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  • 1RODRIGO TEIXEIRA

    A Origem daMsica Sertaneja de

    Mato Grosso do Sul

  • 2 Dlio & Delinha

  • 3

    Primeiro Long Play gravado pela dupla Dlio & Delinha em 1961

  • 4Copyright 2009 by Rodrigo Teixeira Pesquisador Assistente: Raphael Teixeira Capa e projeto grfico: Lula Ricardi . XYZdesignAssistncia de design: Rodrigo Vargas Tratamento de imagem e restaurao de fotos: Leonardo de FranaDecupagem: Rodrigo Teixeira, Raphael Teixeira e Las Camargo Reviso: Marcelo Arma e Ariane Martins

    As entrevistas aqui contidas foram editadas para maior clareza.A fotocpia de qualquer folha deste livro ilegal, e configura uma apropriao indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.As informaes contidas na discografia so uma reproduo do contedo dos encartes dos discos originais dos artistas.

    INVESTIMENTO Fundo de Investimentos Culturais (FIC/MS)

  • 51 edio

    Campo Grande - MS - BrasilDezembro 2009

    RODRIGO TEIXEIRA

    A Origem daMsica Sertaneja de

    Mato Grosso do Sul

  • 6

    LP de Rodrigues & Rodriguinho com participao de Beth & Betinha lanado em 1964

  • 7

    Beth & Betinha

  • 8Zacarias Mouro com Itamy & Anahy

  • 9O LIVRO

    Ao propor o projeto para escrever o livro Os Pioneiros A Ori-

    gem da Msica Sertaneja de MS no imaginava a fundura do poo.

    Primeiramente, pensei em fazer um trabalho envolvendo Dlio &

    Delinha, ainda sem ter a dimenso da obra da dupla. Aos poucos, ao

    ampliar o leque para os fi nados Zacarias Mouro e Z Corra fi cou

    evidente o elo entre, no s os trs nomes citados, mas uma turma

    que transformou, a partir dos anos 50, o Sul do Mato Grosso em um

    celeiro artstico de primeira qualidade e com caractersticas dife-

    rentes do restante do pas. Beth & Betinha, Amambay & Amamba,

    Dino Rocha, Maciel Corra, Elinho do Bandoneon, Tosto & Gua-

    rany, duplas que j no existem mais como Ado & Praense e Adail &

    Tesouro, os cantores Benites, Victor Hugo e Aurlio Miranda, a sau-

    dosa Jandira... Ao iniciar a pesquisa para esta obra ainda em 2008,

    constatei que seria insufi ciente o espao para contar a histria de

    tantas duplas e artistas que ajudaram a construir a primeira fase de

    profi ssionalizao da msica de Mato Grosso do Sul. At porque a

    histria de cada um deles daria um livro inteiro.

    O fato de termos uma bibliografi a diminuta sobre a msica de

    Mato Grosso do Sul reforou a necessidade de se colher as infor-

    APRESENTAO

  • 10

    maes direto na fonte. Por isso, tive de ir a campo. Decidi que as

    verses dos fatos seriam dadas por meio dos depoimentos dos pr-

    prios condutores da histria. Foram meses at conseguir encontrar

    alguns destes pioneiros. No entanto, sempre tive uma guarida segu-

    ra. Na segunda parte do livro esto as entrevistas, onde mantive ao

    mximo a fi delidade na maneira que o artista se expressa. At para

    se registrar como estas pessoas que guardam as tradies de um

    Sculo XX ainda sem tecnologia avanada se comunicavam.

    Confesso que abrir arquivos e bas empoeirados foi uma das par-

    tes mais prazerosas do trabalho. H muito ainda da memria de

    Mato Grosso do Sul sendo guardada em caixotes e gavetas, longe

    demais dos museus ofi ciais. importante ressaltar o trabalho de

    restaurao de imagens feito para o livro, tanto das capas dos LPs

    como das dezenas de fotos dos artistas. Um dos principais objetivos

    desta publicao contribuir para a catalogao e organizao das

    informaes sobre a msica do Estado. Por isso, a terceira parte

    traz a discografi a dos artistas dedicada exclusivamente a long-plays

    (LPs) e compactos em 78 e 33 rotaes por minuto. Tambm esto

    listados os dados biogrfi cos dos msicos, com nome, local e data

    de nascimento.

    Na pesquisa para encontrar os LPs, muitos raros, foi fundamental

    o trabalho de colecionadores campo-grandenses de discos de vinil.

    Os principais so Capito Moura, Kenzo, Fauzer, Odilo e Luiz Carlos.

    Juntos eles ultrapassam a marca de 40 mil LPs, incluindo centenas

    de discos regionais. So verdadeiros heris porque preservaram a

    memria musical do Estado, enquanto os registros das apresenta-

    es nas rdios, dos festivais de msica, dos shows-dramas nos cir-

    cos e nos palcos dos cinemas campo-grandenses nos anos 50, 60 e

    70 so praticamente inexistentes.

    Apesar de realizar a catalogao de 110 lbuns e 1.149 msicas

    da obra de artistas fundamentais de Mato Grosso do Sul, muitos

    ainda precisam ser analisados e suas histrias resgatadas. Duplas,

    cantores e instrumentistas que aliceraram o mercado e a cena mu-

    sical do Sul de Mato Grosso como Romance & Romerinho, Curioso

    & Barqueirinho, Baronito & Sereninho, Ivo de Souza & Florito, Aba-

    dil Viegas, Atlio Colman, Frankito, Delcides Alves Gondin Jnior,

    Dozinho Borges, Charles Franco... Todos eles tambm pioneiros.

    Por isso, encaro este livro como um ponto de partida. Uma fonte

  • 11

    de informao para auxiliar estudos futuros. Primeiro preciso co-

    nhecer, s para depois analisar. E os fatos so a mais pura fonte da

    histria e da verdade.

    O subttulo da obra - A Origem da Msica Sertaneja de MS -

    uma maneira de afi rmar que o Sul de Mato Grosso produzia uma

    msica diferenciada em relao aos grandes centros e o que se en-

    tendia e consumia de msica sertaneja para a poca. Graas po-

    sio geogrfi ca, foi inevitvel que a herana da msica fronteiria

    (do Paraguai e Argentina) j estivesse bem delineada nas canes

    de nossos primeiros compositores.

    E estes primeiros compositores so pessoas vindas do campo,

    muitos nasceram em fazendas, viveram na faixa de fronteira e cons-

    truram um repertrio que refl ete estas razes. Cantando em trs

    idiomas - portugus, espanhol e guarani - e amparados por ritmos

    ternrios - como a polca, a guarnia e o chamam - estes artistas

    tiveram o mrito de ser um diferencial do prottipo de caipira, que

    falava de maneira antiga, vestia-se de modo rudimentar e tocava

    basicamente moda de viola. Delinha deixa isso bem claro em suas

    falas.

    A elegncia, na verdade, uma das qualidades desta gerao de

    msicos. O terno sempre impecvel de Dlio e a saia rodada de De-

    linha viraram marca da dupla. O poeta elegante Zacarias Mouro,

    o ndio do Mato Grosso, tambm fazia suspirar as mocinhas dos

    auditrios e as colegas de trabalho, como as Irms Galvo afi rmam

    com todas as letras no documentrio Ti e a rvore - Vida e Obra

    de Zacarias Mouro, dedicado ao compositor de Coxim. O tambm

    saudoso Z Corra sempre estava alinhadssimo. Beth & Betinha

    eram as princesinhas da fronteira! Victor Hugo e Benites at hoje

    mantm a fi na estampa. Esta gerao toda sertaneja, mas tem

    uma herana mais ligada a tradio castelhana do que caipira. O

    que a difere do restante do pas.

    Alm da questo comportamental, preciso ressaltar a impor-

    tncia das apresentaes destes artistas nos circos e nas rdios.

    Desde o fi nal da Segunda Guerra Mundial o nmero de emissoras

    de rdio estava em ascenso no Brasil. No fi nal dos anos 40 j eram

    mais de cem no pas que atendiam trs milhes de aparelhos recep-

    tores. Os programas de rdio acabavam popularizando os artistas e

    na outra ponta da cadeia produtiva estavam os circos, que faziam

  • 12

    este artista circular pelas grandes cidades e interior dos Estados.

    Estima-se que apenas em So Paulo havia, no incio da dcada de 50,

    aproximadamente 200 circos que serviam de porto seguro para os

    dolos sertanejos, que eram repelidos pela intelectualidade do pas.

    Com as apresentaes nos circos, outra faceta tinha que ser re-

    velada: a de ator. Muitas vezes, a de escritor tambm. Os shows

    tinham a parte musical e tambm o que chamavam de drama, um

    esquete de teatro. Estas encenaes colocavam os artistas j co-

    nhecidos nos papis principais e a equipe do circo fazia os persona-

    gens que giravam em torno dos protagonistas. O estilo era sempre

    a comdia pastelo, o dramalho e o bang bang. Era como se fosse

    uma novela seguida de uma apresentao musical. Depois de assis-

    tir a textos como Pistoleiro Satnico, Preta Veia, Ladro Deteti-

    ve, Pai Joo, Planeta dos Mansos, Deus Perdoa, Eu No e Kid

    Querosene o pblico j estava ganho para o show que viria depois.

    No fi nal da dcada de 1950, Campo Grande servia de moradia

    e base para muitos msicos que vinham de Ponta Por, Bela Vista,

    Maracaju, Coxim, Trs Lagoas, Corumb e Aquidauana. Movimento

    que iria aumentar gradualmente nas prximas dcadas. A arte inte-

    riorana pulsava e eram as rdios que refl etiam isso. Os locutores fo-

    ram essenciais neste processo e se tornaram agentes da cena musical

    campo-grandense. Em especial a dupla formada pelos irmos Juca

    Ganso e o saudoso Ramo Achucarro, que faleceu em agosto de 2009.

    J no fi nal da feitura do livro, entrevistei Juca Ganso. Ele contou uma

    das passagens mais comoventes da msica sul-mato-grossense: a tr-

    gica morte de Z Corra em frente a Rdio Educao Rural em abril

    de 1974, em Campo Grande. Depoimento sensvel e emocionante.

    Todos os msicos desta gerao, sem exceo, tiveram um

    contato intenso com o rdio. Dlio & Delinha, por exemplo, por

    vrios anos se deslocaram todas as semanas para comandar um

    programa na rdio de Aquidauana. Beth & Betinha comearam

    nos concursos das rdios de emissoras de Ponta Por e Pedro

    Juan Caballero. Dino Rocha participou com Os Filhos de Gois de

    programas de grande audincia em So Paulo. Zacarias Mouro

    comeou a carreira ganhando concursos de poesias nas rdios e

    comandou produes jornalsticas, de variedades e musicais na

    Rdio Bandeirantes, Radio Nacional, Excelsior...

    Alguns artistas sul-mato-grossenses tiveram um contato prximo

  • 13

    com nomes importantes do cenrio nacional. Capito Barduno, que

    foi quem batizou Delanira e Zezinho, ainda Duo Pintassilgo, como

    Dlio & Delinha, foi um dos locutores mais infl uentes da msica ser-

    taneja e o primeiro do gnero na poderosa Rdio Bandeirantes. Ou-

    tro personagem fundamental em toda a evoluo e, principalmente,

    registro e divulgao do que seria a msica produzida pelos artistas

    que estavam residindo em Campo Grande e que vinham de vrios

    lugares foi Mrio Vieira. Tambm compositor lembra de Sabi l

    na gaiola fez um buraquinho, voou, voou, voou...? -, ele transformou

    a sua gravadora, a Califrnia, em uma base dos msicos do Sul de

    Mato Grosso. Depois de Dlio & Delinha e o sanfoneiro Z Corra

    lanarem seus lbuns pela Califrnia, respectivamente, na virada

    dos anos 50 e fi nal da dcada de 1960, a gravadora no parou mais

    de produzir discos de artistas do Estado at o fi nal dos anos 1970.

    Quem fazia a ponte dos msicos do Sul de Mato Grosso no s

    com a Gravadora Califrnia, mas com os programas de rdios e cir-

    cuito de shows em So Paulo era Zacarias Mouro. Foi ele que enca-

    minhou Dlio & Delinha Rdio Bandeirantes e os apresentou aos

    importantes Capito Barduno e Bigu. Depois de famoso, o acordeo-

    nista Z Corra tambm foi o responsvel pela ida de vrios artistas

    para gravarem seus primeiros discos na Califrnia, como Elinho do

    Bandoneon, Jandira & Benites, Amambay & Amamba e Curioso &

    Barqueirinho.

    Um dos mais importantes msicos paraguaios, Hermnio Gim-

    nez, tambm passou por Mato Grosso do Sul e teve contato com

    vrios artistas de Campo Grande. Este foi um dado completamen-

    te novo para mim quando comecei a pesquisa do livro. O saudoso

    maestro paraguaio fez vrias apresentaes no Estado. Sua ligao

    com o Sul de Mato Grosso vem desde que se exilou nos anos 50 na

    Argentina e transformou as cidades de Corrientes e Buenos Aires

    em suas moradas. A atrao de Hermnio Gimnez pelas cidades

    sul-mato-grossenses e o contato mais prximo com Elinho do Bando-

    neon e Jandira & Benites refora a caracterstica platina e comprova

    a qualidade da produo autoral e de interpretao do cancioneiro

    sul-americano dos msicos da regio sul-mato-grossense desde o

    incio dos anos 50. So muitos os personagens que construram a

    primeira cena artstica do Sul de Mato Grosso.

    Um aviso importante a no incluso no livro de informaes

  • 14

    especfi cas sobre a saudosa Helena Meirelles. Uma deciso difcil

    que tive de tomar por vrias razes. Pela densidade e tamanho da

    sua trajetria, A Dama da Viola tomaria com facilidade todas as

    pginas deste livro. Tive a honra de conhecer e entrevistar Dona He-

    lena e tenho imenso respeito e admirao. Esta pantaneira de boca

    suja e corao gigante, no entanto, um fenmeno parte. Pratica-

    mente um milagre, uma brincadeira de Deus. Helena nasceu em 13

    de agosto de 1924. Veio ao mundo apenas sete meses antes de Jos

    Pompeu, o Dlio, o atual patrono da msica sul-mato-grossense com

    85 anos. Entendo que Dona Helena, apesar de ser contempornea,

    vem de uma outra histria, que no tem a ver com o pessoal de D-

    lio & Delinha. Em um movimento praticamente subterrneo, Dona

    Helena s deixou o circuito das fazendas e inferninhos do Pantanal

    e interior de Mato Grosso do Sul e So Paulo nos anos 1990. Mais

    especifi camente, em 1993, o seu sobrinho mandou uma fi ta para a

    Guitar Player e a revista norte-americana acabou a elegendo como

    instrumentista-revelao. Depois disso, a sua palheta de chifre de

    vaca foi inclusa no pster em que a mesma Guitar Player listou as

    100 melhores do mundo, de todos os tempos, junto com as de B. B.

    King, Jimi Hendrix e Eric Clapton.

    Com isso, Dona Helena ganhou fama no fi nal de sua vida e se

    transformou em uma das artistas mais conhecidas de nosso Esta-

    do. Gravou trs discos pela Eldorado (Helena Meirelles/1994, Flor

    da Guavira/1996 e Raiz Pantaneira/1997) e depois mais dois dis-

    cos (Helena Meirelles Ao Vivo/Sapucay Discos/2003 e Os Bambas

    da Viola/Quarup/2004). Ainda foi o foco de documentrios e fi lmes,

    como Dona Helena, de Dainara Toffoli, e Helena Meirelles: A

    Dama da Viola, de Francisco de Paula. Seu nome batiza a Concha

    Acstica do Parque das Naes Indgenas de Campo Grande. Enfi m,

    Dona Helena est bem registrada, embora particularmente acredite

    que uma pesquisa mais aprofundada deva ser feita em torno da tra-

    jetria e do modo com que ela tocava violo com afi nao de viola.

    Acompanhei de perto seus ltimos dias em 2005, quando aos 81

    anos faleceu no Hospital das Clnicas em Campo Grande, cidade na-

    tal que ela voltou a viver depois de ganhar uma casa modestssima

    do governo do Estado em 2002.

    Na minha primeira entrevista para o livro, que fi z questo que

    fosse com Dlio, o msico falou o seguinte sobre Dona Helena:

  • 15

    `Ouvi falar dela muito, mas depois que ela fi cou famosa. Esse o

    grande defeito. Deixam as pessoas sofrerem primeiro para depois

    valorizarem. Helena Meirelles quando apareceu j tava com 70 e

    tantos anos. Ela tocava no estilinho bonitinho, s nas duas cordinhas

    de baixo. Din din din, din din din.

    Lanar esta publicao dedicada aos pioneiros da msica de

    Mato Grosso do Sul justamente em 2009 e sem ter a inteno de

    conciliar com datas importantes pura coincidncia. So 50 anos

    da primeira gravao de Dlio & Delinha e Beth & Betinha. Tambm

    faz cinco dcadas que Goi musicou os versos de Zacarias Mouro

    para o p de cedro que ele havia plantado em 1939, 70 anos atrs.

    L se vo 35 anos que Z Corra foi tirado de nosso convvio e 15

    que a inimitvel Jandira foi vencida por um cncer. Zacarias Mouro

    foi morto h duas dcadas.

    Por isso, dedico este livro memria de trs grandes artistas sul-

    mato-grossenses que eu no poderei entregar em mos esta obra,

    mas que so inesquecveis. Mesmo aps terem se tornado estrelas,

    ainda no receberam o devido reconhecimento pela grande obra

    construda e trajetria fundamental para o surgimento da msica

    sul-mato-grossense.

    Zacarias Mouro, Z Corra e Jandira, este livro vai para vocs!

    Rodrigo Teixeira Campo Grande, setembro de 2009

  • 16

    O acordeonista Z Corra

  • 17

    AGRADECIMENTOS

    Acima de tudo, gostaria de agradecer a minha me, Maria Lcia, pelo apoio

    em todas as horas;

    A minha irm, Luciana, e ao meu pai, Margenato, pela ajuda permanente e

    incentivo fundamental;

    A meu irmo Raphael, pela dedicao e levantamento de informaes para o

    livro e a confi ana plena;

    Aos meus amigos sinceros, Leandro Calixto, Prsio Rodrigues (Bl), Frede-

    rico Carvalho (Fred), Mrcio de Camillo, Jerry Espndola, Maurcio Copetti,

    Marcelo Arma, Antnio Porto, Fernando Bola e Carol Alencar;

    A todas as pessoas que concederam entrevistas para este livro;

    Aos colecionadores Capito Moura, Kenzo, Fauzer, Odilo e Luiz Carlos; peas

    fundamentais para se montar a trajetria da msica de Mato Grosso do Sul;

    Aos pesquisadores Professora Glorinha S Rosa, Idara Duncan, Paulo Rena-

    to Coelho Neto, Marlei Sigrist, Cndido Alberto da Fonseca, Paulo Simes

    e Evandro Higa e os fi nados Hlio Serejo, Jos Octvio Guizzo e Henrique

    Spengler, desbravadores em revelar o signifi cado da cultura regional de MS;

    A Zito Ferrari, da Editora UFMS;

    A toda a equipe liderada pelo Professor Amrico Calheiros na Fundao de

    Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) por ter acreditado neste projeto;

    Aos fotgrafos Eduardo Medeiros, Jefferson Ravedutti, Maurcio Borges,

    Moiss Palcios, Minamar Jnior e Saul Schramm, por registrar a histria

    da arte sul-mato-grossense;

    Aos artistas que tiveram a disposio e confi ana em abrir seus arquivos

    pessoais;

    A Lgia, por ceder material precioso de seu pai, saudoso Zacarias Mouro;

    A Leonardo de Frana, pela pacincia em restaurar vrias imagens maltra-

    tadas pelo tempo;

    A Lula Ricardi e Rbia Gutterres, pelo empenho e carinho na feitura do livro;

    A Cristiane Pingarilho, por ter me resgatado e incentivado a trilhar o cami-

    nho do jornalismo;

    A Ariane Martins, pela viso crtica, o carinho e o companheirismo na fi nali-

    zao do trabalho,

    Para as minhas fi lhas, Gabriela e Ana Lua, meus tesouros.

  • 18

    Amambay & Amamba

  • 19

    SUMRIO

    APRESENTAO / O LIVRO 9AGRADECIMENTOS 17SUMRIO 19

    PARTE 1 . A msica de Mato Grosso do Sul 23

    PARTE 2 . Depoimentos 39

    O FENMENO DLIO & DELINHA 41O batismo na Rdio Bandeirantes 45Gravadora Califrnia 48Filme de Tonico & Tinoco 50A roupa 53Rasqueado 54 Chantecler 55A volta para Campo Grande 56Retorno da dupla 57

    BETH & BETINHA 59As Princesinhas da Fronteira 59Rodrigues & Rodriguinho 62Primeira gravao 64Curioso & Barqueirinho 65A Mulher Vampira 66

    ZACARIAS MOURO 69O Poeta Embaixador 69 Rdio 71Coluna Venenos do Zacarias 72P de Cedro 76Itamy - A Garota Mgica do Teclado 77Mudana para Campo Grande 80Bandeira de MS 82O batismo de Dino Rocha 85O personagem 86Morte do Zacarias 89

  • 20

    CHAMAM NO COMANDO 92Amambay & Amamba 92O vo de Z Corra 95O encontro com Mrio Vieira 96A Mato-grossense 97

    Z CORRA 99Da fazenda para o mundo 99O legado 103O estilo 107O Rei do Chamam 108A confuso 111Campana 113O crime 114

    DINO ROCHA 122Bananas 127Os Filhos de Gois 128

    O SISTEMA 129Maciel Corra 129A primeira gravao 132O hit Cadeado 133

    A MSICA PARAGUAIA 134O encontro de Jandira & Benites 134Cabana Gacha 137O chamado de Z Corra 139Jandira 141Free way na fronteira/Victor Hugo e Benites 144Mercado 145Cultura fronteiria 148

    CRUZEIRO, TOSTO, CENTAVO E GUARANY

  • 21

    151Aurlio Miranda: Rumo ao Sul de MT 151O encontro de Aurlio e Adir 153O empurro de Delinha 155A gravao na Califrnia 156O nome Cruzeiro & Tosto 157A chegada do Centavo 158Os campees do Festo 160Estrada de Cho 162O fi nal prematuro do trio 163A unio de Tosto & Guarany 168O compacto 170Os donos do circo 171Campanha poltica 172

    PROGRAMA DE RDIO EM CAMPO GRANDE 175Incio 175Ado & Adail 180

    PRIMEIROS ACORDEONISTAS 182Atlio Colman e Abadil Viegas 182Nos embalos do circo 184

    PARTE 3 . Discografi a 189

    Dlio & Delinha 191Z Corra 206Amambay & Amamba 213Jandira & Benites 223Dino Rocha 230Beth & Betinha 237Los Tammys/Victor Hugo 239Elinho do Bandoneon 247Maciel Corra 250Adail & Tesouro 256Ado & Praense 259Cruzeiro, Tosto, Guarany e Centavo 263Zacarias Mouro 269

    PARTE 4 . Bibliografi a 275

  • 22 O sanfoneiro Dino Rocha

  • 23

    PARTE 1

    A MSICA DEMATO GROSSO DO SUL

  • 24

  • 25

    HISTRIA A msica de uma regio refl exo do homem que habita aquele

    lugar. E este homem infl uenciado no s por seus sentimentos,

    mas pelo o que o rodeia. A identidade de um local acompanha a

    trajetria de sua ocupao. A msica sul-mato-grossense comeou

    a germinar a 11 mil anos atrs, data dos primeiros vestgios da pre-

    sena humana no local que hoje chamamos de Mato Grosso do Sul.

    Neste perodo, que o fi nal da Era do Gelo, grupos de caadores-

    coletores transitavam pela regio. Estudos tentam comprovar que

    eles vieram da frica Oriental. Ou seja, estavam vinculados a raa

    negra. J os indgenas, que s chegaram por volta de oito mil anos

    na Amrica, originrios da sia, encontraram por aqui justamente

    estes caadores-coletores que se extinguiram, provavelmente, de-

    vido ao contato com os novos habitantes.

    As sociedades indgenas, como se conhece atualmente, comea-

    ram a se formar h cinco mil anos. A Nao Guarani abrangia toda

    a Bacia do Prata passando por Brasil, Paraguai e Argentina com

    mais de um milho de pessoas. Uma tribo em especial que habita-

    va esta regio chegou a ameaar a expanso europia: os Mbay-

    Guaikuru. O cavalo, que era encarado por outras etnias como uma

    caa que se multiplicava no campo, se tornou uma poderosa arma

    de guerra. Defi nidos como a imagem de um Hrcules pintado, eles

    fi caram ainda mais poderosos ao se aliarem aos Payagu-Guaikuru,

    famosos por lutarem em suas canoas e transformarem seus remos

    em lanas de duas pontas.

    O contato dos indgenas com o homem branco e europeu come-

  • 26

    a nas primeiras dcadas de 1500. A resposta correta para qual

    seria a data e quem teria sido este europeu ainda gera polmica.

    Uma das teses considerada por alguns autores como mito a de

    que o primeiro homem branco a chegar no territrio do hoje Mato

    Grosso do Sul teria sido o portugus Aleixo Garcia entre 1520 e

    1524. Depois de naufragar em uma expedio em Santa Catarina,

    teria se tornado lder e subido com dois mil indgenas at Santa

    Cruz de La Sierra pelo caminho de Peabiru nome da rota que

    faria a ligao entre Oceano Pacfi co e o Oceano Atlntico e que

    iria do Peru ao Brasil, passando pelo Paraguai e Bolvia e, claro,

    o Pantanal. Uma espcie de free-way de trs mil quilmetros que

    servia de idas e vindas para os incas, guaranis e vrios outros po-

    vos. Depois de ultrapassar a regio de Corumb pelo Rio Paraguai,

    encontrou fortalezas construdas pelos incas e as saqueou. Rebela-

    dos, os guarani mataram o tal Aleixo. Mas no existem documentos

    que comprovem que o portugus tenha realmente existido ou que

    o prprio Caminho de Peabiru no passe de lenda.

    Mais prximo da realidade a provvel passagem de lvar

    Nez Cabeza de Vaca pelo Pantanal, com direito a encontro com

    ndios da regio, como os paiagus. Criado em Sevilha, ele tinha 45

    anos quando comandou uma armada de quatro navios que deixou

    o Porto de Cdiz em 2 de novembro de 1540 e chegou em Santa

    Catarina em 29 de maro de 1541. Centenas de homens - entre

    400 a 700, segundo os historiadores - e 16 dos 30 cavalos que

    embarcaram na Espanha aportaram sob o comando de Cabeza de

    Vaca no Brasil. Seu objetivo era chegar em Assuno, onde se tor-

    naria governador do Rio de la Plata. Durante o trajeto descobriu

    as frondosas Cascatas de Iguau e em seu dirio de viagem relata

    de maneira detalhada o movimento das guas que presenciou e

    que muito se parece com o fenmeno que ocorre todos os anos na

    regio pantaneira de Mato Grosso do Sul. Neste longo caminho

    eles chegaram em 11 de maro de 1542 -, a expedio se tornou

    notcia entre as tribos porque recebiam dos estrangeiros muitos

    artefatos de ferro. Os indgenas faziam festas para a chegada de

    Cabeza de Vaca e seus homens. Sabe-se que nestas ocasies eram

    tocados atabaques, tambores e apitos.

    Com a vinda do homem branco desenvolvido, as infl uncias eu-

    ropias seriam incorporadas para sempre na msica do continente,

  • 27

    at ento dominado pela arte produzida por aqueles indgenas que

    chegaram a cerca de oito mil anos atrs e que tocavam instrumentos

    rudimentares, de percusso, basicamente. Com certeza, na tentativa

    de aproximao dos indgenas e, depois, para mant-los cativos, a

    msica foi uma das principais ferramentas utilizadas desde a chega-

    da dos jesutas, at porque, como se confi rma no caso de Cabeza de

    Vaca, os prprios indgenas tambm usavam a mesma tcnica.

    Este territrio de passagem do homem branco seguiu at fi -

    nal do sculo XIX. Mas a presena do negro por estas bandas j

    vinha das pioneiras expedies na primeira metade de 1500, con-

    tinuou com os bandeirantes nos 1600, aumentou com as comitivas

    das Mones em 1700 e chegou ao auge nos 1800. Os bandeirantes

    tinham alguns ajudantes negros na caa aos indgenas. Ao contr-

    rio da poca das Mones, em que eram necessrias dezenas de

    escravos para realizar as travessias dos varadouros de muitos quil-

    metros e enfrentar como remeiros a fora de rios, como o Paraguai

    e o Paran. Mato Grosso do Sul fi cava bem no meio desta rota que

    ligava So Paulo cobiada, pelo ouro, Cuiab, em Mato Grosso.

    Segundo a historiadora Zilda Alves de Moura destaca em seu livro

    Cativos nas Terras dos Pantanais, em 1834 muitos dos pioneiros

    cuiabanos resolvem descer, com escravos a tiracolo, para o Sul do

    Estado para montar fazendas em terras que os nativos habitavam.

    Mas no s os poderosos tinham seus escravos. Os prprios sitian-

    tes e os agricultores menores possuam ao menos um negro em sua

    propriedade. Por estas bandas, ento, desde 1543, quando Cabeza

    de Vaca e seus homens teriam passado pelo Pantanal, foram 300

    anos em que circularam pelo Sul de Mato Grosso uma grande va-

    riedade de estrangeiros africanos e europeus, alm dos brasileiros

    - vindos em grande parte de So Paulo e regio Sul - e os vizinhos

    sul-americanos, principalmente os paraguaios.

    Segundo Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro, em 1500 haviam

    cinco milhes de ndios isolados quando os portugueses chegaram

    na ilha Brasil. Em 1800, este nmero era de um milho de ndios

    isolados e 500 mil de ndios integrados. Ou seja, 3,5 milhes de

    indgenas foram exterminados. Os escravos eram 30 mil em 1600 e

    em 1800 atingiriam 1,5 milho. Neste clima hostil, mesmo com as

    culturas africana, europia e indgena andando lado a lado no conti-

    nente sul-americano em geral, no Sul de Mato Grosso em particular,

  • 28

    bvio que no existia clima para jam sessions. At porque, alm

    da explorao da prpria natureza sem piedade, ocorreu um ver-

    dadeiro massacre do branco europeu sobre os negros e indgenas.

    O fato que somente aps a guerra com o Paraguai, entre 1864

    e 1870, que o Sul de Mato Grosso se tornou famoso perante os

    brasileiros. Como vieram soldados e combatentes de todas as partes

    do pas, as belezas e as terras boas para fi xar moradia fi cam conhe-

    cidas depois que a nao paraguaia foi derrotada sem piedade por

    Brasil, Argentina e Uruguai. E o primeiro plo cultural a surgir na

    regio foi Corumb na virada do Sculo XIX para o XX. A cidade foi

    fundada em 21 de setembro de 1778 e tinha em 1900 cerca de 15

    mil habitantes. O porto corumbaense se tornou um dos principais da

    Amrica do Sul e atraiu muitos estrangeiros. Um dado importante

    a presena de uma base da Marinha a partir de 1873 na vizinha

    Ladrio, com muitos integrantes vindos do Rio de Janeiro e Cuiab.

    Com a chegada do Exrcito em 1903, o ambiente fi cou ainda mais

    propcio para o surgimento de bandas de msica.

    De acordo com Jos Octvio Guizzo, no livro A Moderna Msica

    Urbana de Mato Grosso do Sul, baseado em artigos do jornalista e

    pesquisador Renato Baez, at o fi nal dos anos 1930, muitas orques-

    tras e bandas atuavam na cidade. As primeiras, alm da prpria ban-

    da do Exrcito fundada em 1903, teriam sido o Conjunto do Matias

    e a Orquestra do Mestre Ferro, um portugus que morava por l.

    A cidade contou at mesmo com a Filarmnica Corumbaense, que

    animava sesses de cinema mudo sob a regncia do maestro Emdio

    Campos Vidal. No incio da dcada de 1930 havia tantos msicos

    em Corumb que uma orquestra especial teria sido montada com

    30 elementos. Todos estas informaes necessitam de um estudo

    aprofundado e uma pesquisa para encontrar documentos que com-

    provem esta efervescncia instrumental na Cidade Branca. Com a

    herana da vinda de muitos escravos a Corumb, incrementado pela

    chegada dos cariocas militares, a cultura do samba sempre foi mui-

    to apreciada na cidade.

    A ponto de Corumb ter a sua primeira escola de samba fundada

    em fevereiro de 1933, apenas quatro anos depois da estao Primei-

    ra da Mangueira ter surgido no Rio de Janeiro. Guizzo aponta Jos

    Igncio da Silva Neto, o Tim, como o compositor da primeira m-

    sica popular urbana feita por um sul-mato-grossense e gravada por

  • 29

    uma editora de fama nacional. A msica chama-se Silncio Notur-

    no, um samba-cano gravado pelo cantor Carlos Augusto pelo selo

    Sinter, em 1955. O pesquisador garante que esta msica foi muito

    executada nas rdios do Sul do Estado e em Corumb, chegando

    a virar prefi xo dos cinemas locais. O prprio Tim gravou no ano

    seguinte um compacto de 78 rotaes contendo duas composies

    suas: Destino e Pingo de Chuva. O caso de Tim, no entanto, iso-

    lado e refl ete, alm do prprio talento do artista, a grande conexo

    que Corumb mantinha com a cultura carioca, j que as composi-

    es eram sambas e falavam basicamente de amor, sem nenhuma

    relao com o universo cultural da prpria regio. Mas foi realmen-

    te na dcada de 50 que a msica autoral do Sul de Mato Grosso

    fl oresceu e isso tem tudo a ver com o desenvolvimento de Campo

    Grande desde 1914, quando chegou na cidade o trem da Noroeste

    do Brasil vindo de Bauru e estourou a Primeira Guerra Mundial,

    inviabilizando o comrcio do porto corumbaense.

    Enquanto Corumb iria chegar na segunda metade do Sculo

    XX em declnio econmico, Campo Grande faria o caminho inverso.

    Jos Antnio Pereira, um mineiro de Barbacena, fundou o Arraial de

    Santo Antnio no ano de 1877. Ele havia sado de Monte Alegre em

    4 de maro de 1872 com o objetivo de chegar as terras da regio da

    Vacaria, ao Sul de Mato Grosso, por um caminho j trilhado pelos

    soldados mineiros e goianos que tinham ido lutar na guerra com o

    Paraguai. O aventureiro viajou acompanhado apenas do fi lho Ant-

    nio, do guia Luiz Pinto e dois escravos. Foram trs meses e meio at

    Jos Antnio chegar em 21 de junho de 1872 a confl uncia dos cr-

    regos depois batizados de Prosa e Segredo. claro que a chegada

    dos mineiros traria tambm toda a cultura secular de Minas Gerais.

    Uma idia da mentalidade reinante e da msica que era ouvida nos

    primrdios de Campo Grande, elevada categoria de cidade somen-

    te em 1918, pode ser conferida em um dos itens do primeiro Cdigo

    de Posturas do municpio. expressamente proibido fazer sambas,

    caterets ou outros quaisquer brinquedos que produzam estrondo

    ou vozerio dentro da vila. Ou seja, no incio de sua histria, a misce-

    lnea cultural j estava instalada. O cateret vem de Minas Gerais e

    a catira do interior de So Paulo. O samba, claro, dos negros. Uma

    verdadeira salada compe o imaginrio cultural da cidade desde

    a fundao at os dias de hoje. Herana vinda dos indgenas e caa-

  • 30

    dores-coletores, dos portugueses, espanhis, japoneses e vizinhos

    paraguaios e bolivianos, alm dos migrantes sulinos e nordestinos e

    outras regies do pas.

    O jornalista Valrio DAlmeida, um dos mais importantes cronis-

    tas do Estado, relata no artigo O Prstito Carnavalesco de 1914, no

    livro Campo Grande de Outrora, que havia na Rosa de Maracaju

    - maneira com que se referia a cidade campo-grandense - um grupo

    de entusiastas que j organizava apresentaes de msica e teatro.

    Miguel Garcia, Joaquim Bertolino, Mestrinho e Tobias eram ex-

    mios musicistas, formando, em conjunto, uma excelente orquestra,

    sendo o primeiro timo cantor, tendo, na sua mocidade, tomado par-

    te ativa no elenco do teatro Lrico do Rio de Janeiro. Valia a pena

    assistir s lindas noitadas que organizavam, quer fazendo msica,

    quer levando peas teatrais ribalta de um pequeno palco constru-

    do na hoje tristonha e abandonada Rua 26 de Agosto.

    Seu texto data de maio de 1949. Mas demoraria at a dcada

    de 50 para surgirem os primeiros compositores, vindos de vrios

    locais, mas que moravam em Campo Grande. Na verdade, at este

    perodo, no havia clima na cidade para se fazer vos intelectuais.

    Alm da prpria infra-estrutura de Campo Grande, que s foi

    melhorar a partir dos anos 1930, com a construo de vrias obras

    e a primeira modernizao do municpio, um dos empecilhos para

    que surgissem artistas com trabalhos prprios na cidade que ha-

    via tambm um clima de insegurana, gerada pelo grande nmero

    de armas de fogo usadas pela populao e pela presena de bandos

    organizados, que assaltavam e saqueavam principalmente fazendas

    e cidades na regio da fronteira algo que durou at a dcada de

    1940. Houve um esforo enorme do Governo Vargas e seu Estado

    Novo para combater estes criminosos e desarmar a populao do

    Sul de Mato Grosso, impingindo at mesmo toque de recolher e lei

    do silncio.

    De acordo com Valmir Batista Corra, em seu Coronis e Bandi-

    dos em Mato Grosso, vrios destes bandidos fi caram famosos, como

    o correntino Franck Six Moritz. Conhecido como Sismrio, chamava

    a ateno pela bela aparncia e o fi no trato. Foi morto na segun-

    da dcada de 1900. A gacha Capitoa, apelido de Maria Aparecida

    Belmonte, foi uma das poucas mulheres a comandar um grupo de

    bandoleiros no Estado na primeira e segunda dcada do Sculo XX.

  • 31

    Mas os bandos proliferaram-se na regio a partir de 1930. Um dos

    mais conhecidos era liderado por Silvino Jacques, o Lampio de

    Mato Grosso. Ele famoso tambm pelos bailes que organizava e

    por tocar violo e cantar, alm de fazer seus prprios versos. O seu

    auge foi nos anos de 1935 e 1936 e, depois de servir aos podero-

    sos, acabou caado e morto em 1939 pela polcia de Getlio Vargas.

    Os bandos chamados Bochincheiros, constitudos por fronteirios

    e paraguaios, que atuavam na zona ervateira prxima ao Paraguai,

    tinham uma peculariedade, conforme ressaltou o historiador Hlio

    Serejo e que Valmir Batista destacou em p de pgina em seu livro.

    Como (os bochincheiros) no conseguiam trabalho, passavam a se

    divertir com musiqueada (baile improvisado) que recebia o nome de

    bochincho. Com certeza, a trilha sonora deste pessoal era a polca

    paraguaia. Um dos ltimos grupos organizados e armados foi o dos

    Baianinhos, liderado pelo valente Otaclio Batista, bvio, baiano.

    Em 1942 este grupo ps terror na zona fronteiria atacando fazen-

    das do Pantanal portando metralhadoras de mo conhecidas popu-

    larmente por piriri. No ano seguinte eles seriam desmantelados.

    Em 1941, Campo Grande tinha atingido os 25 mil habitantes. A

    cidade dava os primeiros sinais de desenvolvimento. De acordo com

    ngelo Arruda, em Campo Grande - Arquitetura e Urbanismo na

    Dcada de 1930, em 1938 desenhou-se a primeira planta urbana do

    municpio e desenvolveu-se, ento, um plano diretor para a cidade

    em 1941. Os primeiros edifcios, os monumentos Obelisco e Rel-

    gio da 14, o Colgio Dom Bosco, o Hotel Americano, a Agncia dos

    Correios e Telgrafos, o Hotel Colombo, o Cine Alhambra, o Colgio

    Nossa Senhora Auxiliadora, as Casas Pernambucanas, a Casa Said

    Name, a Casa de Sade Santa Maria, o Estdio Belmar Fidalgo, a

    estao da Noroeste do Brasil... Todas estas obras foram realizadas

    durante a dcada de 1930. Com o fi nal da Segunda Guerra, do longo

    perodo sob o governo ditatorial de Getlio Vargas e da exploso do

    rdio no Brasil, a partir de 1945 todo o mundo ocidental vive uma

    fase de euforia e esta onda comearia a chegar na provinciana Cam-

    po Grande durante os anos 1950 e 1960 e explodir nos 1970, com

    122 mil habitantes morando na rea urbana.

    Na dcada de 1940, alguns msicos eruditos residentes em Cam-

    po Grande formaram um grupo para tocar violinos, violoncelos, vio-

    les e piano. Msicos militares eram chamados para os instrumen-

  • 32

    tos de sopro. Eles se apresentavam nos cinemas de Campo Grande,

    como o extinto Cine Santa Helena, e em cidades do interior, com um

    repertrio sinfnico adaptado para a formao e tambm tocavam

    msica de salo. Os lderes foram os msicos Frederico Lieberman

    e Eldio Campos Vidal. importante ressaltar ainda o papel do R-

    dio Clube, fundado em 1924, como local em que se fazia arte em

    Campo Grande. Muitos grupos de fora do Estado se apresentaram

    no clube, que teve carnavais histricos e foi testemunha da evoluo

    da sociedade de alto poder aquisitivo na cidade. Nos anos 1950,

    se destacou o Conjunto do Lalo, um quinteto que se tornou popular

    nos bares e casas noturnas campo-grandenses.

    At a, no entanto, no havia nenhum compositor local ou um

    grupo com trabalho autoral em evidncia na cidade. O que havia,

    at ento, era msica para animar bailes, festas de casamento, da-

    tas comemorativas, eventos ofi ciais e, claro, churrascos e festan-

    as nas fazendas. Este repertrio vinha de dois lugares principal-

    mente: da rdio - que foi fundada no Brasil em 1923 e nos anos 1940

    j havia se tornado o principal meio de comunicao e mdia de

    massa do povo brasileiro -, e do cancioneiro paraguaio. Os grandes

    artistas do pas eram cantores do rdio que estavam no eixo Rio-So

    Paulo. No seria Campo Grande que fi caria de fora deste fenmeno

    nacional. No entanto, tudo o que se faz nas grandes cidades re-

    petido, e antes em maior escalada, nos fundes do pas. Por isso, as

    rdios locais tambm produziriam suas estrelas locais. A partir dos

    anos 1950, ento, comeam a surgir os primeiros nomes da msica

    do Sul de Mato Grosso com trabalhos autorais.

    A PRIMEIRA TURMA OS DESBRAVADORES DOS 50

    O fato que entre 1500 e 1600 a presena dos espanhis foi gran-

    de na regio sul-mato-grossense. Isso deixou marcas, independen-

    temente da fronteira poltica estabelecida pelos governantes. Em

    grande parte do Estado, vrios hbitos e costumes do povo paraguaio

    permaneceram na banda de c brasileira. Com o grande xodo ocor-

    rido no lado paraguaio devido a combates como a guerra com Brasil,

    Argentina e Uruguai, a Guerra do Chaco (1932/1935) e a Revoluo

  • 33

    Civil (1947), muitos deles se estabeleceram na fronteira do Sul de

    Mato Grosso, Paran e no Norte da Argentina, em Corrientes. Os pri-

    meiros compositores do Estado so descendentes da mistura destes

    paraguaios com os migrantes brasileiros, principalmente mineiros e

    gachos.

    Entre os artistas com trabalhos autorais em tempos mais longn-

    quos est Ceclio da Silva, depois transformado em Amamba. Aos

    10 anos, em 1947, ele montou a dupla Campanha e Corumb (seu

    parceiro) e se apresentava na Rdio Difusora de Aquidauana. Em

    1956, participou da dupla Garimpo e Garimpeiro, desfeita porque

    seu parceiro precisou ir para So Paulo tratar da voz que estava

    perdendo, e logo formou com Emdio Umar, que j tinha tido a dupla

    Alvarenga e Umar, a famosa dupla Amambay & Amamba, nome su-

    gerido por Zacarias Mouro.

    Outra pioneira foi Eleonor Aparecida Ferreira dos Santos, a Beti-

    nha. Em 1951, com 10 anos, formou com seu cunhado a dupla Nh

    Chico e Nh Xica. Eleonor e sua irm Josabeth estrearam como Beth

    & Betinha em 1956 no Clube Amambay, em Pedro Juan Cabarello.

    Elas ganharam o ttulo de Princesinhas da Fronteira depois de ven-

    cer um concurso em uma rdio de Assuno de composio em cas-

    telhano e guarani. As duas j faziam o trecho de cidades da fronteira

    paraguaia com o Brasil e em 1958 vieram para Campo Grande tocar

    na Rdio PRI-7. Quem estava na cidade era o circo de Nh Pai, aque-

    le que comps Beijinho Doce e vrias canes dedicadas ao Mato

    Grosso. Ele escutou Beth & Betinha cantando na rdio e as chamou

    para se apresentar em seu circo que estava montado aonde hoje o

    Mercado Municipal de Campo Grande.

    Zacarias Mouro tambm j tinha passado pelo Rio de Janeiro,

    com a inteno de se tornar padre, e So Paulo, onde se estabeleceu

    at os anos 1980. No comeo da dcada de 1950, o compositor de

    Coxim comeou a ganhar os primeiros concursos de poesias nas

    rdios paulistanas. Foi sem dvida o primeiro artista do Sul de Mato

    Grosso a ter programas prprios em emissoras de rdios poderosas

    e escrever em revistas musicais importantes do eixo Rio-So Paulo.

    A parceria dos primos ele 11 anos mais velho do que ela Jos

    Pompeu e Delarina Pereira aconteceu em 1956 em Campo Grande.

    Primeiro eles formaram um trio, com a amiga Vanir chamado Duas

    Damas e Um Valete. Depois fi caram apenas os dois Zezinho e Deli-

  • 34

    nha como o Duo Pintassilgo. Nas primeiras apresentaes em So

    Paulo na Rdio Bandeirantes, em 1958, j casados, os dois ainda

    atendiam por este nome, o que foi rapidamente modifi cado pelo ex-

    periente Capito Barduno, primeiro locutor sertanejo da emissora

    e que batizou os dois de Dlio & Delinha.

    A msica autoral do Sul de Mato Grosso nasceu escancarando

    a infl uncia da msica paraguaia. Mas a antropofagia rolou solta.

    Nem o rasqueado desenvolvido por Raul Torres, Nh Pai, Mario Zan

    e Capito Furtado desde a dcada de 1940 e tampouco a rigidez das

    normas estruturais da escola tradicionalista musical do Paraguai. A

    msica desta regio sempre foi outra coisa. Algo genuno e muito

    particular. Assim como Corrientes se orgulha de ter criado o cha-

    mam o termo surgiu na cidade nos anos 1930 -, Campo Grande

    tambm pode gabar-se de ter seu prprio estilo de interpretar a pol-

    ca, a guarnia e, sim, o prprio chamam correntino. Esta linha de

    criao artstica desenvolve-se at os dias atuais, mas os primeiros

    foram justamente esta gerao dos anos 1950.

    Depois, em 1960, Z Corra iria revolucionar o modo de tocar

    o acordeon e a maneira de interpretar os chamams argentinos.

    importante salientar que o jeito de tocar duetado a sanfona gera

    uma discusso sobre se foi Z Corra ou no o criador da tcnica.

    Mas o importante, e inconteste, que foi ele, um descendente de

    gachos e nascido em uma fazenda, quem popularizou esta nova

    maneira de tocar o instrumento. Este jeito de tocar o chamam, que

    Dino Rocha depois se tornou o principal representante, ainda um

    enigma para a maioria dos sanfoneiros de outras regies do pas.

    Por isso, quando os nacionalistas apontam a msica fronteiria

    como no sendo brasileira, h uma negao de um lado do pas que

    no se enquadra nos moldes do que se consome e produz artistica-

    mente no litoral do Brasil. O fato que em poucos lugares do pas os

    compositores unem trs lnguas nas letras espanhol, guarani e por-

    tugus -, e o ritmo explorado o ternrio (3/4 ou 6/8). Esta gerao

    de 1950 foi a primeira a fazer isso no campo da msica autoral e esta

    tradio segue at hoje na msica sul-mato-grossense. pertinente

    ressaltar que at o fi nal dos anos 1970, quem dominava a cena arts-

    tica e ditava as cartas era justamente Dlio & Delinha e companhia.

    Quando o Mato Grosso do Sul foi criado em 1977 e dois anos depois

    o Estado nasceu de fato, era urgente responder a questo sobre

  • 35

    qual era a msica sul-mato-grossense e quem eram os msicos que

    representavam o novo Estado. O fato que esta gerao comeou a

    declinar no fi nal dos anos 1970 e na dcada de 1980 enfrentou a forte

    concorrncia dos ritmos sulinos, como o vanero, que se popularizou

    no Estado e, de certa maneira, mudou o panorama do mercado musi-

    cal, antes basicamente dominado pelo gnero fronteirio.

    No momento em que se cria o Mato Grosso do Sul, a gerao que

    havia comeado a fl orescer nos festivais estudantis, a partir de 1967

    em Campo Grande, se fi rma como a detentora da verdadeira msi-

    ca do novo Estado. Entre eles, Grupo Acaba, Famlia Espndola, Pau-

    lo Simes, Carlos Colman... Com isso, este pessoal dos anos 1950

    acaba deixado de lado, pois h uma espcie de negao de tudo

    o que representava o antigo Mato Grosso. A gerao de Geraldo

    Espndola viveu a primeira onda da globalizao, com a televiso j

    mais popular que o rdio divulgando astros nacionais e estrangeiros

    e a juventude em plena revoluo de costumes. No entanto, a obra

    destes compositores dos 50 tambm signifi cativa e, em termos de

    quantidade de discos e fonogramas gravados, imbatvel at os dias

    atuais. Nenhum artista sul-mato-grossense gravou mais que Dlio &

    Delinha ou Dino Rocha. importante frisar tambm que a ligao

    com Cuiab praticamente no existiu para a maioria destes com-

    positores. Dlio & Delinha, por exemplo, fez apenas um show nos

    palcos cuiabanos em 50 anos de carreira.

    P de Cedro e A Mato-Grossense, de Zacarias Mouro, Cria-

    dor de Gado Bom, Prazer de Fazendeiro e O Sol e A Lua, de Dlio

    & Delinha, Estrada de Cho, de Aurlio Miranda, Don Artur, de

    Z Corra, e Gaivota Pantaneira, de Dino Rocha, so clssicos re-

    gionais to representativos do Sul de Mato Grosso quanto os que

    viriam depois com Almir Sater e seus companheiros a partir dos

    anos 1970. O tom pr-natureza j estava contido na ecolgica P de

    Cedro, feita em 1959, quando o assunto no era nem de longe uma

    pauta interessante. Com certeza, Zacarias Mouro um dos primei-

    ros compositores do pas a emplacar um sucesso nacional com este

    tema e a partir de uma histria pessoal, pois ele plantou a rvore

    protagonista em 1939, aos 11 anos. Cinco dcadas depois de ser

    criada, P de Cedro resiste ainda como a msica mais conhecida e

    uma das mais regravadas do cancioneiro do Estado.

    O compositor paulista Raul Torres foi um dos primeiros do pas

  • 36

    a ir at Assuno para beber direto da fonte da msica paraguaia.

    Ele fez trs viagens capital paraguaia nos anos de 1935, 1944 e

    1950. considerado o primeiro brasileiro a compor rasqueados, o

    gnero que seria o abrasileiramento da polca paraguaia e da gua-

    rnia. Em 1943, Capito Furtado organizou uma turn por todo o

    Estado de So Paulo, Gois, o Tringulo Mineiro, e o Mato Grosso.

    Foi nesta excurso que Mrio Zan comps Chalana, segundo re-

    lata Rosa Nepomuceno em Msica Caipira - Da Roa ao Rodeio,

    vendo o Rio Paraguai de sua janela do quarto do Hotel So Bento na

    cidade de Corumb. Nh Pai tambm foi outro pioneiro em compor

    rasqueados, a adaptao da polca paraguaia que agradou em cheio

    ao pblico brasileiro. A maior prova disso o sucesso nos anos 1950

    da dupla Cascatinha e Inhana, os Sabis do Serto. Em 1952, eles

    gravam um LP de 78 rpm com verses de ndia e Meu Primeiro

    Amor (Lejania). Na poca foram 500 mil cpias prensadas, o que

    equivaleria na dcada de 1990 a dois milhes, ainda de acordo com

    Rosa Nepomuceno.

    At hoje no foi feita uma pesquisa sobre a vendagem dos dis-

    cos sul-mato-grossenses. Sabe-se que os primeiros LPs de 78 rpm,

    os bolaches, gravados por Dlio & Delinha, assim como vrios

    discos da dupla, foram muito bem aceitos. Um dos mais vendidos

    foi Gosto Tanto de Voc, de 1968, que contou com a participao

    do estreante Z Corra. A msica Criador de Gado Bom tornou-

    se um dos hits do repertrio do Casal de Ona de Mato Grosso.

    Z Corra, alis, foi um dos artistas que mais venderam discos em

    uma carreira meterica. De 1968 a 1974, quando foi assassinado,

    gravou sete discos solo, um compacto duplo e 14 discos com outros

    artistas. O LP Os Mensageiros de Mato Grosso, que ele fez ao

    lado de Amambay e Amamba, em 1969, pela Califrnia, infl uen-

    ciou muito os msicos do Estado, incentivando o aparecimento de

    muitos trios com a formao de dois violes e sanfona. A ltima

    msica do Lado B deste lbum se transformou em fenmeno de

    vendas e de pedidos nas rdios do Estado: A Mato-grossense, de

    Zacarias Mouro e Flor da Serra.

    O fato que desde a gerao de Raul Torres que o rasqueado j

    era apreciado no prprio Paraguai. A msica de Capito Furtado e

    Palmeira, Paraguayita, Pepita de Oro, de 1944, fi cou famosa por

    ser uma das mais apreciadas pelo presidente paraguaio na poca.

  • 37

    Por isso, alguns artistas de Campo Grande acabaram produzindo

    disco na gravadora Cerro Cor, de Assuno. Foi o caso de Adail e

    Tesouro (Sereia Loira/1974), Ado e Adail (Pula Pula Corao/1975,

    Que Problema Tem?/1976) , Dino Rocha (Meus Sentimentos/1975) e

    Amambay e Mbakarai (Os Mensageiros da Fronteira/1975). O mer-

    cado e a integrao musical entre o Paraguai e o Sul de Mato Grosso

    incentivaram a gravadora Cerro Cor a abrir uma fi lial em Campo

    Grande, a Melodias Discos. O selo lana, por exemplo, o disco Se-

    parados na Cama, dos Irmos Ouro e Prata, em 1979.

    Assim como h o interesse dos brasileiros em romper as barrei-

    ras que os separam do pblico do pas vizinho, os paraguaios se inte-

    ressam pelo Brasil. E muito. Se o Paraguai tem a msica riqussima

    e uma espcie de bero da alma da cultura guarani, o Brasil possui

    um mercado atrativo para os msicos paraguaios e este desejo, de

    fazer mais shows, vender mais discos e tocar para mais pessoas,

    que fez bandas como o Los Tammys rumarem para o Mato Grosso

    do Sul principalmente a partir do fi nal dos anos 1970. Originrio de

    Pedro Juan Caballero, cidade vizinha a Ponta Por, o grupo grava

    vrios discos pela Cerro Cor e Melodias Discos e se apresentou

    a partir do comeo da dcada de 1970 em vrias cidades do Esta-

    do. Conhecidos por serem um dos primeiros grupos a romper com

    a formao clssica de instrumentos acsticos, ditados pela escola

    tradicionalista, o conjunto comeou a cantar as polcas e msicas

    tradicionais do pas com baixo, bateria e guitarras no acompanha-

    mento. A banda se apresenta em vrios clubes campo-grandenses,

    como o Surian e o Libans, e o cantor Victor Hugo de La Sierra aca-

    bou vindo morar no incio dos anos 1980 em Campo Grande, onde

    residente at hoje.

    Esta atmosfera fronteiria era perfeitamente sentida na recm fei-

    ta capital do novo estado de Mato Grosso do Sul, na dcada de 1980.

    Havia vrias churrascarias com msica paraguaia ao vivo. A mais fa-

    mosa foi a Cabana Gacha. A dupla que mais se destacou na noite

    campo-grandense foi Jandira e Benites, em um tempo que se passava

    de mesa em mesa, cantando a pedidos e faturando principalmente

    com a caixinha que os clientes deixavam para os msicos. Esta gera-

    o, no entanto, se apresentou muito mais nos circos que circulavam

    pelo interior e capital do Sul de Mato Grosso. A pesquisa deste livro

    se encerra em Tosto & Guarani, pelo autor entender que esta foi a

  • 38

    ltima dupla que ainda guarda mais semelhanas do que diferenas

    em relao aos primeiros compositores que surgiram nos 50.

    Donos de uma obra extensa e que necessita de um estudo mais

    detalhado de anlise musical, Dlio & Delinha, Zacarias Mouro,

    Amambay e Amamba, Z Corra, Beth & Betinha, Jandira e Beni-

    tes, Maciel Corra, Adail e Tesouro, Ado e Adail, Tosto e Guarany,

    Aurlio Miranda, Victor Hugo de La Sierra foram alguns dos artistas

    que ajudaram a transformar o Mato Grosso do Sul em um celeiro de

    talentos musicais com trabalhos de primeira qualidade e com um

    forte cunho fronteirio. Estes artistas so os primeiros compositores

    que registram e cantam a matogrossice, um jeito de ser brasileiro

    nico e ainda no incensado como o tradicionalismo gacho, a cul-

    tura carnavalesca nordestina-carioca e a exuberncia amaznica.

    necessrio o resgate destes nomes e a reposio do valor de seus

    trabalhos na linha de frente da msica sul-mato-grossense para que

    a msica do Estado siga seu caminho natural e evolutivo.

  • 39

    PARTE 2

    DEPOIMENTOS

  • 40

  • 41

    O FENMENO DLIO & DELINHA

    Delinha: O Dlio tinha morado em So Paulo por cinco anos e vol-

    tou para Campo Grande em 1956. Ele queria ser artista. L ele fez

    dupla e no deu certo. Um irmo dele morava perto da minha casa

    em Campo Grande e o Dlio estava l. A mame soube que o Zezi-

    nho tinha chegado. Ele era metido e muito bonito.

    O pai do Dlio irmo da minha me. A vov casou primeiro

    com um Pompeu e depois com um Pereira. O Dlio Pompeu. Ele

    da famlia Taveira tambm.

    Quando ele veio em casa eu tinha uns 10 anos. A minha me

    contava que ele colocou a mo na minha cabea e disse: Ai que

    menina feia.

    Dlio: Eu morava em So Paulo e vim passear em Campo Grande.

    Fiquei na casa do meu irmo. A me da Delinha, que irm do meu

    pai, foi me visitar e falou: Zezinho! Voc gosta de cantar e tocar. A

    Delinha tambm. Vai l para casa. Voc no tem onde fi car mesmo.

    Conhecia a Delinha s de nome. Tinha visto ela menina e quando

    voltei estava moa.

    Delinha: Ento fomos eu, Vanir e mame para ver o Zezinho. Che-

    gamos l, ele estava na matin. Ficamos esperando at que ele veio

    de palet no dedo e culos escuros. A mame pediu para ele cantar.

    Ele pegou o violo e comeamos a cantar. Ele falou: Vamos cantar

    mais. Vou na sua casa. Ele viu que deu um negcio. Ele vinha para

    casa e comeamos a cantar eu, a Vanir e ele. Ele colocou o nome do

  • 42

    trio de Duas Damas e Um Valete. Mas o pai dela no deixou mais

    porque dizia que o Dlio era sem vergonha e queria fi car com as

    duas. Besteira. Ns comeamos a cantar. A mame gostava dele e

    falou que era para eu namorar. Mas eu no queria. O papai j tinha

    sado de casa.

    Dlio: Eu fui para a casa da Delinha, mas no estava namoran-

    do. Era s msica. A gente fi cava at as 11 da noite incomo-

    dando os vizinhos. A casa onde ela foi criada e morou a vida

    toda. Na Rua Paissandu. A Delinha tem at uma msica chama-

    da Velha Casinha. Cheguei a querer derrubar a casinha para

    construir uma de material, mas a me dela no deixou. Ficamos

    nisso um ano mais ou menos, at que comeou a dar namorinho

    e terminamos casando.

    Delinha: Eu no sei se o Dlio chegou a ir falar com a minha me

    sobre namoro e casamento. De certo sim. A mame fi cou brava

    porque eu no queria casar com o Zezinho. Ele dava entrada de

    namorar, mas eu saa fora. Tinha 19 anos e ele 31, 32. Mas a

    falei: Me, para acabar com a conversa, voc quer que eu case?

    Eu caso. Toda a vida foi assim. Se me incomodar muito eu fao,

    mesmo se vou sofrer.

    Dlio: Casamos no dia 22 de fevereiro de 1958. Logo na lua de

    Dlio & Delinhaarq. Delinha

  • 43

    mel fomos embora para So Paulo. Fomos lutar com a vida. A gente

    no tinha lugar para fi car e nem dinheiro para viajar. O que fez a

    gente ir foi porque eu cantava bem e a Delinha tambm. A carreira

    artstica oferecia um futuro.

    Delinha: A minha tia Braulina toda vez que nascia um bezerro

    dizia que ele era meu: Este da Del. Quando casei j tinha seis

    cabeas de gado. Eu era muito pobre e o Zezinho no tinha nada.

    A mame chorava e no queria que eu fosse para So Paulo. Disse:

    Voc queria que eu namorasse ele, agora aguenta.

    Bom, falei com a tia Braulina, escrevi uma carta e ela vendeu

    os bois para mim. Deram 6.500 que no sei se era cruzeiro ou cru-

    zado. Com este dinheiro fomos para So Paulo. Deixei um pouco

    com a mame.

    Viajamos graas a este dinheiro que a tia Braulina pegou do

    meu gado. O Dlio queria ir. Eu no. Mas quando destino, voc

    no corta.

    O Zacarias Mouro veio em Campo Grande fazer show na rdio

    PRI-7 com o Duo Estrela Dalva. Aos domingos o auditrio lotava. A

    Itamy era noiva dele e eu era do Dlio. Fizemos amizade com eles.

    Quando casamos e fomos em 1958 para So Paulo procuramos o

    Zacarias na Rdio Bandeirantes. Ele falou com o Capito Barduno

    e foi quando ns entramos na rdio.

    Dlio: Antes de irmos para So Paulo, o Zacarias esteve em Campo

    Grande com o Duo Estrela Dalva, em que a noiva dele cantava. Foi

    o meu primeiro contato com o Zacarias. Ele falava: Se forem para

    So Paulo, me procurem que arrumo um encaixe para vocs.

    Delinha: O Zacarias conseguiu falar com o Capito Barduno e

    o Bigu, que tinham programas sertanejos na Bandeirantes. E o

    resultado foi que com nove dias a gente entrou para a rdio. Mas

    sem ganhar. Ficamos cinco anos e um ms l e nunca tivemos re-

    munerao. S para fazer nome. Ganhava cenzinho, duzentinho,

    nos shows nos circos.

    Dlio: A gente foi confi ando no Zacarias, mas fomos confi ando

    mais em ns mesmos. Ns samos daqui dando show em gua Cla-

    ra, Rio Pardo... Onde tinha um lugarejo ns descamos do trem e de

    noite dava um show para arrumar dinheiro. Ganhava uma mixaria.

    Delinha: A irm do Dlio j morava em So Paulo. Lembro que a

    primeira rua que cheguei foi a Avanhandava. Onde tinha uma igre-

  • 44

    ja de crente. Porque antes da gente ir, o Dlio morava l. Ele fi cou

    noivo de uma moa crente. At uma msica ele fez para ela. De

    certo, ela o achou muito estpido e desmanchou o noivado.

    Ento ns fi camos na casa de um pastor, que era da igreja que

    ele ia com ela.

    Dlio: Antes de ir casado com a Delinha para So Paulo eu j havia

    morado l. Trabalhei como eletricista. Devia estar com 28 anos.

    Fui para enfrentar o basquete de SP. E consegui emprego bom.

    Comecei a entrosar na eletricidade e fazia de tudo. Nesta poca

    tocava s para mim mesmo. Voltei para Campo Grande por bairris-

    mo. Saudade da terra.

    Delinha: Eu no sabia nada. Nunca tinha sado de Campo Gran-

    de. O Dlio falou: Ns vamos noite na minha irm. Era a minha

    cunhada, que era minha prima tambm. Ela j morreu. Eu entre-

    gava leite para ela quando tinha uns nove anos. Ela no lembrava

    de mim, s sabia que eu era fi lha da tia Xiruca. J no primeiro dia

    ela disse: Mano, vamos jantar aqui. Era acostumada a comer ma-

    carro com molho vermelho e bastante queijo. Ela falou: Vamos

    comer um macarro com manteiga. No tinha comido. Era chique,

    mas no descia. Queria molho. Sofri em So Paulo. A cunhada fa-

    lou: Mano vem morar aqui. Voc no tem onde fi car.

    O apartamento dela era uma kitnet. Aquele salo grande e a

    cozinha. Era na Rua Paula Souza, fi cava na mesma rua da Rdio

    Bandeirantes, para cima da Avenida So Joo. A minha cunhada

    deu o biombo para ns. Dormia ela no sof e o menino dela, o

    Silvio, no outro. Ns fi camos muito tempo com ela ali. Eu limpava

    a casa e cozinhava. Ela foi parceira. Era muito famlia e se preo-

    cupava com os irmos.

    Mas eu tive que trabalhar para ajudar. Fui ser professora de um

    cara que tinha uma loja perto da Estao da Luz. Ele tinha lbio

    leporino. Ensinava ele a fazer continha de somar. Ele era mais novo

    que a mulher e ela no queria que ele fosse ao colgio. Ela era

    velha rica e queria botar uma loja para ele. O Dlio acabou indo

    trabalhar como informante da Editora Globo.

    Dlio: Eu estava trabalhando em servio braal na iluminao p-

    blica. Mas sempre fui curioso e tinha aprendido datilografi a, mas

    no com grande execuo. Surgiu uma proposta de emprego na

    Rede Globo. Precisava ser datilgrafo e fui. Tinha uns 10 candida-

    tos e passei em primeiro lugar. Era para ser informante.

  • 45

    Tipo comprava uma coleo de livro e eu ia tirar informao

    para o cara. Mandei o dedo naquele troo e passei em primeiro

    lugar. O chefe falou: o seguinte, estamos precisando de infor-

    mante, mas tem que comear amanh. No outro dia fui trabalhar

    na Editora Globo.

    Eu comprei um sof cama prestao e alugamos um quartinho

    no Bexiga que s cabia ns dois. No fi m do ms eu no pude pagar

    o aluguel e o dono da casa me tomou o sof. L fomos ns dormir-

    mos no cho outra vez.

    Delinha: Tivemos de mudar para um quarto menor no Bexiga com

    cinco meses de casados. Eu tinha 22 anos. O apartamento s tinha

    uma cama de solteiro, uma mala de roupa e uma mesinha. O outro

    tinha cama de casal. Cozinhava na espiriteira, aquelas coisas de

    lcool. Fazia arroz e feijo.

    O BATISMO NA RDIO BANDEIRANTES

    Dlio: Depois de poucos dias que chegamos a So Paulo j estvamos

    cantando na Rdio Bandeirantes. Ns chegamos l com o nome de

    Duo Pintassilgo. O nosso diretor artstico era o fi nado Capito Bardu-

    no. Ele falou: Vamos trocar esse nome a. Como vocs se chamam?

    Me chamo Zezinho.

    Capito Bardunoarq. Rodrigo Teixeira

  • 46

    Zezinho o que tem aqui, no serve. E voc?.

    Me chamo Delanira, mas desde criana que me chamam de Delinha.

    Est a um nome: Dlio & Delinha.

    Delinha: Foi o Capito Barduno que nos batizou. E a fi cou. Mas

    ele esquecia o nosso nome: Agora vamos apresentar... Esqueci o

    nome... Meu Casal de Ona de Mato Grosso. Ns no gostvamos

    desse ttulo de Casal de Ona. Quando anunciava nos shows Dlio

    & Delinha, o Casal de Ona de Mato Grosso o povo pensava que a

    gente levava um casal de ona adestrado.

    Tinha o programa Serra da Mantiqueira que era do Bigu. Das 7

    s 7h30. E do Capito Barduno que era mais tarde, das 8 s 8h30.

    Eram os programas mais ouvidos da Rdio Bandeirantes.

    O Capito Barduno gostou de ns. Ele era gordo. De vez em quan-

    do eu chamava o Dlio de Zezinho e o Barduno queria me matar. Fi-

    Carto da duplaarq. Delinha

  • 47

    cava bravo. O dia que o Palmeiras perdia no podia nem falar com ele.

    Chero: Tambm fui morar em So Paulo por volta de 1960, com

    uns 19 anos. Trabalhava com calados, mas sempre envolvido

    com o mundo artstico. Fui morar no Sumar na casa de um cabo-

    clo que eu fui com ele daqui, o Jos Enoque Luis. Ele era diretor

    cenogrfi co da Rdio Tupi. Eu comecei a fazer um trabalho l

    dentro e aprender cenografi a. A gente tinha direito ao restau-

    rante, ento comia no servio de dia na loja e a noite j fi cava na

    Tupi. Depois do jantar descia pra casa. Ali comecei a ter contato

    com artistas.

    Delinha: No sexto andar da Rdio Bandeirantes tinha um restau-

    rante. Ento todas as teras a turma se reunia para encontrar os

    colegas e pegar show. Ia um povo de circo e tal. Para entrosar a

    gente ia l de noite.

    Um dia, a gente estava sem dinheiro. E eu com vontade de

    comer uma mdia com po doce. O Dlio falou: No temos di-

    nheiro.

    A voc v como Deus ajuda. Veio um senhor l e disse: Escuta

    Dlio, o que voc vai fazer na quinta?.

    Nada.

    Quer um showzinho?.

    Queremos.

    uma turma toda que vai e quinhento.

    Ah t.

    Eu j vou pagar adiantado.

    Comi gostoso hein! A gente passava vontade. Foi uma poca difcil.

    Dlio: Na Rdio Bandeirantes se cantava ao vivo. Eu j tinha um

    repertrio bom. Ficamos assim por um ano. A gente era caipira,

    bobo mesmo. Ficamos esperando que a gravadora nos chamas-

    se. Cheguei no Barduno e reclamei: Capito, ns precisamos

    gravar. Faz um ano que estamos cantando na rdio e a rdio no

    nos manda gravar.

    Mas meu fi lho, a rdio no tem nada a ver com isso. Voc vai

    l na gravadora, mostra o repertrio e a eles vo ver se interes-

    sa. Eu fui.

    Chero: Toda noite a gente ouvia a Rdio Bandeirantes. Eu ouvia

    o Dlio & Delinha cantarem na rdio. Toda noite tinha apresen-

    tao ao vivo s 7h30. Curti muito. O Dlio e a Delinha lanaram

  • 48

    em 1964 o LP Sorte, Amor e Cano com coisas lindas. Naquela

    poca o Brasil inteiro ouvia rdio.

    Delinha: Ns fi camos na Rdio Bandeirantes por cinco anos e um

    ms sem ganhar nada. S para fazer nome. Eu no sei se algum

    ganhava. A gente tinha medo de perguntar.

    Dlio: Fizemos amigos em So Paulo na Rdio Bandeirantes. Era

    Pedro Bento e Z da Estrada, Zilo e Zalo, Liu e Lo, Dom Glacial,

    Zico e Zeca, Zezinha do Acordeon e o Luizinho Limeira... Eram

    nossos amigos.

    GRAVADORA CALIFRNIA

    Delinha: O Mrio Vieira, da Gravadora Califrnia, fi nalmente

    marcou para a gente gravar. O ano era 1959. As primeiras msi-

    cas foram Malvada e Cidades Irms em disco de 78 rotaes.

    Amambay: O Mrio Vieira era msico. Ele participava do Sexteto

    da Lua. Abriu este selo e comeou a gravar caipira.

    Delinha: Eu e o Dlio ramos muito ensaiados. Ele tocava violo

    l do outro lado e a gente entrava igual. Quando fomos gravar na

    Dlio (3 da dir. para esq.), Delinha e Barduno com elenco da Bandeirantesarq. Delinha

  • 49

    Califrnia, que estava comeando, fi zemos testes. O Mrio Vieira

    falou: Quinta vem aqui e grava.

    Ensaiamos a noite inteira e fi cou na ponta da lngua. Chega-

    mos e gravamos s ns dois no violo. Maior desprezo que fi ze-

    ram. A o Dlio falou que tinha mais msicas, mas ele disse que

    duas estava bom. E saiu o disco.

    Quando deu os trs meses para receber o dindim tinha vendi-

    do 264 discos. O Dlio disse que no queria mais, que todo mundo

    falava que vendia mil discos e que a gente iria voltar para Mato

    Grosso. Fazia um ano e pouco que eu e ele estvamos por l.

    A gente era caipira e sem tarimba. Todo mundo falava que

    vendia mil e tanto e ns achamos que ia ser com a gente tambm.

    O Dlio disse: Quero resciso de contrato. J que no vendeu no

    quero dar prejuzo. Vou embora trabalhar com enxada. Vale mais

    a pena. O Mrio deu a resciso.

    O Zacarias Mouro estava em Campo Grande com o Duo Es-

    trela Dalva e o sucesso na cidade era Malvada e Cidades Irms.

    Em todo lugar tocava. Virou um hino.

    Zacarias retornou para So Paulo e falou que tinha que gravar

    as msicas com a dupla dele. O Dlio falou: No senhor. Se eu

    no fi z sucesso com a minha msica, ningum mais vai fazer.

    Dlio: Quando falei com o Mrio Vieira, ele disse: Vamos fazer

    um teste. E nos mandou para fazer uma gravao na aparelha-

    gem. Ele adorou demais e gravamos. O disco veio para Mato Gros-

    so e o negcio virou um sucesso. Fomos faturando devagarzinho.

    Delinha: Foi quando o Mrio Vieira chamou para a gente gravar

    bem. Ele sabendo do sucesso em Campo Grande chamou de volta

    e entramos para a Califrnia outra vez.

    A que gravamos com o Caulinha, teve baixo e outros instru-

    mentos. O Julio na viola. Mas o primeiro sucesso mesmo foi s na

    voz e violo, como gravamos o primeiro LP 78 rotaes.

    Ns gravamos uns 2 ou 3 LPs com o Caulinha. At que um

    dia o Dlio discutiu com o Caulinha porque eles no acertavam

    uma msica. Eles discutiram e o Dlio falou: Ou eu ou ele aqui.

    Naquele tempo ramos jovens. J passou tudo isso. Depois entrou

    o Z Cupido para tocar com a gente tambm.

    Quando deu o sucesso a gente gravava at dois discos por ano.

    Porque naquela poca levantava cedo e ia a todas as rdios levar o

  • 50

    disco. A gravadora dava um invendvel para eles. E eles tocavam.

    Depois do primeiro LP continuamos gravando os 78. E quem

    gravava LP j era tido como famoso. Diziam que fi cava rico.

    Ns gravamos o primeiro LP de 78 rotaes em 26 de maro

    de 1959. Lembro porque na Semana Santa em Campo Grande ti-

    nha a Quinta-feira Santa e as coisas eram fechadas. Ento, quan-

    do o Mrio Vieira marcou um 26 de maro, quinta, eu disse pro

    Dlio que ele estava mentindo. Ns fomos com medo. A gente

    morava em um poro.

    O Mrio Vieira era sistemtico. No falava e fi cava na frente.

    O estdio era grande. E ao vivo se um msico errava, parava

    tudo e comeava de novo. Ficava o violoncelo e contrabaixo no

    cantinho. E quando a gente errava o Caulinha dava risada com

    a sanfona. Mas nunca pagamos para gravar ou ir a um programa.

    No ganhamos, mas no pagamos. O Mrio Vieira virou amigo.

    FILME DE TONICO E TINOCO

    Dlio: Ns tivemos sorte porque no primeiro fi lme do Tonico e Tino-

    co, chamado L No Meu Serto, a Biguazinha, que era fi lha do Bigu

    da Rdio Bandeirantes, gravou a minha msica Triste Verdade no

    acordeon. S instrumental. E entrou na trilha sonora do fi lme. A

    que eu faturei.

    Delinha: A Biguazinha, fi lha do Bigu, tocava no acordeon esta m-

    sica Triste Verdade. Ns e a dupla Bigu e Biguazinha fazamos

    shows juntos. Andava de txi marcando o velocmetro, inclusive via-

    jando para fora de So Paulo para tocar nos circos e em tudo quanto

    era lugar. O motorista era o Joaquim e ele cobrava por quilmetro. Na

    verdade, o Bigu pagava um cachezinho pra gente. Ele tinha nome

    e lotava. E, para pegar nome, a gente ia junto. Ns encaixamos com

    o Bigu.

    Ele gostava da dupla. Tem at esta msica, Querendo Voc, que

    demos a parceria para o Bigu. Porque ele gostava demais. Ele bota-

    va o p na cadeira e mandava cantar. Tomava um pouco de pinguinha

    e era apaixonado. A turma fazia que nem a gente fez. Dava a parceria

    da msica para ele ajudar no programa.

  • 51

    Bigu e Biguazinhaarq. Delinha

    O primeiro show que a gente fez em circo foi em uma cidade mi-

    neira. Chegamos l, o circo arriado no cho e uma brigaiada. A sorte

    que a gente levava o dinheiro para ir e voltar. Foi em Santa Rita de

    Extrema, cidade no Sul de Minas Gerais. No ganhamos nada e vie-

    mos com prejuzo.

    Todo mundo chegava na rdio e contava que tinha ganhado isso

    e aquilo e Dlio & Delinha no ganhavam nada. At pegar nome foi

    difcil demais.

    At que a Biguazinha gravou a cena do fi lme do Tonico e Tinoco

    tocando o arrasta p Triste Verdade. O assessor deles ligou para o

    Dlio e disse que todo mundo estava cedendo as msicas gratuita-

    mente. E o Dlio: Eu no dou nada. Ento vocs tirem, porque ela

    gravou, mas a msica nossa. Eu quero um cach e vou cobrar.

    O que ele cobrou na poca deu at para ir passear por Campo

    Grande. A gente vinha e sempre arrumava onde cantar. O Dlio levou

    mais de um ms segurando o fi lme. Ele dizia: Se no me pagar, eu

    no assino. At que eles pagaram. E a deu para dar uma respirada.

    Eu acho que era muito dinheiro.

  • 52

    Dlio: Os compositores precisavam assinar uma liberao para

    poder lanar o fi lme do Tonico e Tinoco. Eu segurei a barra. Pas-

    sou uns seis meses e o diretor da gravadora do Tonico e Tinoco

    telefonou para a Chantecler, onde a Biguazinha gravou e falou que

    a gente estava segurando o fi lme. O diretor da Chantecler me cha-

    mou. Fui l e ele disse: Por que voc esta segurando o fi lme do

    Tonico e Tinoco?.

    No estou segurando nada. O que eu quero receber meus

    direitos autorais.

    Mas esse o seu caso?.

    E passou a mo no telefone para falar com um diretor artstico

    da gravadora, que era um espanhol. Eu fui l depois e recebi uma

    gaita boa. Comprei carro e constru minha casa em Pirituba. Se eu

    no chorasse ia perder essa boca. Eu que vivia dormindo no poro

    feito besta.

    Chero: J tinha visto Dlio & Delinha uma vez tocando em um bar-

    raco perto do Clube Surian em Campo Grande. Depois eu fi z uma

    viagem a So Paulo com meu amigo, Dr Valfrido Rodrigues. Ele

    tinha tido um problema na famlia e tinha ido pra casa das irms.

    Dlio & Delinha naTV Tupi nos anos 1960arq. Delinha

  • 53

    Fomos parar l na casa do Dlio & Delinha em Pirituba. Eu era

    jovem de tudo. O primeiro contato que eu tive com eles foi com o

    Valfrido l em Pirituba.

    Delinha: Eu e o Dlio fi zemos uma casa em Pirituba. Compramos

    o terreno e amassamos barro. Eu que dava o balde para o Dlio.

    O Capito Barduno colocou nosso apelido de Meus Pedreiros de

    Pirituba. A gente acabava o programa, eu fazia uma marmita de

    noite e levava. Pegava o trem e subia 800 metros. A casa tinha uns

    20 degraus para subir.

    Mas o Dlio comprou o terreno e dividiu com mais dois artistas.

    No fi m o Dlio pagou sozinho e virou uma confuso muito grande.

    Perdemos tudo.

    A ROUPA

    Dlio: A gente tinha um costume bonito. A Delinha levava uma

    mala cheia de roupa com os violes. Os violeiros naquele tempo

    punham as roupas dentro da caixa do violo. E ns no. A gente

    levava quantidade pra fi car uma semana trocando de roupa e o

    pessoal era tipo todo dia a mesma roupa. Eu achava que o artista

    tinha que ser assim e sabe que funcionava? Mas a turma ria de

    ns. Vocs so bestas mesmo.

    Para ir pra casa de Pirituba tinha que subir uma ladeira e com

    essas malaiadas era difcil. Ce besta, leva s uma muda de rou-

    pa!

    Delinha: Naquela poca toda a turma tinha duas ou trs roupas de

    apresentao. Voc no ia a uma mesma cidade direto, ento no

    repetia a roupa. Eram duas ou trs mudinhas de roupa por isso.

    Comprava o pano porque minha roupa no existe e precisa ser

    feita. Minha saia tem 3 metros de largura. Dois saiotes por baixo.

    O papai era muito enjoado e no deixava nem roupa justa e nem

    cala comprida. Eu fui acostumando.

    A mame que costurava quando eu era mocinha. E fui acostu-

    mando com esta roupa rodada. Se eu vestir uma cala comprida

    ou saia justa eu estou nua. E se eu no botar dois saiotes por bai-

    xo no est bom. A minha roupa um estilo s. S muda a cor e o

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    tipo de tecido. Mas o estilo a roupa rodada. A turma v uma saia

    rodada e j fala que da Delinha. Virou uma marca. Eu chegava ao

    lugar e ia passar as roupas. Tambm toda vida o Dlio se apresentou

    de terno. Ele s anda assim. Mesmo de dia. Acostumou. A gente no

    sabe ir a um show mal arrumado. Pode ser de dia ou de noite. Os fs

    gostam de nos ver bem vestido.

    RASQUEADO

    Dlio: Nesta poca, em So Paulo, poucos artistas cantavam cha-

    mam, rasqueado, cano rancheira... Era s moda de viola e ca-

    teret. Ns entramos cantando chamam e rasqueado. Eu tocava

    bem violo. A Delinha eu ensinei. A gente dava show s ns dois. A

    Delinha com um ms j comeou a tocar bem violo e j foi tocar

    no rdio. A mulher nasceu pra isso. Fizemos um teste pro Capito

    Barduno e ele adorou.

    Maciel Corra: O Dlio era conhecido como Z do Bordo. Ele s

    tocava na bordaria. No tinha esse negcio de rasquear. A Delinha

    rasqueava e o Dlio s no bordo. Nos discos ele fazia tudo.

    Delinha: O Dlio me ensinou a tocar violo. Era um violo verme-

    lho, pequeno. Tinha 19 anos, moa bonita, e tinha vergonha daquele

    violozinho. Mandei meu primo Romeu pegar o violo e sair na fren-

    te no dia que fui tocar na rdio PRI-7, no domingo. Para eu no levar,

    porque no tinha capa.

    No que toco bem violo, eu aprendi a me acompanhar. Depois

    de uns tempos, comecei com uma dor no brao e no quis mais tocar.

    Dlio: O povo achava bom o estilo novo do rasqueado. A gente pu-

    lava no palco e era levado da breca.

    Delinha: No gosto de msica ca-i-pi-ra! Porque aquela mal fala-

    da com moda de viola e tem moda que no d. Desculpe quem goste.

    Eu prefi ro o rasqueado, que mais apaixonante.

    Polca, chamam e guarnia cada um uma coisa. So diferentes.

    S que quase que o mesmo batido no violo. O rasqueado vem do

    chamam e da polca paraguaia. O chamam mais lento e a polca

    paraguaia mais rpida. O rasqueado fi cou no meio do chamam e

    da polca. Para mim, que no estudei msica, isso.

  • 55

    Dlio: Nosso estilo diferente. um estilo, como que se fala, com

    um palavreado mais civilizado do que esse do mundo caipira. Nossa

    dupla no totalmente caipira. uma dupla de folclore, que faz

    uma msica aceita pelas altas autoridades.

    Chero: Naquela poca era mais o rasqueado. No havia tanto cha-

    mam.

    Delinha: Ns fazemos rasqueado. Acho que nos colocam de serta-

    nejo, mas a dupla Dlio & Delinha no raiz. Nem caipira. um fol-

    clore nosso de MS. Tem o rasqueado mato-grossense de Cuiab que

    diferente. A guarnia tambm diferente da polca, do chamam...

    Tudo tem um jeito diferente de bater a mo. Mas no foi a gente

    que implantou o rasqueado. Foi o Mario Zan. Nh Pai e Nh Filho

    tambm tocavam rasqueado antes e ns pegamos deles.

    Eu era menina de 10 anos e j tinha disquinho de 78 do meu

    compadre Francisco. A gente tocava muito as Irms Galvo naque-

    las vitrolas de corda. Elas comearam aos sete anos e j tocavam

    rasqueado. Eu ouvia e gostava. A gente no implantou nada. No

    tem este negcio. S que graas a Deus as letras so nossas.

    Ns comeamos com msica prpria porque o Dlio fazia muito.

    Teve mais inspirao do que eu. Quando a gente cantava msica dos

    outros era porque o repertrio era pequeno. At que j tinha umas 15

    msicas e a gente cantava aquelas. O povo pedia as mesmas.

    Ensaiar uma msica nova no adianta. Chega l e s se canta

    aquilo que eles querem. O Sol e a Lua, Por Onde Andei, Prazer

    de Fazendeiro... Ento a gente nem ensaia. Vai l e canta aquilo

    mesmo. O povo quer cantar junto, saber as letras. No nosso caso

    tem gente que gosta das nossas msicas antigas porque namorou

    a mulher, danou com a namorada ou houve algo na vida deles com

    a msica e querem recordar.

    CHANTECLER

    Dlio: Ns gravamos um disco pela Chantecler. A Califrnia no

    gostou porque ela nos lanou e a Chantecler estava querendo

    usufruir. A Califrnia queria que a gente fi casse. A eles se arran-

    jaram e fi cou tranquilo.

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    Delinha: O nico disco que fi zemos fora da Califrnia foi na Chante-

    cler em 1970. Tiramos tanta foto no Parque da gua Branca em So

    Paulo para colocarem uma que no gostei na capa.

    Foi a dupla Sulino e Marrueiro que fez a gente sair da Califrnia.

    O Dlio, sempre brigando, fi cou chateado com o Mrio Vieira e ns

    fomos para a Chantecler. No valeu a pena. L quem tocou conosco

    foi um douradense que era o sanfoneiro da dupla do Marrueiro.

    No dia que a gente foi receber eram as mesmas msicas o Dlio

    pegou dois mil e no sei quanto e eu recebi mil e pouco. Como podia

    ser diferente se eu e o Dlio dividia a composio das msicas? O

    certo era vir o mesmo valor para os dois. Mas a a gente j estava com

    passagem marcada para ir embora para Campo Grande.

    A VOLTA PARA CAMPO GRANDE

    Dlio: A gente estava bem de situao em So Paulo. Mas mato-

    grossense bairrista e voltamos para Campo Grande defi nitivamen-

    te. Mas no ganhamos dinheiro como em So Paulo. O problema

    adorar a terra que nasceu.

    Maciel Corra: Tem a histria da msica Antigo Aposento. O Dlio

    escreveu a letra quando estava em So Paulo. O sistema dele era o

    seguinte: tinha que escrever e chorar. Ele fez esta letra e jogou fora.

    Da a empregada falou: Dlio essa letra estava jogada l no quintal.

    Ele pegou, olhou e gravou. sucesso at hoje: Retornei a minha

    terra pra matar minha saudade, cheio de felicidade meus amigos en-

    contrei.

    Delinha: Ns fomos para So Paulo em 1958 e depois de quase

    uns dois anos a gente voltou para fazer em Campo Grande um

    show no Relgio da 14 com a Afonso Pena. Ns viemos de So

    Paulo, em 1962, com o Guarati no acordeon. Este show foi mar-

    cante. Tinha muita gente.

    A gente vinha, fi cava uns dois meses e louco para no voltar. Mas

    tinha a casinha l em Pirituba.

    Depois ns viemos fazer show no circo do Nh Pai e Nh Fio, que

    estava armado na frente do Mercado, onde era a feira livre. Isso por

    1963 ou 1964. Tinha a feira, com um largo e ali armava circo. Ns fi -

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    zemos e lotou o circo. No sabia nem quanto era a entrada. Era xucra

    de tudo. E roubaram de ns. Deu 45 mil de border e eles apresen-

    taram tanta despesa que a gente fi cou com uns cinco ou seis contos.

    Mas voltamos de vez mesmo de So Paulo para morar em Campo

    Grande em 1966. Para fi car na Velha Casinha. A mame foi at para

    So Paulo e fi cou um tempo. O papai tambm foi para conhecer. Mas

    no tinha mais jeito. A gente estava fazendo muito show em So Pau-

    lo, mas a famlia n. Saudade. Logo minha cunhada veio tambm

    para Campo Grande e ns retornamos tambm.

    Em 1964 havia tido o golpe militar, mas no infl uenciou em nada.

    Ns no tnhamos tanto nome como os que foram presos. Ns ramos

    sertanejos e no mexamos com isso. Eu nem sabia destas coisas por-

    que toda a vida o Dlio foi o cabea. Nunca deixou eu tomar conta de

    nada. Ele carregava at meu RG. Precisava, ele que pegava.

    Dlio: Ns voltamos, mas continuamos gravando na Califrnia por

    muito tempo ainda. A gente ia para So Paulo para gravar e voltava

    para Campo Grande.

    Delinha: Ns montamos um mercadinho perto da minha casa e por

    muito tempo toquei o negcio. O Dlio ajudou no comeo, mas depois

    eu fi quei tomando conta mais sozinha. At que no aguentei mais. Em

    1978 eu me separei do Dlio. E a dupla tambm acabou parando de

    tocar por uns tempos.

    No fi nal dos anos 1970 tinha feito a msica O Sol e A Lua e

    comeou uma histria da gente voltar a gravar. O que aconteceu

    em 1981, quando lanamos o disco O Sol e A Lua. A msica virou

    um sucesso, mas separamos a dupla logo depois de novo. Eu j

    estava casada com o Jairo.

    Depois resolvemos voltar em 23 de outubro de 1993. Fizemos um

    show do Crculo Militar que foi sucesso. Tinha cinco mil pessoas e foi

    gente embora.

    RETORNO DA DUPLA

    Maciel Corra: Gravei com o Dlio & Delinha o disco O Sol e A Lua,

    que saiu em 1981, uma semana antes do meu, Cadeado de Ouro. Eu

    tinha gravado a faixa ttulo com eles. A msica entrou arrebentando

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    nas rdios e uma semana depois veio Cadeado de Ouro. Estava

    ali para ajudar a juntar novamente a dupla para gravar. Existia um

    movimento para que a dupla voltasse. Eu participei da turn do

    disco O Sol e A Lua. Esse disco estourou. Ligavam pra mim at

    de So Paulo para contratar Dlio & Delinha. Eles atraam pblico

    e tinha cach bom porque era s casa cheia. A gente ganhava tipo

    milo por cabea.

    Rodrigo Teixeira: Como aconteceu do Dlio falar o seu nome na

    faixa O Sol e A Lua?

    Maciel Corra: Quando estamos comeando queremos aparecer.

    Ento eu pedi para o Dlio. Voc coloca a minha foto atrs do seu

    disco? Como acordeonista que acompanhou? Ele foi seco: No.

    Eu estou pagando e no vai aparecer ningum. T bom. Fiquei

    quieto. Na hora da gravao o Dlio se entusiasmou e disse o se-

    guuuura Maciel Corra. Foi bem melhor do que a foto. Ficou para

    o resto da vida.

    Outra msica que gravei foi De Mato Grosso a So Paulo. A

    Delinha disse: Pode arrematar Maciel Corra. Quer dizer, no mes-

    mo disco saiu Maciel Corra duas vezes. E vai fi car rodando O Sol

    e A Lua para sempre. imortal essa obra. Isso me ajudou demais.

    Rodrigo Teixeira: O Dlio tinha noo do que estava fazendo?

    Maciel Corra: No tinha.

    Rodrigo Teixeira: Como ele era no comando dos msicos?

    Maciel Corra: Rigoroso. Quando estava comeando a ensaiar

    tive um arranca rabo com o Dlio dentro do estdio. Ele era

    agressivo. Ns ensaiamos 30 dias para gravar. Era todo dia. O

    pessoal achou que eu tinha caso com a Delinha. Saiu at entrevis-

    ta disso. Mas porque eu passava na casa da Delinha toda tarde.

    Pegava ela e ia l pro Dlio ensaiar at a noite. Depois largava na

    casa dela e j pegava outra vez. Da caiu na boca do povo. Brinco

    at hoje com a Delinha. amiga da gente. O Dlio e a Delinha se

    separaram como marido e mulher, mas na parte profi ssional no

    desandava. Eles viajam muito e respeitam um ao outro. Mas um

    em cada canto.

    Eu continuei tocando a minha carreira