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REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOISEdward Madureira Brasil
VIC E-REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOISEriberto Francisco Bevilaqua Marin
PRO-REITORA DE PESQUIS A E PS-GRADUAODivina das Dres de Paula Cardoso
COORDE NADOR DO MED IA LAB UFGCleomar Rocha
COLEO FAST FORWARDPublicao digital do Ncleo de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovao em MdiasInterativas da Universidade Federal de Gois - Media Lab UFG.
Coordenao
Prof. Dr. Cleomar Rocha
Conselho Editorial
Prof. Dr. Cleomar Rocha (UFG)Profa. Dra. Alice Ftima Martins (UFG)Profa. Dra. Lucia Santaella (PUC-SP)Profa. Dra. Suzete Venturelli (UnB)Prof. Dr. Hugo Nascimento (UFG)Profa. Dra. Heloisa Buarque de Holanda (UFRJ)Prof. Dr. Michael Punt (Plymouth University, Inglaterra)Prof. Dr. Derrick de Kerckhove (Universidade de Npole, Itlia)
DESIGNMrcio Rocha e Alanna Oliva
Projeto Grco e editorao
Alanna Oliva
CAPACarina Flexor e Elias Bitencout
MEDIA LAB TEAMAlanna Oliva, Alice Ftima Martins, Cleomar Rocha, Enia Almeida, Jordo Frana,Marcelo Reis, Mrcio Rocha, Mrio Busato, Pablo de Regino, Renato Cirino,Vander Veget, Wagner Bandeira, Wilder Fioramonte, Wilson Leite
Dados internacionais de catalogao-na-publicao (CIP)
978-85-8083-088-0
www.medialab.ufg.br
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7 APRESENTAO
8 DESIGN DE INTERAO E CULTURA FICCIONALParadigmas, tendncias e possibilidades
Cleomar Rocha cleomarMrcio Alves da Rocha
26 PERCEPO E INTERFACES COMPUTACIONAISLeonardo Eloi Soares de Carvalho
40 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADEVideogamescomo experincia na interface
Bruno Galiza
56 SIMULAES EM NANOSSEGUNDOSO sentido de integrao s tecnologias
Vanderlei Cassiano Lopes Junior
68 ANIMAO INTERATIVAa narrativa espacial construda pelos recursos interativos aplicados interface grca
Cludio Aleixo Rocha
90 INTERFACES COMPUTACIONAIS
Cleomar Rocha
SUMRIO
PORTUGUS
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105 PRESENTATION
106 INTERACTION DESIGN AND FICTIONCulture Paradigms, Treands and Possibilities
Cleomar RochaMrcio Alves da Rocha
122 PERCEPTION AND GRAPHICAL USER INTERFACES
Leonardo Eloi Soares de Carvalho
136 SPATIALITY AND MATERIALITYVideo Games Experience in the Interface
Bruno Galiza
151 SIMULATIONS IN NANOSECONDS
The Sense of Integration TechnologiesVanderlei Cassiano Lopes
163 INTERACTIVE ANIMATIONthe Spatial Narrative Created by Interactive ResourcesApplied to the Graphical Interface
Cludio Aleixo Rocha
184 COMPUTER INTERFACES
Cleomar Rocha
ENGLISH
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PORTUGUS
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A coleo Fast Forward, publicao do Media Lab UFG coordenada pelo
prof. Cleomar Rocha, direcionada para discusses sobre inovao e m-
dias interativas. Seu primeiro volume apresenta seis ensaios da formaooriginal do Media Lab, sendo quadro deles de orientados do prof. Rocha
em suas pesquisas de mestrado em Cultura Visual e dois outros textos de
pesquisadores do Media Lab, prof. Mrcio Rocha e prof. Cleomar Rocha.
Os autores introduzem importantes discusses, especicamente centra-
das em suas pesquisas, sem pretenses de traar um panorama do cam-
po das mdias interativas. Antes, eles discutem interesses advindos de
seus percursos tericos, apontando temas relevantes para a pesquisa e
o desenvolvimento da rea, ainda demandantes de maior adensamento,
embora j esteja em fraca discusso no cenrio de pesquisa mundial.
Fast Forward uma coleo de e-books que pretende, de modo gil,
avanar nas discusses sobre inovao no campo das mdias interativas
e da tecnologia, bem como destes na cultura contempornea.
Prof. Dr. Cleomar RochaEditor da Fast ForwardCoord. Media Lab UFG
APRESENTAO
VOLTAR PARA SUMRIO
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Resumo O presente artigo traa um breve panorama sobre alguns dispositivos e artefatos digitais de
interao, desenvolvidos e expostos em lmes de contedo prioritariamente ccional (telas, ambientes imer-
sivos, interfaces grcas, etc.), e tece anlises e consideraes dentro da perspectiva do design de interao,
como rea do conhecimento. Estudos culturais, sobretudo amparados na cultura visual, podem-se tornar cres-
centemente importantes e fortes referenciais para o desenvolvimento de dispositivos e artefatos de intera -
o, aliados s boas prticas metodolgicas de design e tcnicas de design centrado no usurio. Encontra -
-se no cerne do design de interao a possibilidade de utilizar-se do carter interdisciplinar, da observao,
da cultura e da etnograa como referencial para a criao de artefatos digitais. Analisar como as pessoas
fazem suas tarefas cotidianas uma premissa bsica para o bom desenvolvimento desses gadgets e dis-
positivos. Todavia, preciso atentar para um fato importante: as narrativas flmicas apontam tendncias
e criam direcionamentos importantes para que os designers possam vislumbrar uma perspectiva futura de
como poder vir a ser um mundo povoado de telas e artefatos digitais. importante ressaltar, neste caso,
que nem sempre possvel vericar a viabilidade tcnica e de interao para esses dispositivos presentes
que, invariavelmente, se propem a construir a narrativa do lme e esto mais voltados para essa condio.
Muitas vezes esses produtos no oferecem condies ideais dentro da perspectiva e dos parmetros do de -
sign para o funcionamento e o uso desses artefatos. Portanto, parte do objetivo desse artigo relatar e dis -
cutir paradigmas, tendncias e possibilidades a respeito desses dispositivos interativos em lmes de co.
DESIGN DE INTERAO E CULTURAFICCIONAL
Paradigmas, tendncias e possibilidades
Cleomar Rocha cleomar
Mrcio Alves da Rocha
I do not fear computers. I fear the lack of them.
ISAAC ASIMOV
Palavras-chave
design de
interao; IXDA;
UI interface
computacional;
co cientca;
tendncias.
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9 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
INTRODUO
A indstria do cinema vista como fonte permanente de inspirao de como
poder vir a ser o futuro da tecnologia. A cultura presente nos lmes de
co cientca aponta para tendncias interessantes e ao mesmo tempo
contraditrias no que diz respeito sua viabilidade e s suas possibilida-
des. Ainda sobre essa questo, preciso atentar para o fato de que grande
parte dessas tendncias faz parte de um sistema retroalimentado, de tal
forma que no somente o lme de co produz elementos inspiradores
indicativos que apontam para o futuro da tecnologia e do design de intera-
o, como tambm os designers so constantemente desaados a contribuir
para a criao dessas tendncias para a indstria cinematogrca e para o
auxlio de suas produes. A viabilidade da implementao dessa tecnolo-gia discutvel. Muitas vezes, a tecnologia utilizada para a construo da
narrativa e o bom andamento do enredo cinematogrco, sendo uma po-
derosa inuncia cultural para seus entusiastas e, sobretudo, para o design
e para a tecnologia, ao passo que traz contradies importantes sobre tais
tendncias, suas possibilidades e sua viabilidade, considerando parmetros
ergonmicos, culturais, dentre outros.
Essas preocupaes j foram relatadas anteriormente, em setembro de 2009,
pelos pesquisadores Nathan Shedroff e Chris Noessel, que apresentaram um
paper intitulado Make It So: What Interaction Designers Can Learn from
Science Fiction Interfaces, no dConstruct 09 Conference,em Brighton, UK.
Essa apresentao propunha relatar alguns aspectos sobre IHC interao
humano-computador nos lmes de co, com anlises importantes nesse
aspecto. O presente artigo pretende, portanto, contribuir para este debate ese somar ao campo terico da comunidade de pesquisadores que entende
os lmes de co como parte importante da cultura e, consequentemente,
para o design de interao. Pretendemos, ainda, ampliar essa anlise, suas
possibilidades, assim como integrar, como pesquisadores, o ambiente cient-
co que aborda esse tema no mbito do design de interao vinculado aos
estudos culturais. A ideia de que o designer apenas um solucionador de
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10 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
problemas aqui desmantelada na medida em que avaliamos a complexi-
dade de sua atuao nos dias de hoje. No somente resolver problemas est
no escopo de sua atuao, mas, sobretudo, o designer deve ser visto tambm
como um mediador da cultura. A cultura e o projeto voltado para o design
de produtos interativos e suas interfaces exigem que o designer atue como
um intrprete, e na medida em que projeta formas de mediao entre os se-
res humanos e os objetos que os cercam; h, neste sentido, um incremento
exponencial das exigncias para a criao de projetos, e sua abordagem se
torna tambm exponencialmente complexa.
SOBRE O GNERO DA FICO
A co cientca uma modalidade de co que compreende o impacto
da cincia, verdadeira ou imaginada, sobre a sociedade ou os indivduos.
Geralmente, o termo utilizado para denir qualquer gnero de fantasia
literria que tem a cincia como componente essencial; num sentido ain-
da mais amplo, tanto para referenciar qualquer tipo de fantasia literria
que consista numa cuidadosa e bem informada extrapolao sobre fatos e
princpios cientcos como para abranger profundamente reas complexas,
que contrariam denitivamente esses fatos e princpios. Sua construo deforma plausvel, baseada na cincia, um requisito indispensvel.
H, no entanto, a ttulo de informao, muitos casos de obras que se situ-
am na fronteira do gnero de co, usando a situao no espao exterior
ou a tecnologia de aspecto futurista apenas como pano de fundo para
narrativas, a exemplo da srie Guerra nas estrelas. Os entusiastas mais tra-
dicionalistas do gnero Sci-Fi compreendem estes lmes como exemplos
de fantasia, ao passo que o pblico em geral, no mbito da co cientca.
O DESIGN DE INTERAO E SEU CAMPO DE ESTUDO
Segundo Preece, Rogers e Sharp (2002), design de interaocorresponde ao
design de produtos interativos que fornecem suporte s atividades cotidia-
nas das pessoas, seja no lar ou no trabalho. Trata-se de criar experincias
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11 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
que melhorem e estendam a maneira como as pessoas trabalham, se comu-
nicam e, enm, interagem. Winograd (1997) considera design de interao
como o projeto de espaos para comunicao e interao humana, j que
ele consiste em fornecer suporte s pessoas. O conceito compreendido
como fundamental para todas as disciplinas, campos ou abordagens que
se preocupam em pesquisar e projetar sistemas baseados em computador
ou dispositivos para pessoas. O campo interdisciplinar mais conhecido a
interao homem-computador (IHC), que se fundamenta no design, na ava-
liao e na implementao de sistemas computacionais interativos para uso
humano e com o estudo de fenmenos importantes que os permeiam (ACM
SIGCHI, 1992). Moran deniu esse termo como aqueles aspectos de um siste-
ma, com os quais os usurios tm contato (MORAN, 1981), o que por sua vez
signica uma linguagem de entrada para o usurio, uma linguagem de sa-
da para a mquina, e um protocolo para a interao dos dois (CHI85, 1985).
Os sistemas de informao constituem uma outra rea preocupada com a apli-
cao de tecnologia e da computao no domnio dos negcios, da sade e da
educao. Outros campos relacionados ao design de interao incluem fatores
humanos, ergonomia cognitiva e engenharia cognitiva, dentre outros. Consti-
tuem reas de estudo dedicadas a projetar sistemas que vo ao encontro dos
objetivos dos usurios, ainda que cada um com o seu foco e metodologia.
Um dos maiores desaos do design de interao foi ter desenvolvido dis-
positivos que pudessem ser acessveis e facilmente utilizados por qualquer
pessoa, alm de engenheiros, para a realizao de tarefas que envolvessem
a cognio humana. Como consequncia natural da evoluo tecnolgica, as
diferentes reas de estudo procuram uma relao capaz de abarcar a com-plexidade envolvida no desenvolvimento desses produtos de maneira que
respondam de forma mais adequada, otimizada e ecaz.
Dentro do processo de design de interao, temos essencialmente quatro
atividades bsicas, que englobam processos de grande complexidade (PREE-
CE, ROGERS& SHARP, op. cit.):
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identicar necessidades e estabelecer requisitos;
desenvolver designs alternativos que preencham esses
requisitos;
construir verses interativas dos designs, de maneira que
possam ser comunicados e analisados;
avaliar o que est sendo construdo durante o processo.
Avaliar o que est sendo construdo est no centro do design de inte-
rao. Existem vrias maneiras de se atingir esse objetivo: por exemplo,
entrevistando os usurios, observando-os no desempenho das tarefas,
conversando com eles, aplicando tarefas de desempenho, modelando sua
performance, solicitando preenchimento de questionrios e at mesmo
pedindo que se tornem codesigners; trata-se, em suma, de envolver os
usurios no processo de design de interao. Compreender como as pes-
soas realizam tarefas do cotidiano deve ser feito antes da construo de
um produto interativo.
Um ponto essencial quando se executa uma anlise destes fatores que
os usurios no so homogneos em suas caractersticas pessoais nem
em termos de suas necessidades. Apesar de seres humanos partilharem
certas caractersticas fsicas e psicolgicas, eles so heterogneos em
termos de qualidades como tamanho corporal, forma, habilidades cog-
nitivas e motivao. Estas diferenas individuais se traduzem em impor-
tantes implicaes para o design e para o cumprimento de requisitos. As
crianas, por exemplo, apresentam expectativas diferentes dos adultos
quanto maneira como querem aprender ou jogar. Desaos interativos e
personagens animados podem ser altamente motivadores para as crian-
as, ao passo que, para os adultos, podem-se tornar algo aborrecedor. Em
contrapartida, os adultos geralmente apreciam discusses sobre tpicos
no raro sob forma de frum ou contedo textual, sendo que as crianas
podem consider-los maantes.
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Essas diferenas zeram com que o design de interao recebesse contribui-
es de diversas outras disciplinas. No apenas as cincias da computao
e a psicologia esto envolvidas no processo. Para que os estudos nessa rea
pudessem avanar, foram necessrias contribuies da inteligncia articial,
lingustica, losoa, sociologia, antropologia, engenharia, design, dentre ou-
tras. Dessa forma, importante notar que, subjetivamente, o que pode ser
esteticamente agradvel e motivador para um indivduo pode parecer frus-
trante para outro. preciso considerar, pois, aquilo de que as pessoas gostam
ou no, e como compreender essas diferenas.
Um dos mtodos atuais para a gerao de interface baseia-se na observao
detalhada de situaes particulares e do cotidiano, o que abrange o modo
como os usurios realizam suas tarefas, a documentao de suas diculdadese o porqu de cometerem erros no desempenho de tarefas. Nesse caso, a pes-
quisa aponta para o desenvolvimento de elementos precisos que modelam a
concepo do dilogo e a escolha das funes do aparelho.
PARADIGMAS DO DESIG N DE INTERAO
Segundo Preece, Rogers e Sharp (idem), vrios paradigmas de interao al-
ternativos foram propostos por pesquisadores no intuito de guiar futuros
designers de interao e o desenvolvimento de sistemas. Dentre eles, pode-
mos destacar os seguintes:
computao ubqua (tecnologia inserida no ambiente);
computao pervasiva (integrao total de tecnologias);
computao vestvel (ou wearables);
bits tangveis, realidade aumentada e integrao fsica/virtual;
ambientes imersivos (os computadores atendem s necessida-
des do usurio);
o Workday World(aspectos sociais do uso da tecnologia);
A indstria do cinema principalmente, do cinema de co contemplou
a exposio de vrios produtos ou sistemas que dialogam com esses princ-
pios alternativos que foram propostos.
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O FUTURO DO DESIGN DE INTERAO
FIGU RA 1Imagens do
lme MinorityReport(Inter-face de inte-
rao baseadaem gestos).
INTER FACE BASEADA EM GESTOS
Em Minority Report (2002), adaptado de um conto do americano Philip K.Dick, possvel observar um mundo imaginado que se passa no ano de
2054, quando a tecnologia permeia todos os aspectos da vida humana, de
uma forma que tanto celebra os feitos da inovao e ao mesmo tempo in-
corpora as falhas da imperfeio do mundo real. O resultado apresenta um
mundo em que os computadores e os seres humanos interagem de maneira
signicativa e cada indivduo assume tarefas mais adequadas s suas ha-
bilidades. A interao baseada em gestos atravs da visualizao em umabase transparente, na qual visualizado um conjunto de dados, manipulado
no somente pelo movimento gestual das mos, como tambm da cabea, em
uma tcnica conhecida como headtracking,para melhoria da percepo de
imerso. Esse cenrio ccional une ambiente imersivo, o design da sua inter-
face grca, alm do design de interao baseada em gestos e movimentos
das mos, da cabea e do corpo do usurio.
Sobre sua viabilidade, possvel observar marcadores nas mos do usurio
na medida em que alguns movimentos curiosamente no so captados pelo
sistema, ou os movimentos gestuais so simplesmente ignorados, sobretudo
quando o usurio, no lme, interage com outros personagens na frente da
tela. Esse um exemplo de um sistema interativo em que, para a constru-
o narrativa do lme, comporta-se mais em decorrncia dessa construo.
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Os designers que se propem a criar esse tipo de interao precisam pro-
gramar o que o sistema ir captar como gesto a ser considerado e a ser
ignorado. Parte fundamental do processo de entender as necessidades do
usurio consiste em ser claro quanto ao objetivo principal. Nesse sentido,
importante reetir sobre o que realidade e o que co. O que atende
requisitos reais e, sobretudo, dentro da perspectiva do usurio.
A Oblong desenvolveu um ambiente operacional imersivo denominado
g-speak. Trata-se de uma plataforma de desenvolvimento de aplicativos
em um ambiente de execuo, baseada em gestos humanos, que desaa
a navegao imposta pelas GUIs (Graphical User Interfaces) tradicionais.
Seu desenvolvimento baseado na proximidade do homem com amplo
sistema espacial imersivo, que produz respostas em tempo real, tendosua navegao mapeada e modelada pela expresso humana, na busca
de uma linguagem natural e uida. A semelhana no coincidncia: um
dos fundadores da Oblong baseou-se em seu trabalho acadmico ante-
rior realizado no MIT e serviu como consultor para a produo do lme
Minority Report,cujos personagens realizam anlises forenses utilizando
navegao gestualmente conduzida. Revestida de uma realidade mais
concreta, o g-speak caminha para se tornar um produto comercialmente
vivel. Hoje sua aplicao parece lgica e at mesmo necessria. Para o
bom andamento do projeto preciso que os designers e programadores
estejam preocupados com as questes humanistas, e no somente com a
tecnologia utilizada para sua viabilidade. fcil notar, neste caso, o dis-
tanciamento entre a realidade e a co.
IGURA 2Imagens do
lme MinorityReport (inte-
rao baseadaem gestosatravs de
marcadores).
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16 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
AMBIENTES IMERSIVOS
Alex McDowell, da equipe Three Ring,concebeu um ambiente imersivo e
intrusivo no qual a identidade de um indivduo digitalizada e os conte-
dos em torno respondem de forma personalizada: as lojas identicam
seus clientes pelo nome e sugerem itens baseados em seu perl. A na -
tureza intrusiva da tecnologia amplamente enfatizada a m de servir
narrativa do lme. Os cidados esto sujeitos identicao de suas
retinas a cada passo. Tecnologias imersivas similares esto sendo de-
senvolvidas no s para identicar o participante, mas para controlar os
olhos e a cabea do usurio, permitindo que eles se sintam como se eles
coexistem dentro do contedo 3D. A tecnologia imersiva busca extrair
FIG URA 3Imagens
do g-speak(interao
baseada emgestos atravs
de utilizaode luvas e
marcadores).
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17 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
informaes do mundo fsico e utilizar essa informao para apresentar-
-se de uma forma mais real e intuitiva ao usurio. Utilizando um con-
ceito de projees animadas em grande escala, quiosques interativos e
projees hologrcas, o conceito de mdia inevitvel e onipresente
ressaltado para a construo potica e flmica. Em condies e tamanhos
superdimensionados, a sensao igualmente ampliada. A aplicao real
destas tecnologias comea a dar seus primeiros passos, e a discusso
tica dessas interaes est muito prxima de acontecer na tentativa de
se evitar um mundo intrusivo e distpico.
FIGU RA 4Ambiente vivoe intrusivo de
Minority Report.
FIG URA 5A natureza
intrusiva datecnologia amplamente
enfatizada.
FIGU RA 6Projees emgrande escala
constroem oconceito de
mdia inevitvele onipresente.
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18 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
Para a criao do ambiente do lme Star Trek, o designer Scott Chambliss
queria projetar a tecnologia em um ambiente onde todas as superfcies
so pontos de interao, criando um ambiente de tecnologia onipresente.
Para atingir esse objetivo, foi utilizado um grande nmero de computa-
dores com processamento de contedo dinmico e transmisso de dados,
para criar o que parece ser um mundo contnuo em que todas as telas atu-
am como janelas. Este tipo tendncia rearmada pelo lme fato, embora
seja tambm necessrio para que os designers possam melhorar continua-
mente a esttica das interfaces e criar projees de vislumbre do futuro, de
forma emocionalmente intrigante. Um estudo mais aprofundado da ergo-
nomia, do design informacional e, sobretudo, de aspectos relacionados ao
conforto pode revelar dados curiosos a respeito do design de interao e
da conformao de um ambiente imersivo dentro de uma perspectiva real.
Uma questo importante considerar o isolamento, a grande quantidade
de informaes, a consequente carga cognitiva e o quanto isso pode ser
benco ou nocivo do ponto de vista do usurio.
FIG URA 7Star Trek/ambiente
imersivo mul-tiscreen 360.
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19 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
No preciso ir muito longe na questo da evoluo tecnolgica e de
como isso tem afetado as pessoas em seu cotidiano. Atualmente j
possvel vericar essa preocupao. Segundo Julio Van Der Linden (2007),
com a evoluo das tecnologias, em particular na rea da informao e
da comunicao, as condies em que vivemos, trabalhamos, estudamos
e nos divertimos, enm, os ambientes em que estamos inseridos tm
mudado rapidamente, trazendo inmeras novidades, nem sempre com
resultados positivos para a sade e o conforto de todos. Experimentamos
hoje uma renovao do pensamento da ergonomia. O desenho do mundo
contemporneo envolve, alm das questes de natureza organizacional,
tpicas de ambientes de trabalho, questes cognitivas e afetivas implica-
das na interao entre o ser humano e a tecnologia.
DIG ITAL PAPE R
FIGU RA 8Jornal digital
(dados atu-alizados de
forma remotaem um papel
interativo).
Ao combinar o conhecimento ttil da mdia tradicional com o poder do
servio remoto de gerenciamento de contedo, Minority Report apre-
sentou em algumas cenas um jornal que cria uma experincia futura
de grande potencial, utilizando um papel interativo no qual imagens e
notcias se movimentam e interagem com o leitor. Empresas como a E-
-Ink e produtos como o Kindle, da Amazon, e mais recentemente o iPad,
da Apple, desenvolveram produtos que se inserem em uma lgica mui-
to parecida e dentro da viso compartilhada de seus usurios. Compre-
enderam que a chave para qualquer sucesso na adoo de uma nova
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20 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
tecnologia a delidade ao que familiar dentro da perspectiva humana.
Embora pequena em tamanho, a tecnologia E-Ink tem um grande potencial
na expanso do mercado de exibio de dados, unindo e oferecendo porta-
bilidade e comodidade aos seus usurios. Outros materiais de visualizao
exveis tambm esto comeando a aparecer, permitindo a visualizao da
informao de forma porttil, interativa e inovadora.
FIG URA 9Respectiva-
mente: Kindle1 e Kindle 2da Amazon.
FIGURA 10Eletronic
paper desen-volvido pelaE-ink e iPad,
da Apple.
HEAD TRACKING
Introduzido pela primeira vez em capacetes de aviao e cabines de avi-
es, a navegao baseada em movimentos da cabea e em movimento dos
olhos, o chamado eye tracking, permite a apresentao do contedo de for-
ma natural e altamente imersiva. Projetando em superfcies translcidas,
permite uma experincia de realidade mista, unindo o ambiente natural e
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21 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
os contedos digitais na mesma visada. Esta tcnica j est sendo uti-
lizada em experimentos que se utilizam de uma base um pouco mais
ampla, como a utilizao de dispositivos mveis e celulares, cmeras e
computadores, na utilizao de realidade aumentada e realidade virtual.
FIG URA 12 Sistema de
navegao porhead tracking
(Iron Man2,2010).
DISPLAYS E TELAS TRANSLCIDAS
A Samsung lanou recentemente seu laptop com tela translcida, com a
tecnologia AMOLED Active-Matrix Organic Light-Emitting Diode (matriz-
-ativa de emisso de luz orgnica por diodos). uma tecnologia baseada
na OLED, em que ospixelsso ligados a um Transistor de Pelcula Fina
(TFT, ou Thin-Film Transistor).
possvel ver em vrios lmes a utilizao de telas que oferecem a mes -
ma lgica de visualizao de dados. A ideia de dados compartilhados e
visveis mesmo a distancia, em qualquer lugar do ambiente, mostra-se
to interessante quanto contraditria. Questes de privacidade podem
interferir na viabilidade de um projeto como esse. preciso compreender
FIGURA 11 Sistema de
navegao porhead tracking
/ Minorityreport(2002)
de StevenSpielberg.
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22 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
melhor, dentro da perspectiva do design de interao, que consequncias
essas telas podem trazer quando da sua utilizao no dia a dia, como se dar
a interao do homem com essas telas e, sobretudo, compreender melhor
como o homem executa suas atividades dentro dos parmetros de design
de interao.
Por outro lado, a aplicao de telas em capacetes e culos para a utilizao
de navegao baseada em headtracking e eyetracking, alm da utilizao
de dados variveis que transformam a realidade em uma realidade mis-
ta e ampliada, com aplicaes em parabrisas de automveis, como exem-
plo, parece ser uma ideia bem promissora, mas que demanda estudos mais
aprofundados.
FIG URA 14Laptop da Samsung com display
translcido AMOLED.
CONSIDERAES FINAIS
Os argumentos apresentados neste artigo evidenciam as relaes anterior-
mente supostas entre design de interao e cultura sobre lmes e co
cientca para a criao de produtos de design de interao e artefatos
FIGURA 13Displays e
telas transl-cidas em IronMan2 (2010)
eAvatar(2009), de Ja-
mes Cameron.
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23 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
interativos, fazendo avaliaes panormicas, e por vezes empricas, de seus
paradigmas, tendncias e possibilidades, demonstrando paralelamente pro-
dutos ora da co, ora do mundo que nos cerca.
A tecnologia caminha a passos largos, de modo que preciso sempre ob-
servar a viabilidade desses projetos, no do ponto de vista econmico ou
somente tecnolgico que se encontra utuante, rpido e mutvel, mas prin-
cipalmente da perspectiva do prprio homem e na leitura atenta de seu co-
tidiano quando da realizao de suas tarefas. Observar a praticidade desses
projetos dentro da perspectiva do usurio garante que todas as premissas
sejam contempladas, de forma a impedir que as decises no se baseiem
somente em atributos estticos ou, em ltima instncia, em produtos so-
mente presentes para caracterizar uma narrativa futurstica flmica, mas dis-tanciada das necessidades cotidianas do prprio homem.
possvel detectar uma diculdade em se relatarem as experincias oriundas
da prtica da produo voltada para a indstria do cinema, que se manifesta
de forma antecipatria a novas tendncias de mercado sem preocupaes
tcnicas reais, e o seu vnculo com a teoria voltada para o desenvolvimento
de projetos de design de interao, que se preocupa com projetos e solues
baseadas em um mundo concreto, considerando condies socioeconmicas,
que operam como condicionantes dos projetos de design.
Por outro lado, possvel notar que a cultura que nos cerca, a anlise e a
observao desses fenmenos devem ser amplamente consideradas para o
desenvolvimento de produtos de design de interao, pois, apesar de esta-
rem algumas vezes desvinculadas de nossas necessidades reais, sugerem
uma quebra de paradigmas e de modelos que representam padres estabe-
lecidos, que invariavelmente nos impedem de avanar.
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25 DESIG N DE INTERAO E CULTURA FICCIONALCleomar Rocha cleomar / Mrcio Alves da Rocha
Sites pesquisados
. Acesso em: 20.7.2009.
. Acesso em:20.7.2009.
. Acesso em: 20.7.2009.
SOBRE OS AUTORES/
Cleomar Rocha
Ps-doutor em Estudos Culturais (UFRJ),ps-doutor em Tecnologias da Intelign-cia e Design Digital (PUC-SP), doutor emComunicao e Cultura Contemporneas(UFBA), mestre em Arte e Tecnologia daImagem (UnB). Professor do Programa dePs-graduao em Cultura Visual da Fa-culdade de Artes Visuais da UniversidadeFederal de Gois. Coordenador do MediaLab UFG Artista-pesquisador.
Mrcio Rocha
Doutorando no grupo Transte-chnology, Universidade de Ply-mouth, UK Mestre em Gestodo Patrimnio Cultural pelaPUC-GO, bacharel em Artes Vi-suais (com habilitao em De-sign Grco) pela UFG. Desig-ner. Professor da Faculdade deArtes Visuais da UniversidadeFederal de Gois.
VOLTAR PARA SUMRIO
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Resumo O presente artigo pre-
tende discutir nossa relao com
as interfaces computacionais a
partir de uma visada que permite
uma compreenso maior de seus
tipos e suas relaes com o sujeito
que as percebe. Sob a perspecti-
va fenomenolgica, baseada nas
formulaes de Merleau-Ponty,
feita uma breve anlise de como
o lsofo trata a percepo e a
experincia que um sujeito tem
e como isso se relaciona com
as interfaces computacionais.
PERCEPO E INTERFACESCOMPUTACIONAIS
Leonardo Eloi Soares de Carvalho [email protected]
Palavras-chave:
percepo;
interface;
fenomenologia.
O MUNDO IMPRESSIONA NOSSO CORPO PRPRIO, e
os estmulos dados por ele ao nosso corpo so conhecidos
como sensaes. Os exteroceptores so os elementos de
nosso corpo responsveis pela recepo desses estmulos
e por sua conduo at a conscincia. A conscincia o ser
para a coisa por intermdio do corpo (MERLEAU-PONTY, 2006,
p. 192). tomada de conscincia da sensao chamamos de
percepo, que uma primeira roupagem do sentido, que
se estabelece ao se reconhecerem as sensaes.
Utilizamos o termo sensaesno plural pois, quando algo
se manifesta diante de ns, no o faz somente a um denossos sentidos, mas a todos ao mesmo tempo, mesmo
que se oriente a um ou outro em maior intensidade. Isso
ocorre porque os rgos dos sentidos no esto separa-
dos em relao a suas atividades; quando o corpo sente,
ele o faz como um todo e no em partes, assim como per-
cebe a seus prprios membros. O processo perceptivo ,
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Leonardo Eloi Soares de Carvalho27 PERCEPO E INTERFACES COMPUTACIONAIS
ento, efetivado de tal forma que no se pensa em como ou que parte do
corpo estamos utilizando para perceber, j que simplesmente h uma ex-
perincia perceptiva. Para pegarmos um objeto, por exemplo, quase sempre
executamos a ao sem pensar sobre como faz-la.
Alm do hbito envolvido nesse processo, h o fato de a percepo ocorrer
no nvel fenomenal, e no no objetivo: como os exteroceptores e os mem-
bros necessrios para executar o ato esto em nosso corpo, e este j co-
nhecido por ns, no preciso descobrir onde eles se localizam no espao
para us-los, pois j o sabemos antes de realizarmos o ato sensitivo. Isto faz
com que a percepo e a sensao tornem-se um s ato e uma s experin-
cia: ao mesmo tempo em que nossos rgos sensores captam as sensaes
objetivas enviadas pelos elementos do mundo natural, ns os percebemos.Outro fator que contribui para entender a unicidade do ato de percepo
a igualdade dos exteroceptores em relao ao objetivo em comum de suas
funes: no importa para o ser como cada exteroceptor age. Em outras
palavras, em termos fsicos e siolgicos, no interessa como os exterocep-
tores fazem para sentir, mas, de fato, saber que o fazem para um mesmo
mundo natural e para um mesmo ato: no h no sujeito normal uma expe-
rincia ttil e uma experincia visual, mas uma experincia integral em que
impossvel dosar as diferentes contribuies sensoriais (idem, p. 154).
Algo que tambm merece destaque no tocante percepo que a ex-
perincia de perceber inuenciada no somente pelas caractersticas do
mundo natural que so dadas de forma objetiva, como o prprio conjunto de
aspectos em que o fenmeno est inserido ou suas caractersticas formais,
mas tambm pelo conjunto de outras experincias, vividas pelo ser, quenorteiam a percepo, acrescentando dados que podem resultar em infor-
maes, quando h o contato dele com o mundo. A exemplo disso, quando o
sujeito v uma cor vermelha, ele sabe que ela vermelha pela caracterstica
vibratria da frequncia da cor; contudo, a cor percebida no ser dada so-
mente pelos dados objetivos sentidos, mas tambm pela percepo e pela
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Leonardo Eloi Soares de Carvalho28 PERCEPO E INTERFACES COMPUTACIONAIS
experincia que o sujeito tem da congurao do conjunto de aspectos em
meio aos quais a cor se encontra. Dessa forma, a compreenso que ele tem
de mundo baseada tanto nas novas experincias que ele pode ter quanto
nas j tidas. Isso permite que o ser mantenha com o mundo uma relao de
signicao que inuencia na forma como ele o percebe. Ora, so sujeito j
conhece um ambiente, ele subjetiva suas aes, adaptando sua percepo
somente ao que h de novo no local.
De forma similar, podemos analisar a experincia que o ser tem com as in-
terfaces computacionais. Cabe-nos armar que o contato entre as interfaces
e o ser se d no mundo natural atravs de um conjunto de elementos unidos
em uma nica experincia perceptiva: o ser e a experincia que ele tem; a
interface, independentemente de qual tipo seja; os sons emitidos pela mes-ma e os elementos fsicos que permitem sua manipulao.
Na atualidade, quando comentamos com alguma pessoa sobre interface, esta
naturalmente ligar o termo ao visual de um sistema operacional ou de um
aplicativo qualquer. Essa noo, do vocbulo interface, e seu sentido limitam
a compreenso de um elemento fundamental na comunicao do ser com
um sistema. Ao usarmos o computador, por exemplo, o fazemos atravs de
vrias interfaces. Um dos tipos de interface utilizados a interface fsica,
como o teclado. Interface, ento, no se refere somente parte visual de
um sistema computacional. Em relao s interfaces computacionais, Rocha
(2008, p. 6) arma que [...] uma interface a base de contato de um sistema
com outro sistema/homem, mantendo uma relao de pertencimento e a
base lgica de agenciamento/traduo de informaes.
A armao do autor implica, na denio de interface, todo e qualquer
elemento que efetiva a comunicao e o contato sistema/homem. Por isso o
teclado pode ser denido como uma interface. Ele tem uma relao de per-
tencimento com um dos elementos do processo comunicativo e faz um agen-
ciamento/traduo de informaes entre os partcipes do processo neste
caso, o homem e o sistema computacional. As interfaces computacionais
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tm, dessa forma, o objetivo de possibilitar a interao usurio/mquina
atravs de um conjunto de sensaes visuais, sonoras, sinestsicas e t-
teis-motoras, impressionando o corpo prprio, resultando na percepo.
No incio da era computacional, na dcada de 1960, as interfaces de aces-
so e manipulao de dados de sistemas computacionais eram fsicas e
havia principalmente o carter motor em sua utilizao. Utilizavam, ba-
sicamente, dispositivos como botes e discos para transmitir de forma
mecnica e eletromecnica dados para a mquina executar determinada
tarefa ou ser reprogramada. Tratava-se, de acordo com Walker (apudLAU-
REL, 1990, p. 444), da primeira gerao da forma de interao do usurio
com o sistema computacional. A segunda gerao utilizava cartes ou
tas perfuradas que, ao serem inseridas no computador e processadas,eram devolvidas com o resultado da operao impresso nelas. A sua pro-
gramao era baseada em tarefas a serem executadas em lote.
A terceira gerao de interao introduz outra interface fsica: o tecla-
do. Atravs dele o programador pode programar as funes da mquina,
por meio de linguagens especcas de programao. O operador agora
conversa com a mquina, instruindo-a de acordo com o necessrio, e ela
lhe responde pelo monitor de vdeo, usando-o como uma forma de sada
de dados do computador. Ao permitir utilizar caracteres para a entrada
e sada de dados no lugar dos cartes perfurados, o teclado e o monitor
permitem uma interao mais dinmica com os computadores e uma
visualizao mais confortvel das informaes (LEMOS, 1998, p. 32). Nesse
momento, porm, as interfaces fsicas ainda eram predominantes no pro-
cesso comunicativo.
A quarta gerao tambm utiliza a forma de interao conversacional,
mas, a partir dela, escolhas podem ser feitas atravs de menus textuais,
cujo acesso se d por teclado e pelos dados mostrados na tela do moni-
tor do computador.
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Leonardo Eloi Soares de Carvalho30 PERCEPO E INTERFACES COMPUTACIONAIS
A quinta gerao, na qual a interface grca tem uma predominncia en-
tre as outras, a atual. a gerao que comeou com o pesquisador Ivan
Sutherland atravs do SketchPad. Ela diferente do que havia at ento
pela possibilidade no s de visualizao, mas tambm de manipulao
da imagem gerada com um equipamento em forma de caneta.
O SketchPad um exemplo da introduo dos sistemas de manipula-
o direta do objeto de interesse na comunicao homem/mquina
(SHNEIDERMAN, 1998, p. 187). Esses sistemas substituram a complexa sin-
taxe de linguagem de comandos que era necessrio saber para que o
aparelho pudesse ser operado. H dois princpios que envolvem o de-
senvolvimento de sistemas de manipulao direta: o princpio da vir-
tualidade e o da transparncia (idem, p. 202). O primeiro foi apresenta-do pelo pesquisador Theodor Nelson e tinha relao com o fato de que,
para o usurio, era mais interessante o sistema quando se identicasse
nele uma representao de realidade que permitia ser manipulada.
Dentre os jogos de computador, os de corrida de carros constituem
bom exemplo. O segundo princpio, denido por Rutkowski, vincula-
-se ocasio de ser permitido ao usurio interagir diretamente com a
tarefa, e a ferramenta utilizada para tanto tendia a se tornar invisvel.
Como exemplo, o mouse. Lemos (op. cit., p.34) especica ainda trs
critrios que devem ser contemplados para que um sistema possa ser
denido como de manipulao direta: uma representao contnua do
objeto de interesse; aes fsicas por intermdio de botes, e no por
sintaxes complexas; e o impacto imediato na manipulao de objetos/
cones virtuais.
Os celulares que trabalham com telas touch-screen so um exemplo des-
sa predominncia da interface grca no processo comunicacional. Seus
sistemas possibilitam a utilizao de representaes grcas de teclados,
eliminando a necessidade de se utilizar um teclado fsico para a entrada
de dados no sistema.
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Desde o incio de seu desenvolvimento, a interface computacional atra-
vs de suas formas de manifestao, como a interface fsica do teclado
para a entrada de dados no sistema ou a interface do monitor e do sis-
tema de udio lanou-se aos sentidos de forma unicada. Seja qual
for seu tipo, o conjunto de sensaes causadas pelas interfaces forma
um nico contexto perceptivo. No obstante, dentro de um sistema com-
putacional qualquer, a interface grca, pela forma como impressiona
os sentidos do usurio, a mais utilizada para atualizar os dados que
esto virtualizados em forma codicada dentro do sistema, tratando-se
de interfaces de sada, j que s acessamos os elementos do espao vir-
tual quando eles deixam o espao virtual. Isso se d quando a interface
grca atualiza a linguagem que est em cdigo em uma forma sgnica,
facilitando a sua compreenso por parte do usurio e permitindo que o
mesmo o acesse no mundo natural. Dessa forma, necessrio analisar
de maneira mais aprofundada esse tipo de interface para entendermos
melhor como o processo perceptivo do homem em relao mquina se
d na atualidade.
A noo de user interface, denida como sendo os aspectos do sistema
com os quais o usurio entra em contato, signica que h uma linguagem
de entrada para o usurio, uma linguagem de sada para a mquina e um
protocolo para a interao (PREECE, 1994, p. 7). Esse conjunto pressupe,
ento, a ideia de um sistema que, alm do usurio, inclui toda e qual-
quer interface utilizada para interao, tais como as fsicas, que incluem
o teclado e o mouse, utilizando-se as sensaes tteis-motoras e cines-
tsicas; as grcas, que incluem o monitor de vdeo que impressiona de
forma mais intensa a viso; e os dispositivos de emisso e recepo de
udio, que trabalham com as vibraes sonoras.
A evoluo da interface computacional em termos grcos teve um im-
pulso quando dois pesquisadores, Douglas Engelbart e Alan Kay, inven-
taram o WIMP (Windows, Icons,Menus e Points Devices) como forma de
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Leonardo Eloi Soares de Carvalho32 PERCEPO E INTERFACES COMPUTACIONAIS
facilitar a manipulao dos elementos da interface visual. Ainda de acor-
do com os dois princpios estabelecidos por Theodor Nelson e Rutkowski
virtualidade e transparncia , eles utilizaram a metfora, um elemento
lingustico, para facilitar a compreenso do uso e das funes da interface
pelo usurio. Atravs de uma comparao indireta, permitiam que o usurio
zesse uma associao do elemento sgnico com a funo desejada, que
so coisas distintas. Surgia a metfora de Desktop para a interface grca,
que utiliza o conceito de affordance: a capacidade de o elemento indicar
seu melhor uso tendo como base a experincia cotidiana do usurio em
relao aos elementos e comandos do mundo natural (ROCHA, 2009, p. 2).
Um exemplo disso so os cones que se parecem com objetos comuns ao
ambiente de trabalho do usurio, como a lixeira.
Esta sensao de reconhecimento dos elementos da interface gr-
ca computacional relaciona-se com a experincia perceptiva que
o usurio j possua quando estes impressionaram seus sentidos.
J havia em sua conscincia outros sentidos de fenmenos que se
aproximavam dos novos objetos de alguma forma, o que permitiu
a equivalncia de sentido entre a coisa que se percebe e a outra
coisa j percebida. Os elementos da interface grca so alcan-
ados e tem o lastro semntico denido de acordo com a relaoentre o usurio e eles prprios. (idem, ibidem)
Alguns fabricantes propuseram outras metforas, mas no tiveram o mesmo
sucesso comercial e de adaptao pelo usurio. Uma das ideias o concei-
to de salas (PREECE, op. cit., p. 288): pesquisadores notaram que diferentes
usurios utilizavam um padro de programas para executar algumas tarefas
especicas. Agruparam-se os programas e janelas necessrios para deter-minada tarefa em uma sala, representada por um cone. Quando o usurio
quisesse algo relacionado tarefa de escrever um texto, por exemplo, en-
contraria tudo de que precisasse dentro do cone respectivo a tal funo.
Essa proposta foi trabalhada na interface grca chamada Bob, criada para
substituir a metfora utilizada pelo gerenciador de programas Windows
3.1x e pelo sistema operacional Windows 95.
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Em vez de uma rea de trabalho tendo como metfora uma mesa, aqui exis-
tia a imagem de uma sala. A partir da sala principal podia-se acessar as ou-
tras reas ou programas que deveriam ser executados. A questo principal
do fracasso dessa proposta explicitado por Johnson (2001, p. 48): o que
essas hipermetforas tinham de paradoxal era o fato de no serem su-
cientemente metafricas. [...] Metforas baseadas em identidades comple-
tas nada tem de metforas. Por mais que os olhos informem conscincia
de que na tela h elementos conhecidos h muito e que, portanto, fazem
parte da experincia do ser, no h um distanciamento necessrio entre a
simulao e o objeto simulado para que se transforme em uma metfora.
Os objetos fsicos esto representados na interface tal e qual e, em vez de
esse fato facilitar o uso, na verdade interfere demasiadamente no processo
de assimilao das funes do sistema, j que no permite que o usurio
seja direcionado para uma interpretao da funo qual a metfora se
refere, porque no h mais metfora, somente uma representao icnica
de um objeto do mundo; nem h um signo organizado em uma sintaxe que
permite uma comunicao, um reconhecimento do cdigo.
Outro elemento que permitiu que a metfora do Desktop funcionasse foi a
utilizao do mouse, inventado por Douglas Engelbart. O mouse uma inter-
face fsica em que o usurio pode ter, atravs de sua manipulao, a sensao
de que est manipulando um elemento do espao de dados como se o zesse
com o prprio corpo. Ou seja, a manipulao ocorre diretamente nos elemen-
tos fsicos da interface, no caso o mouse, tendo uma sincronizao deste com
os elementos grcos, resultando em uma percepo de manipulao direta.
Como na encarnao atual, o mouse de Engelbart fazia o papel derepresentante do usurio no espao de dados. O software opera-
va uma coordenao entre os movimentos da mo do usurio e
um ponteiro na tela, permitindo a Engelbart clicar em janelas ou
cones, abrir e fechar coisas, reorganizar o espao de informao
no monitor. O ponteiro correndo pela tela era o doppelgnger, o
duplo virtual do usurio. O feedback visual dava experincia seu
carter imediato, direto: se o mouse fosse movido um centmetro
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Leonardo Eloi Soares de Carvalho34 PERCEPO E INTERFACES COMPUTACIONAIS
ou dois a direto, toda a experincia mais pareceria com a de ver te-
leviso, onde estamos circunscritos inuncia de um uxo cons-
tante de imagens que so mantidas separadas, distintas de ns.
O mouse permitia ao usurio entrar naquele mundo e manipular
realmente as coisas dentro dele, sendo por isso muito mais que
um mero dispositivo apontador. (idem, p. 22)
necessrio discutir algumas armaes apresentadas por Johnson em seu
texto. Ao tratar da questo da representao, ele arma que o mouse faz o
papel do usurio, tornando-se, dessa forma, o avatar do usurio. Na verdade,
no o usurio que representado, e sim o mouse. O cursor localizado na
interface grca torna-se, ento, avatar do mouse, em sua relao de duplo
virtual. Podemos armar tambm que o usurio no entra no mundo virtual,
pois, alm de no ser um mundo separado do natural, mas um espao a mais
incluso no mesmo, o mouse apenas aumenta a intensidade da sensao de
manipulao dos elementos da interface pelo ser, atravs de seu prprio me-
canismo de rolagem e de outros elementos como dois ou trs botes presen-
tes em sua construo fsica que aumentam a quantidade de funes destina-
das ao dispositivo. Um exemplo o ato de se pressionar e manter pressionado
o boto do mouse depois de ter colocado o cursor em cima de algum cone.Ao arrastar o mouse, tanto o cone quanto o cursor so arrastados ao mesmo
tempo. Quando move o mouse, o sujeito tem a sensao de que o cone um
objeto fsico, que pode mov-lo tambm. Percebe-se a que esse simples ato
conrma que, apesar de estarem localizados em espaos diferentes, o mouse
no espao fsico e o cone no ciberespao, os dois esto no mesmo mundo,
pois, se assim no fosse, no seria possvel se manipular um atravs do outro.
Os dois elementos existem, sendo um fsico e o outro a atualizao de umavirtualidade, representao de um cdigo binrio. So objetos do mundo na-
tural assim como o corpo prprio que os manipula.
Atravs do desenvolvimento da interface computacional temos novas for-
mas de possibilitar a interao do usurio com o sistema. Para tornar cada
vez mais intuitivo seu uso, criam-se interfaces que deixam mais transparente
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a relao do usurio com o sistema, em um sentido em que aquele come-
a a no perceber mais que h uma ou vrias interfaces sendo utilizadas
por ele quando acessa um sistema computacional ou, at mesmo, em
alguns casos, que h um sistema computacional sendo utilizado por ele,
reforando a ideia de unicidade do ato perceptivo.
O videogame Wii, da empresa Nintendo, um exemplo de como a inter-
face do sistema computacional pode ser modicada para se tornar mais
intuitiva ao usurio. Ao alterar a forma como o jogador interage com o
jogo, rastreando o movimento do corpo do usurio por meio de controles,
que utilizam sensores de movimento, a empresa muda a experincia tida
pelo jogador e a torna mais prxima da que teria se estivesse em uma
situao parecida com a que simulada pelo jogo. O controle agora utilizado para fazer o mesmo movimento que se espera que o avatar re-
alize no jogo, como se espera no jogo de pesca, em que se tem que fazer
com os controles do aparelho o mesmo movimento que se faria caso se
estivesse com uma vara de pescar nas mos. A mudana na interface fsi-
ca do sistema do videogame interfere na experincia que o usurio tem
do sistema de interfaces como um todo que disponibilizado a ele pelo
aparelho. Ao solicitar outra forma motora de interao, o aparelho faz o
usurio perceber de maneira diferente o sistema computacional.
Outras formas de interao possibilitadas pelo Wii so exploradas por
diversos pesquisadores, entre eles Johnny Chung Lee, PhD em Interao
Humano-Computador. A partir da capacidade do hardware do Wii de reco-
nhecer movimentos, o pesquisador tem realizado diversos testes com o
equipamento, usando-o em sistemas de interao com monitores e pro-jees realizadas em quadros brancos. Atravs dos sensores do Wii e de
seu controle, o pesquisador consegue interagir com os elementos sgni-
cos das interfaces, movendo-os com movimentos e gestos de seu corpo
rastreados em conjunto com emissores de sinal infravermelho pelos sen-
sores presentes no controle do Videogame Wii.
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Outro exemplo de forma de interao usurio/sistema que pode ser
apontado o Surface, desenvolvido pela Microsoft, que tambm funcio-
na reconhecendo os toques mltiplos, simultneos e contnuos do usu-
rio. O dispositivo composto de uma tela de 30 polegadas, posicionada
como se fosse uma mesa.
A diferena entre o Surface e outros aparelhos sensveis ao toque que
ele tambm reconhece gestos. Atravs deles, o usurio pode manipular
as imagens que aparecem em sua tela, aumentar o tamanho de uma foto
ou escolher uma msica para ser tocada. Pode tambm se conectar com
vrios aparelhos telefnicos, enviando e recebendo dados dos mesmos,
sem a necessidade da utilizao de cabos, atravs de tecnologias como o
sistema Wi-Fi ou Bluetooth. Outra caracterstica da mesa que ela mul-tiusurio, permitindo, assim, que vrias pessoas faam tarefas diversas ao
mesmo tempo.
O equipamento no permite uma sensao tctil completa, j que ele-
mentos como texturas de objetos no podem ser passados atravs do vi-
dro. Mesmo assim, ainda facilita o processo de manuseio do equipamento
pelo usurio, na medida em que aproxima os processos de manipulao
dos elementos do mundo natural dos elementos do ciberespao, utilizan-
do a mesma medida de manipulao direta, por meio dos exteroceptores.
Outros aparelhos tambm trabalham com o sistema de reconhecimento
de gestos. Os notebooks e o celular daApple so equipados com um Tra-
ckPad que reconhece os gestos humanos, assim como o Surface, mas em
uma quantidade menor. Enquanto a mesa da Microsoft reconhece diver-
sos tipos de gestos ao mesmo tempo, os equipamentos daApple limitam-
-se a seis tipos, de acordo com a quantidade de dedos utilizados: arrastar,
mover (difere-se de arrastar, pois aqui utiliza-se o dedo para selecionar
algo e mover para outro lugar, enquanto arrastar equivale a arrastar algo
para algum lugar, como se se estivesse varrendo da tela o elemento),
pinar (que permite pinar uma imagem com dois dedos e, atravs de
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gestos, aproximar ou afastar os mesmos entre si, diminuir ou aumentar a
mesma respectivamente), rotacionar, rolar (permite rolar a imagem pela
tela quando no vemos parte da mesma por ser maior do que a janela),
toque simples (permite selecionar algo simplesmente dando um toque
no TrackPad) e toque duplo (habilita o menu de opes).
A sensao trazida pelos exteroceptores, aliada s informaes forneci-
das pelo sistema computacional, permite que o usurio tenha a impres-
so de estar girando ou aumentando uma foto, por exemplo, ou rolando
uma pgina para baixo, substituindo o mouse como aparelho nico para
realizao desses processos.
A popularizao de interfaces mais naturais para interao com sistemas
computacionais possibilitou a criao de interfaces fsicas com proprie-
dades hpticas, que so dispositivos que permitem uma interao com os
sistemas virtuais de modo sensoriamente similar s interaes presentes
no mundo fsico (CAETANO, 2008, p. 1). Ao transmitir ao usurio sensaes
de fora, textura e movimento, h uma maior percepo de naturalizao
das interfaces fsicas. Um dos exemplos de como isso funciona o celular
da empresa Researche In Motion o BlackBerry Storm.
Ele trabalha com telas que, alm de reconhecerem o toque, transmitem a
sensao de presso de uma tecla quando o usurio utiliza algum cone
na interface grca. Para isso, o celular altera visualmente o grco que
representa o boto ao iluminar em volta do cone selecionado, alm de
emitir um aviso sonoro, reproduzindo o som de um clique. Outra forma
hptica de trabalho com interface so as vibraes que so realizadas
peloJoystick, interface fsica de entrada de dados para um sistema. Ge-
ralmente utilizados em jogos, os novos modelos podem, utilizando um
dispositivo interno, vibrar quando ocorre alguma situao que pede o
movimento: uma exploso ou um caminho esburacado na estrada. Dessa
forma, torna-se uma interface tambm de sada, j que traduz um sinal
do sistema para o usurio.
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Leonardo Eloi Soares de Carvalho38 PERCEPO E INTERFACES COMPUTACIONAIS
Outro exemplo de mudana na forma como percebemos a interface ocor-
re quando sensores de presena fsica ou sonora detectam assim que
uma pessoa entra em uma loja e, de forma automtica, enviam um co-
mando para uma tela junto ao balco de vendas informando ao vendedor
a presena de um possvel comprador. Esse tipo de sistema denomi-
nado pervasivo, pois permite a interao com o usurio atravs de uma
interface que se torna, ela mesma, e o prprio sistema computacional
imperceptveis ao comprador, um dos usurios. Isso de certa maneira cria
uma situao que, at o momento, no havia sido mencionada, que o
fato de no ser o usurio quem percebe o sistema, mas de o primeiro ser
percebido por este. Dessa forma, o corpo, ele mesmo um sistema orgni-
co, impressiona o sistema de interfaces que o percebe. O sistema com-
putacional interage com o corpo e a resposta dada ao vendedor, a infor-
mao de que h algum para ser atendido, um resultado do processo
computacional, uma resposta dada percepo do sistema em relao
presena do comprador.
Outra pesquisa sobre esses tipos de interfaces pervasivas realizada
pela empresa Sensitive Object. Atravs da tecnologia por ela denomina-
da Virtual Acoustic Matrix (matriz acstica virtual), possvel reconhecer
o local de qualquer impacto dado em algum ponto de uma superfcie
adaptada com o equipamento da empresa. Atravs de pequenos micro-
fones, a sonoridade do impacto reconhecida e comparada a um banco
de dados do sistema. De acordo com a empresa, cada ponto da superf-
cie produz uma assinatura sonora nica. Dessa forma, torna-se possvel
vincular o som ao local em que foi realizado o contato. Assim, o sistema
permite que qualquer objeto seja utilizado para interagir com a superf-
cie, j que no o elemento tctil que utilizado para reconhecimento
do toque. Como exemplo, de acordo com a empresa, uma imagem de um
teclado impresso em um adesivo e colocado em uma superfcie pode ser
utilizada para digitar algo, assim como um adesivo colado em uma mesa,
pode servir de interruptor para acender uma lmpada.
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Leonardo Eloi Soares de Carvalho39 PERCEPO E INTERFACES COMPUTACIONAIS
CONCLUSO
Em seu estudo acerca da percepo e experincia, Merleau-Ponty permi-
tiu que houvesse um maior entendimento do papel do sujeito no uso das
interfaces, valorando a experincia do mesmo como parte ativa do pro-
cesso perceptivo. Em conjunto, a evoluo das interfaces computacionais
mostra que a naturalizao de seu uso, atravs da valorizao do corpo
prprio como mecanismo de interao, a direo que deve ser tomada
por artistas e pesquisadores no desenvolvimento de novos mecanismos
de interao homem/mquina.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
CAETANO, Alexandra Cristina Moreira. Interfaces hpticas dispositivos no conven-cionais de interao. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 24.4.2009.
JOHNSON, Steven. Cultura da interface. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
LAUREL, Brenda. The Art of Human-Computer Interface Design. S. Joy Mountford:Addison-Wesley, 1990.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepo.3 ed. So Paulo: MartinsFontes, 2006.
PREECE, Jenny. Human-Computer Interaction. Harlon: Addison-Wesley, 1994
ROCHA, Cleomar. Interfaces computacionais.2008. Disponvel em: . Acesso em: 21.1.2009.
SHNEIDERMAN, Ben. Designing the User Interface: Strategies for Effective Human-Com-puter Interaction. 3rd ed. Harlom: Addison-Wesley, 1998.
SOBRE O AUTOR/
Leonardo Eloi Soares de CarvalhoMestre pelo Programa de Ps-graduao em Cultura Visual da Faculdadede Artes Visuais da UFG, graduado em Artes Visuais pela UFG. Membro doGrupo de Pesquisa de Poticas Visuais e Processos de Criao, no qual de-senvolve projeto voltado implementao de elementos de interativida-de em interfaces grcas de sitessociais, sob a coordenao e orientaodo Prof. Dr. Cleomar Rocha.
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Resumo Este artigo busca
analisar a representao compu-
tacional em sua crescente com-
plexidade, associando-a a noes
fundamentais para a experincia
dos videogames, como espacia-
lidade e materialidade. A partir
de uma perspectiva de jogo as-
sociada aos benefcios da corro-
borao da iluso por elementos
materiais em seu aspecto ldico,
observa-se como de Spacewar a
Gears of War, a crescente comple-
xidade da representao benecia
o jogo e o aproxima do mundo
natural no como experimentado
pelo corpo prprio, mas como a
apropriao dos elementos mate-
riais do jogo a ttulo de extenso.
ESPACIALIDADE E MATERIALIDADEVideogamescomo experincia na interface
Palavras-chave:
representao;
interface; mate-
rialidade; espa-
o; cognio.
Bruno Galiza [email protected]
A TECNOLOGIA COMPUTACIONAL, DESDE SUA sedi-
mentao e consequente integrao ao cotidiano, mesmo
em seus aspectos mais triviais, fundamenta grande par-
te de seus avanos na constante expanso das possibi-
lidades representacionais, intrinsecamente vinculadas
notvel velocidade com que aumenta o poder de proces-
samento dos computadores. Uma vasta gama de novas
experincias no contato com sistemas computacionais
inaugura-se no ponto em que, a partir de modelagens sis-
tmicas, o computador passa a representar ambientes e,
vez ou outra, mundos inteiros em crescente complexidade,
coerncia e, eventualmente, persistncia. A experincia se
transforma e a ela so garantidas novas signicaes e
novas dimenses, tanto no que diz respeito represen-
tao em si, por meio da liberao de um espao sugeri-
do em que tomam lugar as aes do usurio, quanto aos
aspectos conceituais mais profundos, que descentralizam
as aes no que diz respeito tanto tela quanto ao modo
como se d a entrada de dados no sistema.
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Bruno Galiza41 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADE
Tomando-se as divergncias que existem entre sistemas produtivos e ex-
perienciais conforme apontadas por Laurel (1993), sendo notadamente o
objetivo destes ltimos a prpria experincia no que concerne o relaciona-
mento do interatorcom o sistema, observa-se nos jogos computacionais um
vasto potencial de explorao de tudo que se inaugura como possibilidade
de representao do computador em termos sintticos, semnticos e prag-
mticos. Inclusive por seu carter de jogo, simultaneamente desprendido e
signicante, mas necessariamente fundamentado na obteno e na manu-
teno de um crculo mgico que busca suspender aquilo que no faz parte
dele mesmo (GADAMER, 1997), essas transformaes convergem para e se no-
tabilizam num contexto bastante especco, o dos videogames, que caminha
e, argumenta-se, eventualmente nivela pelo topo as possibilidades e aplica-
es das novas tecnologias representacionais. Exemplo disso o relato da
prpria Brenda Laurel, de que Steve Russell, criador de Spacewar, aquele que
se pode considerar o primeiro videogame de acordo com o paradigma vi-
gente, observou ainda em 1962 o jogo computacional como algo que reunia
j no anacrnico PDP-1 maquinrio da IBM cujo poder de processamento
era signicativamente menor do que computadores atualmente convertidos
em artefatos to prosaicos quanto relgios e celulares principalmente as
possibilidades de visualizao na tela e de manipulao das informaes
por meio de artefatos que inuenciariam ainda durante cinco dcadas as
vrias e variadas conformaes dojoypad.
ESPAO E MATERIALIDADE NO VIDEO GAME
Ao tratar da evoluo que de fato sedimenta a interface como elemento da
cultura, to relevante quanto a prpria histria da computao sobretudo
por congurar de certo modo uma histria do uso do computador, Steven
Johnson (2001) aponta trs instncias essenciais como determinantes para
as transformaes no modo como se acessam informaes digitais: (1) a
disposio espacial da informao na rea da tela, sobretudo no trabalho de
Engelbart e do Augmentation Research Center; (2) a tridimensionalizao
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Bruno Galiza42 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADE
do espao no qual a informao se dispe a partir de uma orientao de ja-
nelas sobreponveis, evidentes sobretudo no trabalho de Alan Kay e do Xerox
PARC; e (3) a metaforizao e consequente conformao de uma interface
grca de usurio, popularizada pela Apple em seu Macintosh II. Essas mu-
danas, ocorridas num espao de aproximadamente 20 anos, entre o incio
da dcada de 1960 e o incio da de 1980, incidem no apenas sobre aquilo
que o contato com um sistema computacional possui de mais prtico, que a
substituio das linhas de cdigo pela manipulao direta conforme denida
por Shneiderman (apudLAUREL, 1993), mas tambm sobre uma mudana um
tanto mais profunda: a insero do corpo e da espacialidade que lhe pe-
culiar de maneira contundente no processo de manipulao de informaes.
Antes do advento do mouse e da sobreposio de janelas, a informaocomputacional apresentava-se to-somente sob forma de linhas de cdi-
go, lineares em sentido bastante estrito, consequentemente acessadas pelo
usurio uma linha por vez a rigor, de modo idntico a um texto. A so-
breposio de janelas e as metforas vinculadas manipulao direta dos
elementos da tela inauguram, por sua vez, a atualizao da informao na-
quilo que se sugere ser um espao tridimensional, fundamentando ento a
percepo de que o monitor que suporta a representao seria uma janela
para um outro espao, informacional, ao qual deu-se o nome de ciberespao,
termo cunhado por Gibson (1992) e disseminado por sua obra ccional Neu-
romancer,de 1984. O que se observa de mais problemtico nesta concep-
o a inexistncia deste espao, no havendo seno cdigo e eletricidade
imediatamente por trs daquilo que se acessa na tela. Tudo aquilo que se
apresenta e que incentiva o usurio a explorar este dito espao no passa
de informao codicada e atualizada em funo de avanos que permitem
este tipo de conformao, conferindo experincia novas orientaes.
Nutrindo-se das possibilidades advindas destas mudanas de paradigma e
com olhares direcionados s suas prprias idiossincrasias, os jogos compu-
tacionais avanam numa mesma direo, devendo ser ressaltado que jogos
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Bruno Galiza43 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADE
computacionais, mais do que software, so parte de um contnuo que re-
monta a milnios, quando da incorporao do jogo, aqui devendo ser toma-
do em sentido amplo, no campo da cultura. Huizinga (2007) e Holopainen
(2008) observam que o jogo encontra-se vinculado mesmo a outras esp-
cies animais, como mamferos, aves e reptilianos, sendo fato anterior cul-
tura, ao passo que Jane McGonigal (2010), em sua apresentao Gaming can
make a better world, invoca o historiador grego Herdoto e sua verso para
a origem do jogo, j num contexto humano, como uma distrao para um
grande problema de fome que assolou o reino dos ldios, habitantes da sia
Menor de 2500 anos atrs. De toda sorte, e ainda que haja elementos fa-
miliares nas atividades ldicas desempenhadas por diferentes espcies, h
naquilo que os seres humanos jogam algumas peculiaridades a exemplo
dos dados feitos com rtulas de ovelhas encontrados em stios arqueolgi-
cos nas regies habitadas pelos ldios.
Huizinga arma que o jogo funo signicante, isto , encerra um determi-
nado sentido (op. cit., p. 4). Sendo o jogo representao, o desempenho das
atividades a ele conectadas, pertencentes exclusivamente ao seu contexto
e independentes do mundo externo, envolve sempre a iluso, termo que
signica literalmente em jogo[do latim inlusio, illudere ou inludere] (idem,
p. 14). As consideraes etimolgicas de Huizinga apontam as relaes en-
tre termos que se referem a algumas das caractersticas mais intrnsecas ao
jogo divertimento, iluso em vrios idiomas, de modo que exerccio se-
melhante pode ser executado com o prprio verbojogar. Segundo Machado
(1981, pp. 291-294),jogarderiva do latimjocare [entregar-se, harmonizar-se,
tomar parte], e vrias lnguas latinas possuem termos relacionados ao jogo
que compartilham desta mesma origem:jeu em francs,juego em espanhol,
giuoco em italiano,joc em romeno. Em ingls, contudo, o verbo correspon-
dente play, utilizado tanto para o contexto do jogo quanto o da repre-
sentao teatral e o da execuo musical instrumentada. A prpria lngua
francesa expande o signicado do verbojeuer para abarcar outros contextos
que no o do jogo propriamente dito.
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Intrinsecamente conectado representao, portanto, o jogo se benecia
de outras referncias a coisas que no se encontram imediatamente ao al-
cance do jogador, permitindo o uso e a veiculao de conceitos e ideias que,
antes da apropriao da tecnologia digital, eram formalizadas sobretudo
naquilo a que Flusser (1967, pp. 2-3) se refere como repertrio do jogo
(O repertrio do xadrez so as peas e o tabuleiro), e estrutura do jogo
(A estrutura do xadrez so as regras enxadrsticas). Os jogos de tabuleiro
de maneira geral, o xadrez includo, j empregam um nvel de represen-
tao signicativo, oferecendo aos jogadores subsdios para a manuten-
o da iluso proposta pelo somatrio de seus repertrios e estruturas
e, consequentemente, de algumas das caractersticas que os tornam uma
experincia, em sentido pragmtico, como o caso do espao delimitado e
das regras deliberadamente envolvidas no contexto do jogo. Neste sentido,
Mary Flanagan (2009) rearma um aspecto materialista que benecia e
enriquece atividades ldicas, traando um histrico que perpassa a Caixa
perspectiva de um interior holands, trabalho do pintor holands Samuel
Dirksz van Hoogerstraten (1627-1678) que simula um ambiente domiciliar
coerente nas quatro faces verticais de um cubo, oferecendo ao observador,
por meio de seu domnio tcnico, perspectiva privilegiada de um espao
que se apresenta quase como uma casa de bonecas habitada e em ativida-
de, impresso corroborada pela ausncia de habitantes e pela disposio
dos objetos, como se em uso; as pinturas rococs do francs Jean-Honor
Fragonard (1732-1806), rotuladas como pinturas interativas em vista dos
jogos visuais que propem e do modo como extrapolam categorias ento
bem denidas como forma, sujeito e crena; at as casas de bonecas
propriamente ditas, de ocorrncia comum desde a era vitoriana, na formade pequenas casas ricamente detalhadas, produzidas com o objetivo de
permitir a seus donos e donas a representao de suas prprias histrias.
Observa-se, portanto, que a representao, a delimitao do crculo mgico,
se apoia ou se benecia largamente da presena de objetos que conram
ao ambiente coerncia e, ao mundo jogo, coeso.
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Bruno Galiza45 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADE
A contnua apropriao das possibilidades computacionais, tanto no que
diz respeito manipulao de informaes quanto representao, fa-
tor que notadamente reverbera sucesso para os jogos eletrnicos, uma vez
que s caractersticas observadas somam-se aspectos peculiares aos meios
digitais. A articulao de elementos visuais, associada j visitada histria
da computao e da representao na tela, permite a elaborao de jo-
gos que trazem em si um potencial de arrebatamento no exclusivamente,
mas indubitavelmente sensorial, cada vez maior. Em suma, a representao
computacional dota repertrios e estruturas de visibilidade e visualidade
to complexos quanto o so os limites da prpria tecnologia, permitindo
um contato outrora inimaginvel com a informao e com o prprio jogo.
Observa-se que o ganho em complexidade na representao, no somente
na constituio dos elementos sintticos, mas tambm em sua articulao
e sua aplicao, benecia os aspectos ldicos do jogo sobretudo pelo modo
como se endeream os estmulos sensoriais, principalmente viso.
As qualidades do jogo no computador no so inerentes somente aos es-
tmulos, ou s representaes, s narrativas ou manipulao de objetos
virtuais separadamente, mas ao conjunto de todos estes processos, produ-
zindo o efeito cognitivo que Hutchins, Hollan e Norman (apud LAUREL, op. cit.)
chamam engajamento direto. O prazer e os limites da experincia envolvi-
dos na interao com sistemas computacionais se explicam, em parte, como
causados pela manipulao direta conforme denida por Shneiderman. Em
parte porque manipulao possvel somar o engajamento direto, que
ocorre sempre que um usurio experimenta a interao direta com objetos
em um contexto (idem, p. 32), oferecendo uma viso sobre a resposta sub-
jetiva acionada pela qualidade intrnseca ao de manipular o sistema
via interface. Hutchins et al., na expectativa de delimitar aspectos do en-
gajamento direto, apontam trs fatores como essenciais promoo deste
fenmeno: (1) expresses de entrada de dados devem ser capazes de fazer
uso de expresses de sada; (2) o sistema deve criar a iluso de resposta
instantnea; e (3) a interface deve ser no-obstrutiva. Ora, inegvel que
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Bruno Galiza46 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADE
grande parte do sucesso dos jogos computacionais, inclusive comercial, d-
-se sobretudo em funo do deferimento destes critrios, a partir dos quais
se prope a classicao dos elementos responsveis por este fenmeno,
a saber: os grcos narrativos, conformados pelos elementos que, de fato,
compem o ambiente do jogo, includo o avatar ou duplo virtual do jogador
e outras entidades e agentes computacionais; os elementos fsicos envolvi-dos na interao, tal qualjoypad, mouse ou artefatos que mimetizam aes
vinculadas ao fundamento do jogo ou aos grcos narrativos; e o HUD (sigla
para head-up display), que apresenta informaes relacionadas ao jogo e que
se sobrepe aos grcos narrativos como uma metanarrativa endereada ao
jogador. Neste sentido, de interesse considerar que o jogo, endereado
viso e espera de dados inseridos sicamente em artefatos prprios para
o desempenho desta funo, caracteriza uma experincia somtica conso-ante a denio de Shusterman (2000) a unidade vivida e experienciada
de corpo e mente envolvendo ambas as instncias no a partir de estmu-
los individuais, mas totais, e de certo modo dependentes da maneira como
se apreendem os objetos e, principalmente, o espao oferecido pelo jogo.
A dependncia da representao, no sentido aqui proposto, vincula-se pr-
pria tradio de relacionamento entre seres humanos e mquinas, apontadapor Huhtamo (apudNIELSEN, 2010) como composta por duas instncias pri-
mordiais, uma automtica e outrapersonicada. A primeira diz de um modo
de interao simples e no contnuo, presente, por exemplo, em mquinas
caa-nqueis, em que a participao do usurio resume-se simples ativa-
o, e obteno do resultado, obtido, por exemplo, por um apertar de boto.
Nesta modalidade interativa, a tecnologia experimentada como algo em
si, gerando o que Ihde (1990) classica como envolvimento desprendido. Ainterao personicada, por outro lado, diz de um tipo de interao em que
o interatorvincula-se tecnologia de tal modo que experimenta o mundo
atravs dela, vivenciando de fato a transformao inerente s experincias
de cunho eminentemente esttico, conforme apontada por Dewey (XX), em
todo seu potencial transformador, de ao e padecimento simultaneamente,
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Bruno Galiza47 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADE
a partir do que Ihde (idem) denomina transparncia perceptual. Aquilo que
Dewey e outros empiricistas chamam experincia primria, o embate pro-
priamente dito com as coisas, a matria bruta da reexo, de tal modo
absorvente e aprisionadora que h uma tendncia para aceit-la como ela
se d: a terra plana, o movimento do sol, sua submerso na terra. Fato-
res sociais e culturais podem agir sobre estes dados, de modo que se deve
ter em mente a premente necessidade de observar que as qualidades que
atribumos a estes objetos so maneiras prprias de experiment-los, no
verdades em si, como ocorre com as experincias de espao e materialidade
nos videogames.
Aarseth (2007) considera o espao um elemento denidor para os jogos
computacionais, apontando na sua representao e na negociao que oenvolve caractersticas que auxiliam, inclusive, na sua classicao, ao que
Babic (2007) complementa:
Mais do que tempo, eventos e objetivos, quase todos os jogos com-
putacionais celebram e exploram a representao espacial como
seu tema central. (BABIC, 2007, p. 3)
Entre Spacewar e Gears of War, jogos computacionais lanados com um hiato
de 44 anos, e claramente posicionados em diferentes pontos num constante
aprimoramento na maneira como se experimentam espao e materialidade
em ambientes digitais, observa-se uma profunda distino no modo como
se exploram as informaes codicadas e atualizadas, fator determinante
para cada uma das experincias e, sobretudo, para as divergncias que exis-
tem entre elas.
Tendo sido o primeiro jogo computacional, Spacewarlana os fundamentos
para o que ainda seria o padro durante quase duas dcadas, ponto em
que se encontram no auge os jogos clssicos de arcade que, assim como
Spacewar, apresentam caractersticas observadas por Richard Rouse (2005):
uma tela nica, de modo que o jogador tem constantemente vista toda
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Bruno Galiza48 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADE
a rea til onde se desenvolve a partida; o jogo innito, isto , a inexis-
tncia de um m que no a derrota do jogador, causada sobretudo pela
diculdade que cresce progressiva e ilimitadamente; mltiplas tentati-
vas, ou vidas, no lxico dos jogadores; a contagem de pontos; a mecnica
simples, de fcil aprendizagem; e a ausncia de uma narrativa explcita.
Em Spacewar, dois jogadores controlam naves espaciais que orbitam uma
estrela e que, ao mesmo tempo que devem destruir uma outra, devem
evitar a atrao gravitacional que causaria sua destruio.
FIGU RA 1
Spacewar.
Como se observa na FIGURA1, o espao que se apresenta aos jogadores e,
evidentemente, conforma toda a experincia em Spacewar, , em termos
sintticos, distintamente simples, com uma profundidade sugerida mas
no experimentada na forma de outros corpos celestes, apresentando
como possibilidade para a explorao do ambiente, resumido s medidas
da prpria tela, a movimentao em um plano cartesiano e a rotao da
nave, de modo que a representao em si guarda semelhanas com uma
tradio pictrica bastante primitiva, ainda que neste caso as limitaes
estejam atreladas s restries impostas pela prpria tecnologia. A mo-
vimentao e a possibilidade de disparar tiros para a destruio da nave
adversria so os elementos que norteiam toda e qualquer interao do
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Bruno Galiza49 ESPACIALIDADE E MATERIALIDADE
jogador com o sistema que rege o ambiente do jogo, que por sua vez ob-
serva-se basicamente como a fora gravitacional que atrai as naves para a
estrela representada no centro da tela. interessante observar que, ainda
que este tipo de representao tenha perdurado por longos anos, a busca
por uma maior complexidade a ser disponibilizada aos jogadores foi tema
central no desenvolvimento dos videogames de geraes subsequentes.
Este processo, cujo objetivo declarado foi e o de enriquecer a experincia
do embate com o jogo, comumente em busca do to almejado sentido de
imerso, possui vrias instncias, como o uso de dispositivos, como culos
estereoscpicos (FIGURA2), incrementos na complexidade da representao
no plano da tela (FIGURA3), e, por m, a adoo da representao tridimensio-
nal como paradigma, sobretudo nos chamados FPS (do ingls First-PersonShooters, jogos de tiro em primeira pessoa) e nos jogos referidos por jogos
em terceira pessoa. As mudanas na tecnologia permitem que o mundo jogo
seja, agora, dotado de uma complexidade inexistente em ttulos anteriores,
simulando aspectos sensoriais dos fenmenos naturais com preciso mate-
mtica e, por m, aliando simulao uma representao fotorrealista.
Assim, no lugar da progresso eminentemente linear, o espao de ao do
jogador torna-se labirntico, coeso, representado a partir de uma perspectiva
verossmil, e elabora uma representao em que a posio do observador
xa e identicvel, de modo que sua subjetividade, conforme arma Macha-
do (1997), tambm sobreposta pela do observador diegtico.
FIGURA 2Os culos estereoscpicos para oMaster System (1986) possuam
apenas 8 jogos compatveis, ecom qualidade grca discutvel.
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FIGU RA 3Streets of Rage, Mega Drive, 1991.
Os elementos so representa-dos em duas dimenses, masdotadas de escoro, e podemse mover numa profundidade
sugerida gracamente, mas noexperimentada de fato.
Gears of War, de 2006, em oposio a Spacewar, oferece uma experincia
de profundidade bastante complexa via projeo cnica, utilizando ainda
mais in