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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE PEDAGOGIA LITERATURA NA ESCOLA INDÍGENA: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO CULTURAL MARINGÁ 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE PEDAGOGIA

LITERATURA NA ESCOLA INDÍGENA: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO CULTURAL

MARINGÁ

2012

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MARIANA MENDONÇA BERNARDINO

LITERATURA NA ESCOLA INDÍGENA: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO CULTURAL

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, apresentado ao Curso de Pedagogia, como requisito parcial para cumprimento das atividades exigidas na disciplina do TCC. Coordenação: Profa. Aline Frollini Lunardelli Lara Orientação: Profa. Dra. Rosangela Célia Faustino.

MARINGÁ

2012

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MARIANA MENDONÇA BERNARDINO

LITERATURA NA ESCOLA INDÍGENA: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO CULTURAL

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, apresentado ao Curso de Pedagogia, como requisito parcial para cumprimento das atividades exigidas na disciplina do TCC.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Rosangela Celia Faustino

Profª Doutoranda Maria Simone Jacomini Novak

Profª Msª. Maria Christine Berdusco Menezes

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AGRADECIMENTOS

Registro aqui meus agradecimentos a todos que participaram direta e

indiretamente da realização deste trabalho.

Primeiramente a DEUS, criador de tudo o que há; à VIRGEM MARIA, sua

mãe, exemplo de fidelidade e coragem.

Agradeço de modo muito especial a minha mãe MAURA , livre docente na

faculdade da vida, que tudo suportou sem desistir, encorajando assim os meus

sonhos e projetos. Mãe que com o seu trabalho, dedicação e amor me sustentaram,

não apenas financeiramente, mas, sobretudo emocionalmente e espiritualmente.

A minha “grande FAMÍLIA” que é minha fonte de inspiração e imaginação,

além de ser minha doce e forte base para os trabalhos e para a vida.

A minha irmã LUCIANA que é dentre as grandes mulheres que conheço o

exemplo mais lindo de mãe-pai, irmã, mulher: corajosa, doce, curiosa, mediadora.

A minha orientadora ROSANGELA CELIA FAUSTINO, exemplo de mulher,

profissional e de ser humano. Para além das lições acadêmicas que são muitas e

podem ser vistas nos trabalhos, a agradeço por ser exemplo vivo de que é possível,

com dedicação e esforço fazermos mais do que imaginamos.

Aos amigos e colegas de trabalho do LAEE pelos momentos de aprendizado,

pelas intervenções pedagógicas, pelos eventos e trabalhos escritos, pelas alegrias e

tristezas. Em ordem, quase cronológica... RITA ARAÚJO, LUCIANA ANDRIOLI,

GABRIELA COSTA, GLAUCO CONSTANTINO, TISCIANNE ALENCAR, MARIA

SIMONE, KEROS MILESKI, SUAZAN CIPRIANO, MARCELLA HAUANA, MAIRA

MACHADO, ADRIANA DA SILVA, CARLA CIPRIANO, MICHELE, ANDRESSA,

WILSON, MARCOS, SÔNIA, ELIANE.

Aos “anjos sem asas” da graduação, dos trabalhos, dos lanches e da vida:

DIUCIMARA, GISLAINE, GÉSSICA, FRANCIELY, KARINA e VANESSA.

Aos professores da graduação que não apenas passaram pela minha

formação, mas que deram sentido a ela, de modo muito carinhoso a primeira

professora: TEREZINHA OLIVEIRA.

Aos amigos do MINISTÉRIO UNIVERSIDADES RENOVADAS, por me

ensinarem e vivem comigo a união entre FÉ E RAZÃO.

Aos órgãos de fomento CAPES e a SETI que proporcionaram condições para

o estudo e pesquisa.

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SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................... 5

ABSTRACT ................................................................................................................. 6

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

2 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA ................................................................... 11

3 OS GUARANI NHANDEWA NO PARANÁ ............................................................. 17

4 CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL .................................... 21

4 EXPERIÊNCIAS COM A LITERATURA EM ESCOLAS INDÍGENAS .................... 26

4.1 As intervenções pedagógicas: crescimento e realização mutuas .................................... 27

4.2 A literatura nas escolas indígenas: relato de vivência com os Guarani Nhandewa no Noroeste do Paraná ............................................................................................................... 29

4.2.1 Intervenção na terra indígena Laranjinha ................................................................ 29

4.2.2. Intervenção na terra indígena Posto Velho ............................................................. 32

4.3 Registro visual das atividades realizadas nas Escolas Indígenas ................................... 35

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 37

6 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 39

ANEXO A- História da agricultura e da pesca ........................................................... 42

ANEXO B _ História do Tupã .................................................................................... 45

ANEXO C_ História de Criação do Mundo na versão dos Guarani Nhandewa ......... 49

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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) teve por objetivo investigar as contribuições de práticas pedagógicas que utilizam a literatura nas escolas indígenas. O interesse pelo trabalho advém da Pesquisa de Iniciação Científica realizada no período de 01 de maio de 2011 à 30 de abril de 2012 e pela participação em projetos de extensão e pesquisa no Laboratório de Arqueologia Etnologia e Etno-história da Universidade Estadual de Maringá, desde 2009. O estudo fundamenta-se na Teoria Histórico-Cultural, desenvolvida na União Soviética na primeira metade do século XX, por Vigotski (1996-1934) e seus colaboradores Leontiev (1903-1979) e Luria (1902-1977). A pesquisa, de cunho bibliográfico e documental, pretendeu aprofundar estudos sobre a temática uma vez que as observações de campo – realizadas em pesquisas anteriores, evidenciam uma escassa utilização da literatura na escola indígena. Considerando a importância dessa no desenvolvimento das funções psíquicas superiores humanas e sua relevância nos processos de ensino e aprendizagem escolar, pretende-se contribuir com a discussão sobre a necessidade de maior inserção da literatura na Educação Escolar Indígena do Paraná. Interessa-nos então expor as contribuições da Teoria Histórico-Cultural sobre a importância da Literatura na aprendizagem.

Palavras-chave: Literatura; Educação Escolar Indígena; Teoria Histórico-Cultural.

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ABSTRACT

This Final Paper aimed to investigate the contributions of pedagogical practices that use literature in indigenous schools. The interest about this work comes from the Undergraduate Research Mentorship that was produced in the period between May, 1st, 2011 and April, 30th, 2012. It comes also from the participation in extension-program projects and other researchers that were made in archeology, ethnology and ethnic-cultural labs in State University of Maringá, since 2009. The study is based on the historic-cultural theory, developed in Soviet Union in the first half of the twentieth century, by Vigotski (1996-1934) and his co-workers Leontiev (1903-1979) and Luria (1902-1977). The research, that has a bibliographical and documental feature, intended to improve the studies about the theme, considering that the field survey observations – made in previous research – show clearly that literature isn’t well explored in indigenous schools. Considering the importance of this work to develop the superiors psychic functions of humans and its relevance in the process of scholar teaching-learning. It intends to contribute with the discussion about the need of a better insertion of literature in Indigenous Scholar Education of Paraná State. Therefore, we are interested in expose the contributions of the historic-cultural theory about the importance of literature in learning process.

KEY-WORDS: Literature; Indigenous Scholar Education; Historic-Cultural theory.

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1 INTRODUÇÃO

O interesse em pesquisar a presença da literatura na educação escolar

indígena deve-se ao fato de que, desde o ingresso no curso de graduação em

Pedagogia, ano de 2009, o tema da literatura, tem chamado a atenção pela

relevância que possui nos processos de ensino e aprendizagem escolar. Somado a

isso está a participação nos projetos da linha de pesquisa: Educação Escolar

Indígena do Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações – Laboratório de

Arqueologia, Etnologia e Etno-história (PIESP-LAEE) da Universidade Estadual de

Maringá.

O Laboratório formado para “[...] problematizar questões relativas à ocupação

humana da região banhada pelo médio rio Paraná e seus afluentes no Brasil e

países vizinhos [...]” (MOTA, 2009, p. 245), existe oficialmente como Grupo de

Pesquisa registrado no Diretório de Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa

(CNPq), desde 1997. A equipe de pesquisadores é composta por professores e

alunos de diversas áreas do conhecimento: Pedagogia, Educação Física, História,

Ciências Sociais, Letras, Enfermagem, Farmácia, Agronomia e Zootecnia.

O referencial teórico que fundamenta as pesquisas na Linha da Educação

Escolar Indígena é o materialismo histórico e seus correlatos, como a Teoria

Histórico Cultural visando a compreensão da totalidade histórica que envolve

sociedade e educação, e suas contradições, com vistas a uma ação intencional,

planejada e coletiva de pesquisadores, comunidades e professores indígenas para a

transformação da realidade educacional dos indígenas no Paraná.

A linha de pesquisa, Educação Escolar indígena, por meio de projetos

investigativos, estuda os acontecimentos relacionados às populações indígenas e

aos processos educativos, realizando estudos teóricos, bibliográficos e da literatura

universal (considerando as narrativas indígenas). Isso se dá por meio de práticas

pedagógicas de formação de professores; intervenções educativas e preparação de

materiais didáticos; história, política e gestão escolar das instituições educativas e

estudos da cultura a da língua indígena (da população em estudo).

Nesse trabalho, também contamos com a contribuição do Grupo de Estudos

em Educação Infantil -- GEEI, da Universidade Estadual de Maringá coordenado

pela Drª. Marta Chaves.

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Com a pesquisa de Iniciação Científica (2011/2012) foi possível verificar a

escassa produção bibliográfica sobre o uso da literatura, seja como conteúdo, seja

como estratégia ou como recurso didático1 em escolas indígenas; constatação

verificada principalmente a partir da pesquisa em periódicos, teses e dissertações

disponíveis em bases de dados eletrônicas, desde 1990. Os levantamentos

bibliográficos foram realizados no portal WebQualis localizado no endereço

eletrônico http://qualis.capes.gov.br/webqualis/ e no banco de teses, localizado no

endereço eletrônico http://capesdw.capes.gov.br/capesdwl, ambos organizados pela

Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Tendo como premissa que todo ser humano é capaz de aprender, desde que

tenha os requisitos biológicos mínimos, cérebro e aparelho fonador, pretendeu-se

investigar as contribuições de práticas pedagógicas que utilizem a literatura nas

escolas indígenas, a fim de, contribuir com pesquisas e atuações de pesquisadores

e professores indígenas ou não.

Destaca-se, como justificativa, a importância da arte para o desenvolvimento

humano, pois, conforme Vygotsky (1999, p.329), “[...] a arte é a mais importante

concentração de todos os processos biológicos e sociais do indivíduo na sociedade,

[...] é um meio de equilibrar o homem com o mundo nos momentos mais críticos e

responsáveis da vida”.

Embora haja uma dificuldade, entre os estudiosos, de se definir precisamente

o que é literatura, sabe-se que ela é arte. A literatura como arte, é encantamento,

criação e expressão, nesse sentido, julgamo-la, apropriada ao ensino e

aprendizagem escolar, pois a mesma possibilita, dentre outras características, o

desenvolvimento de sentimentos humanos.

É escassa a produção bibliográfica sobre a educação escolar indígena, de

modo mais acentuado, os trabalhos que apresentem as contribuições do uso da

literatura nas escolas indígenas. Tradicionalmente os povos indígenas vivenciam a

arte, pois esta se encontra articulada às suas organizações socioculturais que

envolvem trabalho, elaboração e disseminação do conhecimento, educação,

religiosidade, economia. Ou seja, a arte, composta por narrativas, pinturas corporais,

1 Sobre o uso da literatura como conteúdo, como estratégia e como recurso escolar ler: CHAVES, M. Enlaces da Teoria Histórico-Cultural com a literatura infantil: In: CHAVES, M. Práticas pedagógicas e literatura infantil. Maringá: Eduem, 2011, p.97-105. Coleção Formação de Professores, EAD, n.44.

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adornos, enfeites, utensílios de trabalho (cestos, panelas, etc.) dança, cantos e

outras atividades faz parte da vida indígena e de seus processos de aprendizagem.

No entanto devido a expropriação, exploração e concentração do lucro, a

sociedade capitalista separou a arte da vida tornando-a uma mercadoria de acesso

restrito à classe que pode vivenciá-la e dela usufruir. Aos explorados pobres e

excluídos resta o trabalho alienante e a ideologia do consumo (TROJAN, 1996).

Nesse sentido é que procuramos compreender a importância da arte literária

no processo de ensino aprendizagem escolar com foco nas intervenções

pedagógicas das escolas indígenas.

Para compreender essa realidade o referencial teórico para a investigação

proposta neste trabalho de Conclusão de Curso foi a Teoria Histórico-Cultural

formulada por Vigotski (1999, 2010)2, Luria (1997), Leontiev (s/d), alguns de seus

colaboradores (Bloganodezhina, 1961), e também os estudiosos (Prestes; Chaves,

2011). Justificamos a escola da Teoria Histórico Cultural devido esta ter como base

o materialismo histórico e dialético de Karl Marx (1998) e Frederick Engels (2004) e

pelo fato de seus formuladores e principais intelectuais, versarem-se em estudos e

investigações sobre o desenvolvimento humano, a humanização pela cultura

(interação social e condições objetivas de vida considerando-os aspectos

determinantes) bem como a importância atribuída à aprendizagem escolar para o

desenvolvimento das funções psíquicas superiores humanas: (atenção, memória,

linguagem, imaginação).

A Educação escolar indígena, em seus aspectos históricos, políticos e

didáticos, as principais referencias estudadas foram: Monte (2000), Luciano (2006),

Faustino (2006). Para abordar as questões específicas da literatura foram

estudados: Chaves (2011), Lima e Giroto (2012) e, Coelho (2000).

A partir dos estudos teóricos realizados para esse trabalho expomos a

preparação, realização e apresentação de práticas pedagógicas desenvolvidas pela

equipe do LAEE, tendo a literatura como conteúdo, estratégia e recurso em

intervenções nas escolas indígenas da etnia Guarani Nhandewa em 2010, uma na

Terra Indígena (T.I.) Laranjinha e outra na T.I. Ywiporã ambas no município de Santa

Amélia-PR.

2 Justificativa da grafia do nome Em russo, Lev Semenovitch Vigotski é: Лев Семёнович Выготский. Há as transliterações e adaptações para diferentes línguas e países. No Brasil, tem sido usados, pelos mais importantes tradutores, como Zoia Prestes, a grafia Vigotski. Assim, a adotamos e permaceremos com outras grafias quando for citação de obra publicada.

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Nesse sentido, para defender o uso da literatura nas escolas indígenas, o

trabalho em sua primeira seção contempla um breve estudo da cultura Guarani

Nhandewa no Noroeste do Paraná; na segunda seção é apresentada a Educação

Escolar Indígena; na terceira seção é demonstrada as experiências com a literatura

em escolas indígenas a partir do trabalho realizado pelo LAEE; em seguida

apresentamos as considerações finais.

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2 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

As pesquisas que versam sobre a educação escolar indígena, sobretudo

vinculada a estudos interdisciplinares, salientam que a partir da década de 1970, os

projetos que visavam ao integracionismo, buscando adequar as populações

indígenas aos padrões da cultura europeia mercantilista e, depois, capitalista,

começam a serem reformulados em um contexto de políticas internacionais de

diversidade e inclusão (FAUSTINO, 2006), movimentos sociais e política

educacional com suas reformulações legais. O reflexo desse contexto pode ser visto

na gama de abordagens estabelecidas por antropólogos, historiadores, pedagogos,

lingüistas, dentre tantos outros estudiosos que se debruçam sobre a questão,

principalmente a partir dos anos de 1980.

Algumas abordagens evidenciam ter a educação escolar indígena, no Brasil,

passado por quatro fases, sendo que, em seu princípio, instituiu-se para atender às

necessidades impostas pelos colonizadores portanto, não provinha dos fundamentos

filosóficos dos povos indígenas, mas sim dos princípios da colonização européia

com o objetivo de dominação e uso da mão-de-obra no trabalho de extração de

riquezas incorporando-os à sociedade mercantilista do período.

A primeira fase situa-se à época do Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios esteve a cargo exclusivo de missionários católicos, notadamente os jesuítas. O segundo momento é marcado pela criação do SPI, em 1910, e se estende à política de ensino da Funai e a articulação com o Summer institute of Linguistics (SIL) e outras missões religiosas. O surgimento de organizações indigenistas não governamentais e a formação do movimento indígena em fins da década de 60 e nos anos 70, período da ditadura militar, marcaram o início da terceira fase. A quarta fase vem da iniciativa dos próprios povos indígenas, a partir da década de 80, que decidem definir e auto gerir os processos de educação formal (FERREIRA, 2001, p. 72 apud BURATTO, 2008, p.58.).

A partir do final dos anos de 1970, com os acontecimentos internacionais que

impulsionaram o fim dos regimes militares na América Latina, os organismos

internacionais intervêm no sentido de que houvesse uma maior participação de

organizações indigenistas não-governamentais e do movimento indígena com

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relação à educação escolar indígena. Monte (2000) considera que o marco da

educação escolar indígena no Brasil é a Constituição de 1988 em que cabe ao

Estado assegurar aos indígenas o reconhecimento como cidadãos e o direito de se

expressar enquanto sujeitos da história, consequentemente lhes é assegurado uma

educação bilíngue.

Em 1991, o Decreto nº 26 de 1991 define que o MEC – Ministério da

Educação será o órgão responsável pela educação escolar indígena. Na sequencia

foram elaboradas as Diretrizes para a Política Nacional da Educação Escolar

Indígena (1994); a Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; o

Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001, com um capítulo que versa sobre a

Educação Escolar Indígena). A resolução 03/99 do Conselho Nacional de Educação;

a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (2004) e o Decreto Presidencial

5.051 de 2004 (promulgando a Convenção 169 da OIT) (LUCIANO. G. J. S, 2006).

Para Monte (2000, p. 133) as políticas destinadas a educação escolar

indígena compõem um território de lutas,

[...] a legalização dos direitos étnicos, entre eles o direito à educação intercultural bilíngüe, é um dos importantes territórios das lutas políticas, sendo fonte e produto das novas demandas e pontos de tensão. Torna-se por isto mesmo, sempre obsoleta a atual legislação, ao mesmo tempo que se amplia o horizonte jurídico, estendendo-se os espaços e âmbitos de exercícios dos direitos pelos movimentos indígenas e outros grupos culturalmente diferenciados, no precário (dês)equilíbrio das relações interculturais (MONTE, 2000, p. 133).

Ao se discutir a educação escolar indígena, é necessário destacar o papel da

escola neste processo. Os povos indígenas possuem, assim como, cada etnia sua

própria educação, denominada educação indígena. Esta como afirma Luciano

(2006), é a forma que cada povo indígena tem para formular e transmitir seus

conhecimentos, ou seja, sua cultura. Por meio dos mitos, rituais, músicas, danças,

artesanato, caça, preparação de alimentos e demais atividades que desenvolvem

conforme a organização sociocultural.

Nesse sentido, a questão sobre qual a necessidade de uma instituição como

a escola nas terras indígenas, sendo que eles próprios possuem uma forma própria

de educação? Essa dúvida que Luciano (2006) nos apresenta se faz presente em

muitas situações. Os povos indígenas além de terem sido praticamente dizimados,

tiveram suas vidas alteradas com o aldeamento, tendo sido impedidos de produzir e

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reproduzir boa parte dos conhecimentos. Por possuírem uma cultura baseada

essencialmente na oralidade, muito do que se tem em situações de exclusão,

carência e necessidade de busca de empregos fora da Terra Indígena, consumo de

produtos industrializados, falta de possibilidades de realização dos rituais, corre o

risco de se perder na história (como já vem acontecendo) motivados por diversos

fatores.

Nesse sentido, com a mudança de vida e ressignificação da cultura, tem-se a

necessidade da escola enquanto instituição de transmissão e sistematização dos

conhecimentos. Caberia a escola então proporcionar instrumentos para que os

indígenas possam sistematizar e registrar em livros, gravar em vídeos, e demais

instrumentos, elementos da cultura historicamente elaborados e acumulados por

eles.

Cabe também ressaltar, que para além de oportunizar a ampliação da

apropriação de instrumentos para preservação e disseminação da própria cultura, é

função da escola, oferecer acesso ao conhecimento historicamente acumulado pela

humanidade. Desta forma, verifica-se na produção bibliográfica a defesa da

necessidade de um currículo intercultural e bilíngue, ou seja, um currículo que

privilegie os conteúdos das escolas dos não indígenas e conteúdos que privilegiem

elementos da cultura própria de cada grupo étnico. Saviani (2005, p. 15) esclarece

que,

A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem organizar a partir dessa questão. As atividades da escola básica devem organizar-se a partir dessa questão. Se chamarmos isso de currículo, poderemos então afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar. Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, e uma cultura letrada. Dão que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso conhecer também a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia humanas).

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A educação intercultural e bilíngüe propõe além do reconhecimento das

diferenças, oportunidades para que essas culturas diferenciadas possam se

expressar. Para tanto, é fundamental o papel da escola nas Terras Indígenas.

Estudos na área (BURATTO, 2008; SILVA, 2004; FAUSTINO, 2006), e

pesquisas desenvolvidas pela Equipe do PIESP- LAEE UEM, demonstram que a

atual política da educação escolar indígena propõe uma educação intercultural (que

articule conhecimentos indígenas aos conhecimentos universais). Porém, devido à

insuficiente formação dos professores indígenas, à precariedade das bibliotecas

escolares, à ausência de recursos pedagógicos, à ausência de uma teoria que

possibilite aos professores compreender com profundidade a realidade vivida e

intervir para transformá-la, a política não se efetiva na prática.

O nível de alfabetização e letramento das comunidades indígenas é

extremamente baixo e os programas de alfabetização tem pouca eficácia exigindo

maiores pesquisas e projetos de intervenção pedagógica (FAUSTINO, 2010).

Conforme Poschmann (2003) e CIMI (2007), os índices de analfabetismo são

muito maiores entre as populações excluídas e de baixa renda (...) 26% da

população indígena acima de 15 anos é analfabeta, enquanto 20% dos negros e 8%

dos brancos estão na mesma situação. (Violência contra os povos indígenas no

Brasil. Relatório 2006-2007, p.23). São raros os estudos que abordem

especificamente o analfabetismo e o letramento indígena.

Conforme os dados da pesquisa realizada durante o PIC (2011-2012),3

verificou-se a existência de duzentos e quarenta artigos que tratam da educação

escolar indígena. Os temas recorrentes nesses artigos são: história da educação

escolar indígena (onze artigos); língua e oralidade (trinta e dois artigos); educação

escolar indígena e esportes (sete artigos); ensino de ciências e meio ambiente

(dezesseis artigos); educação escolar indígena, cultura, antropologia e relatos de

experiência (cinquenta e três artigos); educação escolar indígena, literatura e arte

(treze artigos); educação escolar indígena, currículo e políticas (quarenta e um

artigos); avaliação e análises (nove artigos); formação de professores e ensino

superior (quarenta e cinco artigos); educação escolar indígena, matemática e

etnomatemática (onze artigos); educação especial, educação e saúde (cinco

3 Dados apresentados no Relatório do Projeto Avaliação socioeducacional, lingüística e do bilingüismo nas escolas indígenas Kaingang do território etnoeducacional - Planalto Meridional brasileiro”, Programa Observatório da Educação Escolar Indígena – CAPES/DEB/UNESP.

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artigos). Os artigos foram separados por assuntos que mais se aproximam, mas

existem artigos que podem ser classificados em mais de uma área.

A maioria dos artigos diz respeito ao tópico educação escolar indígena,

cultura, antropologia e relatos com cinqüenta e três entradas, contendo, nesse tópico

relatos de alunos indígenas no ensino superior, presença da cultura e das

populações indígenas na educação escolar indígena, estudos de antropólogos sobre

a educação escolar indígena e relatos de experiências de práticas educativas em

escolas indígenas.

Outro tópico que se destaca é formação de professores no ensino superior

com quarenta e cinco artigos, o que permite denotar um maior ingresso de indígenas

no ensino superior, já que cada vez mais a pesquisa sobre o tema tem sido feita e

divulgada. Neste e em outros tópicos do documento encontram-se vários relatos de

indígenas no ensino superior, principalmente dos cursos de formação de professores

oferecidos pela Faculdade Indígena Intercultural da Universidade do Estado do Mato

Grosso (UNEMAT) e publicados no ‘Cadernos de Educação Escolar Indígena’.

Na atual pesquisa o que nos interessou foram os treze artigos relacionados à

arte, literatura e educação escolar indígena. Verificamos que desses, apenas um

trata de literatura e ainda assim não trata a literatura sobre a mesma perspectiva em

que discutimos seu uso (no ensino fundamental e na condição de recurso, estratégia

e conteúdo). Nesse artigo é apresentado um relato sobre o uso da literatura em uma

disciplina no curso de 3° Grau Indígena (objetivand o a formação de professores),

implementado em Mato Grosso pela Universidade Federal do Mato Grosso

(UNEMAT), Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) e Fundação Nacional do

Índio (FUNAI).

A partir desse levantamento e da análise de alguns dos artigos verificamos a

necessidade de estudo sobre a literatura na educação escolar indígena. Para tanto

sentimos a necessidade de compreender mais sobre o desenvolvimento humano,

bem como o papel da educação neste processo. Foi neste sentido que nos

aprofundamos nos estudos sobre a Teoria Histórico-Cultural. A escolha por essa

teoria se deu por seu histórico na URSS – pós-revolucionária que possibilitou, não

apenas a alfabetização de quase a totalidade da população e um alto nível de

letramento, como a instituição de uma nova sociedade, baseada em ideais de

equidade e justiça social. A concepção de desenvolvimento humano da Teoria

Histórico-Cultural concebe o homem como um sujeito histórico que se humaniza a

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partir de suas condições biológicas e culturais determinadas pelas condições

objetivas de vida, enfatizando a relevância da relação coletiva, com os outros seres

humanos no processo de aprendizagem.

Por que é necessário o estudo sobre a literatura na escola? Como bem

salienta Regina Zilberman (2003, p.30),

A justificativa que legitima o uso do livro na escola nasce, pois de um lado, da relação que estabelece com seu leitor, convertendo-o num ser crítico perante sua circunstância; e, de outro, do papel transformador que pode exercer dentro do ensino, trazendo-o para a realidade do estudante e não submetendo este último a um ambiente rarefeito do qual foi suprimida toda referencia concreta.

Com isso reafirmamos a necessidade de se defender a presença da literatura

na sala de aula indígena (e da não-indígena também), pela sua importância ao

desenvolvimento humano tanto individualmente como coletivamente.

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3 OS GUARANI NHANDEWA NO PARANÁ 4

Figura 1- Presença indígena no estado do Paraná

Fonte: (Instituto de Terras Cartografias e Geociências, 2007)

As T.I.s Guarani Nhandewa no Paraná estão inseridas em regiões de

agricultura totalmente mecanizada voltada para produção de grãos (milho, soja) e,

mais recentemente, o algodão, na qual a utilização de mão-de-obra humana é quase

inexistente.

As cidades próximas às T.Is são Santa Amélia e Tomazina, pequenos

município de aproximadamente 4.000 habitantes com ÍDH de 67,366%, apresentado

por Mota (2004), como cidades com um dos piores índices do Estado do PR, nas

quais não é oferecida quase nenhuma oportunidade de emprego e renda a seus

habitantes.

Inseridos nessa conjuntura e vivendo em áreas demarcadas restritas, as

chamadas aldeias, os indígenas vivenciam muitas dificuldades que geram tensões

constantes, causadas, principalmente, pela disputa dos poucos empregos existentes

4 A descrição que segue diz respeito às intervenções pedagógicas e à cultura Gurani Nhandewa e já foi apresentado em eventos da Universidade Estadual de Maringá no X CONPE – Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional e no X Fórum de Extensão, bem como em eventos de outras Instituições como o IX Encontro Regional Sudeste de História Oral Diversidade e Diálogo, no IX ANPED Sul, na Universidade de Caxias do Sul; no I Congresso Internacional sobre a Teoria Histórico-Cultural e 11ª Jornada do Núcleo de Ensino de Marília.

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e pelo acesso às roças que não são suficientes para todas as famílias. As pequenas

roças (destinadas às famílias por sorteio para minimizar os conflitos em relação à

distância da roça e qualidade da terra) são cultivadas com produtos que se destinam

ao comércio (algodão) ou ao próprio consumo familiar (milho, feijão, batata doce,

mandioca etc.).

Os produtos industrializados de que necessitam (óleo, açúcar, gás, roupas,

calçados etc.) são adquiridos nos municípios do entorno com o dinheiro que

recebem por meio da prestação de serviços temporários que realizam

esporadicamente nas fazendas da região e em serviços que exigem pouca

qualificação como trabalhadores domésticos, pedreiros etc.

As famílias cujos membros possuem um emprego com remuneração fixa, na

aldeia (professor indígena, motorista, auxiliar de saúde etc.) ou aposentadorias, são

aquelas que têm alimentação diária e melhores condições de vida. Já as famílias

que dependem exclusivamente dos recursos provenientes da roça enfrentam uma

situação de muita pobreza e privações, pois ainda que consigam produzir os

alimentos básicos (arroz, feijão, mandioca, abóboras), não têm como comprar os

demais produtos que precisam (óleo, café, açúcar, sabão, roupas, calçados etc.).

Não existe no entorno, áreas de matas nativas preservadas. Com exceção de

alguns poucos hectares, preservados dentro das próprias aldeias. É drástica a

devastação ambiental ocasionada pelo modelo de ocupação moderna da região que

ocasionou grande desgaste do solo. Com a floresta destruída, as espécies da flora

utilizadas para artesanato e medicamento nativos desapareceram.

Estes elementos inviabilizam a autonomia econômica e afetam as questões

culturais mantendo os indígenas em situação de grande dependência do poder

público. A conquista recente (ainda em disputa judicial) de uma antiga Terra da qual

foram expulsos nos anos de 1970, o chamado Posto Velho (T.I. Ivyporã e Araywera)

representa para eles uma importante esperança.

Reunidos em uma pequena parcela de terra cujo entorno está totalmente

devastado, os Nhandewa não podem mais viver como seus antepassados, quando

havia extensas áreas disponíveis para a execução de suas atividades agrícolas, a

utilização do sistema de rotação de roças – manejo ecológico do ambiente – para a

produção de alimentos, a caça e coleta. Na impossibilidade de reproduzir seu

sistema de reciprocidade, perderam sua língua materna (hoje falada apenas pelos

mais velhos) e, junto com ela boa parte de seus conhecimentos e tradições.

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A devastação ambiental do entorno acabou com os animais sagrados com os

quais os antigos txamói, rezadores, se comunicavam nos sonhos para receber

informações, avisos, ensinamentos. Com a perda da língua – ocorrida

gradativamente desde meados de 1940 e consolidada quando as oyguatsu, casa de

reza, foram sendo fechadas ou construídas de forma errônea (madeiras plantadas

pelos não-índios), na década de 1990 – os valores sagrados, transmitidos por meio

da aywu, palavra, foram sendo substituídos por novos valores, veiculados pela

língua portuguesa. A entrada dos meios de comunicação de massa (rádio e

televisão) e de igrejas de diferentes credos, também contribuíram com a alteração

rápida da forma dos Guarani entender o mundo e nele agir.

Estes elementos somados as dificuldades de subsistência tem levado, cada

vez mais, principalmente os jovens, a sofrerem uma ansiedade gerada pela falta de

perspectivas em um futuro que para eles se apresenta como incerto.

Conforme demonstram pesquisas e estudos do relatório do Conselho

Indigenista Missionário (CIMI) ‘Violência contra os povos indígenas no Brasil (2006-

2007)’, o desejo de consumo de produtos industrializados, estimulado pela mídia, as

disputas internas, os adultérios, as brigas por motivos torpes, espancamentos,

agressões e outras manifestações de violências crônicas geradas pela falta de

perspectivas, pelo alcoolismo, grassam as aldeias em seu cotidiano. Estes

elementos tornam as pessoas, os jovens particularmente, vulneráveis às alternativas

“fáceis” e ilícitas para ganhar dinheiro, ou às “difíceis” como é o caso de muitos que,

por falta de uma escolarização mais ampla, de acesso a informações, aceitam

condições de trabalho desumanas beirando à escravidão.

As dificuldades de sobrevivência enfrentadas pelos grupos Guarani além de

ter-lhes causado a perda da língua, tem promovido o rompimento dos laços

familiares e grupais afetando as formas nativas de transmissão dos conhecimentos

da cultura. Para que os novos conhecimentos adquiridos não se sobreponham

interferindo/rompendo os laços identitários, o trabalho com a memória dos velhos,

cujas vozes tem sido silenciadas pela dinâmica da vida difícil, contribuiu para que

crianças e jovens tivessem maior apego às questões grupais e familiares e maiores

esperanças em futuro melhor.

Em contrapartida, a oferta de vagas sobressalentes nas Instituições de Ensino

Superior (IES) do Paraná e outras instituições de ensino superior do país permitiu

observar que um número crescente de líderes e jovens indígenas está estudando ou

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deseja estudar para se preparar melhor e participar das decisões da sociedade

brasileira em que estão diretamente relacionados, correspondendo ao que tem sido

chamado de protagonismo juvenil.

Desta forma, o Projeto Ouvir dos Velhos e Contar aos Jovens (2009-2012)

propôs iniciativas institucionais que visou dinamizar os programas, currículos e

calendários escolares formulados para as escolas Nhandewa contribuindo assim,

para que fossem considerados aspectos da cultura nos espaços educativos, tais

como festas, rituais, mutirões nos quais é necessário o envolvimento de crianças e

jovens. Contando com a participação de duas pedagogas Nhandewa, formadas pela

Universidade Estadual de Maringá, a pesquisa envolvendo também a extensão,

visou à revitalização da memória de alguns idosos falantes da língua materna, para,

sistematizadamente revitalizar a memória e os conhecimentos étnicos, o etno-

conhecimento e disseminando-os entre os jovens por meio de atividades lúdicas.

A memória é sabidamente um direito que nem sempre é estendido a todos. Organismos, instituições e suas articulações ideológicas, bem como interesses políticos acabam por selecioná-la, relegando o passado de grupos de menor representação a um sub-plano, encoberto pelo que se denomina memória oficial. (OLIVEIRA, 1997, p.3).

Segundo o estudioso da cultura Guarani, Bartomeu Meliá (1979), é importante

perpetuar em textos escritos a memória, inclusive de tradições orais, como a

indígena, onde os saberes passados dos mais velhos para os mais novos

representam formas próprias de resistência ou de mudança. E foi também nesse

sentido que procuramos pensar sobre a nossas intervenções.

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4 CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Ao se pesquisar e tecer considerações sobre nossas pesquisas é preciso

deixar claro que concepções de mundo temos a fim de nos orientarmos durante a

pesquisa e para orientar os leitores dessas. Nesse sentido para compreender o

desenvolvimento humano na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural cuja base

fundamenta-se no materialismo histórico-dialético de Karl Marx e Frederick Engels,

faz-se necessário compreender como, ao longo da história, o homem iniciou seu

processo de humanização. É neste sentido que se destaca os estudos de Engels

quando este discute o papel do trabalho na transformação do macaco em homem,

[...] O número e a disposição geral dos ossos e dos músculos são os mesmos no macaco e no homem, mas a mão do selvagem mais primitivo é capaz de executar centenas de operações que não podem ser realizadas pela mão de nenhum macaco. Nenhuma mão simiesca construiu jamais um machado de pedra, por mais tosco que fosse (ENGELS, 2004, p.15).

Vemos, pois que a mão do homem se difere da mão do macaco, mas não é

apenas uma diferença física, é antes uma diferença que envolve o desenvolvimento

do intelecto humano. É preciso considerar o desenvolvimento da mão como o

‘princípio’ da humanização do homem, pois a partir do momento em que a mão

esteve livre da sua função de apoio para manter o homem em pé, foi possível

ampliar a ação intencional do homem sobre o meio, com o trabalho. Lembremos que

a mão do homem só esteve livre em função do seu próprio trabalho, “[...] a mão não

é apenas o órgão do trabalho; é também produto dele [...]” (ENGELS, 2004, p. 16).

Também a partir do trabalho é que o homem desenvolveu a linguagem,

sistema de signos que possibilitou a ampliação da comunicação humana e

consequentemente a ampliação do desenvolvimento do psiquismo humano,

Em resumo, os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe pouco desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente, mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a pronunciar um som articulado após outro (ENGELS, 2004, p.17).

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O teórico assevera que,

A comparação com os animais mostra-nos que essa explicação da origem da linguagem a partir do trabalho e pelo trabalho é a única acertada. O pouco que os animais, inclusive os mais desenvolvidos, têm que comunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso da palavra articulada (ENGELS, 2004, p. 19).

Por meio dessa teoria, é possível compreender que o trabalho é a categoria

fundante da humanização do homem e que o desenvolvimento da linguagem

também decorre do desenvolvimento do trabalho. A respeito do desenvolvimento da

linguagem é interessante atentarmo-nos para o fato de que

[...] a aquisição da linguagem não é outra coisa senão o processo de apropriação das operações de palavras que são fixadas historicamente nas suas significações; é igualmente a aquisição da fonética da língua que se efectua no decurso da apropriação das operações que realizam a constância do seu sistema fonológico objetivo. É no decurso destes processos que se formam no homem as funções de articulação e de audição a palavra, assim como esta actividade cerebral a que os fisiólogos chamam o segundo sistema de sinalização (LEONTIEV,s/d, p.269).

Com o desenvolvimento da linguagem é possibilitado ao homem ampliar seu

desenvolvimento psíquico e colocar em prática funções cerebrais antes não

desenvolvidas. A partir do uso da palavra o homem tem a capacidade de analisar,

abstrair e generalizar o mundo que o cerca (LURIA, 1979). Para o autor, o trabalho

do homem não se dá mais apenas em uma esfera material, mas a partir dela passa

a uma esfera abstrata. O homem passa a trabalhar com instrumentos simbólicos

além dos instrumentos materiais, a transformação não é só no mundo material, mas

também no intelecto humano.

Dentre as funções da linguagem destacamos também que é por meio dela

que o homem faz, refaz e transmite sua cultura ao longo da história às gerações

futuras. Nesse sentido, a linguagem constitui-se também como um elo fundamental

entre a cultura passada e a cultura futura.

Esta forma particular de fixação e de transmissão às gerações seguintes das aquisições da evolução deve o seu aparecimento ao facto, diferentemente dos animais, de os homens terem uma atividade criadora e produtiva. É antes de mais o caso da atividade humana fundamental: o trabalho (LEONTIEV, s/d., p. 265).

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Essa atividade caracteristicamente humana, a atividade criadora e produtiva é

a atividade humana que impulsiona o desenvolvimento da ciência. (...) A inteligência

imaginativa é parte integrante da intuição, sem a qual são impossíveis as

descobertas científicas (MUKHINA, 1995, p.281). O homem não desenvolveria a

ciência sem antes desenvolver a capacidade de criar e é na criação e imaginação do

faz de conta, por exemplo, que a criança se apropria e amplia a capacidade de

planejar.

A colagem e a modelagem têm um valor psicológico semelhante ao desenho e à construção. Todas essas ocupações permitem à criança imaginar de antemão o que deveria fazer, ajudando-a a adquirir capacidade para uma atividade planejada (VYGOTSKY, 2007apud MUKHINA, 1995, p. 177). A imaginação em constante funcionamento amplia o conhecimento que a criança tem do mundo circundante e lhe permite extrapolar os limites de sua pobre experiência pessoal. Mas isso requer o controle constante do adulto, para que a criança saiba distinguir entre o imaginado e o real (MUKHINA, 1995, p. 294).

A respeito da capacidade de planejar, Marx (1998b, p. 211-212) explicou sobre

a diferença do trabalho do homem e dos animais usando, por exemplo, a aranha

afirma que:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho.

A capacidade de criar e planejar intencionalmente uma ação é

exclusivamente humana, mas não é uma capacidade nata e sim desenvolvida. É

neste sentido que a Teoria Histórico Cultural destaca a importância da mediação do

adulto para que a criança se aproprie da riqueza do ‘mundo’. Isto porque

escrevermos a partir da Pedagogia impõe pensarmos na apropriação de

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conhecimentos por meio da educação escolar. Na educação escolar há a

apropriação de conhecimentos historicamente acumulados devidamente

selecionados, organizados e planejados.

A relação do ser humano com o ambiente em que habita é relevante para

entender o seu desenvolvimento, e é a partir deste pensamento que apresentamos a

mediação do adulto na formação da criança como fundamental no processo de

desenvolvimento.

Conforme Mukhina (1995, p.43),

As diferentes condições em que transcorre o desenvolvimento psíquico da criança interferem de maneiras distintas nesse desenvolvimento. As condições naturais – constituição do organismo, suas funções e sua maturação – são imprescindíveis; sem elas não pode haver desenvolvimento psíquico, mas não são elas que determinam as qualidades psíquicas da criança. Isso depende das condições de vida e da educação, sob influência das quais a criança assimila a experiência social. A experiência social é a fonte do desenvolvimento psíquico da criança; é daí, com o adulto como mediador, que a criança recebe o material com que serão construídas as qualidades psíquicas e as propriedades de sua personalidade.

É neste sentido que pensamos, planejamos e organizamos as práticas

pedagógicas com a literatura desenvolvidas pela equipe do LAEE. Não são todas as

intervenções pedagógicas que humanizam (CHAVES, 2011) e é por isso que

precisamos pensar em formas de oportunizar às crianças indígenas vivências

humanizadoras. Como bem nos instrui VINHA, M. P.; WELCMAN (2010, p. 4, grifo

do autor), isso é necessário, pois,

A vivência é uma unidade na qual, por um lado, de modo indivisível, o meio, aquilo que se vivencia está representado “a vivência sempre se liga àquilo que está localizado fora da pessoa” e, por outro lado, está representado como eu vivencio isso, ou seja, todas as particularidades da personalidade e todas as particularidades do meio são apresentadas na vivência, tanto aquilo que é retirado do meio, todos os elementos que possuem relação com dada personalidade, como aquilo que é retirado da personalidade, todos os traços de seu caráter, traços constitutivos que possuem relação com dado acontecimento. Dessa forma, na vivência, nós sempre lidamos com a união indivisível das particularidades da personalidade e das particularidades da situação representada na vivência. Por isso, parece apropriado conduzir de maneira sistemática a análise do papel do meio no desenvolvimento da criança, conduzi-la do ponto de vista das vivências da criança,

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porque na vivência, como já coloquei, são levadas em conta todas as particularidades que participaram da determinação de sua atitude frente a uma dada situação [...].

Ao oportunizarmos às crianças vivências humanizadoras estamos

instrumentalizando-a para o trabalho produtivo, e o exercício dessa ação tem “[...]

por finalidade criar produtos socialmente úteis, valores materiais e espirituais de que

a sociedade necessite. Tanto por sua organização quanto por seus resultados, o

trabalho é uma das atividades sociais principais” (MUKHINA, 1995, p. 182). Ora o

trabalho que citamos antes como sendo a categoria fundante da humanização do

homem é também a ação a qual o homem se direciona, o trabalho é o produto do

desenvolvimento do homem.

A partir do exposto apresentaremos os estudos sobre a literatura para o

desenvolvimento humano destacando em que sentido o contato com essas

vivências contribuiu para a população destas T.I.s e as intervenções pedagógicas

junto às escolas indígenas em 2010 realizadas pela equipe do LAEE.

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4 EXPERIÊNCIAS COM A LITERATURA EM ESCOLAS INDÍGENA S

No lugar da velha auto-suficiência e do velho isolamento locais e nacionais, surge um intercâmbio em todas as direções, uma interdependência múltipla das nações. E o que se dá com a produção material, dá-se também com a produção intelectual. Os produtos intelectuais das nações isoladas tornam-se patrimônio comum. A unilateralidade e estreiteza nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis, e das muitas literaturas nacionais e locais vai se formando uma literatura universal (MARX, 1998a, p.11).

O homem não vive isolado, necessita da relação com o outro, a vida coletiva.

Neste sentido é que podemos dizer, assim como Marx, que riqueza material e

intelectual produzida pelo ser humano individualmente ou em um pequeno grupo,

não é (não deveria ser) propriedade exclusivamente daquele grupo, mas sim de todo

o grupo humano.

O desejo de que todos tenham acesso a tudo o que de mais elaborado já foi

produzido ainda prevalece em muitas reflexões, estudos e pesquisas, e é também

desejo de nossa equipe de trabalho que as crianças indígenas (e não-indígenas)

tenham acesso, tenham vivências com o belo, com a ciência. Queremos que todas

as crianças tenham acesso às obras de arte, às literaturas, à ciência e à tecnologia.

A partir dessa convicção, nossos estudos e pesquisas nos levam a pensar e

refletir sobre a literatura que, assim como a arte, a música e o teatro são formas de

linguagem, pela qual os seres humanos aprendem, expressam e criam. Literatura é

uma linguagem específica e, como toda linguagem, expressa uma determinada

experiência humana, porém, dificilmente poderá ser definida com exatidão

(COELHO, 2000, p. 27).

A literatura infantil é permeada pela arte e pela pedagogia, tem sempre um

propósito de educar/ensinar e quando bem selecionada é por si só uma verdadeira

obra de arte, é apresentado a atividade criadora nos contos/histórias e poemas.

A literatura não é só prazer como também não é só instrução, mas sim uma

união entre as duas. O trabalho do professor, deve ser o de leitor, incentivador/

mediador, para que possa despertar na criança o interesse e o gosto pela leitura,

ajudando-a a ‘embarcar’ no mundo fantástico da literatura aprendendo sobre o

mundo, sobre os homens, sobre sonhos, belezas e tristezas humanas em diferentes

lugares e períodos históricos. O papel do professor é fundamental, pois é ele quem

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medeia e organiza, intencionalmente, vivências propícias à aprendizagem escolar

com literatura infantil.

Assevera Blagonadezhina (1961, p.375) que,

Las emociones y sentimientos del ninõ preescolar se hacen más variados si frecuenta el jardin de La infância y tine um amplio círculo de relaciones sociales. Los juegos y trabajos infantiles colectivos se acompãnan de um conjunto de exigencias sociales nuevas, los cuales crean em el nino experiencia de lãs relaciones mutuas com SUS contemporáneos, em La actividades conjuntas. Esto permite que se forman sobre la base de las relaciones reales, para educarlos es muy importante que la vida y la actividad de los ninõs em el grupo de preescolares esté bien organizada (BLAGONADEZHINA, 1961, p.375).

O trabalho com a literatura na escola possibilita o desenvolvimento dos

sentimentos humanos, instiga a imaginação, a criatividade e contribui para o

processo de humanização. Nesse sentido afirmamos a importância da organização

do tempo e do espaço na escola, pois estes favorecem o desenvolvimento de

sentimentos humanos.

4.1 As intervenções pedagógicas: crescimento e real ização mutuas

Foram preparados os ambientes, Intervenções Pedagógicas, nas aldeias e na

Universidade, para a coleta, registro e sistematização de elementos da memória dos

tudjá, velhos Nhandewa. Para a posterior organização de textos escritos e contação

de histórias, cujo objetivo foi o de contribuir com a criação de uma literatura indígena

propriamente dita, pois,

[...] é a literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias [...] (LAJOLO, 2005, p. 106).

As atividades do Projeto tiveram início em abril de 2009, com o primeiro

encontro de uma série de 10 encontros em forma de seminários de pesquisa e

estudos da equipe interdisciplinar envolvida. Também foram realizadas reuniões

visando ao planejamento das ações junto às comunidades indígenas: duas reuniões

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em cada T.I onde foram apresentados os objetivos da pesquisa e os resultados

esperados, a toda a comunidade, pois até então, só as lideranças tinham as

informações. Depois de concluída a fase de preparação, realizou-se a primeira

intervenção com dez tudjá, velhos Nhandewa, e dois professores indígenas das T.I.s

Laranjinha e Posto Velho, em Abril de 2010, na cidade de Maringá. Nesta ocasião,

foram registrados em forma de áudio e vídeo, os relatos e as histórias de vida, bem

como elementos da tradição Guarani Nhandewa.

Todo o material coletado foi transcrito, sistematizado e submetido aos

professores indígenas para revisão e produção de melhores versões5 escritas na

língua materna. Na seqüência foi planejada e organizada a Intervenção para registro

audiovisual do ritual religioso Nimongaraí, que ocorreu nos dias 08 e 09 de junho de

2010, na Terra Indígena Pinhalzinho, município de Tomazina/PR.

Este evento foi extremamente valioso do ponto de vista da pesquisa e da

intervenção pedagógica, pois evidenciou questões até então ausentes da literatura,

tais como: presença de rezadores das diferentes parcialidades (Nhandewa, Kaiowa

e Mbya), elementos “modernos” nos aconselhamentos na hora da crisma em relação

ao uso de moto, carros, perigo do trânsito nas cidades grandes, poluição etc. O

convite dos rezadores e das lideranças políticas para que todos os pesquisadores

presentes ao ritual fossem batizados com nomes indígenas, inclusive nosso

cineasta, algumas rezas e os aconselhamentos proferidos em língua portuguesa

para que pudéssemos entender nos indicou a busca pelos indígenas de uma aliança

com a universidade.

A frase proferida pela txamói Nhandewa da T.I. Laranjinha, Dona Almerinda,

aos jovens e crianças presentes “A roça de vocês hoje é a escola” em um momento

relevante do Nimongarai, validou nossa hipótese de que a escola é para os

indígenas, na atualidade, uma instituição de estrema relevância.

Próximo ao nascer do sol, quando o ritual estava se encerrando, um professor

indígena, filho do cacique, anotou, em um caderno, todos os nomes indígenas

recebidos pelas crianças e equipe da UEM. No momento da escrita, muitos

buscavam pelos significados, na maioria das vezes, não revelados pelos rezadores.

5 A produção de textos escritos na língua materna torna-se difícil pois esbarra na ausência de dicionários e gramáticas Nhandewa que sejam validadas entre os grupos das diferentes Terras Indígenas no Paraná.

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Posteriormente foram realizadas duas intervenções pedagógicas em julho de

2010 – o período de férias escolares teve de ser uma opção para não atrapalhar o

calendário proposto pelos Núcleos de Educação em consonância com as

orientações da Secretaria de Estado da Educação – com estudantes, professores,

lideranças, membros da aldeia e equipe pedagógica das escolas das T.I.s

Laranjinha, Ywyporã e Araiwerá, nos municípios de Santa Amélia e Abatiá/PR.

4.2 A literatura nas escolas indígenas: relato de v ivência com os Guarani

Nhandewa no Noroeste do Paraná

Nessa sessão da monografia apresentamos os relatos com a literatura na

escola indígena no âmbito do projeto ‘Ouvir dos velhos e contar aos jovens’ que

aconteceram nas intervenções das T.I.s Guarani Nhandewa de Laranjinha e Posto

Velho no noroeste do Paraná. A literatura foi escolhida para compor as atividades do

projeto pela sua importância ao desenvolvimento humano e por ser pouco explorada

pelos professores das escolas indígenas.

4.2.1 Intervenção na terra indígena Laranjinha

No dia 13 de julho saímos do hotel em Ribeirão do Pinhal por volta das 7h e

15 min., chegamos na T.I. Laranjinha as 8h da manhã, conversamos primeiramente

com o cacique Marcio Lourenço que permitiu a realização das intervenções durante

os dois dias. Também foi combinado neste momento a entrega dos acolchoados

(doação da Associação Indigenista (ASSINDI) de Maringá.

Em seguida fomos recebidos na escola pela pedagoga Joelma Lourenço

Pirai. Começamos a descarregar o material para a intervenção e os alimentos para

complementar a merenda da escola durante nossa intervenção. Na cozinha quem

nos recebeu foi a merendeira Silvana, que já trabalha na escola há quatro anos, elas

nos informou que a escola oferece a Educação de Jovens e Adultos à noite com

aproximadamente vinte pessoas. Como as crianças já haviam feito uma primeira

refeição ela disse que estava preparando uma sopa para o lanche das 10h e 30 min.

As crianças foram agrupadas em uma sala de aula onde organizamos os

materiais. Assim que a maioria havia chegado iniciou-se a intervenção da história da

agricultura e da pesca (Anexo 1) com a Caroline e a Gabriela, a primeira é

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acadêmica do curso de Pedagogia e a segunda é acadêmica do curso de Biologia

da Universidade Estadual de Maringá. Nesse mesmo período chegaram a diretora

da escola e os jornalistas da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

(SETI).

Em conversa com a diretora descobrimos que na organização da intervenção

não ficou claro que trabalharíamos o dia todo com as crianças nos dois dias e que

por isso no primeiro dia as crianças ficariam na escola apenas um período.

Acordamos, então, que nesse primeiro dia faríamos apenas o período da manhã e

no segundo dia o período integral (manhã e tarde), desta forma as crianças levaram

bilhete para avisar os pais.

Durante a contação da história parte da equipe estava dentro da sala. Os

demais membros da equipe estavam envolvidos com a preparação do lanche,

enquanto isso a professora Simone e a acadêmica Tiscianne responderam a

algumas questões feitas pelos jornalistas da SETI a respeito do projeto e da

intervenção.

Após a contação da história as crianças tiveram a oportunidade de manipular

a caixa com todos os seus elementos. A história foi contada novamente antes de

solicitarmos às crianças que desenhassem elementos da mesma, mas percebemos

que essa estratégia não funcionou como imaginávamos, pois as crianças ficaram

bem dispersas.

Durante este primeiro dia um elemento que estranhamos foi a idade das

crianças, havia crianças desde a educação infantil até a quarta série (entre 5 e 10

anos) participando das intervenções, isto porque a princípio, conforme consta no

projeto trabalharíamos com os jovens e não com crianças tão pequenas, mesmo

assim prosseguimos com as atividades. Durante toda a intervenção contamos com o

apoio dos professores indígenas. Por volta das 10h e 30 min. foi servido uma

refeição para as crianças.

Após o lanche retornamos as atividades e propomos que ilustrassem os

seguintes temas: Índios com roupas feitas de taboa; Índios dormindo perto do fogo;

Plantação de algodão; de abóbora, de milho, de feijão, de mandioca e arroz; Índios

pescando com o cipó timbó, côvo e pari; Índios preparando remédios e Índios

procurando remédios na mata. Dessa forma, a equipe se dividiu para mediar a

atividades atendendo dois grupos de crianças com aproximadamente cinco crianças

em cada grupo. Ao final da atividade recolhemos os desenhos e trouxemos para o

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laboratório onde o material foi escaneado e arquivado para compor o relatório final

do projeto de extensão e futura confecção de material didático para as escolas.

No segundo dia, a intervenção partiria da contação da história do Tupã com

auxílio de painéis e fantoches. Ao terminarmos a organização dos painéis e dos

fantoches a maior parte das crianças já estavam na sala e assim realizamos a

contação da história conforme havíamos planejado. As crianças demonstraram bem

interessadas, como algumas chegaram atrasadas contamos a história outra vez.

Depois da história a equipe se dividiu e cada um ficou responsável por um grupo de

crianças para que elas ilustrassem as histórias e por um tema, como no dia anterior.

Os temas para esse dia foram: Terra Prometida, Casa de reza, Urutau, Caminho

para a Terra Prometida, Tupã, Embornal com estilingue.

Por volta das 10 h e 30 min as crianças foram lanchar. Assim que retornaram

continuamos com os desenhos, porém percebemos que elas estavam muito

cansadas e dispersas. Resolvemos que seria melhor parar com os desenhos e

deixá-las descansar por um tempo. Colocamos a lona em uma das outras salas para

que as crianças pudessem se sentar e ouvir a história “Criação do mundo” (Anexo

3), mas antes deixamos as crianças manipularem os fantoches.

Antes de elas manipularem os fantoches procuramos fazer com que elas

relembrassem da história mostrando cada fantoche separadamente e tentando

resgatar alguns elementos da história. Ao final recolhemos os fantoches e iniciou-se

a história de criação do mundo com as fichas de leitura, as crianças estavam

sentadas sobre a lona e em roda.

As crianças ficaram entusiasmadas por terem uma parte da história consigo,

por meio das fichas. A história rendeu algumas falas das crianças, mas ainda assim

elas ficaram bem envergonhadas de falar algo sobre a história ou sobre os costumes

antigos.

Depois de contarmos a história ficou decidido que o melhor seria deixá-las

almoçar e depois trabalhar com os desenhos, visto que elas estavam bem cansadas

de desenhar.

Ao retornarmos do almoço iniciamos com as crianças a produção dos

desenhos, os quis tiveram ótimos resultados. Surgiram também desenhos das

intervençãos anteriores o que nos deixou bastante surpresos e felizes ao mesmo

tempo, afinal isto demonstra que elas se apropriaram dos elementos da Cultura

Guarani sistematizados por nós.

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Depois de recolher os desenhos começamos a agradecer e nos despedir dos

participantes da intervenção. Neste momento o tudjá Dercílio que estava na sala,

falou um pouco sobre a importância do nosso trabalho de recolher e sistematizar a

Cultura Guarani e passar aos mais jovens, e que estava com eles a

responsabilidade em manter a Cultura em movimento.

Os professores, a diretora e a pedagoga agradeceram o trabalho realizado e

como presente tivemos a oportunidade de ouvir as crianças cantando em guarani

duas músicas.

4.2.2. Intervenção na terra indígena Posto Velho

No dia 15 de julho por conta do tempo chuvoso, tivemos muitas dificuldades

com relação ao transporte até a T.I Posto Velho. Estávamos com um caminhão e

uma caminhonete sem tração, logo não conseguiríamos chegar a T.I com estes

veículos. Ainda sim, saímos do hotel as 7h e 15 min. e fomos até Santa Amélia

buscar a pedagoga e a diretora da escola.

Na cidade encontramos com a filha do cacique Mario Raulino Sampaio que

nos passou o telefone da Mili (enfermeira do Posto de Saúde), que poderia nos dar

carona com o carro da FUNASA. Depois de certo tempo conseguimos falar com ela

e a encontramos no posto de gasolina.

Por ser um carro de um órgão federal, ela afirmou que não poderia nos

transportar até a T.I, porém depois de muitas conversas conseguimos entrar em um

acordo com ela para nos transportar até a T.I.. Também estava no posto de gasolina

o motorista da FUNASA da T.I. Laranjinha que, com a autorização da Silvana

(enfermeira da T.I. Laranjinha), transportou parte da equipe até a T.I. Posto Velho,

por volta das 9 horas

Quando a segunda parte da equipe conseguiu chegar a T.I Posto Velho a

primeira intervenção com a caixa de contação de história já estava em andamento.

Começamos então a organizar o almoço para as crianças, visto que elas já havia

feito uma primeira refeição (pão com mortadela). Notamos que a preparação do

almoço foi preparada pela merendeira e duas professoras, Analice e Kely que

buscava a água na Mina (a escola, bem como toda a T.I. não tem água encanada,

nem instalações sanitárias, o que existe é um mictório atrás da casa do cacique).

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É interessante destacar que além da escola não ter água encanada e nem

banheiro, a escola conta com poucos utensílios domésticos, o que há é um fogão do

tipo industrial, uma geladeira que serve como armário para guardar pacotes de fubá,

algumas panelas e os talheres como percebemos foi em sua maioria emprestado

das famílias que moram perto da escola, principalmente da casa da dona Maria

(mulher do cacique Mario Raunlino da Silva), que foi a quem solicitamos permissão

para realizar as intervenções, pois o cacique estava em outra cidade resolvendo

algumas problemas.

Quando a intervenção da agricultura e da pesca terminou as crianças foram

trazidas para o refeitório. O cardápio do almoço foi arroz, feijão e carne moída, foi

servido refrigerante e maça. Enquanto as crianças almoçavam uma parte da equipe

estava organizando os cenários e os fantoches para a contação da história do Tupã.

A história do Tupã não foi contada na mesma sala onde estava acontecendo

a primeira intervenção, pelas condições precárias em que se encontra a escola (com

salas pequenas e cheia de carteiras, armários, livros e alguns sacos de feijão). A

história foi contada na sala do professor Claudinei com as crianças em pé, pois não

havia como trazer as cadeiras para a outra sala, devido à chuva que permaneceu

durante a maior parte do dia.

Contamos a história e depois retornamos com as crianças para a sala de aula

ao lado, onde primeiramente deixamos as crianças manipularem os fantoches. O

que nos chamou a atenção foi o encantamento das crianças pelos fantoches, elas

queriam muito manipular os bonecos “auto-falantes” (forma como as crianças

chamavam os fantoches do tipo bocão, que abrem a boca), outro fato é que a

maioria não sabia como manipular os fantoches, colocavam a boca dentro do

fantoche para fazer com que eles abrissem a boca. Ensinamos para eles como se

fazia para manipular os bonecos. Depois de um tempo recolhemos os fantoches e

iniciamos a produção dos desenhos com bastante dificuldade, oriundas das

dificuldades do pequeno espaço da sala para os alunos e para nós.

Durante toda intervenção contamos com o apoio das professoras, tanto na

preparação do almoço e do lanche como na sala acompanhando a produção dos

desenhos.

Muitas vezes as crianças entravam e saiam da sala para “ir ao banheiro” (a

maioria fazia suas necessidades atrás da escola, em meio a chuva e ao barro que

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tinha), desta forma a sala ficou com o chão coberto de barro. Muitos foram os

desenhos que ficaram com marcas de barro.

Enceramos a produção dos desenhos e recolhemos os materiais para servir o

lanche da tarde, bolo e iogurte, as crianças gostaram muito do iogurte e ficaram

pedindo mais (isto demonstre que possivelmente, o iogurte não deve fazer parte da

alimentação deles). Também foram entregues balas e pirulitos. Depois nos

despedimos das crianças.

O transporte de volta a cidade foi feito em parcelas, primeiro foi uma parte da

equipe, depois as professoras da escola e algumas crianças e por último a outra

parte da equipe. Durante o tempo em que a última parte da equipe ficou na T.I.

conversamos muito com a Deise, uma das moradoras da T.I. que nos contou sobre

as dificuldades enfrentadas pela falta de água encanada e pela falta de sanitários.

Como choveu mais depois que se encerrou a intervenção tivemos a oportunidade de

ver como alguns moradores armazenam água da chuva em baldes, demonstrando

mais ainda, as dificuldades enfrentadas por eles.

Despedimos-nos dos demais membros da comunidade e retornamos ao hotel.

Enceramos as atividades nesse dia, pois não havia condições materiais para que se

concluísse a intervenção como um todo e muito menos a história de Criação do

Mundo, que não tivemos a oportunidade de contar. Deixamos também na escola os

materiais utilizados por nós.

Consideramos que apesar de todos os desafios encontrados pela equipe do

LAEE, da escola indígena e das crianças, as atividades foram realizadas com a

participação e interação entre todos. Aprendemos e ensinamos sobre a cultura

Guarani Nhandewa, durante todo o processo de elaboração e realização das

intervenções.

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4.3 Registro visual das atividades realizadas nas E scolas Indígenas

Intervenções Pedagógicas. Contação de histórias na escola da Terra Indígena Laranjinha, Santa Amélia/PR. Acervo LAEE-UEM (2010).

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Crianças Guarani Nhandewa fazendo atividade referente a história contada na Intervenção Pedagógica. Contação de histórias na escola da Terra Indígena Velho,

Santa Amélia/PR. Acervo LAEE-UEM (2010).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] o meio, a situação de alguma forma influencia a criança, norteia o seu desenvolvimento. Mas a criança e seu desenvolvimento se modificam, tornam-se outros. E não apenas a criança se modifica, modifica-se também a atitude do meio para com ela, e esse mesmo meio começa a influenciar a mesma criança de uma nova maneira. Esse é um entender dinâmico e relativo do meio. (VINHA, M. P.; WELCMAN, 2010, p.7, grifo do autor).

Todo tempo dedicado ao Projeto de Extensão, às atividades vinculadas ao

LAEE, bem como o PIC e o TCC permitiram estudos e vivências que aprimoraram o

‘pesquisar acadêmico’. Além da criança, também o adulto a partir do meio em que se

encontra se aprimora, se humaniza.

Considera-se a partir da pesquisa realizada que a literatura enquanto arte

literária e pedagógica pode e deve ser considerada como conteúdo, estratégia e

recurso como nos apresenta Chaves (2011), nas intervenções pedagógicas

escolares, em escolas indígenas, bem como em escolas não indígenas.

Destacamos a relevância do uso da literatura na escola, pois esta tem sido, a

partir das experiências de observação nos projetos de extensão do LAEE, e das

pesquisas em periódicos em busca de trabalhos que relatassem o uso da literatura

na escola indígena, pouco desenvolvida nas escolas indígenas.

Destacamos o uso da literatura na educação por considerar a educação, a

partir da Teoria Histórico Cultural, como instrumento da cultura humana para a

instrução e, sobretudo humanização do homem, neste sentido a literatura tem muito

a contribuir para este processo, desde que planejada e intencionalmente utilizada

para determinado fim, o livro por si só não faz o mesmo que um livro mediatizado

intencionalmente por um adulto.

Não podemos, pois, restringir as linguagens na educação infantis, mas, ao contrário, nossa tarefa é pela reflexão sobre os saberes necessários e sobre sua importância no pleno e harmônico desenvolvimento da inteligência e da personalidade de nossas crianças que são capazes de se apaixonarem pelo mundo ao agir ativamente sobre ele, transformá-lo e serem transformadas por ele. Esse envolvimento requer a apropriação de fundamentos teóricos, metodológicos e práticos sejam apropriados e alicerces da atividade docente intencional e para ampliar o processo de formação inicial ou continuada dos (as) professores (as) (LIMA; GIROTTO, s/d, p.8).

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Podemos, a partir da reflexão das professoras, pensar em questões além da

literatura na escola e em sala de aula. Como se dá a formação deste professor que

trabalha na escola? Como nosso campo de pesquisa é a educação escolar indígena

podemos pensar que formação tem estes profissionais para trabalhar a arte e a

literatura na escola indígena? Logo se vê que mal escrevemos as considerações de

uma pesquisa, já se formam novas questões para os próximos estudos. Também é

nosso desejo que a arte e literatura motivem pesquisas e estudos na escola

indígena e na escola não indígena.

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6 REFERÊNCIAS

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LUCIANO. G. J. S. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. LURIA, A. R. Curso de psicologia geral . Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979. vol. IV. MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista . Estud. av. [online]. 1998a, v.12, n.34, p. 7-46. MARX, K. O Capital . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998b. Livro I, vol. 1. MELIÁ, B. Educação indígena e alfabetização . São Paulo: Edições Loyola (Coleção "Missão Aberta”), 1979. MOTA, L. T. A denominação kaingang na literatura antropológica, histórica e lingüística. In: TOMMASINO, K.; MOTA, L. T.; NOELLI, F. S. (Org.). Novas contribuições aos estudos interdisciplinares dos Ka ingang . Londrina: Eduel, 2004. p.1-16. MOTA, L. T. A história da implantação e desenvolvimento do programa interdisciplinar de estudos de populações: Laboratório de Arqueologia, etnologia e Etno-história na Universidade Estadual de Maringá. In: MOREIRA, L. F.; GONÇALVES, J. H. R. Etnias, Espaços e Ideias: Estudos Multidisciplinare s. Curitiba: Instituto Memória. 2009, p.245-263. MONTE, N. L. E agora, cara pálida? Educação e povos indígenas, 500 anos depois. Rev. Bras. Educ., Dez 2000, n.15, p.118-133. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n15/n15a08.pdf>. Acesso em: 17 set. 2012. MUKHINA, V. Psicologia da idade pré-escolar ; tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1995 OLIVEIRA, M. K. Pensamento e Linguagem. In:______(Org.). Vytgotsky aprendizado e desenvolvimento : um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997. p. 41-54. POCHMANN, Marcio; AMORIM, Ricardo. (Orgs.). Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica : primeiras aproximações. 9 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. SILVA, Aracy Lopes da. GRUPIONI, Luís Donizete Benzi (org.). A temática indígena na escola : novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Global; Brasília: MEC : MARI : UNESCO, 2004. TROJAN, R. M. A Arte e a humanização do homem: afinal de contas pra que serve a arte? Curitiba: Educar em Revista - Editora da UFPR, n. 12, 1996, p. 87-96.

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VIGOTSKI, Lev Semionovitch. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança.Tradução Zoia Ribeiro Prestes. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais. Junho de 2008. Disponível em:<http://xa.yimg.com/kq/groups/32960205/729519164/name/artigo+ZOIA+PRESTES.cg--.pdf>. Acesso em: 17 set. 2012. VINHA, M. P.; WELCMAN, M. Quarta aula: a questão do meio na pedologia , Lev Semionovich Vigotski. Psicol. USP , São Paulo, v. 21, n. 4, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pusp/v21n4/v21n4a03.pdf>. Acesso em:17 set. 2012. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola . 11. ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Global, 2003.

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ANEXO A- História da agricultura e da pesca

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SETI – PROGRAMA UNIVERSIDADE SEM FRONTEIRAS PROJETO: OUVIR DOS VELHOS, CONTAR AOS JOVENS: MEMÓR IAS, HISTÓRIAS E CONHECIMENTOS GUARANI NHANDEWA DO PARAN Á Oficina Pedagógica – Terras Indígenas Laranjinha e Posto Velho (Ywiporã) Período de realização: 12 a 14/07/2010 Narrativa de: Dercilio da Silva Técnica para contação de história : caixa de contação de história

A vida dos índios antigos

Antigamente os índios tinham liberdade para andar por todos os lugares. Comiam

comida do mato. Vestiam roupas feitas com materiais do mato. Não existiam plantas

feias e nem sementes que não brotavam. Os campos eram bonitos.

Usavam roupas do mato, feitas de taboa, capim trançado. Para dormir e descansar

faziam um tapete para forrar o chão ou camas de pau a pique para passar as noites.

O fogo era usado para aquecer no frio. Todas as pessoas da família dormiam perto

do fogo e colocavam os pés ao lado dele. Não existia cobertas nem lençóis. Durante

a noite, sempre acordavam para cuidar do fogo para que não apagasse.

Plantavam o algodão, mandjydju que, antigamente, crescia muito. Com o mandjydju

eram feitos fios que eram usados para tecer redes para deitar, onde também,

deitava o rezador que ficava com o pensamento no céu.

Cultivo e preparo dos alimentos

Haviam grandes campos de plantações de abóbora, milho, feijão, mandioca e milho

de pipoca, chamado awaxi pororó.

Para fazer o plantio da roça, era usado um embornal, um tipo de sacolinha feita de

taquara, amarrada na cintura para colocar as sementes. O homem adulto enchia o

embornal e ia para a roça plantar. Com um pau, takuá, fazia o buraco na terra, as

crianças jogavam as sementes e as mulheres usavam os pés para cobrir o buraco

com terra.

As sementes eram guardadas dentro de um cesto forrado com as folhas de uma

planta chamada caeté e cobertas com cinzas de tataupá para que não estragassem.

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Pegavam o milho e socavam no pilão para fazer a quirela e depois a canja. Esse

milho era branco e chamado de catetinho.

Havia o arroz dos Guarani. Era um arroz grande e amarelo, chamado de arroz

amarelão. Havia também um arroz quebradinho pintado de branco e vermelho, com

o nome de pará, esse arroz era plantado pelas famílias e depois de colhido era

socado no pilão para comer. Era o mais usado pelos Tupis. As crianças comiam

para que ficassem bem alimentadas e fortes.

Os alimentos eram cozidos no fogão, que era feito com pedras colocadas no chão

pendurado com cipó no caibro da casa.

Pescaria dos índios

No passado quase não tinha canoa, os índios usavam para pescar um cipó

chamado timbó. Procuravam água parada onde havia bastante peixe pulando, então

davam uma batidinha no cipó e o jogavam lá dentro, os peixes ficavam bobinhos,

com a cabeçinha para cima podendo ser pegos com a peneira. Essa era a melhor

pescaria do índio.

A pescaria do índio era fácil. Pescavam, também, com o côvo de cipó, um tipo de

cesto comprido com uma abertura grande, por onde os peixes entravam e não saíam

porque não conseguiam voltar para trás. O côvo era amarrado nos rios, riachos,

lagos ou no poço, e depois de uns três dias, não conseguiam nem puxá-lo de tão

cheio de peixe que ficava.

Os índios iam pescar vestidos apenas com uma tanga que amarravam na cintura

feita com material do mato, não usavam roupas como usamos hoje.

No rio Laranjinha era feita uma armadilha de pesca chamada pari, que era a tarrafa

dos índios. Para pegar os peixes era colocada uma comida no pari preparada com

milho verde, então o pari era amarrado em um toco de árvore e solto no rio. Depois

de três dias, os índios nem conseguiam puxar a armadilha de tão pesada, eram

pegos em torno de dez, quinze quilos de peixe. Dava muito trabalho retirar a

armadilha do rio, então os índios colocavam a armadilha nas costas e levavam nas

suas casas. Limpavam os peixes, que eram cozidos ou assados na brasa. Depois a

armadilha era colocada novamente no rio.

Os remédios do mato

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Naquela época, os próprios índios faziam seus remédios que eram bons para tosse,

dor de barriga, feridas e dor de cabeça. Hoje não existe mais tanto mato, por isso

encontramos pouco remédio nas terras indígenas.

Hoje, quando alguém fica doente, os índios têm que sair para longe e levam dois ou

três dias para encontrar o remédio do mato para curar a doença.

Os remédios dos índios estão acabando porque as plantações estão

desaparecendo, existem queimadas na mata e muito veneno que acabam com as

plantações e também com os remédios.

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ANEXO B _ História do Tupã

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SETI – PROGRAMA UNIVERSIDADE SEM FRONTEIRAS PROJETO: OUVIR DOS VELHOS, CONTAR AOS JOVENS: MEMÓR IAS, HISTÓRIAS E CONHECIMENTOS GUARANI NHANDEWA DO PARAN Á Oficina Pedagógica – Terras Indígenas Laranjinha e Posto Velho (Ywiporã) Período de realização: 12 a 14/07/2010 Narrativa de: João Mário da Silva Técnica para contação de história : fantoches

A HISTÓRIA DO TUPÃ

CENÁRIO 1 => FLORESTA 1 (ABERTURA)

Narrador : Boa tarde crianças! Hoje, eu vim aqui pra contar uma história pra vocês, é

a história do Tupã. É uma historia que a muito tempo a minha mãe me contou.

MÚSICA DA FLORESTA

CENÁRIO 2 => FLORESTA

Narrador: Era uma vez um rapaz muito teimoso que não acreditava no Tupã, porque

pra ele o tupã não revelava nada. Até que certo dia ele resolveu pegar o seu

bodoque e ir caçar. O moço andava, andava, andava e não encontrava nada. De

repente ele escutou um coruja (som de coruja)

Moço: Ué coruja não grita de dia. Aaaaaaa! Eu vou matar essa coruja e tirar uma

pena dela pra fazer remédio.

Narrador: Ele procurou e procurou, quando chegou na árvore que estava a coruja

ela gritou de novo (som do grito da coruja). Ele colocou uma pedra no bodoque,

olhou pra cima e procurou, mas não encontrou nada, até que escutou uma voz que

dizia assim:

Tupã: Você não está entendendo a linguagem de Deus.

Moço: Mas não é um passarinho que está cantando? Eu vou matar ele.

Tupã: Não! Sou eu o tupã (abraça o moço). Vim buscar você. Vem comigo?

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Moço: Vou sim, eu vou com você.

TROCA DE CENÁRIO 3 => CAMINHO PARA A TERRA PROMETIDA

MUSICA 2 – INSTRUMENTAL

Narrador: Depois do convite do tupã ele deixou seu bodoque e o embornal na

árvore e foi andando, andando. Na verdade ele estava subindo.

Eles chegaram num lugar muito lindo e continuaram caminhando por uma estrada

com flores e muitas árvores frutíferas.

Tupã: Você nunca veio aqui?

Moço: Não, eu nunca vim.

Narrador: Continuaram caminhando e o Tupã entretendo ele... Conversando sobre

várias coisas para ele não perceber que estavam subindo em direção a Terra

Prometida. Mesmo assim ele estava muito desconfiado.

Tupã: Nós já estamos muito longe, mas estamos quase chegando à casa de reza.

TROCA DE CENÁRIO 4 => CASA DE REZA

CONTINUA A MUSICA

Tupã: Agora você senta ai nesse banco

Moço: Aqui é gostoso mesmo! Aquela tristeza, aquele desgosto, todas aquelas

doenças foram todas embora... Estou contente. Mas onde eu estou?

Tupã: Você está na terra dos Tupã.

Moço: Eu estou na terra dos Tupã?

Tupã: Sim, Você esta...

Moço: Mas eu estou?

Tupã : Você está sim, na terra dos Tupã.

Narrador: Ele ficou emocionado.

Tupã : Você fica ai, que eu vou dar uma saidinha. Todos os Tupãs mirim vão vir virão

abraçar você.

Narrador: Na terra dos Tupã, eles são divididos em grupos, uns mais bravos, outros

mais ou menos bravos e outros bonzinhos.

Tupã: Ahhh! Você também não vai poder comer.

Moço: Está bem, eu não vou comer. Mas, porque eu não posso comer?

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Tupã: Porque você está pesado demais, cheio de gordura.

Moço: Quando eu vou pode comer?

Tupã: Só amanhã.

Narrador: Vocês sabiam que na terra do tupã não tem noite. Lá não havia noite e

nem escuridão... Era só dia. De repente foram chegaram os Tupãs mirim perto do

moço e começaram a abraça-lo por grupo.

Primeiro foram os bem bravos. (dar tempo para a troca de fantoches)

Depois os mais ou menos bravo.

Por último os bonzinhos.

Narrador: Depois de abraçar o moço os Tupã mirim se reunirão e começaram a

cochichar...

Tupã mirins: O moço veio de uma terra que não era boa, cheia de pecado e

matança.

Narrador: Os abraços dos Tupã mirins purificou o moço.

Passando um tempo um dos Tupã trouxe uma vasilha com um peixe e uma

mandioca.

Moço: Você me trouxe só isso? Eu estou com muita fome. Mas, tudo bem, vou

comer só isso.

Narrador: Já haviam se passado três meses desde que o moço estava na terra dos

Tupã. Lá era um lugar muito gostoso, o moço estava sentindo muita alegria de estar

ali.

Moço: Aqui só tem alegria. Não há falsidade e nem tristeza. Eu não quero voltar pra

casa, lá é ruim.

Tupã: Agora eu vou te levar para casa. Vou levar você para sua mãe, porque ela

está sentindo muito a sua falta.

PARA A MÚSICA GRADUALMENTE NO VOLUME

Narrador: Lá em baixo a mãe do moço já estava rezando para o Tupã trazer ele de

volta, porque o rezador falou que o Tupã havia levado ele.

Chegando aqui na terra o moço encontra um colega.

Colega: Você foi mesmo à terra prometida? Eu que rezo todo dia o Tupã não me

levou!

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Moço: Eu fui sim porque o Tupã gostou de mim. Eu trouxe comigo cana, amendoim,

feijão e semente de abóbora.

Narrador: Depois de algumas horas o moço começou a se sentir mal. Sentiu uma

tristeza e vontade enorme de voltar para terra para Terra dos Tupã.

Moço: Aqui não é meu lugar. Eu quero que ir embora junto com o Tupã.

Narrador: Assim ele foi e voltou outras três vezes. Na última delas ele veio e

abraçou os irmãos, sentindo o peso do braço deles, abraçou também o pai e a mãe.

Depois disso o Tupã o levou embora de corpo e alma.

Essa foi história do moço que foi para a terra dos Tupã.

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ANEXO C_ História de Criação do Mundo na versão dos Guarani Nhandewa

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SETI – PROGRAMA UNIVERSIDADE SEM FRONTEIRAS PROJETO: OUVIR DOS VELHOS, CONTAR AOS JOVENS: MEMÓR IAS, HISTÓRIAS E CONHECIMENTOS GUARANI NHANDEWA DO PARAN Á Oficina Pedagógica – Terras Indígenas Laranjinha e Posto Velho (Ywiporã) Período de realização: 12 a 14/07/2010 Narrativa de: Almerinda da Silva Norato. Registrada por: Joelma Lourenço Pirai. Índia Guarani Nhandewa, Coletora de Histórias Indígenas. Técnica para contação de história : fichas de leitura

O início do mundo na visão dos Nhandewa

No início do mundo havia um casal: o pai e a mãe. O pai disse a mãe:

_ Vá buscar fruto e alimento na roça.

A mãe desconfiou dele, porque ele havia plantado os frutos pela manhã. ela

disse:

_ Mas como, se você plantou de manhã?

Ele se entristeceu com a mulher e resolveu ir para o Kurutsu e lá pediu para

que o caminho do céu descesse para ele ir embora. E quando a mãe chega na roça,

as plantas estão quase todas prontas para serem colhidas.

O pai ficou triste pela mulher ter duvidado de sua palavra e poder e resolveu ir

embora, deixando a sua mulher. Ele rezou por três dias e o caminho sagrado desceu

sobre o Kurutsu, então ele foi embora para a terra escondida. Mas ele não esqueceu

de seus filhos.

A esposa, ao voltar com os frutos da roça, percebeu que seu marido não

estava mais. Ela tomou o recipiente da cabeça e sua taquara, deu uma volta ao

redor da casa e seguiu o rastro de seu marido guiada por seus filhos gêmeos, que

ainda estavam em sua barriga, que são Kotsui e Djikokava. Eles tinham poderes

assim como o pai, Nhanderuvutsu. E assim inicia-se a trajetória dos Nhandewa

sobre a terra.

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A mulher havia caminhado um pouco e seu filho pediu que ela colhesse uma

flor...eles foram pedindo flor até que uma vespa a picou, então ela ficou irritada e

ralhou com eles dizendo assim: “como pode, vocês nem nasceram e já fizeram a

vespa me picar!” então eles ficaram bravos.

Ela seguiu caminhando e chegou a uma cruz de madeira. E novamente

perguntou a seu filho “para onde ele foi?”. Ele lhe indicou o caminho do tigre. Ela

caminhou e chegou até a casa do tigre. a avó dos tigres lhe disse: “venha aqui,

deixe-me te esconder dos meus netos, eles são muito ferozes”. Ela a cobriu com

uma grande panela.

Ao entardecer regressaram seus netos trazendo muitas caças, mas o neto

que chegou por último não havia caçado nada. Ele chegou e se aproximou da

panela e disse para a sua avó “não trouxe caça nenhuma, mas pelo jeito a senhora

está com uma bela caça aqui, vovó” e se lançou sobre a panela matando a mulher

de Nhanderuvutsu.

A avó dos tigres falou: “Já que não tenho dentes, tragam para mim os dois

meninos”. Tentaram de todas as maneiras matar as crianças, mas não conseguiram

e ela vendo que não tinha jeito, resolveu criá-los. O desenvolvimento deles foi muito

rápido e o irmão maior já se levantava um pouco, o irmão menor já engatinhava e de

tarde ambos já estavam andando. O maior pediu uma flecha para caçar pássaros:

“Faça-me uma flecha para eu caçar os pássaros, tio tigre”. O tio tigre fez uma flecha

para ele. Ele matou sem cessar muitas mariposas.

E quando ficou mais velho ia à roça antiga onde os ossos de sua mãe

estavam enterrados e ali ele matava muitos passarinhos para seu irmão menor e

para sua avó, que era a avó dos tigres. A avó dos tigres disse: “Não vão mais para

lá, brinquem por aqui mesmo netos.”

_Por que a avó nos diz para brincarmos por aqui irmãozinho? Vamos lá ver o que

há. Disse Kotsui.

E lá encontraram um jacu e o flecharam. O jacu disse “porque me flecham

para alimentar a quem matou a sua mãe? puxe a flecha e tire-a do meu corpo.” eles

puxaram a flecha do corpo do jacu e o libertaram.

Então eles flecharam um papagaio e o papagaio contou tudo sobre o

acontecimento da morte da mãe deles e indicou onde estavam os ossos dela. Eles

choraram muito e depois foram lavar o rosto para os tigres não perceberem. As

lágrimas dos meninos se transformaram em rio.

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Kotsui chamou Djikokava: “vamos lá ver os ossos de nossa mãe!” e chegando lá o

irmão mais velho começou a construir novamente o corpo de sua mãe. Djikokava

queria mamar em sua mãe e por isso o irmão mais velho não conseguia reconstruir

o corpo dela, porque quando ela estava quase se regenerando o irmão menor

pulava em seu peito esquerdo. Kotsui vendo que não tinha jeito deixou sua mãe

descansar em paz e foi novamente caçar, mas desta vez a caça foi um pouco

diferente.

Antes ele levava passarinhos bons para sua avó comer e depois que ele

soube da morte de sua mãe ele matava só urubu, gavião e outros. Chegando em

sua casa a avó dos tigres disse: “Por que você está trazendo só estes passarinhos

ruins se antes você trazia passarinhos bons?” Ele tinha combinado com seu irmão

de eliminar todas as onças e os tigres da terra.

Kotsui disse para sua avó, a onça velha: “Do outro lado do rio há bastante

caça vovó, mas sou fraco e pequeno! preciso de ajuda. eu e meu irmão vamos à

frente e caçaremos muitos passarinhos, quando estivermos com os jacás cheios

voltaremos avisar a todos para irem buscar.” e assim eles foram.

Como Kotsui e Djikokava tinham poderes, eles transformaram u ma flecha em

uma ponte, colocando sobre o rio e ali colocaram todas as onças e tigres. um ficou

na entrada da ponte e outro na saída e quando as onças estavam todas em cima

eles falaram uma palavra mágica e a ponte virou com as onças. Elas quase

morreram todas, mas sem eles perceberem sobrou uma onça grávida.

Na verdade eles não sabiam o que tinha do outro lado do rio e foram ver, e

ouvindo um barulho forte subiram em uma árvore. Então chegou o Anhã, ele queria

devorar os dois meninos, mas conseguiu pegar só o menor e o matou. O maior ficou

em aflição e procurou de todos os meios salvar seu irmão. Inventou um veadinho

para enganar o Anhã. Anhã empolgado e correndo atrás do veado esqueceu o

balaio com suas caças e junto estava Djikokava.

Kotsui falou as palavras mágicas e deu vida a Djikokava. E no balaio eles

colocaram pedras e as caças por cima e quando o Anhã chegou, ele nem percebeu

a fuga de Djikokava e foi para sua casa sofrendo com o balaio cheio de pedra.

Os meninos seguiram o Anhã até sua casa. Muito cansado o Anhã chegou a

sua casa e pediu para suas filhas arrumarem a água para ele tomar banho e

descansar.

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Os meninos colheram bastante pimenta e colocaram em sua água. Depois do

banho Anhã começou a se arder todo. De tanta dor começou a rodear a casa e

acabou explodindo e de sua cabeça saiu um monte de pernilongos.

Anhã morreu e deixou suas duas filhas. Kotsui e Djikokava se apresentaram

para as duas e as moças foram logo dizendo: “que cabelos lindos, como eu faço

para ter meu cabelo assim?” Kotsui disse: “É só tirar o couro cabeludo, passar

pimenta e tacar fogo para que nasça outro no dia de amanhã.” As meninas seguiram

seu conselho e acabaram morrendo.

Depois de terem exterminado seus inimigos, procuraram alguém para cuidar

deles, mas não havia ninguém. Então o seu pai Nhanderuvutsu ficou com muita

pena e mandou o caminho sagrado para eles. Eles então retornam para seu pai.

Assim, kotsui e Djikokava retornam para a terra povoando-a de novo com os

Nhandewa, frutos, alimentos e os animais.