livro polÍticas para a retomada do crescimento

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  • 8/8/2019 LIVRO POLTICAS PARA A RETOMADA DO CRESCIMENTO

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    POLTICAS PARA A RETOMADA DO CRESCIMENTO

    r eflexes deeconomistas

    b ras i l e i rosAntonio Claudio SochaczewskiAntonio Delfim Netto

    Lus Carlos Mendona de BarrosLuiz Carlos Bresser-Pereira

    Luiz Gonzaga de Mello BelluzzoMaria da Conceio Tavares

    Pedro Sampaio Malan

    Ricardo BielschowskyCarlos Mussiorganizadores

    ESCRITRIO DACEPAL NO BRASIL

    P OL T I C A

    S P A R A A R E T

    OMA D A D

    O C R E

    S C I ME N T

    O

    r ef l ex

    e s d e e c on

    omi s t a

    s b r a

    s i l ei r o s

    E S C R I T

    R I OD A

    C E P A L N

    OB R A

    S I L

    Ricardo BielschowskyCarlos Mussiorganizadores

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    POLTICAS PARA A RETOMADA DOCRESCIMENTO REFLEXES DE

    ECONOMISTAS BRASILEIROS

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    POLTICAS PARA A RETOMADA DOCRESCIMENTO REFLEXES DE

    ECONOMISTAS BRASILEIROS

    Ricardo BielschowskyCarlos MussiOrganizadores

    B r a s l

    i a ,

    m a r o

    d e

    2 0 0 2

    Antonio Claudio SochaczewskiAntonio Delfim NettoLus Carlos Mendona de BarrosLuiz Carlos Bresser-PereiraLuiz Gonzaga de M ello BelluzzoMaria da Conceio TavaresPedro Sampaio Malan

    Esc r i t r i o d aCEP A L n o B r a s i l

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    BrasliaSBS Quadra 1 Bloco J Ed. BNDES,10o andar 70076-900 Braslia DFFone: (61) 315-5336Fax: (61) 315-5314

    Correio eletrnico:[email protected]

    Rio de JaneiroAv. Presidente Antnio Carlos, 51, 14o andar20020-010 Rio de Janeiro RJFone: (21) 3804 8118Fax: (21) 2220 5533Correio eletrnico: [email protected]

    URL: http://www.ipea.gov.br

    Polticas para a retomada do crescimento reflexes de economistasbrasileiros/Ricardo Bielschowsky, Carlos Mussi, organizadores.Braslia : IPEA: CEPAL, 2002.207 p.Contedo: p. 1. Resenha de entrevistas. p. 2. Artigos

    1. Poltica Econmica. 2. Crescimento Econmico. 3. Brasil.I. Bielschowsky, Ricardo Alberto. II. Mussi, Carlos Henrique Fialho.III. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. IV. Naes Unidas. CEPAL.Escritrio no Brasil. VI. Ttulo.

    CDD. 338.981

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2002

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    Governo FederalMinistrio do Planejamento,Oramento e GestoMinistr o Martus TavaresSecretri o Executivo Guilherme Dias

    Fundao pblica vinculada ao Ministrio doPlanejamento, O ramento e Gesto, oIPEAfornece suporte tcnico e institucional s aesgovernamentais possibilitando a formulaode inmeras polticas pblicas e programas dedesenvolvimento brasileiro e disponibiliza,para a sociedade, pesquisas e estudos realizadospor seus tcnicos.

    PresidenteRoberto Borges Martins

    Chefe de GabineteLuis Fernando de Lara ResendeDiretoria de Estudos MacroeconmicosEustquio Jos ReisDiretori a de Estudos Regionais e UrbanosGustavo Maia GomesDiretoria de Administr ao e FinanasHubimaier Canturia SantiagoDiretoria de Estudos Setor iaisLus Fernando TironiDiretoria de Cooperao e DesenvolvimentoMurilo LboDiretoria de Estudos SociaisRicardo Paes de Barros

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    EDITORIAL IPEACoordenaoLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

    SupervisoSuely Ferreira

    CopidesqueRbia Maria Pereira

    RevisoFrancisco Villela

    Editorao EletrnicaIranilde Rego

    CapaRafael Luzente de Lima

    As opinies emitidas, nesta publicao, so de exclusiva e de inteira responsa-bilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista doInstituto de Pesquisa Econmica Aplicada, o do Ministrio do Planejamento,Oramento e Gesto ou o da Comisso Econmica para a Amrica Latina e oCaribe (CEPAL).

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde quecitada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

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    Apresentao

    A parceria tcnico-cientfica doIPEAcom o Escritrio daCEPALnoBrasil vem h vrios anos permitindo o desenvolvimento de diver-sas aes conjuntas. Entre outras atividades variadas, entendemosque a publicao de livros com anlise sria sobre temas especficostem sido uma das contribuies expressivas dessa parceria.

    Nesta oportunidade, temos a satisfao de poder trazer apblico este volume, o qual busca sistematizar as proposies deum grande nmero de renomados economistas brasileiros, relati-vas a como eles identificam e priorizam as aes de poltica eco-nmica que poderiam assegurar o crescimento sustentado de lon-go prazo. Como ficar claro da leitura atenta do livro, a variedadede proposies aqui registradas reflete a riqueza tcnica alcanadahoje pela profisso de economista no Brasil, assim como estimulao amadurecimento do debate sob a tica aqui adotada.

    importante ressaltar que a seleo dos economistas entre-vistados, assim como a seleo dos economistas convidados a con-tribuir com artigos para este volume, buscaram abarcar precisa-mente um espectro variado de posies em termos de vises pol-ticas, de posturas ideolgicas, de nfases propositivas e de experi-ncias profissionais. As posies e propostas aqui apresentadasso de inteira responsabilidade dos articulistas e dos entrevista-dos, e, portanto, no refletem necessariamente a posioinstitucional doIPEAou a daCEPAL.

    Ao patrocinar este esforo de reflexo, oIPEAe o Escritrioda CEPALno Brasil acreditam estar contribuindo para estimular odebate de profissionais da rea econmica, retomando, assim, uma

    perspectiva ampla, de projeto agregado para o pas, com proposi-es focadas no longo prazo.

    Roberto Borges Martins Renato BaumannPresidente doIPEA Diretor do Escritrio

    da CEPALno Brasil

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    Prefcio

    A Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL)tem, desde sua fundao, centrado suas preocupaes no cresci-mento econmico dos pases da regio. Suas proposies semprese nortearam pela busca de condies que assegurassem o cresci-mento econmico sustentvel de longo prazo. Para tanto, consi-dera como condies necessrias uma insero internacional efi-ciente, uma estrutura produtiva e uma institucionalidade quepermitam a absoro e a transmisso interna de progresso tcni-co, assim como a eqidade entre os indivduos.

    Aps uma dcada perdida, em que a maior parte dos indi-cadores econmicos mostrou trajetria adversa, e de uma dcadade reformas, quando a maior parte dos pases da regio passoupor transformaes expressivas na sua forma de desenhar e deexecutar polticas econmicas, o ano de 2001 iniciou-se em todaa Amrica Latina e o Caribe com perspectivas de retomada de umnovo ciclo de desempenho das economias da regio em bases bemmais slidas.

    As reformas adotadas ao longo dos anos 1990 expuseram osprodutores locais a maior concorrncia com competidores exter-nos (na maior parte dos casos com intensidade desconhecida noperodo posterior Segunda Guerra). A atuao do Estado comoprodutor e como regulador passou por profundas transformaes,tanto em termos de formulao como no que se refere execuodiria das medidas de poltica econmica. As economias da re-gio podiam contar com um grau de acesso ao mercado interna-cional de capitais que se no o mais adequado certamente

    possibilitaria o financiamento de recursos requeridos numa even-tual retomada de crescimento. As crises da segunda metade dadcada anterior haviam levado a maior parte dos pases da regioa alterar suas polticas cambiais, o que deveria contribuir parareduzir sua vulnerabilidade a choques externos. As taxas de infla-

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    o permaneciam baixas para os padres histricos da regio.Medidas de transparncia na gesto dos recursos pblicos esta-vam sendo adotadas, e revelava-se preocupao crescente com asustentabilidade das estruturas de arrecadao fiscal. Por ltimo,essas economias haviam experimentado investimentos expressivosem modernizao do aparato produtivo.

    No cenrio externo esperava-se alguma retrao do ritmo deatividade da economia dos Estados Unidos, e sabia-se que a eco-nomia japonesa no dava sinais promissores de recuperao j halgum tempo. Mas esperava-se tambm que o contexto internacio-nal fosse de alguma forma beneficiado pela superao das crisesdos anos 1990, e que o mercado europeu apresentasse oportuni-dade favorvel de acesso liquidez.

    Esse conjunto de indicadores compunha um novo cenrioque permitia leitura positiva das perspectivas econmicas. Essecontexto demandava, ento, consideraes sobre a retomada doprocesso de crescimento, trazendo a agenda de discusses das pre-ocupaes de ajuste em curto prazo que caracterizaram as dca-

    das anteriores para temas associados sustentabilidade da reto-mada do crescimento.

    Havia, alm disso, a percepo de que no apenas o trata-mento das condies de longo prazo havia sido ultrapassado pelanecessidade de se lidar com temas relacionados ao processo deajuste como tambm o prprio desenvolvimento da profisso deeconomista tinha mudado de rumo nas ltimas dcadas, numatrajetria assemelhada da medicina. Nessa rea os chamadosmdicos da famlia (que conheciam e lidavam com os quadrosclnicos gerais dos seus pacientes) foram gradualmente sendo subs-

    titudos por especialistas concentrados em suas respectivas reasde atuao. Tambm em economia existe a percepo de que osgrandes formuladores das caractersticas do processo de desenvol-vimento, no passado, foram gradualmente perdendo espao paraespecialistas em temas especficos.

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    Em economia, como em medicina, fica s vezes a sensaode que os ganhos de excelncia no manejo separado de temastrazem associados alguns custos. Entre outros, o pot-pourri de es-pecializaes temticas parece ter reduzido a margem para visesde conjunto, as quais permitem identificar trajetrias gerais.

    Foi a partir dessa dupla percepo quanto ao momentoeconmico e quanto aos rumos da profisso que o Escritrio daCEPALno Brasil e oIPEA decidiram organizar este volume, quetenta resgatar a perspectiva propositiva de longo prazo e se com-pe de cinco artigos mais os resultados de entrevistas com outrosquase quarenta economistas brasileiros. A idia nunca foi a derealizar um censo de opinies, e tampouco havia condies mate-riais para incluir todos os nomes expressivos de economistas bra-sileiros. Contudo, mesmo com essas ressalvas, acreditamos que oconjunto de informaes mostradas aqui possa dar uma boa idiado estado-da-arte do pensar econmico no Brasil de hoje, e espe-ramos que possa servir para motivar o debate nesse sentido.

    Renato BaumannDiretor do Escritrio daCEPALno Brasil

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    SUMRIO

    APRESENTAORoberto Borges Mart ins eRenato Baumann

    PREFCIORenato Baumann

    INTRODUO ... 15Ricardo Bielschow sky eCarlos M ussi

    PARTE IRESENHA DE ENTREVISTAS

    CAPTULO 1POLTICAS DE CRESCIMENTOE O FUTURO DO BRASIL ... 31Antonio Claudio Sochaczewski

    PARTE IIARTIGOS

    CAPTULO 2A ECONOMIA POLTICA DODESENVOLVIMENTO ... 83Antonio Delfim Netto

    CAPTULO 3OS DESAFIOS DAMACROECONOMIABRASILEIRA ... 107Lus Carlos Mendona de BarrosCAPTULO 4INCOMPATIBILIDADE DISTRIBUTIVA EDESENVOLVIMENTO AUTO-SUSTENTADO ... 117Luiz Carlos Bresser-Pereira

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    CAPTULO 5DESENVOLVIMENTO NOBRASIL RELEMBRANDOUM VELHO TEMA ... 149Maria da Conceio Tavares eLuiz Gonzaga de Mello Belluzzo

    CAPTULO 6O BRASIL NA PRIMEIRA DCADA DOSCULO XXI PERSPECTIVAS DODESENVOLVIMENTO COM ESTABILIDADE ... 185Pedro Sampaio Malan

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    15Polticas para a retomada do crescimento reflexes de economistas brasileiros

    INTRODUO

    Ricardo Bielschowsky e Carlos Mussi*

    Este livro de reflexes sobre polticas de crescimento no Brasil datado. Com poucas excees, os artigos e entrevistas aqui apre-sentados foram reunidos no fim de 2000 e no primeiro semestrede 2001, sob o estmulo de uma conjuntura muito especfica.

    Concebemos o projeto do livro em meados de 2000 quan-do se renovavam esperanas de recuperao do crescimento , apartir da idia de que as condies macroeconmicas mnimaspara se viabilizar a expanso sustentada podiam enfim estar sendorestabelecidas. O estmulo principal provinha do fato de a estabi-lidade de preos ter sido preservada em 1999 e em 2000 apesarda exploso cambial, bem como do fato de a economia crescerrazoavelmente sem que se manifestassem ainda presses srias so-bre o cmbio. O momento era de alvio porque a polticamacroeconmica brasileira se desvencilhara de seu maior proble-ma instrumental: o regime de cmbio fixo.

    No entanto, e como se sabe, a partir de fins de 2000 o qua-dro foi crescentemente contaminado pelas influncias desfavor-veis da recesso norte-americana, da crise argentina e, por fim, dacrise energtica. A profundidade da vulnerabilidade externa, ex-pressa por um passivo externo de cerca de 400 bilhes de dlares(dvida externa mais estoque de investimento direto), e a amplia-o do problema em razo das condies de financiamento dadvida pblica interna tomaram conta do quadro de expectativas,ao que veio somar-se a escassez de energia.

    * Economistas do Escritrio daCEPALno Brasil.

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    Quando o projeto do livro foi finalmente posto em execuopredominou esse contexto de crescente ceticismo. Nesse sentido,portanto, que devem ser entendidas as reaes da maioria dosarticulistas e dos entrevistados. Os leitores observaro, por exem-plo, que, em virtude do momento da realizao dos artigos e dasentrevistas, a questo externa interferiu de forma importante nasreflexes levadas a cabo pelos participantes.

    Observaro, tambm, que, salvo excees, as intervenesvoltam-se, bem mais que a polticas concretas, para princpiosgerais de ordenamento de polticas, tais como espaos para inter-veno estatal legtima, reas de fragilidade produtiva e questesinstitucionais a serem enfrentadas. Isso fcil de entender. Afi-nal, a ausncia, nas ltimas duas dcadas, de reflexo sistemticasobre polticas de crescimento exigiu um esforo todo especialpor parte dos economistas convidados a contribuir, tornando-senatural que a maioria das reflexes tivesse um carter dereinaugurao do debate.

    Por isso o livro mostra que ainda nos encontramos numa fase

    de preaquecimento para uma corrida intelectual de mais longoprazo. Trata-se de uma primeira amostra representativa do esto-que de idias de economistas brasileiros sobre o tema das polti-cas de crescimento na dcada de 2000. A contribuio do livro ajudar a reaquecer o debate e, quem sabe , a alcanar o bene-fcio adicional de poder contribuir para o enriquecimento do de-bate eleitoral em 2002.

    Como conhecido, h no Brasil toda uma tradio de dis-cusso sobreestratgias e polticas de crescimento. O longo pero-do de crescimento liderado pelo Estado, que se estende de 1947

    a 1980 (crescimento mdio de 7,2% ao ano), foi palco de acalo-rado debate entre distintas correntes de pensamento. Subjacentea tal debate encontrava-se, primeiramente, e em oposio aos fun-damentos tericos da ortodoxia liberal, a idia de que em estrutu-ras produtivas e institucionais subdesenvolvidas, como a brasilei-

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    ra, o mercado no conduz alocao eficiente de recursos, deven-do as falhas de mercado ser corrigidas pelo Estado. Em segundolugar, e mais radicalmente, encontrava-se a idia de que nas con-dies de subdesenvolvimento a coordenao agregada das decisesde investimento, bem como o seu financiamento e, em certos ca-sos, a sua execuo, requerem participao estatal.

    A hegemonia absoluta dessa posio, ou seja, dodesenvolvimen-tismo que teve variadas manifestaes direita, ao centro e esquerda do espectro poltico-ideolgico perdurou at a entra-da da dcada de 1980. A profunda instabilidade que se seguiuaos episdios internacionais de fins dos anos 1970 a segundaexploso dos preos do petrleo, a deciso estadunidense de 1979de elevar as taxas de juros, e o fechamento do mercado financeiroaos pases endividados foi o divisor de guas que marcou o fimdessa hegemonia.

    A retrao desenvolvimentista se deu como resultado de v-rios fatores. Destacadamente podem ser mencionados o fato de asenergias nacionais terem estado absorvidas por problemas de curto

    prazo e pelas altas taxas de inflao, a baixa credibilidade do setorpblico oriunda da prolongada incapacidade do Estado de elimi-nar a instabilidade macroeconmica, e a crescente hegemonia dopensamento neoliberal no plano internacional.

    interessante destacar que a retrao do desenvolvimentismose aprofundou apesar de a discusso terica referente questo docrescimento ter avanado nos ltimos trs lustros, reabrindo, comisso, espaos discusso sobre o papel das polticas pblicas.O mainstream neoclssico prosperou na linha doendogenous growththeory , a qual reconhece o problema da divergncia de taxas de

    crescimento entre pases e regies como resultante dos rendimen-tos crescentes de escala gerados pelo progresso tcnico sobre aprodutividade do capital e do trabalho. Esse reconhecimentoimplica a admisso de intervenes pblicas criadoras deexternalidades por parte da tecnologia e do capital humano,

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    tecnolgica, o fomento s exportaes, a pesquisa cientfica etecnolgica, a criao de externalidades em reas geogrficas de fron-teira, a atuao das pequenas e das mdias empresas, o mercado definanciamento de longo prazo, etc. Na verso mais radical e elabo-rada desse grupo as idias se organizam pelo princpio de que oEstado tem como funo econmica ltima orientar e dar suportea estratgias de crescimento viveis no Brasil, permitindo, dessaforma, coordenao entre as decises individuais dos agentes.

    Tanto de um lado como de outro do espectro ideolgico hvariados graus de radicalismo, e encontram-se em ambos os ladoseconomistas com posies moderadas. Do lado dos que resistem interveno estatal encontram-se aqueles que, teoricamente,admitem a existncia de inmeras falhas de mercado (capital, tra-balho, comrcio internacional, etc.), os quais acreditam que, emprincpio, essas falhas poderiam ser corrigidas por uma boa inter-veno pblica, mas so cautelosos em diferentes intensidades.A cautela deriva do fato de eles identificarem um acmulo deevidncias, no Brasil, sobre a inviabilidade de se implementar

    uma boa interveno do Estado na economia do pas. A economiapoltica brasileira no que se refere ao processo de deciso e deimplementao de aes que implicam gastos ou abstenode arrecadao seria, para eles, demasiadamente poluda deinteresses polticos escusos e de aes inescrupulosas de rentistaspara permitir que se persiga uma interveno eficiente por partedo setor pblico. De acordo com essa viso, a ao governamen-tal, no passado, e as debilidades poltico-administrativas do Esta-do brasileiro, no presente, tornam recomendvel evitar a interfe-rncia governamental portadora de ameaas ao equilbrio fiscal e

    estabilidade de preos.Do outro lado encontram-se aqueles que consideram as fa-lhas de mercado demasiadamente grandes para que sejam ignora-das, mas reconhecem limitaes operacionais graves para maiorinterveno estatal. Comparativamente ao passado, a viabilidade

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    interaes entre o Estado e o setor privado so possveis e desej-veis para se viabilizar a elevao do investimento e o aumento daprodutividade a mdio e a longo prazo?

    Que indicaes genricas mnimas deveriam fazer parte deuma agenda de polticas voltadas para o suporte ao crescimentoeconmico de longo prazo (apoio a setores, criao de externalidades,requisitos de mudanas institucionais, seleo de instrumentos, etc.)?

    Com o objetivo de orientar o posicionamento dos partici-pantes quanto a pontos especficos foram propostas questes maisdetalhadas, as quais poderiam ser tambm abordadas:

    Existem limites macroeconmicos intransponveis para aacelerao do crescimento com base em acumulao de capital?O que seria uma agenda de crescimento a longo prazo nas condi-es brasileiras? Progresso tcnico um determinante bsico doinvestimento no Brasil, ou apenas uma condio de elevao daeficincia de investimentos e da gerao de divisas? Qual a viabi-lidade de se elaborar uma nova estratgia de acumulao por meiode propostas centradas no fortalecimento do sistema nacional de

    inovaes? Ou seja, qual o papel do progresso tcnico entre osdeterminantes fundamentais do futuro processo de investimentona economia brasileira? Quais as prioridades de poltica para sefortalecer o sistema nacional de inovaes brasileiro com vistas nasustentao do crescimento?

    Qual o escopo e o limite de utilizao de polticas de deman-da agregada (monetria, fiscal, creditcia e de comrcio internacio-nal) em um contexto de maior abertura comercial e financeira?

    No mbito da regulamentao e do fomento do crescimen-to, que instituies deveriam ser desenvolvidas ou reconstrudas

    no atual quadro brasileiro?As entrevistas incluram um razovel nmero de economis-tas para revelar o leque de vises atuais sobre o longo prazo naeconomia brasileira. Elas revelaram a existncia de convergnciase de divergncias em vrios planos.

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    Em relao s primeiras, e salvo excees, observou-se umuniforme ceticismo quanto capacidade de se superarem as res-tries macroeconmicas notadamente a externa para a reto-mada, nos prximos anos, de um crescimento razoavelmente rpi-do. Entre os que ousaram estimar taxas possveis de crescimentoanual as avaliaes mais otimistas no superaram os 5%, e a mai-oria prev bem menos.

    Aliado a essa percepo, as entrevistas nortearam-se muitomais pelo exame das restries ao crescimento, suas causas e aspolticas para super-las, do que por reflexes sobre estratgias decrescimento no futuro. Revezaram-se, nas entrevistas, observaessobre a existncia de restries macroeconmicas externas (divi-sas) e internas (financeiras, poupana), e sobre restries microeco-nmicas, especialmente no que diz respeito necessidade de sedar andamento a uma srie de reformas institucionais. Quanto aolongo prazo, a campe das menes favorveis foi a necessidade dese fortalecerem as polticas de educao, cincia e tecnologia. Comdiferentes nfases e percepes, quanto ao peso da contribuio

    nesses campos, a preocupao razoavelmente consensual entreos economistas entrevistados.

    Mas os economistas foram bem alm desse consenso e diver-giram, por exemplo, no tocante s estratgias e s polticas. Al-guns preferiram aproximar-se do tema do crescimento realizan-do, para tanto, uma avaliao sobre condies de crescimento nombito da transio para a economia liberalizada; e outros fize-ram reflexes sobre um projeto nacional. Nesse plano tanto seencontram os que pensam que a melhor das estratgias prosse-guir eliminando as interferncias de governo como aqueles que

    pensam que o governo deve desenhar e implementar novos pro-gramas nacionais de desenvolvimento.E, na linha do que foi comentado, verificou-se grande varie-

    dade de posies quanto presena do Estado na economia.O melhor momento para se captarem as divergncias talvez seja

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    sil, em que se combinem equilbrio interno e externo. Argumen-ta que poupana muito mais resultado do que causa do cresci-mento, e que a grande restrio brasileira a externa. Nessa reaele v a necessidade de polticas de fomento de variadas modali-dades, as quais objetivem a gerao de divisas por diferentes seto-res. Defende que o Estado deve combinar a boa prtica econmi-ca com o impulso de uma nova estratgia de desenvolvimento, emostra-se muito crtico com relao poltica e aos resultados doatual governo. Ao final, tece consideraes sobre a necessidade dese buscar ocatch-up tecnolgico introduzindo-se, simultaneamen-te, mecanismos de solidariedade social para compensar o desem-prego que possa surgir no processo.

    Em Os Desafios da Macroeconomia Brasileira Lus CarlosMendona de Barros analisa a evoluo da poltica econmicadesde o Plano Real. O autor enaltece os xitos do plano mas iden-tifica falhas operacionais e problemas institucionais oriundos deerros conceituais na conduo da poltica econmica, os quaisestariam limitando o desenvolvimento sustentado do pas. Para

    ele, as falhas principais residiriam no equivocado entendimentosobre a dinmica dos mercados a partir dos anos 1980, totalmen-te alterado pela revoluo das comunicaes e dos fluxos de infor-mao, bem como na inexistncia de uma agenda estratgica quepermita insero competitiva no mundo globalizado.

    De acordo com Mendona de Barros, a poltica econmicateria ignorado o novo contexto competitivo e adiado continua-mente a busca de reformas tanto no mercado de trabalho comonos mercados de capitais e de crdito. Segundo o autor, com rarasexcees a privatizao obedeceu a uma lgica financeira, no

    empresarial, e a regulamentao dos servios pblicos foi tratadacomo problema menor. A transio mal conduzida resultou eminsuficincia de investimentos nos segmentos em processo deprivatizao, assim como em falhas na criao de mercados com-petitivos com a eliminao dos monoplios pblicos. O esforo

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    fiscal deu-se pelo lado do aumento da tributao e afetou o custoBrasil, o que, em conjunto com a opo pelo binmio juros eleva-dos/cmbio valorizado, afetou a competitividade das empresasnacionais. As reformas foram inibidas pelo falso dilema entrefiscalismo e desenvolvimentismo em que a necessidade de aoestatal coordenadora de reformas microeconmicas e a necessida-de da instalao de indstrias e de servios de ponta tecnolgicosficaram relegadas a segundo plano porque o governo escolheu ocaminho liberal. A desvalorizao cambial , conforme o autor,um alvio momentneo que no desfaz a necessidade de uma es-tratgia de integrao competitiva internacional.

    Luiz Carlos Bresser-Pereira, em Incompatibilidade Distri-butiva e Desenvolvimento Auto-Sustentado, discorre sobre o queconsidera a grande questo a ser resolvida para se sustentar o cres-cimento e a estabilidade macroeconmica a longo prazo, a saber:a inconsistncia distributiva entre salrios, lucros e juros. Para oautor, ela teria surgido nos anos 1970, mediante a incurso dopas em elevados dficits internos e externos. Desde ento os sal-

    rios cresceram muito menos que a produtividade, e a renda con-centrou-se nos lucros dos empresrios, nos juros e nos aluguisdos rentistas. Bresser-Pereira argumenta que o problema no te-ria recebido at aqui tratamento correto por parte do saber con-vencional dominante, neoliberal e neopopulista, no que serefere valorizao do cmbio , e tampouco do saber convencio-nal dominado, formado pela oposio burocrtica da esquerdatradicional, que prope esquemas populistas de elevao salarialincapazes de se sustentar. O resultado tpico das polticas perse-guidas desde ento teria sido dficits pblicos com alta inflao

    ou sobrevalorizao cambial e crises financeiras.Bresser-Pereira discorre sobre o que considera o nico cami-nho de soluo vivel, ou seja, uma estratgia consistente e umcompromisso realista quanto distribuio dos futuros benefciosdo crescimento, ambos combinados com polticas sociais ativas.

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    Programas de renda mnima se fazem necessrios como elemen-to de promoo do desenvolvimento econmico. A reduo dastaxas de juros indispensvel para que se atinja o equilbriomacroeconmico com consistncia distributiva, e a desvaloriza-o cambial necessria para isso tende a afetar mais os salrios daclasse mdia do que a renda real da massa de trabalhadores.A estratgia de desenvolvimento, que faz sentido para o Brasil,incluiria maior independncia financeira com relao ao exterior,bem como uma agressiva poltica de exportaes. Envolveriatambm a ateno para que a necessria continuidade das refor-mas compatibilize o estmulo ao empreendimento individual solidariedade social, e a ateno para que as reformas institucionaisbusquem tambm o equilbrio entre o Estado e o mercado. Paradar curso estratgia sugerida, o autor arrola uma srie de linhasde ao, tais como a de se fixarem mecanismos de transmisso deaumento da produtividade a salrios, e a de se perseguir umapoltica comercial com agressiva defesa do capital e do trabalhonacionais, bem como uma poltica industrial voltada para a con-

    quista de mercados externos.Maria da Conceio Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo reto-

    mam, no texto que sugestivamente denominaram Desenvolvi-mento no Brasil Relembrando um Velho Tema, um assuntoque h muitas dcadas os vem mobilizando poltica e analitica-mente, ou seja, o de estilos de desenvolvimento brasileiro. Antes deingressar nesse tema principal, porm, os autores fazem um balan-o das mudanas das condies internacionais no ltimo lustro,assim como das transformaes brasileiras nos anos 1990, as quaiseles entendem como desfavorveis realizao de um processo de

    crescimento sustentado no pas. Passam, em seguida, apresenta-o de um projeto alternativo de desenvolvimento que, na opi-nio deles, deveria ser perseguido em lugar da estratgia atualmen-te em curso, que caracterizam como uma empreitada liberal comresultado desapontador em termos de desenvolvimento.

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    Na opinio desses dois autores, o novo padro de crescimen-to deve ter como eixo a expanso da capacidade de produo debens pblicos de uso universal e de bens bsicos de consumopopular, num esquema em que solidariamente se conjugam a pro-duo de bens e servios e a distribuio da renda. Salientam quea inovao deve dar-se sem prejuzo de polticas ativas de reduoda vulnerabilidade externa, pela via da promoo de exportaese da substituio de importaes. O novo padro requer o fortale-cimento do Estado para, entre outras funes, viabilizar oenfrentamento das restries externas, coordenar investimentosem variados setores e promover o progresso tcnico. Requer, porexemplo, profunda modificao das agncias estatais de crdito(Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BNDES,Banco do Brasil, Caixa Econmica Federal) e das instituies fis-cais, creditcias e de seguridade social, bem como a transforma-o, em guardis da devida expanso dos investimentos e da devi-da observncia dos contratos das concessionrias, das agncias re-guladoras de servios de infra-estrutura privatizados.

    Pedro Malan dedica-se, em O Brasil na Primeira Dcadado Sculo XX Perspectivas do Desenvolvimento com Estabili-dade, a um posicionamento acerca das grandes questes sobre asquais repousam, em sua opinio, a consolidao e a sustentao, alongo prazo, da retomada da atividade econmica, do investimentoe do emprego. Percorre trs questes macroeconmicas, duasmicroeconmicas e seis desafios estruturais. Ao longo do textoele emprega o expediente expositivo para reafirmar o que entendeserem as premissas subjacentes estratgia do atual governo.

    No plano macroeconmico, Malan reafirma sua convico

    de que a busca do equacionamento das contas pblicas a questofundamental. Em seguida, assevera que o novo regime cambial de1999 favorece maior equilbrio no balano de pagamentos re-conhecendo, porm, serem grandes os desafios por parte da con-quista de competitividade no setor manufatureiro e discorre

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    sobre a necessidade de elevao da poupana privada domstica.No plano microeconmico, as duas questo a serem enfrentadasseriam a eficincia operacional do setor pblico e a competitividadedo setor privado.

    Por fim, no plano estrutural Malan percorre seis desafios, asaber:(i) a eficincia da infra-estrutura logstica bsica, relativaao trinmio energia/transportes/telecomunicaes;(ii) o fortale-cimento da infra-estrutura humana por meio de esforos emprol de educao, de sade, de cincia e de tecnologia, etc;(iii) ofortalecimento da infra-estrutura poltico-institucional (reformaspolticas, reforma do Judicirio, etc.);(iv) a eficincia da infra-estrutura administrativa e jurdica (servio pblico altamente pro-fissional, melhoria na administrao da justia, procedimentosde ampliao da harmonia entre os trs Poderes, etc.);(v) a eleva-o da eficincia da infra-estrutura de intermediao financeira ea criao da intermediao de longo prazo; e(vi) o desenvolvi-mento de uma infra-estrutura social que v alm da questo dainfra-estrutura humana e envolva pelo menos quatro aspectos

    centrais: conscincia social do passado; elevao das condiesde vida via acesso de toda a populao ao mercado de consumo eaos servios pblicos, bem como mediante o exerccio universalda cidadania; conscincia cidad sobre nvel, qualidade e com-posio do gasto pblico; e polticas pblicas de combate ex-trema pobreza.

    A leitura desses artigos ir demonstrar a amplitude das pro-postas para o crescimento econmico brasileiro. No entanto, ob-serva-se que o debate indica a necessidade de se reabrir a agendade pesquisa sobre o crescimento econmico brasileiro, especial-

    mente a partir de uma nova viso sobre o papel do Estado.

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    PARTE IRESENHA DE ENTREVISTAS

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    CAPTULO 1

    POLTICAS DE CRESCIMENTOE O FUTURO DO BRASIL*

    Antonio Claudio Sochazcewski

    1.1 INTRODUO

    Neste captulo so relatadas entrevistas individuais com um con- junto significativo de economistas brasileiros sobre o tema cres-cimento econmico. Foram ouvidos trinta e oito profissionais,1os quais abarcam amplo espectro terico e so representativos dasprincipais instituies formadoras do pensamento econmico dopas. Nele no se pretende, certamente, esgotar o exame de todasas correntes e tendncias, mas cremos que as mais importantesesto aqui representadas.

    Para orientar a coleta das opinies foi fornecido aos partici-pantes um roteiro de questes a serem abordadas. A lista de ques-tes do roteiro vem apresentada no captulo introdutrio do pre-

    * O projeto deste trabalho foi concebido por Ricardo Bielschowsky e porCarlos Mussi, economistas do Escritrio daCEPALem Braslia, e contou, nasua execuo, com a colaborao decisiva de ambos por meio de suas crti-cas, comentrios e sugestes que em muito melhoraram o texto original.Alm do mais, Bielschowsky levou a cabo as entrevistas com Gustavo Fran-co e com Antonio Barros de Castro, e, juntamente com Mussi, a entrevistacom Alosio Mercadante. As deficincias e erros remanescentes aqui cons-tantes so da inteira responsabilidade do autor.

    1 A lista dos entrevistados encontra-se ao final do texto.

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    sente livro, bastando, aqui, portanto, repetir as questes mais ge-rais: Em sua opinio, qual , nesta dcada, o cenrio mais prov-vel de crescimento econmico no Brasil, mantidas as atuais ten-dncias e polticas? O que o Estado poderia fazer (e como) paragarantir uma performance de crescimento melhor do que a descri-ta na resposta anterior? Alm de garantir a estabilidade de pre-os, o que pode fazer o Estado brasileiro para apoiar a retomada ea preservao de um ciclo de crescimento de longo prazo? Isto ,que eventuais interaes entre o Estado e o setor privado so pos-sveis e desejveis para viabilizar a elevao do investimento e oaumento de produtividade a mdio e a longo prazo?

    A inteno, como se v, era obter uma manifestao quantos polticas econmicas explcitas para viabilizar a retomada deum crescimento sustentado da economia brasileira. Foi solicitadaa todos os entrevistados uma prospeco, relativa a um futuro dedez a quinze anos em todo seu espectro ideolgico, ou seja, tantoqueles que acreditam que o Estado tem muito por fazer parapromover e sustentar o crescimento, como queles que acreditam

    que o mais importante abandonar gradual ou abruptamente asintervenes hoje em curso como forma de garantir o prprioprocesso de crescimento. Como era de se esperar, alguns segui-ram o roteiro sugerido e outros preferiram uma exposio organi-zada de forma prpria, em que apontassem questes que lhes pa-receram mais relevantes do que as inicialmente arroladas.

    Salvo poucas excees, as entrevistas foram realizadas entrenovembro de 2000 e abril de 2001. Esse intervalo de tempo podemesmo parecer demasiado, pois, entre a primeira e a ltima entre-vista, e entre essa e a presente publicao, passou-se um tempo

    suficientemente longo para que fatos econmicos relevantes ocor-ressem e alterassem a viso dos economistas sobre crescimento.De fato, durante esse perodo a economia dosEUA, que lide-

    rava o crescimento mundial j por dez anos, reverteu o sinal e deuindicaes claras de que caminhava para uma recesso. As bolsas

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    de valores em especial as estadunidenses passaram a esvaziaros enormes bales enchidos nos dois ou trs anos anteriores, lide-radas, tanto na subida quanto na rpida descida, pelas empresasde tecnologia (informtica, biotecnologia, etc.) e pelas empresasvirtuais (as chamadas pontocom); em poucos meses o patrimniodos investidores nessas bolsas desvalorizou-se em alguns trilhesde dlares, virtuais (isto , no realizados), sem dvida, mas comconcreto efeito riqueza. Paralelamente, os investidores de risco(venture capitalists ) perderam algumas centenas de bilhes de d-lares, estes, reais, o que trouxe importantes conseqncias para onvel e o fluxo de investimentos dentro e fora dos pases centrais,bem como diretas conseqncias para os pases perifricos. Adbcledas empresas pontocom, com as enormes dificuldades enfrenta-das pelas empresas de comunicao e de telecomunicao, puse-ram em questo o novo paradigma que ento se formava emtorno delas: a chamada Nova Economia. Mais recentemente, atragdia do World Trade Center (WTC) s fez agudizar e aceleraras tendncias recessivas que se delineavam nos pases centrais.

    Internamente, quando demos incio ao projeto o clima pare-cia tornar-se razoavelmente favorvel discusso sobre crescimentoem virtude da combinao entre o xito do Plano Real, em termosda estabilizao de preos seis anos depois de seu lanamento,e a superao do problema do cmbio fixo. A partir da, porm, aosepisdios ocorridos no centro cclico mundial somaram-se os efei-tos da crise argentina, o que afetou a credibilidade da economiabrasileira. A crescente deteriorao da confiana quanto s pers-pectivas futuras da economia nacional ao longo do perodo analisa-do agravou-se, como se sabe, com a ecloso da crise energtica.

    Ainda assim, entendemos que a opinio dos entrevistados, exceo de em alguns tpicos secundrios, no se tornou obsoletaem face desses fatos, o que torna irrelevante o momento em que asentrevistas foram concedidas. Isto porque o cenrio solicitado foi ode longo prazo, de dez a quinze anos, e nele uma conjuntura recessiva,

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    como a que estamos atravessando na economia mundial, deveriaestar contida. Alm disso, a possibilidade de que a recesso mun-dial que se vislumbrava viesse a fazer parte de um ciclo de longoprazo ou seja, deixasse de ser conjuntural no foi aventada nosprognsticos de nenhum dos entrevistados, o que torna uma vezmais irrelevante o momento das entrevistas.

    1.2 O RETORNO AO TEMACRESCIMENTO

    Desde as primeiras entrevistas ficou claro que crescimento notem ocupado parte central das preocupaes e das reflexes damaioria dos economistas brasileiros. De fato, o campo temticomostrou-se pouco propcio a grandes aprofundamentos por partedos entrevistados, e tornou-se evidente, durante a pesquisa, quese tratava de um regresso ao tema.

    Na verdade, no tnhamos por que nos surpreender. Afinal,era de se esperar que os vinte anos prvios, de crises e de instabi-lidade, bem como as dificuldades conjunturais presentes, deixas-sem pouco espao discusso sobre o mdio e o longo prazo.

    possvel conceber que o relativo distanciamento da maio-ria dos entrevistados com relao temtica do crescimento resultede duas posturas intelectuais distintas. H, como se mencionar,uma extrema preocupao com o curto prazo, em especial com aspolticas de estabilizao, a qual vem afogando e desfocando aviso de longo prazo. Mesmo notrios economistas desenvolvi-mentistas, adeptos da idia de que o Estado deve idealizar e pro-mover estratgias de crescimento e de transformao estrutural,encontram-se de tal modo absorvidos pela discusso sobre restri-es macroeconmicas que se sentem pouco vontade paraaprofundar o tema crescimento. Mas tambm se encontra, emparte no pequena dos entrevistados, a viso de que, diante debons fundamentos macroeconmicos, o crescimento pode ocor-rer espontaneamente desde que o mercado possa funcionar livre-mente, sem interferncias indevidas de governo.

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    Mais alm das posies tericas e ideolgicas o que se obser-va que a reao mais comum entre os entrevistados foi a dereencontro com um tema do qual estavam afastados havia al-gum tempo. O reencontro foi saudado por alguns, como LusPaulo Rosemberg, que lembra o seguinte: de 1980 a 2000 oBrasil perdeu a viso estratgica e nunca mais se pensou no longoprazo; e Marcelo Lara Resende: se voc no pas lder nemdesenvolvido, crescer deve ser a meta permanente () aspirar achegar a eles () crescimento deveria ser o foco da poltica eco-nmica. A maioria, porm, manifestou certa perplexidade. Fran-cisco Lopes, por exemplo, expressa bem o sentimento geral: o temado crescimento foi deixado de lado na luta pela estabilizao ()nossa gerao a do combate inflao.2

    1.3 OS DOIS GRANDES CAMPOS IDEOLGICOS

    Foi possvel identificar dois grandes campos ideolgicos que hojeseparam os economistas no Brasil. H, de um lado, os que defen-dem, em variados graus e velocidades, a liberalizao da econo-mia como nica poltica fundamental de crescimento, e, de ou-tro, os que defendem em variadas combinaes entre mercado epolticas a participao estatal para dar suporte e sustentabilidadeao crescimento.

    Em ambos os casos, h diferenas e graus de radicalismo dis-tintos entre seus integrantes. Muito embora as entrevistas no te-nham sido orientadas para o detalhamento dessas diferenas ideol-gicas, possvel aventar algumas de suas caractersticas centrais.

    2 As citaes entre aspas so oriundas das entrevistas. Sublinhamos que nemtodas soverbatim , dado muitas vezes ter sido necessrio transformar expres-ses de tom coloquial em escrita formal. De qualquer maneira procuramosrigorosamente manter a inteno do pensamento dos entrevistados e o con-texto em que foi expressado.

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    No primeiro grupo se encontram, de um lado, os que ten-dem a considerar que a interferncia do Estado costuma ser per-niciosa mesmo quando meramente dirigida ao enfrentamento defalhas de mercado, uma vez que tais falhas seriam quase sempresuperadas pelas falhas na atuao do prprio Estado. De outrolado esto aqueles economistas que, embora admitam teoricamentevirtudes em certas intervenes seletivas capazes de potencializaro crescimento, querem reduzi-las a um mnimo por desconfiarque elas no so cabveis no caso especfico brasileiro, uma vezque, aqui, o Estado no tem a organizao nem a iseno capazesde lev-las a bom termo. No Brasil, o Estado seria um espaoprivilegiado de atuao dos indivduos e dos grupos rentistas (rent -seekers ) que, na busca por vantagens, terminam por eliminar aeficcia e a eficincia da grande maioria das aes potencialmentecriadoras de benefcios para a economia. Em ambos os subgrupos,porm, encontrar-se-o por certo economistas que abriro exce-es pontuais. O maior consenso entre todos parece se dar no quediz respeito necessidade de alguma ao estatal na rea da po-

    breza, na da educao primria e na da cincia e tecnologia.Entre os economistas que acreditam que o Estado deve rea-

    lizar polticas que influenciem ativamente a alocao de recursosna produo de bens e de servios possvel supor a existncia depelo menos duas diferenas bsicas. Primeira: h percepes mui-to variadas com relao quilo que os agentes privados tm condi-es de realizar eficientemente e, portanto, tambm com relaoa que momentos o Estado deve direta e/ou indiretamenteintervir. Segunda: somente uma pequena minoria de economistasse mostra atenta necessidade de construo de um novo proje-

    to nacional ou de uma nova estratgia de desenvolvimento.

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    1.3.1 Os doi s campos: cinco int erpret aessobre condies de crescimento e a t ransiopara a economia liberali zada

    No foram incomuns as reaes ao tema do crescimento me-diante o recurso perspectiva histrica. As mais interessantes fo-ram as daqueles economistas que aproveitaram as entrevistas paraexternar sua viso sobre a transio da economia do paradigmadesenvolvimentista para o projeto liberalizante. Como era de seesperar, havia opinies radicalmente divergentes. O abandono dovelho paradigma desenvolvimentista foi celebrado, por exemplo, porFranco, Garcia e Arida; e atacado, por exemplo, por Sayad e Belluzzo.

    Os argumentos crticos mais contundentes ao modelodesenvolvimentista so de Gustavo Franco. Segundo Franco, omodelo dos anos 1970, de investimento pblico, est superadoem razo do fim do financiamento inflacionrio. Alm disso, aeconomia brasileira da dcada de 1970 teria experimentado, comotoda economia autrquica, baixo dinamismo tecnolgico e bai-xo aumento de produtividade. J os anos 1980 foram de doenas

    acumuladas, s quais se somaram os choques externos. Nos anos1990 houve uma verdadeira revoluo cultural a estabilizaomacroeconmica que seria pre-condio para o crescimento sus-tentado. Franco afirma que, na cabea dos criadores do Plano Real,o desafio foi recompor os fundamentos macroeconmicos comoforma de viabilizar o crescimento; e prossegue com o seguinte ar-gumento: polticas de estabilidade so para sempre, e estabiliza-o e viabilizao de crescimento so a mesma coisa, j que a agendade estabilidade a agenda de crescimento; a composio da agen-da so as reformas; abertura e privatizao foram extraordinrias

    para o aumento de produtividade; o setor de servios no teverevoluo pela abertura, e sim pela privatizao e pelo investi-mento estrangeiro direto; num primeiro momento a privatizao favoravel por seus efeitos fiscais, e, depois, as empresas privatizadas

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    fazem maiores investimentos, tm maiores lucros e, portanto,pagam mais impostos (exemplo: investimentos daCSNe das tele-comunicaes impensveis com aTELEBRS).

    Franco considera que o projeto no est inteiramente consoli-dado, e que o governo no teve capacidade de anunciar que o pro- jeto de estabilizao nunca se esgota. Afirma, tambm, que as re-formas necessrias estabilizao so as mesmas que podero trazerde volta o crescimento. Observa que as reformas de segunda gera-o (por exemplo, a tributria, a trabalhista e a previdenciria) es-to ainda por ser feitas. Considera que todos no Brasil concordamque o Estado tem de fazer vrias coisas, mas tem tambm de serusado na margem. Afirma, ainda, que crescentemente as diferenasentre as pessoas so mais de detalhe que de doutrina. Por exemplo,haveria pouqussima restrio doutrinria com relao ao que foifeito nas telecomunicaes ou com relao ao que foi feito com osbancos estaduais. O mercado no pode resolver tudo, mas o Brasilprecisava de um choque de capitalismo.

    Garcia, por sua vez, sublinha menos a teoria e mais a aplica-

    o de polticas pblicas no passado, as quais foram, a seu ver,basicamente equivocadas. Centra sua crtica na atuao doBNDES,exatamente no seu papel de propulsor da industrializao porsubstituio de importaes e, por conseqncia, no modelo decrescimento passado. Argumenta que oBNDESjamais apurou ovolume de subsdios implcitos em suas operaes, as quais noobstante iam direto engordar o dficit publico e, conseqente-mente, aumentar a inflao. Contrape o que considera os des-perdcios dos subsdios industria com o que poderia ter sidoinvestido em educao. No seu entender, caso tivesse invertido

    suas prioridades entre subsdios e gastos em educao o Brasil esta-ria hoje em condies bem mais favorveis. Descarta atualmente, epor completo, um papel ativo do Estado no processo de crescimen-to: hoje em dia no cabe mais umbig push la Rosenstein-Rodan.

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    Arida discute o tema de forma bem mais simples e prtica:O processo de crescimento um resultado endgeno do fun-cionamento das demais variveis macroeconmicas e, portan-to, no uma varivel de controle do governo (...). O governos deveria intervir onde houvesse externalidades. Segundo oeconomista, nem o rgo mais bem preparado tecnicamentepara lidar com essa questo (oBNDES) questiona se os projetospor ele financiados tm as externalidades que os justifique.Arida considera que o Estado como acumulador de capitaldeve acabar; deve tornar-se leve e apenas regulador.Sayad e Belluzzo tm, bem ao contrrio de Franco, de Garcia

    e de Arida, uma posio bastante crtica em relao s atuais po-lticas em curso no Brasil. Mostram-se, ademais, pessimistas quan-to possibilidade de o Brasil voltar a crescer de forma sustentada,mantidas as atuais tendncias.

    Sayad entende que a crise brasileira oriunda da brutal ele-vao da taxa de juro no governo Carter e da poltica desupply -side do governo Reagan, determinantes da crise da dvida externa.

    A causa da atual estagnao na Amrica Latina ainda reflete esses juros elevados, que continuam a induzir o crescimento da dvidapblica: temos passivo sem ativos. Contudo, afirma que aindaassim o Brasil poderia ter enfrentado a globalizao com oparadigma antigo:

    A globalizao no impede a existncia de uma poltica in-dustrial. No havia por que abandonar o paradigmakeynesiano, doWelfare State e das polticas compensatrias:bastava acrescentar duas novidades a democracia e a estabi-lidade, e construir um novo paradigma.

    Sayad assevera que as dificuldades fiscais que atravessamosso, de novo, oriundas da alta taxa de juro e da guerra fiscal:o pas tem uma carga fiscal alta concomitante com parasos fis-cais. Para ele, o pas teria adotado polticas erradas sem justifica-

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    tiva no plano interno, e, no plano externo, tarifas mais baixas queas necessrias perante aOMC. O principal instrumento de polti-ca, a monetria, no cria emprego: o que cria emprego o inves-timento. Soluo proposta: livrar-se da carga ideolgica e fazero que antes se fazia.

    Belluzzo admite, da mesma forma, que o modelo anteriorentrou em pane com a crise da dvida. Na linha do Consenso deWashington, as reformas objetivaram fazer funcionar os merca-dos, acabar com a interferncia microeconmica do Estado naeconomia, promover a privatizao. Foram reformas erradas, dizele, pois partiram do modelo americano liberal e no do modeloasitico de concorrncia simulada.

    Belluzzo considera que a privatizao deveria ter sido acom-panhada por uma reestruturao da indstria brasileira. Nas eco-nomias perifricas o Estado deve administrar a monopolizao: nopassado, no Brasil se fazia isso por meio das estatais e dos bancospblicos. O investimento das estatais coordenava as expectativasdo investimento privado e mesmo do Investimento Direto Estran-

    geiro (IDE). Tudo isso, no entanto, foi desmontado. Belluzzo cti-co quanto instalao de um eventual crculo virtuoso:

    O governo no tem projeto de crescimento nem instru-mento para ter projeto (...) A privatizao destruiu o setorprodutivo estatal (...) o desmanche no governo foi muito gran-de; perdeu-se muito de governabilidade no setor pblico.E arremata: para um liberal isso irrelevante desde que

    haja coerncia macroeconmica.

    1.3.2 Os dois campos: a percepo sobre poltica industrial

    Vlido , nesse ponto, reproduzir algumas opinies emiti-das pelos economistas, as quais ajudam a ilustrar as posiesconflitantes no pensamento brasileiro. Na seleo a seguir apre-sentada atentamos para a viso sobre a questo da poltica indus-

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    trial, ou seja, para a postura quanto necessidade de incentivosextramercado nos setores produtivos. Esse ponto o que maisdivide os entrevistados e, por essa razo, a melhor ilustrao daexistncia dos dois campos ideolgicos assinalados. So opiniesque, a nosso juzo, esto no centro dos discursos captados duran-te as entrevistas, e por isso procuramos registr-las de maneiraque no fossem prejudicadas pelo desconhecimento, por parte doleitor, do contexto em que foram emitidas.

    De forma muito aproximada, ou seja, relativamente poucorigorosa, a seqncia das opinies listadas obedece a uma certahierarquia de aceitao de polticas desenvolvimentistas. Inicia-mos pelas posies relativamente mais avessas s polticas indus-triais, e terminamos pelas relativamente mais favorveis. Jos Mrcio Camargo:

    O investimento pblico encerrou o seu papel. Com regrasclaras e estabilidade, o investimento [privado] vem sem pro-blema. No h espao para polticas setoriais; () os rgosde governo no entendem de vantagens comparativas ()

    se se protegerem os setores nacionais atrasar-se- o desen-volvimento do pas.

    Prsio Arida:O Estado como acumulador de capital deve acabar: deveser leve, regulador e guiar-se pelas externalidades. O cres-cimento um resultado endgeno; portanto, no varivelde controle do governo.

    Mrcio Garcia:H uma inverso de prioridade entre educao e subsdios(...) S se alcana os excludos por meio da educao (...)

    Enquanto oBNDESsubsidiava a industrializao por substi-tuio de importaes a educao ia garra. Edmar Bacha:

    Gerao de tecnologia somente onde houver vantagens cla-ras. Nos demais casos, disseminar e incorporar tecnologia

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    via importaes eIDE(...) o que implica aumentar o grau deabertura da economia; para tanto deve-se manter o cmbioflutuante, e no utilizar as tarifas como proteo.

    Pedro Cavalcanti:Os incentivos seriam mais bem utilizados se gastos em edu-cao. Em vez de atender aosrent-seekers , aplicar os recur-sos em educao. O governo precisa decidir-se entre in-centivos e educao. Educao basicamente pblica:primrio, secundrio, adultos e pesquisa nas universidades.Papel do governo: s se tiver externalidades e com um pra-zo de vigncia dos incentivos.

    Marcelo de Paiva Abreu:Globalizao: inevitvel, e, portanto, devemos saber aproveit-la. Se a taxa de juro baixar oBNDESperde seu papel.

    Rogrio Werneck:A restaurao do investimento pblico importante paramodernizar os servios pblicos: todos devem ser arrastadosno processo de crescimento (educao, sade, pobreza abso-

    luta, segurana, Judicirio, reformas urbanas). Pode-se abrirespao para o investimento pblico deslocando osrent-seekersno oramento.

    Malson da Nbrega:Integrar as cadeias produtivas pode ser bom, mas h o riscode se repetir os erros do passado. A poltica crucial a defesada concorrncia e regulao; no Brasil o pick the winners nodeu (e no d) certo.

    Arminio Fraga:Polticas setoriais so de segunda ordem nas prioridades.

    O Brasil tem uma poltica industrial antiga, do tipo sculoXX: proteo, tributos diferenciados e crdito de longo pra-zo viaBNDES. O desafio do governo construir uma polti-ca comercial liberal, mas no boba, e uma poltica industri-al inteligente, mas sem privilgios.

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    Francisco Lopes:O governo deve deixar o mercado resolver os problemas domercado. O governo tem papel regulador mas deve serdeclinante; o mesmo declnio deveria ocorrer na participaodo setor pblico no processo poupana/investimento; s se justifica o investimento pblico se houver externalidades. Narea de cincia e tecnologia a universidade privada no re-solve, tem de ser a pblica. Um sistema nacional de tecnologia necessrio, mas no sabemos como transformar o pas emum high performer .

    Paulo Haddad:O fechamento da economia foi muito longo; atualmenteno h que se temer a abertura, pois a capacidade empreen-dedora desponta; quem est modernizando hoje quem dis-pe de capital intelectual e organizacional. O projeto so-cial (saneamento bsico, urbanizao das periferias,reciclagem de mo-de-obra) uma fonte de crescimento coma vantagem de ter baixo contedo importado.

    Eustquio Reis:Um grande programa na rea de infra-estrutura em espe-cial transportes, energia e saneamento condio para ocrescimento. Certamente vo aparecer demandas conflitantespor recursos por exemplo entre um programa de investi-mento pblico e a necessidade imperiosa de alguma aoredistributiva.

    Marcelo Lara Resende:O governo tem um papel importante no investimento eminfra-estrutura. As aes emergenciais podem ser contra-

    ditrias com a estratgia de crescimento e, portanto, devemser passageiras. Otaviano Canuto:

    No modelo anterior (esgotado e superado), o custo de opor-tunidade de se desobedecer s vantagens comparativas estticas

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    o pesada. A burocracia aptrida nos postos-chave econ-micos, na Amrica Latina, garante a sobrevivncia polticapor sua dependncia de interesses externos da regio.

    Paul Singer:Precisamos de cmaras setoriais para decidir o que fazer, deplanejamento democrtico, e no burocrtico, de coordenaros agentes econmicos. O Estado deve retomar o controlede sua economia; talvez reestatizar o setor eltrico. pre-ciso incorporar o um tero mais pobre que est fora do siste-ma; e isso no difcil, pois a prpria incorporao podemover o crescimento.

    1.3.3 O campo desenvolvi menti st a: ref lexes sobreuma nova est rat gia de cresciment o

    Parece razovel dizer que a ofensiva no debate da dcada de1990 coube aos partidrios do grupo de economistas associados perspectiva liberalizante, portadores de afinidades com os princi-pais elementos da poltica efetivamente seguida pelos governos.Na falta de espaos para o exerccio do poder de realizar projetos,os adversrios da liberalizao mantiveram-se quase sempre refnsde uma postura inevitavelmente defensiva de oposio s polti-cas executadas. Talvez por isso lhes tenha faltado a capacidade defazer grandes progressos na elaborao de um novo projeto delongo prazo, ou de uma nova estratgia ou projeto nacional.A inexistncia desse projeto refletiu-se nas entrevistas realizadas,e fortalece nosso argumento de que o que presenciamos foi ummodesto retorno ao tema.

    No entanto, algumas entrevistas ensejaram anlises que cons-

    tituem interessantes excees nessa direo.Joo Paulo dos Reis Velloso foi um dos que se sentiram mais vontade no tratamento da questo, e isso no foi mero acaso.Afinal, ele tem na memria boa parte do debate recente sobre otema, j que idealizou e vem coordenando, por mais de uma d-

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    cada, o Frum Nacional. Sem abrir mo da idia de que paracrescer h que se ter bons fundamentos macroeconmicos, Vellosoassim expressa os princpios bsicos que norteiam seu pensamento:

    O novo modelo de crescimento deve ser diferente do ante-rior, nacional-desenvolvimentista, e deve ter uma viso es-tratgica de onde queremos chegar e explicitar as estratgiasde crescimento. O governo deve coordenar fuses e aquisi-es de sorte que apoie osglobal players brasileiros. A pol-tica industrial moderna deve contemplar a isonomia com-petitiva (equalizar as desvantagens competitivas das empre-sas brasileiras) e influir nas estratgias de exportao dasmultinacionais.Outra interessante reflexo foi proporcionada por Eduardo

    Giannetti, economista de modo geral avesso interveno estatal,o qual, porm, no s defende o envolvimento do Estado na pes-quisa tecnolgica que, observem, mesmo os neoliberais reco-nhecem teoricamente como necessrio como d tambm umareceita sobre estratgia de longo prazo:

    O Brasil errou ao apostar na tecnologia nuclear e nainformtica; deveria, sim, promover a pesquisa nas reas dabiologia molecular e da gentica especficas ao nosso meioambiente, nossa biodiversidade: pesquisas na chamadaenvironment specific technology.H, em sua opinio, um projeto claro de insero internacio-nal da economia brasileira, ou seja, a explorao de suabiodiver-sidade (sabidamente a mais ampla do mundo) pormeio do desenvolvimento de tecnologias prprias e especfi-cas para ela. O potencial econmico da biodiversidade bra-

    sileira estimado em alguns trilhes de dlares.O argumento de Giannetti que, a longo prazo, o pas temde oferecer, no mercado internacional, algo que ningum tenha;algo que seja diferenciado. No muito distante desse ponto devista Francisco Lopes argumenta:

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    A globalizao irreversvel; a existncia e a presena dasgrandes empresas tornam o nacionalismo irrelevante, isto ,tanto faz quem est produzindo, onde e como; o que entovai definir o padro de vida de um pas aquilo que ele podeoferecer de no globalizvel, tal como a sua populao, suacapacidade tecnolgica, sua infra-estrutura.Uma possvel leitura dessas reflexes de Giannetti e Lopes

    que inexiste um projeto nacional porque o pas no encontrouainda uma vocao clara e especfica na economia mundial.E, sendo o Brasil apenas mais um participante no cenrio inter-nacional, h que se saber explorar suas vantagens especficas paraque com xito se possa disputar a longo prazo uma fatia maior domercado internacional.

    As entrevistas mais orientadas para a discusso sobre novasestratgias de crescimento foram as concedidas por AlosioMercadante e por Antonio Barros de Castro. Por essa razo, abri-mos um espao a seguir para reproduzir as idias centrais expos-tas pelos dois economistas.

    A entrevista com Alosio Mercadante caracterizou-se pelareflexo sobre um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil,modelo cujo objetivo integrar os planos econmico e social numaestratgia nica. O entrevistado explicitou que estava transmitin-do as idias bsicas de um exerccio coletivo de discusses que selevava a cabo no Instituto de Cidadania, sob sua coordenao,como parte da preparao de subsdios para a elaborao de umprograma de governo.

    A estratgia de desenvolvimento teria dois eixos fundamen-tais. O primeiro seria um modelo de crescimento orientado pelo

    mercado interno de consumo de massas, o qual, intrinsecamente,supe forte orientao redistributiva, j que seu fortalecimentodepende do aumento dos rendimentos do trabalho. O segundoseria a implementao de polticas sociais bsicas e universais.

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    Ambos os eixos se complementariam por reforarem a mesma es-tratgia geral, de profunda alterao na distribuio da riqueza edos frutos do crescimento, de forma concomitante com o prpriocrescimento econmico.

    Mercadante reconhece que, como no caso de qualquer outroestilo de crescimento que venha a ser perseguido no Brasil dosprximos anos, essa estratgia enfrentaria severas restries exter-nas e fiscais, e reconhece tambm que ela no poderia sacrificar aestabilidade de preos.

    No seu entendimento, a restrio principal ao crescimento a externa, que deve ser enfaticamente enfrentada. Enquanto noestiver suavizada essa restrio que, em sua opinio, deve seratacada por polticas de promoo de exportaes e de substitui-o de importaes a estratgia de consumo de massas implica-r a adoo de programas de fomento que surtam impacto muitolimitado sobre as importaes, tais como uma poltica de segu-rana alimentar; polticas de saneamento bsico e de habitaopopular; e polticas de investimento em infra-estrutura, princi-

    palmente em energia eltrica e em logstica de transporte:Um padro de crescimento dessa natureza gera menos pres-ses sobre a balana comercial, dado o baixo componenteimportado da maior parte dos bens e servios bsicos, e ,portanto, menos vulnervel s restries externas existentes.Uma vez suavizada essa restrio fundamental, diz Mercadante,

    a expanso do consumo de massas poderia incluir bens que, mes-mo no caso de camadas populares, incorporem na cadeia produ-tiva razovel densidade de insumos hoje importados. O caminhoestaria, ento, pavimentado para que o mecanismo de consumo

    de massas surtisse impactos vigorosos sobre o crescimento. O pasconta, por um lado, com uma base produtiva moderna e eficientee, por outro, com uma enorme demanda reprimida pelos bensoriundos precisamente dos segmentos modernos. A idia funda-

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    mental por detrs desse modelo a entrada num circulo virtuosoentre aumentos de produtividade (provenientes da ampliao dademanda de massas) e aumentos de rendimentos do trabalho.

    A capacidade acumulada no pas, no plano dos recursos na-turais, humanos, empresariais e produtivos, bem como o enormemercado interno potencial, seriam os grandes trunfos para se es-tabelecer esse crculo virtuoso. Mas o reconhecimento de umaefetiva capacidade de resposta, do setor privado, aos objetivos domodelo no impede que Mercadante ressalte a necessidade decoordenao estatal:

    O Estado no pode limitar as suas aes administraodo curto prazo e das questes emergenciais, mas deve pau-tar-se por uma viso estratgica de longo prazo, articulandointeresses e coordenando investimentos pblicos e privadosque desemboquem no crescimento sustentado. Isso implicareativar o planejamento econmico para assegurar um hori-zonte mais longo para os investimentos.Antonio Barros de Castro faz uma avaliao muito favorvel

    do futuro a longo prazo, associada sua percepo sobre os recur-sos de que dispe a economia brasileira. Destaca, em particular, aexistncia de mo-de-obra qualificada e de capacidade e agilidadeempresarial.

    Em sua opinio, h trs problemas por enfrentar: um demdio e dois de longo prazo. O de mdio prazo o fato de amassa acumulada de recursos permanecer com leses, a saber: oatraso no bloco dos setores de maior densidade tecnolgica, espe-cialmente na eletrnica; e a insuficincia de investimentos nosinsumos bsicos.

    O primeiro problema de longo prazo reside em extrair cres-cente eficincia dos recursos de boa qualidade j existentes noBrasil, potencializando-se a gerao de valor nas empresas do pas.Barros de Castro entende que, genericamente, possvel dizerque essas fabricam bastante bem, mas o problema que fabricar

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    uma funo que produz relativamente baixo valor se comparada aoutras funes tais comodesign , P&D , marketing sofisticado, ge-rncia de marcas, etc. Em todas essas reas nobres as empresasbrasileiras, ressalvadas as excees, seriam bastante atrofiadas edesatualizadas, o que limitaria sua capacidade de trabalhar omercado e obstruiria a criao de diferenciais que assegurassembons retornos, bons salrios e um crescimento endgeno vigoro-so. No caso das empresas nacionais, trata-se, segundo Castro, deincorporar funes nobres mediante viradas estratgicas, caben-do, portanto, desenhar e implementar polticas capazes deestimul-las. E, no caso das multinacionais, seria necessrio de-senvolver polticas que as levassem a trazer para o Brasil atividadesque possam ir alm da mera fabricao.

    O segundo dos dois problemas de longo prazo refere-se in-corporao dos excludos e da populao de baixa renda no merca-do de consumo, do qual usufruem precariamente. Nesse ponto,convm esclarecer que Castro foi pioneiro na proposta do modelode crescimento pelo mercado de consumo de massas incorpora-

    da, com modificaes, na proposta de Mercadante mencionada.Em fins dos anos 1980, Castro defendeu a idia de que possvelestabelecer um crculo virtuoso de crescimento contando, por umlado, com aumento de investimentos e de produtividade e, poroutro, com aumento nos salrios das massas trabalhadoras, cujademanda reprimida justificaria a expanso dos investimentos e daprodutividade nos setores modernos da economia, para os quais sedirige a quase totalidade dessa demanda.

    Castro destacou, na entrevista, duas novidades relativas suas idias prvias sobre o mercado de massas. Em primeiro lu-

    gar, analisou a relao entre as empresas industriais atuantes noBrasil e esse mercado, e lamentou a existncia de uma contradi-o nessa relao. Por um lado, o centro da gravidade potencialdo mercado brasileiro encontra-se a, no mercado de massas. Poroutro, e porque as empresas so essencialmente fabricantes, elas

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    atuam na produo de bens maduros, os quais j foram sobretra-balhados, nos pases desenvolvidos, em termos de acrscimo e dediferenciao de atributos. O Brasil entra atrasado na produodesses bens, e quando eles j esto na etapa deovershooting no quese refere a qualidade e atributos. Isso que seria uma enfermidadesenil dos produtos nos pases centrais se torna uma aberraoentre ns a de produzir bens, superfluamente sofisticados, numpas em que o centro de gravidade do mercado est nos consumi-dores de baixa renda.

    Castro entende que as multinacionais teriam muito a ga-nhar se, em vez de insistirem nessa aberrao, e na acomodao mera capacidade de fabricar, se voltassem efetivamente para essemercado, adaptando e inovando em produtos destinados capa-cidade aquisitiva desses consumidores. Esse tipo de estratgia re-quer, porm, a internalizao, no pas, de funes superiores, in-clusive deP&D. Salienta, ainda, que, com isso, as multinacionaisno apenas estariam se orientando para uma direo mais pro-missora, em termos do mercado interno, como estariam tambm

    tornando o pas um laboratrio de experincias voltadas para osgigantescos mercados de consumo de massas que ora afloram naChina e na ndia. No contexto dessa argumentao surgiu, na en-trevista, uma segunda nova idia com relao ao modelo de consu-mo de massas, qual seja: a de que possvel redistribuir a rendamediante o barateamento dos bens de salrio, tal como teria sidodemostrado pelo Plano Real.

    Cabe assinalar que a eleio do mercado interno, ou do mer-cado interno de consumo de massas, como ncleo de um novociclo de crescimento foi mencionada por alguns outros economis-

    tas, dentre os quais Jos Roberto Mendona de Barros, LucianoCoutinho, Carlos Medeiros e Franklin Serrano. Freqentementeessa idia veio acompanhada da lembrana de que, em que pese ofato de que o mercado interno dever guiar o crescimento, esse sser vivel se for possvel tornar dinmicas as exportaes, o que

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    sugere que a estratgia tem de combinar os dois elementos, ou seja,a dinamizao simultnea do mercado domstico e a dinamizaodas exportaes.

    1.4 VELOCIDADE DO CRESCIMENTO

    Para a grande maioria dos entrevistados a economia brasileira temboas chances de crescer de forma sustentada, a longo prazo, caso

    sejam sanados os obstculos que discutiremos mais adiante. Noentanto, a mdia dos prognsticos no chega a ser entusistica:4% ao ano.

    Cabe observar que, considerando-se que hoje a populaocresce aproximadamente 1,5% ao ano, teramos a renda per capitacrescendo 2,5%, o que significa que a renda per capita dobraria acada 28 anos. Em face, por um lado, das oportunidades de expan-so oferecidas pelo amplo hiato tecnolgico que separa a econo-mia brasileira da dos pases centrais e, por outro, da necessidadede incorporar, na modernidade, a enorme massa de excludos,pode-se concluir que o cenrio antevisto pelos economistas brasi-leiros relativamente modesto.

    Conforme comenta Marcelo Lara Resende, a taxa mnima decrescimento doPIB de longo prazo, necessria para apenas manterconstante o hiato tecnolgico, absorver o crescimento da populao(impedindo assim que se eleve a massa de excludos) e eliminar odesemprego seria de 6% ao ano. Mas no ouvimos em nossas entre-vistas nenhum economista que arriscasse a estimativa de tal taxa.

    Alguns economistas, ainda que no definissem um progns-tico quantitativo, foram cticos quanto perspectiva da prximadcada, como por exemplo Eustquio Reis, o qual acredita que opas ter um crescimento aqum do necessrio para resolver oproblema do desemprego e da distribuio de renda. Esse cen-rio, segundo ele, conseqncia, por um lado, do menor cresci-mento da economia mundial, que no repetir as taxas gloriosasda dcada passada, o que implicar grandes incertezas quanto ao

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    que o Estado tem presena importante , especialmente nos casosem que os obstculos estejam no mbito do prprio Estado. Paraeles, o ordenamento lgico que as restries s no seriam remo-vidas automaticamente quando houvesse falhas de mercado efeti-vamente reparveis pelo Estado. Assim mesmo argumentam que,no caso brasileiro, as falhas da interveno estatal superam asfalhas de mercado que supem corrigir.

    De outro lado esto aqueles segundo os quais a superaodas restries requerem, em maior ou menor grau, polticasintervencionistas de Estado entendidas como decisivas para osobjetivos por alcanar. Admitem esses a interveno do Estado noprocesso de crescimento mais alm do simples saneamento dasfalhas de mercado. Ao manifestarem suas posies vrios delesinsistiram em atribuir os atuais obstculos ao crescimento a umaf, dos economistas responsveis pelas polticas de governo, noautomatismo dos mecanismos de mercado.

    Cabe assinalar que, enquanto no caso do diagnstico dosobstculos ao crescimento a discusso objetiva, no sentido de

    centrar-se em estatsticas e em anlises tericas, no caso da defini-o das polticas o vis ideolgico parece muitas vezes dominar asopinies. Em um dos extremos aparece o Estado como o princi-pal indutor do crescimento e, no outro, a f nos mercados e namo invisvel. Entre esses extremos transitam as opinies em que,em particular, a poltica industrial o divisor de guas.4

    1.5.1 Obst culos macroeconmi cos(1): a rest ri o ext erna

    A restrio externa foi o obstculo mais apontado como ca-

    paz de impedir a retomada do crescimento. Manifestaram-se comnfase, sobre o tema, os seguintes economistas: Affonso Celso

    4 Recorde-se que a seo 1.3.2 reproduz opinies de um subconjunto dosentrevistados acerca de polticas industriais.

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    Pastore, Carlos Medeiros, Franklin Serrano, Czar Medeiros, F-bio Erber, Fbio Giambiagi, Joo Paulo dos Reis Velloso, JosMrcio Camargo, Jos Roberto Mendona de Barros, LucianoCoutinho, Lus Paulo Rosemberg, Marcelo Abreu, Marcelo LaraResende, Mrio Possas, Paulo Nogueira Batista e Paul Singer.5

    As posies relativas ao problema variam muito, e o grau depessimismo tambm. Entre os menos pessimistas, Pastore foi tal-vez o mais enftico:

    A restrio externa s se manifestar se o pas no crescer(ao contrrio do que se pensa). OIDEs fluir se o pas cres-cer. Portanto, deve-se montar uma poltica de crescimentocom um dficit em conta-corrente financivel. Crescer parapoder crescer.No outro extremo, Singer, por exemplo, afirmou:No h nenhum ciclo de crescimento vista por conta darestrio externa; e mais: o ciclo doIDEest terminado; s sea economia mundial voltar a crescer que o Brasil podertambm voltar a crescer.

    Apesar de diferenas de opinio quanto intensidade e sconseqncias da restrio externa que sero abordadas maisadiante as anlises aglomeram-se mais ou menos em torno deum mesmo diagnstico, simples e lgico: o Brasil apura hoje umdficit em sua conta-corrente externa da ordem de 3% a 5% do

    5 Cabe mencionar uma rara exceo na avaliao sobre as restries externa einterna, a viso de Antonio Barros de Castro. Segundo Castro, tanto a restri-o externa como a fiscal j estariam razoavelmente equacionadas, ainda queno resolvidas. Como soluo para a primeira ele aponta a expanso exporta-dora recente, em quantum e com fortes indcios de diversificao. Problemas

    graves s existiriam se o mundo todo mergulhasse em recesso severa e dura-doura. Mas nesse caso teria de haver um novo Brady, do qual o Brasil poderiaemergir fortalecido pela reestruturao recentemente verificada em seu apa-relho produtivo. Castro tampouco teme a restrio interna, isso porque con-sidera que estabilizar a relao dvida/ PIBnos nveis atuais no problemadado o supervit fiscal de que se parte, o possvel reincio do crescimento, edada a reduo esperada dos juros reais.

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    PIB. Esse dficit financiado a cada ano pela entrada de Investi-mento Direto Estrangeiro, e a acelerao na taxa de crescimento oelevar, j que no se espera que o crescimento seja comandadopela demanda externa (export-led growth ). Abre-se, por conseguin-te, o hiato na balana comercial, o que exige elevao doIDE.Como, por diversas razes, no se pode esperar que a poupanaexterna (sob a forma deIDE) financie indefinidamente o hiato derecursos, a taxa de crescimento ter de baixar.

    Um dficit anual permanente na conta-corrente, da ordemde 4%, reconhecido explicitamente como no sustentvel porVelloso, J. R. Mendona de Barros, Possas e Singer. Esse ltimoavalia, inclusive, que qualquer processo de crescimento poder serimediatamente abortado pelo Banco Central via taxa de juro ,posto que este sabe que o dficit externo no financivel. CarlosMedeiros e Franklin Serrano resumem o ponto: Mantidas as atuaistendncias, no possvel crescer muito, posto que em uma econo-mia aberta o que define a taxa de crescimento sustentvel o balan-o de pagamentos.

    A questo vista tambm do ngulo da presso que as dvi-das externas pblica e privada e os servios oriundos do estoquede IDE exercem sobre o balano de pagamentos. Por exemplo,para Marcelo Lara Resende a dvida externa est ou chegar emum ponto impossvel de gerar permanentemente um supervitprimrio nas contas pblicas capaz de financiar seu servio. JLuciano Coutinho acredita que:

    Os servios da dvida externa pblica e da privada, mais osservios sobre o estoque deIDE, implicam 3% doPIBde jurose dividendos; dada a performance bisonha da balana comer-

    cial ingnuo supor que o fluxo deIDEv financiar esse hiatoindefinidamente.O mesmo Coutinho duro em sua crtica poltica econ-

    mica, considerando-a negligente com o problema externo. Pro-blema esse que o governo estaria utilizando como justificativa de

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    suas dificuldades sem nada fazer. Na mesma linha, e de formaainda mais severa, Nogueira Batista indica que o governo poucopode fazer, pois a poltica econmica no responde mais aos in-teresses nacionais, e sim ao circuito financeiro internacional.

    Entre as causas apontadas para esse hiato permanente pare-ce haver consenso de que o Brasil teria aberto sua economia con-tando com uma pauta de exportao que no respondia adequa-damente sbita elevao das importaes, situao designadapor alguns como restrio la Prebish. Nesse sentido Abreu claro e sinttico: Nossas exportaes no so dinmicas por seubaixo contedo tecnolgico; o Brasil participa pouco dos merca-dos modernos, dinmicos e tecnologicamente densos.

    Carlos Medeiros e Serrano atribuem, adicionalmente, o equ-voco da poltica econmica dos primeiros anos do Plano Real

    Sobrevalorizao do cmbio, que foi um estmulo sadade dlares. O populismo cambial foi justificado pelo falsodilema abertura e estabilidadeversus fechamento, desenvol-vimento e inflao; como conseqncia disso a participao

    das exportaes brasileiras no comrcio mundial caiu entre1990 e 1998, elevou-se o dficit em conta-corrente, elevou-se a relao emprstimos de curto prazo/reservas, decresceua solvncia externa. Em resumo, criaram-se todas as condi-es de uma crise cambial; fomos austeros em reais e prdi-gos em dlares.Deve-se mencionar que alguns economistas dizem no perce-

    ber a restrio externa como tal: Armnio Fraga, por exemplo, apontaque o dficit externo est estabilizado e financiado, garantido poruma crescente taxa de investimento e pelo cmbio flexvel (ao con-

    trrio do Mxico, que teria se fragilizado ao financiar um dficit emconta-corrente e uma taxa de investimento declinante com financia-mento de curto prazo e com taxa fixa de cmbio). Paulo Haddad,por sua vez, argumenta que a restrio externa, ainda que presente, menos importante que as restries internas (veja-se mais adian-te) e mais fcil de lidar em face do excesso de poupana em nvel

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    mundial e o potencial econmico do Brasil. Rogrio Werneck pen-sa que, se h problema externo, esse muito menor do que se acre-dita e oIDEd o raio de manobra necessrio para super-lo. E Lopesafirma: com o cmbio flutuante a restrio externa irrelevante.

    As polticas propostas pelos economistas para a superaodessa restrio so imediatas conseqncias de seus diagnsticos,e se distribuem entre trs linhas de ao.

    Na primeira vrios entrevistados indicam um caminhoinstitucional orientado para a melhoria da posio negociadora doBrasil nos mercados internacionais. Isso envolve no apenas melhortreinamento de nossos empresrios e executivos como tambm acriao de uma agncia de fomento e de negociao. J. R. Mendon-a de Barros, por exemplo, prope algo nos moldes daUSTRestadunidense para praticar uma poltica agressiva de exportao.Nessa linha freqente tambm o entendimento de que hoje oItamaraty, sozinho, no poder dar conta de atuar com sucesso emtodos os fruns internacionais sem o apoio de profissionais alta-mente especializados (advogados, engenheiros, economistas) nos

    diversos campos de debate e de negociao do comrcio externo.Na segunda linha diversos economistas citam o mau usofeito pelo Brasil das oportunidades que surgem com oIDE. LaraResende resume: O Brasil muito cobiado pelo InvestimentoDireto Estrangeiro (IDE), mas o pas negocia mal sua entrada.E Ferraz completa:

    Dado que todos os setores de valor agregado alto so co-mandados por multinacionais, devemos explorar e influirnas suas decises de exportao, isto , devemos atrair asempresas multinacionais e negociar uma elevao de suas

    exportaes.L. C. Mendona de Barros faz sua sntese: O governo deveintervir para que oID E gere seu fluxo de pagamentos futuros.

    As duas linhas de ao mencionadas no sofrem grandes obje-es por parte de nenhum participante, nem implcita nem expli-

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    juro, bem como distorcido a alocao de recursos pblicos isto, impactado de uma forma no neutra o equilbrio fiscal.

    Esses argumentos so respondidos. Otaviano Canuto no vnada de extraordinrio na escolha dos vencedores (tal qual o fez aCoria) desde que haja punio para os perdedores (como tam-bm o fez a Coria). Belluzzo lembra, nessa direo, que no casoasitico o governo imps uma concorrncia (simulada) entre osvrios grupos escolhidos, que os vencedores foram os sobreviven-tes e os perdedores (economicamente), os punidos, em vez de ossalvos pelos Tesouros nacionais.

    No lado das aes positivas as propostas so vigorosas. Vellosod o marco de referncia:

    O governo tem de se mexer, tem de dizer e de instrumentarpoltica ativa, industrial e tecnolgica, diferente das anti-gas, pois poltica tecnolgica e industrial para exportar.O BNDES, oIPEA, a Secretaria de Assuntos Estratgicos (SAE) jelaboraram documentos a esse respeito, mas sem ao; a reaeconmica do governo deveria estar fazendo isso.

    Vrios entrevistados manifestaram-se nessa linha, como, porexemplo, Rosemberg, que pede polticas ativas para aumentar aprodutividade e a conseqente competitividade das nossas expor-taes; e Luciano Coutinho, o qual salienta existir uma agendatecnolgica colada na agenda de competitividade, e o fato de so-mente o governo ser capaz de coordenar as aes necessrias auma transformao radical na pauta de exportaes.

    As aes, nesse caso, incluiriam cinco grandes reas:(1) Montar programas setoriais especficos para desenvolver

    as cadeias produtivas no sentido de aumentar a sua produtivida-

    de global (Erber, Coutinho). Rosemberg, por exemplo, consideraque exportar tem de ser obsesso; cmbio s no suficiente; ogoverno deve ter polticas ativas para elevar a produtividade dossetores exportadores.

  • 8/8/2019 LIVRO POLTICAS PARA A RETOMADA DO CRESCIMENTO

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  • 8/8/2019 LIVRO POLTICAS PARA A RETOMADA DO CRESCIMENTO

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    64 Polticas para a retomada do crescimento reflexes de economistas brasileiros

    o econmica mais sli