livro do Êxodo - apostila.doc

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CEBI – Escola Bíblica – Jlle Pentateuco II – Êxodo Assessor: Luciano Lunardi LIVRO DO ÊXODO I – INTRODUÇÃO 1.1. O que é o Êxodo? A palavra êxodo significa saída. O livro tem esse nome porque começa narrando a saída dos hebreus da terra do Egito, onde eram escravos. Quem desconhece a mensagem do Êxodo jamais entenderá o sentido de toda a Bíblia, pois a idéia que se tem de Deus, tanto no Antigo como no Novo Testamento, está fundamentada nesse livro. Com efeito, sua mensagem central é a revelação do nome do Deus verdadeiro: JAVÉ. Embora de origem discutida, no Êxodo esse nome está intimamente ligado à libertação da opressão do Egito. Javé é o único Deus que ouve o clamor do povo oprimido e o liberta, para com ele estabelecer uma relação de aliança e dar leis que transformam as relações entre as pessoas, fundando uma comunidade de onde é asseguradas a vida, a liberdade e a dignidade. Assim, o homem só estará nomeando o verdadeiro Deus, se o considerar efetivamente como o libertador de qualquer forma de escravidão, e se colocar a serviço da libertação em todos os níveis de sua vida. Só Javé é digno de adoração. Qualquer outro deus é um ídolo, e deve ser rejeitado. Percebemos aí um convite a escolher entre o Deus verdadeiro e os ídolos, escolha que leva a viver na liberdade ou, pelo contrário, a cultuar e servir toda forma de opressão e exploração. A pergunta fundamental do livro do Êxodo é a seguinte: “Qual é o verdadeiro Deus?” A resposta que nele encontramos é a mesma que reaparece em toda a Bíblia, e principalmente na pregação, atividade e pessoa de Jesus. O livro do Êxodo é, portanto de suma importância para entendermos o que significa Jesus como Filho de Deus. Sem este livro, a Bíblia perderia o seu ponto de partida para levar até Jesus Cristo e podermos com ele construir o Reino e sua justiça. No êxodo, o povo de Deus é, por assim dizer, gerado. Deus ouve o clamor daqueles oprimidos e resolve libertá-los para que formem um povo. Como garantia de sua palavra, Deus dá o seu próprio nome, como se passasse um atestado com firma reconhecida. 1.2. Qual a sua importância? Depois da libertação, o êxodo continua como um processo de gravidez, até o nascimento do povo de Deus. Durante a longa caminhada pelo deserto, aqueles oprimidos, agora libertos e unidos, descobrem que têm um mesmo destino, que têm a mesma fé, diferente de todos os outros povos. Começam a criar um tipo de organização de liberdade e igualdade, adotando o sistema tribal, que é o contrário do sistema de opressão dos faraós do Egito. O êxodo é a raiz mestra da árvore da história do povo de Deus. Tudo o que aconteceu ao longo do tempo e foi registrado nos outros livros da Bíblia depende do êxodo, assim como a vida da árvore depende da raiz mestra. Esta experiência única e matriz estava sempre viva na lembrança do povo nas diferentes etapas de sua história:

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LIVRO DO XODO

CEBI Escola Bblica Jlle

Pentateuco II xodo

Assessor: Luciano Lunardi

LIVRO DO XODOI Introduo1.1. O que o xodo?

A palavra xodo significa sada. O livro tem esse nome porque comea narrando a sada dos hebreus da terra do Egito, onde eram escravos.

Quem desconhece a mensagem do xodo jamais entender o sentido de toda a Bblia, pois a idia que se tem de Deus, tanto no Antigo como no Novo Testamento, est fundamentada nesse livro. Com efeito, sua mensagem central a revelao do nome do Deus verdadeiro: JAV. Embora de origem discutida, no xodo esse nome est intimamente ligado libertao da opresso do Egito. Jav o nico Deus que ouve o clamor do povo oprimido e o liberta, para com ele estabelecer uma relao de aliana e dar leis que transformam as relaes entre as pessoas, fundando uma comunidade de onde asseguradas a vida, a liberdade e a dignidade.

Assim, o homem s estar nomeando o verdadeiro Deus, se o considerar efetivamente como o libertador de qualquer forma de escravido, e se colocar a servio da libertao em todos os nveis de sua vida. S Jav digno de adorao. Qualquer outro deus um dolo, e deve ser rejeitado. Percebemos a um convite a escolher entre o Deus verdadeiro e os dolos, escolha que leva a viver na liberdade ou, pelo contrrio, a cultuar e servir toda forma de opresso e explorao.

A pergunta fundamental do livro do xodo a seguinte: Qual o verdadeiro Deus? A resposta que nele encontramos a mesma que reaparece em toda a Bblia, e principalmente na pregao, atividade e pessoa de Jesus. O livro do xodo , portanto de suma importncia para entendermos o que significa Jesus como Filho de Deus. Sem este livro, a Bblia perderia o seu ponto de partida para levar at Jesus Cristo e podermos com ele construir o Reino e sua justia.

No xodo, o povo de Deus , por assim dizer, gerado. Deus ouve o clamor daqueles oprimidos e resolve libert-los para que formem um povo. Como garantia de sua palavra, Deus d o seu prprio nome, como se passasse um atestado com firma reconhecida.1.2. Qual a sua importncia?

Depois da libertao, o xodo continua como um processo de gravidez, at o nascimento do povo de Deus. Durante a longa caminhada pelo deserto, aqueles oprimidos, agora libertos e unidos, descobrem que tm um mesmo destino, que tm a mesma f, diferente de todos os outros povos. Comeam a criar um tipo de organizao de liberdade e igualdade, adotando o sistema tribal, que o contrrio do sistema de opresso dos faras do Egito.

O xodo a raiz mestra da rvore da histria do povo de Deus. Tudo o que aconteceu ao longo do tempo e foi registrado nos outros livros da Bblia depende do xodo, assim como a vida da rvore depende da raiz mestra. Esta experincia nica e matriz estava sempre viva na lembrana do povo nas diferentes etapas de sua histria: "Em sua aflio, clamaram para o Senhor e ele os livrou de suas angstias.(SI 107,6.13.19.28.)

1.3. Formao do Livro do xodo

O livro do xodo, tal como o encontramos hoje nas nossas Bblias, fruto de muitos anos de caminhada do povo de Deus. Levou mais de 800 anos para ficar pronto. O acontecimento do xodo a prodigiosa libertao do Egito foi guardado e cultivado como fundamental na memria do povo de Deus, sendo recordado nas crises e sofrimentos que este povo enfrentou. Nessas ocasies, quando corria o risco de perder sua misso de povo escolhido por Deus, ele se agarrava lembrana deste xodo original, que era recordado e reinterpretado para trazer as luzes e foras necessrias para resistir e retomar a caminhada. E, assim, o livro do xodo ia sendo escrito aos poucos.

Neste processo de escrita do livro, podemos perceber vrias etapas:

1.3.1. Sada do Egito ( 1250 a.E.C.)

O acontecimento principal a sada ou fuga dos escravos hebreus, sob o comando de Moiss, Aaro e Miriam. Escravizados no Egito, eles clamaram de sofrimento. Deus escutou esse clamor e revelou o seu nome. Em meio a grandes prodgios, libertou o povo e fez com ele uma aliana. O exrcito perseguidor foi destrudo no meio do mar, e eles cantaram um cntico de vitria entoado por Miriam e as mulheres (Ex 15,20-21). Este cntico considerado a primeira semente da Bblia.

1.3.2. Luta pela Terra ( 1200 1000 a.E.C.)

Depois de uma longa e penosa caminhada pelo deserto, os escravos que tinham fugido do Egito chegaram terra prometida por Deus a Abrao. Mas ainda restava muito o que fazer. Nessa terra, os camponeses eram muito explorados plos reis, que os esmagavam com impostos para sustentar as cidades e os exrcitos. Isto chegou a tal ponto que os camponeses se revoltaram e estavam em p de guerra. Aquele grupo de fugitivos chegou, com sua experincia de libertao pela f em Deus. Colocou-se do lado dos camponeses. Vitoriosos, escravos e camponeses se organizaram de uma maneira nova (Ex 18,13-27). Formaram uma associao de tribos e cls, num projeto novo de justia, igualdade e fraternidade (Js 24).

1.3.3. Identidade Nacional (1000 930 a.E.C.)

A invaso dos filisteus (l Sm 4,1-2) e o desequilbrio interno provocado pelo enriquecimento de alguns grandes proprietrios (Jz 9,1-4) resultaram num movimento em favor da monarquia. O profeta Samuel resistiu o quanto pde (l Sm 8,1-22), mas havia um grupo que teimou naquela idia de ter um rei. Com o rei, iria tudo por gua abaixo, como Samuel avisou claramente. Para exercer o poder, o rei acabou com a autonomia das tribos, organizou um exrcito, cercou-se de uma corte (l Rs 4,7-20). Pensa-se que foi no final do reinado de Salomo, por volta de 950, que foi escrita a primeira tradio do livro do xodo, chamada de javista, porque mostra YHWH, o Deus dos israelitas, vencendo os deuses do Egito. O que era uma luta pela libertao dos oprimidos contra seus opressores passou a ser uma guerra entre as naes: o povo se uniu para vencer os filisteus. Apesar de tudo isso, a memria dos camponeses oprimidos pela monarquia ficou preservada nos Mandamentos e no Cdigo da Aliana (Ex 20-23). Essa memria da antiga poca tribal serviu de apoio para as denncias profticas, ao longo de todo o tempo dos reis. Somente trs reis escaparam da condenao dos profetas: Davi (l Rs 14,8), Ezequias (2 Rs 18,3) e Josias (2 Rs 22,2), que "fizeram o que bom aos olhos do Senhor".

1.3.4. Luta contra a idolatria (930 622 a.E.C.)

Salomo deixou fama de grande sabedoria. Construiu o templo e o palcio real com grande esplendor. Durante o seu reinado, que durou uns 40 anos, Israel se tornou um reino respeitado. Mas Salomo teve uma velhice decadente. Oprimiu o povo. Depois de sua morte, o reino se dividiu em dois: Reino de Jud, no Sul, e Reino de Israel, no Norte. No Reino do Norte, o profeta Elias enfrentou o mpio rei Acab e a cruel rainha Jesabel, que queriam entregar o pas idolatria (l Rs 17,1-2 Rs 2,3). O povo reagiu e foi buscar foras na memria do xodo. Muitos situam mais ou menos nessa poca a composio da segunda tradio do xodo, chamada elosta, que foi escrita no Reino do Norte.

1.3.5. A Reforma de Josias (622 587 a.E.C.)

Josias, ainda menino, foi entronizado como rei (640 a.C.) depois dos desastrosos reinados de Manasss e Amon. Corajoso e zeloso da lei de Deus, promoveu uma grande reforma. Essa reforma to importante, que a poca ficou conhecida como a poca da segunda lei (deuteros = segunda e nomos - lei). Os acontecimentos do xodo foram recordados e reinterpretados. Segundo muitos especialistas, foi a que foi escrita a tradio deuteronomista.

1.3.6. Esperana no Cativeiro (587 538 a.E.C.)

No cativeiro da Babilnia, o povo de Israel enfrentou a crise mais sria e mais grave de sua histria. A cidade de Jerusalm, inclusive o esplndido templo construdo por Salomo, foi completamente destruda e a terra ficou arrasada. Naquele sofrimento, somente a lembrana do xodo podia sustentar a esperana do povo esmagado e ainda ser motivo de consolo (Is 40-55). Se Deus, com tantos prodgios libertou este povo do Egito, iria poder, do mesmo jeito, libert-lo da Babilnia. O povo voltaria para a terra prometida e reconstruiria tudo! No podia desanimar! Buscando conservar sua f, no ambiente contrrio dos pagos, o povo se reuniu para ler e comentar os livros da Escritura que j existiam, cantar e orar nos seus cultos (SI 137). Deve ser deste perodo a quarta tradio, chamada sacerdotal, que trata do santurio e do culto (Ex 25-31; 35-40).

1.3.7. A redao final ( 400 a.E.C.)

O livro do xodo recebeu a ltima demo e ficou completo l pelo ano de 400 a.C. O povo de Israel estava sendo dominado plos persas, mas voltou do cativeiro e comeou a reconstruo de tudo. O templo era como o corao dessa reconstruo. Os escritos receberam os retoques finais e foram agrupados num conjunto de cinco livros: o Pentateuco (penta = cinco, teucos = livro). So os cinco primeiros livros do volume da Bblia: Gnesis, xodo, Levtico, Nmeros e Deuteronmio. Entre os judeus, estes cinco livros so conhecidos como "a lei". Foi assim que se comps o livro do xodo. Ele rene em si toda a memria da libertao, da caminhada de lutas, das leis e mandamentos, dos cnticos de vitria, das normas para o culto, etc. Mas uma coisa o livro do xodo e outra coisa o desenvolvimento do xodo, o "processo de xodo". Este no terminou e permanente.

O ponto mais alto do processo do xodo: a ressurreio de Jesus Cristo Jesus Cristo resumiu toda a sua vida e misso nestas palavras: "Eu sa do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai." (Jo 16,28.) Comeou com um xodo: a sada do Pai para o mundo, e terminou com outro xodo: a sada do mundo para o Pai. Ele realizou o xodo definitivo, o ponto mais alto do processo de xodo com a ressurreio, a libertao total e perfeita. As primeiras comunidades crists leram e interpretaram o livro do xodo luz da f em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, o novo Cordeiro pascal (Ap 15,3), que nos d uma nova lei (Mt 5,7), nos alimenta com o novo man (Jo 6,48-51), cumpre totalmente a aliana e abre passagem para o novo povo de Deus (Ex 19,5-6; l Pd 2,9-10). Pelo batismo, todos ns, cristos, somos chamados a viver tambm o nosso xodo (Rm 6,1-14).II Chaves de LeituraO livro do xodo muito importante para ns. Ele nos conta a libertao dos oprimidos, as dificuldades da caminhada para mudar a cabea das pessoas, criar uma nova organizao do povo e impedir a volta da opresso. Vamos apresentar alguns pontos que podem servir de chave de leitura:

2.1. Realidade do Povo

Para entender bem o sentido do texto, importante examinar a verdadeira situao daquele povo. S assim podemos alcanar o sentido dos acontecimentos. E, para tirar as lies do texto para ns, preciso examinar tambm a situao do povo hoje.

2.2. Clamor dos oprimidos

Deus invocou o clamor do povo oprimido como motivo para aparecer a Moiss, para se revelar e revelar os seus planos (Ex 3,7-10). O livro do xodo mostra como que Deus executou esses planos. E hoje?

2.3. O nome de Deus

O nome de uma pessoa traz em si o que a pessoa . O nome vale o que a pessoa vale. Da o valor do nome de Deus. Revelando o seu nome, Deus disse o que queria ser para o povo: o Deus libertador, o aliado na luta pela libertao. Seu nome uma garantia, uma prova de fidelidade (Ex 3,14-15). E afirmou que isto para sempre.

2.4. A vocao de Moiss

Deus deu a Moiss a vocao de libertar os oprimidos. "Vocao" quer dizer "chamado". Foi para libertar seu povo que Moiss foi chamado por Deus. Moiss foi como o microfone que Deus usou para chamar a todos que esto dispostos a ouvir a sua Palavra. Isto no fcil. Mais fcil querer tirar o corpo fora. Moiss que o diga!

2.5. Aliana

Deus no se contentou em tirar os oprimidos da escravido do Egito. Queria ser seu companheiro, seu parceiro, seu aliado na caminhada da libertao. Deus foi, e ser sempre fiel sua aliana. O povo que muitas vezes rompeu essa aliana e derrapou na desgraa. "Aliana" uma palavra to importante na Bblia que, em vez de falar em Antigo e Novo Testamento, talvez fosse melhor falar de Antiga e Nova Aliana. Jesus, na Ceia, falou de "sangue da aliana" (Mc 14,24).

2.6. Organizao do Povo

Os mandamentos foram proclamados a todo o povo reunido ao p do Monte Sinai (Ex 20,1-17). Portanto, so leis para todo o povo, so leis coletivas. Comeam lembrando a libertao do Egito, e, se forem cumpridos, o povo ser protegido contra toda escravido e opresso. Praticando aqueles mandamentos, o povo h de construir uma nova organizao, um novo tipo de sociedade onde todos vivam como irmos, na igualdade, na liberdade e no respeito aos direitos humanos. Este o projeto de Deus que os profetas sempre defenderam e Jesus consagrou ao dizer que o amor a Deus e ao prximo no podem ser separados (Mt 22,39-40).

2.7. O xodo continua

Na Bblia, o acontecimento do xodo est na cabeceira, mas continua deslizando pelo leito do rio da histria do povo de Deus. As guas do xodo continuam escorrendo pela histria do mundo. Sobretudo depois que receberam o impulso da ressurreio de Jesus Cristo. Basta comparar a situao da humanidade hoje com a situao daquele povo para descobrir a necessidade sempre atual do xodo. xodo continua porque continua a opresso, continua o clamor do povo, continua o chamado de Deus para todos se unirem na caminhada da libertao e na organizao de uma sociedade nova.

III Contexto Histrico3.1. O Imprio Egpcio

3.1.2. A poltica agrria

Em uma leitura atenta do texto, analisando as entrelinhas e percebendo o que est por trs das palavras, revelam-se algumas surpresas. Mediante a histria de Jos, provavelmente, o autor bblico quis fazer uma severa crtica poltica agrria dos faras do Egito. Por qu? Porque o sistema faranico era baseado na concentrao das riquezas nas mos do Estado. E, por outro lado, se opunha proposta das tribos de Israel, que consistia em permitir a todas as pessoas o acesso riqueza. Percebe-se a contradio entre o sistema tributrio, defendido pela ideologia faranica, e o sistema igualitrio, apresentado pela proposta tribal. No primeiro, todos os bens pertenciam ao rei, e as pessoas estavam a sua disposio. No segundo, as famlias, cls e tribos organizavam a produo e distribuio de todos os bens.Pode ser que essa crtica se estenda tambm poca de Salomo que, de certa forma, repetiu a poltica agrria faranica. No s! Salomo se aproximou do Egito o quanto pode. Casou-se com a filha do fara, construiu palcios e templos, criou uma corte burocrtica e, sobretudo, adotou o sistema tributrio. A hiptese de estudiosos que a histria de Jos foi escrita na poca do rei Salomo, como parte da chamada tradio Javista. Da a possibilidade de se estabelecer a comparao entre o sistema faranico e o salomnico, e perceber as crticas a ambos.Voc pode ler pessoalmente a histria de Jos em Gn 37-50 (exceto Gn 38 e 49, que introduzem outras tradies na seqncia narrativa) para perceber a realidade familiar, social, econmica, cultural, poltica e religiosa que est por trs dos textos. Quando Jos sonha que os feixes de seus irmos esto se inclinando para o dele (Gn 37,5-11), no est querendo ser rei e domin-los? E quando os irmos planejam mat-lo, no esto dizendo que as tribos rejeitam radicalmente o sistema monrquico? A transferncia de Jac e de seus filhos para o Egito (Gn 45), talvez, representa a passagem das tribos de Israel para o sistema tributrio. Que retrocesso!3.1.3. O sistema tributrio

Para entender o sistema tributrio basta ler Gn 47,13-26. uma sntese da poltica agrria do Egito. O autor bblico a atribui a Jos. Afinal, ele o segundo homem do imprio. MasSalomo repetiu o mesmo esquema. Que poltica era essa? Vejamos os principais passos: 1 passo: todo o dinheiro do povo recolhido para as mos do fara (Gn 47,14); 2 passo: todos os rebanhos so recolhidos para o fara (Gn 47,17); 3 passo: todas as terras so recolhidas para o fara (Gn 47,20); 4 passo: todos os homens tornam-se escravos do fara (Gn 47,21); passo intermedirio: os sacerdotes ficam isentos, para assegurar a ideologia a servio do fara (Gn 47,22); passo definitivo: a populao dever trabalhar e entregar um quinto dos produtos ao fara (Gn 47,24); tropeo: o povo escravizado agradece "Tu nos salvaste a vida" (Gn 47,25).Como possvel que o povo, faminto, depois de perder dinheiro, rebanhos, terra e liberdade, possa agradecer a quem o explorou e transformar o opressor em salvador? S pode ser armadilha! Pelas artimanhas do poder, a propaganda capaz de iludir e vender "gato por lebre".Contudo, o sistema chamado, plos atuais cientistas sociais, modo de produo asitico. Estendia-se por todo o Oriente antigo. O Estado, como dono das terras, entregava-as a quem bem entendesse, cobrando um quinto da produo. Tal sistema diferente dos modernos modos de escravido, em que as pessoas so propriedade de outras pessoas. L, o povo todo era propriedade do Estado, que podia dispor das pessoas a seu bel-prazer.A histria de Jos, emocionante e crtica, quer explicar por que, no incio do xodo, os hebreus encontram-se na condio de escravos do fara do Egito. E consegue explicar muito bem!3.2. O Egito no sculo XIII a.E.C.

Como todos os eventos do livro do xodo so contextualizados no Egito, vale a pena conhecer a situao histrica desse imprio. Os caminhos nem sempre so claros e, s vezes, preciso tatear por hipteses para se chegar a algum resultado.

3.2.1. O fara Ramss II

O ano era por volta de 1250 a.E.C, no contexto do grade imprio egpcio. O fara que governava era o megalomanaco Ramss II, que permaneceu sessenta e sete anos no poder (1290-1224) e teve 79 filhos e 59 filhas! Tentou o domnio sobre toda a terra de Cana. Transferiu a capital para o Norte do pas, Tnis, antiga Avaris, a bblica Soan.

O Egito havia sculos, era regido por um sistema de dinastias. Isto assegurava certa estabilidade poltica, favorecida pela posio geogrfica e pela regularidade climtica. Ramss II pertenceu XIX dinastia, durante o perodo chamado Novo Imprio. Foi nesse perodo que o Egito obteve maior esplendor e que, no final, conheceu a sua derrocada.

A sada dos hebreus do Egito supe-se, aconteceu sob o governo do fara Ramss II. Mas poderia tambm ter ocorrido no de seu sucessor, Mernept. Um documento gravado em pedra, conhecido como "esteia de Mernept", por volta do ano 1219, menciona Israel. Quer dizer que nesse ano, em Cana, j se conhecia um grupo chamado Israel como povo dominado. Certamente, no se trata ainda da liga das doze tribos, mas de um novo grupo social existente ao norte de Cana.

3.2.2. A invaso dos Hicsos e Filisteus

A estabilidade das dinastias egpcias fora quebrada plos hicsos, povos estrangeiros, provavelmente de origem indo-germnica, que dominaram o pas e estabeleceram duas dinastias, entre 1785 e 1580. Recuperado o mando, os egpcios instituram o Imprio Novo, cheio de projetos de expanso. Nessas campanhas, Cana foi includa ao territrio. Permaneceu como colnia egpcia at 1200 a.E.C. Toda a regio herdou, dos hicsos, o sistema de cidades-Estados e as inovaes militares, como carros de guerra e couraas.

Com a entrada do sculo XIII, a potncia egpcia enfraqueceu-se de novo. Na grande marcha da histria, esse momento coincide com a passagem do perodo do Bronze para o do Ferro, momento de grandes inovaes para a humanidade. O perodo do Bronze Recente dura de 1500 a 1200 a.E.C. e o do Ferro, de 1200 a 900 a.E.C. Esse incio do sculo XIII foi marcado, tambm, por enorme crise poltica e social em todo o cenrio do Mdio Oriente.

Diversos povos, vindos do mar, ocuparam o litoral sul de Cana. Entre eles, encontravam-se os filisteus, grupo forte e armado. Os povos do mar desfizeram o poderio hitita, que se armava ao Norte, destruram cidades como Ugarit e se lanaram sobre o Egito. Barrados no Delta do Nilo conseguiram se fixar no litoral sul, mais tarde conhecido como Filistia, atual Faixa de Gaza. Uma das conseqncias dessa invaso foi quebra da dominao egpcia sobre Cana.

O perodo do Ferro trouxe ainda duas grandes novidades: a cal e, naturalmente, o ferro. A cal favoreceu o revestimento de cisternas, o que permitiu armazenar gua das chuvas. O ferro possibilitou a fabricao de armas e de ferramentas agrcolas, e, como conseqncia, melhorou a agricultura e aperfeioou o exrcito.

2.2.3. As migraes dentro do imprio

Vrios fenmenos deram origem a correntes migratrias que se dirigiam para c Egito. Em primeiro lugar, as grandes secas ou perdas de plantaes, devidas a fenmenos naturais ou ataques de nmades que se apossavam do produto do campo. Alm disso, boa parte dos cereais era carreada para o Egito como pagamento de tributo, onde era estocado, e muitas vezes servia para atender populao em situaes crticas. Em meio necessidade, muitos grupos de camponeses e pastores tinham que se locomover para buscar a prpria sobrevivncia.O Egito, graas fertilidade nas margens do Nilo, era o principal alvo das migraes. Para a se dirigiam camponeses em busca de terra frtil e pastores cata de pastagens. Havia ainda os mercenrios que se alistavam nas campanhas militares do fara, ou se arrolavam nas grandes construes por ele promovi das. Muitos desses migrantes encontravam uma situao melhor e acabavam se instalando no pas. O que o livro do xodo chama de hebreus so essas levas de migrantes que se estabeleceram principalmente na terra de Gessem, no leste do delta do Nilo. A histria de Jos (Gn 37-50) boa ilustrao desse fenmeno migratrio.3.3. Cana

A regio de Cana era dominada pelos egpcios durante o Mdio (2030 1720 a.E.C.) e grande parte do Novo Imprio Egpcio (1552 1070 a.E.C.). Contudo, o Egito perdeu a hegemonia sobre a regio de Cana para os hurritas e hicsos (1720 1552 a.E.C.), por um perodo de 200 anos. Nesse perodo Cana tornou-se internacionalmente conhecida. Os hicsos fortificaram muitas cidades, construram outras e implantaram o sistema de cidades-estados cercadas por um muro de proteo, dentro do qual havia as dependncias do rei, dos nobres, do exercito e dos cavalos de guerra. Pelo lado de fora do muro ficavam as aldeias dos camponeses. Os faras conseguiram restaurar o poder egpcio na regio de Cana, em 1552 a.E.C., com o incio do Novo Imprio.

3.3.1. As cidades-estados

O sistema de dominao egpcia era aquele deixado no Oriente plos hicsos, estrangeiros, que haviam invadido o Egito cerca de quatrocentos anos antes. Nesse sistema, todo o territrio se dividia em pequenas cidades-Estados, independentes entre si e governadas por famlias ricas. Cada cidade possua seu exrcito, um grupo de fiscais, uma administrao, um chefe que se atribua o ttulo de rei.O processo de urbanizao, portanto, era o da poca do Bronze, mas persistiu no perodo subseqente. O esquema manteve-se semelhante nas vrias cidades. Em geral, situavam-se sobre uma colina, cercadas por muros de todos os lados. Havia apenas uma via de acesso e um porto central, bem vigiado. Dentro dos muros construam-se templo, palcio para o rei e palcios menores para a nobreza. A viviam o rei, os sacerdotes, os militares, os escribas, os artesos, enfim, a elite burocrtica. Fora dos muros, espalhada plos campos, morava a maioria da populao, que trabalhava pela sobrevivncia e pagava tributos para a cidade. Era uma condio de escravido, no sentido de que trabalhavam na terra do rei e deviam pagar-lhe tributo. Resumia-se nisso, mais ou menos, o esquema de uma cidade-Estado. Cada uma das cidades tinha certa autonomia. O sistema poltico era chamado de tributrio, porque se mantinha custa do pagamento de tributos ou impostos.Havia tambm cidades menores, sem muros de proteo, chamadas "filhas", porque dependiam de alguma cidade maior para assegurar sua defesa.Sobre todas as cidades-Estados, o fara do Egito procurava manter controle, a fim de assegurar certo equilbrio poltico na regio.3.3.2. Os revoltosos Hapirus

Como fcil de imaginar, esse sistema poltico abria amplas brechas, vazios de poder por onde circulavam multides marginalizadas. Era o caso de camponeses sem terra, obrigados a migrar de um cho para outro, sempre procura de um espao entre o deserto e a cidade. Era tambm o caso dos pastores, que dependiam dos poos e da escassa pastagem da estepe para saciar seus rebanhos. Na passagem do perodo do Bronze para o do Ferro, essa massa marginalizada aumentou. Ampliou-se, conseqentemente, a insatisfao e se manifestaram a crise social e o esprito revolucionrio.

Um novo grupo social, porm, alterou o cenrio poltico geral. Em vrios documentos so conhecidos como hapiru. Eles perturbavam a paz das cidades: atacavam, saqueavam, influenciavam outras pessoas; depois, fugiam e refugiavam-se nas montanhas. O terreno elevado no permitia que fossem atacados. As cisternas de cal garantiam-lhes o suprimento de gua. As ferramentas de ferro facilitavam a prpria defesa e o cultivo da terra. Os reis de Cana, ento, escreveram ao fara do Egito pedindo interveno. O fara, em apuros, respondeu que no havia soluo.

Assim, os hapiru continuaram aluando. No constituam raa nem povo. Compunham-se de todos os desvalidos que no cabiam no sistema, no tinham o que perder e, por isso mesmo, partiam para a luta revolucionria. Estavam dispostos a tudo. Colocavam-se a servio de quem lhes pagasse mais. A est, certamente, a raiz da transformao social que iria permitir o surgimento de Israel como grandeza poltica. Admite-se, normalmente, que o termo bblico hebreu corresponde palavra hapiru dos demais documentos.

3.4. Israel no Egito

Israel representava, exatamente, uma alternativa ao sistema social do Egito, que era piramidal. Acima de tudo estava o fara, filho de Deus, todo-poderoso. Como pequenos faras, os reis, em Cana e nas regies circunvizinhas, regiam cidades-estados. Em lugar bem elevado da pirmide havia ministros, sacerdotes, profetas, magos, escribas e outros burocratas. Tambm os militares ocupavam posio importante. Os artesos mereciam destaque, pois eram os industriais, e garantiam, inclusive, a fabricao de armas. Na base de tudo, como sempre, estendia-se o povo em geral.

A religio era tambm usada como instrumento de dominao. Ensinava-se que havia muitos deuses, uns maiores que os outros, os quais se organizavam hierarquicamente, de tal modo que uns mandavam e outros obedeciam. As divindades tambm sentiam paixes e brigavam com violncia. As esttuas de deuses eram enormes, ocupavam templos colossais, onde os pobres no podiam colocar os ps. O culto era complicadssimo, monoplio dos sacerdotes, privilgio dos reis.

Onde ficava a maioria das pessoas simples? A cultura era exclusividade de uma minoria seleta. O restante ficava margem do saber. Ler e escrever, naquele tempo, nas regies do Egito tornava-se possvel aps longos anos na "escola do fara". A escrita era extremamente complicada, como se nota ainda hoje plos hierglifos.

Nesse contexto, no era incomum encontrar os hebreus fazendo parte dos trabalhadores que construram, para o fara, as cidades de Pitom e Ramss, no longe de Tnis, junto aos lagos amargos, no delta do Nilo.

A capital Tnis, situada na fronteira com Cana, era um centro cosmopolita sem precedentes no mundo antigo. A, egpcio e cananeu deviam ser lnguas faladas normalmente pelo povo, tornando-o bilnge.

Escavaes junto a Tnis revelam, por volta do sculo XIII, o fenmeno de uma vasta semitizao do territrio. Quer dizer que, ao Norte do Egito, a mistura de povos era comum, e a presena de seminmades pouco incomodava. Estrangeiros, como os hebreus, eram bem-vindos, para serem usados como mo-de-obra escrava nas obras faranicas de Ramss II ou de outro monarca.

Cenas de pessoas construindo muros de tijolos, no Egito, so visveis em inmeras ilustraes da poca. Dentre essas, destacam-se traos tpicos de um semita no trabalho.

A idia de um menino semita, portanto, unindo a forte religio de seus pais e os mtodos das escolas reais, como Moiss, no seria impossvel.

Com a sabedoria egpcia, Moiss teria aprendido magia, curandeirismo, culto aos deuses, rituais funerrios, interpretao de sonhos, noes sobre o alm-tmulo, rudimentos de escrita etc.

3.5. O xodo como evento histricoQual foi o ncleo histrico do movimento conhecido como xodo? Os fatos aconteceram da forma como esto narrados na Bblia? Como foi possvel a libertao, se os imprios eram to dominadores? Plos meandros da histria, possvel vislumbrar elementos que possibilitaram a sada dos hebreus do Egito.O movimento conhecido como xodo foi possvel por causa de um vazio de poder sobre a regio de Cana, no sculo XIII a.E.C. Isso possibilitou a conquista da terra prometida e a formao do povo de Israel. Mas como? Os grandes poderios internacionais enfraqueceram-se. Pelas costas, do lado oriental, a Assria no representava ameaa. Pelo Norte, os hititas se mantinham a distncia e, pelo Sul, os egpcios estavam frgeis. Graas a tal situao, os reis de Cana comearam a guerrear entre si. Cidades-Estados foram atacadas e muitos reinos caram.3.6. Sistema tribalUm novo sistema poltico, ento, foi criado, recuperando a unio tribal. Neste, os laos de sangue e parentesco falavam mais alto. Valores familiares, como a hospitalidade e a defesa de interesses comuns, foram recuperados. A participao de todos assegurava maior igualdade entre as pessoas. Restabeleceram o culto familiar, a sabedoria popular, a memria dos prprios acontecimentos histricos. Leis foram criadas para defender o sistema igualitrio, como as imortalizadas nos dez mandamentos. A base desse sistema, pode-se constatar, era a famlia. Diversas famlias aparentadas formavam um cl, e o agrupamento de alguns cls constitua uma tribo. Enfim, da unio de vrias tribos resultou um Estado. Oposto ao anterior, naturalmente, e no mais baseado sobre o rei.Historicamente, provvel que esse Estado resultou de diversos movimentos. Por um lado, o sistema faranico se desestruturou e foi engolindo a prpria cauda. Por outro, as populaes de Cana, antiqssimas, mobilizaram-se em torno das prprias tradies e ocuparam o vazio de poder. Grupos vindos de fora entraram na terra e passaram a produzir de maneira autnoma. Afinal, no havia rei cobrando tributo. De todos esses grupos, o mais famoso foi o do Egito, liderado por Moiss. Mais famoso, porque riu nas barbas do fara ao assistir de perto sua derrota. Os demais grupos assumiram a mesma histria e comemoraram juntos como uma tradio tribal.3.7. A passagem do marComo se deu, concretamente, o xodo? difcil descrev-lo, uma vez que os textos bblicos j esto muito teologizados. Num pequeno trecho, como Ex 14,15-31, possvel notar quantas suposies diferentes podem ser levantadas. O xodo foi uma marcha popular dos filhos de Israel (v. 15). Mas no foi a diviso milagrosa das guas pela vara ou mo de Moiss levantada sobre o mar (w. 16.21.26-27)? Pode ter sido uma perseguio violenta por parte dos exrcitos egpcios (w. 17-18.23). Ou talvez a interveno milagrosa de um anjo de Deus (v. 19). Quem sabe uma nuvem escura, um vendaval de areia, uma noite de tempestade, ou at mesmo um incndio (w. 19-20.24). H a possibilidade de ter sido um vento oriental, soprando a noite inteira, e secando as guas numa espcie de mar baixa (w. 21.27-28). No se descarta uma confuso do exrcito inimigo, um desentendimento no comando (v. 24). E se fosse o emperramento das rodas dos carros egpcios, atolados nos pntanos da regio (v. 25)? Em qualquer hiptese, tudo atribudo ao poder de Deus. E isso teologia.A moderna historiografia reconhece que, na origem de tudo, existe um ncleo histrico em torno das narrativas do livro do xodo. Do contrrio, Israel no teria guardado tal memria. Ningum gosta de conservar a lembrana de fatos vergonhosos, e muito menos um povo orgulhoso e nacionalista como Israel. Se eles recordam a escravido do Egito, porque ela foi real.A narrativa atual foi enriquecida com a memria, a f, a soma de novas experincias, enfim, com a inteno teolgica. Por isso, difcil distinguir o que realmente histria e o que teologia. Tudo porque a narrativa bblica no tem inteno de narrar histria. Pretende, muito mais, transmitir o testemunho de f.3.8. Muitas experincias de libertaoA histria do xodo recolhe, provavelmente, a memria de diversos grupos histricos que contriburam para essa sada. Mais tarde, esses grupos constituiro as chamadas tribos de Israel. Sua histria conservada em textos como a bno de Jac (Gn 49), a bno de Moiss (Dt 33) e o Cntico de Dbora (Jz 5). Essas poesias esto entre os escritos mais antigos da Bblia. Portanto, situam-se bem prximas aos acontecimentos histricos. Logo, suas informaes so bastante confiveis.

Cavando fundo no poo da histria, descobre-se um provvel pequeno grupo, liderado por Moiss, que decidiu libertar-se do sistema faranico e partir para a nova terra, em Cana. A ele, outros grupos se agregaram. A experincia de libertao do Egito, porm, foi a principal referncia para todos, que tambm se consideraram libertos. Naturalmente, cada grupo trouxe sua contribuio para a conquista da liberdade. Alguns podem ser identificados nas entrelinhas dos textos bblicos.3.8.1. O grupo de MoissO grupo de Moiss o que mais se destaca porque, como dito, fugiu das garras do fara. Fugiu? Provavelmente, como se l em Ex 14,5. Mas a Bblia menciona tambm a possibilidade de expulso (Ex 12,30-39) e at de permisso por parte do fara (Ex 12,31-35). As trs experincias talvez tenham acontecido com diferentes grupos em processo de libertao. O grupo mosaico, em sua origem, pode ser identificado com os trabalhadores urbanos, da construo civil, em cidades como Pitom e Ramss, mas eram tambm experientes na agricultura e em outros trabalhos braais (Ex 1,11-14). Seriam semitas submetidos aos trabalhos forados nos grandes centros urbanos do Egito. Aos poucos, tomaram conscincia de sua situao, at que conseguiram fugir da opresso. Na invocao do Deus libertador, na experincia militar com cavalos e cavaleiros e na travessia do mar resume-se, talvez, a experincia desse grupo. Podemos ler isso em Ex 15,21, que pode ser o texto mais antigo a respeito da experincia do xodo: "Cantai ao Senhor, pois de glria se vestiu; ele jogou ao mar cavalo e cavaleiro!". O Deus deles, assumido como Jav, poderia ter sido, originalmente, "Eu sou aquele que " (Ex 3,14), ou seja, um Deus indefinvel, mas ativo, que "escuta o clamor do povo" (Ex 2,24; 3,7-9).3.8.2. O grupo do SinaiEsse grupo constituiria outra experincia de xodo vivida por povos que vieram do deserto. No grande movimento de libertao, o grupo sinatico juntou-se ao de Moiss, e a histria de ambos foi integrada numa seqncia nica, como se l nos relatos bblicos. A memria sinatica se concentra nas narrativas em torno do monte Sinai, tambm conhecido como Horeb, montanha de Deus ou simplesmente montanha. Sua localizao exata desconhecida, mas as diversas hipteses convergem para o Sul, em Seir, regio de Edom (Jz 5,4-5). A formao do grupo do Sinai compe-se de bedunos do deserto, que viviam em tendas (Dt 33,2). Ao que parece, dominavam a fundio do ferro. Sua f estava ligada ao culto do Deus Jav, uma divindade forte, diferente dos demais deuses, tratados como dolos. Jav era o Deus da montanha, associado natureza. Revelava-se na fumaa, no fogo, no terremoto e em outros fenmenos (Ex 3,1-3; 19,16.18). Vale lembrar que Jetro era madianita, sacerdote, e pode ter passado ao seu genro Moiss o culto Javista. Essa divindade, no movimento de tomada da terra, foi assumida por todas as tribos e, mais tarde, aceita como o Deus nacional de Israel.3.8.3. O grupo abramicoO grupo abramico assim nomeado pela sua associao com Abrao e os demais patriarcas. Na verdade, eram muitos grupos. Tinham em comum a vida seminmades, na qual vagavam pelas estepes, entre o deserto e as cidades, numa experincia de periferia (Gn 12,6-9). Vida difcil de pastores! Resistiram por sculos em busca de gua e pastagens para seus rebanhos (Jz 5,16). Sobreviviam do pastoreio, sem terra para cultivar. Deslocavam suas tendas ao sabor das estaes. No vero, poca de seca, buscavam os poos junto s terras cultivveis. No inverno, perodo de chuvas, migravam para as estepes. Possuam divindades familiares, tradicionais, nomeadas, na Bblia, como o Deus de Abrao, o Deus de Isaac, o Deus de Jac, e tambm assumidas como o Deus dos pais (Ex 3,6). O Deus dos pais era um Deus peregrino, que acompanhava os passos de seu povo.3.8.4. O grupo hapiruO grupo hapiru identificado com os camponeses oprimidos e revoltados das cidades-Estados de Cana e de outros lugares. Constituam o resto do sistema antigo, fugitivos da plancie para as montanhas, que viviam como mercenrios, a servio de quem lhes pagasse melhor. Eram movidos por forte esprito revolucionrio, guerrilheiro, como se diria em termos atuais (Gn 49,19). Esse grupo, ao que parece, foi a "mola propulsora" do novo sistema familiar que se iniciou em Cana. Traos de presena hapiru se encontram na composio das tribos de Israel (Gn 49,5-7.9.17.19.27). Diversos documentos da poca registram sua atuao. E no toa o fara mandou matar os meninos hebreus (Ex 1,16). Vale lembrar que a primeira ao de Moiss foi matar um egpcio, o que indica seu "sangue quente".3.8.5. Outros gruposOutros grupos provavelmente realizaram a sua experincia de xodo, conforme atestam os textos bblicos. No faltam escravos, como os que deixaram suas marcas na tribo de Issacar (Gn 49,14-15). Trabalhadores porturios esto retratados em tribos como Zabulon, Aser e Da (Gn 49,13; Jz 5,17). Inclui-se a presena de caadores, como na tribo de Benjamin (Gn 49,27).Enfim, muitos xodos esto na origem histrica de Israel. Vrios grupos viveram a libertao. Muitas experincias animaram sua vida.IV Israel no Egito4.1. Histria de Jos (Gn 3750)

Ponte para o livro do xodoVamos lembrar a seqncia das narraes do livro do Gnesis. Abrao mandou um empregado sua terra de origem para arrumar o casamento de Isaque com alguma moa de sua famlia. O empregado topou de cara com Rebeca, neta do irmo de Abrao, que aceitou o casamento. Como Sara, Rebeca era estril, mas Deus atendeu orao de Isaque e mandou os gmeos: Esa e Jac. Como Ismael, Esa iria logo cair fora da histria. Ela continuou com Jac, pai de 12 filhos que vo ser os troncos das 12 tribos de Israel. Entre eles est Jos.A histria de Jos uma espcie de novela, cheia de aventuras. Ela explica como chegaram ao Egito aqueles grupos que se uniram sob o comando de Moiss e foram libertados, conforme narra o xodo.Jos apresentado como um grande heri. Apesar dos contratempos, nunca deixou de ser fiel e lutador. Venceu nas situaes mais difceis pela sua sabedoria e talento. Impe-se at na priso.Na histria de Jos talvez haja sinais do que aconteceu no Egito, depois que caiu na mo dos estrangeiros, os Hicsos. Jos apresentado como um estrangeiro que se tornou todo-poderoso no Egito.Jos tinha uma f muito grande na providncia divina. Em tudo ele sempre viu o dedo de Deus, para salvar o seu povo. muito interessante a maneira como ele tratou os irmos que vieram, humilhados, pedir socorro, sem desconfiar quem ele era. Jos logo os reconheceu, mas fingiu o contrrio e foi muito severo. Parece que queria testar se eles tinham mudado, se estavam curados da maldade que os levara a tramar contra sua vida. Queria dar-lhes o perdo, mas sabia que o perdo tem um preo: ningum pode alcanar o perdo sem se converter.A chamada poltica agrria de Jos (Gn 47,13-23) preparou a situao de opresso que o povo amargava no Egito. Sendo Jos um hebreu, talvez tambm quisesse dar uma base ao sistema implantado por Salomo: o rei estava fazendo em Israel o que Jos fizera no Egito. Em troca de mantimentos, o povo teve de entregar ao fara seus rebanhos e criaes. Depois, suas terras. Depois, sua liberdade, tornando-se escravo. S escaparam as propriedades dos sacerdotes. interessante lembrar que, quando os portugueses invadiram o Brasil, povoado de ndios, todas as terras passaram a ser propriedade do rei de Portugal. Para tomar conta, o rei distribuiu as terras entre seus amigos, no sistema chamado de capitanias hereditrias. por isso que, ainda hoje, as terras que no so propriedade privada de ningum so chamadas de terras devolutas, isto , terras devolvidas, que voltavam para as mos do rei de Portugal e hoje pertencem ao governo.

V Do Egito ao Sinai (1,118,27)

5.1. A Pscoa (12,14. 21-28).

Pscoa: a festa do povo libertadoA festa da Pscoa talvez j existisse, tanto que Moiss pediu ao fara que deixasse o povo sair para celebr-la em paz (Ex 8,22). Com os acontecimentos da libertao, ela ficou estreitamente ligada a eles. A celebrao conservava algumas coisas prprias do sistema tribal igualitrio: era familiar e se celebrava nas casas. Festa de comunho, em que eram partilhados os frutos da primeira colheita e do rebanho. Evitava-se assim a acumulao daquilo que era produzido por todos. No existia nem templo, nem santurio, nem sacerdcio oficial.O material e os gestos da celebrao lembravam a sada do Egito: o cordeiro e o seu sangue, o po zimo, as ervas amargas e a posio de quem vai viajar. Tudo era consumido (Ex 34,25b). As palavras lembravam a ltima praga, que foi decisiva para a libertao (Ex 12,26-27). O mais importante era marcar as portas com o sangue do cordeiro, que recordava como Deus protegeu as casas (Ex 12,22). A repetio anual desta celebrao dava ao povo foras para enfrentar as ameaas dos faras, dos reis de Jud e Israel, do opressor assrio, babilnico, persa, grego ou romano.A festa da Pscoa era no comeo da primavera, quando tambm era celebrada a festa dos zimos. Mas, com o tempo e com o templo, a festa dos zimos caiu nas mos dos reis, que faziam os camponeses trazerem donativos e oferendas como agradecimento pelas colheitas. Depois a festa da Pscoa se fundiu com a festa dos zimos, deixou de ser familiar e perdeu o sentido de comunho e partilha. Passou a ser uma festa oficial, para acumular bens no templo e nas mos dos reis. Por isso, a Pscoa caiu em desuso durante muito tempo (2 Rs 23,22) e s se celebrava a festa dos zimos (Ex 23,14).A reforma de Josias (622 a.C.) recuperou a festa da Pscoa (2 Rs 23,21 ss.), mas com uma grande diferena: devia ser celebrada no templo de Jerusalm e no mais nas casas (Dt 16,1-8). Com isso, ela perdeu aquele clima familiar e tribal de participao que tinha antes.O cativeiro na Babilnia trouxe grandes mudanas na vida e no modo de pensar do povo, assim como na sua maneira de viver e celebrar a f. O povo de Deus foi jogado no meio dos pagos e corria o perigo de perder a sua identidade. O recurso foi recuperar o sentido original da sua festa maior, a Pscoa. Ento ela voltou a ser uma celebrao familiar de partilha e comunho, como est descrito em Ex 12,1-14.Depois do cativeiro, quando o povo voltou para Jerusalm e o templo foi reconstrudo, deviam ir ao templo em procisso para celebrar a Pscoa (Esd 6,19-22).No tempo de Jesus, vamos encontrar a festa da Pscoa sendo, de novo, celebrada nas casas como festa familiar de muita intimidade, partilha e participao (Mc 14,12-16).Jesus deu celebrao da Pscoa uma nova significao. Fez com que a partilha do po e do vinho se transformasse na partilha de seu prprio corpo e de seu sangue. Antecipou na Ceia o sacrifcio da cruz em que deu sua vida pela salvao de todos. Mandando repetir o seu gesto, quis que a memria desta nova Pscoa signifique, para ns, assumir um compromisso de vida e de morte com os irmos. O cordeiro sacrificado na festa da Pscoa para preservar as casas dos israelitas era como o anncio da morte redentora de Jesus e alcanou nele o seu sentido pleno e completo. Vocs foram resgatados pelo precioso sangue de Cristo, como o de um cordeiro sem defeito e sem mancha. (l Pd 1,19.)Jesus a realizao total da Pscoa e da libertao. Ao partilhar conosco a sua vida, ele se confunde com o po partido. Ao dizer que o po o seu corpo (Mt 26,26), Jesus nos ensina que partilhar o po e partilhar a vida a mesma coisa (Mt 14,22-25).A festa da Pscoa como o sangue que corre nas veias da histria do povo de Deus. Isto, ontem, hoje e para sempre. Os cristos deveriam estar muito atentos a este sentido to profundo da Pscoa quando, nos seus cultos, participam da Ceia do Senhor.1. Nvel histrico: o fato como aconteceu. Vamos ler Ex. 15,20-21. um dos cnticos mais antigos da Bblia. Miriam e as mulheres que o cantam, pois sua atuao na libertao foi muito forte. Elas cantam trs coisas:

> evento que se d junto ao mar

> a sada acontecimento militar

> o Deus do xodo libertador.

2. Nvel da memria: um acontecimento a ser transmitido e guardar na memria. O povo passa da escravido para libertao. Passa da servido para o servio: ser povo consagrado para servir ao Senhor (Ex. 3,12; 13,11-16). O anjo de Jav passa e salva os primognitos, pois este o futuro. O povo que est nascendo consagrado a Deus, isso significa:> decidir de servir a Deus> viver a vida de Deus> viver segundo o Projeto, a Lei de Deus.

3. Nvel litrgico: este acontecimento transmitido numa liturgia, numa celebrao onde cada gesto simblico: Deus passa no meio do povo e o liberta.

Cordeiro.............. oferta da vidaSangue................. a fonte da vida, ele salva da mortePorta.................... passagem, todos passam por elaPo zimo............ sem fermento, para lembrar a pressa da sadaDe p................... vigilncia, estar prontos para sairErvas amargas..... lembrar a amargura da escravidoFamlia ................ o povo que est nascendoNoite ................... lembrar a vigliaCelebrar .............. manter viva a memria de toda a luta, na certeza de que a mudana sempre possvel.

Dividir em grupos para estudar o texto de Ex. 12,1-14.21-28 e responder as seguintes perguntas:1. Quem participava da preparao da Ceia?2. Quem participava da Ceia pascal?3. O que era feito do cordeiro e para que servia o seu sangue?4. Qual o sentido hoje da Festa da Pscoa para mime para comunidade?5.2. Sede em Massa e Meriba (17,1-7)

O nome de Deus: a certeza que acompanha o povoDesde o xodo, uma certeza acompanha o povo: Deus ouve o nosso clamor (Ex 2,23-24.) Esta certeza percorre a Bblia como a seiva percorre a rvore, desde a ponta das razes at as extremidades das folhas.

Mas no atende a qualquer clamor. Os profetas de Baal clamaram. Elias, zombando, pediu que gritassem mais alto: Gritem mais forte! Embora sendo deus, talvez esteja conversando ou fazendo negcios ou ento viajando. Quem sabe, est dormindo e a acordar! (l Rs 18,27). Gritaram muito, mas seus deuses no atenderam. Esse tipo de deus um deus da fantasia, uma mentira, criada pela esperteza do sistema do fara e dos reis para acobertar suas falcatruas e fazer o povo submisso e conformado. uma pea do jogo dos poderosos. E claro que um grito dirigido a esse deus no ter resposta. um deus que tem olhos, mas no v, tem boca, mas no fala, tem ouvidos, mas no ouve (SI 115,5-6).

O Deus da Bblia diferente. Ele atende aos gritos, s vezes silenciosos, do povo oprimido. A novidade da Bblia no est na dor que faz gritar. Mas na f de que Deus ouve esse clamor. Clamor nascido de dupla fonte: da dor que faz gritar e da certeza de que Deus ouve. Os salmos so expresses deste grito de f: A Deus o meu clamor e hei de gritar: eu grito! A Deus o meu clamor: que ele me escute! (SI 77,2).

A Bblia traz a nova experincia que a humanidade fez, atravs do povo de Israel, de que Deus se colocou do lado dos oprimidos, os libertou da opresso do Egito e lhes deu a garantia: Eu estou com vocs! (Ex 3,12). Esta nova experincia de Deus desmascarou de vez a falsidade do sistema dos reis e deu aos pequenos a coragem de enfrentar at o fara.

Invocar o nome do Senhor

Esta nova experincia de Deus foi expressa no nome de JHVH (JAV). O sentido profundo deste nome est explicado no livro do xodo (Ex 3,7-15). Um texto bonito e to rico que vale a pena destrinchar. Texto quer dizer tecido. Este texto do livro do xodo foi tecido com tanta arte que parece uma pintura onde as letras do nome formam os traos do rosto de Deus. Isto , a maneira como o texto-tecido apresenta o nome deixa transparecer o que esse nome significa para a vida do povo. Eis o tecido do texto:

Ex 3,7...........................Eu vi a misria do meu povo........................Ex 3,7...................................Ouvi o seu clamor.................................Ex 3,8..................................desci para libert-lo................................Ex 3,10................. eu te envio para fazer sair o meu povo................Ex 3,12.................................... estou com voc..................................Ex 3,14..........................estou que estou (para valer!)........................Ex 3,14.......................... estou me mandou at vocs........................Ex 3,15................... YHWH (est) me mandou at vocs.................Ex 3,15........................este o meu nome para sempre.....................Ex 3,15........esta ser a minha invocao de gerao em gerao ....

Este quadro tenta reproduzir aquilo que o texto (tecido) trazia mente do povo de Israel. As frases destacadas so os traos mais fortes do conjunto do texto. Revelam o principal de sua mensagem. Mostram que o nome YHWH (est em hebraico) deve ser entendido como um resumo de estou que estou, isto : estou, ora se no estou/! Isto vale por uma certeza absoluta de que Deus est no meio do povo. como se Deus dissesse a Moiss: Estou para valer! Sem sombra de dvida, estou com voc nesta misso de fazer o meu povo sair do Egito! Dou minha palavra!

Para o povo, seu Deus o Emanuel, o Deus-conosco. E tudo se resume nesta frase: Este o meu Nome para sempre! Esta ser a minha invocao de gerao em gerao! (Ex 3,15). Deus h de responder a quem crer neste Nome e o invocar: Eu vou proteg-lo, porque ele conhece o meu nome. Ele me invoca e eu vou atend-lo (SI 91,14-15; cf. Is 42,8; 43,1-45,25).

Invocar o nome de Deus como pronunciar o nome da pessoa amada. So apenas quatro letras, mas a realidade nele contida no cabe em letras. maior do que tudo! Pronunciando o nome de Deus, o povo dizia tudo o que sentia por seu Deus e tudo o que o seu Deus significava para ele. Esse nome trazia em si toda experincia profunda e nica vivida por aquele povo. Por respeito, os judeus deixaram de pronunciar o nome YHWH e, em seu lugar, diziam Senhor. o Nome que conservamos at hoje. o primeiro ttulo que foi dado a Jesus, depois de sua ressurreio: Jesus o Senhor (At 2,36; Fl 2,11).

Este nome invocado na fala e no canto, de todas as maneiras, acompanhado de todos os instrumentos, na alegria e na dor, na festa e no luto, misturado com todos os assuntos da vida. Ele pronunciado e invocado, cantado e meditado, repetido e murmurado mais de cinco mil vezes ao longo de todas as pginas da Bblia.

Dividir em grupos para estudar o texto de Ex. 17,1-7 e responder as seguintes perguntas:1. Quais so os conflitos e qual deles o mais importante?

2. O que significa a gua para quem caminha no deserto seco?

3. Na queixa do povo, o que significa lembrar o Egito?

4. Hoje, qual a sede do povo, o deserto e a tentao?

VI Aliana e Lei6.1. Os Dez Mandamentos (20,1-17)

Os Dez Mandamentos so como um grande quadro pendurado na parede da vida (Ex 20,3-17). O prego que o sustenta so aquelas palavras: Eu sou YHWH, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egito, da casa da escravido.(Ex 20,2.) Com estas palavras, Deus invoca sua autoridade e declara o objetivo com que deu os Dez Mandamentos.A autoridade: Tirando o povo da casa da escravido, Deus adquiriu autoridade sobre ele (Ex 19,5-6). Por isso, tem o direito de fazer valer sua vontade, manifestada nos Dez Mandamentos.O objetivo: Tirar um povo da casa da escravido para viver em liberdade no coisa que se possa fazer de um dia para o outro. um longo processo que exige sbia e firme orientao. A orientao (a lei, que em hebraico se diz tora) fornecida por Deus nos Dez Mandamentos. So dez pistas que ajudam o povo a caminhar para a liberdade, a fraternidade e a justia. O cumprimento fiel dos Dez Mandamentos faz com que o povo se torne a boa nova, a bno para os oprimidos e a amostra daquilo que Deus quer para todos. O objetivo ltimo foi revelado por Jesus: ajudar o povo para que um dia chegue prtica perfeita do amor a Deus e ao prximo (Mt 22,40; Gl 5,14; Rm 13,8-10).Os Dez Mandamentos no foram dados a crianas, para amedront-las, mas a adultos, para orient-los nas coisas de Deus e da vida. No so para tirar, mas para defender e aprofundar a liberdade. No foram dirigidos aos indivduos, mas ao povo. No tm como finalidade apenas melhorar o comportamento individual. Isto bom, mas no suficiente. Os Dez Mandamentos orientam sobretudo para uma nova organizao do povo. o povo todo, enquanto povo, coletivamente, que deve cumprir os mandamentos. Existem pessoas, consideradas boas e honestas e at devotas, que no matam nem roubam, mas so responsveis por um sistema que mata de fome centenas de milhares de pessoas, que rouba os pobres de mil maneiras para aumentar a riqueza dos ricos, que rebaixa a mulher e dela abusa, que gera a ganncia, que vive da propaganda mentirosa e tudo o mais. Ser que essas pessoas esto cumprindo os Dez Mandamentos? Como fazer para que tanta gente descubra que est colaborando com os planos perversos do fara?Os Dez Mandamentos so a resposta de Deus ao clamor do povo oprimido. Por meio deles, Deus ataca as causas que provocam o clamor. O fiel cumprimento dos mandamentos acaba com essas causas e impede que o povo volte para a casa da escravido. Por isso, em cada mandamento, convm perguntar: qual o clamor que est por trs dele? Como este mandamento combate a causa do clamor?No tempo de Jesus, havia alguns fariseus que ensinavam os mandamentos, mas sem os cumprir (Mt 23,4; Mc 7,8-13; Jo 7,19). S repetiam a letra, mas sufocavam o esprito da lei (Lc 11,19-44; 2 Cor 33,6). Esqueciam-se de que a lei tinha sido dada para educar e libertar (Gl 3,21) e a transformavam em instrumento de opresso (Lc 11,46; Mt 11,28). Jesus censurou o ensinamento dos fariseus e doutores da lei (Mt 5,20; 26,1-36) e deu uma nova explicao (Mt 5,17-48). Por isso, para entender o verdadeiro sentido dos Dez Mandamentos, necessrio ver tambm, para cada um deles, a maneira como Jesus os cumpriu e explicou.Os trs primeiros mandamentos definem como deve ser o relacionamento do povo com Deus: 1) S YHWH Deus! Nada de imagens de deuses para legitimar o sistema do fara e dos reis. 2) Nunca abusar do nome de Deus para apoiar o que errado. Este nome libertador no pode ser usado para encobrir a injustia e a opresso. 3) Dedicar a Deus e ao descanso um dia da semana, porque se deve trabalhar para viver e no viver para trabalhar. Nestes trs mandamentos est a raiz da novidade. uma nova experincia de Deus, do Deus que liberta e est interessado em que o povo se organize na igualdade e na liberdade. Os outros sete mandamentos apontam rumos para esta nova organizao do povo. A f em Deus e a organizao fraterna so como os dois lados da mesma moeda. No podem ser separadas. Jesus resume tudo isto quando afirma que o amor a Deus igual ao amor ao prximo (Mt 22,40).Os Dez Mandamentos garantem os valores essenciais da vida humana e defendem os direitos fundamentais das pessoas, dos grupos e dos povos. Podemos fazer dos Dez Mandamentos o seguinte comentrio:1. YHWH o Deus nico, o Deus exclusivo, o Deus libertador do povo.2. Seu nome no pode ser usado de modo falso. No se pode querer justificar o que no presta, apelando para o nome de Deus.3. O sbado (domingo) deve ser consagrado a Deus e aproveitado para o descanso e a convivncia, sem o peso do trabalho.4. Honrar pai e me. Respeitar a autoridade e assistir os mais velhos. Por outro lado, a autoridade deve fazer por merecer respeito.5. No matar. A vida o maior dom de Deus e s Deus o Senhor da vida. A pena de morte diretamente contrria a este mandamento.6. No cometer adultrio. O casal deve ser fiel aliana feita entre os dois como Deus fiel aliana que fez com o povo.7. No roubar. Numa sociedade justa e solidria cada um ter os bens necessrios e ningum pode privar o outro de seus bens.8. No prestar falso testemunho. Em juzo, a verdade soberana. E a base da confiana e das boas relaes entre as pessoas.

9 e 10. No cobiar o alheio. No ter ganncia. No ter inveja.No ter ambio. No explorar os outros em proveito prprio. Dividir em grupos para estudar o texto de Ex. 20,1-17 e responder as seguintes perguntas:1. Quais so os mandamentos que reforam a primeira parte da aliana: f num s Deus? 2.Quais so os que reforam a segunda parte da aliana: a organizao do povo e as relaes na sociedade?

3. Qual o sim e qual o no que os mandamentos exigem de ns?

4. Qual o rosto que Deus nos mostra atravs dos mandamentos?VII Rebelio e Renovao

7.1. O bezerro de ouro (32,1-24)Idolatria: proibio de imagens de DeusO primeiro mandamento bem claro: No fars para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe l em cima, nos cus, ou embaixo, na terra, ou nas guas que esto debaixo da terra. No te prestars diante desses deuses e no os servirs, porque eu, YHWH, teu Deus, sou um Deus ciumento.(Ex 20,4-5; Dt 5,8-9.) Encontramos o eco destas palavras na Carta de Paulo aos Romanos (Rm 1,22-25), onde a idolatria apontada como a causa-me de todas as desordens e perversidades do mundo pago.dolo quer dizer imagem. Idolatria quer dizer adorao de imagem. Imagem a cpia de um modelo que se pode ver. Como no se pode ver Deus, no possvel fazer uma cpia verdadeira dele. Podemos ter a tentao de fabricar um deus nossa imagem e semelhana e virar tudo pelo avesso, porque Deus que fez o ser humano sua imagem e semelhana (Gn 1,26). Quem no ama seu irmo, a quem v, a Deus, a quem no v, no poder amar.(l Jo 4,20.) Portanto, a imagem visvel de Deus o ser humano.A idolatria na Bblia tem dois sentidos: um que se refere ao culto a deuses estranhos e outro que se refere ao falso culto ao Deus verdadeiro. Neste caso, a idolatria est ligada a imagens cultuais de Deus. Seria o caso do bezerro de ouro (Ex 32), dos que Jeroboo entronizou em Da e Betei (l Rs 12,20-30) e talvez mais dois casos narrados no livro dos Juizes: o dolo de Gedeo (Jz 8,22-27) e de Micas (Jz 17,5).Se idolatria colocar a imagem no lugar do modelo, podemos ver uma terrvel idolatria no capitalismo. O dinheiro foi inventado como a imagem do valor de troca das coisas. Portanto, a imagem do valor. Ora, no capitalismo, o dinheiro passa a ser o nico valor.O "bezerro" de ouro

No roteiro da aliana, o captulo 32 ocupa um lugar muito importante. Se a aliana (Ex 19-24) e a renovao da aliana (Ex 33-34) fossem comparadas a duas folhas de uma porta, o caso do bezerro de ouro (Ex 32) seria como a dobradia que junta as duas e funciona entre elas. Ele vem mostrar o verdadeiro sentido da aliana que Deus faz com um povo rebelde para conduzi-lo libertao. Vamos seguir o roteiro. A aliana j estava selada (Ex 24,3-5). Deus chama Moiss para dar instrues sobre o santurio (Ex 25,31), cuja pea principal devia ser a arca da aliana, onde ele vinha dar audincia (Ex 25,22). Escolhe Aaro e seus filhos para sacerdotes (Ex 28,1). Enquanto isso, o povo se sente desamparado com a ausncia de Moiss e pede uma soluo a Aaro. interessante notar a diferena de comportamento de Moiss, o profeta, e de Aaro, o sacerdote. Aaro embarca na onda do povo rebelde e resolve fabricar uma esttua de ouro que devia representar um touro forte e bravo mas que a Bblia, por desfeita, chama de bezerro. Essa esttua no apresentada como um outro deus nem como a imagem de YHWH, mas como o smbolo da presena dele no meio do povo, ocupando justamente o lugar reservado para a arca da aliana.Todo o veneno est no fato de os israelitas desorientados quererem que YHWH seja um tipo de deus-tapa-buraco ou um deus-quebra-galho, de que eles possam usar e abusar para resolver problemas imediatos e mesquinhos. YHWH no pode aceitar isto, e da a sua revolta (Ex 32,7-10). Ele se revelou como um Deus libertador e se recusa a caminhar com um povo de ' 'cabea dura'' (Ex 33,3.5), a no ser que este se arrependa e se converta (Ex 33,4.6).O Deus da Bblia conhece muito bem a fraqueza humana, mas no aceita a covardia nem a fuga para falsas solues de conformismo. Ele se compromete com a libertao e empenha a sua palavra. Duvidar disto neg-lo. E negar Deus idolatria. um ato de idolatria, uma imagem disforme do prprio Deus verdadeiro rejeitar o seu projeto.Deus no cabe dentro dos nossos clculos, e o nosso pensamento no alcana a imensidade do seu poder. Por isso, sempre. O Deus da esperana contra toda esperana. O bezerro de ouro simboliza o pecado da desconfiana de que Deus no vai cumprir a sua palavra. Simboliza a desistncia de lutar pela realizao do projeto de Deus. O bezerro de ouro a tentao de querer manipular Deus, para garantir nossos interesses. Basta ver como a cruz, smbolo da redeno em Jesus Cristo, usada, hoje em dia, nos lugares mais esquisitos: nos bancos, nas empresas, nos tribunais, nas reparties do governo, etc.O problema de fundo levantado neste captulo est na opo entre o ver e o crer; entre o acomodar-se ou arriscar-se; desfrutar de uma religio na qual tudo est muito bem arrumado ou viver luz imprevisvel de um Deus maravilhoso que pede criatividade; fabricar um deus do qual se possa fazer o que bem se quiser ou colocar-se disposio do Deus da libertao que exige sempre mais e mais... Dividir em grupos para estudar o texto de Ex. 32,1-24 e responder as seguintes perguntas:1. Quais foram os mandamentos que o povo desobedeceu?2. Qual a diferena entre a reao de Aaro e a reao de Moiss, diante do acontecido?3. Como se apresenta hoje a tentao da idolatria?4. O que, mesmo nas igrejas, parece repetir essa histria?VIII A releitura do xodo8.1. No Primeiro Testamento

Dada a importncia da libertao, os acontecimentos em torno do xodo adquiriram grandiosidade e significado constantes na histria de Israel. Nos momentos de glria, celebrava-se o xodo como louvor; nos de crise, evocavam-no como inspirao; e nos momentos de traio, buscava-se o xodo como ameaa. Por tudo isso, a sada da escravido passou a ser paradigma, ou seja, padro, modelo, exemplo, prottipo ou tipo. Seria como uma forma, na qual se moldam outros momentos semelhantes. A ttulo de exemplo, pode-se lembrar como a prpria teologia crist faz a leitura tipolgica de vrios elementos do xodo: a escravido do Egito lida como situao de pecado; as guas do mar representam o batismo; o man smbolo da eucaristia; a gua da rocha constitui o prprio Cristo e a terra prometida simboliza a ptria celeste.

O que segue, aqui, so exemplos de releituras do xodo feitas pela prpria Bblia, no Primeiro e no Segundo Testamento.

8.1.1. Credo histrico Dt 26,5-9O povo da Bblia, desde suas origens, formulou profisses de f que asseguraram a unio entre si e a confiana em Deus. Tais declaraes ou confisses de f so chamadas, por pessoas que estudam a Bblia, de Credos histricos do povo de Israel. Eles eram repetidos em forma de orao, instruo e memria sagrada. A se condensam os referenciais da f do povo, isto , aquilo que se considera o mais importante em sua vida. Em todas essas profisses de f, o xodo ocupa lugar central.

Os diversos credos obedecem a um esquema quase fixo, com os seguintes elementos: Ns ramos escravos no Egito; Gritamos ao Senhor; Ele nos fez sair, por meio de sinais e prodgios; Nos deu a terra prometida como herana.

8.1.2. Nas festas das primcias

O credo histrico de Dt 26,5-9 est contextualizado na festa das primcias. Quer dizer que uma festa anual, em ambiente agrcola, serviu como moldura para celebrar a libertao. O que foi originalmente uma festa em torno das colheitas passou a ser celebrada nos diversos santurios, espalhados pelo territrio, conforme o ritmo anual dos trabalhos no campo. A tradio Deuteronomista, da qual o texto passou a fazer parte, introduziu a referncia ao culto centralizado no templo de Jerusalm, com o rito de ofertas precedido pelo sacerdote. Da forma como pode ser lido hoje, o texto combina diversos significados, relativos terra, jogando com o verbo entrar. Em primeiro lugar, essa profisso de f era rezada por ocasio da colheita dos primeiros frutos da terra, quando os produtos entravam nos celeiros (vv. 2.10). Num segundo nvel de compreenso, enquanto se peregrinava e se entrava no templo, agradecia-se a Deus pelas colheitas e pelo dom da terra (v. 10). Num terceiro e mais amplo sentido, insere-se a a entrada na terra prometida e a conquista de uma terra onde mana leite e mel (v. 9). A celebrao, portanto, desencadeava diversos vnculos. A entrada no santurio puxava a entrada da colheita, e a colheita, por sua vez, arrastava consigo aquela histrica entrada na terra de Cana. Graas a esse processo, a pessoa reconquistava, anualmente, a sua libertao na terra conquistada. E a celebrao permitia, em sentido profundo, o intercmbio de dons entre Deus que d a terra e as pessoas que ofereciam os frutos da terra.

Todo o miolo do texto recheado pelo xodo. Enquanto em outras tradies religiosas se recitava algum mito de fecundidade, em Israel se proclama uma histria viva e real. Tampouco se recita um elenco de verdades. o que permite classificar o texto como Credo histrico. Trata-se de profisso de f com base na histria. O movimento do texto passa, alternativamente, de fase negativa para positiva, isto , de povo errante para nao forte (v. 5) e de povo oprimido para nao livre (w. 6-10). O filme da histria reprisado em grandes flashes, com a trajetria dos patriarcas (v. 5), a opresso do Egito (v. 6), o clamor ao Senhor, atento ao grito de aflio (v. 7), a fantstica libertao (v. 8) e o dom da terra (v. 9). De maneira curiosa, no h meno tradio do Sinai.

8.1.3. Nas tradio familiar

O credo histrico de Dt 6,20-23 outra profisso de f, centrada igualmente no xodo, mas contextualizada em ambiente familiar. A orientao dada aos pais para que transmitam aos filhos as instrues mais importantes para sua f. Nessa ordem de prioridade, esto os acontecimentos relativos ao xodo. Em toda a tradio judaica, a prtica da catequese familiar constante. Iniciam-se nos tenros anos da infncia as primeiras letras das divinas palavras. Essa forma de dilogo leva os pais a responderem s perguntas das crianas sobre os testemunhos, estatutos e normas que o Senhor deixou para observar. A motivao para tal observncia a recordao da bondade de Deus por meio da libertao do Egito e da concesso da terra Na moldura da catequese familiar, quando se quer apresentar os elementos mais importantes para a f das geraes, salta aos olhos o xodo. Em comparao com o Credo histrico de Dt 26,5-9, estudiosos denominam este como pequeno Credo. Isso porque ele condensa as mesmas afirmaes do anterior. E uma confisso de f baseada na histria. E na histria, privilegia centralmente os elementos da libertao. De novo no consta a lembrana do Sinai, nem se menciona a revelao dos mandamentos a Moiss. A prpria criao da mulher e do homem est ausente. Na essncia da histria salvfica, aparece o xodo com meno promessa aos patriarcas (v. 23), escravido e sada do Egito (v. 21), s dez pragas ou prodgios (v. 22) e entrada na terra (v. 23). O que justifica, portanto, a observncia da lei a memria do Deus libertador e generoso em conceder ao povo a posse da terra.

8.1.4. Na assemblia popular

O prximo credo histrico se concentra em Js 24,2-13. Na seqncia atual do texto bblico, aps a posse da terra, Josu convoca as tribos de Israel para uma grande assemblia. A famosa assemblia de Siqum, como ficou conhecida, era uma espcie de renovao da aliana, isto , a celebrao do contrato pblico de fidelidade entre o povo de Israel e seu Deus YHWH. O formulrio todo desse convnio se estende pelo captulo 24 de Josu, e inclui introduo histrica (w. 2-13), consulta popular (w. 14-24), rito de concluso da aliana (w. 25-27) e despedida do povo (v. 28). Para nosso escopo, interessa a primeira parte, o prlogo histrico (w. 2-13). Nele, esto concentradas as motivaes para o compromisso de Israel com seu Deus.

A histria dos benefcios de YHWH cuidadosamente construda, e centrada, uma vez mais, sobre os eventos do xodo. O esquema da libertao e salvao ilustrado com outra brilhante sntese de histria e de f. Nessa memria histrica, a etapa dos patriarcas ocupa grande espao (vv. 2-4). Destaca-se a bondade do Senhor em dar descendncia e herana aos pais. Observa-se, ainda, a trplice repetio do verbo dar, como ao divina. A segunda etapa ocupa amplo espao, com o tirar do Egito e conduzir at o deserto (vv. 5-7). Curiosamente, o texto afirma que Israel habita no deserto, lugar de passagem, mas no menciona ter habitado no Egito. A terceira etapa da histria, a entrada na terra, a mais longa e inclui marcas de guerra maiores que as da sada do Egito (vv. 8-13). O texto, que tanto ressalta as tradies do xodo, no faz aluso, de novo, s da criao e do Sinai.

8.1.5. Nos Profetas

A profecia, em Israel, retoma o xodo de diversas formas. Quando esquecido, saudade; contra opressores, ameaa; a favor dos oprimidos, promessa. Como a profecia representa, de certa forma, a conscincia do povo, ela retoma com frequncia os elementos do xodo para apontar caminhos melhores. Embora tendo os olhos voltados para o futuro, os profetas vivem o presente e se abeberam, continuamente, nas fontes do passado. Por isso, o xodo um dos mais ricos mananciais de sua inspirao. Alm dos exemplos que seguem, muitos outros textos profticos tematizam o xodo, tais como Os 2,16-17.a) Ams

Amos atuou na poca de Jeroboo II (783-743), em Israel, no reino do Norte, dividido de Jud, terra de origem do profeta. Foi um perodo de opulncia e prosperidade, mas tam bem de grande injustia social. Quanto mais aumentava o bem-estar dos ricos, mais se alargava a brecha que os separava dos pobres. Injustia e explorao temperavam o prato dirio que amargava a vida das pessoas oprimidas. Por isso mesmo, o grito por justia tornou-se a bandeira do profeta.

Para agravar ainda mais a situao, o xodo era usado ideologicamente. Mas que ideologia era essa? Era a ideia do privilgio. Se Deus realizara prodgios no passado, em favor de Israel, pensavam, manteria sua mo protetora nesse momento. Assim como naquele dia libertou os hebreus da escravido, poder-se-ia esperar um novo dia de libertao total, o Dia do Senhor. Ledo engano, alerta Amos! Esse dia ser trevas e no luz (Am 5,18). intil considerar-se preferido por Deus e manter a explorao dos pobres. A palavra proftica fulmina com a ameaa de morte (Am 9,10). Declara que o xodo ser desgraa e no libertao.

E mais! Aos que consideravam o xodo privilgio exclusivo de Israel, adverte: No sois para mim como os cuchitas, filhos de Israel? orculo do Senhor. No fiz Israel subir da terra do Egito, os filisteus de Cftor e os arameus de Quir? (Am 9,7). Avisa, portanto, que a libertao se estendia a outros povos, mesmo a inimigos de Israel. Os cuchitas eram grupos do centro da frica e representavam as naes mais distantes. Os filisteus eram os vizinhos do litoral sul, adversrios tradicionais. Os arameus faziam fronteira pelo Norte. Mostrando a posio de outros povos, Amos adverte que a libertao no era privilgio de Israel, pois podia ser atuada inclusive em favor dos inimigos. Pode-se concluir que o profeta esqueceu o xodo. E tambm que foi severo demais contra seu povo. E foi mesmo! Por qu? Certamente porque Israel deveria ter aprendido que no se deve oprimir os pobres. Mas oprimiu! No merecia, portanto, nenhum privilgio.

b) Jeremias

O profeta atuou no Sul, em Jud, durante os reinados de diversos reis, desde Josias at Sedecias (640-587). Interpela Jerusalm, como capital, infiel predileo amorosa do Senhor (v. 2). E estende sua mensagem a Israel (v. 3), tambm conhecido como Casa de Jac (v. 4). Termina com um processo contra as classes responsveis pela nao: sacerdotes no buscam a Deus, doutores pervertem a lei, pastores rebelam-se e profetas se vendem a outras divindades (v. 8). A grande falha dessas lideranas, em sntese, foi terem-se esquecido do xodo.

Os maiores eventos da libertao e tomada da terra so sintetizados de maneira magistral em apenas dois versculos. A se resumem os trs tempos da histria: sada do Egito (v. 6), caminho pelo deserto (v. 6) e entrada na terra (v. 7). O perodo mais privilegiado foi, claramente, o do deserto. A realidade daquela aridez (v. 6) contrasta com a fertilidade da nova terra (v. 7).

Mas o deserto idealizado como o tempo de noivado entre Israel e seu Deus, tempo de saudade, de amor e de carinho. Jovem linda, Israel foi a noiva pela qual o Senhor se apaixonou. O deserto, como local de seduo e namoro, retomado de Os 2,16-17. Espao de solido, igualmente o cenrio dos sonhos, onde se desenvolve a coragem para enfrentar os desafios futuros. De tudo isso, porm, s restou saudade, pois a esposa fora infiel. Israel se comprometeu, mas no manteve sua promessa, enquanto Deus, por seu turno, recorda, com saudoso amor, o seu compromisso cumprido nos acontecimentos do xodo.

c) Isaas

O texto em questo pertence a um profeta annimo, que atuou no final do exlio, na Babilnia, reconhecido como Dutero-Isaas ou Segundo Isaas, e tem sua obra identificada dentro do grande livro atribudo a Isaas (Is 40-55). Naquela poca, por volta de 550 a.E.C., o profeta comeou a entrever uma mudana no horizonte da poltica internacional. O imprio babilnico estava decaindo e um novo soberano despontava. Com a ascenso de Ciro ao poder, como lder do imprio persa, abriam-se perspectivas de mudana e se criou, nos exilados, a expectativa de um novo xodo.

Esse discpulo de Isaas tem como tema preferido, no contexto de sofrimento e morte no exlio, a criao, onde Deus fez nascer tudo do nada. Deus pode fazer brotar vida na historia de seu povo aparentemente sem vida. Por isso, o retorno a terra visto por Isaas como uma nova criao. Do caos em que vive seu povo, Deus pode recriar a histria.

Essa recriao interpretada como um novo xodo, no qual Ciro o ungido do Senhor, e diversos smbolos so reinterpretados. H correntes rompidas, canto de liberdade, mar que destri o mal da opresso, deserto e marcha em direo a terra. No se trata apenas de uma repetio, mas de um novo xodo, pois supera totalmente o primeiro. Esse xodo triunfal no ser feito s pressas, como o primeiro, nem ser guiado por um homem, mas pelo prprio Deus. Um caminho sagrado atravessar o deserto, plantas florescero ao longo da caminhada, fontes abundantes jorraro, e nada faltar nesse retorno glorioso. O xodo se transforma, portanto, em nova criao e alarga as perspectivas de libertao.

8.1.6. Nos Salmos

Os acontecimentos do xodo facilmente se tornam orao e, como tais, se encontram presentes, sobretudo nos Salmos. Espraiam-se, porm, em toda a literatura sapiencial. A, em geral, engrandecem-se os feitos para mostrar o poder libertador de Deus. Enquanto nos atemos ao SI 78, apontamos para outros que desenvolvem a mesma temtica.

a) Sl 78

O SI 78 provavelmente do perodo persa, poca de reconstruo de Jud, do templo, dos muros e da comunidade aps o exlio. Prope uma catequese pblica, tradicional, ao mesmo tempo litrgica e eclesial, a ser transmitida de gerao em gerao. Em sua forma de louvor, o Salmo integra as vrias etapas da libertao e da marcha pelo deserto. Sua viso mais condizente com a tradio Sacerdotal, que privilegia o aspecto espetacular sobre o histrico. Nessa tica, o ncleo central da histria de Israel, o xodo, uma procisso em meio a dois diques de gua abertos, e logo fechados para engolir os egpcios e seu aparato militar.

O esquema teolgico do Salmo o da retribuio, isto , ao pecado segue-se o castigo, ao clamor segue-se a libertao. Essa , basicamente, a teologia da tradio Deuteronomista. Tal idia se reflete na composio do Salmo, da seguinte maneira: aps a introduo, para trazer memria o que nossos pais nos contaram (vv. 1-7), h uma primeira anttese, na qual os pais se esqueceram das maravilhas realizadas (vv. 8-11), mas Deus, mesmo assim, os fez atravessar o mar e lhes deu gua da rocha (vv. 12-16). Na segunda anttese, tentaram a Deus no deserto (vv. 17-20) e receberam, em compensao, a fria divina, com codornizes e man (vv. 21-31). Segue-se um intervalo meditativo (vv. 32-39), para dar lugar terceira anttese, na qual se repisa o esquecimento de Israel (vv. 40-43), em contraste com as maravilhas operadas no Egito, mediante prodgios ou pragas (vv. 44-55). Num quarto jogo de antteses, nova tentao (vv. 56-58) seguem-se nova fria (vv. 59-67) e nova escolha divina (vv. 68-72).

Na seo das pragas, o Salmo retoma o mesmo esquema da tradio Javista, com sete prodgios, a saber, transformou em sangue seus canais (v. 44), enviou-lhes moscas que os devoravam (v. 45), e rs que os devastavam (v. 45), entregou [...] seu trabalho aos gafanhotos (v. 46), destruiu sua vinha com granizo (v. 47), abandonou seu gado saraiva (v. 48) e "feriu todo primognito no Egito (vv. 49-51). So omitidas as narrativas sobre as lceras, as trevas e os mosquitos.

O Salmo acentua, com seu esquema repetitivo, a pedagogia divina, que corrige Israel continuamente. Ele, porm, compassivo, perdoava as faltas e no os destrua (v. 38). E frisa, com maior vigor e nfase, a bondade do Senhor, sempre pronto a incentivar a caminhada, pois, para os alimentar fez chover o man, deu para eles o trigo do cu; cada um comeu do po dos Fortes; mandou-lhes provises em fartura (vv. 24-25).

8.1.7. Na tradio Sapiencial

Na literatura sapiencial como um todo, o xodo no poderia estar ausente. O livro dos Salmos faz parte dessa literatura, mas ela abrange textos variados, de pocas e estilos muito diferentes. Livros como Ester e Judite aplicam s suas narrativas o modelo do xodo. Mas o exemplo mais saliente, por certo, est no livro da Sabedoria.

a) Sb

O livro da Sabedoria bem posterior, escrito no perodo romano por volta do ano 50 a.E.C. Retoma o xodo de maneira totalmente original e o aplica nova situao dos judeus, na dispora. As diversas etapas da histria so recontadas de maneira potica e cifrada. possvel observar como desfilam os personagens e os fatos sem que sejam citados nomes de pessoas nem de lugares. Mas a descrio evidencia a sua identificao.

O mais original a reflexo sobre as pragas ou prodgios do Senhor no Egito. Em forma de anttese, so jogados para evidenciar a oposio entre hebreus e egpcios. Os dados do xodo so retomados, naturalmente, de maneira muito livre, compondo uma leitura bem diferente das anteriores. a reflexo bblica chamada de midrashe, por ns conhecida como atualizao ou releitura. No caso, o instrumento de punio ou de libertao sempre a natureza. Esta neutra e reage conforme as pessoas estejam a servio da opresso ou da libertao.

A sabedoria o elemento que permite discernir, isto , usar da natureza de uma ou de outra maneira. Com base nessa tradio, dois blocos so identificados: os sbios hebreus e os mpios egpcios. Em sete antteses, de maneira simtrica, so reelaborados diversos elementos das narrativas do xodo.

A primeira anttese (11,4-14) formada pela gua, de tal modo que, enquanto para os hebreus brotava gua potvel da rocha, para os egpcios os rios se turvavam de sangue, e aquilo que serviu de castigo aos seus inimigos tornou-se para eles benefcio na penria.

A segunda anttese (16,1-4) ope as rs invadindo os alimentos egpcios s codornizes saciando o apetite dos hebreus, de forma que, enquanto aqueles, famintos, perdiam o apetite natural pelo desgosto do que lhes fora enviado, estes, depois de passar um pouco de necessidade, repartiam entre si um alimento extraordinrio.

A terceira anttese (16,5-14) apresenta um sinal de salvao, a serpente de bronze dos hebreus, ao passo que os mpios egpcios morreram pelas picadas de gafanhotos e moscas.

A quarta anttese (16,15-29) contrasta a chuva de granizo ao man. Enquanto aos mpios [...] perseguiam-nos chovas inslitas, granizo, tormentas implacveis e o fogo os devorou, ao teu povo, ao contrrio, nutriste com um alimento de anjos, proporcionando-lhe, do cu, graciosamente, um po de mil sabores, ao gosto de todos.

A quinta anttese (17,1-18,4) faz oposio entre as trevas e a coluna de fogo. Os mpios, persuadidos de poderem oprimir uma nao santa, jaziam cativos nas trevas, nos entraves de uma longa noite [...]; mas para os teus santos havia plena luz.

A sexta anttese (18,5-25) estabelece o contraste dentro da mesma noite, trgica para uns e gloriosa para outros. Absolutamente incrdulos por causa dos sortilgios, vista da morte de seus primognitos, confessavam que aquele povo era filho de Deus.A stima anttese (19,1-9) acontece na travessia do mar, enquanto teu povo experimentava uma viagem maravilhosa, eles mesmos encontrariam uma morte inslita.

O livro concludo com um canto de louvor a Deus, pelas maravilhas operadas em favor de seu povo: Senhor, em tudo engrandeceste e glorificaste o teu povo; sem deixar de assisti-lo, em todo tempo e lugar o socorreste! (19,22).

8.2. No Segundo Testamento

O Segundo Testamento, assim como o Primeiro, faz muitas releituras da experincia do xodo na vida de Jesus e das comunidades crists primitivas. Alguns exemplos so apresentados a seguir. Outros podem ser conferidos, como em At 13,16-41.8.2.1. Na comunidade paulina

a) Cor

Por volta do ano 58, Paulo escreveu aos Corntios, comunidade da Grcia, onde os problemas no eram poucos. Corinto era uma grande metrpole, de cultura e tradio religiosa muito diversificadas. A comunidade crist era constituda, em sua maioria, por pessoas simples, trabalhadoras dos portos. Havia divises internas de lideranas, dvidas quanto ao casamento entre cristos e gentios, quanto virgindade ou fornicao e quanto ao comer ou no comer carnes sacrificadas aos dolos.

Elementos do xodo so aplicados nova situao dos cristos. Para que no levassem suas intrigas aos tribunais pagos, Paulo recomenda purificar-se do velho fermento e, na Pscoa de Cristo, novo cordeiro, alimentar-se com os zimos da verdade e da sinceridade (1Cor 5,6-8). Ora, no ritual judaico da Pscoa, comia-se o cordeiro pascal acompanhado de pes sem fermento (Ex 12,18-20). Na releitura crist desses ritos, Cristo o Cordeiro Pascal que veio destruir todo o velho fermento. O fermento era considerado o elemento que corrompia o po, da sua associao com o pecado.

Na mesma comunidade, Paulo aplica, como exemplo para o batismo cristo, os vrios elementos do deserto: nuvem, passagem do mar, man, gua da rocha. O man e a gua figuram a eucaristia. A idolatria serve de advertncia contra a fornicao (1Cor 10,1-13).

8.2.2. Nos Evangelhos

Todos os evangelistas aplicam o modelo da Pscoa judaica, com seus diversos elementos, ltima ceia de Jesus e a muitos detalhes de sua paixo e morte. Tambm episdios como o das tentaes de Jesus so releituras que os sinticos fazem das tentaes do povo nos quarenta anos de deserto. A diferena que l o povo sucumbiu tentao, enquanto Jesus a superou.

a) Mt: Jesus = Moiss

O evangelho de Mateus retrata uma cultura judaica muito acentuada e, por conta disso, faz diversas releituras do Primeiro Testamento. A prpria estrutura de seu evangelho, em cinco livros, avaliada como uma espcie de novo Pentateuco, e o Sermo da Montanha, proferido por Jesus, pode ser uma reedio dos mandamentos transmitidos na montanha do Sinai.

Mas o momento em que Mateus melhor ilustra a atualizao do xodo na infncia de Jesus. Como novo Moiss, Jesus fugiu para o Egito e de l foi chamado para libertar o novo povo de Deus (Mt 2,13-15). Em paralelo com a morte dos meninos, no Egito, Mateus apresenta a matana dos inocentes (vv. 16-18). O retorno de Jesus, Moiss definitivo, do Egito para Israel, estabelecendo-se na Galilia, descrito com vrios detalhes (vv. 19-23).

possvel que Mateus tenha-se inspirado na hagadah sobre a infncia de Moiss e nas Antiguidades Judaicas de Flvio Josefo para apresentar a narrativa sobre a morte dos inocentes e Jesus salvo das mos de Herodes. Essas fontes afirmam, com efeito, que os escribas teriam anunciado entre os hebreus o nascimento de um menino que haveria de destruir os egpcios e tornar Israel forte. Por essa razo, compreende-se a ordem do fara, de matar todos os meninos hebreus logo aps o nascimento. A milagrosa salvao do menino por obra de Deus enriquecida pela sua apario ao pai de Moiss, anunciando-lhe a salvao do filho. Na narrativa de Moiss, a traje-tria da fuga acontece do Egito para Madi.

O paralelo entre Mateus e o xodo permite vrias outras aproximaes. Herodes temia que o novo rei tomasse-lhe o trono, assim como o fara se apavorou diante do crescimento demogrfico dos hebreus. Jesus se salvou das mos de Herodes, da mesma forma como Moiss se livrou da sentena de morte do fara. A obedincia imediata ao anjo salvou a vida de Jos, da me e do filho, assim como a interveno divina, por meio da filha do fara, salvou Moiss da morte. A citao proftica do Egito chamei meu filho um emprstimo de Osias (Os 11,1) para reforar o paralelo entre Jesus e Moiss, ambos chamados do Egito para a mesma misso libertadora. Outro emprstimo, do profeta Jeremias (Jr 31,15), evoca a imagem de Raquel, me do povo, que chorava desconsolada a deportao dos filhos para o exlio, e no queria que ningum a consolasse.

b) Jo: Novo xodo

O evangelho de Joo, em seu simbolismo tpico, integra muitos elementos do xodo. Em paralelo com a Lei dada por Moiss, situam-se a graa e a verdade, trazidas por Jesus (Jo 1,17). Enquanto o xodo atribui a Deus o ttulo Eu sou (Ex 3,14), em Joo Jesus mesmo que assim se identifica (Jo 4,26 e outros). Os sinais de Deus em favor do povo hebreu so retomados nos sete sinais realizados por Jesus, que esquematizam todo o evangelho de Joo. A Pscoa judaica reinterpretada na simbologia do cordeiro pascal (Jo 1,29); o man, alimento do povo na caminhada pelo deserto, retomado por Jesus, o po da vida (Jo 6,22-59); a gua da rocha, que no deserto saciou a sede do povo, retorna em Jesus, fonte de gua Viva (Jo 3,5; 4,14; 7,37); a serpente de bronze, levantada no deserto, reinterpretada em Jesus, levantado na cruz, e salvao para todos os que nele crem (Jo 3,14-15); o domnio de Moiss sobre o mar Vermelho atualizado em Jesus, que caminha sobre as guas (Jo 6,16-21).

8.2.3. Hb: Novo mediador

Hebreus apresenta uma longa meditao sobre o xodo, estabelecendo um paralelo entre Moiss e Jesus (Hb 3,1-5,10). Em continuidade mediao de Moiss, Cristo apresentado como o novo mediador, tanto em relao a Deus quanto humanidade. Na relao com Deus, Cristo digno de f (Hb 2,17; 3,2), da mesma forma como Moiss foi declarado digno de f por Deus mesmo (Nm 12,7). Na relao com a humanidade, Jesus um sacerdote misericordioso. Embora glorificado junto a Deus, ele no se afastou da humanidade, porque foi solidrio no sofrimento e na obedincia at a morte (Hb 5,5-10). As duas qualidades de mediao, segundo Hebreus, Cristo as possui em grau muito superior mediao de Moiss e de Aaro.

8.2.4. Ap: xodo definitivo

Todo o Apocalipse, de certa forma, retoma o xodo e o projeta de maneira csmica e perfeita. A narrativa teolgica reflete sobre o deserto da crise interna das comunidades crists, sobre as perseguies externas e sobre a opresso dos novos faras, a besta, a prostituta, o drago (Ap 12,1-13,18).

No livro do Apocalipse, o canto da esperana crist faz eco ao cntico de Moiss e Maria, cantados na vitria contra o fara e os egpcios (Ex 15,1-21), nesse momento entoado plos que venceram a besta:

Grandes e maravilhosas so as tuas obras, Senhor Deus, todo poderoso; teus caminhos so justos e verdadeiros, Rei das naes. Quem no temeria, Senhor, e no glorificaria o teu nome? Sim! S tu s Santo! Todas as naes viro prostrar-se diante de ti, pois as tuas justas decises se tornaram manifestas (Ap 15,3-4).bilbiografiaFormao do povo de Deus, Roteiros para reflexo II, CEBI / Paulus, 3 edio, So Paulo, 1999.O Povo da Bblia narra suas origens, Coleo Bblia em Comunidade Viso Geral 3, SAB, 2 edio, Paulinas, So Paulo, 2002.

Deus ouve o clamor do Povo Teologia do xodo, Coleo Bblia em Comunidade Teologias Bblicas 1, SAB, Paulinas, So Paulo, 2004.A formao do povo de Deus, Curso para viso geral da Bblia, fascculo n 2, IPAR (Instituto de Pastoral Regional).O Projeto do xodo, Coleo Bblia e Histria, Paulinas, So Paulo, 2004.Comentrio Bblico, Volume I, Paulinas, So Paulo, 1999.