remotas do país. Apesar de existir um número suficiente de profissionais de saúde no país, sua distribuição é inadequada, estando excessivamente concentrada nos principais centros. Desde

7 Essa frente organizou, em 1995, um conselho de Política Social (Provincial and Territorial Ministerial Council of Social Policy Reform and Renewal), que foi o principal instrumento de negociação de uma nova proposta.

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os anos 1990, o Ministério da Saúde canadense adotou uma tabela de pagamentos diferenciada, que varia entre 70% e 130% dos valores básicos, de forma a pagar menos aos profissionais e serviços de saúde localizados nas áreas onde há maior oferta e mais nas áreas onde há escassez dos mesmos.

Curiosidades:

1. Apesar de o sistema de saúde canadense ser do tipo público e de acesso universal, os serviços são prestados de forma privada por profissionais e prestadores de serviço. Praticamente todos os profissionais e unidades de saúde do país trabalham para o governo, embora mantenham uma posição de relativa independência. Embora os serviços de saúde sejam realizados pelo setor privado, o Estado é o único contratante de serviços no país, com a exceção de poucas especialidades consideradas não essenciais. Quase todos (95%) dos hospitais canadenses são privados, mas não têm finalidade lucrativa.

2. No Canadá o controle do Estado sobre a saúde é praticamente total, sendo até o número de vagas em cursos de medicina e de especialidades médicas controlado pelo Ministério da Saúde.

3. Em agosto de 1995, o Governo Federal do Canadá adotou uma nova política sobre o direito inerente das comunidades das chamadas Primeiras Nações (povos indígenas) e inuits (ainda conhecidos pelo termo pejorativo ‘esquimós’) a se autogovernarem. Os governos e as instituições dessas comunidades adquiriram competência para atuar em uma série de esferas, inclusive na saúde. O Ministério da Saúde do Canadá assegura, através de sua Divisão de Serviços Médicos, atenção à saúde aos membros das Primeiras Nações e inuits que vivam fora de suas reservas.

Lições para o caso brasileiro:

1. Talvez, para nós, a lição mais importante da experiência canadense esteja relacionada à forma de relacionamento entre os setores público e privado desenvolvida por aquele país. Talvez pelo fato de ser vizinho da maior economia do mundo, os EUA, onde o setor de saúde é organizado pelo mercado privado, os canadenses desenvolveram um criativo sistema de saúde, que combina uma certa liberdade de organização para profissionais e serviços de assistência à saúde, com um forte controle por parte do Estado. O sistema de saúde é público e de caráter universal, mas os serviços são prestados por profissionais e unidades de saúde privadas. Como o Estado é o único comprador de serviços, seu poder sobre o sistema é quase total.

2. A experiência canadense de assegurar autonomia para suas comunidades indígenas, inclusive no campo da saúde é outra lição importante. Naquele país, as comunidades indígenas são responsáveis por diversas ações, inclusive na área de saúde, o que assegura que as políticas e serviços respeitem suas especificidades culturais e estejam voltadas para suas necessidades efetivas. No Brasil, não há autonomia para os povos indígenas, os quais são tutelados pelo Estado, sob a responsabilidade de um órgão do Governo Federal, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Desde os anos 90, no entanto, o Programa Nacional de Saúde Indígena da Fundação Nacional da Saúde (FUNASA) passou a oferecer, de forma mais ampliada e organizada, serviços de saúde especiais voltados para as comunidades indígenas e que procuram respeitar as especificidades culturais das mesmas. Não há mecanismos de representação que

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assegurem maior participação e autonomia para os povos indígenas no que diz respeito à formulação e implantação de políticas e serviços de saúde (ver item 7.5, tópico “Situações específicas”).

Espanha8

Contexto

A Espanha tem cerca de 41 milhões de habitantes distribuídos em 17 regiões com alto grau de autonomia, algumas com nacionalidades próprias, cultura e línguas distintas (como o País Basco, Catalunha, por exemplo). Depois dos seis anos de guerra civil na década de 1930, o país viveu 40 anos sob uma ditadura de extrema direita, liderada pelo Marechal Franco, só encerrada em 1976. Em 1986, sob o governo socialista (PSOE) teve início a reforma sanitária no país.

Estatísticas

Fonte: WHO (OMS) The world health report 2005.

O sistema de saúde

O sistema de saúde implantado durante a ditadura de Franco seguia o modelo do seguro social bismarckiano, que dividia a população de acordo com as categorias profissionais, com um tipo de assistência para os trabalhadores rurais, outro para os pescadores, etc. O sistema também era hospitalocêntrico em detrimento da atenção primária.

Com a implantação da democracia, a Constituição de 1978 reconheceu o direito à saúde para todos os espanhóis e determinou a organização do Sistema Nacional de Saúde (SNS). A Lei Geral Sanitária (La Ley General de Sanidad) de abril de 1986, estabeleceu os princípios do SNS – universalidade, gratuidade, integralidade e descentralização. A Lei estabelece, ainda, que a rede de serviços privada seja complementar à pública e que a atenção primária é a base do SNS.

Na Espanha houve um processo de descentralização do poder do governo central para as regiões. Em 1991 a Cataluña, que é a região mais rica, foi a primeira a ter autonomia para gerir seu sistema de saúde, com um teto próprio para seus gastos e autonomia orçamentária. Em 2001, quando o sistema já havia sido

8 As informações sobre o sistema de saúde da Espanha foram extraídas das seguintes fontes: a) GÓMEZ (1998); b) LÓPEZ-VALCÁRCEL, B. G. e GARRIDO (2002); e c) Palestra proferida pela Professora Beatriz González López-Valcárcel, da UniversidadE de Las Palmas, na Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ, em 12/2/2004.

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descentralizado para as demais regiões, todas passaram a ter fundos próprios. Desse modo, os recursos de cada região são aplicados somente nas ações e serviços de saúde desenvolvidas no seu território. Há, ainda, um fundo de solidariedade inter-regional que visa atenuar as diferenças entre as regiões.

O acesso aos serviços é definido em cada região, mas geralmente é utilizado algum documento que comprove a moradia ou habilitação de motorista.

Até hoje o Ministério da Saúde espanhol não conseguiu implantar um sistema de informação unificado, não havendo um sistema nacional como o que o DATASUS desenvolveu no Brasil. As informações geradas nas diferentes regiões não são padronizadas, o que dificulta a comparação inter-regional. Atualmente o MS espanhol está tentando estabelecer alguns indicadores que todas deverão elaborar.

Embora os princípios do SNS estejam garantidos e sejam seguidos em todas as regiões, o Ministério da Saúde que é o coordenador geral do sistema, não consegue cumprir sua tarefa plenamente. Atribui-se essa dificuldade ao alto grau de autonomia das regiões.

A idéia de rede de serviços não se efetiva na Espanha. As demandas dependem da capacidade de o médico e o paciente encontrarem disponibilidade de oferta em cada serviço, por região. Uma reforma hospitalar estabeleceu contratos de metas e os gestores passaram a ser indicados.

Além do sistema público, há o sistema privado, com desembolso direto e seguro de saúde. Da mesma forma que no Brasil, em geral os médicos espanhóis trabalham para ambos os setores, público e privado. Embora os empregadores tenham a opção de dedução dos tributos a serem pagos, a maior parte da população prefere o setor público.

Principais Problemas

As longas listas de espera nos hospitais são uma das maiores preocupações no país. Na prática, as filas vão crescendo e quando estão grandes estouram notícias na imprensa e se dá intervenção governamental. Para minorar o problema, o governo criou um incentivo aos médicos para aumentarem a produção. Esse incentivo, contudo, não resolve o problema no longo prazo, pois como os profissionais de saúde sabem que receberão mais para fazer um mesmo atendimento, muitas vezes esperam que a fila “estoure” para poder receber o incentivo.

Na definição dos recursos orçamentários transferidos para as regiões é quase que exclusivamente utilizado o critério da distribuição per capita, sem se levar em conta a composição etária da população, ou qualquer indicador de mortalidade e morbidade.

Um dos atuais desafios é relativo aos imigrantes, na sua maioria africanos. No caso da imigração legal, o atendimento é feito, normalmente, na rede de serviços, mas, para os ilegais, cada região tem respondido de maneira diferente. Em alguns casos, eles são atendidos normalmente e até recebem uma identificação específica, como um cartão que só vale para a saúde; em outros, eles não são aceitos na rede, por não terem um cartão que comprove sua moradia, ficando, desse modo, na dependência de alguma instituição filantrópica que os atenda.

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Curiosidades

Ao mesmo tempo em que a reforma sanitária espanhola investiu na atenção primária, com a implantação de diversos programas (ex. saúde materna), não teve o mesmo grau de cuidado com os profissionais de saúde que trabalham no sistema. Para os médicos se especializarem (equivalente à residência médica no Brasil), fazem uma prova nacional onde concorrem para a especialidade Saúde da Família. Ademais, há uma sobrecarga do trabalho médico, o que provocou um grande movimento dos médicos reivindicando um mínimo de 10 minutos para cada consulta ambulatorial, pois dispunham de 5 minutos para cada uma delas, o que proporcionava o atendimento diário de 60 clientes.

Lições para o caso brasileiro:

1. Como até hoje o MS espanhol não conseguiu implantar um sistema de informação nacional ou ao menos integrar os existentes em cada região, a Espanha não tem indicadores de morbidade e de produção como o Brasil tem, o que dificulta ainda mais a coordenação geral do SNS pelo governo central.

2. O modelo de gestão do sistema de saúde espanhol é definido por região, diferentemente do Brasil, onde há um modelo único para todo o país. A grande descentralização do SNS, que confere autonomia para as regiões definirem o funcionamento dos seus subsistemas e gastos, é uma lição positiva para o caso brasileiro.

Aqui, apesar de a gestão do sistema ser teoricamente descentralizada para os municípios, as decisões efetivas são, na verdade, do Ministério da Saúde, principal financiador do sistema. Desse modo, as ações e programas de saúde são normatizadas em detalhe, pelo Ministério e os estados e municípios devem seguir tais normas se quiserem receber os recursos. O Programa de Saúde da Família (PSF), por exemplo, segue um modelo único em todo o país, apesar das enormes diferenças existentes entre as regiões. Assim, espera-se que o PSF na Amazônia – onde há população ribeirinha, espalhada por milhares de quilômetros de margens de rios –, se organize da mesma forma que o PSF em cidades médias, ou mesmo que em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro.

A grande disparidade entre as realidades econômicas, sociais e epidemiológicas de cada região do Brasil não se reflete nas normas do Ministério da Saúde, que geralmente ditam um modelo único a ser seguido em todos os lugares. Caso houvesse maior autonomia efetiva para as regiões, os estados e municípios poderiam ter maior flexibilidade para adaptar as soluções de saúde ao perfil epidemiológico de suas regiões.

EUA9

Contexto:

A população dos Estados Unidos da América é de mais de 280 milhões de pessoas, distribuída em 51 Estados. Embora seja um país formado por imigrantes de diversas origens, etnias e com culturas e línguas distintas, há uma relativa

9 As informações sobre o sistema de saúde dos EUA foram extraídas das seguintes fontes: OPAS (Perfil de Salud de País – Estados Unidos de América, 2002); Health Insurance Association of America (1999); NORONHA et al (1995); ROEMER (1991) e KRUGMAN (2005).

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uniformidade cultural e lingüística, sendo o inglês a língua oficial e mais praticada em todo o território.

Desde sua independência, em 1776, os EUA mantêm um regime republicano democrático, sendo uma das democracias mais antigas em funcionamento no mundo.

Estatísticas:

Fonte: WHO (OMS) The world health report 2005.

Sistema de saúde:

O setor de saúde norte-americano é predominantemente privado. Após a independência do país, grupos de cidadãos em diversas cidades deram o início à criação de hospitais filantrópicos, que constituíram o núcleo e a essência do setor de saúde até a década de 1930.

Em 1935, em pleno esforço de reconstrução econômica após a crise de 1929, o governo norte-americano criou um sistema de previdência social abrangente, pelo Ato de Seguridade Social (Social Security Act), um sistema previdenciário público para todos os cidadãos norte-americanos, mas não foi criado na época nenhum sistema público de saúde.

Só na década de 1960, que correspondeu a um período de grandes mudanças sociais, foram criados os dois programas públicos de saúde existentes até hoje, o Medicaid, voltado para os grupos mais pobres da sociedade, e o Medicare, que é um programa de saúde público para os americanos com mais de 60 anos de idade. Dessa forma, apenas os cidadãos mais pobres e os idosos têm direito ao sistema público de saúde. Todos os demais dependem do setor privado. Mesmo assim, a atenção oferecida não cobre todas as necessidades desses grupos, e cerca de 85% dos beneficiados do Medicare contratam planos e seguros privados de saúde para poder ter acesso a serviços não cobertos pelo programa.

Da mesma forma que, no Brasil, quando da criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1964, nos EUA a criação do Medicare e do Medicaid, deu ênfase à contratação de serviços de saúde, estimulando o desenvolvimento de um crescente segmento de hospitais privados com fins lucrativos.

Uma das características do setor de saúde norte-americano é a presença largamente dominante das empresas de seguro de saúde, que constituem os

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principais compradores de serviços de saúde, com um poder crescente sobre os hospitais, os médicos e demais profissionais de saúde.

A experiência pioneira de desenvolvimento do setor de seguro de saúde ocorreu em 1929, quando houve a criação de plano de pagamento antecipado de assistência hospitalar para os professores da Universidade de Baylor no Texas, como forma de atenuar o problema financeiro do seu Hospital Universitário. Este plano foi denominado Blue Cross, denominação que depois se generalizou.

O crescimento deste setor foi extremamente rápido. Em 1937, já havia 37 planos deste tipo, com 1 milhão de usuários nos EUA, e em 1971, somavam 74 planos deste tipo contemplando 63,4 milhões de segurados. Atualmente, cerca de 175 milhões dos mais de 280 milhões de cidadãos norte-americanos são garantidos por alguma empresa de seguro de saúde.

O setor privado de saúde era organizado principalmente em torno de empresas de seguro ou de planos de saúde que costumavam remunerar os prestadores de serviço, com base nos procedimentos executados, sistema conhecido como fee-for-service. Desde os anos 80, a forma de gestão dos planos e seguros de saúde tem priorizado outra lógica de organização da compra e venda de serviços. Assim, surgiram as Health Maintenance Organizations (HMO) – cujos planos de saúde inicialmente só davam acesso a determinado grupo de prestadores de serviço (hospitais, médicos, etc.) e as Prefered Provider Organizations (PPO), cujos planos originalmente asseguravam acesso mais amplo a prestadores de serviços de saúde. Esse é o controvertido regime do Managed Care, que tem como principal objetivo estabelecer maior controle sobre os gastos com serviços de saúde.

A criação de um sistema de saúde público de acesso universal e gratuito, nos moldes do existente na Inglaterra e no Brasil foi um tema politicamente importante ao longo dos anos 90, tendo-se constituído, inclusive, no centro das duas campanhas eleitorais do ex-presidente Clinton. Fracassou, entretanto, a tentativa de implantar um sistema deste tipo, em função do grande lobby contrário, desenvolvido principalmente pelas empresas de seguro e de planos de saúde.

A implantação de um sistema público abrangente continua sendo uma importante bandeira de lutas de diversos setores da população e organizações não governamentais, como a Associação Americana de Saúde Pública, os Médicos Americanos por um Sistema Nacional de Saúde (American Physicians for a National Health System), ou a Families USA. Há inúmeros filmes comerciais e documentários de denúncia dos limites e problemas do sistema de saúde norte-americano, um dos mais conhecidos é “Um Ato de Coragem”, com o ator Denzel Washington, que denuncia a dificuldade de acesso aos tratamentos.

Principais Problemas:

A predominância do sistema privado de saúde naquele país e o caráter residual dos sistemas públicos existentes (Medicaid e Medicare) fazem com que uma parcela expressiva dos cidadãos norte-americanos, cerca de 45,5 milhões de cidadãos dos EUA, não tenha acesso a qualquer sistema de saúde (ver tabela 1 a seguir). Isto ocorre, seja por não poderem pagar pelo privado, seja por não serem considerados pobres o suficiente para o Medicaid – sistema de saúde para os muito pobres –, ou por não terem atingido a idade mínima para poderem ser atendidos pelo Medicare – sistema de saúde voltado para os idosos.

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Tabela 1 - Estados Unidos - Pessoas com seguro saúde privado ou públicoe pessoas sem seguro saúde – 1990-2002

Ano População total

(mil hab.)

Pessoas com seguro saúde

(mil hab.)

Pessoas sem seguro saúde

(mil hab.)

População coberta pelos Sist. Públicos de Saúde

(mil hab.)

Abs. % Abs. % Medicaid Medicare %

1990 246.190 172.333 70,0 32.005 13,0 14.033 27.819 17,0

1996 264.465 170.844 64,6 40.992 15,5 22.480 30.149 19,9

2002 281.381 175.019 62,2 45.584 16,2 28.419 32.359 21,6

Fonte: Source Book of Health Insurance Data, Health Insurance Association of America, Washington, D.C., 2002.

Como se pode ver na tabela acima, uma parcela crescente da população norte-americana veio perdendo acesso aos serviços de saúde a partir de 1990, apesar de ter havido forte crescimento econômico entre aquele ano e 2000. Em 1990, 32 milhões de pessoas (13,0 % do total) estavam nessas condições, em 2002, o número dessas pessoas pulou para 45,5 milhões (16,2% do total), um aumento de 42,2%, em apenas 12 anos! Ao mesmo tempo, vem crescendo o número de pessoas cobertas pelos sistemas públicos, que passaram de 41,8 milhões, em 1990, para 60,8 milhões (21,6%) em 2002. Já a proporção da população coberta por seguro saúde privado caiu no mesmo período de 70 para 62%. É no Estado do Texas que se verifica a maior proporção de pessoas com menos de 65 anos de idade sem cobertura de seguro saúde (30%).

Este aumento do número de pessoas sem cobertura de saúde se dá por razões que estão relacionadas tanto com o fato de o sistema ser majoritariamente privado, quanto com o aumento do desemprego e, principalmente, da terceirização crescente de atividades e da mão de obra na economia norte-americana. As firmas terceirizadas que prestam serviços para as médias e grandes empresas nos EUA, para baixar os preços dos seus serviços, não oferecem, em geral, planos ou seguros de saúde para seus empregados. Como a terceirização vem aumentando, muitos trabalhadores vêm sendo transferidos das empresas maiores para as terceirizadas, perdendo, dessa forma, os planos de saúde antes oferecidos pelos seus empregadores.

Curiosidades

O crescente domínio das empresas de seguro de saúde vem tornando as organizações de prestação de serviços – hospitais, clínicas, laboratórios, etc. – e os profissionais de saúde cada vez mais dependentes das normas e decisões das grandes seguradoras. A partir dos anos 1980, as empresas de seguro desenvolveram o controvertido sistema do Managed Care. Atualmente, cerca de 75% dos norte-americanos que têm planos ou seguros de saúde são atendidos por planos organizados dentro da lógica do Managed Care.

Tal sistema consiste no estabelecimento de uma série de regras para a liberação da prestação de serviços de saúde. Para serem consultados por especialistas, realizarem exames e terem acesso a cirurgias eletivas, os pacientes dependem da aprovação prévia de um clínico geral e do seu plano ou seguro de saúde. Discute-se em que medida este sistema afeta a própria autonomia dos profissionais de saúde, pois suas prescrições estão sujeitas à aprovação prévia

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das HMO ou PPO, as quais vêm, inclusive, criando incentivos para que os profissionais optem tanto por utilizar menos exames, terapias e medicamentos, quanto por aqueles de menor custo.

Tem havido críticas duras ao sistema de managed care. Muitos pacientes e profissionais de saúde acusam o sistema de vir reduzindo o acesso das pessoas aos tratamentos de que necessitam o que diminui a qualidade dos serviços de saúde. Segundo seus críticos o managed care é, essencialmente, uma forma de reduzir os custos e ampliar os lucros das empresas de planos e seguros de saúde, às custas da saúde dos seus clientes.

Lições para o caso brasileiro:

No Brasil, apenas cerca de 20% da população (35 milhões de pessoas) tem acesso a um plano de saúde privado, sendo a baixa renda da maior parte de nosso povo o principal obstáculo para a contratação de um plano deste tipo. Como vimos, a proporção de pessoas cobertas por planos e seguros de saúde privados nos EUA é muito maior (cerca de 62%), até porque a renda média dos norte-americanos é muito superior à dos brasileiros, o que facilita seu acesso à saúde privada. Mesmo assim, como se viu, uma parcela crescente de norte-americanos vem perdendo o acesso a este setor.

Caso o Brasil optasse por seguir o modelo adotado nos EUA, permitindo, assim, que o mercado privado fosse o principal responsável pela saúde da população, uma imensa parcela de brasileiros, provavelmente a maioria, não teria acesso aos serviços de saúde. O exemplo norte-americano torna claro que as forças de mercado deixadas por si só são incapazes de assegurar a cobertura universal dos serviços de saúde.

Japão10

Contexto:

O Japão nunca chegou a ser dominado pelas potências coloniais européias, tendo conseguido se manter independente durante praticamente toda sua história. Só depois de derrotado na Segunda Guerra Mundial, e por um período relativamente curto (l945/1952), o país esteve sob um governo militar norte-americano.

Foi o primeiro país asiático a se industrializar, durante o período da restauração Meiji, instaurada em 1868, após a derrubada do feudalismo por uma aliança de interesses capitalistas comerciais e de militares que recolocaram no poder o Imperador Matsushito. Durante este período, o governo japonês enviou centenas de pessoas à Europa e aos Estados Unidos, com o objetivo de aprender o que se fazia no Ocidente em termos de ciência e tecnologia e introduzir tal conhecimento no Japão.

O Governo Meiji promoveu, ainda, uma reforma agrária, um grande programa de alfabetização da população; além de programas de industrialização e de modernização das forças armadas do país. O Governo Meiji cumpriu no Japão um papel semelhante ao que Bismarck desempenhou na Alemanha, no mesmo

10 As informações sobre o sistema de saúde do Japão foram extraídas das seguintes fontes: ESPING-ANDERSEN (2000); GOODMAN e PENG (1996); JEONG e HURST (2001); PINTO (1992); e ROEMER (1991).

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período, unificando e modernizando o país e o transformando numa grande potência industrial e militar. O Japão chegou a ser uma potência colonial entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX, tendo ocupado diversos países asiáticos, como parte da China (Manchúria), a Coréia e o Vietnã.

Atualmente o Japão é a segunda economia do mundo, só atrás dos EUA e tem uma população de mais de 127 milhões de pessoas. O país é dividido em dois tipos de governos locais: 46 governos regionais; e 26 governos municipais de grandes cidades.

Estatísticas:

Fonte: WHO (OMS) The world health report 2005.

Sistema de Saúde:

As primeiras políticas públicas de saúde do Japão foram iniciadas pelo mesmo Governo Meiji. Em 1875, foi criado um Escritório de Saúde. Em 1893, as autoridades do nível municipal de governo foram encarregadas de organizar serviços públicos de saúde. Tais políticas incluíam: serviços de saúde materno-infantis voltados principalmente para os aspectos preventivos, controle de doenças transmissíveis; saneamento ambiental; educação em saúde, entre outras.

As principais medidas tomadas pelo governo do Japão em relação à saúde da população, depois da Primeira Guerra Mundial, foram: a publicação da Lei do Seguro Saúde, em 1922, voltada para os trabalhadores da indústria; a Lei dos Centros de Saúde Locais, de 1937; a criação do Ministério da Saúde e do Bem-Estar (MSBE), que ocorreu em 1938, foi acompanhada pela criação do Seguro Nacional de Saúde (SNS) para trabalhadores e produtores rurais, e para os trabalhadores autônomos.

A Lei do Seguro Saúde de 1922 estabelecia que, caso houvesse acordo entre patrões e empregados, as indústrias que tivessem 300 ou mais empregados poderiam organizar instituição de seguro de saúde para seus trabalhadores e os familiares destes. Em 1927, o número mínimo de empregados foi reduzido para 10 empregados por empresas. Em alguns anos foram organizadas mais de 1.800 instituições de seguro social nas empresas, chamadas de Seguro de Saúde para Empregados (SSE). Os empregados de empresas menores tinham seu seguro organizado pelo SNS, vinculado ao MSBE. Além desses dois sistemas, o MSBE passou a supervisionar, na mesma época, o funcionamento de milhares de caixas de assistência mútua criadas por diferentes grupos da sociedade.

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As principais medidas tomadas pelo governo do Japão em relação à saúde da população, depois da Primeira Guerra Mundial, foram: a publicação da Lei do Seguro Saúde, em 1922, voltada para os trabalhadores da indústria; a Lei dos Centros de Saúde Locais, de 1937; a criação do Ministério da Saúde e do Bem-Estar (MSBE), que ocorreu em 1938, foi acompanhada pela criação do Seguro Nacional de Saúde (SNS) para trabalhadores e produtores rurais, e para os trabalhadores autônomos.

Tanto no SNS, quanto no SSE prevalece a lógica do seguro social, pela qual os benefícios – ações e serviços de saúde – têm como contrapartida a contribuição financeira dos beneficiários, na forma do desconto em folha de pagamento. Além de contribuírem com parte dos seus rendimentos, os japoneses têm de pagar parte dos custos dos procedimentos de saúde que venham a utilizar (co-pagamento). O governo ainda financia algumas ações, serviços e programas de saúde com recursos de impostos. Desse modo, para terem acesso ao sistema de saúde os japoneses têm de pagar de três formas diferentes: contribuições, co-pagamentos e impostos.

O sistema de seguro de saúde é majoritariamente gerido por instituições públicas de seguro, principalmente o SNS, ou por seguradoras das grandes empresas, rigidamente controladas pelo governo. A prestação dos serviços de saúde, entretanto, é feita principalmente por entidades privadas. Dessa forma, o sistema de saúde japonês tem três grandes atores: o governo (que inclui as instituições de seguro de saúde), os prestadores de serviço, e os cidadãos que utilizam o sistema.

Os prestadores de serviço se dividem em: hospitais; clínicas médicas; centros de saúde; e casas de apoio para idosos. Os hospitais são em geral privados, mas não podem ter finalidade lucrativa, têm corpos clínicos fechados, isto é os médicos que neles trabalham costumam ser assalariados e com dedicação exclusiva. As clínicas médicas são privadas e mantêm uma relação ao mesmo tempo complementar e de competição com os hospitais. Algumas delas realizam internações clínicas e cirúrgicas, além de exames e atendimento ambulatorial e seus médicos não podem atuar nos hospitais. Os centros de saúde são públicos e geridos pelos governos locais, havendo mais de 600 desses centros pelo país.

Os indicadores de saúde japoneses estão entre os melhores de todo o mundo desenvolvido. O Japão é, por exemplo, o país onde a população tem maior longevidade, o que o tornou o país com a maior proporção de idosos em todo o mundo. Os gastos em saúde do país representavam em 1998, cerca de 7,6% do PIB, enquanto a média da OCDE era de 8,3% no mesmo ano.

Principais Problemas:

Tanto o impacto da recessão da economia japonesa, iniciado no início dos anos 90, quanto da crise asiática de 1997, interromperam o forte crescimento econômico do pós-guerra, gerando pela primeira vez problemas importantes de desemprego. O desemprego no Japão é relativamente baixo, mas já atinge cerca de 5% da população economicamente ativa. Como os benefícios do sistema japonês estão relacionados com o trabalho, há um número crescente de japoneses com dificuldade de acesso às ações e serviços de saúde.

A ausência de um sistema desenvolvido de bem-estar social, baseado na noção do direito de cidadania, vem agravando a tensão social e aumentando as

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pressões de setores da população e de políticos no sentido da adoção de direitos e de políticas sociais de tipo social-democrata, assim como de um sistema de saúde público de acesso universal. A vizinha Coréia do Sul que tinha um sistema de saúde semelhante ao japonês vem implantando, desde 1998, um sistema público de acesso universal.

Curiosidades:

1. O sistema japonês apresenta algumas dificuldades para ser enquadrado em um dos três tipos regimes de bem estar social. Ele se apóia, de um lado, nas tradições familiares confucianas para assegurar o cuidado com os mais velhos – de forma semelhante ao regime de seguro social que se apóia na tradição familiar cristã – e, de outro, no mercado – Seguro Social dos Empregados, organizado pelas grandes empresas e prestação privada de serviços – para assegurar uma série de programas e serviços sociais. As grandes corporações econômicas japonesas proporcionam programas de aposentadoria, saúde, assistência social e esportes para cerca de 1/3 da força de trabalho do país.

Outros países asiáticos que teriam, ou tiveram sistemas de bem-estar social parecidos com o japonês são a Coréia e Taiwan. Ambos são países de tradição cultural confuciana e ex-colônias do Japão. Durante o período Meiji, foram implantadas, nos três países, as bases para o desenvolvimento capitalista, que incluíam: uma grande reforma agrária; um sistema educacional obrigatório para toda a população; além de uma cultura fortemente centralizada, militarizada e autoritária. Na primeira metade do século XX, nos três países, as grandes empresas japonesas desenvolveram programas próprios de bem-estar para seus empregados.

2. O ensino de saúde japonês é complexo, há diferentes escolas de medicina, com regras e métodos próprios, considerados muito ‘idiossincráticos’ pela OECD. Atribui-se a este fator o fraco desenvolvimento e uso de protocolos clínicos no país e de padronização de procedimentos, o que dificulta a utilização ampla da metodologia conhecida como Medicina Baseada em Evidências (MBE), cujo uso vem se difundindo com rapidez em outros países desenvolvidos e até no Brasil.

Lições para o caso brasileiro:

1. A primeira lição da experiência japonesa para o caso brasileiro a ser destacada é a incapacidade de o sistema de seguro social assegurar ações e serviços de saúde numa situação de aumento do desemprego. Como se viu, uma parcela crescente de japoneses está atualmente privada do acesso à maior parte das ações e serviços de saúde porque se encontra desempregada. Como o sistema adotado no Brasil não vincula o acesso às ações e serviços à contribuição individual das pessoas, nem ao fato de estar ou não com um vínculo, ou uma atividade regular de trabalho, os desempregados aqui têm o mesmo direito de acesso daqueles que estão trabalhando.

2. Outra lição importante é a relação entre hospitais e profissionais médicos. Diferentemente do que ocorre na maior parte do setor privado de saúde brasileiro, os hospitais japoneses mantêm corpos clínicos fechados, isto é os médicos que neles trabalham têm dedicação exclusiva. Esta situação favorece um vínculo mais estreito entre as organizações hospitalares e os médicos, além de criar um ambiente mais favorável à adoção de procedimentos essenciais para a qualidade

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dos serviços, como é o caso dos protocolos clínicos – embora haja outros problemas em relação aos protocolos clínicos, como se viu no item ‘Curiosidades’.

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3. ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

3.1. As idéias de Dawson

A concepção clássica de organização dos serviços de saúde como um sistema foi feita pelo médico britânico Bertrand Dawson que no início do século XX propôs a reorganização do setor de saúde britânico de forma a vir a compor um sistema de saúde “com base em quatro princípios: a) Estado como provedor e controlador de políticas de saúde; b) esforços coordenados ou trabalho em equipe nos serviços de saúde; c) desenvolvimento de instituições especialmente designadas para diagnóstico e tratamento de casos agudos; e d) medicina curativa e preventiva sem separação...” (NOVAES, 1990, pp. 15-16).

Tais propostas foram apresentadas no que ficou conhecido como o “Relatório Dawson”, escrito em 1920, o qual se contrapunha ao muito mais conhecido e de certa forma mais influente “Relatório Flexner”, de 1910, liderado pelo educador norte-americano Abraham Flexner. Este último relatório analisou o ensino médico nos EUA e no Canadá e suas conclusões influenciaram fortemente a formação dos médicos no mundo ocidental durante praticamente todo o século XX. O modelo flexneriano enfatizava a atenção individual e curativa, com base num conhecimento altamente especializado (SIMMONS, 2004 pp. 269-273). As idéias centrais de Dawson, de acordo com resumo do seu Relatório feito por NOVAES (idem, pp. 22-23) são apresentadas no box a seguir.

As idéias centrais do Relatório Dawson

A organização das ações e serviços de saúde, por razões de eficiência e custo, deve ser feita com base nas necessidades da comunidade, ou da população, porque o aumento crescente da complexidade da medicina eleva os custos dos serviços e diminui o número de pessoas que podem pagar pelos mesmos;

As ações preventivas e curativas não podem ser separadas, devendo ser organizadas de forma integrada e colocadas dentro da esfera de atividade dos médicos generalistas que inclui, além do indivíduo, suas famílias e a comunidade;

As ações e serviços devem ser acessíveis a toda a todas as classes da população;

Os serviços de saúde de uma população específica devem possuir como base um centro primário de saúde, que ofereça ações preventivas e curativas a cargo de médicos generalistas e de enfermeiros, com o apoio técnico de especialistas visitantes; e

As unidades de saúde devem ser de diferentes tamanhos e níveis de complexidade, funcionando de forma integrada, com vínculos entre si para o encaminhamento de pacientes.

As idéias do Relatório Dawson são fundamentais quando pensamos na organização do setor como um sistema, ou seja, como um conjunto integrado de ações e serviços de caráter tanto preventivo, quanto curativo, incluindo ainda a promoção e a educação para a saúde. Note-se que nem sempre a organização

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do setor de saúde está estruturada, ou mesmo pretende estar, como um sistema de ações e serviços de saúde.

Como vai ser visto adiante, tais idéias constituem a base conceitual dos sistemas públicos de saúde de acesso universal, os quais vêm sendo adotados por um número crescente de países. Algumas empresas de planos e seguros de saúde também vêm reorganizando seus serviços com base em idéias muito semelhantes às de Dawson.

As propostas contidas no Relatório Dawson voltam-se para a organização de sistemas de saúde integrados, a partir de regiões de saúde delimitadas, onde devem ser organizadas ações de diferentes níveis de complexidade, oferecidas por serviços primários – também chamados no Brasil de atenção básica – secundários – atenção especializada – e terciária, ou hospitalar – atenção de alta complexidade ou em regime de internação (NOVAES, 1990, PP. 43-45). Tal forma de organização das ações e serviços de saúde como um sistema integrado foi representado de forma gráfica através do “Diagrama de Dawson”.

Diagrama de Dawson

Fonte: http://www.med.virginia.edu/hs-library/historical/kerr-white/dawson.htm

Vale a pena observar que em seu diagrama Dawson coloca a unidade que desempenha as atividades do nível secundário (secondary health center) no centro do Sistema, ou seja, como o nível intermediário do mesmo, entre o nível primário e o terciário, ou hospitalar. As unidades de saúde, assim como os níveis de complexidade não são estanques, devem ser entendidos como um conjunto, ou sistema contínuo de ações e serviços de saúde.

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3.2 Os SILOS da OMS/OPAS

Em 1989, em decorrência de resolução da XXII Conferência Sanitária Pan-Americana, de 1986, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), integrante da Organização Mundial da Saúde, desenvolveu a proposta de organização dos Sistemas Locais de Saúde (SILOS). Tal proposta visava orientar a reorganização dos sistemas nacionais de saúde dos países da América, no sentido de sua regionalização e hierarquização (PAGANINI, 1991, p. 19)

É importante assinalar que a concepção do SILOS tem grande semelhança com as idéias do Relatório Dawson. A primeira semelhança é a defesa da organização dos sistema de saúde com base em territórios definidos, para os quais a OPAS enfatiza a necessidade de se promover o conhecimento epidemiológico, o planejamento e a programação das ações e serviços com base nos mesmos. Os SILOS prevêem que nesses territórios devem ser organizada e ofertada atenção integral nos três níveis de atenção (primário, secundário e terciário) e envolvendo ações de promoção, prevenção, assistência e reabilitação à saúde.

A ênfase dos SILOS é a organização do sistema a partir do nível primário, que deve constituir o primeiro contato da população com o sistema de saúde e o nível que deve também estabelecer a relação mais estável e permanente do sistema com seus usuários. O nível primário também deve desempenhar o papel de porta de entrada do sistema de saúde, de forma que o acesso ao atendimento especializado (secundário) ou hospitalar (terciário) deve normalmente depender de encaminhamento (referência) por parte dos clínicos gerais e demais profissionais das unidades primárias de saúde. Os profissionais fundamentais para assegurar o bom funcionamento do nível primário são médicos generalistas, ou médicos de família e enfermeiros, segunda a concepção do SILOS.

Além dos aspectos de regionalização/territorialização e oferta dos serviços nos três diferentes níveis de complexidade (primário, secundário e terciário) a proposta dos SILOS recomendava que cada região ou território contasse com estrutura de planejamento e administração próprios, dotada de autonomia administrativa e financeira. Tal estrutura deve ser a responsável pelas ações e serviços de saúde, de forma que todas as unidades de saúde que atuam na área estejam sob o seu comando.

Diversos países das Américas Central e do Sul passaram a adotar recomendações contidas na proposta dos SILOS da OPAS, de forma total ou parcial, um exemplo é o sistema de saúde de Cuba, que passou por importantes mudanças a partir de 1985, entre as quais se destaca sua descentralização orientada pela estratégia dos SILOS da OPAS, principalmente a partir de 1992. Com base nos SILOS, foram definidos 28 "municipios por la salud" como nova forma de administração autônoma e participativa para promover as ações e serviços de saúde das comunidades locais. Entre os objetivos da nova estratégia estava o fortalecimento das ações de promoção da saúde e prevenção de doenças no nível primário de atenção, com ênfase na ação conjunta dos médicos de família e de enfermeiros.

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3.3. Elementos fundamentais de uma rede de saúde

Composição

Quando falamos em redes de serviços de saúde estamos mencionando um tema de grande complexidade que envolve uma ampla gama de elementos e atores. Entre os diferentes significados da palavra rede, num dos principais dicionários da língua portuguesa, podem ser destacados os seguintes: “conjunto de pontos que se comunicam entre si... grupo de pessoas que trabalham juntas...” (HOUAISS, 2001, p. 2.406). Os elementos fundamentais de uma rede são, portanto, tanto os pontos, quanto os fios ou elementos que interligam os primeiros.

Na área da saúde, podemos identificar diversos elementos e atores que compõem uma rede, tais como: as ações desenvolvidas, os serviços disponíveis, as políticas que os orientam, os recursos humanos que executam as ações e serviços, os recursos tecnológicos, assim como os sistemas de informação e comunicação e de logística.

Os pontos da rede são representados fundamentalmente pelas diferentes unidades responsáveis pela execução das ações e serviços (postos de saúde primários, centros secundários de especialidades e diagnóstico, hospitais, etc.). Tais pontos quando considerados isoladamente não formam uma rede. Esta só existe de fato quando seus pontos são interligados por meio de sistemas de informação, comunicação e logística.

Os sistemas de informação e comunicação são indispensáveis para que uma rede de ações e serviços de saúde possa efetivamente funcionar. A base de tais sistemas é a identificação dos usuários da rede de ações e serviços – os cartões de saúde –, uma vez que a grande maioria das informações que circulam numa rede de saúde guarda relação direta ou indireta com seus usuários. Envolvem, ainda: prontuários; sistemas de referência e contra-referência; de informações epidemiológicas; de autorização, fatura dos procedimentos realizados; de planejamento, controle e auditoria; entre outros.

Atualmente, os sistemas de informação devem ser informatizados e interligados por meio de uma rede de comunicações que envolve não apenas os computadores, como telefones e outros meios. As informações contidas nos prontuários dos pacientes, por exemplo, precisam estar disponíveis para consulta e atualização pelos profissionais que os tratam nas diferentes unidades da rede, e isto só é possível através da utilização de computadores ligados entre si.

Uma rede de ações e serviços de saúde também é altamente dependente de sistemas ágeis e eficientes de comunicação, além dos computadores. Os serviços de urgência e emergência, inclusive as ambulâncias precisam ser acessíveis para os usuários por meio de telefones, devem ser controlados por centrais de gestão ou regulação que dirigem e orientam os profissionais das ambulâncias e das unidades de atendimento para onde os pacientes são encaminhados. As autorizações de internação e exames diagnósticos, também devem ser geridos por meio de centrais de regulação que estabelecem prioridades de atendimento, de acordo com protocolos de atenção definidos tecnicamente, tudo isto depende de comunicação eficiente por computador, telefones e rádios.

Além dos sistemas de informação e comunicação, outro elemento essencial de integração de uma rede de ações e serviços de saúde é a logística, que envolve:

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as operações de transporte de pacientes, equipamentos, insumos – medicamentos, material médico-hospitalar –, material para exames; manutenção de equipamentos (LACOMBE, 2004, p. 199).

Como se viu nos itens anteriores, as redes de serviços de saúde só são eficazes e eficientes quando orientadas por políticas claras e órgãos de planejamento, controle e avaliação. Tais órgãos devem estabelecer, com base na realidade epidemiológica de cada região de saúde: as responsabilidades das diferentes unidades de prestação de serviço e os objetivos a serem atingidos pelas mesmas. Devem ter, ainda, a responsabilidade de monitorar e avaliar as ações desenvolvidas, de forma a poderem, quando necessário, imprimir correções de rumo nas políticas e ações em desenvolvimento, ou intervir mesmo em unidades do sistema que não estejam cumprindo devidamente seu papel.

Infelizmente, o SUS ainda não se configura efetivamente como um sistema integrado, ou uma rede de ações e serviços de saúde integrados. Na maior parte do país ainda faltam sistemas de informação, comunicação e logística, além de órgãos de planejamento e controle, capazes de gerir de forma eficaz e eficiente a rede de ações e serviços públicos de saúde. O resultado disto é a grande dificuldade de acesso da população às consultas, exames e internações, filas, desconforto, ansiedade, em suma um total desrespeito ao direito dos cidadãos, que são, afinal de contas, quem financia todo o Sistema.

Fatores recentes que afetam a organização das redes de saúde

A OMS propõe, desde 2003, que os sistemas de saúde sejam reorientados em função do aumento das condições crônicas entre os problemas de saúde do mundo. Estas não se restringem, no entanto, às doenças crônico-degenerativas – doenças cardiovasculares, pulmonares obstrutivas crônicas, cânceres, diabetes, entre outras – mas a um conjunto muito mais amplo que inclui: condições não transmissíveis; condições transmissíveis persistentes; distúrbios mentais de longo prazo; e deficiências físicas/estruturais contínuas (incluindo lesões permanentes causadas por acidentes). Tal proposta decorre, entre outros fatores, do fato de que diversas doenças transmissíveis se tornaram crônicas (ex: HIV/AIDS), tornando artificial a tradicional distinção entre doenças transmissíveis e crônicas (OMS, 2003, p. 16).

Até recentemente, era entendimento geral que havia uma diferença essencial entre os países ricos e pobres em termos dos tipos de doenças que acometiam suas respectivas populações. Vários fatores, entretanto, principalmente o fenômeno da transição demográfica, têm contribuído para acabar com esta distinção. O envelhecimento da população vem se generalizando nas últimas décadas e outras condições crônicas se somaram aos males que afetavam a saúde da população como as causas externas e o HIV. É nos países pobres, por exemplo, que se verificam ¾ dos casos mundiais de diabetes (idem, p. 19).

O aumento das condições crônicas é um dos principais fatores do aumento dos gastos com saúde em todo o mundo, só nos EUA, as despesas relativas ao tratamento da hipertensão representaram 12,6% do total do gasto do país com atenção à saúde (FONTE). Os anos de vida perdidos pela população por conta de males crônicos vem aumentando e realimentando a pobreza, uma vez que implicam em perda de renda das pessoas e famílias afetadas pelo problema. Tais condições se transformaram no principal desafio para os sistemas de saúde de

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todo o mundo, exigindo grandes transformações na organização e funcionamento das redes de serviços de saúde e das ações desenvolvidas pelos profissionais de saúde.

As redes de saúde no mundo se desenvolveram com o foco principal nas condições agudas – certas doenças infecciosas, crises hipertensivas, causas externas e acidentes vasculares cerebrais, entre outros (OMS, idem, pp. 33-42). O tratamento de condições agudas é episódico e temporário, enquanto as condições crônicas são prolongadas e exigem atenção continuada, com foco em medidas de controle, além de prevenção e promoção. O controle das condições crônicas envolve: adesão ao tratamento e prática de exercícios por parte dos pacientes; facilidade de acesso destes aos diferentes níveis de complexidade tecnológica do sistema; maior integração das ações realizadas nesses níveis e por seus respectivos profissionais.

Tal mudança exige a reformulação das redes de saúde, incluindo não só as a reorientação dos serviços prestados pelas unidades de atenção à saúde – os pontos da rede – mas também a melhoria das ligações entre os mesmos – sistemas de informação, comunicação e logística, e os modelos de gestão e regulação do sistema e das práticas de saúde. A gestão dos sistemas de saúde precisa estar baseada na realidade epidemiológica e voltada para resultados, com desenvolvimento da capacidade de regulação dos processos em todos os níveis das redes de ações e serviços.

As práticas de saúde precisam partir das evidências científicas, serem orientadas por protocolos de atenção, além de um forte esquema de educação permanente dos profissionais, de forma a que estes possam acompanhar os avanços científicos e incorporá-los no seu dia a dia. A reorganização dos processos de formação profissional e a construção de mecanismos de educação permanente são fundamentais, uma vez que a grande maioria dos profissionais também foi preparada para lidar principalmente com as condições agudas e não com as condições crônicas.

3.4. Modelos de gestão de redes e serviços

Diversos países do mundo adotam a organização dos seus sistemas de saúde como uma rede de ações e serviços organizada de forma regionalizada e integrada. Há semelhanças importantes no que diz respeito tanto à forma de organização, quanto aos mecanismos de regulação e gestão adotados. Neste item são analisados de forma breve seis experiências internacionais: Canadá, Espanha, França, Itália, Portugal e Reino Unido, com o objetivo tanto de destacar os aspectos centrais do formato organizacional e de gestão de cada um, como seus elementos comuns e principais diferenças em relação ao SUS.

Canadá

O Sistema de Saúde do Canadá (Medicare) é público e de acesso universal. As unidades de saúde que o compõem se organizam com base numa lei federal de 1970 (Hospital Insurance and Diagnostic Services Act). O sistema é descentralizado para províncias e territórios, havendo regras nacionais estabelecidas pela legislação federal. Há pequenas diferenças, em termos de oferta de serviços, entre os sistemas provinciais e territoriais. Quando um

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paciente de uma província é atendido em outra, há reembolso de um sistema provincial para o outro.

Nas províncias, legislação específica criou regiões de saúde, às quais estão subordinados os hospitais e demais unidades secundárias e primárias. As regiões são administradas por autoridades sanitárias regionais (RHA) por força de legislação federal de 1996 (The Regional Health Authorities Act). A direção dessas autoridades pode ser indicada pelo governo provincial, ou eleita, de acordo com legislação regional.

As RHA são responsáveis pelo planejamento, financiamento, monitoramento e controle das ações e serviços de saúde nas suas regiões, devendo zelar pelo acesso dos cidadãos aos mesmos e pela qualidade dos serviços prestados. Seus planos e orçamentos devem ser submetidos e aprovados pelo Ministro de Saúde da província. As RHA estabelecem acordos de operação com as organizações prestadoras de serviços de saúde.

Uma RHA tem o poder de suspender pagamentos a organizações prestadoras de serviços que tenham infringido a lei ou os termos de seus acordos de operação. Quando há desentendimento entre as RHA e os prestadores de serviço, estes podem solicitar ao Ministério da Saúde provincial a indicação de um mediador do conflito. Só os ministros de saúde têm o poder de intervir ou dissolver uma organização prestadora de serviços.

Espanha

O Sistema Nacional de Saúde da Espanha, criado a partir de 1978, é um sistema público de saúde de acesso universal, como foi visto no capítulo anterior. A Lei Sanitária Geral (Ley General de Sanidad) determinou a criação e todo o país de “áreas de salud”, ou regiões sanitárias, que são responsáveis por todas as ações e serviços públicos de saúde em seu território. Cada área de saúde abrange uma população entre 200 e 250 mil pessoas. Cada uma dessas áreas é subdividida em zonas básicas de saúde, para a organização da atenção primária.

Há algumas variações regionais na forma e organização das áreas de saúde, uma vez que as Comunidades Autônomas vieram assumindo gradativamente a gestão das ações e serviços de saúde e têm liberdade para organizar as redes de serviços e função de suas realidades específicas. Na Andaluzia, por exemplo, o órgão gestor das áreas de saúde chama-se Área de Gestão Sanitária, em La Rioja são chamados de Área de Gestão Clínica. De modo geral, as redes de serviços de saúde são organizadas e dois níveis de complexidade: atenção primária e atenção especializada.

O financiamento do sistema é público, mas a prestação é mista (pública e privada). Os gestores das áreas de saúde estabelecem contratos-programa com dada unidade prestadora de serviços pública ou privada que integra a rede sob sua responsabilidade. Tais contratos-programa definem as responsabilidades e metas a serem cumpridas pelos prestadores, com base nas quais são definidos os recursos orçamentários que receberão.

Cada unidade é tratada como uma unidade empresarial, da qual se espera eficácia e eficiência. Os hospitais públicos vêm ganhando personalidade jurídica própria, como entidades públicas submetidas ao direito privado, para gozarem de maior autonomia administrativa. Ultimamente, vem sendo definidos e utilizados

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indicadores para medir a eficácia e eficiência, ou os resultados, das unidades de saúde.

França

O sistema de saúde francês segue o modelo de seguro social, segundo o qual os trabalhadores contribuem para organizações conhecidas por mutuais que administram sistemas de assistência, previdência social e saúde. A prestação de serviços é altamente centrada nos hospitais ou dispensários (centros de saúde), os quais atendem a segurados das diversas mutuais. No sistema de saúde francês os médicos generalistas não desempenham, em geral, papel de orientação e direcionamento dos usuários, os quais têm acesso livre a tratamentos especializados. Desde 1988, entretanto, introduziu-se um sistema que oferece benefícios financeiros aos segurados que optarem pela escolha de um médico generalista de referência.

Desde 1970, a França adotou o Serviço Público Hospitalar (SPH), segundo o qual os hospitais que o integram devem oferecer todo o tipo de cuidado de saúde, inclusive o desenvolvimento de ações de educação e prevenção, além de promover atividades de ensino e pesquisa. A lei que criou o SPH estabeleceu, ainda, a carta sanitária da França, a qual dividiu o país em 256 setores sanitários – hoje territórios de saúde – e 21 regiões. Em cada setor deve haver uma plataforma tecnológica mínima.

Em 1991, foram estabelecidos os Esquemas Regionais de Organização Sanitária (SROS), que fixam por 5 anos os parâmetros de evolução da oferta hospitalar em cada região. A partir de 1996, a administração da política hospitalar na França passou à responsabilidade da Direção de Hospitalização e Organização de Cuidados (DHOS) e, no plano regional, das Agências Regionais de Hospitalização (ARH).

A DHOS tem poder regulador sobre diversos aspectos, o que inclui: a organização da função pública hospitalar e da rede de serviços; a acreditação hospitalar; a política tarifária; e o financiamento dos hospitais. A missão geral da DHOS é a organização da oferta de cuidados em todo o país e no conjunto dos estabelecimentos de saúde, tanto os públicos, quanto os privados, que participem ou não do serviço público hospitalar.

Desde abril de 1996, funcionam no país 26 Agências Regionais de Hospitalização (ARH), responsáveis pela organização da atenção hospitalar pública e privada através dos SROS e pelo financiamento dos estabelecimentos de saúde. São firmados contratos plurianuais (contrats pluriannuels) entre as Agências e os hospitais e demais estabelecimentos de saúde sob sua jurisdição. As ARH podem suspender, fechar ou modificar o conteúdo do funcionamento de qualquer estabelecimento hospitalar. Podem ser estabelecidas redes de saúde em torno dos hospitais e em acordo com a ARH respectiva.

Itália

O Serviço Sanitário Nacional (SSN) italiano foi criado e 1978, como um sistema público de acesso universal, de acordo com um modelo muito semelhante ao do NHS britânico. Duas reformas empreendidas em 1992 (Reforma De Lorenzo-Garavaglia) e em1999 (Reforma Bindi) definiram sua conformação atual. A

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primeira reforma deu maior autonomia às diferentes regiões do país no que diz respeito à organização dos serviços de saúde. Atualmente o SSN está estruturado em três níveis distintos de autoridade pública: o nível central (Ministério da Saúde); as regiões (em número de 20) e províncias autônomas (2); e as Agências Sanitárias Locais (ASL).

Cada uma das 20 regiões define um plano regional, de acordo com diretrizes do Ministério da Saúde, que deve ser aplicado pelas diversas Agências Sanitárias Locais responsáveis pelas ações e serviços nos distritos sanitários em que se subdivide cada região. Todas as ações de saúde desenvolvidas nas regiões são previstas em legislação regional debatida no respectivo parlamento. As 197 ASL constituem a base do sistema de saúde italiano, juntamente com 98 hospitais-empresa (aziende ospedaliere), que constituem referência regional para os demais serviços de saúde, agem de forma autônoma e têm o mesmo nível hierárquico que as ASL.

As ASL devem assegurar o acesso da população de cada distrito sanitário às ações e serviços de saúde através de unidades públicas que administram diretamente, ou através de unidades privadas ou públicas independentes, com os quais mantém contrato de prestação de serviços. As ASL são obrigadas a oferecer ações e serviços e saúde em três níveis: comunitário ou primário (vizinhança ou trabalho); distrital (secundário) e hospitalar.

Os usuários podem escolher o serviço de sua preferência, até mesmo fora da localidade onde residem, havendo, neste caso, ressarcimento entre as ASL. , desta forma, há competição entre as ASL. As regiões e as ASL também podem fazer contratos de gestão com duração de 5 anos renováveis. As agências locais são geridas por diretores gerais escolhidos pelo Presidente de cada região. Os diretores gerais das agências locais têm plena autonomia administrativa, financeira e técnica, sendo os resultados de suas ações monitorados, avaliados e controlados pelas regiões.

Portugal

Em Portugal há um Serviço Nacional de Saúde (SNS), criado em 1979 e organizado nos moldes dos sistemas públicos e universais de saúde. A rede de prestação de cuidados do SNS abrange tanto estabelecimentos públicos, como estabelecimentos privados conveniados. Há administrações regionais de saúde (ARS), com os quais os hospitais estabelecem contratos de gestão, ou contratos-programa. O Ministério da Saúde estabelece diretrizes para a atuação dos mesmos, controla e audita suas ações e resultados, com base em indicadores de desempenho pré-estabelecidos.

Os diretores e chefias dos hospitais públicos são avaliados por critérios de desempenho (eficiência e qualidade do atendimento). Os hospitais públicos têm, ainda, conselhos de administração e a organização interna é por centros de responsabilidade e custos. As unidades de saúde do SNS recebem recursos orçamentários, podendo ainda contar com receitas próprias, inclusive doações e rendimentos de bens próprios, além da cobrança por serviços prestados a terceiros.

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Reino Unido

O Sistema Nacional de Saúde britânico (National Health System – NHS) é um dos mais antigos sistemas públicos de saúde de caráter universal, tendo sido criado em 1944 e implantado a partir de 1948. Atualmente, a organização do sistema é baseada em regiões sanitárias administradas por Autoridades Sanitárias (Health Authorities – HA), que estabelecem contratos de gestão tanto com o Departamento de Saúde (Ministério) quanto com os prestadores de serviços em suas regiões.

Há uma antiga e forte distinção entre a atenção primária à saúde (primary or family care) e a atenção hospitalar. Desde 1999, a atenção primária é desenvolvida em torno de Grupos de Atenção Primária (Primary Care Groups – PCG), que atendem a populações entre 50 mil e 250 mil pessoas. A atenção hospitalar é desenvolvida através dos chamados NHS trusts (empresas públicas de saúde), formas de organização que conferem grande autonomia administrativa e financeira aos estabelecimentos prestadores de serviço.

As Autoridades Sanitárias (HA) trabalham junto com NHS trusts, os PCG e autoridades locais no estabelecimento de planos e de indicadores de monitoramento e avaliação e desenvolvem o acompanhamento e avaliação das unidades prestadoras de serviços.

Os hospitais gerais de distrito (District General Hospital –DGH), os quais atendem a grupos de 150 mil a 200 mil habitantes, constituem a coluna vertebral da atenção à saúde do NHS. Sua localização geográfica foi planejada de forma a atender toda a população do país, o que assegura uma boa distribuição dos serviços, embora ainda haja uma grande concentração de hospitais na região de Londres, em função das atividades de ensino e pesquisa.

Além dos DGH há hospitais de referência de alta complexidade que oferecem serviços de neurocirurgia, transplantes e tratamento de câncer. Complementam o sistema pequenos hospitais comunitários, localizados em áreas rurais de população menos densa. Desde os anos 90 o governo tem promovido política de fechamento de unidades e leitos hospitalares.

Elementos comuns

Há diversos elementos comuns entre os sistemas considerados acima, apesar das diferenças existentes entre eles, quanto ao tipo – seguro social na França e público de acesso universal nos demais países analisados – e à existência ou não de mecanismos de descentralização administrativa – centralizados na França, Portugal e Reino Unido e descentralizado no Canadá, Espanha e Itália. São os seguintes os elementos comuns:

Existência de agências locais ou regionais de regulação do sistema de saúde;

Utilização de contratos de gestão entre os governos e as agências e entre estas e as unidades de saúde, tais contratos incluem atribuições claras e metas quantitativas e qualitativas de desempenho;

Garantia de autonomia administrativa e financeira das unidades de saúde, dentro de parâmetros fixados em lei e nos contratos de gestão;

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Monitoramento e avaliação segundo indicadores de desempenho estabelecidos nos contratos de gestão;

Capacidade de intervenção das agências nas unidades de saúde.

Tais elementos comuns são sintetizados no quadro 3 a seguir.

Quadro 3 - Tipo de sistema e elementos de gestão da rede de serviços de saúde em países selecionados

País Tipo de sistema de

saúde

Elementos de gestão da rede de serviços

Base territorial Órgão regulador regional ou local

Instrumento de regulação com

prestadores

Canadá Público de acesso universal

Região sanitária Autoridade Sanitária Regional

Acordos de cooperação

Espanha Público de acesso universal

Área de saúde Área de Gestão Sanitária ou Área de Gestão Clínica

Contrato-programa

França Seguro social Esquema Regional de Organização Sanitária

Agência Regional de Hospitalização

Acordos de cooperação técnica

Itália Público de acesso universal

Distrito sanitário Agência Sanitária Local

Contrato de prestação de serviços

Portugal Público de acesso universal

Região sanitária Administração Regional de Saúde

Contrato-programa

Reino Unido Público de acesso universal

Região sanitária Autoridade Sanitária

Contrato de gestão

É importante assinalar que a maior parte desses elementos tem correspondência com as recomendações das organizações internacionais de saúde (OMS e OPAS). Tais elementos não existem no SUS, onde os instrumentos de regulação ainda são incipientes. No Brasil, toda a gestão da rede de serviços está a cargo diretamente dos municípios, ou dos Estados – principalmente nas regiões metropolitanas das capitais – e não de agências regionais, além de praticamente não haver contratação entre as unidades de saúde e os gestores municipais ou estaduais.

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4. CIDADANIA NO BRASIL

Neste item apresentamos uma breve história do desenvolvimento dos direitos de cidadania no Brasil. Para facilitar a exposição do assunto, dividiu-se a história em três grandes períodos: de 1822 a 1930; de 1930 a 1988; e de 1988 aos nossos dias. Em cada um dos períodos procura-se apresentar o estágio de desenvolvimento de cada um dos três tipos de direitos sociais, de acordo com a tipologia estabelecida por T. H. Marshall e apresentada no item 2.2, mais acima.

4.1 Antecedentes (1822-1930)

O Estado brasileiro, como Estado-nacional independente, foi criado em 1822. Até 1889, foi uma monarquia, cuja economia era baseada no trabalho escravo. É fácil deduzir que não se pode falar de direitos de cidadania nessa época. Um grupo muito restrito da população – nobres, grandes fazendeiros e comerciantes – gozava de liberdade e outros privilégios, ficando a grande massa da população sem acesso a tais benefícios.

Em todo este período os poucos movimentos populares não foram suficientes para inaugurar a conquista de direitos de cidadania. Pelo contrário, foram todos sufocados com grande violência pelo Estado brasileiro. Até 1881, só tinham direito de votar, por exemplo, homens de mais de 25 anos com renda mínima de 100 mil réis e as mulheres não votavam (CARVALHO, 2001, 29).

Parte da população era composta de escravos, os quais não gozavam de qualquer direito. Apenas no último ano do Império (1888) foi abolida a escravidão, um passo importante embora insuficiente para a construção de verdadeiros direitos de cidadania no país. Os escravos libertos não contaram no Brasil com políticas sociais voltadas para assegurar uma inserção social mais adequada, como a educação, por exemplo, ao contrário do que se deu, por exemplo, nos EUA, após o fim da escravidão. Segundo o sociólogo José Murilo de Carvalho, nos EUA em 1870, logo após o fim da Guerra de Secessão desencadeada pela abolição da escravatura, havia 4.325 escolas para libertos e uma Universidade (2001, p. 52).

Direitos políticos restritos

No final do Império, as restrições ao direito de voto aumentaram a partir de 1881, quando a renda mínima para o exercício do direito de voto foi elevada para 200 mil réis, o voto foi tornado facultativo e os analfabetos perderam o direito de votar. Como conseqüência, mais de 90% dos antigos eleitores perderam o direito ou deixaram de votar.

Na Primeira República, o direito de voto continuou restrito aos homens alfabetizados, que eram uma minoria da população, e mantiveram-se os diferentes mecanismos de manipulação das eleições que haviam se desenvolvido no tempo do Império; todas mulheres e os homens analfabetos continuaram sem poder votar ou ser votados.

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A abolição da escravatura e a Proclamação da República (1989), pouco alteraram as condições de vida da grande massa dos brasileiros. A Primeira República (1889-1930) também foi dominada por interesses dos grandes fazendeiros do café e do açúcar e pelos comerciantes que se dedicavam aos negócios de exportação e importação, em todo o interior permanece o poder dos coronéis (FAORO, 2001, p. 697-738).

O poder exercido principalmente pelos cafeicultores de São Paulo era possível, graças ao acordo feito com as diversas oligarquias regionais existentes no país, também compostas por grandes proprietários rurais. Este acordo ficou conhecido tanto como ‘Política dos Governadores’ como por ‘República dos Coronéis’. Tais nomes derivavam da grande autonomia assegurada aos governadores dos estados, que se apoiavam no domínio exercido pelos coronéis da Guarda Nacional, criada em 1831, grandes proprietários de terras que mantinham controle sobre a vida social e política no interior do país (LEAL, 1997, p. 39-79).

Eram os coronéis que na prática nomeavam os delegados de polícia, os juízes, os coletores de impostos e as professoras dos municípios do interior (LEAL, 1997, p. 65). As eleições neste período também eram fortemente manipuladas pelos coronéis. Como, até 1920, cerca de 85% dos brasileiros vivessem na área rural, é fácil deduzir o grau de restrição aos direitos de cidadania que o poder dos coronéis significava.

Apenas nas maiores cidades, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, um nascente movimento operário, formado basicamente por imigrantes começou a questionar a situação vigente e a exigir direitos de cidadania. A principal manifestação operária do período foi uma greve geral que paralisou a cidade de São Paulo em 1917. Os operários lutavam, na época, por direitos civis básicos, tais como o de se organizar, de manifestar-se e de fazer greves. A dominação dos anarquistas sobre o movimento dificultou que ele assumisse propostas políticas e o restringiu a reivindicações ao campo econômico (CARVALHO, 2001, p. 69). Os trabalhadores continuaram sem direitos trabalhistas e sindicais até 1943.

Os direitos sociais foram praticamente inexistentes até 1930. A primeira Constituição da República, de 1891, por exemplo, retirou a obrigação de o Estado assegurar o ensino primário, ou de primeiro grau, que o Império reconhecia. O não reconhecimento da educação como uma obrigação do Estado se refletiu na predominância dos analfabetos entre nossa população. O censo demográfico de 1920 revelou, por exemplo, que dos 30 milhões de brasileiros existentes à época, apenas 24% sabiam ler e escrever (Carvalho, 2001, p. 65).

Em relação aos direitos à saúde e à previdência, apenas em 1923, a Lei Eloy Chaves começou a regular o funcionamento das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP), que começaram a se constituir nas empresas e eram administrados por representantes dos patrões e dos trabalhadores. Esta foi, na prática, a primeira medida de implantação de direitos sociais no país (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986, p. 50).

O historiador José Murilo de Carvalho conta que em 1932 havia cerca de 140 Caixas, com perto de 200 mil segurados (2001, p. 113), isto numa população que, em 1930, já era, de acordo com o IBGE11, de mais de 37 milhões de pessoas! Tais

11 FONTE: IBGE, 2003, “Estatísticas do Século” — Tabela extraída de: Anuário Estatístico do Brasil 1936. Rio de Janeiro: IBGE, v. 2, 1936.

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números deixam claro que, por mais importante que possa ter sido o pioneirismo deste primeiro passo na direção da construção de direitos sociais no Brasil, seu alcance efetivo foi ínfimo.

4.2 Nascimento e evolução (1930-1988)

1930-45

O poder dos cafeicultores foi derrotado pela revolução de 1930, que colocou na liderança do governo federal uma composição heterogênea de forças integrada por grupos regionais não paulistas e setores urbanos, como industriais e representantes das classes médias, e que deu início a um amplo processo de transformação que abrangeu diversos aspectos da realidade. O governo revolucionário de Getúlio Vargas implantou, logo de início, uma série de medidas centralizadoras do poder político, dissolvendo o Congresso Nacional e os legislativos estaduais e nomeando interventores nos estados (FAUSTO, 2000, p. 333).

A área social foi uma das que sofreram mais transformações no novo regime. Já em 1931, o governo estabeleceu regras para a organização sindical, permitindo a criação de sindicatos por categoria profissional, sob forte controle do governo. Em 1930 mesmo, começou uma reforma do ensino, com a criação do Ministério da Educação e a promulgação, em 1931, do Estatuto das Universidades Brasileiras. Em 1933, foi promulgada a lei que criou os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP) em substituição às antigas CAPs (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986, p. 22).

Em 1933, ocorreram as primeiras eleições com voto secreto e direito de voto para mulheres, além de controladas pela Justiça Eleitoral. A esperança de implantação de um regime democrático durou pouco. O fortalecimento de um movimento operário de correntes ideológicas opostas como o integralismo e o comunismo, assim como a tentativa de golpe militar pelos comunistas, em novembro de 1935, abriram caminho para o golpe de Estado desfechado em novembro de 1937, que deu início ao Estado Novo, um dos regimes mais autoritários do país.

O Estado Novo durou até 1945, quando foi substituído por um regime democrático. Suas principais contribuições para o desenvolvimento dos direitos sociais foram a implantação dos IAP e a promulgação da legislação que assegurou os direitos dos trabalhadores, em 1943. Esta legislação, com pequenas mudanças, continua em vigor até hoje.

Os IAP eram organismos responsáveis pelas aposentadorias, pensões e pela assistência à saúde dos trabalhadores. Eram organizados por categorias profissionais – bancários, servidores públicos, industriários, etc. –, financiados por contribuições dos próprios trabalhadores e de seus empregadores e administrados de forma tripartite, pelo governo, patrões e trabalhadores (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986, p. 68-88).

Embora os IAP atingissem uma parcela maior dos trabalhadores do que as CAP, deixavam de fora grande parte da população, como os trabalhadores rurais – os quais eram a maioria na época – e os trabalhadores do setor informal. Revelavam uma concepção restrita dos direitos de cidadania, em que o acesso à aposentadoria e aos serviços de saúde dependia fundamentalmente da

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contribuição dos beneficiários. Ao invés de cidadãos com direitos, trata-se de segurados com benefícios.

Os direitos políticos continuaram limitados até 1945, só voltando a se desenvolver a partir de 1945, apesar da extensão do direito de voto às mulheres, da instituição do voto secreto e da Justiça eleitoral, em 1930. Os direitos trabalhistas e sociais mantiveram-se durante todo o período dentro dos marcos de cunho corporativo estabelecidos na época do Estado Novo.

O desenvolvimento da sociedade se verifica, sobretudo, na impressionante transição demográfica do campo para a cidade, no crescimento da organização e na capacidade de luta da classe operária, dos estudantes e dos trabalhadores rurais que começa a se organizar e a desenvolver lutas de maiores proporções. A sociedade passa a discutir as grandes questões do desenvolvimento nacional, a se posicionar a respeito do lugar ocupado pelo país no mundo, das relações do Brasil com os EUA e com os organismos internacionais.

1945-64

Após o fim do Estado Novo, a grande mudança em relação aos direitos de cidadania foi a ampliação dos direitos políticos. O fim da ditadura trouxe uma liberdade relativa de funcionamento para os partidos políticos – menos para o Partido Comunista, posto na ilegalidade dois anos após a redemocratização – e a liberdade de escolha dos eleitores para todos os cargos eletivos do país. O direito de voto permaneceu restrito, entretanto, para os analfabetos que constituíam uma parcela importante da população.

No que diz respeito aos direitos sociais, o retorno à democracia não trouxe nenhuma novidade importante. A política social permaneceu basicamente a mesma. Os IAP continuaram como os principais responsáveis pelas políticas de previdência social e assistência médica, enquanto o Ministério da Saúde, criado em 1953, dedicava-se principalmente às ações de caráter preventivo.

1964-1988

O regime militar instaurado pela força em 1.º de abril de 1964 foi feito contra tudo o que o período anterior representava. Do ponto de vista internacional, o primeiro governo militar do general Castelo Branco alinha-se, de forma incondicional, com os interesses do governo norte-americano, prestando-se, inclusive, ao papel de engrossar as forças ianques na invasão da República Dominicana. No comando da economia coloca alguns dos cardeais do conservadorismo brasileiro, como Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos, que se opuseram a tudo o que parecesse nacionalista nas políticas econômicas dos governos das duas décadas anteriores.

No campo político, o governo militar implantou uma política de violenta repressão e perseguição a todas as correntes ligadas à esquerda e ao nacional-desenvolvimentismo, além de promover uma fortíssima centralização do poder, limitando o direito de greve, o funcionamento do Congresso Nacional e a autonomia de estados e municípios. Isto foi especialmente verdade após 1968, quando, em violenta reação à oposição que ressurgira no Congresso Nacional, entre os estudantes e os operários de Contagem e Osasco, o governo do general Costa e Silva baixou o Ato Institucional n.º 5. Com base nos poderes conferidos pelo Ato, o governo militar intensificou a cassação de parlamentares, as prisões e torturas sobre seus opositores e fortaleceu a chamada comunidade de

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informações, formada pelos órgãos repressivos para sufocar os movimentos de revolta, inclusive armados, que surgiam no país. Ao lado do Estado Novo, foi certamente o período de maior retrocesso da vigência dos direitos políticos na história do país.

O governo militar seguinte, do general Médici, manteve a repressão, mas pôde contar com maior legitimidade conferida pela retomada do crescimento econômico iniciada em 1969. O chamado milagre econômico, que se estendeu até 1973, apresentou as mais altas taxas de crescimento da história, com enorme expansão da indústria, do capital estrangeiro e também das empresas estatais. Curiosamente, foi neste período, também, que voltaram a se ampliar os direitos sociais, com a extensão do direito de aposentadoria e assistência médica: aos trabalhadores rurais, em 1971 (SANTOS, 1994, p. 33) empregadas domésticas, em 1972; e trabalhadores autônomos, em 1973 (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986, p. 205).

A criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) constituíram as mais importantes mudanças a ocorrerem na área social, desde a criação dos IAP, em 1933, e da promulgação da CLT, em 1943. Além da unificação dos IAP no INPS, as mudanças no sistema de proteção social incluíram a substituição do regime de capitalização pelo regime de caixa (ou pay as you go – PAYG). Com exceção da assistência à saúde, modificada em 1988, tanto o quadro geral dos direitos previdenciários, quanto o FGTS permanecem com basicamente a mesma configuração até hoje. Foram mudanças feitas sob a égide do autoritarismo, mas a criação do INPS correspondia a projeto antigo, ainda do Estado Novo.

É inegável que a extensão do direito à previdência e à saúde, bem como a unificação do regime previdenciário dos trabalhadores do setor privado, constituíram um progresso no que diz respeito à ampliação do direito social e à maior igualdade entre as diferentes categorias profissionais. Tais medidas afastaram definitivamente regime brasileiro de bem estar-social do modelo corporativo bismarckiano e o colocaram no rumo do universalismo.

4.3 Situação atual

O fim da ditadura militar e a eleição de um governo de transição do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), a principal força de oposição aos militares, inaugura um momento totalmente novo para o país, principalmente no que diz respeito aos direitos de cidadania.

A Constituição Federal de 1988 estabelece as bases de um pacto social inédito, que ao mesmo tempo conclui o rompimento com a matriz corporativista de tipo bismarckiano criada em 1933 e define um projeto de proteção social de tipo social-democrata. O projeto de welfare state definido em 1988 é único na América Latina e sem paralelo entre os demais países da periferia do sistema capitalista. O seu maior símbolo é o SUS, que, pela primeira vez, aponta claramente no sentido de uma política social de caráter universal e pública, Mas este não é o único projeto de cunho social-democrata definido pelo Título VIII da Constituição Federal.

O direito à educação também foi totalmente reformulado, com pressupostos semelhantes aos que presidiram a redefinição do direito à saúde, assim como todos os dispositivos relativos à assistência social. Nesta última área, a

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Constituição lança as bases para toda uma legislação nova e única entre outros países da periferia do sistema capitalista, que estabelece direitos e políticas sociais correspondentes para setores da sociedade que não dispunham de qualquer mecanismo anterior de proteção, como as crianças e adolescentes, os portadores de deficiência e os idosos. Além do estabelecimento dos direitos, a Constituição de 1988 reforça o papel dos mecanismos de proteção e tutela dos direitos, como o Ministério Público e os Conselhos Tutelares da Infância e da Adolescência.

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5. A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL ANTES DO SUS

Nesta parte apresenta-se uma breve história do setor de saúde público brasileiro, desde o início do século XX até os nossos dias. A periodização utilizada se deve à escolha das datas das principais mudanças na política de saúde pública brasileira. O quadro 4 a seguir apresenta de forma esquemática este desenvolvimento, relacionando as mudanças nas políticas de saúde com as mudanças políticas do país.

Quadro 4 – Mudanças políticas e do modelo de saúde pública no Brasil

Mudanças políticas

Mudanças no modelo de saúde

pública

Características de cada um dos modelos de saúde pública

1930: Revolução (tomada do poder pelos interesses ligados à indústria)

1933: Criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP)

Seguro social: a) organizado separadamente por categorias profissionais – IAPs específicos; b) financiado por contribuições dos trabalhadores e empregadores, com base na folha de salários; e c) administrado por representantes dos trabalhadores e empregadores.

1964: Golpe militar

1966: Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)

Seguro social: unificado; a) todas as categorias são seguradas pelo INPS; b) financiado por contribuições dos trabalhadores e empregadores, com base na folha de salários; e b) administrado pelo Estado e representantes dos trabalhadores e empregadores.

1985: Fim do regime militar

1988: Criação do Sistema Único de Saúde (SUS)

Público de acesso universal: a) voltado para todos os cidadãos; b) financiado por toda a sociedade por meio de tributos; e c) administrado pelo Estado.

Como se pode ver, as principais mudanças no modelo de saúde pública brasileiro se seguiram, após um curto intervalo de apenas dois a três anos, a importantes mudanças políticas na história recente do país.

5.1 Até 1933

No início do século XX, foram relativamente poucas as iniciativas do Estado brasileiro em relação aos direitos sociais como um todo e à saúde da população em particular. As principais iniciativas do Poder Público em relação à saúde estiveram relacionadas ao saneamento e a medidas preventivas, voltadas para combater doenças endêmicas muito comuns até nas grandes cidades.

Mesmo no Rio de Janeiro, capital do país, doenças transmissíveis como a malária, varíola, febre amarela e peste bubônica acometiam grande parte da população. A partir das descobertas da microbiologia, ao final do século XIX, que revelaram as origens e as formas de transmissão dessas doenças, além de permitirem o desenvolvimento das primeiras vacinas, ficou clara a importância das

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medidas de prevenção ligadas ao saneamento básico e à imunização da população.

As primeiras medidas do Estado brasileiro na área da saúde pública aconteceram exatamente neste campo. Na cidade do Rio de Janeiro, o Presidente Rodrigues Alves investiu no saneamento, apoiando, inclusive a reurbanização do centro da cidade promovida pelo Prefeito Pereira Passos e nomeando o cientista Osvaldo Cruz para chefiar o Departamento Nacional de Saúde Pública e conduzir as primeiras medidas de saúde pública. As ações organizadas por Oswaldo Cruz mexeram tanto com o cotidiano da população, que chegaram a despertar a ira e a revolta da mesma (veja box).

A revolta da Vacina

Uma das mais importantes iniciativas governamentais na área da saúde foram as campanhas de combate à febre amarela, varíola e peste bubônica, que afetavam várias cidades e a própria capital, o Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz, responsável pelas ações de saneamento, era um jovem sanitarista que trabalhara no Instituto Pasteur de Paris e combatera com sucesso a peste bubônica em Santos, em 1902.

Oswaldo Cruz criou esquadrões de caça a ratos, criou uma polícia de focos que combatia os mosquitos transmissores da febre amarela (Aedes aegypti, conhecido à época como Stegomya fasciatta), pulverizando e interditando barracos, casas e quintais. Sua medida que causou maior reação da sociedade foi a aprovação da lei da vacina obrigatória contra a varíola no Congresso.

Em novembro de 1904, quando as Brigadas Sanitárias, acompanhadas pela polícia, começaram a fazer a vacinação obrigatória, houve uma reação generalizada, que envolveu até figuras ilustres, como Ruy Barbosa. Espalhou-se a notícia de que, para se vacinar as pessoas, era necessário tocar em suas partes íntimas e que isto seria feito em mulheres e crianças i mesmo que os chefes de família não estivessem em casa, o que a população considerou uma afronta ao lar e à família.

A prisão pela polícia de um orador num comício contra a vacina obrigatória levantou uma grande revolta da população que fechou ruas, derrubou e incendiou bondes e saqueou lojas durante 8 dias. A revolta logo cresceu, ganhando uma conotação cada vez mais política contra o governo dos cafeicultores paulistas. Só foi sufocada pela decretação do estado de sítio por um mês, durante o qual houve 30 mortos, centenas de prisões e a deportação de 465 revoltosos para o Acre.

Os principais nomes do setor de saúde da época estavam todos ligados ao chamado movimento sanitarista. Além de Oswaldo Cruz, é importante mencionar Carlos Chagas, que, ingressando no Instituto Bacteriológico Osvaldo Cruz em 1903, tornou-se seu importante colaborador, trabalhando na erradicação da malária em Santos e em Minas Gerais, além de ter identificado o agente causador da tripanossomíase – hoje conhecida como doença de chagas – ao qual deu o nome de Trypanosoma Cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz.

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No que diz respeito à assistência à saúde, já foi comentada acima (item 5.1) a regulamentação das CAPs. Esta regulamentação, estabelecida em 1923, deu início a uma ação mais efetiva do Estado nessa área. As CAPs prestavam assistência à saúde dos trabalhadores e de suas famílias, com base em recursos oriundos da contribuição de empregadores, trabalhadores e do próprio Estado.

Adotavam o modelo do seguro-social, iniciado ao final do século XIX na Alemanha e voltavam-se apenas para os trabalhadores da economia formal urbana, estando ligadas a empresas. Seu alcance, no entanto, era limitado, como já se comentou. No último ano de sua existência, 1932, o número de segurados das CAPs – os quais constituíam os únicos brasileiros efetivamente amparados em caso de doença – não chegavam a 1% da população.

5.2 De 1933 a 1966

Entre 1933 e 1966, o setor de saúde brasileiro cresceu em tamanho e complexidade. O setor público se dividiu em duas partes: a maior delas ligada à previdência social; e a outra ao Ministério da Saúde, criado em 1953. O setor ligado à previdência social, também chamado de medicina previdenciária, adotou o modelo do seguro social, iniciado no final do século XIX e organizado de forma separada por categorias profissionais, com base nos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs).

Já o setor privado se transformou em duas direções diferentes: uma parte filantrópica e outra que assume de forma crescente um caráter empresarial, transformando os serviços de saúde em produtos comercializáveis com fins de lucro. Esta parte do setor privado começa, a partir dos anos 1950, a se dividir em dois subsetores: um voltado para a administração de planos e seguros de saúde e outro para a prestação de serviços de saúde.

A saúde previdenciária

A Revolução de 1930, ao substituir os interesses do setor agro-exportador pelos interesses ligados à indústria e à classe média urbana deu início à ampliação das políticas sociais, inclusive na área da saúde. Em 1933, o novo governo começou a criar os IAP, ampliando a atenção de saúde pelo modelo de seguro social. O primeiro IAP criado foi o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), pelo decreto n.º 22.872 de 1933 (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 986, p. 68). Durante os primeiros anos os IAP conviveram com as CAP.

Os IAPs eram organizados por categoria profissional e financiados com base nas contribuições obrigatórias dos empregadores (empresas) e dos próprios trabalhadores, como percentual calculado sobre a folha de pagamentos. Entre 1933 e 1966 desenvolveram-se diversos institutos deste tipo, sendo os maiores e mais conhecidos o IAPI (industriários), IAPB (bancários), IPASE (servidores do Estado).

Os institutos eram controlados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social e administrados de forma tripartite – representantes dos trabalhadores, dos empresários e do governo federal. O controle do Estado sobre os IAP era muito grande, além de indicar o presidente de cada Instituto, o governo federal passou a nomear, a partir de 1934, os próprios representantes dos empregadores e trabalhadores (Dec. 24.077). Em 1960, houve uma tentativa de uniformização dos

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planos de benefícios dos IAPs, por força da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) que, no entanto, não conseguiu promover uma uniformização efetiva, em função de as receitas de cada instituto dependerem do valor médio de contribuição da categoria por ele atendida.

Um sistema marcado pelas desigualdades

Os IAPs pagavam aposentadorias e pensões e prestavam assistência médica aos seus segurados e dependentes. Seus segurados eram os trabalhadores urbanos do mercado formal de trabalho, o restante da população continuava desassistida.

Como o sistema era organizado por categorias profissionais e financiado pelas contribuições de empregadores e trabalhadores, as diferenças entre os salários médios das diferentes categorias geravam grande variação entre os benefícios concedidos pelos diferentes IAPs. Algumas categorias, como os bancários, por exemplo, tinham uma cobertura de benefícios mais generosa, que incluíam aposentadoria, atendimento médico-hospitalar, auxílio-maternidade e assistência farmacêutica; além de auxílio financeiro à família em casos de detenção. Em contrapartida, os industriários contavam apenas com pensões por morte, aposentadorias por invalidez e auxílio para as doenças (MATJASCIC, 2002, p. 20-21).

Os IAPs construíram diversos hospitais e centros de saúde, principalmente nas grandes cidades, onde estavam concentradas as maiores empresas e seus segurados. As cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, as duas principais do país, chegaram a ter, principalmente a primeira, um grande número de hospitais dos IAPs. No interior do país, os institutos faziam convênios com estabelecimentos prestadores de serviço, principalmente as Santas Casas. Os IAPs podiam, ainda, celebrar convênios com hospitais, clínicas e outros serviços, para atendimento médico dos seus segurados.

IAP: Gestão financeira e problemas de financiamento

Os recursos financeiros dos IAP eram geridos com base na lógica de capitalização, que implicava na formação de reservas para o futuro. O valor das contribuições, aposentadorias, pensões e a própria dimensão das reservas financeiras eram feitas com base em cálculo atuarial. Como costuma acontecer com os sistemas de seguro social baseados na lógica de capitalização, as reservas tendem a se avolumar no início, enquanto os sistemas ainda não têm um número grande de beneficiários aposentados ou pensionistas.

Tais reservas acabaram servindo para financiar investimentos do Estado em gastos de infra-estrutura voltados para apoiar o intenso processo de industrialização vivido pelo país a partir dos anos 1940. Se de um lado fortaleceram o processo de desenvolvimento econômico, significaram uma drenagem de recursos dos IAPs, que acabou por debilitá-los no futuro.

A assistência médica era tida inicialmente como uma concessão excepcional, com a qual os institutos foram autorizados a gastar até 12% de suas receitas. A partir de 1934, a assistência médica foi colocada em pé de igualdade com os benefícios

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previdenciários (aposentadorias e pensões) e os institutos foram autorizados a cobrar uma contribuição suplementar para financiá-la (Decreto n.º 183).

Outras iniciativas de Saúde Pública

A partir dos anos 1940, começam a surgir outras iniciativas na saúde pública brasileira, mais tarde organizada em torno do Ministério da Saúde, o qual só passou a existir em 1953. A primeira delas foi a criação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), em 1942, pelo Decreto-lei n.º 4.275 (LUZ, 1979, p. 57). O SESP inicialmente visou contribuir para viabilizar a ampliação da produção de borracha na Bacia Amazônica, a fim de suprir as necessidades da frota de veículos dos aliados na II Guerra Mundial contra a Alemanha nazista. Como na Amazônia eram endêmicas algumas doenças transmissíveis, como a malária e a febre amarela, eram necessárias ações sanitárias para minorar o problema. Este foi o papel assumido, inicialmente, pelo SESP.

SESP – singularidade e pioneirismo

Os serviços de saúde desenvolvidos pelo SESP/FSESP eram marcados por uma visão ecológica do processo de saúde-doença, buscando adotar uma abordagem integral que envolvia desde ações preventivas – como vacinação e saneamento – a ações educativas e de cunho assistencial, inclusive hospitalar. Todos os habitantes dos municípios onde o SESP/FSESP mantinha suas unidades mistas tinham acesso aos serviços prestados, constituindo-se no primeiro tipo de ação de saúde de caráter universal no país.

Em suas unidades mistas, além das ações de saúde, eram realizadas atividades de pesquisa e ensino. Durante muitos anos as unidades mistas do SESP/FSESP foram marcos de qualidade nos serviços públicos de saúde. Quando foi absorvida pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), em 1990, a FSESP mantinha em todo o país 800 unidades mistas. Todas essas unidades foram transferidas para os municípios onde estavam localizadas, infelizmente sem que se tomassem os cuidados necessários para preservar as condições que asseguravam a qualidade dos serviços antes mantidos pela FSESP.

Criado com apoio inicial norte-americano, o SESP desenvolvia ações de saneamento básico e de assistência à saúde em comunidades rurais da Amazônia e da região onde atuava a Companhia Vale do Rio Doce (Minas Gerais e Espírito Santo). Em 1960, foi transformado em Fundação (FSESP) e vinculado ao Ministério da Saúde, quando já desenvolvia ações em centenas de municípios em todo o interior do país. Deve-se à FSESP a implantação da maior parte dos sistemas de saneamento básico (água e esgotos) municipais existentes no interior do país, desenvolvidos na forma de Serviços Autônomos de Água e Esgotos (SAAE).

Na área da assistência à saúde, o SESP/FSESP organizou e manteve por décadas suas unidades mistas, que realizavam ações e serviços ambulatoriais e de internação para as populações das cidades onde atuava. Seus profissionais de saúde tinham dedicação exclusiva e passavam por constantes processos de treinamento (RODRIGUES et al, 1992, p. 28-29).

Três anos depois da criação do Ministério da Saúde, a Lei n.º 1.743 criou o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERU), procurando unificar

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diversos programas já existentes de controle de endemias rurais – malária, febre amarela, leshimaniose, doença de Chagas, esquistossomose-, etc (AURELIANO e DRAIBE, 1989, p. 130). A unificação definitiva só ocorreu, entretanto, em 1970, quando foi criada a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), que absorveu o DENERU e as Campanhas de Erradicação da Malária e da Varíola. Em 1974, a SUCAM foi vinculada ao Ministério da Saúde (RODRIGUES et al, 1992, p. 28).

A SUCAM chegou a ser uma das instituições do Estado brasileiro com maior presença em todo o território nacional. Estruturava-se de forma vertical em torno de endemias específicas, para as quais preparava e mantinha corpos de guardas sanitários que atuavam desde a periferia das grandes cidades até os locais mais remotos do interior do país. Seu funcionamento era baseado em rígida disciplina, com uma organização quase militar do trabalho.

Apesar dos limites do seu modelo verticalizado e militarizado que, praticamente, não mantinha qualquer relação com o restante do setor público de saúde, a SUCAM logrou importantes vitórias no controle das endemias, reduzindo substancialmente a incidência de uma série de doenças e praticamente erradicando a doença de Chagas. Em 1992, a SUCAM foi absorvida pela FUNASA, juntamente com a FSESP e alguns programas do Ministério da Saúde (RODRIGUES et al, 1992, p. 30).

Além do governo federal, alguns estados e municípios do país desenvolviam ações e mantinham serviços próprios de saúde voltados principalmente para ações preventivas e atenção a casos de urgência, emergência e ao parto.

5.3 De 1966 a 1977

Em 1964, o golpe de Estado feito pelos militares produziu uma das mais bruscas mudanças de rumo da história brasileira, mergulhando o país em 21 anos de regime ditatorial. Neste período, o regime militar promoveu o retrocesso nos direitos políticos da população – fechando partidos, perseguindo pessoas através da prisão, tortura, exílio e morte – além de uma enorme concentração da renda, que piorou as condições de vida de grande parte da população.

A criação do INPS (1966)

Em 1966, houve a extinção dos IAPs e a criação do INPS (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986, p. 197). Esta unificação do regime social, já pretendida anteriormente (LOPS de 1960) talvez só tenha sido possível em função do autoritarismo do regime militar, mas significou um passo importante no sentido do afastamento da política de saúde brasileira do modelo do seguro social. Ao longo dos anos 1970, outras medidas ampliaram a abrangência do sistema de saúde, reduzindo uma de suas características mais negativas que era exatamente o de negar o acesso aos serviços de saúde.

A criação do INPS unificou o regime de previdência social e de assistência médica a toda a população segurada. Do ponto de vista da atenção à saúde, todas as unidades do INPS passam a atender, de forma igualitária, aos antigos segurados dos IAPs, diferentemente do que acontecia até então.

A ampliação dos benefícios de aposentadoria, pensão e assistência médica para novos grupos da população gerou problemas financeiros para a Previdência

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Social. Isto aconteceu em parte pelo abandono do regime de capitalização vigente à época dos IAPs e substituído pelo regime de caixa que existe até hoje na área da previdência social. O aumento dos beneficiários não correspondeu com o aumento dos recursos necessários para financiar seus benefícios, uma vez que os novos beneficiários não haviam contribuído anteriormente para o INPS.

Medidas de ampliação do acesso da populaçãoao sistema de saúde previdenciário

1971: Criação do PRORURAL pela Lei Complementar n.º 11 – os trabalhadores rurais passam a ter acesso aos benefícios da previdência social (SANTOS, 1994, p. 33);

1972 - as empregadas domésticas ganham, com a Lei n.º 5.859, acesso aos benefícios da previdência social, inclusive assistência médica (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986, p. 205);

1973 – pela Lei n.º 5.850, os trabalhadores autônomos ganham acesso aos benefícios da previdência social, inclusive assistência médica (OLIVEIRA e TEIXEIRA, op. cit., p. 205);

1974 – o Plano de Pronta Ação (PPA) da Previdência Social determina que os serviços de emergência das unidades de saúde do INPS são estendidos a todos os cidadãos; os hospitais universitários são vinculados à rede de assistência médica da Previdência, por meio de convênios (CORDEIRO, 1984, p. 80).

Prevaleceram, no regime militar, duas crenças que se revelaram falsas com o tempo. De acordo com a primeira, a economia do país continuaria se desenvolvendo num ritmo forte, o que provocaria o aumento, tanto do número de contribuintes do sistema, como do volume das suas contribuições. A segunda crença era a de que a proporção dos diferentes grupos etários da população – jovens, adultos e idosos – se manteria estável, e como prevaleciam os jovens, o número dos que contribuíam para o sistema superaria sempre em muito o número dos aposentados.

Regime de capitalização (IAP) x regime de caixa (INPS)

No primeiro regime há preocupação em formar reservas financeiras, uma vez que as contribuições dos trabalhadores constituem um pecúlio individual para financiar suas despesas de saúde e previdência. No regime de caixa não há nem pecúlio individual, nem reservas financeiras, as despesas de hoje são feitas com base nas receitas de hoje.

Essas duas crenças do regime militar sobre a saúde financeira de nossa Previdência Social foram derrubadas pela estagnação econômica dos anos 1980 (que acarretou desemprego e queda dos salários, com a conseqüente redução da arrecadação previdenciária), e pela mudança da composição etária da população (com o crescimento rápido da proporção de idosos).

Fortalecimento do setor privado

O regime militar criou, ainda, mecanismos de financiamento que fortaleceram o crescimento do setor privado de prestação de serviços de saúde. O Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), por exemplo, criado em 1974 (Lei n.º

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6.158) e gerido pela Caixa Econômica Federal, destinou quase 80% dos seus financiamentos nas áreas de saúde e previdência para o setor privado. Os principais beneficiários dos empréstimos com recursos do FAS foram os prestadores de serviços de saúde privados, com e sem fim lucrativos. Deve-se ressaltar que os recursos do FAS eram emprestados a juros baixos, o que representava uma forma de subsídio público ao setor privado. Com base nesse tipo de apoio público, o número de hospitais privados com fins lucrativos passa, em apenas três anos, de 944, em 1964, para 1.423, em 1967, um aumento de 50,7%, enquanto o número total de hospitais do país passou, no mesmo período, de 2.847 para 3.235, um crescimento de apenas 13,6% (OLIVEIRA e TEIXEIRA, op. cit., p. 215-218) .

Uma outra decisão do regime militar, o Decreto-lei n.º 200/1967, alterou profundamente a administração pública brasileira, ao determinar a preferência para a contratação de serviços privados, ao invés de ampliação das redes públicas de prestação de serviços. Na área da saúde, isso significou o aprofundamento da tendência de contratação de serviços médicos que já era praticada pelos IAP, reduzindo a expansão da rede pública e ampliando o estímulo para o crescimento do setor privado de prestação de serviços de saúde no país (CORDEIRO, 1984, p. 56).

A criação do INAMPS (1977)

Em 1977, foi criado pela Lei n.º 6.430 o SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), que se desdobrava nos seguintes institutos: INPS; Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e no Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), além de outras instituições da área social, como a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), entre outras (CORDEIRO, op. cit., p. 85).

A criação do INAMPS teve como objetivo maior a aglutinação de toda a assistência médica prestada pelos diversos órgãos da Previdência Social. Constituiu, neste sentido, mais um passo em direção à ampliação do acesso à atenção médica no Brasil. É importante destacar, no entanto, que a ampliação do número de beneficiários das políticas de previdência e saúde não significou a universalização do acesso às mesmas. O acesso aos serviços dependia da contribuição de cada trabalhador, como uma parcela importante da população continuava fora do mercado formal de trabalho ela permaneceu sem acesso aos benéficos previdenciários e de saúde.

Durante todo o período aqui considerado, foi mantida, ainda, a separação entre as ações e serviços de saúde desenvolvidos pelos ministérios da Saúde e do Trabalho e Previdência Social. O primeiro mantinha sua ênfase nas ações e serviços preventivos, enquanto o segundo voltava-se para a assistência médica, de natureza curativa. Como o Ministério do Trabalho e Previdência Social contava com o grosso dos recursos, a ênfase da política era na área da assistência, havendo um déficit de medidas de caráter preventivo.

De 1977 a 1985 – mudanças no INAMPS

A partir de 1977, o núcleo do sistema de saúde era o INAMPS, órgão responsável pelo financiamento dos serviços de atenção médica prestados diretamente pelas

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suas unidades, ou pelo setor privado a ele conveniado. Na década de 80, o INAMPS entrou em dificuldades financeiras decorrentes, de um lado, da gradual ampliação de número de seus beneficiários (trabalhadores rurais, empregadas domésticas e autônomos), que levava ao aumento das despesas, e, de outro lado, da estagnação de suas receitas em função da estagnação econômica iniciada em 1980. Pressionado pelo aumento da demanda e por receitas limitadas, o INAMPS tentou responder com uma estratégia racionalizadora, que visava controlar os gastos e conter a expansão dos contratos com o setor privado, passando a privilegiar o setor público.

Uma das mais importantes greves dos médicos ocorreu em março 1981, contribuindo para chamar a atenção para a crise da Previdência Social e precipitando mudanças no seu sistema de saúde. Um dos principais órgãos de suporte da estratégia de racionalização dos gastos foi o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), criado em 1981 (BUSS 1995, p. 79). As principais ações do CONASP foram: a implantação do Sistema de Atenção Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS); e as Ações Integradas de Saúde (AIS).

O SAMHPS visava disciplinar o financiamento e o controle da rede assistencial privada contratada. Por meio das AIS (1983), se procurou integrar as ações e serviços do INAMPS com os do Ministério da Saúde e de outras esferas de governo (estados e municípios), através de mecanismos de regionalização e hierarquização do conjunto da rede pública (AURELIANO e DRAIBE, 1989, p. 132). Com as AIS foi dado início a um processo de gestão colegiada entre as três esferas de governo, através de mecanismos interinstitucionais como as Comissões Interinstitucionais Estaduais, Regionais e Municipais (CIS, CRIS e CIMS).

Tais mudanças, embora motivadas pelas dificuldades financeiras vividas pela Previdência Social, já tinham certa sintonia com recomendações da Conferência de Alma Ata da OMS. Mostravam que setores da administração do Instituto compartilhavam com críticas que se faziam no movimento popular e na universidade ao modelo de saúde vigente.

5.4 Reforma Sanitária

A saúde pública num momento de mudanças

A proposta de reforma sanitária brasileira surgiu e foi vitoriosa num momento em que o regime militar entrou em crise e começou a transição para a democracia. Neste período, particularmente entre os anos de 1979 e 1988, o país viveu um clima de grande mobilização política pela democracia, que favoreceu a crítica ao sistema de saúde vigente até então.

A sociedade se move contra a Ditadura

A partir de 1974, o regime ditatorial opressivo instalado em 1964 começou a entrar num processo de desgaste. O principal fato político que demonstrou a insatisfação da sociedade foi a grande vitória nas urnas do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), único partido de oposição permitido. Vários setores da sociedade, como a Igreja Católica, a Organização dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), começaram a se mobilizar

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contra as mortes e as torturas promovidas pelos órgãos de repressão da ditadura. Diante dessa situação, o governo militar teve de adotar uma política de distensão política, marcada por uma série de medidas, tomadas durante o governo do General Geisel (1974-79), que abrandaram os aspectos mais duros do regime (FAUSTO, 2000, p. 489-492 e GASPARI, 2004, p. 21-44).

O movimento popular também começara a se manifestar, retomando atividades em várias frentes. Os trabalhadores voltaram a organizar movimentos de greve, principalmente em 1978 em São Bernardo do Campo e em São Paulo. Os estudantes reabriram suas entidades de representação, centros acadêmicos, diretórios centrais, culminando com a reabertura da União Nacional dos Estudantes em 1979, num Congresso em Salvador. Os moradores das periferias e favelas das grandes cidades reorganizavam suas associações e federações, colocando entre as bandeiras de luta pela melhora das condições de vida e de habitação a questão da saúde como questão central.

Os problemas causados pela falta de coordenaçãoentre os diferentes órgãos que cuidavam da saúde

Apesar de diversas tentativas de unificar a atenção à saúde no Brasil, na virada dos anos 1970 para os anos 1980, não havia praticamente nenhuma integração ou coordenação entre as ações e serviços desenvolvidos pelos ministérios da Saúde e da Previdência e Assistência Social e pelas secretarias estaduais e municipais de saúde.

Em Belford Roxo (antes distrito de Nova Iguaçu, RJ), por exemplo, uma das áreas mais carentes da Baixada Fluminense, havia na mesma rua do Centro postos de saúde do INAMPS, da Secretaria de Estado e da Secretaria Municipal de Saúde. Tais postos não mantinham praticamente nenhum contato entre si e desenvolviam suas ações de forma separada , multiplicando as chances de duplicação de esforços e desperdício de recursos.

Enquanto “sobravam” unidades de saúde na área central de Belford Roxo, não havia nenhum outro posto de saúde em todo o território do antigo distrito de Nova Iguaçu. A população tinha de se deslocar para o centro para buscar assistência médica e não contava com ações preventivas e educativas.

A situação de Belford Roxo se multiplicava por todo o país e acabou gerando reação por parte da população, que começou a criar, em diversas cidades, unidades comunitárias de saúde com trabalho voluntário de médicos e enfermeiros em diversas cidades.

A saúde figurava com destaque entre os principais problemas sentidos pela população. Pouco a pouco, as debilidades do modelo brasileiro de saúde pública foram ficando claras para setores crescentes da população. As principais características desse modelo eram as seguintes: a) exclusão de grande parte da população em relação ao acesso aos serviços de saúde; b) ênfase numa orientação assistencial e curativa das ações e serviços de saúde; e c) falta de coordenação entre as ações e serviços desenvolvidos pelos ministérios da Saúde e da Previdência e Assistência Social, além das secretarias estaduais e municipais de saúde; e d) fortalecimento do setor privado na saúde, por meio de uma série de políticas públicas.

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No final dos anos 1970, a população brasileira começou a lutar contra o vigente modelo de saúde, buscando encontrar a solução para seus principais problemas, como as dificuldades de acesso aos serviços de saúde e a ausência de políticas de promoção e prevenção da saúde.

Alma Ata e as reformas sanitárias européias

Como já foi mencionado antes, em 1978, ocorreu uma das mais importantes conferências internacionais promovidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde, realizada em Alma Ata, capital da República do Cazaquistão, representou um verdadeiro marco na saúde mundial, ao propor o chamado conceito ampliado de saúde e defender a saúde como um direito de cidadania (OMS, 1978, p. 2-7).

O conceito de saúde proposto em Alma Ata partia da crítica de que o setor de saúde estava estruturado em torno da doença e das ações voltadas para sua cura, o que condicionava suas ações e serviços a uma visão estreita do processo saúde-doença e a uma prática cuja ênfase era a assistência médica exercida principalmente em unidades hospitalares.

Conceito abrangente de saúde,(Conferência da OMS de Alma Ata – 1978)

“...a saúde, estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, é um direito fundamental, e a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos setores sociais e econômicos, além do setor de saúde”.

Este conceito refletia o avanço da consciência mundial em torno dos direitos de cidadania, particularmente em torno do direito à saúde, bem como a crescente crítica ao modelo biomédico hegemônico na ciência e na prática da medicina.

Além da Conferência de Alma Ata, diversos países vinham passando, nos 20 anos anteriores, por reformas sanitárias, em que seus governos reconheciam a saúde como direito e começavam a implantar sistemas públicos de saúde de acesso universal. Entre tais reformas merecem destaque as reformas ocorridas na Suécia (1962), Canadá (1969); e na Itália, Portugal, Austrália e Grécia (1979).

Dessas reformas, a da Itália, em particular, teve grande influência na discussão sobre a situação de saúde brasileira. Promovida com base em ampla discussão nacional e com forte influência do antigo Partido Comunista Italiano, a reforma daquele país visou substituir o sistema de seguro social lá existente até os anos 1970, por um sistema público de acesso universal, estruturado em torno das idéias do direito à saúde e da necessidade de políticas públicas para garanti-lo.

Havia, ainda, a influência das idéias e dos sistemas de saúde de alguns países socialistas, como a antiga União Soviética e Cuba, que exerciam um forte apelo entre certos grupos que lutavam pela mudança da saúde pública brasileira.

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O Movimento Sanitário

O Movimento Sanitário resultou da mobilização e da unificação gradual de diversos movimentos de setores distintos da sociedade. Ele resultou da mobilização do movimento de moradores das grandes cidades, estudantes, médicos, professores universitários e funcionários do INAMPS.

A universidade e os profissionais de saúde

Alguns dos setores que tiveram papel decisivo na Reforma Sanitária brasileira foram o meio acadêmico e os profissionais de saúde. Professores e pesquisadores universitários como Hesio Cordeiro e Sérgio Arouca (Rio de Janeiro), Amélia Cohn (São Paulo), Eleutério Rodrigues dos Santos (Brasília), entre tantos outros, publicaram os resultados de suas pesquisas e artigos críticos ao modelo vigente. O Mestrado de Medicina Social do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), criado em 1972, teve grande importância como centro de pensamento crítico ao modelo vigente (ESCOREL, 1998, p. 119-122).

Como resultados importantes das mobilizações desses setores devem-se mencionar a criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), em 1976, e da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), em 1978. Os profissionais de saúde, em particular os médicos, organizaram um amplo movimento conhecido como ‘Renovação Médica’ (REME). Em 1976, ocorreu a vitória das chapas de oposição nos sindicatos dos médicos do RJ e de SP (REME), que criticavam o modelo de saúde vigente.

O movimento popular entra em cena

Um dos elementos mais importantes de oposição ao sistema de saúde pública existente no Brasil até 1988 foi o movimento popular. Seu papel é muitas vezes pouco reconhecido, talvez porque se façam comparações com processos como o da Itália, onde o movimento sindical teve papel central na reforma sanitária, a contrário do que veio a ocorrer no Brasil.

Movimento popular pela saúde – 1978-1986

1978: I Encontro Sobre as Condições de Saúde de São Paulo;

1979: I Encontro de Experiências de Medicina Comunitária (ENEMEC), com 332 representantes de 18 Estados e 1 Território da Federação; e I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde na Câmara dos Deputados;

1980: manifestação dos moradores da baixada fluminense no Palácio da Guanabara, por melhores condições de saúde e saneamento; I Encontro Popular de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, com 3.000 participantes;

1980-86: 3 ENEMECs; e mais 3 encontros nacionais do Movimento Popular em Saúde, ou MOPS;

1984: Comitê Político de Saneamento da Baixada Fluminense; nova passeata vai da Central do Brasil até o Palácio da Guanabara exigindo melhores condições de saúde e saneamento para a área;

1986-87: Fórum Popular pela Saúde (RJ), reunindo federações e associações de moradores, sindicatos, organizações não-

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governamentais, entidades representativas de médicos (GERSHMAN, 1995, p. 68-101).

Aqui no Brasil, por várias razões, o movimento sindical não teve papel de destaque. Foram principalmente os movimentos ligados aos moradores das periferias e das favelas que tomaram a frente da luta. Em muitos bairros pobres, a precariedade da rede pública levou ao desenvolvimento do que se conheceu por “medicina comunitária”, um movimento de auto-ajuda, que organizou milhares de unidades de saúde com base no trabalho voluntário da população e de profissionais de saúde. Iniciado como um movimento de auto-ajuda, a “medicina comunitária” se politizou, transformando-se mais tarde no Movimento Popular pela Saúde.

A unificação do movimento sanitário

Durante um tempo, prevaleceram diversas tendências políticas no movimento reformista, com visões mais ou menos diferentes a respeito do rumo a ser tomado pela Reforma. Diversos movimentos levaram a uma gradual unificação das posições, destacando-se o I Simpósio sobre a Política Nacional de Saúde, realizado, em outubro de1979, na Câmara dos Deputados, onde o CEBES apresentou o documento “A questão democrática na área da saúde”, onde propunha claramente o reconhecimento do direito universal à saúde, como direito social ao qual deve corresponder a responsabilidade do Estado (ESCOREL, 1998, p. 84-86). Escrito por Hésio Cordeiro, José Luiz Fiori e Reinaldo Guimarães o documento se transformou no principal “eixo organizador” do Movimento Sanitário (LEVCOVITZ, 1997, p. 56).

Outro evento importante foi a realização em 1984, pelo CEBES e ABRASCO, de uma reunião de trabalho em Curitiba, em que conseguem unificar suas posições em relação à reforma sanitária e à construção do SUS, o que permitiu a transformação do movimento, até então disperso em diferentes correntes, numa frente com um programa coerente (LEVCOVITZ, 1997, p. 74-75).

Em 1985, com a redemocratização do país, membros da Frente Sanitária vieram a ocupar posições centrais na hierarquia do sistema nacional de saúde, dando início a diversas mudanças na política de saúde: Eleutério Rodrigues, da UNB e do CEBES, foi nomeado Secretário-Geral do Ministério da Saúde, Hesio Cordeiro, do IMS/UERJ e da ABRASCO, foi nomeado Presidente do INAMPS; Sérgio Arouca foi nomeado Presidente da Fundação Oswaldo Cruz (LEVCOVITZ, 1997, p. 75).

A principal iniciativa vitoriosa da Frente foi, sem dúvida, a articulação da abertura para a sociedade da 8.ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e a mobilização em torno da defesa das teses da Reforma Sanitária tanto na Conferência, quanto na Assembléia Nacional Constituinte, a partir de 1987. Vamos ver com um pouco mais de detalhes esses aspectos.

A 8.ª Conferência Nacional de Saúde

A 8.a Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foi a primeira, na história, a contar com a participação de representantes da sociedade e a ser precedida por pré-conferências estaduais. O fato de ter ocorrido no auge do processo de redemocratização do país foi decisivo, tanto para a amplitude do evento (mais de 4.000 participantes e mil delegados eleitos por todo o país,

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segundo registra o relatório final da Conferência), quanto pelo forte tom político de suas resoluções.

O núcleo central das proposições da 8.a Conferência é a resolução de número 13, do tema 1, que propunha: “ampla mobilização popular para garantir ... que se inscrevam na futura Constituição:

1. a caracterização da saúde de cada indivíduo como de interesse coletivo, como dever do Estado, a ser contemplado de forma prioritária por parte das políticas sociais;

2. a garantia da extensão do direito à saúde e do acesso igualitário às ações de serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde ...

3. a caracterização dos serviços de saúde como públicos e essenciais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1986).

Esta resolução continha os principais objetivos políticos da Conferência em relação à Constituinte. O resultado alcançado superou bastante, na verdade, tais objetivos. Os três objetivos acima citados foram contemplados no texto da Constituição, com redação muito semelhante, e num sentido até mais abrangente:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Art. 196).

São de relevância pública as ações e serviços de saúde... (Art. 197).

O tratamento do tema do direito à saúde na 8.a Conferência significou um enorme avanço em relação à situação existente no país até então, a qual, mesmo que caminhasse progressivamente rumo à universalização, era marcada fundamentalmente pela restrição do direito à saúde de determinados setores da sociedade. Foi com a 8.a Conferência que o direito à saúde começou a ser afirmado como um direito de todos e dever do Estado, rompendo-se com a visão limitada da cidadania prevalecente no país até então.

Todos os princípios propostos pela 8.a CNS relativamente à organização dos serviços de saúde também foram absorvidos pelo artigo 198 da Constituição Federal, onde figuram como “diretrizes do sistema único”. Tais princípios constavam da resolução de número 3, item (a), do segundo tema da Conferência (Reformulação do Sistema Nacional de Saúde). Destacamos os seguintes:

descentralização;

integralização das ações superando a dicotomia preventivo-curativo;

unidade na condução das políticas setoriais;

regionalização e hierarquização das unidades...;

participação da população...;

fortalecimento do papel do município.

Todos esses princípios figuram claramente no texto do artigo 198 da Constituição. Quanto ao papel do setor privado na prestação de serviços de saúde, as resoluções da Conferência eram claramente críticas e restritivas, em contraste com o que veio a ser aprovado na Constituição. As resoluções de número 9 e 10,

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do Tema 1, por exemplo, denunciavam o predomínio de “... interesses de empresários da área médico-hospitalar” e o “privilégio na aplicação dos recursos públicos na rede privada de assistência médica ...”. Mais adiante, a resolução de número 13 do mesmo tema, propunha a deflagração de “uma campanha nacional em defesa do direito universal à saúde, contra a mercantilização da medicina [grifos nossos] e pela melhoria dos serviços públicos”.

A Constituição, em contraste, apesar de definir a relevância pública para as ações e serviços de saúde (caput do art. 198) e de estabelecer as bases para o fortalecimento do setor público, determinou que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada” (art. 199). Os dois primeiros parágrafos do mesmo artigo, contudo, limitam um pouco o papel do setor privado no SUS, definindo-o como complementar e subordinado (§1o) e vedam “a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos” (§ 2o).

A Nova República e a saúde pública

O fim da Ditadura Militar, e o início da chamada Nova República trouxeram importantes mudanças na saúde pública brasileira que contribuíram para a reforma sanitária de 1988. Diversos integrantes do Movimento Sanitário chegavam ao poder nos municípios, estados e mesmo no Governo Federal. Um dos principais críticos do modelo de saúde previdencário, Hésio Cordeiro (do IMS/UERJ) foi nomeado Presidente do INAMPS e tomou posse defendendo a extensão do direito à saúde para todos os brasileiros, a descentralização e democratização das estruturas administrativas do Instituto, além da revisão das relações com o setor privado e o combate às fraudes (CORDEIRO, 1985).

Em outubro de 1985, o INAMPS dispensa a exigência de apresentação de carteira de trabalho ou qualquer outra identidade de beneficiário da Previdência Social para o acesso à assistência ambulatorial ou hospitalar nas suas unidades (INAMPS, Resolução n.º 98, de 18/10/1985). Dava-se o primeiro passo efetivo para a universalização do direito à saúde.

O novo Presidente do INAMPS assumiu, anda, o rompimento com o modelo privatizante, disseminando os convênios das AIS por todo o país. O número de municípios conveniados passou de 130, em março de 1985, para cerca de 2.500 ao final de 1986. O crescimento da insatisfação continuou gerando uma grande mobilização da sociedade e da frente sanitária em torno da redefinição dos marcos do sistema de saúde. O grande momento em que o projeto da reforma se afirmou foi a 8.a Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, em Brasília.

Em 1987, foi criado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), pelo qual o INAMPS deixou de atuar como órgão de execução direta de ações e serviços de saúde, repassando essas atribuições para os governos estaduais e municipais. As unidades do INAMPS – 41 hospitais (grande parte deles na Cidade do Rio de Janeiro) e 614 Postos de Assistência Médica (PAM) – foram transferidas para a administração direta das secretarias estaduais de saúde e as superintendências estaduais do Instituto foram extintas e incorporadas às secretarias estaduais (AURELIANO e DRAIBE, 1989, p. 132).

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6. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

6.1 Um difícil processo de implantação

O SUS foi concebido durante um processo político ao mesmo tempo tenso e rico. Tenso por ter correspondido aos anos finais da ditadura militar e carregado, portanto, dos conflitos e incertezas característicos de uma transição política. Rico por refletir a mobilização de diferentes setores da sociedade, com fortes expressões de criatividade e crítica ao regime militar e suas características centrais. A reforma sanitária foi uma dessas expressões de mobilização e criatividade, conseguindo firmar um ideário de mudança do setor de saúde, baseado na noção do direito da população. O processo de implantação do ideário reformista foi marcado, no entanto, por grandes dificuldades políticas, cujos principais momentos são resumidos no quadro 4 a seguir.

Quadro 4: SUS: uma história difícil

Ano Governo Principais fatos

1988 J. Sarney Criação do SUS – Constituição Federal.

1990

Collor de Mello

Lei n.º 8.080 – Lei Orgânica da Saúde (25 artigos vetados);Lei n.º 8.142 – critérios de repasse dos recursos e de participação da sociedade;

1991 Norma Operacional n.º 01/1991 (NOB 01/91) – critérios para o repasse de recursos no SUS iguais aos do INAMPS.

1992 Crise do financiamento (gasto federal per capita cai de US$ 80 em 1988 para US$ 44, em 1992); vários hospitais privados rompem seus convênios com o SUS.

1993/ 1994

Itamar Franco

Extinção do INAMPS;Início da recuperação dos níveis de financiamento;NOB 01/93 – estabelece os primeiros critérios de gestão e de repasses financeiros na direção das diretrizes constitucionais (NOB 01/93);Crise da Previdência Social e fim do financiamento do SUS com base em recursos previdenciários;Início da Instabilidade das fontes de financiamento.

1995

Fernando Henrique Cardoso

O Ministro Bresser Pereira (Administração) tenta introduzir medidas neoliberais no SUS;

1996 NOB 96 – reação a Bresser – normas de financiamento e organização mais próximas dos princípios constitucionais;

2000 EC n.º 29 – Determina mínimos de despesas da União, dos estados e municípios com a saúde;Norma Operacional de Assistência à Saúde n.º 01/2000 (NOAS 01/00) – Regras para a regionalização e hierarquização da rede.

Um ano e dois meses depois de a Constituição Federal reconhecer o direito de todos os brasileiros à saúde, criando o SUS, Fernando Collor de Mello tomou posse como primeiro presidente eleito do país desde 1964, com uma agenda política claramente neoliberal. No campo da saúde seu governo definiu uma série

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de medidas administrativas que afetaram a área, como a subordinação do INAMPS ao Ministério da Saúde e a criação da FUNASA, além da redução dos recursos financeiros do Sistema.

O principal impacto político do novo governo sobre o processo de implantação do SUS se deu, contudo, no que diz respeito ao conteúdo da Lei Orgânica da Saúde. A Lei n.o 8.080/90 sofreu 25 vetos do Presidente da República, os quais alteraram o projeto original, principalmente quanto ao controle e à participação social, quanto ao financiamento do Sistema e quanto à estruturação do Ministério. Como resultado, acabou sendo rearticulado novo projeto que resultou na Lei n.o

8.142/90, que trata dos mecanismos de controle e participação social (conselhos e conferências) e de alocação e repasse de recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para os fundos estaduais e municipais (VIANNA, 1995, p. 24). As formas de participação da sociedade definidas pela Lei foram: a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde (art. 1.º), ambos nas três esferas de governo (União, estados e municípios). A questão da participação social é vista com mais detalhes adiante.

Como se pode ver, tanto a situação política, quanto a econômico-financeira em que o SUS foi criado foram das mais complicadas. Os principais fatos estão relacionados ao financiamento, sem dúvida, a maior dificuldade do período. Além da redução dos recursos de financiamento do Sistema, no governo Collor de Mello, a crise da Previdência Social fez com que, em 1993, o SUS perdesse sua principal fonte de financiamento, que representava 80% de suas receitas. Desde aquele ano, até 2000, quando foi aprovada a Emenda Constitucional n.º 29, o SUS viveu grande instabilidade de suas fontes de receita.

6.2 As lacunas do direito à saúde

Os principais objetivos da reforma sanitária brasileira foram assegurar o direito da população à saúde e seu correspondente direto, a responsabilidade do Estado. Tais objetivos figuram tanto na Constituição Federal – Art. 196 : “a saúde é direito de todos e dever do Estado” – quanto na Lei Orgânica da Saúde – Art. 2.º : “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.

Tais definições significaram um gigantesco avanço social, permitindo que todo e qualquer brasileiro passasse a ter o direito à saúde, mas são definições muito gerais e, infelizmente, insuficientes. A garantia do direito à saúde depende de uma série de medidas concretas para se tornar realidade.

A rede de ações e serviços existente e 1988, em primeiro lugar, era insuficiente e inadequada, estando altamente concentrada nas regiões Sul e Sudeste, principalmente nas grandes capitais. A forma de pensar e agir de grande parte das autoridades e profissionais de saúde fora formada no período anterior, quando o acesso à saúde não era um direito, mas um benefício em contrapartida à contribuição financeira dos trabalhadores.

A legislação orgânica da saúde definiu de forma insuficiente os direitos à saúde. São exemplos disso: a falta de especificação dos direitos coletivos à saúde; das responsabilidades do Estado e dos dirigentes das unidades prestadoras de serviço perante esses direitos; dos crimes de violação de direito e suas

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respectivas punições; e dos mecanismos de garantia ou tutela do direito. Tais mecanismos devem incluir as atribuições do Ministério Público e a titularidade das ações judiciais de proteção do direito coletivo (RODRIGUES e KORNIS, 1999, p. 15).

A especificação dos direitos é fundamental, quando considera que diferentes grupos da sociedade têm necessidades próprias de atenção à saúde – como é o caso da população materno-infantil; dos idosos; dos portadores de doenças, etc. A ausência de definição precisa desses direitos deixa as políticas de saúde na dependência de políticas e medidas administrativas das autoridades de saúde, que não têm força de lei.

Tal falha dificulta a responsabilização das autoridades quando estas são omissas em relação ao desenvolvimento de ações e serviços de atenção à saúde da população. Deixa de estabelecer parâmetros para as ações do Ministério Público e para as decisões da Justiça a respeito dos direitos coletivos. É por isto, por exemplo, que vemos uma quantidade crescente de ações judiciais para assegurar o direito individual – fornecimento de remédios, garantia de internação, etc. – e virtualmente nenhuma ação de defesa de interesses coletivos na área da saúde pública brasileira.

A legislação vigente tampouco definiu os crimes de violação dos direitos da população à saúde e as punições cabíveis. Não há, desta forma, mecanismos para punir as autoridades da saúde pública quando deixam de cumprir adequadamente seu papel. A legislação não estendeu a titularidade das ações judiciais de defesa do direito coletivo a entidades da sociedade organizada, nem mesmo aos conselhos de participação criados pela Lei n.º 8,142/90. Desta forma a sociedade e seus órgãos de representação e participação ficaram privados da capacidade de moverem ações na Justiça contra as autoridades de saúde, dependendo da sensibilidade e da disposição do Ministério Público para procurarem garantir os direitos à saúde.

A mera comparação entre a legislação orgânica da saúde e outras leis sociais brasileiras posteriores à Constituição Federal de 1988 mostra que as leis n.º 8.080 e 8.142/90 são mais pobres no que diz respeito a definição dos direitos da população e aos mecanismos de defesa ou tutela deste direito. Os critérios adotados para se fazer uma análise comparativa do conteúdo da legislação dizem respeito à presença ou ausência de dispositivos sobre:

especificação ou qualificação do direito;

proteção ou tutela do direito;

extensão para a sociedade da titularidade das ações judiciais de proteção.

O primeiro dos critérios acima diz respeito à especificação, ou qualificação do direito. Os demais dizem respeito às formas de se proteger, garantir ou tutelar os direitos sociais. Os resultados dessa primeira análise são apresentados na tabela 2, a seguir.

Como se pode ver, tanto a legislação da área da Assistência Social12 quanto da educação (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) definem claramente

12 Lei n.o 7.853/1989 – apoio às pessoas portadoras de deficiência; n.o 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei n.o 8.742/1993 – Lei Orgânica da Assistência Social; e n.o 10.741/2003 – Estatuto do Idoso.

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os direitos da população, as responsabilidades do Poder Público, quanto os mecanismos de tutela do direito. O Estatuto da Criança e do Adolescente, chegou a criar um Conselho Tutelar, órgão autônomo, com integrantes escolhidos pela população, que é responsável pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Tabela 2: Legislação social brasileira, dispositivos relativos à especificação/qualificação e garantia do direito.

Área ou Setor

Leis Especifi-cação/

Qualificação

Proteção/ Tutela

Ações/Titularidade

Assistência Social

Port. de Deficiência Lei n.o 7.853/89

5* 4 1

Saúde SaúdeLei n.o 8.080/90

4 0 0

Saúde Lei n.º 8.142/90 0 0 0

Assistência Social

ECALei n.o 8.069/90

66 94 1

Assistência Social

LOASLei n.o 8.742/93

4 1 0

Educação LDBLei n.o 9.394/96

15 1 1

Assistência Social

Estatuto dos IdososLei n.o 10.741/03

35 25 1

* O artigo 5o da Lei n.o 7.853./1989 contém 5 incisos, com diversas alíneas cada um detalhando os direitos das pessoas portadoras de deficiência.

6.3 As diretrizes e os princípios do SUS

A Constituição Federal estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (Art. 196) e que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único [SUS], organizado de acordo com as seguintes diretrizes” (art. 198):

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

O SUS foi criado, desta forma, para assegurar a universalização do direito à saúde, como um sistema regionalizado e hierarquizado, com gestão descentralizada, contando com a participação da comunidade e visando o atendimento integral das necessidades de saúde. A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90), que regulamenta a Constituição, estabelece ainda treze princípios para o Sistema (art. 7.º), dos quais destacam-se os seguintes:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e

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coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

...

IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

...

VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;

VIII - participação da comunidade;

IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:

a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;

b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;

Alguns dos princípios repetem as diretrizes constitucionais, é o caso dos princípios da universalidade (I), a integralidade (II), e da participação da comunidade. Em relação à descentralização da gestão, a Lei acrescenta a “ênfase na descentralização dos serviços para os municípios” (IX, a). Pode-se dizer que ainda falta tempo e esforço para que grande parte das diretrizes e dos princípios legais do SUS vigore efetivamente. Cada uma das diretrizes é discutida mais detalhadamente a seguir.

Descentralização

A diretriz constitucional de descentralização do Sistema foi detalhada na Lei n.º 8.080/90 (LOS). Definida como um princípio do SUS, ela consta da lei como descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo, ênfase na descentralização dos serviços para os municípios e a regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde (art. 7.º, IX, a e b). Desde então, o sistema de saúde brasileiro passou a ser o único em todo o mundo que colocou a base da organização dos serviços na esfera local, ou municipal.

Os mais de 5.500 municípios brasileiros têm, no entanto, dimensão, população, condições sociais, econômicas e financeiras muito variadas. Basta mencionar a imensa disparidade entre o menor e o maior municípios brasileiros em 2000, respectivamente Borá, com apenas 794 habitantes, e São Paulo, com mais de 10 milhões de habitantes, ambos no Estado de São Paulo (PERES, 2002, p. 74). A tabela 3, a seguir, apresenta a distribuição proporcional dos municípios brasileiros por faixas de população.

Como se pode ver, a grande maioria dos municípios brasileiros é de pequeno porte. Mais de 2/3, ou 73,3% têm menos de 20 mil habitantes, população insuficiente para o funcionamento de uma unidade secundária de saúde. Mais de 90% têm menos de 50 mil habitantes, população insuficiente para contare com um hospital13. Desta forma, pode-se dizer que mais de 90% dos municípios não podem contar com um sistema de saúde com os 3 níveis de complexidade (atenção primária, secundária e hospitalar) em seu território.13 Afinal, a população mínima para se poder contar com um hospital geral nos moldes recomendados pela OMS (200 leitos) é de 150 mil pessoas.

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Tabela 3: Brasil, Distribuição dos municípios por faixa de população e região, 2000

População Regiões BRASIL % % acum.N NE SE S CO

Até 5 mil 112 289 453 415 143 1.412 25,7 25,7De 5 mil a 10 mil 97 390 393 300 112 1.292 23,5 49,1De 10 mil a 20 mil 94 574 341 218 102 1.329 24,1 73,3De 20 mil a 50 mil 101 397 264 135 61 958 17,4 90,7De 50 mil a 100 mil 29 89 111 52 16 297 5,4 96,1De 101 mil a 500 mil 12 38 90 37 9 186 3,4 99,5De 500 mil a 1 milhão 0 6 10 0 1 17 0,3 99,8De 1 a 2 milhões 2 2 1 2 1 8 0,1 99,9Acima de 2 milhões 0 1 3 0 1 5 0,1 100,0

TOTAL 447 1.78

6 1.66

6 1.15

9 446 5.504 100,0  Fonte: http://www.datasus.gov.br .

Como a população mínima para a implantação de uma equipe do Programa de Saúde da Família (PSF) é de 2.500 pessoas, vê-se que muitos municípios teriam dificuldades até mesmo para se responsabilizar pela atenção primária à saúde, em função de sua reduzida população, pois mais de 25% deles têm menos de 5 mil pessoas.

Tabela 4: Brasil, Receitas municipais próprias e transferidas (%),segundo número de habitantes dos municípios - 2003

População Receitas próprias (%)

Receitas Transferidas (%)

Até 5 mil 2,98 97,02

De 5 mil a 10 mil 4,90 95,10

De 10 mil a 20 mil 5,46 94,54

De 20 mil a 50 mil 8,74 91,26

De 50 mil a 100 mil 14,75 85,26

De 101 mil a 500 mil 23,38 76,62

De 500 mil a 1 milhão 26,05 73,95

De 1 a 2 milhões 32,36 67,64

Acima de 2 milhões 46,05 53,95Fonte: Ministério da Fazenda (apud O Globo, 02/03/04, p. 22).

Outro aspecto para o qual se deve chamar a atenção é que os municípios pequenos são muito dependentes das receitas transferidas – parte dos impostos arrecadados pela União e pelos estados e transferidos aos municípios. Isto pode ser visto na tabela 4 e no gráfico 1.

Os dados apresentados mostram que tanto a pequena população, quanto a grande dependência financeira da grande maioria dos municípios brasileiros dificultam que os mesmos possam vir a desenvolver políticas públicas autônomas no campo da saúde.

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Gráfico 1 – Receitas municipais próprias e transferidas (%),segundo número de habitantes dos municípios - 2003

0

20

40

60

80

100

120

Até 5mil

De 10mil a 20

mil

De 50mil a

100 mil

De 500mil a 1milhão

Acimade 2

milhões

Receitas próprias (%) Receitas Transferidas (%)

Fonte: Ministério da Fazenda (apud O Globo, 02/03/04, p. 22).

Pode-se dizer, neste sentido, que a “descentralização com ênfase nos municípios”, se levada ao pé da letra, como se fez a partir de 1993 (NOB 01/93), coloca problemas sérios para a organização e o planejamento do sistema e para a implantação do princípio constitucional do comando único. A municipalização pode significar, neste sentido, a fragmentação do sistema, por tornar extremamente difícil a coordenação de um conjunto amplo de ações e serviços de saúde no território.

Aliás, o Brasil é o único país federativo com um sistema público de saúde de acesso universal, que resolveu descentralizá-lo para os municípios. No Canadá, por exemplo, outro Estado federativo com sistema público de saúde de acesso universal, as ações e serviços são organizados pelos estados, ou províncias.

A solução que normalmente vem sendo proposta para superar a pequena escala da maioria dos municípios brasileiros tem sido a organização de consórcios municipais de saúde, nos quais vários municípios compartilham os mesmos recursos de saúde. Nem sempre os consórcios dão certo, entretanto, porque o sistema político-eleitoral brasileiro é de base municipal, o que estimula a competição entre os políticos de municípios vizinhos por votos nas eleições estaduais e municipais e dificulta a manutenção de acordos mais permanentes entre municípios vizinhos. A própria decisão em torno de qual dos municípios deve ser a sede do centro secundário de saúde ou do hospital é muitas vezes complicada por conta das disputas políticas.

Atendimento integral

O “atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” é a segunda diretriz constitucional do SUS (Constituição Federal, art. 198, II). Na época, a preocupação era de se procurar superar a dicotomia existente no país até a criação do SUS entre as atividades preventivas, que eram desempenhadas principalmente por órgãos e programas do Ministério da Saúde, dos serviços assistenciais, desenvolvidas, sobretudo, pelo Ministério da Previdência Social, através do INAMPS.

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O segundo princípio do SUS definido pela LOS é a integralidade da assistência, “entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do Sistema” (Lei n.º 8.080, art. 7.º, II). A LOS enfatiza, desta forma, a articulação e continuidade das ações e serviços preventivos e curativos nos diferentes níveis de complexidade do SUS. Pode-se dizer desta forma, que a integralidade está legalmente vinculada à rede de ações e serviços de saúde e à garantia ao acesso e à continuidade aos mesmos para todos.

O complicado processo de implantação do SUS impediu, entretanto, que este tema se transformasse em prioridade efetiva até 2001, quando foi publicada a primeira norma do Ministério da Saúde que trata do assunto, a Norma Operacional de Assistência à Saúde n.º 01/01 (NOAS 01/01). Passaram-se, portanto, treze anos, desde a criação do SUS para que se começasse a pensar de forma mais abrangente na reorganização da rede de ações e serviços de saúde. A idéia das NOAS – em 2002, foi editada a NOAS n.º 01/02 – foi a de regionalizar a atenção à saúde, de forma a se organizar e cada uma a oferta de ações e serviços nos 3 níveis de complexidade, sob a coordenação das secretarias estaduais de saúde.

O longo tempo transcorrido e o fato de a rede existente no país ter sido herdada de um tipo de sistema de saúde com objetivos, amplitude, estrutura e métodos completamente diferentes dos previstos para o SUS têm contribuído para dificultar sua adequação às necessidades da população. Ao longo de todos esses anos tem havido uma progressiva adequação da rede, programas e dos processos de trabalho do SUS, mas a realidade ainda é marcada por: uma enorme deficiência da oferta de ações e serviços em termos quantitativos e qualitativos; uma distribuição desigual da rede de unidades de saúde pelo território nacional; e pela dificuldade de acesso da população aos mesmos.

Houve progressos importantes neste tempo, sem dúvida, mas falta muito para se poder dizer que o SUS oferece serviços adequados à população tanto em termos quantitativos, como qualitativos. Entre os maiores avanços destacam-se a reestruturação da atenção básica ou primária pela Estratégia da Saúde da Família e a ampliação da oferta dos serviços de alta complexidade. A primeira foi capaz de implantar em torno de 23 mil equipes de saúde da família, cobrindo mais de 40% da população do país, num período de pouco mais de dez anos (entre 1994 e 2005). A grande ampliação da oferta de procedimentos de alta complexidade foi viabilizada pela implantação do Fundo de Ações Estratégicas e de Compensação (FAEC), criado em 1999 (Portaria GM/MS nº 531), como: cirurgias cardíacas, diálise, quimioterapia, radioterapia, transplantes de órgãos e outros procedimentos cuja oferta era reduzida.

Uma das maiores dificuldades para a garantia do atendimento integral das necessidades de saúde reside na a má organização e gestão da rede de ações e serviços, que ainda se verifica na grande maioria dos estados e municípios. Faltam, em geral, planejamento da oferta de ações e serviços adequada às necessidades da população e uma melhor organização do encaminhamento dos pacientes entre as diferentes unidades da rede (referência e contra-referência). A não organização da rede e do sistema de referência e contra-referência penaliza a população, que sofre nas filas de espera, além de sobrecarregar os serviços do SUS. Este tema é abordado com mais detalhes no item a respeito da NOAS.

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Programa Saúde da Família (PSF)

O PSF, criado em 1994, constitui uma das iniciativas mais importantes de reorganização do sistema de saúde público do país. Baseado em experiências semelhantes desenvolvidas em outros países e em alguns estados do Brasil, o Programa se propõe a organizar a oferta de ações e serviços primários, ou de atenção básica, para populações entre 2.500 e 4.500 pessoas em territórios delimitados, dentro da perspectiva da atenção integral e de acordo com as necessidades da população.

Atualmente chamado de Estratégia de Saúde da Família, o Programa é desenvolvido por equipes compostas por: um(a) médico(a); um(a) enfermeiro(a); um(a) auxiliar de enfermagem; e agentes comunitários de saúde, recrutados na comunidade atendida. Desde 2001, procura-se dotar uma em cada duas unidades de saúde da família de um odontólogo.

O PSF atua junto a populações adscritas (que vivem em território delimitado) cadastradas pelos integrantes da equipe de saúde da família, de forma a conhecer suas características e necessidades. As equipes funcionam em horário integral, devendo desenvolver ações de promoção, prevenção, educação e atenção à saúde, realizadas dentro da unidade, na comunidade e através de visitas domiciliares.

As áreas de atuação de cada equipe são divididas em micro-áreas, cada uma sob a responsabilidade de um agente comunitário de saúde. Em cada área que lhe cabe, a equipe é responsável por toda a atenção básica à população, o que inclui uma série de ações de controle relacionadas a programas do Ministério da Saúde para grupos específicos – como mães e crianças, hipertensos, diabéticos, portadores de HIV, de hanseníase, tuberculose e idosos.

Os municípios recebem um recurso inicial do Ministério da Saúde para ajudar a implantar a unidade e um recurso mensal para ajudar a financiar o custo de cada equipe. Há um incentivo financeiro para o aumento da cobertura do Programa, desta forma, quanto maior for a proporção da população coberta pelo PSF, maior será o valor transferido pelo Ministério para o município.

Participação Social

O artigo 1.º da Lei 8.142/1990 definiu o funcionamento de conferências e conselhos de saúde nas três esferas de governo “sem prejuízo das funções do Poder Legislativo”. Segundo a Lei, a Conferência deve se reunir a cada 4 anos para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde.

Os conselhos devem funcionar “em caráter permanente e deliberativo” como “órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde” (Lei n.º 8.142, art. 1.º, § 2.º). A Lei determina, ainda, que a “representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos” (art. 1.º, § 4°), ou seja que metade dos integrantes de cada conselho deve ser

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constituída por representantes dos usuários, sendo a outra metade composta pelos demais segmentos (governo, prestadores e trabalhadores).

Como o papel deliberativo atribuído aos conselhos não pode prejudicar as prerrogativas do Poder Legislativo (art. 1.º), a força das decisões dos conselhos é relativa. A Lei não deu aos conselhos de saúde sequer a capacidade de ser titular de ação na Justiça e defesa do direito à saúde, sendo a única lei social posterior à Constituição de 1988 que não o fez, o que enfraquece muito o papel dos conselhos de saúde.

A determinação do caráter paritário da representação dos usuários também pode ser interpretada de duas maneiras, a mais aceita delas é que a Lei garante a participação dos usuários. Quando se verificam outras experiências internacionais, entretanto, pode-se considerar que essa paridade pode limitar a participação dos usuários, que são os principais interessados no bom funcionamento dos serviços de saúde.

6.4 Mecanismos de gestão do SUS

O que diz a legislação

A LOS estabelece que a direção do SUS, no plano nacional, é do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais e municipais, nas esferas estadual e local (art. 9.º). Prevê a possibilidade de os municípios formarem consórcios para desenvolver em conjunto ações e serviços de saúde (art. 10). Determina que o poder normativo sobre o Sistema cabe à União, assim como sobre temas como vigilância sanitária e epidemiológica, saneamento, coordenação das redes de alta complexidade e de laboratórios de saúde pública, entre outros (art. 16).

A Lei Orgânica da Saúde atribui um amplo poder aos municípios, que passam a ser os responsáveis por “planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde” (art. 18). Tal atribuição corresponde na prática a fazer com que a descentralização se tenha tornado sinônimo de municipalização da rede SUS (ver item 7.4).

Uma das conseqüências desta definição foi certo esvaziamento do papel dos estados na gestão da rede de ações e serviços do SUS. O art. 17 da LOS definiu como competências da direção estadual do Sistema: promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde; acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas; prestar apoio técnico e financeiro aos municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde (incisos I a III). Como se vê couberam aos estados apenas atos de coordenação da rede de ações e serviços, além do apoio aos municípios. Os estados não contam com poderes específicos para influenciar de forma efetiva nem a configuração da rede, nem regular a distribuição da oferta dos seus serviços quanto à quantidade ou a qualidade dos mesmos.

As normas operacionais

A partir de 1990, o Ministério da Saúde editou Normas Operacionais Básicas (NOBs) e de Assistência à Saúde (NOAS), instrumentos que regulamentam a

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descentralização, gestão, financiamento e organização do SUS. Tem caráter administrativo, sendo publicadas como portarias dos ministros da saúde.

As Normas Operacionais Básicas (NOBs)

NOB 01/91: editada ainda pelo antigo INAMPS e acompanhada por portarias do Ministério da Saúde que criaram os Sistemas de Informações Hospitalares (SIH/SUS) e Ambulatoriais (SIA/SUS), com as respectivas tabelas de remuneração por procedimentos para o pagamento dos prestadores de serviços públicos ou privados; criou a Comissão Intergestores Tripartite (CIT).

NOB 01/92: previu a criação do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e estabeleceu os critérios de cálculo dos repasses financeiros. O número de Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs) de cada estado da Federação passou a ser definido a partir de um teto de internações proporcional à respectiva população. A assistência ambulatorial passou a ter duas modalidades de pagamento: a) produção dos serviços apresentados no SIA/SUS (lógica do INAMPS); e b) unidade de medida ambulatorial, a UCA. A UCA representava os recursos financeiros per capita destinados à assistência ambulatorial, sendo calculada a partir da população, capacidade instalada e das séries históricas de produção ambulatorial de cada estado.

NOB 01/93: trouxe como inovação principal condições de gestão para estados e municípios, que poderiam habilitar-se à gestão incipiente, parcial ou semi-plena. Teve como objetivo principal viabilizar a descentralização do Sistema para os municípios. Manteve as modalidades de pagamento por produção, mas introduziu uma estratégia de substituição gradual da lógica do financiamento por produção, pelas transferências financeiras globais fundo a fundo (tetos financeiros), sistema defendido pelo movimento sanitário. Este mecanismo de repasse de recursos estabeleceu uma relação direta entre governo federal e municípios, reduzindo o papel dos estados nas decisões sobre a distribuição dos recursos.

NOB 01/96: modificou as condições de habilitação à gestão do Sistema (Gestão Plena da Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema); instituiu o Piso de Atenção Básica (PAB) – montante de recursos repassados a estados e municípios para a execução de ações básicas de saúde, com um valor per capita nacional; introduziu o conceito de “teto financeiro” – montante máximo de recursos transferidos para estados e municípios; criou as Comissões Intergestores Tripartite (CIT), na esfera nacional e Bipartite (CIB), na esfera estadual, responsáveis pela Programação Pactuada Integrada (PPI), que visa a definição negociada dos objetivos, metas e recursos (ou “tetos financeiros”) transferidos pelo governo federal aos estados e municípios.

A NOB n.º 01/96

Implantada a partir de 1997, as regras desta NOB permanecem em vigor até hoje. Ela estabeleceu dois diferentes níveis de habilitação dos municípios para a gestão do SUS:

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gestão plena da atenção básica – responsabilidade pelo primeiro nível de atenção à saúde, continuando o município a depender da esfera estadual (Secretaria Estadual de Saúde) para decidir sobre os níveis secundário e terciário do Sistema;

gestão plena do sistema – responsabilidade sobre todas as ações e serviços de saúde desenvolvidos pelo SUS em seu território, em qualquer nível de complexidade (atenção básica, secundário e terciário).

Os municípios habilitados à gestão plena do Sistema passam a gozar de maior autonomia quanto à decisão do gasto dos recursos transferidos pelo Ministério da Saúde. Os não habilitados, ou habilitados somente para a gestão da atenção básica, dependem da concordância das secretarias de estado de saúde para introduzir mudanças nas ações e serviços dos níveis secundário e terciário.

Para compreender as determinações da NOB 01/96 quanto à gestão do SUS, é importante saber que ela estabelece uma diferença entre os termos “gestão” e “gerência”, o que pode constituir uma heresia, tanto do ponto de vista da língua portuguesa, quanto da teoria das organizações, que é o ramo das ciências que trata do tema, uma vez que “gestão” e “gerência” são sinônimos. Vejamos o que diz a NOB, a respeito:

Gerência ...como ...a administração de uma unidade ou órgão de saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação, etc) que se caracteriza como prestadores de serviços do Sistema [SUS]. Gestão [grifos nossos] é a atividade e a responsabilidade de comandar um sistema de saúde (municipal, estadual ou nacional) exercendo as funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria (NOB 01/96, p. 7).

A NOB, portanto, usa o termo gerência para designar a administração dos serviços de saúde e gestão para a administração do Sistema de saúde. Desta forma, os municípios em gestão plena da atenção básica não podem gerir o sistema como um todo, embora possam ser gerentes de unidades secundárias e terciárias que o compõem.

Deve-se lembrar, aqui, que a enorme maioria dos municípios não conta com sistemas de saúde compostos pelos três níveis de complexidade tecnológica, e função do seu pequeno porte. Pode-se dizer desta forma, que a idéia de gestão municipal plena do sistema de saúde está em contradição com a realidade nacional.

Outro importante elemento de gestão do SUS criado pela NOB foi a Programação Pactuada e Integrada (PPI), mecanismo de distribuição dos recursos federais para estados e municípios. A PPI é feita no nível nacional pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), composta por representantes do Ministério da Saúde, dos estados e municípios. Em cada estado a PPI é feita por uma Comissão Intergestores Bipartite (CIB), composta por representantes das secretarias estaduais e municipais de saúde.

A PPI nacional define os “tetos financeiros” para os estados, ou seja, o montante máximo de recursos a ser transferido pelo Ministério da Saúde para cada estado da federação e seus municípios visando o financiamento das ações e serviços de saúde. A PPI estadual define os tetos financeiros para os municípios. Tais tetos seriam definidos com base numa ampla negociação entre os participantes em

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torno das ações e serviços a serem desenvolvidos para a população, considerado uma distribuição dos serviços que permitisse o financiamento de serviços oferecidos por um ou mais municípios para os habitantes dos demais.

Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS)

A NOAS procurou avançar na definição de regras para a regionalização e hierarquização da rede de ações e serviços do SUS redefinindo as responsabilidades entre estados e municípios, critérios de transferência de recursos financeiros e ”elencos mínimos” de procedimentos, entre outras coisas.

Na organização da assistência, enfatiza a importância de qualificar e melhorar a resolutividade da atenção básica, através do Pacto de Atenção Básica, que parte da identificação de áreas estratégicas mínimas, relacionadas a problemas de saúde de abrangência nacional (saúde da mulher, saúde da criança, saúde bucal, controle da hipertensão e diabetes, controle da tuberculose e eliminação da hanseníase), para os quais se deve fixar metas anuais de melhoria. Em relação ao financiamento dessas ações, a NOAS propõe um aumento da parcela de recursos federal, expressa na ampliação do PAB fixo.

Além das ações mínimas de atenção básica, a serem asseguradas em todos os municípios brasileiros independente de seu porte populacional, a NOAS 01/01 propõe a formação de módulos assistenciais resolutivos, formados por um ou mais municípios, que garantam o acesso dos cidadãos a um conjunto de ações de saúde freqüentemente necessárias para atender aos problemas mais comuns, que nem sempre podem ser oferecidas em todos os municípios. Nesses módulos, os serviços de média complexidade sediados num município devem atender a população dos municípios em torno que só ofereçam ações e serviços de atenção básica.

Para o financiamento das ações e serviços de média complexidade de nível 1, oferecidas nos módulos assistenciais , seus municípios sede passarão a ter direito a R$ 6,00 per capita (mínimo da média complexidade), correspondentes à população dos municípios que compõem o módulo.

A organização dos serviços de média complexidade se completa, de acordo com o modelo definido pela NOAS, na definição de microrregiões de saúde, cujos municípios sede devem oferecer à população dos demais municípios localizados na mesma microrregião as demais ações de média complexidade, que não constituem o mínimo definido para os módulos assistenciais. Além das microrregiões, os Estados deverão definir regiões de saúde, as quais devem oferecer ações e serviços de alta complexidade.Para o estabelecimento da regionalização nos estados, a NOAS definiu as seguintes exigências:

1. Elaboração de um Plano Diretor de Regionalização (PDR);

2. Plano Diretor de Investimentos (PDI);

3. Instrumentalização dos gestores estaduais e municipais para o desenvolvimento de funções de planejamento/programação, regulação, controle e avaliação, incluindo instrumentos de consolidação de compromissos entre gestores.

4. Atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios às condições de gestão do SUS, prevendo níveis de complexidade assistencial mínimos para o processo de habilitação.

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O PDR deve prever a divisão do território estadual em regiões/microrregiões de saúde, e módulos assistenciais, segundo critérios epidemiológicos, geográficos, sociais, de oferta de serviços e de acessibilidade. Por tratar-se de um plano diretor, deve ser formulado a partir de uma visão prospectiva dos sistemas regionalizados de saúde, visando a transformação dos mesmos numa rede efetiva que assegure acesso adequado da população às ações e serviços oferecidos e que os mesmos tenham resolutividade. O PDI, que complementa o PDR, deve apontar e quantificar as prioridades de investimentos que supram as necessidades assistenciais identificadas no PDR.

Esta responsabilização das secretarias estaduais de saúde pela definição das regiões de saúde, definida na NOAS, não está plenamente de acordo como o que a Constituição Federal determina a respeito. A Constituição delega ao Legislativo estadual o poder de promover a regionalização no interior dos estados federados:

Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (CF, artigo 25 § 3.º).

A tentativa do Ministério de regulamentar o assunto por meio de uma portaria administrativo (NOAS) pode ser interpretada, neste sentido, como uma violação das normas constitucionais.

Situações específicas

Há alguns setores de saúde pública cuja gestão não é dos municípios: o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena – instituído pela Lei .º 9.836/99, que alterou o texto da LOS –; os serviços de saúde voltados para os integrantes das forças armadas e seus dependentes e para os funcionários públicos e seus dependentes e a população carcerária.

Saúde indígena

A saúde indígena é um assunto que desde a criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em 1967, tem sido responsabilidade desta organização, além do Ministério da Saúde. A saúde indígena é atualmente uma responsabilidade da FUNASA, através do Departamento de Saúde Indígena (DESAI). A Lei n.º 9.836/99, que criou o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena definiu a existência de Distritos Sanitários Especiais Indígenas nos quais o atendimento deve ser feito em centros especializados, em função das diferenças culturais entre os povos indígenas e o restante da população brasileira.

As bases da atual política de saúde indígena começaram a tomar o contorno atual a partir do início dos anos 1990, quando a agressão aos Yanomani em Roraima por parte de garimpeiros obteve grande repercussão internacional. Na ocasião desenvolveu-se a consciência – já defendida por antropólogos e indigenistas – que a atenção à saúde dos índios tem especificidades que exigem uma estrutura especial.

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Os indígenas brasileiros têm uma concepção própria do processo saúde-doença, na qual o plano espiritual é muito importante, devendo ser considerado por aqueles que os tratam. A questão espiritual determina, por exemplo, que um paciente ao ser internado seja acompanhado por outros membros do seu clã. Há, também, diferenças lingüísticas e culturais que exigem a presença de pessoas com conhecimento das tradições e línguas indígenas nas unidades de saúde que os tratam.

6.5 Financiamento do Sistema

O que diz a legislação

A Constituição Federal de1988 criou o Orçamento da Seguridade Social (OSS) da União, o qual engloba os recursos destinados para as áreas compreendidas pela seguridade social – assistência, previdência social e saúde. A LOS incluiu os seguintes princípios que afetam a questão do financiamento do SUS (artigo 7.º):

VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;

...

XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;

Os princípios legais do financiamento do SUS envolvem, portanto, a utilização de critérios epidemiológicos para orientar a distribuição dos recursos financeiros e responsabilidade conjunta das diferentes esferas de governo. Deve-se chamar a atenção, entretanto, para o fato de que até hoje o princípio relativo à utilização da epidemiologia não vem sendo cumprido de forma efetiva.

Segundo o artigo 31 da LOS, o OSS deve destinar ao SUS os recursos necessários à realização de suas finalidades, com base em proposta elaborada pela sua direção nacional (Ministério da Saúde), com a participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social. A Previdência Social foi tradicionalmente a principal fonte do financiamento da saúde no Brasil, e é, até hoje, o principal componente até hoje do OSS. Desde 1993, entretanto, a crise financeira da Previdência social impediu que esta continuasse a financiar o SUS.

O artigo 33 da LOS determinou que os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser depositados em “conta especial”, em todas as esferas de governo e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde. O parágrafo 1.º do mesmo artigo dispõe que “na esfera federal, os recursos financeiros... serão administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde”. Ao estabelecer essas “contas especiais”, a Lei Orgânica criou a lógica dos fundos nacional, estaduais e municipais de saúde. Isto se deu de forma semelhante em toda a área social brasileira – há fundos nas áreas da assistência social e educação.

A criação dos fundos especiais na área social foi uma forma de se procurar garantir a utilização dos recursos destinados a essas áreas exclusivamente nas mesmas. Uma das explicações para a criação dos fundos na área social é a tentativa de reação à existência do sistema de caixa único, implantado no país

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nos anos 1980, por imposição do Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo o qual todos os recursos financeiros públicos são administrados numa conta única. Temia-se que o regime de caixa único privilegiasse o pagamento da dívida pública, e detrimento dos gastos sociais.

Os critérios para transferência dos recursos da União para os estados e municípios estão definidos no art. 35 da Lei n.º 8.080/90, devendo-se destacar os seguintes:

I - perfil demográfico da região;

II - perfil epidemiológico da população a ser coberta;

III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;

IV - desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior;

...

§ 1º Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios será distribuída segundo o quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independentemente de qualquer procedimento prévio.

Quando a LOS foi promulgada, o ex-presidente Collor de Mello vetou diversos dispositivos da mesma, incluindo os que tratavam dos critérios para a transferência de recursos da União para os estados e municípios (parte do artigo 35). A reação do Movimento Sanitário e da “bancada da saúde” no Congresso Nacional aos vetos levou à aprovação da Lei n.º 8.142/90, que trata da participação social e do financiamento do Sistema.

Esta Lei tornou obrigatória a existência dos fundos de saúde nas 3 esferas de governo (art. 4.º, I), estabelecendo que só poderão receber recursos da União para financiar as ações e serviços de saúde, os estados e municípios que contarem com os mesmos. As transferências diretas de recursos entre os fundos de saúde da União (FNS), dos estados (FES) e dos municípios (FMS) são chamadas de “transferências fundo a fundo”.

O que dizem as NOBs

A primeira NOB, a de número 01/91 estabeleceu as seguintes medidas para o financiamento do SUS: a) repasse por produção de serviços; b) transferências negociadas; e a tabela utilizada pelo INAMPS para pagar aos prestadores privados de serviços. Desta forma, a lógica do INAMPS para o setor privado foi estendida para as unidades públicas de saúde, em oposição ao ideário da Reforma Sanitária. Até hoje, são esses os mecanismos de financiamento que predominam no SUS.

A NOB n.º 01/93, introduziu mudanças na forma de repasse dos recursos fundo a fundo, em função do estabelecimentos dos critérios de habilitação à gestão do SUS pelos estados e municípios (incipiente, parcial e semi-pleno). Quanto mais avançado o estágio de habilitação alcançado pelo estado ou município, maior a autonomia que contava para alocar os recursos transferidos pela União.

Já a NOB n.º 01/96 estabeleceu um mecanismo para permitir a negociação da distribuição dos recursos a serem transferidos pela União aos estados e municípios: a Programação Pactuada Integrada (PPI). Esta Programação, quando no nível nacional é de responsabilidade da Comissão Intergestores Tripartite

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(CIT), e nos estados pelas Comissões Intergestores Bipartites (CIBs). A CIT e as CIBs definem de forma negociada os objetivos, metas e a utilização dos recursos financeiros federais do SUS.

O Piso da Atenção Básica (PAB), que é transferido para os municípios com base na população, visa o financiamento da atenção básica, definido pela NOB n.º 01/96 representou um grande passo no sentido do atendimento dos critérios definidos pela LOS – perfil demográfico e epidemiológico – para o repasse de recursos no SUS. O valor do PAB foi definido, inicialmente, em R$ 10,00 (dez reais) por habitante. Praticamente todas as medidas estabelecidas pela NOB 01/96 permanecem em vigor até hoje.

Regras definidas pelas NOAS

As Normas Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS) visaram a criação de bases para a reorganização da rede de ações e serviços do SUS. Foram voltadas, desta forma para a regionalização e hierarquização da rede, incluindo critérios para a organização dos serviços de média e alta complexidade.

A NOAS 01/02 estabeleceu a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A) e o PAB Ampliado (PAB-A). A nova condição de gestão implica a aceitação pelos municípios que a pleiteiam do desenvolvimento das seguintes ações: o controle da tuberculose; a eliminação da hanseníase; o controle da hipertensão arterial; o controle do Diabetes Mellitus; a saúde da criança; a saúde da mulher; e a saúde bucal.

A NOAS estabeleceu um conjunto mínimo de procedimentos de média complexidade como primeiro nível de referência intermunicipal, que compreende ações ambulatoriais de apoio diagnóstico e terapêutico (M1) e de internação hospitalar. O financiamento dessas ações deve ser feito com base na programação de um valor per capita nacional mínimo, fixado pela Portaria do Ministro da Saúde n.º 975, de 03/07/01 em R$ 6,00. Para que os municípios responsáveis pelos procedimentos possam fazer jus a este valor, as microrregões a que pertencem devem ser qualificadas, por meio de reconhecimento na CIT, e encaminhadas pela CIB do estado respectivo, uma vez cumpridos pré-requisitos estabelecidos pela NOAS.

Financiamento de ações estratégicas e de alta complexidade

O Ministério da Saúde criou, em 1999, pela portaria GM/MS n.° 531, de 30/04/99, o Fundo de Ações Estratégicas e de Compensação (FAEC), visando a ampliação da oferta de procedimentos de alta complexidade. Sua finalidade é “arcar com os pagamentos dos procedimentos de alta complexidade em pacientes com referência interestadual, próprios da Câmara Nacional de Compensação, e dos decorrentes da execução de ações consideradas estratégicas” (art. 6.º).

O FAEC ampliou o financiamento de ações e serviços de alta complexidade, além de uma gama de procedimentos considerados estratégicos pelo Ministério da Saúde. As ações estratégicas definidas pelo MS incluem diversas cirurgias, como: varizes, catarata, transplantes, prostatectomias; além de procedimentos diagnósticos e terapêuticos para: o combate ao câncer cervico-uterino e de mamas, retinopatia diabética, etc.

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Os recursos para o financiamento dos procedimentos estratégicos são considerados extra-teto, sendo transferidos diretamente às unidades de saúde que realizam tais procedimentos, por intermédio dos fundos estadual ou municipal de saúde, visando estimular o aumento da oferta dos mesmos.

A Emenda Constitucional n.º 29 (EC n.º 29) PAREI AQUI

No final dos anos 90, o Governo Federal era responsável por cerca de 70% dos recursos financeiros do SUS. Desde 1993, o esgotamento de sua principal fonte de financiamento - as contribuições sobre a folha de salários (CFS), administradas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social -- criou um sério problema de instabilidade das fontes de recursos para o SUS. O gráfico 2, abaixo ilustra bem tal instabilidade:

Gráfico 2: Fontes de Financiamento do SUS – 1985-1996

Fonte: LEVCOVTIZ, 1998.

Como se pode ver, a principal fonte (CFS) caiu de perto de 80% entre 1985 e 1990 para menos de 2o% em 1993 e zero nos anos seguintes. Os recursos para financiar o SUS passaram a vir de fontes diversas como os antigos Fundos Social de Emergência (FSE) e de Estabilidade Fiscal (FEF). Por conta desta instabilidade, o SUS passou por sérios problemas de financiamento, que motivaram diversas tentativas de mudança do quadro, tal como a criação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) criada em 1997, depois de um grande esforço político por parte do ex-Ministro Adib Jatene.

Este quadro de instabilidade trouxe inúmeras dificuldades para o processo de implantação do SUS e concentrou os esforços e atenção dos gestores das 3 esferas de governo em torno fundamentalmente dos mecanismos de financiamento do Sistema. As dificuldades começaram a ser superadas somente em 2000, quando foi aprovada a Emenda Constitucional n.º 29 (EC 2/00), que garantiu recursos adicionais para a saúde e responsabilizou todos os entes federados pelo financiamento do SUS. Esta emenda fixou regras transitórias de vinculação de recursos em ações e serviços públicos de saúde para um período inicial – 2001/2004. A partir de 2005, as regras deverão ser definidas por uma Lei Complementar, de acordo com a nova redação do parágrafo 3° do art. 198 da Constituição Federal. Esta lei não foi aprovada até o início de 2006.

A EC n.º 29/00 definiu regras específicas para os recursos a serem aplicados pela União, pelos estados e pelos municípios. Com relação às receitas da União, a EC

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n.º 29 determinou que para o ano 2000, fosse aplicado o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999, acrescido de, no mínimo, cinco por cento (ADCT, art. 77, I, “a”); e, para os anos de 2001 a 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB (ADCT, art. 77, I, “b”).

A regra geral para o período de transição é que os estados deverão estar aplicando, no ano de 2004, pelo menos 12% (doze por cento) da base vinculável (ADCT, art. 77, II). Os Estados que já aplicam esse percentual deverão permanecer neste patamar ou aumentar, jamais reduzir. Para os estados que estão abaixo desse patamar, a EC n.° 29 estabelece uma regra de evolução mínima de aplicação de recursos em ações e serviços públicos de saúde. De acordo com a Constituição, no ano de 2000 nenhum estado poderia estar aplicando menos do que 7% da receita vinculada. Nos anos de 2001 a 2004, a diferença entre o efetivamente aplicado e os 12% estipulados deverá ser reduzida na razão mínima de um quinto ao ano.

A regra geral para o período de transição é que os Municípios deverão aplicar, até 2004, 15% (quinze por cento) da base vinculável (ADCT, art. 77, II) em ações e serviços públicos de saúde. Para o ano 2000 os Municípios deveriam ter aplicado pelo menos 7% da receita vinculada. A evolução dos percentuais até 2004 deverá seguir a mesma lógica dos Estados, qual seja, deverão elevar seu percentual até 15%, sendo que a aplicação mínima será de 7% em 2000, reduzindo-se a diferença à razão mínima de um quinto por ano (no período 2000-2004).

Tabela 5: EC n.º 2/00 – evolução da vinculação de recursosdos estados e municípios (2000/2004)

Ano Estados(%)

Municípios(%)

2000 7,0 7,0

2001 8,6 8,0

2002 10,2 9,0

2003 11,8 10,0

2004 15,0 12,0

Como conseqüência da emenda, a composição do gasto por nível, ou esfera de governo deverá sofrer mudança importante, com o crescimento, principalmente, da contribuição dos estados. A tabela 6, abaixo, apresenta o gasto percentual das três esferas de governo em 2000 e as estimativas para 2004, dando idéia do impacto da emenda sobre a contribuição de cada esfera de governo.

Tabela 6: Gasto Percentual com Saúde das 3 Esferas de Governo – 2000 e estimativas para 2004

Esferas de Governo

2000 (%)

2004(%)

União 59,0 50,4

Estados 18,2 26,9

Municípios 22,8 22,8Saúde e CidadaniaPaulo H. Rodrigues

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TOTAL 100,0 100,0

Fonte: Ministério da Saúde (SIS/CGOP – SIOPS),Apud: Faveret, 2002.

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7. SETOR PRIVADO DE SAÚDE

7.1. Nascimento e evolução

Desde quando há hospitais, clínicas e outros estabelecimentos privados de prestação de serviços de saúde? Desde quando surgiram planos e seguros privados de saúde no Brasil? Desde quando existe o mercado privado de saúde no nosso país? Desde seu nascimento, como este mercado vem se desenvolvendo? Sua existência é positiva ou negativa para a saúde das pessoas e para o setor de saúde brasileiro? Quais as vantagens e as desvantagens do setor privado para os clientes e para os profissionais de saúde? O que compõe este setor?

Para responder a questões como essas, temos primeiramente que compreender o início do mercado privado de saúde para então podermos verificar seu tamanho e importância nos dias atuais.

Até os anos 1960 – uma lenta evolução

Desde o século XVI e até os anos 20 do século XX, as necessidades de atenção à saúde das pessoas eram atendidas pela iniciativa de algumas entidades religiosas que prestavam serviços de saúde, em caráter filantrópico. A primeira entidade deste tipo foi a Santa Casa de Misericórdia de Santos, criada em 1543 (CMB), antes mesmo da instalação do Estado colonial português no Brasil. Até hoje os estabelecimentos filantrópicos, principalmente as Santas Casas, constituem o maior grupo de hospitais do país.

Até os anos 50 do século XX, não havia no Brasil um grande mercado de planos e seguros de saúde como conhecemos hoje. As pessoas não tinham a opção de contratar uma empresa que lhes garantisse a prestação de serviços de saúde quando precisassem. Tampouco havia postos de saúde e hospitais públicos que as atendessem independentemente de quem fossem.

Somente a partir de 1920, começou a existir um número maior de hospitais, clínicas e médicos que não estavam exclusivamente associados às Santas Casas. Os primeiros profissionais, clínicas e hospitais privados independentes do setor filantrópico prestavam serviço principalmente às CAP e depois aos IAP, criados a partir de 1933.

Este mercado era muito pequeno, entretanto. Até 1933, o número de CAPs e de seus segurados era relativamente pequeno, como já vimos (item 3.1), e os IAPs construíram hospitais próprios para atender seus segurados. Podemos dizer que os consultórios, clínicas e pequenos hospitais do início do século foram o embrião do mercado privado de saúde e que com as CAPs, e principalmente a partir dos IAPs, esse mercado começou a tomar forma e se estruturar.

A partir dos anos 1960 – grande crescimento

A partir de 1966, quando foi criado o INPS, a função de prestação de serviço aos segurados desse Instituto, que era feita por esses hospitais, clínicas e profissionais não só continuou como teve um grande fortalecimento em função da decisão do governo militar de dar prioridade à contratação de serviços privados, ao invés de ampliar a rede pública.

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Como o INPS veio a abranger um número muito maior de segurados, cresceu o mercado para os hospitais, clínicas, laboratórios e consultórios privados que prestavam serviço para o Instituto. Assim, se antes os IAPs contratavam os hospitais individualmente, com o INPS os contratos passam a ser feitos entre os hospitais e uma única instituição, para prestar assistência a um número ainda maior de pessoas.

A partir da metade do século XX, a industrialização se intensificou, ampliando o número de pessoas empregadas formalmente – isto é com carteira assinada e direitos trabalhistas. Isso acarretou três fenômenos que nos interessam. O primeiro e o mais óbvio, foi o grande aumento de pessoas que passaram a fazer parte do sistema de assistência médica e previdenciária do INPS o que ampliou a utilização dos serviços de saúde.

O segundo foi o desenvolvimento e a implantação de grandes empresas estatais e multinacionais a partir da década de 1950. Essas empresas ofereciam assistência à saúde e outros benefícios – como aposentadoria suplementar, transporte para o trabalho, auxílio educação, etc – aos seus empregados e dependentes dos mesmos.

As empresas contratavam, para tanto, médicos, clínicas de diagnóstico e hospitais e, em alguns casos, tinham o seu próprio serviço. A organização deste tipo de serviço foi a origem do tipo de operadora de plano de saúde que hoje em dia conhecemos como Autogestão. Muitas dessas empresas eram multinacionais – da região mais industrializada do país, o ABC paulista.

O fenômeno se repetiu nas grandes empresas estatais. Um exemplo disso se deu no Banco do Brasil que, para complementar o atendimento à saúde oferecido pela Previdência oficial – inicialmente pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB) e depois pelo INPS – criou a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI) em 1944. A CASSI vem organizando a assistência aos funcionários do Banco, de seus familiares e dependentes e é, até hoje, uma operadora que funciona como autogestão.

Na década de 1960, a contratação de serviços de saúde por grandes empresas foi se constituindo num mercado mais estruturado. Como a demanda por serviços era grande e tendia a aumentar, alguns donos de hospitais começaram a se organizar em grupos de hospitais para prestar assistência aos funcionários dessas empresas em conjunto. Assim, os trabalhadores de empresa conveniada a esse grupo de hospitais poderiam utilizar os serviços de qualquer um deles. Esse grupo de hospitais foi a origem da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE).

Da mesma foram que os hospitais privados se organizaram em medicina de grupo, os médicos também o fizeram. Grupos de médicos formaram cooperativas para ofertar seus serviços em conjunto e começaram a contratar hospitais para poderem oferecer pacotes (“convênios”) para as empresas empregadoras. Esta é a origem das cooperativas UNIMED.

Em 1967, um grupo de médicos liderados por Edmundo Castilho, então presidente do sindicato médico da cidade de Santos (SP), fundou a União dos Médicos – UNIMED, com base nos princípios do cooperativismo. Surgia assim a primeira cooperativa médica do Brasil. A partir de 1970, a experiência de Santos passou a inspirar a formação de outras cooperativas de médicos pelo país. Em

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1975, foi criada a UNIMED do Brasil (Confederação Nacional das Cooperativas Médicas) que congrega parte das UNIMED de todo o país.

Assim, na década de 1960, tanto as empresas médicas como as hospitalares tinham como clientes os segmentos de trabalhadores de grandes indústrias e outras empresas. Para as empresas empregadoras era um bom negócio, já que tanto tinham dedução no imposto que deviam ao Estado, como conseguiam reduzir o absenteísmo (faltas dos empregados ao trabalho), por motivo de doenças.

Benefícios Fiscais

Na década de 1960 as empresas já podiam deixar de recolher uma parcela do Imposto de Renda que deviam ao fisco, ao contabilizarem como ou gastos operacionais suas despesas com assistência médica. Desta forma o Estado brasileiro acabou contribuindo para o financiamento indireto e a estruturação do mercado privado de saúde.

Como se pode ver, o Estado brasileiro contribuiu de duas formas para o crescimento do mercado privado de saúde. Em primeiro lugar, através da contratação de hospitais, clínicas, laboratórios e profissionais de saúde como prestadores de serviço do INPS, o que ampliou enormemente a demanda de serviços. Em segundo lugar, através do subsídio – dedução do imposto de renda devido – às empresas que contratavam planos e seguros de saúde privados, ou organizavam assistência médica em regime de autogestão aos seus empregados. Pode-se dizer, desta forma, que o crescimento do setor privado de saúde brasileiro se desenvolveu, em grande parte, com o apoio do Estado.

Uma pesquisa14 verificou que no fim da década de 1970, grande parte dos convênios firmados entre o INPS e hospitais, clínicas e laboratórios privados não eram homologados na Previdência Social, funcionando de maneira informal.

Até então, o Estado interferia apenas nas questões econômico-financeiras das operações referentes ao pré-pagamento dos serviços, mas não se discutia o caráter, a necessidade, a eficácia ou a efetividade das atividades realizadas pelas operadoras.O único instrumento de regulação do setor era o Decreto-lei n.º 73/1966.

A partir da segunda metade da década de 1980, as operadoras de planos de saúde começaram a encontrar outra clientela para os seus serviços. Esta clientela era formada por pessoas que trabalhavam em empresas que não ofereciam assistência médica, como os trabalhadores de empresas de pequeno porte e até os que não tinham emprego formal, como vendedores, ambulantes, profissionais liberais, aposentados. Muitas dessas pessoas tinham interesse em ter um plano de saúde e formaram a base para os Planos Individuais que passaram a ser oferecidos pelas operadoras de planos de saúde.

Nesta mesma época as Seguradoras entram no mercado. As seguradoras são empresas geralmente ligadas ao grande capital financeiro, como bancos, que costumam trabalhar com vários outros tipos de seguros – seja para automóvel, para proteção da casa, contra incêndio, etc. – e começaram a vender também

14 Pesquisa “A assistência médica no Rio de Janeiro”, coordenada por José Luís Fiori e Hésio Cordeiro, realizada para o IMS/UERJ. In CORDEIRO, 1980.

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seguros de saúde individuais e para grupos de pessoas, principalmente, empregados de grandes empresas (os chamados planos coletivos).

As seguradoras passaram a disputar os clientes de planos coletivos e individuais com os outros tipos de operadoras já existentes, como medicinas de grupo e cooperativas médicas.

Década de 1990 – a mudança no mercado

A expansão do setor de planos e seguros de saúde privados teve continuidade na década de 1990, em grande parte porque cresceu bastante a quantidade de pessoas que se tornaram clientes de planos individuais cresceu bastante. Este aumento teve a ver, em primeiro lugar, com a redução do financiamento do SUS no governo Collor de Mello, em que os gastos do governo federal com o sistema foram reduzidos a praticamente metade do que eram até 1990. A queda do financiamento prejudicou a qualidade dos serviços prestados e afastou diversos hospitais privados que mantinham convênio com o SUS. Somente na cidade de São Paulo, 16 dos 17 hospitais conveniados com o SUS romperam com o Sistema.

O aumento do número de planos e seguros individuais também foi resultado do crescimento do poder de compra de parte da população no início do Plano Real, entre 1994 e 1997.

Por outro lado, o setor hospitalar filantrópico também começou a buscar formas alternativas de complementação de seus orçamentos. Diversos hospitais começaram a se reorganizar para poderem concorrer no mercado de planos e seguros de saúde oferecendo produtos a seus clientes. Foi nesta época que se tornaram mais populares os planos de saúde vendidos diretamente pelos hospitais filantrópicos, que passaram a atuar neste mercado, os quais são conhecidos como Operadoras Filantrópicas.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990) e a criação de órgãos de defesa do consumidor, como os PROCON e o IDEC, que ocorreram naquela década, deram mais poder de voz aos clientes dos planos e seguros de saúde. As queixas deles em relação às operadoras de planos e seguros diziam respeito a temas como o aumento abusivo de preços, de restrições de cobertura e acesso, de exclusão de idosos e dos prazos de carência considerados excessivos, entre outros.

Com isso, problemas que antes pouco apareciam, passaram a ocupar espaço crescente nos meios de comunicação. As reclamações dos consumidores em relação aos seus planos e seguros aumentaram tanto que chegaram a figurar como o item de maior índice de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor.

Havia diversos projetos de lei sobre os planos e seguros de saúde, propostos ao Poder Legislativo, mas que não conseguiam ser votados pela polêmica que este assunto sempre causava. Em1997, o então ministro da Saúde José Serra começou a organizar junto ao Congresso Nacional um movimento para votar a Lei dos planos e seguros de saúde, que resultou na Lei n.º 9.656 de junho de 1998.

Como o assunto atraía os diferentes interesses de consumidores, médicos e demais profissionais de saúde, hospitais, operadoras de planos e seguros de

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saúde, indústria de equipamentos e de medicamentos e do próprio governo, o conteúdo da Lei não conseguiu consenso entre todos.

Por isso, a Lei n.º 9.656/1998 sofreu diversas mudanças através de medidas provisórias15. Apesar disso podemos dizer que significou um avanço à sociedade brasileira por reconhecer e incorporar o espaço e a missão das instituições envolvidas – em especial, o do Ministério da Saúde e o do SUS – e que visa impor regras à operação do mercado privado de saúde.

A regulamentação do setor a partir de 1998

Em 1998, foi criado, no Ministério da Saúde, o Departamento de Saúde Suplementar, com responsabilidade exclusiva pela regulamentação do funcionamento dos planos e seguros de saúde. No ano seguinte, suas competências foram transferidas para a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ANS, criada em dezembro de 1999.

As agências reguladoras e a reforma do Estado

A regulamentação governamental do setor de planos de saúde se insere nas reformas do Estado promovidas a partir dos anos 1990, que, entre outras coisas, criou diversas agências reguladoras para setores específicos da economia. Tais agências têm o objetivo de regular, ou controlar o funcionamento do mercado em cada setor, a partir de regras gerais definidas pela legislação. Além da ANS, foram criadas: a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em 1996; a Agência Nacional de Petróleo, (ANP) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), em 1997; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em 1999; a Agência Nacional de Águas (ANA), em 2000; a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e a Agência Nacional do Cinema (ANCINE), em 2001.

Com a Lei n.º 9.656/98, todos os planos de saúde que foram vendidos a partir de janeiro de 1999 têm que estar de acordo com suas regras. Essas novas regras buscam diminuir os problemas que apareciam no mercado de planos e seguros de saúde. Por exemplo, era comum as pessoas que contratavam um plano terem dificuldade para ler o contrato que iam assinar porque as letras eram muito pequenas.

Além disso, cada operadora de plano de saúde tinha o seu próprio modelo de contrato e as pessoas não tinham como comparar o que seria oferecido em cada plano para poder escolher o que melhor lhes conviesse. Para corrigir esses problemas, a legislação exige que os planos sigam um padrão de redação dos contratos e que estes tenham letras legíveis.

A legislação objetiva proteger os usuários de planos de saúde de freqüentes problemas que ocorriam, tais como a exclusão de cobertura do plano para doenças que o usuário indicasse que tinha ou que tivesse probabilidade de ter, o rompimento do contrato apenas pela vontade da operadora, os reajustes dos preços dos planos que eram feitos sem critérios técnicos, etc.

15 As Medidas Provisórias (MP) são editadas pelo Poder Executivo, tendo força de lei até serem consideradas pelo Legislativo. Tinham validade de um mês, apenas, tendo de ser reeditadas todos os meses para não perderem a validade.

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Nos planos considerados novos (vendidos a partir de 1999) as operadoras são proibidas de suspender ou terminar um contrato de plano individual e de interromper uma internação em leito clínico, cirúrgico ou em CTI. Além disso, as operadoras somente podem reajustar os preços dos planos de acordo com as regras feitas pela ANS.

Desde 1998 está definido que estes planos vendidos a partir de 1999 (usualmente chamados de planos novos) devem ser individuais/familiares ou coletivos. E cada um desses tipos pode ser classificado pelo tipo de cobertura assistencial que possuem, podendo ser: odontológico, ambulatorial, hospitalar sem obstetrícia ou hospitalar com obstetrícia. Os planos de saúde podem ter apenas um desses tipos de cobertura e também podem fazer qualquer combinação dos tipos. O mais importante é que no caso do Plano Referência, isto é, que tem cobertura ambulatorial e hospitalar com obstetrícia, deve ser garantido o atendimento para todas as doenças classificadas pela Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-10).

Um grande desafio atual para o Ministério da Saúde é que a maioria dos consumidores tem planos que foram vendidos antes de dezembro de 1998 (aproximadamente 60% dos usuários) e maior parte das regras da legislação dizem respeito exclusivamente aos planos novos. Com vistas a melhorar este cenário, a ANS vem criando formas de as operadoras incentivarem seus clientes a migrarem dos planos antigos para os novos e assim estarem protegidos pela novas regras, como menores carências e preços. Mas como os planos da legislação tem que garantir muito mais coisas que os antigos, eles tem preços maiores e muitas vezes as pessoas não podem aumentar seus gastos mesmo que isso implique em maiores garantias.

7.2 Composição do Mercado Privado de Saúde Brasileiro

O mercado privado de saúde no Brasil, ou setor de saúde suplementar, como passou a ser conhecido após 1998, é composto basicamente por três grupos diferentes, cada qual com interesses próprios: empresas de planos ou seguros de saúde, prestadores de serviço (hospitais, clínicas, laboratórios e profissionais que atuam e seus consultórios); e os consumidores. É um mercado que abrange cerca de 37 milhões de consumidores, quase duas mil de empresas de planos ou seguros de saúde e dezenas de milhares de estabelecimentos.

Operadoras de planos e seguros de saúde

As operadoras de planos ou seguros de saúde são tradicionalmente classificadas em quatro tipos principais: operadoras de medicina de grupo; cooperativas médicas; de autogestão; e seguradoras. Com a recente regulamentação feita pela ANS, foram identificados e estabelecidos mais dois tipos de empresas que operam no mercado de planos e seguros de saúde, que são as Filantrópicas e as Administradoras.

Cooperativas médicas

As cooperativas médicas surgiram em oposição às medicinas de grupo, na defesa da prática médica liberal e fundamentam-se na prestação do serviço pelo médico cooperado. Segundo as cooperativas médicas, não há objetivo de lucro, e se houver superávit ou prejuízo, este é dividido entre as cotas de cada cooperado.

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Teoricamente, as cooperativas adotam princípios diferentes dos princípios mercantis seguidos pelas empresas de medicina de grupo. Na prática, porém, as cooperativas adotaram o mesmo formato de convênio com as empresa e ainda disputam a clientela com as medicinas de grupo.

O atendimento é feito nas instalações dos cooperados, geralmente nos consultórios médicos. Hoje, entretanto, uma grande parte das cooperativas médicas arrendou, adquiriu ou construiu hospitais para complementar o serviço ambulatorial de que dispunham. O pagamento dos usuários pelos serviços pode ser prévio ou a posterior (pós-pagamento).

As cooperativas médicas são representadas pelas UNIMED, comumente uma para cada região geográfica (por exemplo: UNIMED do Rio de Janeiro, de Petrópolis, Santos, Campinas, Niterói, etc.), mas não há uma representante nacional organizada em uma única instituição.

Ainda há as cooperativas odontológicas, que são as operadoras que são cooperativas e que operam exclusivamente com assistência à saúde bucal, organizadas na UNIODONTO.

Medicina de grupo

São as operadoras que administram planos de saúde para indivíduos e famílias ou empresas empregadoras, em moldes empresariais. Originalmente, o atendimento hospitalar aos clientes dessas operadoras era feito por serviços próprios das empresas, ou seja, elas possuíam unidade hospitalar. Para complementar o serviço próprio, é comum o credenciamento de outros serviços hospitalares e de ambulatoriais, formando a rede credenciada da operadora.

Tal como no caso das cooperativas, o pagamento dos usuários pelos serviços pode ser prévio ou a posterior (pós-pagamento). Este grupo possui três principais entidades representativas:

Associação Brasileira de Medicina de Grupo e Empresarial (ABRAMGE), criada em 1966 com o objetivo de defender os interesses dessa modalidade através da elaboração de propostas de políticas para o setor;

Sindicato Empresarial de Medicina de Grupo e Empresarial (SINAMGE); e

Conselho Nacional de Autoregulamentação das Empresas de Medicina de Grupo (CONAMGE) voltado para a discussão e definição de regras relativas às questões éticas, dada a ausência de regulamentação sobre o tema do setor suplementar.

Também existem as operadoras de grupo para serviços de odontologia, que operam exclusivamente com assistência à saúde bucal.

Planos próprios das empresas (autogestão)

Esta é aquela modalidade em que as próprias empresas, associações ou sindicatos administram os seus próprios planos para seus trabalhadores ou associados, podendo incluir, ou não, seus dependentes e agregados. Como o objetivo é prestar assistência aos seus trabalhadores e familiares, trata-se, em princípio, de uma modalidade não comercial.

A rede de serviços médico-hospitalares pode ser própria, ou conveniada. Há casos em que duas ou mais empresas de autogestão se conveniam e uma contrata os serviços de prestação de assistência da outra. Esta forma de

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terceirização de serviços também é comum nas regiões do país em que a rede médica ou hospitalar tem pequena densidade, principalmente no interior.

O financiamento do plano pode ser feito totalmente pela empresa empregadora, ou contar com participação do empregado. Em algumas operadoras de autogestão, geralmente naquelas organizadas por associações ou sindicados, o financiamento é feito exclusivamente pelo usuário.

As empresas de Autogestão se organizavam em duas representações16 que recentemente se uniram em uma única, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS).

Seguros de saúde

Originalmente o seguro de saúde é uma operação financeira, como seguro de carro, de imóvel, etc., onde o segurado paga um prêmio estabelecido pela seguradora e no caso da ocorrência de um problema de saúde, este segurado será compensado financeiramente com o pagamento da despesa médica e/ou hospitalar que tenha feito. Dessa forma, o seguro funciona mediante o reembolso de despesas.

Na prática, entretanto, as seguradores oferecem também a possibilidade de rede referenciada onde o usuário não precisa pagar diretamente pelo serviço, a seguradora que pagaria. Anteriormente à regulamentação feita pela governo, os seguros de saúde eram operadoras por conglomerados financeiros que comercializavam seguros em diversos ramos, porém a Lei n.º 10.185 de 10 de fevereiro de 2001 determina que o seguro de saúde só pode ser operado por seguradoras exclusivas do ramo saúde.

As seguradoras são representadas pela Federação Nacional de Seguradoras (FENASEG).

Filantrópicas

São as entidades sem fins lucrativos que operam Planos Privados de Assistência à Saúde e que possuem certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e declaração de utilidade pública federal junto ao Ministério da Justiça (MJ) ou declaração de utilidade pública estadual ou municipal junto aos Órgãos dos Governos Estaduais e Municipais. Geralmente são os hospitais filantrópicos que vendem planos de saúde. Pela regulamentação, deveriam se registrar junto à ANS e se constituir uma operadora filantrópica para comercializar planos de saúde, porém na prática muitos hospitais filantrópicos comercializam planos de saúde sem a liberação oficial para isso, ou seja, sem estarem registrados na ANS.

Administradoras

Existem empresas que administram planos ou serviços de assistência à saúde. Pelas regras da regulamentação do setor suplementar, estas empresas devem se registrar na ANS para administrar planos, que por sua vez devem ser financiados por uma ou mais operadora. As administradoras não possuem rede própria, credenciada ou referenciada de serviços médico-hospitalares e não assumem os riscos que podem provir da operação dos planos.

16 Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde (CIEFAS) e Associação Brasileira das Autogestões em Saúde Patrocinadas pelas Empresas (ABRASPE).

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Prestadores de serviços

Como já foi dito, anteriormente, há um grande número de estabelecimentos de saúde – hospitais, clínicas, laboratórios e consultórios médicos, odontológicos, oftalmológicos, etc. – em funcionamento no Brasil. Só os estabelecimentos que fazem internações são 7.397, 65% destes são privados, como mostram os dados da tabela 7, a seguir.

Tabela 7: Estabelecimentos e leitos públicos e privadosde saúde – total e SUS, 2002

Unidades / leitos Público Privado Total

N.º % N.º % N.º %

TOTAL

Ambulatoriais 31.199 76,1 9.778 23,9 40.977 100,0

Hospitalares 2.588 35,0 4.809 65,0 7.397 100,0

SUS            

Ambulatoriais 30.957 95,5 1.469 4,5 32.426 100,0

Hospitalares 2.519 42,5 3.414 57,5 5.933 100,0

Leitos 161.635 36,8 277.942 63,2 439.577 100,0 Fontes: Estabelecimentos: AMS/IBGE (2002); leitos: SIH/DATASUS (2002).

Como se pode ver, entre os hospitais privados, 1.947 são filantrópicos, os quais correspondem a 40,5% do total de hospitais privados.

Como vimos anteriormente, os prestadores de serviço de saúde podem ser remunerados diretamente pelos usuários, por operadoras de planos e seguros de saúde privados, ou ainda pelo SUS, quando têm convênio com o mesmo. Entre os estabelecimentos privados com internação, a maioria também é convenia ao SUS: 3.414 estabelecimentos (71% dos estabelecimentos privados com internação no país) são credenciados ao SUS. Assim, como os hospitais públicos atendem pelo SUS e a grande parte dos privados é conveniada ao SUS, poucos são os estabelecimentos que funcionam apenas para o setor privado (1.464 hospitais, menos de 20 % do total de hospitais).

Além de um estabelecimento poder atender a pacientes pelo SUS, ele pode ser credenciado a operadoras de planos e seguros de saúde e, também, pode vender serviços diretamente aos pacientes, ou seja, sem intermédio das operadoras ou do SUS. Ainda segundo a Pesquisa AMS/IBGE, em 2002 eram 4.104 hospitais os que informaram ser credenciados a uma ou mais operadoras de planos de saúde (55% do total de hospitais).

Ainda, o estabelecimento pode ser uma operadora, como ocorre entre muitos hospitais filantrópicos que comercializam planos de saúde e hospitais próprios de operadoras de planos e seguros de saúde: 602 hospitais informaram possuírem plano próprio.

Os dados comentados mostram que o mercado de planos de saúde parece ser um negócio que interessa aos hospitais, permitindo-lhes mais opções para

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aumentarem a entrada de recursos financeiros, aumentando sua receita e contribuindo para a sobrevivência no mercado de saúde dos hospitais que estiverem com dívidas e para o aumento de lucros dos hospitais que estiverem em melhores condições.

Entretanto, o pagamento de fato, vai depender não somente de qual operadora o hospital estará recebendo, mas de outras coisas mais. É na remuneração dos procedimentos, que os valores pagos vão variar de acordo com o poder aquisitivo da clientela atendida. Isto é resultado da busca que o prestador de serviço faz pelo maior ganho possível da venda dos seus serviços e, como conseqüência, muitos estabelecimentos de saúde oferecem diferentes formas de atendimento, que podem se refletir tanto na qualidade do serviço prestado, como nos serviços de hotelaria oferecidos, isto é, se a internação vai ser em quarto individual, ou em enfermaria, por exemplo, se o paciente terá direito a TV a cabo, etc., atualmente existe hospitais que possuem até cabeleireiros.

Assim, embora a maioria dos hospitais privados mantenham convênios tanto com o setor público como com o de planos de saúde, há os hospitais privados que podem ser considerados uma espécie de elite do conjunto dos hospitais privados, que são aqueles que prestam serviços somente para a elite dos planos e seguros de saúde, como é o caso dos hospitais São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro, e Albert Einstein, em São Paulo. Outra questão que influencia nos valores pagos são os médicos escolhidos para realizar os procedimentos.

Para quem o médico trabalha?

Desde 1920, no Brasil, a prática da medicina deixou de ser uma profissão principalmente liberal. O profissional médico foi pouco a pouco se tornando assalariado, tanto no setor público como no privado. Hoje, a maior parte dos médicos brasileiros trabalham como assalariados. Pesquisa realizada em 1995 (Machado, 1997) mostra que somente 8,5% dos médicos exercem a medicina de forma exclusivamente liberal no Brasil. Os médicos brasileiros procuram otimizar sua renda combinando diferentes formas de trabalho, seja, trabalhando para o setor público, seja para o privado, ou ainda exercendo a medicina liberal em consultório.

Praticamente dois terços (66,1%) dos médicos têm mais de uma forma de inserção no mercado de trabalho. A maioria dos médicos trabalha de alguma forma no setor público, cerca de 80%, a maior parte destes também atua no privado (MACHADO, 1997).

A grande parte dos serviços prestados pelos estabelecimentos privados é contratada pelo SUS, ou pelas operadoras de planos de saúde. Assim, no setor suplementar o usuário do sistema não é o comprador direto do serviço, pois a operadora do seu plano de saúde é quem media a relação entre o usuário e o prestador.

Como o poder de negociação de quem compra é maior do que o de quem vende, exceto nos locais em que há monopólio por parte de quem vende os serviços, há uma tendência das operadoras terem maior poder na sua relação com os prestadores e os profissionais de saúde. Por outro lado, nas regiões brasileiras em que há escassez de prestadores, as operadoras tendem a depender dos

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poucos estabelecimentos para oferecer os serviços aos seus beneficiários, aumentando assim o poder de negociação dos prestadores.

Os hospitais públicos só podem prestar serviços ao SUS, porém alguns vêm estabelecendo convênios com as operadoras de planos e seguros de saúde, como forma de aumentar suas receitas. Isso é possível porque fazem o convênio através de uma Fundação, não infringindo a legislação. A primeira experiência deste tipo ocorreu no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR), cuja fundação de apoio, a Fundação Zerbini estabeleceu convênios com operadoras de planos de saúde.

Os hospitais universitários possuem regras diferentes das demais unidades públicas, pois embora conveniados ao SUS, têm sua autonomia preservada (ver Capítulo x) junto à da Universidade a que pertence.

Venda de serviços de unidades públicas para setor privado

De acordo com o sítio do INCOR na Internet, a assistência prestada é distribuída majoritariamente aos pacientes do SUS (82%), sendo o restante destinada aos beneficiários de planos de saúde (15%) e pacientes particulares (3%) – Fonte: http://www.incor.usp.br/welcome.htm , dia 30 de abril de 2002. Por outro lado, 62% do faturamento vem dos planos e saúde. No caso do Hospital do Câncer de São Paulo, 82% do seu faturamento provém dos planos de saúde (www.incor.usp.br).

Outros estabelecimentos também aderiram à essa prática, como o Complexo Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, HC-USP, pela Fundação Faculdade de Medicina da USP, que realiza convênio com operadoras de plano de saúde gerando uma receita que, segundo o site da Fundação.

Além destes estabelecimentos públicos, os hospitais universitários também aderiram a essa prática. Neste aspecto, recentemente foi normatizada a atuação dos Hospitais Universitários (HU) que podem vender serviços para a iniciativa privada pela contratação parcial de seus leitos. O Hospital Universitário Clementino Fraga, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, HU-UFRJ, por exemplo, possui ala específica para serviços hospitalares para pacientes de planos de saúde, com atendimento de entrada diferenciado do dos pacientes do SUS.

Em entrevista concedida à revista RADIS, o diretor do hospital Amâncio Paulino de Carvalho que também é o presidente da Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Ensino (ABRAHUE) afirma que um Hospital Universitário “pode fechar contrato com a empresa que quiser” (XAVIER, 2004).

Por outro lado, o Grupo Hospitalar Conceição, que agrega quatro hospitais públicos da grande Porto Alegre, que é conveniado ao SUS e anteriormente também prestava atendimentos a pacientes de planos de saúde sob o argumento de complementação orçamentária, deixou de prestar atendimento ao setor privado e, desde setembro de 2003, 100% dos atendimentos realizados são a pacientes do SUS. Para o diretor do grupo, João Motta, é possível manter financeiramente o hospital sem se conveniar aos planos de saúdem, mas tem sido um trabalho intensivo e para o qual foi necessária “uma repactuação em

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todos os níveis do sistema. Unificamos serviços e deixamos de operar isolados ... temos tido um aproveitamento quase total da capacidade ociosa, que aflige a um conjunto enorme de hospitais do país”. Para essa repactuação foram assumidos compromissos com o gestor municipal, onde para garantir o atendimento à população, foram estabelecidas metas de produção e resultados. Além da mudança na gestão do hospital, também foi alterada a forma de pagamento ao hospital que deixou de receber exclusivamente por procedimento realizado.

Na Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI dos Planos de Saúde, que ocorreu durante vários meses de 2003, um dos assuntos que causou as maiores polêmicas foi a proposta, que não foi aprovada, de proibição da chamada “dupla fila” nos hospitais públicos – onde os pacientes que são dos SUS têm atendimento diferenciado dos do setor privado.

A disseminação da prática de venda de serviços por unidades públicas de saúde para o setor privado causa bastante polêmica, pois constitui uma séria ameaça ao direito social à saúde. A despeito das possíveis vantagens financeiras que possa trazer para uma ou outra unidade específica, representa uma diminuição da oferta de serviços públicos e gratuitos para o conjunto da população, em benefício de uma minoria que já dispõe de uma situação privilegiada em relação ao acesso aos serviços de saúde.

Usuários ou consumidores

Os usuários ou consumidores dos serviços oferecidos pelo setor privado de saúde são todas as pessoas que o utilizam, seja por terem um plano ou seguro de saúde, seja os que utilizam e pagam diretamente algum serviço de saúde privado, seja uma consulta ambulatorial, um exame em laboratório privado, etc. Os clientes de planos e seguros de saúde somavam, em 2003, cerca de 37 milhões de pessoas, ou seja cerca de 20,6% dos mais de 180 milhões de brasileiros.

Não é possível dimensionar com exatidão quem são ou quantos são, porque só sabemos informações precisas sobre os que têm plano de saúde. Sabemos, entretanto, que não podem são muitos os que somente utilizam o setor privado, não possuem plano de saúde e que quando precisam de algum serviço de saúde pagam por conta própria, pois os serviços de saúde têm alto preço e o Brasil é um país em que poucos possuem renda familiar grande o suficiente para financiar sua assistência à saúde.

Quem é rico no Brasil?

Pesquisa realizada com dados do censo de 2000, mostrou que apenas 2,4% da população brasileira pode ser considerada rica, aqueles cuja renda familiar e setembro de 2003 era superior a R$ 10.982,00 (Pochmann, M. Atlas da Exclusão Social, v.3. Ed. Cortez, 2004).

Como os serviços de saúde são caros para o poder aquisitivo brasileiro, principalmente os hospitalares e os de alta complexidade, são poucas as pessoas que podem pagar diretamente por eles. Portanto, a maior parte da clientela dos hospitais, clínicas e laboratórios privados que não são conveniados com o SUS, é constituída por clientes de operadoras de planos e seguros de saúde.

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Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ANS, em setembro de 2003 somavam 37,7 milhões de indivíduos com planos ou seguros de saúde, isto é, 21,6% dos 174,7 milhões de habitantes do Brasil neste ano. Se subtrairmos os clientes de planos exclusivamente odontológicos, mantendo apenas os que possuem planos com assistência médica-hospitalar, serão 33,7 milhões de clientes, significando menos de 20% da população.

A ANS só tem informações sobre a residência de 33,5 milhões de usuários e a maioria deles moram na região sudeste (71,0% do total de usuários), sendo que a região que tem o menor número de beneficiários do país é a nordeste (2,2%).

Se observarmos a população de cada região, a sudeste é a que tem a maior parte dos habitantes clientes de planos de saúde – entre os moradores da região sudeste, 32% têm planos de saúde. Por outro lado, entre as pessoas que moram na região nordeste, apenas 5,6% possuem planos de saúde.

A maior parte dos clientes de planos de saúde é composta por mulheres (53,2%) e grande parte dos clientes (47,9%) está nas faixas etárias mais novas, de 0 a 17 anos e de 18 a 29 anos, como podemos observar na pirâmide etária abaixo.

Gráfico 3: Distribuição dos Beneficiários de Planos de Saúde por Faixa Etária, Setembro de 2003

7.3 Outras características do mercado privado

Qual o tamanho do mercado de planos e seguros de saúde?

Atualmente existem 2.311 operadoras no mercado, mas não são todas que estão em atuando: 1.807 as operadoras possuem clientes. Entre essas, somente 13 são seguradoras especializadas em saúde e estas possuem e possuem 15% de dos usuários de planos e seguros saúde com assistência médica-hospitalar, conforme Tabelas 8 e 9 abaixo.

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0 a 17 anos

18 a 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

50 a 59 anos

60 a 69 anos

70 anos e mais

Fonte: Sis tema de Informações de Beneficiários - SIB - ANS/MS

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Tabela 8 – Distribuição da Quantidade de Beneficiários por Classificação da Operadora

Classificação da Operadora

Beneficiários

Quantidade % %

Medicina de Grupo 12.526.360 37,14 33,20

Cooperativa Médica 9.165.539 27,17 24,29

Autogestão 5.582.027 16,55 14,79

Seguro de Saúde 5.092.173 15,10 13,50

Filantrópicas 1.363.954 4,04 3,61

SUB-TOTAL 33.730.053 100,00

Odontologia de Grupo 2.767.072 7,33

Cooperativa Odontológica

1.229.432 3,26

Administradoras 4.413 0,01

TOTAL 37.730.970 100,00

Fonte: Relatório de Gestão ANS 2000-2003

Entre as operadoras que possuem beneficiários, a maioria delas tem porte pequeno, com até 10 mil clientes (quase 70% das operadoras) e são poucas as de grande porte, ou seja, que possuem mais de 200 mil usuários (menos de 1 % das operadoras), geralmente são seguradoras.

As Medicinas de Grupo constituem o tipo de operadora que possui maior número de clientes (mais de 37% dos usuários com assistência médica-hospitalar), seguido das Cooperativas Médicas (aproximadamente 27%).

Tabela 9 – Distribuição das operadoras por número de Beneficiários

Porte da Operadora (em n.º de clientes)

Operadoras

Quantidade % %

De 1 a 1.000 449 24,85 19,43

De 1.001 a 10.000 815 45,10 35,27

De 10.001 a 20.000 222 12,29 9,61

De 20.001 a 50.000 312 17,27 13,50

Mais de 200.001 9 0,50 0,39

SUB-TOTAL 1.807 100,00

Sem beneficiário 504 21,81

TOTAL 2.311 100,00

Fonte: Relatório de Gestão ANS 2000-2003, V. 2,Saúde Suplementar em Dados.

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Formas de pagamento pela compra de serviços médico-hospitalares

A procura das operadoras de planos e seguros de saúde por serviços médico-hospitalares é diferente para cada tipo de plano. Assim, a oferta de serviço vai corresponder ao poder de compra do plano ou seguro de saúde e também vão ser diferenciados a composição dos procedimentos cobertos e a hotelaria a ser adquirida (internação em enfermaria ou quarto particular, com ou sem TV, cobertura ou não de despesas para acompanhante, etc.).

Os prestadores se especializam em vender determinados tipos de serviço, o que forma redes de prestadores de serviços diferente para cada tipo de plano e em cada operadora. Há desde os planos que cobrem uma internação em quarto particular, com rede credenciada numerosa, estabelecimentos e profissionais de referência, equipamentos de ponta, até aqueles planos que cobrem apenas um hospital, internação em enfermaria, etc.

Em conseqüência, o financiamento dos profissionais de saúde e dos prestadores também se diferencia de acordo com o plano. O pagamento dos honorários médicos referente à uma internação em um estabelecimento reconhecido como “top” pode corresponder a até 8 vezes a tabela da Associação Médica Brasileira, AMB, enquanto que o valor médio da internação hospitalar mais alto pode significar até 7 vezes o menor, segundo pesquisa feita por Bahia (2001: 334).

Assim, a forma de pagamento estabelecida entre o hospital e a operadora, bem como o tipo de plano influenciam o financiamento dos serviços médico-hospitalares dos planos de saúde. As diferenças quanto à remuneração dos serviços não garante a qualidade dos serviços prestados, uma vez que a diferenciação se dá em grande parte em relação à hotelaria.

Há diversas formas de remuneração pelos serviços, pagamento por procedimento, pagamento por pacote e pagamento por capitação, que foram analisadas no Capitulo 6 (SUS). Qualquer que seja a forma de pagamento, sempre que houver desacordo sobre uma conta hospitalar, a operadora poderá utilizar o recurso de glosa de determinado item da despesa. Geralmente a glosa é discutida com o prestador para que estes cheguem a um acordo sobre o valor real a ser pago.

Entretanto, a discussão da glosa nem sempre é simples. Se por um lado a operadora tem dificuldade de apurar e de controlar os detalhes da conta hospitalar, por outro lado muitos hospitais alegam que são glosados indiscriminadamente e que, por dependerem dos serviços das operadoras, são pressionados a concordar com o valor por elas pago, o que os estaria levando a operar em déficit (“no vermelho”).

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REFERÊNCIAS

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