livro saúde e realidade

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TERAPIA COMUNITÁRIA: UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA 1 Maria de Oliveira Ferreira Filha Maria Djair Dias Rolando Lazarte Viviane Rolim de Holanda Fábia Barbosa de Andrade INTRODUÇÃO Em decorrência dos avanços tecnológicos, da globalização, da dificuldade de ações políticas que visem atender as necessidades humanas abarcando a compreensão do ser humano como ser social, bem como também como conseqüência de condições derivadas da própria existência de um sistema econômico-social de índole capitalista, existem em nosso país espaços de exclusão social 2 , onde permeiam o abandono, a insegurança, a perda da auto-estima e outras situações que acabam gerando violência, situações de medo, desespero e sofrimento psíquico, o que resulta na perda de confiança em si, levando o ser humano ao desequilíbrio de sua identidade e conseqüentemente ao isolamento. Quanto ao primeiro item, ou conjunto de fatores circunstanciais ou conjunturais, próprios de uma época ou de variações no modo de exercício da atividade sócio-política e econômica, podemos dizer que o sofrimento derivado é sempre maior ou menos, dependendo das formais mais ou menos “capitalismo selvagem” ou mais ou menos populistas ou atentas ao social em vigor. No que diz respeito ao segundo item, de natureza essencial não acidental, podemos dizer que o sistema capitalista no Brasil como em qualquer outro país do mundo, gera exclusão como condição da sua própria existência, cabendo à política social, dentre elas a de saúde, amenizar mais ou me nos as conseqüências da exploração e sés danos decorrentes à saúde das pessoas e da comunidade como um todo 3 . Sabe-se que o ser humano é um ser social 4 , e desse modo precisa ser entendido em sua coletividade, acreditando que é nesta 5 que ele consegue estabelecer vínculos 1 Texto publicado no Livro: Saúde e Realidade. V.3. ano: 2010 p.47 a 66. Organizadoras do livro: Maria Miriam Lima da Nóbrega e Antonia Oliveira Silva. 2 A exclusão social é resultado do sistema capitalista, que produz riqueza para uns e pobreza para outros, saúde para uns poucos, doença para muitos, emprego para uma fatia da população, e insuficiência de ocupação para outros. Para Marx, ao contrário, na sociedade comunista, sem classes, o próximo, ao invés de ser um obstáculo para a minha plena realização, será condição desta. Na sociedade atual, os programas de inclusão social vem ganhando espaço tanto na ação social quanto na política governamental. É como se o capitalismo, exacerbando a exclusão a pontos perigosos para sua continuidade, necessitasse reverter esta tendência própria da sua essência, tentando minimizar o que lhe é próprio e consubstancial: ea exclusão social. 3 Lembremos aqui as palavras com que o sociólogo e teólogo José Comblin define o eixo da ação cristã: a ovelha desgarrada, os excluídos e excluídas do sistema, os desempregados, os doentes, os que estão sumbetidos à insegurança e à imprevisibilidade, tanto quanto aos abusos do poder (J.COMBLIN, a liberdade cristã, Paulus, 2009). Nesse sentido, a terapia comunitária, em parte inspirada no ideal cristão de fraternidade e atenção ao sofredor, no âmbito do amor ao próximo e na perspectiva do Reino de Deus, pode ser vista como um mecanismo de ativação das energias auto-curativas da pessoa e da comunidade. 4 Ainda em Marx, encontramos esta afirmativa, A Ideologia Alemã, Teses sobre Feuerbach: É necessário evitar fixar o indivíduo como uma abstração frente à sociedade, o indivíduo é o ser social por excelência. 5 Em “La comunidad como eje de la prevención -Un relato de experiencia”, de Rolando Lazarte, encontra - se uma visão desta perspectiva de cura e prevenção a partir da terapia comunitária.

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FERREIRA FILHA, M.O.; DIAS, M.D.; LAZARTE, R.; HOLANDA, V.R.; ANDRADE, F,B. "Terapia Comunitária: uma estratégia de promoção da saúde mental na atenção básica." In: NOBREGA, M.M.L.; SILVA, A.O.; Saúde e Realidade. V.3; João Pessoa: Editora Universitária da UFPB,pp. 47-66

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Page 1: Livro Saúde e Realidade

TERAPIA COMUNITÁRIA: UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE

MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA1

Maria de Oliveira Ferreira Filha Maria Djair Dias Rolando Lazarte

Viviane Rolim de Holanda Fábia Barbosa de Andrade

INTRODUÇÃO

Em decorrência dos avanços tecnológicos, da globalização, da dificuldade de ações políticas que visem atender as necessidades humanas abarcando a compreensão

do ser humano como ser social, bem como também como conseqüência de condições derivadas da própria existência de um sistema econômico-social de índole capitalista, existem em nosso país espaços de exclusão social2, onde permeiam o abandono, a

insegurança, a perda da auto-estima e outras situações que acabam gerando violência, situações de medo, desespero e sofrimento psíquico, o que resulta na perda de confiança

em si, levando o ser humano ao desequilíbrio de sua identidade e conseqüentemente ao isolamento.

Quanto ao primeiro item, ou conjunto de fatores circunstanciais ou conjunturais,

próprios de uma época ou de variações no modo de exercício da atividade sócio-política e econômica, podemos dizer que o sofrimento derivado é sempre maior ou menos,

dependendo das formais mais ou menos “capitalismo selvagem” ou mais ou menos populistas ou atentas ao social em vigor. No que diz respeito ao segundo item, de natureza essencial não acidental, podemos dizer que o sistema capitalista no Brasil

como em qualquer outro país do mundo, gera exclusão como condição da sua própria existência, cabendo à política social, dentre elas a de saúde, amenizar mais ou menos as

conseqüências da exploração e sés danos decorrentes à saúde das pessoas e da comunidade como um todo3.

Sabe-se que o ser humano é um ser social4, e desse modo precisa ser entendido

em sua coletividade, acreditando que é nesta5 que ele consegue estabelecer vínculos

1 Texto publicado no Livro : Saúde e Realidade. V.3. ano: 2010 p.47 a 66. Organizadoras do livro:

Maria Miriam Lima da Nóbrega e Antonia Oliveira Silva. 2 A exclusão social é resultado do sistema capitalista, que produz riqueza para uns e pobreza para outros,

saúde para uns poucos, doença para muitos, emprego para uma fatia da população, e insuficiência de

ocupação para outros. Para Marx, ao contrário, na sociedade comunista, sem classes, o próximo, ao invés

de ser um obstáculo para a minha plena realização, será condição desta. Na sociedade a tual, os programas

de inclusão social vem ganhando espaço tanto na ação social quanto na política governamental. É como

se o capitalismo, exacerbando a exclusão a pontos perigosos para sua continuidade, necessitasse reverter

esta tendência própria da sua essência, tentando minimizar o que lhe é p róprio e consubstancial: ea

exclusão social. 3 Lembremos aqui as palavras com que o sociólogo e teólogo José Comblin define o eixo da ação cristã:

a ovelha desgarrada, os excluídos e excluídas do sistema, os desempregados, os doentes, os que estão

sumbetidos à insegurança e à imprevisib ilidade, tanto quanto aos abusos do poder (J.COMBLIN, a

liberdade cristã, Paulus, 2009). Nesse sentido, a terapia comunitária, em parte inspirada no ideal cristão

de fraternidade e atenção ao sofredor, no âmbito do amor ao próximo e na perspectiva do Reino de Deus,

pode ser vista como um mecanismo de ativação das energias auto-curativas da pessoa e da comunidade. 4 Ainda em Marx, encontramos esta afirmativa, A Ideologia A lemã, Teses s obre Feuerbach: É necessário

evitar fixar o indivíduo como uma abstração frente à sociedade, o indivíduo é o ser social por excelência. 5 Em “La comunidad como eje de la prevención-Un relato de experiencia”, de Rolando Lazarte, encontra-

se uma visão desta perspectiva de cura e prevenção a partir da terapia comunitária.

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sociais, possibilitando-o resolver seus problemas e sofrimentos. Todavia, essa visão de

coletividade tem sido resgatada nos últimos anos, através do entendimento das políticas públicas.

A crescente modernização vem trazendo mudanças significativas no modo de vida das pessoas, tais como aumento das desigualdades sociais, violência, miséria, desemprego, alcoolismo, competição do ser humano, entre outros, que repercute na

qualidade de vida das mesmas6. E muitas vezes, as tornam ansiosas com os eventos que fazem parte do seu dia a dia7, de tal modo que os indivíduos não conseguem estabelecer

estratégias de enfrentamento de sua realidade. De acordo com Araújo et al (2008), no cenário atual, a mulher vem exercendo uma diversidade de papéis na sua vida cotidiana. Neste aspecto estão inseridas as atividades profissionais e aquelas desenvolvidas no

ambiente doméstico. Diante disso, é imprescindível que as pesquisas de saúde mental de mulheres leve em consideração o contexto complexo e desafiador em que se

desenvolvem, gerador de forte ansiedade e tensões. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Panamericana de

Saúde (OPAS), nas últimas décadas, têm considerado a saúde mental como uma

prioridade que os governos latino-americanos devem encarar, pois segundo estas organizações, os sofrimentos psíquicos aumentam ostensivamente e a maioria deles é

prevenível (OPAS/OMS, 2001). Além do mais, a OMS (1990) apud Almeida, Coutinho, Pepe (1994), informam que os medicamentos destinados ao tratamento das doenças mentais ocupavam, em 1985, o 9º lugar entre os mais vendidos mundialmente,

representando 6,9% das vendas. Só no Brasil, em 1986 consumiu-se 500 milhões de doses diárias de tranqüilizantes, o que, segundo a OMS representava uma quantidade

três vezes superior às suas necessidades. Segundo Cordeiro (1998); Almeida et al (1995 apud ANDRADE, 2004), as mulheres são as que mais consomem psicofármacos, sendo os benzodiazepínicos, dentre eles o diazepan, a droga mais usada.

A história da política de saúde brasileira é permeada por conquistas sociais que, cada vez mais, buscam definir a organização de uma estrutura que descarte a

centralização e a dicotomia entre ações preventivas e curativas e o acesso não-universal aos serviços de saúde. Na Constituição Federal de 1988 foram asseguradas importantes mudanças na estrutura jurídico- institucional do sistema público de saúde. Esta nova

constituição foi regulamentada, em 1990, com as Leis Orgânicas da Saúde (LOS), consolidando a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Neste sistema estão

incluídas diretrizes e princípios como a universalidade, equidades, integralidade, hierarquização e regionalização, descentralização e controle social (BRASIL, 2004).

A partir desse entendimento, concebe-se o Sistema Único de Saúde (SUS) como

uma resultante de um processo de construção que foi marcado por embates políticos e ideológicos, travados por diferentes atores sociais ao longo de vários anos (CUNHA,

CUNHA, 2001), e ainda com desafios pela frente.. O SUS vem propondo mudanças profundas no modo de organização das ações e

serviços de saúde, a fim de desenvolver ações sobre o ambiente e indivíduos, destinados

à promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como à reabilitação, e tem como diretrizes a Universalidade, Equidade e Integralidade (BRASIL, 1998).

6 Este quadro denuncia o que é próprio da sociedade capitalista. No cristianis mo, ao contrário, a relação

de uns com os outros se situa na perspectiva da fraternidade, nas relações de amor e complementariedade

com que se constrói a humanidade como utopia, como projeto de Deus. 7 Max Weber dizia: “Abrahão ou algum camponês do seu tempo, podia terminar seus dias saciado da

vida, pois esta lhe dera tudo quanto podia lhe dar. O homem atual, ao contrário, corre permanentemente

atrás de metas que lhe escapam quando as alcança. Ele pode se sentir enfastiado, mas não saciado.”. Ver

Rolando Lazarte: Max Weber: ciência e valores (São Pau lo, Ed. Cortez, 2001, 2ª. Ed.)

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Segundo Vasconcelos (2003a), no intuito de melhorar essas ações surge o

Programa de Saúde da Família (PSF), em 1994, como uma estratégia de reorientação do modelo de atenção primária à saúde dentro do SUS, por entender que havia uma

distância entre os profissionais e a dinâmica familiar, a convivência e o enfrentamento com os problemas no meio popular, sendo necessário uma estratégia mais aproximada da realidade que permitisse um aprofundamento da qualidade dos serviços de saúde

diante da complexidade das situações de exclusão social. A estratégia utilizada pelo PSF visa reverter o modelo assistencial vigente. Por

isso, sua compreensão só é possível através da mudança do objeto de atenção, forma de atuação e organização geral dos serviços, reorganizando a prática assistencial em novas bases e critérios. Caracteriza-se como uma estratégia que possibilita a integração e

promove a organização das atividades em um território definido, com o propósito de propiciar o enfrentamento e resolução dos problemas identificados (BRASIL, 1997).

A atenção da saúde da mulher, no Brasil, só foi incorporada às políticas nacionais de saúde apenas nas primeiras décadas do século XX. Apesar do avanço conquistado pelo esforço dos movimentos feministas e das Organizações Não-

Governamentais (ONGs) ainda existem lacunas nas ações e nos serviços de saúde na esfera da política pública, tais como: a atenção ao climatério e menopausa, saúde

ocupacional, atenção à mulher vítima de violência, e sobretudo na saúde mental das mulheres em todos os ciclos vitais.

Em 1983, foi elaborado o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher

(PAISM) estabelecendo em suas linhas de ação um modelo assistencial centrado na integralidade, na eqüidade e no atendimento de melhor qualidade e humanizado

(BRASIL, 2004). O PAISM em sua formulação buscava superar a perspectiva materno- infantil

hegemônica na atenção à saúde, ao mesmo tempo em que sofria influência do ideário do

movimento pela democratização da saúde pela reforma sanitária brasileira. O fato de o PAISM ter sido implantado em meio às contradições e descaminhos desse processo

implicou o relativo esvaziamento dos seus aspectos mais criativos e inovadores, reduzindo-o, na maioria das vezes, a metas focalizadas e à assistência gineco-obstétrica tradicional.

As mulheres vivem mais do que os homens, porém adoecem mais freqüentemente, a vulnerabilidade feminina frente a certas doenças está mais

relacionada com a situação de discriminação do que com fatores biológicos e ainda as desigualdades sociais, econômicas e culturais se revelam no processo de adoecer e morrer das populações e de cada pessoa em particular de maneira diferenciada

(BRASIL, 2004). Diante do exposto, as fragilidades presentes na atenção à saúde de mulheres, de

modo particular, devem ser impulsionadoras de mudanças que possam superar tais dificuldades. Nesse sentido, compreende-se que há possibilidades de minimizar ou eliminar alguns problemas que comprometem a saúde dessa clientela por meio de ações

que potencializem a participação das usuárias no restabelecimento da sua saúde. Com essa intenção, o presente estudo tem o objeto de discorrer sobre a prática da Terapia

Comunitária enquanto estratégia de promoção da saúde mental de mulheres na Atenção Básica. Pois se compreende que os profissionais atuantes no PSF, enquanto cuidadores da saúde de primeira linha poderão favorecer o empoderamento das mulheres frente aos

sofrimentos que comprometem a saúde mental das mesmas, por meio da Terapia Comunitária.

A Terapia Comunitária integrativa e sistêmica (TC) vem sendo realizada há mais de 20 anos, originalmente no Ceará, hoje no Brasil inteiro, tendo nascido na Favela de

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Pirambu, em Fortaleza, seno seu criador o médico cearense Adalberto de Paula Barreto,

psiquiatra, antropólogo, teólogo e professor da Universidade Federal do Ceará (FERREIRA FILHA, 2006).

Segundo Holanda (2006), a Terapia Comunitária estando inserida na rede de cuidados, esta cria espaços que possibilitem a diminuição do uso indiscriminado de medicamentos e a fragmentação, de modo que se adota a inclusão das ações de respeito

às experiências das usuárias dos serviços de saúde. Essa ação de Promoção da Saúde, intitulada Terapia Comunitária já vem

ocorrendo em vários Estados brasileiros, além de experienciar na Franca, Suíça e México. Atualmente na Terapia Comunitária, dispõe de 21 pólos formadores e de multiplicação, como espaço de ajuda mútua no âmbito comunitário, com formação até o

momento de 8.500 terapeutas comunitários (BARRETO, RIVALTA, 2004). A Terapia Comunitária constitui-se de um espaço público aberto, de ajuda

mútua, onde se aborda tanto o indivíduo na sua singularidade como no seu contexto social, familiar e cultural. Através da escuta das histórias de vida de cada pessoa, todos se tornam co-responsáveis pela superação dos desafios do dia-a-dia, despertando a

solidariedade, a partilha, valorizando-se a dinâmica interna de cada indivíduo e sua capacidade de transformação individual e coletiva (HOLANDA, DIAS, FERREIRA

FILHA, 2007). Os encontros de Terapia Comunitária tecem redes de apoio e despertam

possibilidades de mudanças, já que as pessoas da comunidade participam de uma

mesma cultura e partilham entre si recursos de comunicação e laços de identidade, apresentando afinidades em seus sofrimentos e a busca de soluções para os mesmos

(HOLANDA, DIAS, FERREIRA FILHA, 2007). A terapia comunitária é composta pelas seguintes fases: 1) acolhimento, 2)

escolha do tema, 3) contextualização 4) problematização e 5)encerramento, onde a

primeira e a última se dão com rituais de agregação, constituindo-se em um momento de discussão e reflexão aberto a todos os indivíduos que estão vivenciando situações de

crise, caracterizando-se em um procedimento terapêutico em grupo, objetivando promover a saúde e atenção primária em saúde mental, consiste na partilha de experiências de vida e saberes de forma horizontal e circular, funcionando, portanto

como fomentadora de cidadania, de redes sociais solidárias e de identidade cultural da comunidade (BARRETO, 2005).

A Terapia Comunitária caracteriza-se como uma estratégia de valorizar e respeitar as vivências de cada mulher, na construção de saberes (cientifico/popular), desenvolvendo ações terapêuticas que proporcionam o equilíbrio físico e mental das

mulheres, fortalecendo assim sua identidade e cidadania, e nesse sentido, a atenção básica, por meio do Programa Saúde da Família o qual pode utilizar esse recurso como

ferramenta em suas ações de saúde (FERREIRA FILHA, 2006). Segundo Holanda (2006) essa escuta das histórias de vida de cada pessoa,

concorre para que todos se tornem co-responsáveis pela superação dos desafios do dia-

a-dia, despertando para a solidariedade, a partilha, valorizando-se a dinâmica interna de cada ser humano, bem como sua capacidade de transformação soc ial e coletiva,

promovendo uma cultura de paz. Desse modo, o tema acima abordado, constitui-se como relevante, visto que está

baseado na discussão e realização de um trabalho de saúde mental preventiva, onde

todos os elementos culturais e sociais da comunidade se voltam para se dar ênfase no trabalho em grupo e na criação gradual da consciência social, suscitando ações

terapêuticas transformadoras, apoiadas nas competências e na formação de uma teia de apoio.

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O nosso interesse pelo tema originou-se após vivências em encontros de TC,

nessa perspectiva buscamos retratar a experiência e o significado da TC desenvolvida em uma Unidade de Saúde da Família (USF), traçando como objetivos:

- Conhecer o significado da Terapia Comunitária na vida das mulheres na comunidade de Mangabeira IV, município de João Pessoa/PB;

- Investigar a contribuição da Terapia Comunitária na vida das mulheres na

comunidade de Mangabeira IV, município de João Pessoa/PB.

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa. A pesquisa foi desenvolvida na Unidade de Saúde da Família (USF)-Ambulante, localizada no bairro de Mangabeira

IV, no município de João Pessoa/PB, inserida no III Distrito de Saúde gerenciado pela rede de assistência do SUS.

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João Pessoa

(2005) a USF – Ambulante possui uma área de abrangência que conta com 945 famílias cadastradas, todas cobertas por agentes comunitários de saúde (ACSs), perfazendo o

equivalente 3.457 habitantes assistidos pelos serviços prestados pela Unidade. Dos 3.457 habitantes, 54,1% são do sexo feminino e 45,9% são do sexo masculinos sendo 86,2% alfabetizados.

A Terapia Comunitária realizada nessa USF é parte de um projeto de extensão em parceria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vinculado ao Departamento de

Enfermagem em Saúde Pública e Psiquiatria (DESPP) e o município de João Pessoa/PB, já aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, onde preconiza os critérios da Resolução 196/96 (BRASIL, 1996) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de modo

que vem sendo desenvolvida há mais de um ano através de encontros semanais, agendadas sempre nas quartas-feiras, com uma média de 23 participantes e realizadas

no espaço da associação de moradores. A incidência de mulheres (89,40%) que freqüentam a TC é significativamente mais elevada que a participação dos homens (10,60%).

As colaboradoras deste estudo foram constituídas pelas mulheres que participaram da TC oferecida pela unidade, sendo escolhidas de acordo com a

freqüência e o interesse em participar do estudo. Utilizamos flores para referenciar as mulheres entrevistadas, de acordo com a preferência delas, tendo em vista que nos comprometemos em não citar seus nomes por questões éticas.

A pesquisa foi guiada pelo método de História Oral Temática, onde optamos pela História Oral temática por partir de um assunto específico e preestabelecido, e se

comprometer com o esclarecimento ou opinião do entrevistador sobre algum evento definido (MEIHY, 1996).

A base da História Oral é o depoimento gravado, sendo necessário agendar as

entrevistas de acordo com a disponibilidade da colaboradora, solicitar autorização para uso do gravador, comparecer ao local no horário agendado e proporcionar um

acolhimento que viabilize a narrativa. Para coletar os dados foi utilizada a entrevista, guiada por perguntas de corte, e o

caderno de campo. As perguntas de corte que acompanharam esse estudo foram: Que

contribuição a Terapia Comunitária tem trazido para sua vida? Qual é o significado da Terapia Comunitária para você?

Segundo Meihy (1996) foram seguidas as etapas da História Oral: Transcrição: destina-se à mudança do estágio da gravação para o escrito, após a escuta de repetidas

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vezes do material gravado; Textualização: é a etapa onde se dá ao texto inicial um

caráter de narrativa, nessa etapa suprimi-se as perguntas de corte e fundem-se as respostas, as quais superam suas importâncias. Durante essa etapa, escolhe-se um tom

vital que corresponde à frase que servirá de epígrafe para leitura das entrevistas; Transcriação: essa etapa se compromete com recriação do texto em sua plenitude.

Nesse projeto de História Oral a análise e discussão dos dados foram guiadas

pelo tom vital de cada entrevista, apoiada em um diálogo com a literatura pertinente. Na fase de conferência a pesquisadora necessita estar preparada para eventuais

negociações, nesse momento o principio da flexibilização é fundamental para o entendimento que permita dialogo sobre a importância ou não dos cortes. Após autorização dos textos, estes poderão ser usados integralmente ou em partes de acordo

com o estabelecido no termo de consentimento, sendo a autoria do pesquisador.

CONHECENDO AS FLORES DA TERAPIA COMUNITÁRIA...

Rosa - Mulher forte, aos 49 anos, casada e com dois filhos, repleta de sonhos e com uma alegria contagiante para viver, sua entrevista foi marcada por risos, histórias

vividas, enfim um clima bem descontraído. Sempre prestativa, as entrevistas foram feitas em sua residência conforme combinado e complementadas através de conversas durante os encontros da TC.

... a Terapia Comunitária me ajudou a falar das minhas inquietações, partilhar vivências ... nossos enormes e difíceis problemas ... tornam-se um

grãozinho de areia ...

No discurso acima, percebe-se que a TC se caracteriza como um encontro de amigos, onde a partilha das dores supera tudo aquilo que ali é lançado para ser

discutido, onde todos os problemas tomam a mesma dimensão, não havendo espaço para entraves, haja vista que estas inquietações são tão individuais que acaba

transcendendo a individualidade da outra pessoa. Os problemas são discutidos no seio da comunidade, onde as pessoas têm

objetivos comuns, ou seja, partilham sofrimentos, angústias e soluções para os

problemas vivenciados no cotidiano. Essa comunidade traz consigo um conjunto de peculiaridades, entendidas a priori como fonte de experiências enriquecedoras, que uma

vez partilhadas, promove o enriquecimento da integralidade (FERREIRA FILHA et al, 2007).

Jasmim - Com seu jeitinho de menina guarda em si uma mulher batalhadora. Casada, aos 26 anos, com uma filha, sua entrevista foi feita no local da terapia antes de

iniciar os encontros conforme vontade referida por ela. Contou sua história de forma calma e sempre com um sorriso, apesar de tímido, nos nossos encontros.

... a gente tem mesmo essa coisa de quando a boca cala, a gente adoece... a

terapia tem me ajudado a falar mais... o vazio, as dificuldades que tem pra resolver ... a terapia tem ajudado... escuto e vejo soluções pra mim resolver

meus problemas. ... significa saber escutar e falar ...

A partir do relato acima, no momento em que a entrevistada se utiliza dos discursos da terapia comunitária, e isso acaba fortalecendo que o calar, concorre para o

adoecimento. Este posicionamento da entrevistada nos leva a acreditar que a escuta também vem se constituindo, momento de fortalecimento de sua identidade, uma vez

que, embora seus problemas não tenham sido colocados no momento da reunião, esta

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escuta já a ajuda a compreender o processo de resolutividade daquilo que também a

inquieta. O homem precisa ser escutado em sua coletividade e entendido em sua

individualidade. Coletividade essa percebida nas experiências pessoais, profissionais, familiares, como um contínuo construtor e mantenedor de vínculos sociais que precisam ser afetivos e efetivos, com foco na compreensão da complementaridade de sua

identidade (FERREIRA FILHA et al, 2007).

Margarida - É uma mulher alegre, de muita fé e corajosa. Pontual, chegava sempre um pouco antes dos nossos horários agendados. Casada, tem dois filhos, sua trajetória de vida é marcada por uma força de viver e necessidade de aprender a criar

seus filhos.

... chego lá angustiada e saiu aliviada ... A terapia tem contribuído na

criação dos meus filhos... e com o comunitário ... é uma troca de conhecimento. Eu escuto e aí posso escolher como resolver o que me incomoda...

A Terapia Comunitária tentar articular a dimensão biológica, social, política e cultural dos problemas, favorecendo o crescimento do indivíduo e das pessoas mais

próximas a ela, para adquirir um maior grau de autonomia, consciência e co-responsabilidade. Assim, embora a proposta da TC esteja mais voltada para grupos que vivem em condições sociais mais vulneráveis, em termos de saúde mental e autonomia

individual e comunitária, ela pode ser aplicada em qualquer grupo de pessoas (BARRETO, 2005).

A Terapia Comunitária vem representando uma estratégia de enfrentamento dos desafios cotidianos, da maioria das mulheres que a freqüentam, reforçando a auto-estima, o empoderamento e a construção de uma teia de solidariedade. Promovendo

ainda a identidade e resgatando a cidadania das mulheres que em sua maioria passam por desigualdades sociais fruto de uma construção histórica e cultural (BARRETO,

RIVALTA, 2004).

“Com a terapia consegui falar mais minhas inquietações ...a arranjar uma saída e vê se eu resolvo aquele problema... a ser prática pra resolver ... a vê

por onde eu começo ... a gente vê tantos problemas difícil ... e o da gente se torna um grãozinho de areia”. (Rosa)

“... a terapia me ajuda na auto-estima, assim no lado psicológico, pronto melhoro da auto-estima, justamente assim... me acho renovada e ainda mais forte...” (Margarida).

A Terapia Comunitária vem tendo um enfoque na promoção da saúde na área da Saúde da Mulher, entendendo-a não mais em ações fragmentadas, mas com o enfoque

em sua integralidade. Respeitando os costumes locais, vem contribuindo como uma estratégia de soluções para os problemas do dia-a-dia e funcionando para que as mulheres busquem soluções, adquiram consciência social e redescubram suas

potencialidades transformadoras. A forma fragmentada na qual é tratada a saúde da mulher é inquietante,

estabelecida através de metas isoladas, pautada na desarticulação das ações e na falta de amplo acesso. Na atenção básica de saúde é notória a grande demanda nos serviços, a ineficácia na formação de muitos profissionais, centrada extremamente na dimensão

biológica, além da fragilidade de estratégia de saúde da família com ausência de práticas

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capazes de despertar o empoderamento e espaços de fala necessários para um maior

controle da saúde (HOLANDA, DIAS, FERREIRA FILHA, 2007).

“... a mulher chega na menopausa aí começa os problemas, aí fica se

achando que não é mais aquela menininha, não é??!, e perde logo a .... a situação da gravidez, que não vai mais ter filhos, aquele negocio todo ... Na minha saúde, a TC tem contribuído muito...” (Rosa)

“A terapia tem contribuído demais na minha saúde, no meu corpo... nas minhas dores... nessa questão da TPM e ... na menopausa

né?!”(Margarida)

No enfoque da promoção da saúde, o empoderamento que emerge através da Terapia Comunitária contribui na possibilidade das mulheres tornarem-se capazes de

participar de modo ativo e assumir responsabilidades pelo seu próprio cuidado. De acordo com a Associação Brasileira de Terapia Comunitária

(ABRATECOM) a TC constitui-se de um espaço público aberto, de ajuda mútua, onde se aborda tanto o indivíduo na sua singularidade como no seu contexto social, familiar e cultural. Através da escuta das histórias de vida de cada pessoa, todos se tornam co-

responsáveis pela superação dos desafios do dia-a-dia, despertando a solidariedade, a partilha, valorizando-se a dinâmica interna de cada indivíduo e sua capacidade de

transformação individual e coletiva (ABRATECOM, 2005).

“... a terapia tem me ajudado na minha saúd ... a maior parte da terapia assim, que eu tenho aprendido é com minha saúde”.(Jasmim)

“... apesar de eu não tá indo no posto, porque às vezes fica difícil, às vezes vem e volta e aí venho pra cá ... pra terapia. (...) mas no posto eu só vou

com a menina e pra terapia eu venho mais pra cuidar de mim... “ (Jasmim)

“... numa consulta médica a gente não é escutado e na terapia a gente ... é escutado, é compreendido...” (Jasmim)

“... em relação a saúde da mulher mesmo, eu não procuro mais tanto o posto sabe, pra ir atrás de médico, pra remédio agora eu busco a terapia...”

(Margarida).

Os relatos acima revelam a significância da atenção à saúde pela equipe de saúde da família, no tocante ao cuidado dos usuários, pois sendo este modelo de atenção a

porta de entrada dos usuários, passa a se constituir também como espaço de partilha, onde as estratégias de enfrentamento do sofrimento estão sendo partilhadas e por sua

vez se configurando como instrumentos de empoderamento, para que haja a redução desse sofrimento mental, bem com o fortalecimento da área estratégica da saúde mental no âmbito da atenção básica.

Os encontros de TC tecem redes de apoio e despertam possibilidades de mudanças, já que as pessoas da comunidade participam de uma mesma cultura e

partilham entre si recursos de comunicação e laços de identidade, apresentando afinidades em seus sofrimentos e a busca de soluções para os mesmos (BARRETO, RIVALTA, 2004).

Vem se configurando como prática de cuidado à saúde, fundamentando-se nos conceitos de prevenção de doenças e promoção da saúde, onde o sofrimento psíquico

encontra-se ancorado em cinco fundamentos teóricos: pensamento sistêmico, teoria da comunicação, pedagogia de Paulo Freire, antropologia cultural e resiliência (BARRETO, 2005).

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É uma estratégia terapêutica não mais centrada no modelo medicalizado, mas na

escuta para potencialidade do ser humano, proporcionando-se o equilíbrio mental, físico e espiritual através do entendimento das crenças e dos valores culturais (HOLANDA,

DIAS, FERREIRA FILHA, 2007). Apresenta-se como uma nova terapia e segundo Castel (1987) as novas terapias

testemunham o fato de que é possível instrumentalizar a subjetividade e a

intersubjetividade por intervenções exteriores. Elas promovem uma visão do homem pela qual se concebe ele mesmo como um possuidor de uma espécie de capital (seu

„potencial‟), que gere para dele extrair uma mais-valia de gozo e de capacidades relacionais. Desse modo, existem indivíduos subdesenvolvidos e em via de desenvolvimento, onde o passo para o desenvolvimento é literalmente investir, trabalhar

e fazer frutificar seu potencial humano.

Terapia Comunitária: Promovendo Saúde Mental por meio da Fala, Escuta e

Cuidado

Através das fala das mulheres percebemos o significado da Terapia Comunitária como um mecanismo de superação das adversidades, como uma capacidade de

formulação positiva diante das circunstâncias contraditórias da vida. Num sentido amplo, a terapia vem significando um local de fortalecimento de vínculos interpessoais, de aprendizagem, de partilhas, enfim, consolidação do resgate da cidadania das

mulheres.

“... A terapia significa... deixar a tristeza de lado, os problemas que tão

incomodando, e venho pra relaxar, deixa a mente bem vazia,... significa saber escutar e falar, significa conforto. É segurança, significa contribuição pra saúde, significa... participar, participação na comunidade. Na terapia a

pessoa se sente bem, é conforto, alivio...”(Jasmim).

A Terapia Comunitária se traduz em um instrumento transformador do

sofrimento, da solidão, da discriminação, pois se entende que falando das experiências, das dores conseguimos obter mecanismos importantes para a reconstrução da própria vida. Partilhando suas experiências, testemunhando a utilização de suas estratégias de

enfrentamento dos problemas, as mulheres vêm passando por processo de transformação, pelo viés do combate a submissão, das diferenças, dos medos, do

silêncio e que contribui para construção de um sujeito coletivo crítico reflexivo. Para Vasconcelos (2003b) por meio dos encontros de TC se torna possível o

significado do empoderamento, presente nas falas, garantindo o ganho de poder,

traduzido em habilidade de agir e criar, mudanças conscientes, de modo q ue os participantes mudem sua condição de sofrimento.

“... você chega com um problema... fala e debate, lá você não recebe conselhos, mas você debate, você vê aquela vivência e você decide”.(Rosa)

“... desmistifica muito o que você tem medo de procurar ... e aí você procura

seus direitos mais confiante porque dá mais confiança a você, é a união da gente como pessoa, cada um acreditando no seu potencial...” (Rosa)

Assim sendo, a TC significa na vida dessas mulheres um espaço para promoção da resiliência e do empoderamento, na medida em que intensifica a sua autonomia, reforça a auto-estima e fortalece vínculos. Apoiada nas competências individuais e

coletivas e nos saberes produzido pela experiência, as histórias de vida das mulheres tem contribuído para uma ação transformadora da realidade.

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Desse modo, essa experiência de partilha mostra, de fato, os passos para

recuperar sua auto-estima e através do processo de resiliência, empoderar-se, tornando-se terapeuta de si mesmo, a partir da escuta de vida. Todos são co-responsávies na busca

de soluções, na construção de uma vida solidária e na superação dos desafios do cotidiano (BARRETO, RIVALTA, 2004).

“... a terapia significa um local... onde a gente aprende a viver, a se unir pra

viver bem, a partilhar o problema de um e do outro, a escutar melhor as dificuldades de cada um e minhas também...” (Margarida)

Percebe-se que as pessoas tem se utilizado dos conhecimentos advindos da TC para melhoramento do processo resiliente, onde o aumento de poder e autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e

institucionais. Para isso é proposto que a vivência grupal circule os atributos das pessoas

resilientes: 1) alta capacidade de resistência; 2) facilidade de construção coletiva; 3) a lta capacidade para amar; 4) alta capacidade para crescer profissionalmente e 5) alta capacidade de troca com o mundo (CAMAROTTI, 2005).

Essa prática terapêutica pós-moderna crítica, que reconhece as influências do macro contexto, sócio-econômico, político, cultural, de gênero e espiritual,

manifestando no micro-contexto familiar e nas organizações comunitárias, um contexto de acolhimento (GRANDESSO, 2005).

Para Castel (1987) entrar na cultura relacional é abordar uma paisagem social de

conflitos, munida da única certeza de ter perpetuamente que retecer a imagem frágil de uma sociabilidade perfeita, cujos fragmentos estão exibidos no universo unidimensional

do psicológico. Desse modo, trabalhar a cultura vem se apresentando como alternativa de uma situação em que os investimentos sociais se eximem e as alternativas políticas estão embaralhadas.

Desse modo, de posse dos aspectos acima abordados é percebido a grande contribuição das ações implementadas em nível comunitário, pois vem se revelando

como caminho para construção da rede solidária. Segundo Teixeira e Ouverney (2007), a institucionalização da rede, diz respeito

a um padrão de interdependência onde os atores envolvidos no processo descrevem

ações coletivamente planejadas e deliberadamente orientadas em busca dos objetivos comuns. Essa constituição da rede resulta desse potencial de transformação social, onde

os atores e organizações envolvidas possam promover mudanças nos padrões de identidade humana.

Estas transformações – integralidade – vêm sendo possíveis por meio da

mudança do modelo de atenção cuidadora, ocorrido na atenção básica, fortalecido pela nova norma do Ministério da Saúde, o Pacto pela Saúde, em sua vertente do Pacto pela

Vida, que elenca a diretriz operacional da Promoção da Saúde, em suas áreas estratégicas da saúde mental e saúde da mulher, onde se revela o papel imprescindível de estratégias de intervenção que precisam ser elaboradas e implementadas conforme as

necessidades locais em busca da redução do sofrimento mental das mulheres e melhoria de qualidade de vida para todas (BRASIL, 2008).

Assim, é partir do cuidado com o outro que o ser humano desenvolve a dimensão da alteridade, do respeito e dos valores fundamentais da experiência humana (BOFF, 2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Refletir com mulheres sobre seus desafios cotidianos, visto que são elas as que mais partilham experiências de enfrentamento, possibilitou-nos perceber a TC como

uma estratégia importante inserida na atenção básica e nos fez apontar algumas considerações que emergiram ao longo dessa pesquisa.

As mulheres, no contexto atual, ainda convivem com formas diferenciadas de

opressão, desigualdades somando-se a isso a multiplicidade de papéis assumidos no espaço doméstico e público, comprometendo sua qualidade de vida. Essa visão

consolida a naturalização de papéis de gênero, e a idealização do desempenho das mulheres no doméstico, na maternidade e na esfera pública e ainda a falta do cuidado para si, comprometendo assim sua saúde física e mental.

O espaço da TC se traduz em local de reflexão e autoconsciência da realidade e que desperta a participação popular. A participação é aqui entendida como um processo

dinâmico e que precisa ser construída, pois é através da participação que poderemos obter uma transformação social, de modo a resgatar o poder resiliente intrínseco à criatura humana.

Desse modo, a TC promove mudanças nas ações isoladas que tratam a questão da saúde da mulher apenas sob o viés da saúde reprodutiva e propõe uma mudança

estimulando o resgate da cidadania, o desenvolvimento do empoderamento, fortalecimento de vínculos e favorecendo espaços de escuta e acolhimento, ações estas preconizadas pelo SUS.

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