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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO ESPECIALIZAÇÃO EM LEITURA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERATURA INFANTIL CEARENSE: CONTOS, ENCANTOS E DESENCANTOS ELINETE MARIA SEVERIANO FORTALEZA Fortaleza Ceará 2005

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Page 1: LITERATURA INFANTIL CEARENSE: CONTOS, ENCANTOS E … · copiava em meu caderno de segredos por considerá-las belas e cheias de significados. E, assim, fui crescendo, embalada por

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO

ESPECIALIZAÇÃO EM LEITURA E FORMAÇÃO DO LEITOR

LITERATURA INFANTIL CEARENSE: CONTOS, ENCANTOS E DESENCANTOS

ELINETE MARIA SEVERIANO FORTALEZA

Fortaleza – Ceará 2005

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LITERATURA INFANTIL CEARENSE: CONTOS, ENCANTOS E DESENCANTOS

ELINETE MARIA SEVERIANO FORTALEZA

Orientador: Denilson Portácio - Ms

Fortaleza – Ceará 2005

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Esta monografia foi submetida à Coordenação do curso de

Especialização em Leitura e Formação do Leitor, ao Centro de Treinamento e

Desenvolvimento e a Universidade Federal do Ceará como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Especialista em Leitura e Formação do

Leitor outorgado pela Universidade Federal do Ceará e, encontra-se à

disposição dos interessados na Biblioteca de Humanidades da referida

Universidade.

A transcrição de qualquer trecho desta monografia é permitida,

desde que feita em conformidade com as normas de ética científica.

_________________________________

Elinete Maria Severiano Fortaleza

Monografia aprovada em: ____/_____/_____.

Nota: _________________________

_____________________________________ Prof. Mestre Denilson Portácio

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Dedicatória

À família no seio da qual fui gerada, com amor e carinho, em especial à minha mãe, Odete Mesquita, verdadeiro exemplo de dignidade, em cuja mulher me espelhei por quase toda a vida. À minha filha, Radene, raro ser que embeleza, ilumina e dar sentido a minha existência. Ao eterno amigo e mestre Aloísio Pereira Filho (in memorian), por tudo que me ensinou.

Page 5: LITERATURA INFANTIL CEARENSE: CONTOS, ENCANTOS E … · copiava em meu caderno de segredos por considerá-las belas e cheias de significados. E, assim, fui crescendo, embalada por

Agradecimentos A Deus, por sua constante presença em todos os momentos de minha vida. Ao Valter Penteado pelo apoio, companheirismo, carinho e atenção. Aos meus professores, pela dedicação durante toda a realização do Curso e, em especial, a profª. Lídia Eugênia que generosamente me convidou a fazer parte dessa turma. Ao Professor Denilson Portácio, pela orientação, apoio e também por suas sugestões preciosas na elaboração desde trabalho. Aos meus colegas e amigos de turma, sempre presentes e indispensáveis.

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“Ler não para contradizer ou refletir, nem para crer ou tomar como certo, nem pelo discurso ou pelo enredo, mas para pensar e considerar. Alguns livros são só para serem provados, outros para serem engolidos, outros para serem mastigados e digeridos”

Francis Bacon

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RESUMO

Esta pesquisa busca delinear a trajetória das publicações editoriais infantis

produzidas no Ceará, a partir da década de 1970 e, ainda, sua real penetração

nas bibliotecas privadas e públicas de nossa cidade. Tem ela, também, o

objetivo de oferecer, aos educadores, informações preciosas sobre a

biobibliografia de autores conterrâneos que se consagram através de suas

obras infantis. Aponta entrevistas com escritores, ilustradores e editores, que

se dedicam a Literatura Infantil Cearense, com vistas a identificar o nível de

produção, vendagem, satisfação pessoal e aceitação do público em relação

aos seus livros. O trabalho se constituiu, basicamente, de uma pesquisa

exploratória numa visão sócio poética contemplando, no âmbito geográfico, a

cidade de Fortaleza.

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S U M Á R I O

1 INTRODUÇÃO

MEMÓRIA, LEITURA E PERCEPÇÃO DE MUNDO ................................ 9

2 METODOLOGIA

E ASSIM ACONTECEU .......................................................................... 23

3 TRAJETÓRIA DA LITERATURA

PELAS TRILHAS DA HISTÓRIA LITERÁRIA ........................................ 28

3.1 Primórdios da Literatura Infantil no Brasil

O Desembarque nas terras brasileiras ................................................ 33

4 HISTÓRIA EM QUADRINHOS

A IMAGEM COM HISTÓRIAS E A HISTÓRIA DA IMAGEM ................ 38

5 LITERATURA REGIONAL

O QUE É DE DENTRO, O QUE É DE FORA ........................................ 46

6 A LITERATURA INFANTIL NO CEARÁ

E ASSIM ACONTECEU ......................................................................... 48

7 AUTORES CEARENSES

PROTAGONISTAS DESTA HISTÓRIA .................................................. 54

8 CONCLUSÃO

MORAL DA HISTÓRIA ........................................................................... 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 INTRODUÇÃO MEMÓRIA, LEITURA E PERCEPÇÃO DE MUNDO

“... Este ofício me agrada, de marré, marré, marre. Este ofício me agrada, de marrá, deci ...”

Eu sou pobre, pobre – Ciranda

Penso que em toda a minha vida a palavra ilustrou o meu aprender,

às vezes com cores pardas, nas quais talvez predominassem o preto e o cinza,

e, não raro, as cores vivas e harmônicas se fizeram presentes.

As palavras me foram apresentadas de forma gradativa na fala de

minha mãe, no cantar, no acalentar, num alerta, numa bênção, e cada uma

vinha somar-se ao meu limitado saber. Com o tempo, passei a decifrar e

atribuir significados a frases inteiras e trechos compridos. E as palavras,

pronunciadas em seus mais variados tons, clareavam minha leitura de mundo.

Lembro-me perfeitamente das minhas férias, passadas em

Canindé, então muito criança, quando as palavras escritas ainda não me

tinham sido apresentadas. Íamos para Jacuara, fazenda aos meus olhos

enorme, propriedade de meus tios-avôs. Lá, costumávamos passar as férias

escolares, eu, meus irmãos e alguns primos. Jacuara, lugar mágico, cheio de

mistérios a serem desvendados.

Vejo-me deitada à margem do riacho, sentindo a água correr e

molhar parcialmente meu corpo, minha mão enterrar-se na areia grossa do seu

leito. Ficávamos deitados, olhando as nuvens no céu, com seus mais variados

formatos, nuvens nuvens, nuvens bichos, nuvens gente, se movimentavam

lentamente, desfazendo seu formato para novamente assumir outra forma.

Nesse exercício, aguçávamos nossa criatividade, buscando no imaginário

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estabelecer uma ligação racional dos signos por nós já conhecidos com os

desenhos ilusórios das nuvens. E, assim, nesse devaneio, passávamos horas a

fio embalados pelo canto dos pássaros misturados ao som do vento.

O mundo era um livro sem textos, cheio de imagens e a elas eram

atribuídas várias leituras. Eu não era somente uma espectadora, ao contrário,

sentia-me elemento integrante daquela história, sem, na verdade, entender seu

significado, mas consciente da sua intensidade.

Líamos o mundo num ato solidário, partilhávamos as riquezas do

aprendido, do assimilado, e nossas vozes se cruzavam num turbilhão de idéias.

Por vezes, ficávamos em êxtase, buscando ler nas entrelinhas a grandiosidade

daquela enorme tela pintada por Deus e a nós ofertada. Nesse momento o

silêncio pairava sobre nossas cabeças, sem que nada disséssemos, pois nada

poderia ser dito, só sentido.

Se arte, nas suas mais variadas expressões, é a forma de retratar

uma realidade, eu, pobre mortal, através da leitura que fazia das imagens

expostas, percebia o mundo com sua mistura de cores numa gigantesca

aquarela. Eu estava diante de uma exposição infinitamente rica.

À noite, depois do jantar, nos reuníamos ao redor de uma enorme

mesa, sentados em longos bancos de madeira. Estávamos próximos da hora

mais esperada, que logo chegava. Tio Pedro me colocava sentada em suas

pernas – eu era a menor do grupo e, talvez por isso, tivesse esse privilégio – e

ficávamos todos juntos, ouvindo-o contar histórias fantasiosas, cheias de

mistérios. No ápice da história, a lamparina que ficava no centro da mesa era

apagada num rápido sopro, e todas as crianças subiam na mesa, gritando,

fingindo medo. A lamparina novamente era acesa e a sonoridade da narrativa

voltava a nos encantar.

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Ouvir histórias era um momento onírico, de puro êxtase, recheado

de emoções e sentimentos. A história me permitia estabelecer contato com

outros mundos, com outros seres, aflorava minha criatividade e imaginação.

Despertando em mim o interesse de enveredar por caminhos ainda

desconhecidos.

Noutras noites, nos reuníamos no terreiro, à luz do luar, para ouvir

causos, recital de cordel ou músicas de viola, na voz dos vizinhos e moradores

da Jacuara. Esses momentos me traziam novos entendimentos, alargando um

pouco mais minha compreensão de mundo.

As vozes dos adultos me embalavam o sono, conduzindo-me aos

sonhos. Depois de adormecida eu era colocada numa rede de cheiro

inconfundível, lavada com sabão confeccionado pelas próprias moradoras da

fazenda, o que os teóricos chamariam de Memória Olfativa.

Eu gostava das noites quando minha mãe, mulher guerreira, de

grande fibra, determinada, forte e sensível, depois de se recompor da árdua

rotina de mais um dia de trabalho, armava uma rede perto da porta que dava

para o quintal, e para lá corríamos os seis, eu e meus cinco irmãos, buscando

um lugar juntinho dela. Ali, ela nos contava histórias de seu dia ou histórias de

músicas já conhecidas. Era tanta a riqueza de seu enredo, a suavidade de sua

voz, que nos deixavam fascinados. Não sei o que mais me seduzia, se a

narrativa com sua voz sonora, que nos encantava contando e cantando, ou se

o contato de seu corpo junto ao meu, o pulsar de sua respiração, seus dedos

me acariciando, seu cheiro de mãe. Essas leituras chegavam quase sempre a

me confundir.

As histórias ouvidas me aproximaram das palavras escritas,

quando conheci as Dalilas, os Pedros, as uvas, os Ivos, que inundavam as

cartilhas da época. As palavras, agora ouvidas, lidas, pronunciadas e escritas,

alargavam meu horizonte, alimentavam minha busca por mundos distantes,

povoados por príncipes, fadas, bruxas, reis, assombrações, encantamentos e

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mistérios contidos nas histórias que me eram presenteadas, quase sempre por

empréstimos, através de amigos, ou mesmo locadas nas humildes salas de

leituras existentes nas escolas estaduais por onde estudei, dado que em minha

casa não havia biblioteca, somente poucos livros dos irmãos mais velhos.

Nunca esquecerei o dia em que meus tios me apresentaram o

Zezinho e o Portuga, personagens principais do livro Meu Pé de Laranja-Lima,

de José Mauro de Vasconcelos. Na minha primeira grande viagem em busca

de um oceano de beleza literária, eu imergia nas páginas daquele livro e

emergia em puro êxtase. Nada mais fascinante do que se embalar na beleza

daquelas estórias. Eu ficava deslumbrada ao perceber que o homem tinha o

poder de tocar outras pessoas, utilizando tão-somente as palavras,

expressando suas idéias através da junção de letras. E ainda mais interessante

era a forma com que essa escrita nos alcançava, aflorando nossa sensibilidade

para as vidas ficcionais.

Recordo que, no ápice da história, era tanto o meu envolvimento

com o enredo, que eu chorava copiosamente, deixando as lágrimas rolarem,

molhando as páginas avidamente devoradas pelos meus olhos úmidos. Um

turbilhão de sentimentos se apossavam de meu pequenino ser... Até que,

finalmente, relaxei com o término da trama, sentindo que Zezinho não estava

feliz, mas aliviado. Eu, embora um pouco revoltada, - como judiaram com o

Zezinho! - estava realizada com minha conquista. Acabara de desbravar uma

intensa floresta de idéias a mim presenteada pela linguagem artística da

Literatura.

Quanto mais íntima ficava das palavras, mais entendia seu poder.

Recordo de um trecho do texto “O Último Discurso”, de Charles Chaplin,

quando ele diz: “... não sois máquinas, sois homens...”. Talvez essas palavras

tenham me tornado mais sensível para a vida e mais atenta à fala do outro.

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Conheci a fala de vários outros escritores, dos quais uns me

acalmaram, outros me inquietaram bastante. Passei, então, a devorar os

pensamentos expressos nas linhas e entrelinhas das obras de outros autores.

Conheci José de Alencar, Machado de Assis, Érico Veríssimo e muitos outros.

Encantei-me com Iracema, Iaiá Garcia, Clarissa e Éramos Seis, de Maria José

Dupré, obras que eram impostas pelos professores, nas diversas séries

escolares, para posterior avaliação. Nas horas vagas entretinha-me com as

histórias, quase sempre iguais, estampadas nas Sabrinas da vida ou mesmo

com as crônicas da Revista Seleções, cujas edições eram-me emprestadas

mês a mês por um tio, sob mil recomendações. Com muito cuidado e atenção

lia até mesmo os anúncios comerciais, enquanto que algumas crônicas eu

copiava em meu caderno de segredos por considerá-las belas e cheias de

significados.

E, assim, fui crescendo, embalada por alguns autores e suas

histórias, em que a ficção e a realidade se mantêm distantes, mas que, por

vezes, se misturam de forma homogênea, chegando a confundir o leitor.

Constatei que, em alguns casos, os personagens fictícios representam de

forma fidedigna a realidade, uma vez que muitos autores trabalham

simbolicamente a realidade, estabelecendo uma forte conexão entre o real e o

imaginário. A título de comprovação, vale mencionar O Quinze, obra-prima da

nossa ilustre conterrânea, Rachel de Queiroz, livro que apaixonadamente li e

que muito me intrigou dado a imensa crueza da vida árida e sofrida do povo

nordestino, ali tão bem retratada.

Posso afirmar, então, que muitos autores, de forma surpreendente,

retratam em seus textos a realidade da vida, nos permitindo olharmos para nós

mesmos e vermos o mundo de novas e variadas maneiras.

Na faculdade lia-se Vergueiro, Murilo Bastos, Edson da Fonseca,

Henri Fontaine entre vários outros e, muito se discutia à luz desses renomados

teóricos. Contudo, não se lia só textos científicos ou teóricos, recordo das

leituras prazerosas que me faziam viajar mundo a fora, conhecer outros mares,

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outras realidades. Lembro perfeitamente dos enredos fabulosos existentes nos

livros História da riqueza do homem de Leo Huberman (indicação do professor

da disciplina de História – Francisco de Assis), Memória do Cárcere de

Graciliano Ramos, Feliz ano velho de Marcelo Rubens Paiva e, ainda, A

Revolução dos Bichos de George Orwell.

Os livros foram minha alavanca profissional. Bibliotecária, sob o

entusiasmo de grandes perspectivas profissionais, fui trabalhar com textos,

informações, sons, imagens e crianças, no afã de dar-lhes o máximo

dinamismo. Tinha como objetivo a formação de um público leitor. Estimular na

criança o gosto pela leitura pautada nas suas múltiplas acepções, de modo a

contribuir para a sua formação como cidadão consciente de seus deveres e

direitos, me parecia o caminho adequado para alcançar esse objetivo.

Para a consecução desse objetivo, além das atividades diárias,

elaborei e desenvolvi uma série de projetos ao longo de 10 anos de minha

prática profissional. Esses projetos, levados a efeito na Biblioteca Infantil do

Serviço Social do Comércio (SESC), em Fortaleza, e compondo a programação

anual da Entidade, contavam com a participação de um grupo de crianças, na

faixa etária de 9 a 12 anos, e priorizavam a questão da leitura/literatura, tendo

como tônica uma temática preestabelecida. E, centrados nesta temática,

efetuei uma série de reflexões a partir da leitura de textos, de imagens, de vida,

de filme, enfim, de vários instrumentos, buscando desenvolver a leitura na sua

pluralidade, utilizando diferentes suportes, partindo do texto impresso e

chegando ao computador.

Minha idéia maior era assegurar às crianças que participavam do

projeto o domínio do mecanismo e dos recursos do sistema de representação

escrita, compreendendo suas variadas funções, o interesse pela leitura escrita

como fonte de informações, aprendizagem, arte e lazer, e, sobretudo,

expressar-se por escrito com eficiência, deixando aflorar sua sensibilidade e

criatividade. Esse exercício foi desenvolvido num processo dialógico e

interativo, texto/leitor – indivíduo/sociedade, resultando daí a interligação de

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saberes, viabilizando a prática do letramento, numa concepção mais

abrangente, consciente e consistente.

Nesse contexto passei a comungar com a definição que afirma que

“Letramento não é simplesmente um conjunto de habilidades de leitura e

escrita, mas muito mais que isso, é o uso dessas habilidades para atender às

exigências sociais”. (KIRSCH; JUNGEBLUT, 1990, p.43).

Creio haver cumprido com o objetivo – formar bons leitores críticos,

reflexivos e produtores de textos -, tal o volume de trabalhos elaborados pelo

público infantil que freqüentava a referida Biblioteca, abordando diferentes

gêneros literários, desde a prosa até a literatura de cordel. A exemplo,

apresento resultados desses trabalhos realizados.

Prosas - 1995 Poesias - 1996

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Enquanto aluna do Curso de Especialização em Leitura e

Formação do Leitor, me vi com a grata e árdua incumbência de desenvolver

um trabalho, tendo como tônica a Literatura. E nem poderia ser diferente, até

mesmo por força da minha formação acadêmica e experiência profissional.

Literatura de Cordel - 1997 Coletânea ecológica - 1998

Resgate de memórias - 1998 Coletânea de reflexões - 1998

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Contudo, não foi fácil. Sempre muito me inquietou o fato de a Literatura não

estar inserida de forma clara no rol das linguagens que compõem a LDB,

estando somente diluída nas demais disciplinas, numa visão inter ou

transdisplinar. Nem mesmo lhe é atribuída uma abordagem mais clara

enquanto arte.

Na versão mais recente dos Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ministério da Educação, PCNs, documentos que orientam o ensino brasileiro,

mostrando como devem ser postas em prática suas diretrizes, o capítulo sobre

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias no Ensino Médio, a Literatura deixa

de existir, não apenas como disciplina, mas como campo autônomo do

conhecimento, LDB nº 5.692/71.

E o que é Literatura, senão arte, cultura, representação

sociopolítica por intermédio da língua, veículo de autoconhecimento e

reconhecimento do outro? Em 1971, através da Lei nº 5.692, foi criado um

componente curricular de Educação Artística, determinando que fossem

abordados os conteúdos de música, dança, teatro e artes visuais em sala de

aula.

Em 1996, foi elaborada uma nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394), estabelecendo, em seu artigo 26,

parágrafo 2º, que “o ensino da Arte constituirá componente curricular

obrigatório, nos diversos níveis da Educação Básica, de forma a promover o

desenvolvimento cultural dos alunos”. Essa nova lei também deixou de

mencionar a Literatura enquanto linguagem artística.

Na minha compreensão, Literatura é o elo que interliga o universo

interior do homem, todos os seus saberes e memória, com a forma de ver,

sentir e pensar seu meio social. Literatura é arte. O fazer arte está intimamente

ligado à criatividade, aos sentidos, aos sentimentos associados à percepção,

que o artista tem da realidade. Portanto, a arte não deve estar centrada

unicamente no produto, mas, também, em seu processo criativo, pois esse nos

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permite uma leitura precisa da arte, enquanto representação simbólica da

prática social de uma comunidade, através de suas variadas expressões.

Nesse sentido, podemos afirmar que arte é o grande instrumento vivo de

identidade cultural de uma sociedade, e, por assim ser, a Literatura caracteriza-

se, na sua estrutura e forma de apresentação, como arte genuína.

Inquieta-me o fato de que, para muitos, principalmente para um

grande número de professores, a Literatura só tenha valor utilitário,

constituindo-se apenas o elo de comunicação racional, de registro formal e

informacional, e, desta maneira, é abordada em sala de aula, tanto no ensino

fundamental como no ensino médio, neste com mais rigor, com seus gêneros,

sua composição acadêmica, seus períodos e escolas, esquecendo-se de sua

expressividade, sua beleza e significação, bem assim a leveza dos sentimentos

expostos nas linhas de cada obra.

É inconcebível que uma disciplina de suma importância como a

Literatura seja mantida aprisionada em um currículo positivista e antiquado,

consistindo em um exercício de memória apoiado sobre a história da literatura.

Ensinar e aprender literatura não podem continuar a ser apenas um apanhado

histórico, numa memorização de características rígidas de escolas de produção

literária de um passado europeizado e seletivo. Mesmo porque aprender

literatura por meio de dados historicizados e quantitativos renega a função

primordial da causa literária: desenvolver um olhar perante o mundo, o outro,

perante si mesmo, isto é, desenvolver a sensibilidade e a consciência de

leitura, formando sujeitos agentes de uma sociedade fundamentada nos

princípios da solidariedade e dignidade humanas.

Educar pela Literatura implica refletir pela palavra como construção

artística, com a consciência de que a definição da arte é outro complexo

ideológico sobre o que significa ser belo, bom, certo, historicamente relevante e

ético-esteticamente duradouro. Educar pela Literatura implica entender que a

arte literária se situa em determinado momento no tempo e no espaço,

carregando questões sociais, culturais, políticas e econômicas inevitáveis e

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preciosas. Enriqueceremos a leitura e a análise do texto escrito com elementos

não só históricos, mas, principalmente, lingüísticos, ético-estéticos e

socioculturais, de questionamento crítico e consciente.

A situação é terrivelmente desesperadora quando se trabalha com

crianças. Penso que a falta de diretrizes ou de um currículo somado à falta de

formação de professores de artes leva, dentre outros aspectos, à deturpação

do ensino da arte, uma vez que a grande maioria das escolas busca, no ensino

dessa disciplina, tão-somente a criação de artistas e a oportunidade de criar

momentos de puro lazer, esquecendo-se de que ele - o ensino da Arte – é uma

disciplina como qualquer outra da área das ciências humanas, guardadas as

peculiaridades de cada uma delas, com objetivos e métodos definidos, e que a

ênfase no lúdico durante as atividades com crianças não significa recreação,

mas adequação à linguagem infantil, numa tentativa de assegurar a

comunicação. E é aí onde está o grande “lance” da Literatura como parte

importante do ensino da arte.

Tal como o desenhar, o pintar ou o construir, a arte de ler e

escrever também constitui um processo complexo em que a criança reúne

diversos elementos de sua experiência, para formar um novo e significativo

todo, proporcionando, mais do que um quadro ou uma peça material de arte,

parte de si própria: como pensa, como sente e como vê, o que o faz através

das palavras escritas, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva.

Investigando a fala de diferentes autores e estudiosos, deparei-me

com argumentos que me aquietaram e, dentre os quais:

“... em relação a essa formação, pode-se dizer que a

Literatura é a mais importante das Artes, pois sua matéria é a

palavra, o pensamento, as idéias, a imaginação - exatamente

aquilo que distingue ou define a especificidade do ser

humano” (COELHO, 1987, p.12).

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Busquei, na Literatura Infantil Cearense, o mote para o

desenvolvimento desta pesquisa, deparando-me então com outro entrave: se a

Literatura é vista como mero elemento funcional e não como linguagem

artística, perguntemos então que espaço é dedicado à Literatura Infantil? E

onde se localiza esse espaço?

Sabemos que inexiste uma definição precisa que possa exprimir de

forma consensual o conceito ideológico de Literatura Infantil, posto que muita

polêmica em torno desse assunto ainda é travada e, certamente, por muito

tempo perdurará. Atribui-se a essa dificuldade o fato de que a Literatura Infantil

envolve uma série de aspectos de diferentes esferas e dimensões, quer seja de

caráter individual, quer seja de caráter social.

“Literatura Infantil é, antes de tudo, Literatura; ou melhor, é

Arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o

homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida

prática; o imaginário e o real; os ideais e sua

possível/impossível realização...” (COELHO, 1987, p.24).

Pelo que se pode depreender da citação de Coelho, ao criar, o

homem exerce a capacidade de compreender para, em seguida, relacionar,

contextualizar, configurar e dar significado àquilo que criou. É justamente nesta

busca de ordenação e significados que existe a motivação humana para criar.

Ademais, possuindo um potencial criador constituído de sensibilidade,

consciência e cultura, este é renovado a cada criação, em vez de esgotar-se.

Quanto mais é solicitado, mais esse potencial se amplia.

Outro conceito que muito me aquietou, indo de forma direta ao

encontro de meus anseios e convicções, afirma numa visão muito ampla que:

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“A principal questão relativa à literatura infantil diz respeito

ao adjetivo que determina o público a que se destina. A

Literatura, enquanto substantivo, não predetermina seu

público. Supõe-se que este seja formado por quem quer

que esteja interessado. A literatura como adjetivo, ao

contrário, pressupõe que sua linguagem, seus temas e

pontos de vista objetivam um tipo de destinatário em

particular, o que significa que já se sabe, à priori, o que

interessa a esse público específico... escrito para a criança

e lido pela criança”. (CADERMATORI, 1986, p.8).

Com esta manifestação, a autora pretende mostrar que, na maioria

das vezes, quando se debate o assunto – Literatura Infantil – acaba-se

discutindo o adjetivo, e não o substantivo, isto é, ficam todos falando em

criança, no infantil, e se esquecem de questionar o valor do texto, da Literatura

propriamente. Na verdade, como foi afirmado, olha-se apenas para o mercado,

as características do público alvo, em última palavra, o futuro consumidor,

desprezando-se os aspectos artísticos ou a qualidade estética dos livros. É

lícito afirmar que existem vários autores com essa visão, alguns até tendo

obtido algum êxito, cuja proposta é tão somente formar meros consumidores

em vez de cidadãos conscientes de sua herança cultural. Esquecem

fundamentalmente da sua responsabilidade na formação da criança

leitora/escritora. É necessário, pois, que se busque a mudança dessa conduta.

Assim, sendo, mais se justifica nosso empenho em inserir, numa

proposta de trabalho, experiências literárias, principalmente, ao contexto

cultural regional do qual nossos professores e alunos fazem parte, as quais

lhes permitiriam entrar, através do prazer da Literatura, muito mais

intensamente em contato com o seu mundo, com a vida e o conhecimento de

sua região. As experiências ligadas aos legados da cultura universal e nacional

já estão ai à disposição do público leitor.

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Ainda desconheço a existência de publicações que relatem a

trajetória da Literatura Infantil Cearense, ou mesmo alguma obra que nos

aponte os escritores cearenses que se dedicam à produção desse gênero

literário em nosso Estado. Este é, por assim dizer, um trabalho inédito. Desta

forma, as fontes de pesquisa se baseiam, a priori, em depoimentos dos artistas

literários de nossa terra alencarina.

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2 METODOLOGIA

E ASSIM ACONTECEU...

“O Morena bonita, como é que cozinha, bota a panela no fogo, vai conversar com a vizinha...”

Samba Lelê – Ciranda

O trabalho se constituiu, basicamente, de uma pesquisa

exploratória numa visão sócio poética. Foram descritos e identificados

trabalhos voltados para a Literatura Infantil no Ceará, seus autores, as

dificuldades e limitações no campo dessas produções e de sua disseminação,

o grau de satisfação desses autores quanto aos seus trabalhos, de forma a

conhecer com maior profundidade a ação por eles desenvolvida, com vistas a

facilitar o acesso do público-leitor – a criança – a essas produções.

Com o propósito de identificar os mecanismos de produção da

Literatura Infantil no Ceará, visitamos a Fundação Demócrito Rocha, por ser

uma Instituição que, atualmente, publica maior número de obras produzidas por

escritores cearenses.

Sendo a Literatura Infantil Cearense a tônica deste trabalho,

focamos nosso interesse nas ações desenvolvidas no campo das Artes e

Letras, tendo a oportunidade de entrevistar Socorro Acioli, editora adjunta da

referida Instituição, e, ainda, Daniel Diaz, ilustrador responsável por grande

parte das Artes gráficas das publicações lançadas no mercado livreiro.

Visitamos, também, a Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira e

a Biblioteca Pública Estadual Governador Menezes Pimentel, com o propósito

de verificar a existência de obras infantis cearenses nas referidas bibliotecas,

considerando serem estas Instituições centros de referência, que têm por

função reunir, preservar e disseminar o acervo cultural escrito da sociedade.

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Seqüenciando o trabalho, foram selecionadas quatro escolas da

rede pública e quatro escolas da rede particular de ensino, para uma posterior

visita. Nesse ínterim, em conversa informal, procuramos indagar, dos

bibliotecários e/ou responsáveis pela biblioteca, acerca das ações realizadas

com o intuito de se proceder à divulgação dos textos literários infantis

cearenses junto ao alunado. Nessas visitas nos foi possível, ainda, através do

manuseio do acervo, detectar a quantidade das produções existentes nessas

bibliotecas.

Realizamos, ainda, entrevistas com alguns escritores cearenses

que se dedicam à produção literária infantil em Fortaleza, com o objetivo

conhecer suas percepções sobre a arte de escrever para crianças. E, em seus

depoimentos, tentou-se avaliar em que estado a literatura se encontra na

chamada era globalizada, por força da qual a sociedade caminha a duas

velocidades: de um lado, crianças conectadas ao dinamismo do computador e,

do outro, crianças desnutridas, carentes de pão, diversão e arte.

Nas entrevistas realizadas, procuramos detectar os mecanismos de

produção, divulgação e vendagem dos livros publicados, bem assim a sua

aceitação pelo público ao que se destinam.

Diferentes indagações foram formuladas aos entrevistados, fluindo

naturalmente conforme o desenrolar da entrevista. Aos escritores e

ilustradores, sobre o que os levou a direcionar seus trabalhos para o público

infantil. O que ou quem os estimulou a escrever. No contexto atual, se é

possível um escritor viver de suas produções. Que gênero prefere escrever.

Seus prazeres e dificuldades de produzir Literatura no Ceará.

Aos editores, questionamos sobre os critérios adotados para

seleção de uma obra a ser publicada. Qual o processo realizado na transação

comercial entre editor e escritor. E a média de livros lançados no mercado

anualmente.

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Buscamos, neste leque de escritores, contemplar desde os que são

considerados os precursores do fazer arte literária para nossas crianças, a

exemplo do poeta, professor e escritor Horácio Dídimo, aos mais recentes,

como Almir Mota, que vive desta e para esta arte: a de povoar o imaginário

infantil através da nossa cultura, tão bem expresso nas linhas e entrelinhas de

sua obra.

Enfocamos, ainda, diferentes gêneros literários, desde a poesia,

perpassando pela prosa, pelo conto teatralizado, nos mais variados estilos que

nossos escritores estão produzindo para o público infantil.

Ademais, entrevistamos ilustradores conterrâneos, a exemplo de

Silas Rodrigues, artista plástico que se utiliza da imagem para reforçar a idéia

central da produção literária, associando texto e arte plástica.

Outro gênero pesquisado diz respeito aos quadrinhos, por se tratar

de um material bastante procurado pelas crianças, em fase de iniciação à

leitura, seja por suas cores variadas ou mesmo por seus textos curtos. Para

tanto, buscamos localizar, nas bibliotecas visitadas, espaço destinado tanto à

guarda quanto às atividades desenvolvidas junto às crianças, no sentido de

melhor orientá-las para o uso adequado dos gibis.

A realização da 5ª edição da Bienal Internacional do Livro/Ceará,

em Fortaleza, no mês de outubro de 2002, serviu, indiscutivelmente, como

suporte valioso para o desenvolvimento deste trabalho, proporcionando-nos

uma incursão pelo mundo literário cearense, posto que, com a incumbência de

coordenar as atividades culturais do Pavilhão Infantil, nos foi possível manter

amplos e demorados contatos com vários escritores locais, uma vez que

diversas obras de diferentes autores foram lançadas na Arena Infantil, espaço

destinado aos escritores conterrâneos que se dedicam à Literatura Infantil.

Foram momentos de puro êxtase, num misto de prazer e deleite.

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Seqüenciado, a 6ª edição do referido evento, dois anos após, nos

favoreceu uma visão mais ampla e amadurecida no tocante a produção

editorial, destinada ao público infantil, no Ceará, oportunidade em que atuamos

como contadores de histórias.

Como se pode depreender, o trabalho foi constituído de

observações, anotações e entrevistas. As entrevistas foram tematizadas,

seguindo um roteiro preestabelecido, sem, contudo, se mostrar fechado, sendo

conduzidas de forma prazerosa, num verdadeiro e franco diálogo.

Quanto ao espaço geográfico, a pesquisa limitou-se à cidade de

Fortaleza, no âmbito das bibliotecas públicas e privadas e das escolas de

ensino fundamental e médio já referenciadas, e, ainda, através de entrevistas a

profissionais que lidam com a arte de produzir textos para o público infanto-

juvenil.

No que concerne ao universo e amostra, utilizamos o método de

investigação e levantamento, através de interrogação direta às pessoas, das

quais foram solicitadas informações acerca da temática estudada, obtendo-se,

em seguida, por análise qualitativa, as conclusões correspondentes aos dados

levantados.

No tocante à coleta de dados, o processo utilizado, para o início do

trabalho, foi o levantamento das fontes disponíveis referentes ao tema, que

serviram de fundamentação teórica da pesquisa (observações diretas,

bibliografia, relatórios, entre outros). Posteriormente, utilizamos a entrevista

oral, direcionada aos profissionais pré-selecionados. Foram realizadas, ainda,

entrevistas via “e-mail”, enquanto que outros contatos, igualmente para

obtenção de informações/dados, foram realizados via ligação telefônica, em

razão da extensa agenda de alguns dos escritores que, na impossibilidade de

nos atenderem pessoalmente, optaram por fazê-lo através desses meios de

comunicação tão utilizados na atualidade.

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Á guisa de ilustração, fizemos um levantamento de vários escritores

cearenses que se dedicam á arte de escrever para crianças, cujos

depoimentos ajudaram a enriquecer este trabalho, fornecendo uma breve

biografia de cada um deles, de forma a oferecer ao leitor dados sobre a vida

desses ilustres conterrâneos.

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3 TRAJETÓRIA DA LITERATURA

PELAS TRILHAS DA HISTÓRIA LITERÁRIA

“... Como poderei viver, como poderei viver, sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia...”

Peixe vivo – Ciranda

Toda a história do homem sobre a terra constitui permanente

esforço de Comunicação. A comunicação é uma necessidade natural no

processo evolutivo e remonta os primórdios da história do homem quando, no

afã de transmitir ou exprimir suas impressões, o primitivo ser humano rabiscava

desenhos numa ação instintiva e mecanicista, buscando, através da linguagem

imagística, a compensação de sua incapacidade de comunicação oral.

Em todas as épocas e em todas as culturas, o homem, numa

tentativa de se fazer entender, criou símbolos e lhes atribuiu significados,

buscando no entendimento destes significados a construção da comunicação.

O esforço dos homens nesse sentido foi de tal forma intenso, que,

não satisfeitos de se comunicarem entre si, no presente, entregaram à tradição

oral a tarefa de sobreviverem no futuro. Cada monumento da Antigüidade é

uma representação desse esforço, concretizando o desejo de eternidade do

homem através da comunicação.

Essa grande batalha teve início com a escrita pictográfica,

desenhos rupestres simplificados, registrados nas cavernas, feitas pelos

homens primitivos. A linguagem pictórica (o desenho, a pintura, a gravação e

outras formas de registro regidas pela semelhança), tinha um imenso poder de

representação já que, aparentemente, conseguia evocar diretamente o objeto,

a idéia ou ainda circunstâncias a ele ligadas.

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Posteriormente, a pictografia foi substituída pela escrita cuneiforme,

inscrições simbólicas, feitas em tabletes de argila, cuja leitura revelou ao

mundo a forma de viver dos assírios e babilônios.

Anos depois, ainda utilizando símbolos, surgiu no Egito a escrita

hieroglífica, que continuava a ter caráter de funcionalidade, registrando

conselhos para a agricultura, a medicina, a educação, o comércio e a religião.

Sua decifração abriu ao mundo uma das mais importantes civilizações antigas,

fortalecendo a idéia de que a escrita surgiu pela necessidade de se preservar e

resguardar sua memória, seus conhecimentos acumulados, suas crenças,

mitos, hábitos e valores, através dos tempos.

Os Colossos da Ilha de Páscoa contam alguma coisa de seus

primitivos povoadores: a sua ânsia de comunicação com os deuses,

semelhante à dos templos da Grécia Antiga. Como podemos ver, a escrita foi

sempre uma maneira de representar a memória coletiva, religiosa, científica,

política, artística e cultural.

Somente séculos depois, os fenícios criaram alguns signos que

deram origem às atuais consoantes. Os gregos, a partir dos fenícios, passaram

a usar uma escrita alfabética já com sinais vocálicos, ou seja, com símbolos

que representavam as vogais. Com o passar dos tempos, as letras foram

sendo aprimoradas, o que deu origem ao alfabeto, conhecido hoje por todo o

globo terrestre.

Foi a criação do alfabeto que proporcionou uma grande mudança

na escrita, cuja invenção se constituiu numa das mais extraordinárias

conquistas do homem, por ter tornado perene uma forma de comunicação: as

letras passaram a ser universais, possibilitando a expressão de qualquer idéia

através da escrita/leitura, nas mais diferentes línguas, salvo as peculiaridades

de cada idioma.

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Com a invenção da escrita desaparece o mundo mítico da pré-

história, consolida-se a palavra, fugindo o homem ao jugo da tradição oral para

a nova autoridade da letra.

Sabemos que muitos foram os instrumentos utilizados para se

deixar registrados os conhecimentos do homem: as cavernas, os templos, os

tabletes de argila, pedaços de madeira, o papiro e o pergaminho. Contudo,

somente com a invenção do papel e, posteriormente, com o advento da

imprensa, no século XVI, foi que o processo escrita/leitura gradativamente se

tornou popular, a partir de quando os livros passaram a ser editados em maior

número, possibilitando o seu acesso a um significativo contingente de pessoas.

Com a invenção da imprensa, a escrita passa a oferecer aos homens o acesso

direto a diferentes formas de pensar.

Foram necessários muitos anos para que o livro perdesse seu

caráter unicamente prático, o de guardião de informações científicas e

humanas, passando a assumir também, o papel de disseminador de sonhos e

fantasias.

Mas, durante esse processo histórico, onde se encaixa o conto?

Onde se enquadram as histórias lúdicas? Onde se encontra a escrita/leitura,

prazer sem obrigatoriedade de aprender e apreender o saber humano?

Talvez no contar e ouvir histórias. O contar histórias deve ter sido a

primeira manifestação artística surgida, depois da linguagem articulada,

porquanto eram mínimos os recursos utilizados com essa finalidade, onde se

destacava o domínio expressivo da oralidade, atrelado à criatividade e à

sensibilidade de ver e sentir a vida.

Durante séculos, a cultura do povo se manteve na memória viva

dos contadores de histórias. Homens das sociedades tribais primitivas se

reuniam ao redor das fogueiras para ouvir e contar histórias. E, através da

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história narrada, se podia adentrar na memória do mundo, conhecer outras

épocas, outros seres, outras formas de se ver e sentir a vida, pois a história

narrada tem o poder de suscitar o imaginário, de evocar pensamentos e

sentimentos.

Os homens criavam histórias e mitos para justificar determinados

fenômenos. As histórias não só distraíam como instruíam, pois as narrativas e

os mitos imaginários tinham a função de preservar os valores mais importantes

da comunidade e, ainda, de organizar o comportamento desse grupo social, de

forma a integrá-lo na comunidade, a partir da percepção dos códigos culturais

vigentes. Então, eram personagens e enredos que serviam de ensinamentos.

Essas histórias eram contadas em todos os tempos, em todas as sociedades e

em todas as línguas.

Os significados simbólicos das histórias estavam, e ainda

continuam, ligados aos eternos dilemas que o homem enfrenta ao longo de

seu amadurecimento emocional, quando se dá a evolução, a passagem do eu

para nós.

“... lidas ou contadas as histórias constituem-se em generoso

processo educativo, pois ensinam recreando, dando a criança

os estímulos e motivações apropriadas para satisfazer sua

tendências, seus interesses, suas necessidades, seus

desejos, sua sensibilidade.” (MALAMUT, 1990, p.5).

Conta-se que a Literatura Infantil se originou a partir das narrativas

de Calila e Dimna, que surgiram na Índia por volta do século VI a.C., através da

tradição persa.

Contudo, alguns estudiosos têm partido do pressuposto de que só

se pode, realmente, falar em Literatura Infantil a partir do século XVII, época da

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reorganização do ensino e da fundação do sistema educacional burguês.

Segundo essa linha de pensamento, antes disso, não haveria propriamente

uma infância no sentido que conhecemos. As crianças vistas como adultos em

miniatura, participavam, desde a mais tenra idade, da vida adulta. Não havendo

livros, nem histórias dirigidas especificamente a elas, não existiria, portanto,

nada que pudesse ser chamado de Literatura Infantil. Por este viés, as origens

da Literatura Infantil estariam nos livros publicados a partir dessa época,

preparados especialmente para crianças com intuito pedagógico, utilizados

como instrumento de apoio ao ensino. Como exemplo, podemos apontar a obra

Orbis Sensualium Pictus (1658), de Comenius, criada com o propósito de

ensinar latim através de gravuras, um antepassado, sem dúvida, do nosso livro

didático ilustrado para crianças.

Controvérsias à parte, é certo que, as narrativas mais antigas giram

em torno da realidade vivida naquela época, com a vitória dos fortes sobre os

fracos, a luta pelo poder através de quaisquer meios, a astúcia dos bons para

escapar à prepotência dos maus, a utilização dos animais para representarem

as ações dos homens. Como toda arte, a Literatura expressa a forma de ver e

pensar a vida de uma comunidade, retratando seus valores, seu quadro

político, social e ideológico.

As histórias contadas pelo povo, ou seja, as lendas e tradições

folclóricas, são a principal fonte de inspiração da Literatura Infantil. Estas, com

seus personagens fabulosos foram recolhidas, adaptadas e publicadas para o

público infantil e infanto-juvenil por grandes autores que, independente de seu

desaparecimento, ainda integram a galeria de escritores renomados, como

Charles Perrault, William e Jacob Grimm, Fénelon, Hans Andersen Christian e

Carlo Collodi. É, sem dúvida alguma, o homem se perpetuando através de sua

obra, de sua arte literária.

Quem não acompanhou a transformação do patinho feio em cisne,

ou não se emocionou com o encontro da bailarina com o soldadinho de

chumbo, ou, ainda, não vibrou com o triste fim da madrasta de Cinderela?

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São clássicos infantis narrados por grandes mestres literários que,

ao longo do tempo, vêm povoando o imaginário das crianças de todo o mundo.

Com o tempo, alguns desses enredos se modificaram, se aprimoraram ou

ganharam novos elementos. Contudo, jamais deixaram de distrair, encantar e

mesmo provocar emoções diferenciadas nas crianças do mundo inteiro.

Registros apontam que os primeiros livros impressos para crianças

surgiram por volta do final do Século XV, e, entre eles, destaca-se o Book of

Courtesy, do inglês William Caxton, que versa sobre boas maneiras.

Paralelamente a esta publicação, passaram a circular pelas ruas de

alguns países pequenos livretos contendo lendas antigas e contos tradicionais

populares, os quais eram vendidos por ambulantes e largamente adquiridos

pelo público leitor.

3.1 Primórdios da Literatura Infantil no Brasil

O Desembarque Nas Terras Brasileiras

No Brasil, a Literatura Infantil assume características bastante

originais, agregando valores portugueses, africanos e indígenas. A literatura

oral, trazida pelos primeiros colonizadores, era narrada pelas avós que

entretinham as crianças com histórias de exemplos. A elas juntaram-se as

narrativas das escravas negras que peregrinavam pelos engenhos,

transmitindo-as às outras negras, amas dos meninos brancos. O contato com a

cultura indígena trouxe inúmeros elementos que vieram enriquecer esse

imaginário, como as figuras de Iara, do Caipora e de muitos outros.

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Somente com a implantação da Imprensa Régia, em 1808, inicia-

se a atividade editorial no Brasil, seguindo-se, posteriormente, a produção

literária destinada ao leitor infantil. A princípio, predominavam as traduções de

clássicos estrangeiros e, também, as adaptações de contos portugueses, das

quais se pode destacar Gonçalo Fernandes Trancoso, escritor português que

reuniu narrativas de origem oriental e relatos da Idade Média. Essas narrativas

correram o mundo, sendo hoje conhecidas como Contos de Trancoso.

A primeira reação veio através da literatura escolar, que se

caracterizava por ser genuinamente educativa, e da qual podemos citar as

obras D. Jaime, de Tomás Ribeiro, e O Tesouro da Leitura, de Abílio César

Borges, o famoso barão de Macaúbas.

Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel foram os pioneiros que se

encarregaram da tradução e adaptação de obras estrangeiras para as crianças

brasileiras. Gradativamente, outros autores foram surgindo e lançando livros

que retratavam a realidade brasileira, como Júlia Lopes de Almeida, que

publicou Contos Infantis, dentre várias outras obras.

Contudo, foi com Monteiro Lobato que a produção editorial infantil

tomou grande impulso, passando a ganhar corpo e definição. Seus

personagens fantásticos retratavam, de forma surpreendente e verdadeira, a

realidade brasileira, tais como o Jeca Tatu, protagonista de seu livro Urupês,

produzido para o público adulto, que com muita propriedade falava da miséria e

do descaso dos governantes em relação ao homem da roça.

Monteiro Lobato, dono de estilo simples e direto, conquistou

rapidamente o público infantil, quando lançou sua primeira versão de A Menina

do Nariz Arrebitado, narrando as peripécias de uma avó, sua neta órfã, Lúcia, e

a inseparável Emília, uma boneca de pano que falava o que pensava, e, ainda,

tia Nastácia, negra crédula e supersticiosa. A partir desses personagens, vários

outros foram surgindo e povoando o fantástico e fabuloso Sítio do Picapau

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Amarelo, lugar que tão bem representava o ambiente do interior, cheio de

encantamento e eterna diversão, onde o sonho é possível e a realidade,

através da fantasia, passa a ser vista sob novos ângulos. . Nesse sentido,

Lobato terce um comentário de forma lúdica, mas repleto de significados:

“Surgiu uma literatura sob medida que não se impõe à criança

mas deixa-se impor pela criança e desse modo satisfaz de

maneira completa às exigências especialíssimas da

mentalidade infantil[... porque gostam as crianças de ler meus

livros? Talvez pelo fato de serem escritos por elas mesmas

através de mim. Como não sabem escrever admito que me

pedem que o faça”. (LOBATO, 1962, p.149)

O ápice da produção literária, destinada ao público infantil, ocorreu

no Brasil em meados da década de 1970. Registros indicam que nunca se

produziu tanto em tão pouco tempo para esse público especial.

Dentre os vários fatores que contribuíram para a proliferação deste

gênero literário se destacam a implantação do curso de Literatura na grade

curricular das universidades brasileiras e a conscientização por parte dos

governantes de que, paralelamente às campanhas de erradicação do

analfabetismo, a exemplo do MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

- era imprescindível que se realizasse um trabalho processual e gradativo no

sentido de se combater a ignorância de conhecimento mínimo do domínio da

leitura e da escrita, que predominava em nossas crianças. Várias campanhas

foram veiculadas na mídia e, reforçando a proposta, o INL – Instituto Nacional

do Livro, destinou prêmios de incentivo à produção literária, para escritores e

ilustradores.

Estas ações favoreceram substancialmente o aprimoramento das

produções destinadas ao público infantil, em especial, tanto no aspecto da

qualidade do texto quanto nos predicativos da ilustração, passando ambos a

receber um tratamento mais rico e diversificado, conferindo, assim, voz e vez

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aos novos e talentosos artistas literários e gráficos. A partir daí, esses

profissionais passaram a ser mais respeitados e valorizados no mundo

editorial.

A ilustração, particularmente, recebe uma atenção mais técnica,

posto que ela, tanto quanto o texto, narra e informa. Por essa razão, tem que

ser bela, atraente e comunicativa, considerando-se que o exercício da arte de

narrar, através de belas imagens, representa o elo mais sólido e autêntico entre

o ilustrador e a criança.

Nesse cenário surgem verdadeiras obras de artistas gráficos, que

se utilizam de diferentes meios para enriquecer e fortalecer as idéias escritas

pelo autor, a exemplo de Cláudio Martins, Tato, Ricardo Azevedo, Marcelo

Xavier, entre tantos outros.

É importante que se registre a existência de livros infantis cujo teor

se mostra unicamente pela leitura de imagens e que, por si sós, nos encantam

e nos comovem com suas narrativas ilustrativas. Esses livros proporcionam o

exercício de nossa capacidade de imaginar e de realizar associações e

inferências. A leitura do não-verbal dá-nos a oportunidade de desenvolver

atividades orais e escritas a partir do texto não-verbal, reproduzindo-o e

recriando-o a partir de outras linguagens. São ilustradores com altíssimo

conhecimento gráfico e grande sensibilidade, fazendo com que suas histórias

nos toquem profundamente, como a obra História de Amor, de Regina Coelli

Rennó, e O último Broto de Rogério Borges.

Presentemente, muitos autores estão surgindo no cenário literário

infantil. São escritores que inovam no seu fazer artístico, artistas que vão além

dos códigos já determinados e que, como num passe de mágica, misturam

palavras, cores e formatos, tornando a leitura mais instigante, estimulando no

leitor uma leitura simbólica, tensa, intensa, carregada de sonhos e fantasias,

aflorando a imaginação e a criatividade, provocando risos e lágrimas na mais

pura emoção, num ato de verdadeiro reconhecimento e interação com o texto.

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As novas tecnologias, por sua vez, trazem recursos que aprimoram

e transformam os processos gráficos, tornando os livros verdadeiras obras de

arte, pela soma de seus conteúdos, textos e imagens.

Vários são os contos nacionais que, por seu excelente conteúdo,

abraçaram outras linguagens artísticas, a exemplo do Menino Maluquinho, de

Ziraldo Pinto, sucesso absoluto no cinema, Pluft, o Fantasminha, de Maria

Clara Machado, adaptado para o teatro e que foi agraciado com vários

prêmios, O Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, hoje apresentado

em terceira edição nas telas da televisão brasileira.

Outro grande exemplo é o clássico Iracema do célebre e imortal

José de Alencar, que outrora contado em quadrinhos, hoje ganhou espaço nas

telas dos computadores, quando a virgem dos lábios de mel passou a ser a

protagonista de um jogo interativo. E ainda, recentemente, foi adaptado para o

público infantil pelo dramaturgo Ricardo Guilherme em parceria com Karlo

Kardozo, essa edição amplia e atualiza a dimensão poética do texto alencarino.

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4 HISTÓRIA EM QUADRINHOS

A IMAGEM COM HISTÓRIAS E A HISTÓRIA DA IMAGEM

“... Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão, bi-rim-bão bão bão, bi-rim bão bão...”

Pai Francisco - Ciranda

Os quadrinhos, largamente difundidos no século XIX, surgiram em

1740, com a criação de imagens piedosas produzidas pelos irmãos Gabriel e

Nícollas Pellerim. Em 1846, o professor Rodolf Topffer publica, em Genebra,

Histories en Estamps, representadas por aventuras em quadrinhos. E, daí por

diante, esta expressão artística ganhou adeptos no mundo inteiro.

Contudo, foi com os jornais que as histórias em quadrinhos

receberam grande impulso, através da acirrada concorrência pelo mercado de

leitores de dois destacados jornais americanos, o New York World, de Joseph

Pulitzer, e o New York Journal, de William Randolph Heart. Através de

suplementos coloridos, encartados nas edições dominicais, aqueles jornais

competiam exaustivamente pelo aumento da tiragem e circulação. Faziam

parte dessas competições alguns desenhos cômicos em que aparecia um

personagem heróico que veio a ser conhecido como The Yellow Kid – O

Menino Amarelo, arquétipo aventureiro e humorístico de uma criança norte-

americana, vivenciando o cotidiano da vida familiar. Seu criador, o cartunista

Richard F. Outcault, foi o primeiro artista a introduzir o diálogo junto aos

personagens dentro dos balões. Até então, os textos apareciam em legendas,

no rodapé da revista.

Produto da proliferação do jornalismo de massa, iniciado no ápice

da Revolução Industrial, as aventuras narradas em quadrinhos absorvem

milhares de pessoas no mundo inteiro.

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Essa expressão artística constitui uma espécie de confluência das

técnicas de cinema, fotografia e literatura, compreendidas como símbolos

culturais populares, mas que possuem, antes de tudo, uma linguagem própria,

interessante e de fácil assimilação, geralmente apresentando muita ação,

embora suficientemente breves para prender a atenção e não saturar o leitor.

Genericamente, são classificadas em épica, policial, barroca, política e

doméstica.

As histórias em quadrinhos constituem um processo de

comunicação que utiliza dois códigos de signos gráficos: a imagem, que é

obtida pelo desenho, e a linguagem escrita, ambas se complementando de

forma a fazerem parte do sintagma narrativo.

A imagem tem a função figurativa de representar analogicamente

uma realidade, de forma a construir mensagens simbólicas, utilizando-se, para

isso, dos ícones, que têm a função primeira de imitar e servem para

representar e reproduzir o real, a sua forma física, tendo relação direta com o

objeto.

O signo lingüístico é o elemento essencial da comunicação, tendo

nas histórias em quadrinhos a função de conduzir a narrativa, e apresenta-se

em forma de legenda e/ou de balão. A legenda é um elemento externo à ação,

é o discurso impassível do narrador.

Outra simbologia bastante utilizada se reporta aos sinais gráficos,

que têm a função principal de tornar visíveis os ruídos, procurando imitar o som

natural da coisa significada, os quais, de forma harmoniosa, se integram à

imagem.

O advento de novas tecnologias contribuiu consideravelmente para

o aprimoramento das histórias em quadrinhos, facilitando e enriquecendo a sua

produção gráfica, barateando o seu custo, levando-as a um consumo

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democrático por parte de um público com gosto mais apurado e de faixa etária

variável, em especial a criança, tratando-se de uma leitura lúdica e prazerosa,

elementos bastante atrativos no processo de iniciação da leitura.

No Brasil, Chiquinho e Jagunça foram os primeiros personagens

de uma revista em quadrinhos intitulada Tico-Tico, lançada em 1905, sendo

informativa e lúdica, era também lúcida na informação, recreativa no modo

como educava, com jogos de armar, adivinhações, teatrinho de sombras,

cartas enigmáticas. Escritores como Olavo Bilac, Oswaldo Orion, Murjlo Araújo,

Catulo da Paixão Cearense, Josué Montello, escreveram para o Tico-Tico,

desvendando às crianças todo um mundo fascinante que é o da Literatura.

No período Vargas, o jornal Gazeta lançou a Gazeta Infantil ou

Gazetinha, como era popularmente conhecida. Posteriormente, surgiu a revista

Gibi, denominação que até hoje é sinônimo de revista em quadrinhos. Várias

outras foram surgindo, buscando alcançar e, sobretudo, agradar o gosto

apurado das crianças, a exemplo de O Gury e Comics Books.

Outra revista de bastante sucesso trazia como personagem

principal o Jerônimo, O herói do sertão, paladino da justiça e andarilho dos

sertões brasileiros, ele estava sempre à disposição, onde quer que o bem

precisasse triunfar. Tendo ao lado o inseparável ajudante Moleque Saci, foi um

herói de quadrinhos que surgiu em 1957 e fez a alegria dos fãs durante 62

edições mensais e cinco almanaques especiais, escritos por Moysés Weltman,

desenhados por Edmundo Rodrigues e publicados pela RGE.

Surge no cenário das histórias em quadrinhos Ziraldo Alves Pinto,

com seu personagem Pererê, que se mostra revolucionário por abordar temas

como reforma agrária e ecologia. Ziraldo nos contempla, ainda, com outros

heróis genuinamente brasileiros, como The Supermãe e o Menino Maluquinho.

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O humorista cearense Renato

Aragão, em 1980, também se lança no

mundo editorial, publicando sua primeira

edição em quadrinhos junto com Dedé,

Mussum e Zacarias, que mostrava as

aventuras dos quatro Trapalhões. Em

2003, produz a revista A Trupe do Didi,

que é composta por diversos personagens

que são vistos nas revistas voltadas para

o público infantil, Aventuras do Didizinho,

Revista do Didi, Revistinha de Pintar.

Maurício de Souza desponta para consolidar os quadrinhos como

diversão, cultura e arte, cujos personagens por ele criados mantêm estreita

intimidade com as crianças, a exemplo da Mônica, do Cascão, do Cebolinha e

de vários outros.

Acompanhando essa onda, os personagens de Lobato ganham

espaço nas histórias em quadrinhos.È lançada no mercado em 1997, o Sítio do

Picapau Amarelo. As histórias absorviam o mesmo clima da TV, seguindo a

linha de temas folclóricos e regionais, mas sem deixar de entrar em assuntos

mais normais, como a clássica aventura em que Tia Nastácia é convocada

para a Seleção Brasileira - rumo à Copa de 1978 -, a fim de preparar quitutes

para os jogadores. Isso aconteceu na edição nº 13. A revista durou até o

começo dos anos 80.

A Trupe do Didi e Pintando com o Didizinho, foram as produções

iniciais de uma série. As histórias são sempre bem-humoradas e, em geral, Didi

é o herói que sempre se dá bem no final, depois de algumas trapalhadas. Aliás,

essa sempre foi a fórmula de Didi e dos Trapalhões, quer seja no cinema, na

TV ou nos quadrinhos.

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È inegável que nos dias de hoje, as histórias em quadrinhos

conquistaram seu espaço e o gosto do público em geral. Em nosso cotidiano,

jornais, revistas, televisão, livros se incubem de possibilitar o contato com os

quadrinhos.

Não devemos esquecer de mencionar a artista plástica paulista Eva

Furnari e seus inúmeros livros que trazem em seu bojo a Bruxinha como

personagem principal. São histórias contadas através de tiras, sem texto, que

nos fazem rir, nos emocionam e, algumas vezes, nos conduzem a reflexões.

Mistério, ação, surpresa, humor são ingredientes essenciais estampados nos

quadrinhos dessa brilhante escritora.

No Ceará, nome como o de Mino (Hermínio Macedo Castelo

Branco) consagra-se por tornar popular o Capitão Rapadura, que teve sua

aparição em 1973, referenciando-se às situações sociais e políticas, ora vividas

pela sociedade cearense. É ainda da autoria de Mino o Almanaque Mino,

produção carregada de criatividade e humor com ricas ilustrações. Artista que

reúne diversas facetas, Mino é escritor, ilustrador e editor, tendo-se consagrado

nacionalmente quando, em parceria com Ziraldo Pinto, lançou o livro O

Pequeno planeta perdido.

É oportuno apontar, também, o nome de Daniel Brandão,

excepcional artista que colaborou com a proliferação das histórias em

quadrinhos, em Fortaleza, sendo agraciado com diversos prêmios em

diferentes categorias. Atualmente, ministra cursos para crianças e adultos, em

seu Estúdio Daniel Brandão Quadrinhos e Artes Gráficas.

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Exemplo digno de registro é o do Senhor Silvio Roberto Neves

Amarante, colecionador de gibis desde os oito anos de idade, que fez do seu

hobby sua atividade profissional e da qual é hoje uma referência cearense e

A Universidade Federal

do Ceará, através do Curso de

Comunicação Social, mantém a

Oficina de Quadrinhos sob a

coordenação do Professor Geraldo

Jesuíno. São publicações de

profissionais que estão se

preparando para o concorrido

mercado dos quadrinhos. Dentre as

publicações está Pium, histórias

criativas, cheias de ação e emoção.

Ainda, sob a

coordenação do professor Geraldo

Jenuíno, foi lançado, em 1996,

Iracema em quadrinhos, romance

de José de Alencar, quadrinizado

por Paulo Henrique Gifoni. Teve o

propósito de resgatar e divulgar

uma das mais valiosas e

importantes lendas regionais. Um

projeto do Ministério da Cultura e

do IPHAM.

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nacional. É ele um dos maiores colecionadores de quadrinhos do Brasil,

mantendo permanente contato com outros colecionadores famosos.

É de sua propriedade a Empresa Casa da Leitura, fundada em

1993, localizada na avenida Pontes Vieira, nº 1843, cujo nome de fantasia é

Casa da Revista & Cia. Mantém um considerável acervo de revistas à

disposição do público leitor, nacionais e internacionais, além de outros produtos

voltados à leitura em geral.

Segundo informações obtidas junto ao senhor Edglê, gerente e

funcionário daquela empresa desde sua fundação, a Casa da Revista vende

quase todos os tipos de revistas publicadas no Ceará e no Brasil, além de

algumas internacionais, destacando que as nacionais atualmente registram

maior volume de vendas, em virtude das constantes elevações do dólar, que

encarecem substancialmente o preço das revistas internacionais.

Mesmo assim, ainda segundo depoimento por ele prestado, as

revistas de quadrinhos Mangai, editadas no Japão e traduzidas para o

português, registram grande vendagem, não apenas junto ao público infanto-

juvenil, como aos adultos das mais variadas idades.

Inquirido acerca da procura e vendagem de revistas de histórias em

quadrinhos produzidas por escritores cearenses, o mesmo informou que as

produzidas por Mino, com destaque para Rivista e Capitão Rapadura, são as

mais procuradas, até mesmo pelo preço dos seus exemplares, bastante

convidativo.

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A Casa da Revista mantém um seleto grupo de fies freqüentadores

e consumidores, registrando um volume de vendas razoável, se comparado às

bancas de revistas nos mais diversos recantos de Fortaleza.

Capitão Rapadura, personagem

nordestino que se apega aos valores

regionais. Muitas vezes, em seus textos

são lembrados célebres personagens

como Antônio Conselheiro, Padre Cícero,

Zumbi e vários outros.

Fábula política e social, digna de

ser lida por todos nós, eleitores,

candidatos, enfim, cidadãos.

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5 LITERATURA REGIONAL

O QUE É DE DENTRO, O QUE É DE FORA

“... Escravos de Jó, jogavam caxangá, tira, bota deixa o Zé Pereira ficar, guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá...”

Escravo de Jô – Ciranda

Definir o conceito de regionalismo na Literatura remete-nos a uma

ampla temática oriunda de meados do século XX, quando do surgimento do

pré-modernismo autores regionalistas, a exemplo de Euclides da Cunha,

Monteiro Lobato, Graça Aranha, Rachel de Queiroz, entre vários outros,

focalizavam, diluídas em suas obras de ficção, questões de maior relevância

para o ser humano.

A Literatura regional reflete as tendências e mudanças que ocorrem

nos centros disseminadores de cultura do país. O modernismo repercutiu em

todos os estados brasileiros, despertando nos escritores o desejo de buscar

novos caminhos, de realizar uma literatura que expressasse a realidade, o ser

humano e seu existir-no-mundo, esse processo implicou em romper com o

academismo.

Esse gênero literário pressupõe uma abordagem da realidade

vivida pelo homem em meio às suas paisagens, linguagens, valores culturais e

condições sócio-econômicas, ou seja, um registro literário das raízes históricas,

usos, costumes de um povo. É inegável a valiosa contribuição do regionalismo

ao desenvolvimento e aprimoramento para a literatura, uma vez que grandes

autores marcaram com suas obras fases importantes da nossa história literária.

Outro aspecto de grande relevância é a difusão, através destas

produções editoriais, das falas e tradições típicas que caracterizam os

diferentes povos que habitam nosso país, sem elas, o Brasil, não se conheceria

a si mesmo. Isso numa visão mais restrita, pois se considerarmos que a

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literatura viaja mundo a fora, alçando vôos mais distantes, veremos que as

culturas de diferentes paises estão sendo socializadas, numa ação globalizada.

A problemática de cultura regionalista da sociedade contemporânea

faz instalar uma nova cultura globalizada, intermediada por diferentes meios

de comunicação, publicações literárias e científicas, televisiva, Internet e

mesmo o trânsito constante de pessoas, dentre outros fatores que, de certo

modo, valorizam e disseminam, no mesmo movimento do tempo/espaço, as

culturas locais e as diferenças culturais, provocando assim, uma mudança de

paradigma na produção e na divulgação do conhecimento.

Acessar e adquirir conhecimento podem ser atos solitários. Porém,

a construção de significados implica necessariamente em negociá-los com os

outros. Através da interação, da troca, o ser humano tem acesso à

universalidade dos significados socialmente reconhecidos como verdadeiros e

aos saberes científicos, estéticos, culturais, religiosos e políticos, que

constituem a base da identidade de toda e qualquer sociedade. Dessa forma,

as diferentes culturas que compõem uma determinada área geográfica,

passarão a ser conhecidas e reconhecidas por todos, agregando sabores,

somando e dividindo o que sabe, o que sente e o que vê, numa grande

comunhão solidária.

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6 A LITERATURA INFANTIL NO CEARÁ

E ASSIM ACONTECEU...

“... Oh! Dona Maria, oh! Mariazinha, entra nesta roda ou ficará sozinha!...”

Fui ao Tororó – Ciranda

A história da Literatura Infantil no Ceará data de um tempo não

muito distante, sendo razoável afirmar que ela está, ainda, na fase do

engatinhar, ou seja, dando os passos iniciais para se firmar no seleto cenário

nacional.

Segundo depoimento Geraldo Jesuíno, professor do Curso de

Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará, artista gráfico, escritor

e diretor da Imprensa Universitária da mesma Instituição, por volta de trinta

anos algumas publicações foram lançadas em nossa Capital, o que

representou um verdadeiro caráter desafiador e solitário.

Tratava-se de escritores que, apaixonados pela Literatura Infantil,

obstinadamente lançavam suas obras no mercado, as quais eram vendidas de

forma acanhada a amigos e distribuídas nas poucas livrarias locais. Esses

escritores detinham excelente poder aquisitivo e, por isso, tinham condições de

produzir, editar e lançar suas publicações sem maiores preocupações com

tiragem, vendagem, lucro, etc. Como exemplo, podemos citar a obra O Menino

e o Arco Íris, de Artur Eduardo Benevides, com data de copiragem de 1975

(exemplar que tenho em mãos). Referida obra contempla textos poéticos,

trazendo em seu bojo raras ilustrações a bico de pena.

Outro artista a mencionar é Diogo Fontenelle, odontólogo, artista

plástico e grande aficionado pela Literatura Infantil, que publicou, em 1972,

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Baila-Balão, com poesias curtas e ilustrações a bico de pena, em todas as

páginas.

Nesse período inexistia uma política de amparo à editoria local,

que assegurasse ao escritor o mínimo de incentivo para publicação de sua

produção literária.

Contudo, fora do Estado, mais uma vez brilhava a estrela da nossa

ilustre e saudosa conterrânea Rachel de Queiroz, que, em 1969, lançava sua

primeira obra infantil, intitulada O Menino Mágico, impressa por uma editora do

sul do País, e que veio a ganhar o prêmio Jabuti de Literatura Infantil,

patrocinado pela Câmara Brasileira do Livro. Depois, outras produções de sua

autoria, igualmente destinada ao público infantil, foram lançadas no mercado:

Andyra (1992), Cafute & Pena de Prata (1996), Xerimbabo (2002) e Memórias

de menina (2003). É oportuno registrar, neste trabalho, o extraordinário talento

literário dessa mulher de fibra, fala e sentimento nordestinos, de cujos valores

não abria mão e os proclamava onde estivesse, reconhecidos em todo o

mundo, e que se faz respeitar através de seus textos literários.

Em 1981, a Literatura Infantil Cearense ganha grande impulso com

a consolidação do Projeto A Biblioteca da Vida Rural Brasileira, uma parceria

da Universidade Federal do Ceará com o Ministério da Educação e Cultura.

Programa de leitura pioneiro no Nordeste, consistia em produzir e publicar

obras de caráter regional, contemplando várias coleções: Trancoso, Cordel,

Teatro e Escola, cujo objetivo era levar leitura e informação às comunidades

periféricas rurais.

Em decorrência desse projeto, foram lançados, em média, mais de

cinqüenta títulos, distribuídos gratuitamente para a sua clientela em especial,

ou seja, as crianças das comunidades carentes. Essas produções traziam em

seu bojo textos breves, combinados com abundantes imagens à base de

monocromia. Ao final de cada obra, eram apresentadas sugestões

pedagógicas, de forma a melhor explorar a história.

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O professor Geraldo Jesuíno afirma que “neste Projeto não apenas

as crianças tiveram acesso a um trabalho pedagógico de alta qualidade,

desenvolvido tanto para as da cidade quanto para as do Interior, como permitiu,

também, que as equipes formadas por professores, ilustradores e escritores se

deslocassem para conhecer a realidade da vida rural. Para tanto, fizeram

pesquisas, conversaram com as crianças das localidades visitadas, enfim

conheceram a real cultura desse povo específico, recolhendo seu vocabulário,

entendendo seu imaginário, seu meio, sua cultura, angariando subsídios para

melhor retratar a realidade daquele povo, através de textos literários”.

O que se pode observar nos títulos publicados por esse Projeto é

um apurado senso profissional, posto que, antecedendo à produção do texto,

era realizada uma pesquisa criteriosa e valiosa, com o propósito de recolher

dados para melhor retratar simbolicamente, através de personagens ficcionais,

a realidade vivida por aquele povo em especial... Era a Literatura Infantil

servindo de instrumento essencial de prazer, informação e formação.

Através do Projeto Biblioteca da Vida Rural, novos autores foram

revelados, com destaque para os escritores Vanderlou, Maria Elias Soares,

Marita Balsells e vários outros.

Ainda de acordo com o depoimento do professor Geraldo Jesuíno,

“muitas oportunidades foram oferecidas através deste Projeto, não só em nível

de escritores, como também de ilustradores, equipe editorial e fotomecânica,

enfim para um grupo valioso de novos talentos envolvidos com a produção

editorial”.

Em meados da década de 1980, a verba aprovada pelo governo

federal para a realização do Projeto foi sendo gradativamente reduzida, o que

resultou no significativo comprometimento da qualidade das publicações, até

que, por absoluta falta de apoio financeiro, o Projeto foi finalmente extinto, com

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considerável prejuízo para a sociedade, principalmente para os fiéis leitores

que já haviam sido beneficiados com as suas produções.

Outra ação que veio contribuir substancialmente para a produção

da Literatura Infantil no Ceará foi a implementação da cadeira de Literatura

Infantil, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Ceará, em 1987. O

professor Horácio Dídimo, licenciado em Letras e bacharel em Direito, mestre

em Literatura Brasileira e doutor em Literatura Comparada, foi o empreendedor

desta inovação e, ainda, o primeiro e, por muito tempo, o único professor dessa

disciplina.

A Universidade Federal do Ceará foi uma das primeiras, no ranking

nacional, a incluir, no seu currículo de graduação, a disciplina. Através deste

estímulo, novos talentos foram gradativamente lançados no mercado, como

afirma o professor Horácio Dídimo: “Eu mesmo fui incentivado a produzir textos

infantis a partir da existência desta cadeira”. E citou, como exemplo, seus livros

A Cara dos Algarismos e o Mestre Jabuti.

O mestre Horácio Dídimo opta em sua obra, na maioria das vezes,

por um gênero poético, textos breves, de profundo conhecimento e

sensibilidade apurada, recheados de otimismo e esperança, desembocando

numa efervescente religiosidade, como ele mesmo declara: “Passei a ver a

palavra poética, a palavra literária como reflexo de Deus, da palavra divina.

Vejo até um sentido trinitário na própria palavra, porque ela é formada de

silêncio, de som e de sentido. E eu vi, nisso aqui, uma imagem trinitária do

silêncio criador do Pai, da palavra redentora do Filho e do sentido santificador

do Espírito Santo”.

A partir daí, grandes nomes foram surgindo no cenário da Literatura

Infantil cearense, como Helena Lutéscia, Elvira Drumond, Heitor Simões, Mino,

Lauro Sérgio e tantos outros, enriquecendo o acervo de produções voltadas

para uma clientela muito especial, a criança.

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Instituída em 11 de abril de 1985, pela Empresa Jornalística O

Povo, a Fundação Demócrito Rocha é uma Entidade privada, sem fins

lucrativos que atua em diferentes segmentos da sociedade, como na

Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, nas Artes e Letras, na Comunicação

Social e, ainda, na Saúde e no Desenvolvimento Regional, buscando em suas

ações canalizar, estimular e difundir a criatividade, o saber e o fazer do nosso

povo.

A Fundação Demócrito Rocha detém, atualmente, um grande

poderio no que se refere a publicações destinadas ao publico infantil em nosso

Estado. Com efeito, desde 1989 vem desenvolvendo um projeto editorial de

qualidade, que busca, entre outras ações, estimular a produção literária local,

e, através desta produção, preservar as mais variadas manifestações culturais

de nosso povo.

Do depoimento colhido junto a Socorro Acioli, editora adjunta da

Fundação Demócrito Rocha, graduada em Comunicação Social, mestre em

Literatura Infantil e ainda escritora, podemos afirmar que essa Entidade vem se

consolidando rapidamente no mercado editorial, cearense e brasileiro, com

livros que abrangem diversas áreas do conhecimento. A Literatura Infantil, por

sua vez, vem ganhando espaço no universo literário, não só em nível regional,

bem assim em nível nacional. Reforçando, afirma a depoente que: “uma média

de doze a treze títulos infantis foram lançados em 2002, e que essa média vem

crescendo ano após ano, e sua divulgação está ganhando espaço nacional,

chegando algumas obras a serem elogiadas nos jornais Folha de São Paulo e

O Estadão”.

Ainda segundo Socorro Acioli, isso se dá em razão do processo de

divulgação, que vem se aprimorando gradativamente. Alguns títulos estão

sendo colocados no circuito editorial nacional, via grandes livrarias. Em

Fortaleza, além de encontrar as obras de nossos conterrâneos em diferentes

pontos de vendas, pode-se adquiri-los na própria loja da Fundação Demócrito

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Rocha, situada na Avenida Aguanambi, 282, em sua loja virtual

WWW.fdr.com.br.

Um fato que vem confirmar a proliferação da Literatura Infantil em

nosso Estado se reporta ao lançamento de vários títulos, promovido pela

Fundação Demócrito Rocha, em parceria com a Biblioteca Pública Governador

Menezes Pimentel, na 6ª edição da Bienal Internacional do Livro. Essas obras

foram escritas e ilustradas por artistas conterrâneos e editadas pela própria

Fundação, ficando expostas em vários “stands” durante todo o período de

realização do evento.

O lançamento dos livros contou com boa participação do público

infantil, registrando-se que as crianças, logo após a solenidade, adquiram os

livros e solicitaram autógrafos dos respectivos autores. Estavam presentes ao

ato os escritores Fabiano dos Santos, Daniel Adjafre, Kelson Bravos, João dos

Santos, Guaraciara de Barros Leal, Cira Montezuma, Fábio Beneduce, Horácio

Dídimo, Almir Mota e muitos outros.

O evento a que nos referimos se constituiu num verdadeiro

banquete literário, com vários pensamentos migrando em uma só direção: a

difusão da cultura regional, através de uma das mais completas expressões

artísticas, a Arte Literária, pois a Literatura Infantil não é só arte, é arte

polivalente, no sentido de que se liga muito a qualquer outra linguagem

artística, como à música, à dança, ao teatro e à pintura. É, por si só,

interdisciplinar.

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7 AUTORES CEARENSES

PROTAGONISTAS DESTA HISTÓRIA

“... Se esta rua, esta rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrinlhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante...”

Nesta rua - Ciranda

Aqui estão catalogados artistas que hoje compõem a galeria de

escritores e ilustradores que deram importantes contribuição para o fazer arte

literária voltada para as nossas crianças. Muitos outros, certamente, virão

somar suas idéias às da obra já existentes, ampliando e consolidando a história

da Literatura Infantil no Estado do Ceará.

Martins d’Alvarez – Escritor Poeta cearense, viveu a maior parte de sua vida no

Rio de Janeiro. Escreveu alguns livros de poemas e

ficção, com destaque para a obra intitulada No

mundo da lua, coletânea de poesias destinada ao

público infantil.

Rachel de Queiroz – Escritora Nasceu em Fortaleza – CE, 1910. Aos 18 anos

publica O Quinze, que denunciava problemas

sociais do Nordeste. Para crianças escreveu os

títulos: O Menino mágico, Andyra, Cafute & Pena de

Prata, Xerimbabo e Memórias de menina. Foi a

primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira

de Letras, em 1937.

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Elvira Drummond – Escritora Graduada em Música com pós-graduação em

Literatura. Quando criança, tocava piano e ouvia

histórias antes de dormir, aconchegada ao colo do

pai. Talvez por tudo isso, se tornou professora de

piano e de Literatura Infantil. Dentre os livros que

publicou destaca-se A Lenda Carimbamba.

Almir Mota – Escritor Seu gosto pela leitura começou cedo nas rodas de

histórias, quando sua avó Canela, narrava

romances da Literatura de Cordel. Do ouvir para o

ler foi um pulo, e de tanto ler passou a escrever.

Publicou O Cavalinho amarelo, O Mistério da

galinha choca, Cocó o rio amigo, Brincando com

as estrelas, O Jumento e a banda, O Bode Ioiô, Os

Caretas, entre outros.

Guaraciara Barros Leal – Escritora Aprendeu a gostar de ler por influência de seu pai,

que muito lia. Livros eram a essência de seu lar. E

de tanto ouvir e ler histórias, resolveu escrever

alguns enredos fabulosos, entre os quais

destacamos: Nina e a festa dos reis e O Segredo

da botija.

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Helena Lutéscia – Escritora Professora de Toxicologia da UFC. Fez Mestrado e

Doutorado em Farmacologia. Segundo ela, foi

introduzida no mundo do imaginário por Lais, sua

mãe preta que lhe contava histórias de príncipes,

dragões e almas de outro mundo. Escreveu os

livros infantis: As Aventuras do caracol Paulo,

Cecéu o embaixador, O Sinal do pássaro e Do

Começo ao fim.

Horácio Dídimo – Escritor Professor do Departamento de Licenciatura da UFC.

Graduado em Direito e Letras, Mestre em Licenciatura

e Doutor em Literatura Comparada. Escreveu várias

obras no campo da poesia, ensaio e Literatura Infantil,

entre as quais destacam-se: Tijolo de barro, A Nave

de Prata, Historinhas do mestre Jabuti, A Escola dos

bichos, O Passarinho carrancudo, As Reinações do rei

e Festa no mercadinho.

Luiza de Teodoro – Escritora É professora. Gosta de ouvir e contar histórias.

Muitas delas apreendidas nos livros e na voz de

sua avó. Já publicou alguns livros, com destaque

para A Lua e o pastoril e O Boi Espácio.

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Mino (Hermínio Macêdo Castelo Branco) – Escritor Graduado em Direito e Jornalismo pela UFC.

Trabalha como colaborador no Jornal Diário do

Nordeste. Também é pintor, quadrinista e

ilustrador. Publicou alguns livros infanto-juvenis: O

Menino iluminado, A Lição das cores e A Luz de

cada um. Entre seus quadrinhos destacamos:

Almanaque Mino, O Capitão Rapadura e Rivista.

Raissa Emir – Escritora É estudiosa e escritora da Literatura Infantil. Por

tocar, gosta sempre de trabalhar, em suas

produções literárias, a Literatura em parceria com

a música. Reúne em sua obra a cultura do povo,

como as cantigas de roda e o acalanto. Lançou o

livro Vamos todos cirandar.

Fabiano dos Santos – Escritor Quando criança brincava muito no quintal, na rua,

no mato. Gostava de ouvir e contar histórias e isso

vem de sua avó, que muito lhe contou histórias de

diferentes gêneros. Publicou vários livros infantis:

A Rebeca do Cego Aderaldo, A Noite e o

maracatu, O Casal encantado, Árvores e cidades,

A Serpente do rio, O que você vai ser quando ficar

pequeno? e Patativa do Assaré o poeta passarinho

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Socorro Acioli – Escritora Sempre conviveu com pessoas que gostavam de

ler. Publicou seu primeiro livro O Pipoqueiro João,

aos oito anos de idade. Graduada em Jornalista

com Mestrado em Literatura, atualmente ocupa o

cargo de Editora Adjunta da Fundação Demócrito

Rocha. Publicou os livros Infantis: É para ler e para

comer e Bia que tanto lia.

Daniel Adjafre – Escritor Escreve histórias para adultos e crianças. Para

aprender a contar histórias bem contadas, fez

curso de dramaturgia em Fortaleza. Seu livro

infantil de maior destaque intitula-se As

Garrafinhas de areia colorida.

Ângela Escudeiro – Escritora Graduada em Letras, atriz, bonequeira, diretora,

arte-educadora, escritora e produtora. Lançou em

outubro de 2002, o livro infanto-juvenil Marias e

Fulaninhas adaptado da peça homônima de sua

autoria. Seu mais recente lançamento foi O Pombo

perdido da lua azul.

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Heitor Simões – Escritor Professor de Filosofia e de Formação Humana,

compositor e escritor. Apaixonado pelas Artes,

ministra nas escolas, palestras sobre a

importância da Filosofia e da Arte para a

formação da cidadania. Publicou alguns livros,

entre eles, Aventuras de Habel e A Comunidade.

Mariza Viana – Escritora/Ilustradora Desde criança gosta de desenhar e pintar. Quando

cresceu, ministrou aula de desenho e pintura. Estudou

Música e trabalhou com os índios Tremembés. Entre

os vários livros que ilustrou destacamos: A Concha e

a borboleta, O Boi Espácio, O Segredo da botija, A

Sariema de Totelina, A Serpente do rio. E ainda,

escreveu e ilustrou o livro 1,2,3, meia e já....

Eduardo Loureira – Escritor Quando criança, antes de dormir, ouvia histórias de

sua avó Izolda, sobre princesas, sapos e bruxas.

Quando cresceu, resolveu estudar História para

entender como o tempo passa e para onde vai. Hoje,

se transforma em menino, escrevendo histórias já

ouvidas. Dentre seus livros estão: A Concha e a

borboleta e Redonda.

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Silas Rodrigues – Ilustrador Quando criança, seu brinquedo preferido eram lápis

de cor. Graduado em Engenharia Civil, fez cursos de

gravura, desenho animado e histórias em quadrinhos.

Já ilustrou diversos livros infantis, com destaque para

Brincando com as estrelas, Cocó o rio amigo e O

Mistério da galinha choca.

Nice Firmeza – Ilustradora É professora de pintura. Faz arte pintando,

bordando, cozinhando e construindo seu lar , pois

Arte, como ela mesma afirma, “é a sua vida”. Artista

plástica, ilustrou alguns trabalhos literários, entre os

quais: A Lenda da Carimbamba.

Daniel Diaz – Ilustrador Cresceu lendo livros e revistas em quadrinhos,

nessas leituras o que mais lhe encantava eram as

gravuras. È ilustrador autodidata. Atualmente

trabalha com computação gráfica. Ilustrou diversos

livros, entre os quais: As Garrafinhas de areia

colorida, Redonda, Festa no mercadinho, As

Reinações do rei, A Escola dos bichos, O

Passarinho carrancudo, A Lenda do menino que

queria muito e Batatão.

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Henrique de Sousa – Ilustrador O gosto pelas Artes surgiu aos seis anos de idade.

Ilustrador, desenhista, artista gráfico e escritor.

Participou de diversos concursos de desenho,

obtendo inúmeros prêmios. Ilustrou alguns livros

infantis, entre os quais: Aventuras de Habel e Poesia

e realidade.

Inácio C. Braúna – Ilustrador Nasceu em Limoeiro – CE. Desde criança já vivia

rabiscando e desenhando e, foi assim que cresceu.

Sempre gostou de revistas em quadrinhos, de onde tira

sua inspiração para criar e dar vida aos seus próprios

personagens. Hoje, trabalha com computação gráfica,

mas não deixa, em absoluto, as ilustrações de livros

infantis. Ilustrou Historinhas cascudas.

Descartes Gadelha – Ilustrador Nasceu em Fortaleza – CE. Desenha desde criança. Os

motivos constantes de suas brigas de infância eram as

caricaturas que fazia de seus companheiros nas

calçadas e paredes de toda a vizinhança. Foram

aqueles os seus primeiros estudos de desenho. Em

1962, iniciou-se na pintura. Ilustrou alguns livros

infantis: A lua e o pastoril, A Noite e o maracatu e

Iracema.

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8 CONCLUSÃO

MORAL DA HISTÓRIA

“... O quartel pegou fogo, a polícia deu sinal acorda, acorda, acorda a bandeira nacional...”

Marcha soldado – Ciranda

Constata-se que a história da Literatura Infantil no Ceará não

remonta de muito tempo, uma vez que somente há um mais de três décadas se

registraram as primeiras manifestações solitárias de alguns aficionados e

abastados escritores locais.

O processo literário no Ceará procurou, embora a passos lentos,

acompanhar o movimento revolucionário no campo da Literatura existente no

País.

Nesse período, a Universidade Federal do Ceará, em parceria com

o Ministério da Educação, lança o Projeto “Biblioteca da Vida Rural”, o qual

estimulou significativamente o surgimento de autores literários de qualidade e

de vários outros profissionais ligados à produção editorial. Quiçá tivesse

contemplado outras ações editoriais.

A Biblioteca da Vida Rural constituía um projeto de grande porte e

que se propunha ter longa vida e largo alcance. Contudo, pela falta de verbas,

que lhe assegurassem pleno funcionamento, extinguiu-se em pouco tempo.

Mas, certamente, plantou muitas sementes de estímulo à Literatura Infantil,

alcançando vasta área desse território árido, carente e faminto de pão e saber.

Com a implantação da disciplina de Literatura Infantil na faculdade

de Letras da Universidade Federal do Ceará, a história da Literatura Infantil, em

nosso Estado, toma novo impulso, posto que, a partir de seu ensino, os alunos

despertaram para esse tipo de linguagem esquecida, passando a vê-la com

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mais sensibilidade. Essa nova forma de absorver a magia existente na

Literatura Infantil é democraticamente partilhada com a sociedade, pois, a partir

daí, surgem no cenário literário grandes nomes como o da, até então

professora, Elvira Drummond, que consegue aliar a arte literária à arte musical.

Outro nome que merece ser destacado é o do professor Horácio Dídimo, que

até hoje encanta nossas crianças com seus textos poéticos.

A Literatura Infantil, ainda que de forma acanhada, vai ganhando

adeptos, escritores e profissionais, hoje firmemente comprometidos com a

produção literária para as crianças. E, como num passe de mágica, percebe-se

que a editoração é um mercado promissor, que aos poucos vai ganhando a

simpatia dos pequenos leitores.

Fato importantíssimo foi o surgimento, no mercado editorial, da

Fundação Demócrito Rocha, que busca arregimentar os autores que produzem

arduamente sozinhos, com a finalidade de editar e divulgar suas obras. Com

esse novo amparo, o mercado editorial literário infantil no Ceará vem se

consolidando, e já se pode perceber o surgimento de novos autores talentosos,

possuidores de trabalhos de excelente qualidade, tanto em nível literário

quanto ilustrativo. E o mercado se torna mais exigente, mais participativo.

Esse avanço pode ser constatado nas publicações recentemente

lançadas na 6ª edição da Bienal Internacional do Livro, quando vários títulos,

de diferentes autores e gêneros literários, foram expostos, registrando-se uma

significativa participação do público presente àquele evento.

Mas, onde esses mestres da produção literária vão buscar

inspiração criadora? Quem os estimula a escrever para crianças?

Em seus depoimentos, prevaleceu uma feliz unanimidade: foram

embalados, ainda quando crianças, por vozes sonoras que lhes contavam

histórias, invadindo graciosamente seus sentidos. Vozes que vinham de seus

avós, seus pais e tios, que sempre lhes narravam enredos cheios de encantos

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e magias, fossem de cordéis, de vida e mesmo das famosas páginas dos livros

do insubstituível Monteiro Lobato.

O certo é que a contação de histórias, a priori, serviu como suporte

valioso ao ato criador, e as imagens que outrora povoavam suas mentes hoje

enriquecem sua obra. É a história oral contribuindo para a formação cultural

desses cidadãos e favorecendo sua criatividade e imaginação, elementos

imprescindíveis na construção do enredo literário.

Foi possível presenciar, em alguns deles, o brilho no olho ao

relembrar e a voz embargada ao relatar passagens de suas vidas. A prática de

vasculhar a memória ao rememorar seu encontro com a leitura, permitiram que

as lembranças alçassem vôos, ganhassem voz, tivessem vez. As imagens

foram surgindo e sendo transcritas por puro deleite, fazendo um intercâmbio

entre o ontem e o hoje, deixando transparecer os saberes reelaborados, num

exercício de “Memória de Trabalho”, que afirma que lembrar não é viver, mas

refazer, reconstruir, repensar com idéias de hoje as experiências do passado.

Por mais nítida que possa parecer, a lembrança é um fato antigo, não é a

mesma imagem que vivenciamos no passado, porque nós não somos os

mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas

idéias, nossos juízos de valor, tal como afirma Maurice Halbwaches: “A

memória sofre influência do aprendido” (BOSI, 1994, p. 123).

Almir Mota afirma em seu depoimento que o que ouviu, viu e viveu

está de certa forma retratado em seus livros, e relembra - os caretas - uma

brincadeira popular que acabou sendo enredo de um de seus últimos

lançamentos.

Demonstrando um grande entusiasmo, se reporta mais uma vez à

sua infância, quando seu avô materno recitava Cego Aderaldo e sua célebre

frase “O analfabeto ensina a ler”, e, com embargo na voz, rememora a voz de

seu avô lendo para ele trechos de cordel do famoso cordelista:

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“Quando perdi minha vista,

O meu corpo faleceu

Vou ao mundo afora

Contando a sorte que Deus me deu

Carro de boi também canta

Mas é pau que já morreu”

E ainda menciona Patativa do Assaré. Recusa-se, porém, a

declamar qualquer trecho de sua autoria.

O que se percebe é que, independente do poder aquisitivo, os

escritores tiveram como estímulo a Literatura, que lhes foi apresentada ainda

quando crianças, a princípio pela oralidade e, posteriormente, através de livros.

Em suas memórias, o nome mais marcante foi o de Monteiro Lobato, com seu

inesquecível pó de pirlimpimpim, que até hoje nos permite realizar incríveis

viagens ao mundo da imaginação, desvendando alguns mistérios e elaborando

tantos outros.

Os artistas gráficos, por sua vez, tiveram suas inspirações

alicerçadas nas imagens da vida, da natureza, tela tão bem pintada pelo poder

do Divino Espírito Santo.

Interrogado intencionalmente com vistas a este trabalho, Silas

Rodrigues, artista plástico e ilustrador, se diz encantado desde a mais tenra

idade pelas revistas em quadrinhos, afirmando que o poder das imagens dos

gibis, em alguns casos, dispensa o texto.

De fato, a imagem é uma representação semiconcreta da realidade,

constitui-se numa comunicação mais direta do que a escrita. Além disso, a

ilustração é uma linguagem internacional, podendo ser compreendida por

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qualquer povo e em qualquer lugar, e que pode não apenas ser apreciada,

mas, sobretudo, entendida e sentida.

Foi possível perceber claramente que a produção literária infantil,

no Ceará, vem gradativamente conquistando espaço e que, para isso, somam-

se os valores dos grandes literários conterrâneos aos avanços tecnológicos,

resultando desta adição a conquista de um público leitor fiel, assíduo e

exigente de produções de qualidade.

Constata-se, também, que os autores têm um compromisso de

responsabilidade com seus leitores, uma vez que se preparam, pesquisam e

estudam o perfil de seus clientes, com o intuito de elaborar uma obra

condizente com o gosto apurado das crianças, buscando colocar no mercado

publicações de qualidade. Percebendo-se, em muitas delas, a clara intenção

de retratar um pouco de nossa cultura, de nossos saberes e costumes, tão

pouco lembrados pelos educadores e quase que totalmente esquecidos nos

lares.

Indagados sobre o retorno financeiro de suas produções, admitiram

ser impossível a sobrevivência baseada unicamente em suas obras:

“morreríamos de fome, se assim fosse”, afirmou um deles em tom de deboche.

Porém, sua maior alegria se reflete em ver suas produções sendo

consultadas e lidas pelo público ao qual se destinam. E seu maior entrave

advém da divulgação, ainda, precária.

O contrato estabelecido entre editor e escritor, segundo Socorro

Acioli, é padrão brasileiro, o autor recebe 10% das vendas pelos direitos

autorais, podendo ainda optar por receber essa porcentagem em livros, cada

tiragem corresponde a 1000 títulos. Afirma ainda, que a produção literária

permite a abertura para outras portas, amplia a visão de mundo, e cita o

trabalho desenvolvido pelo Almir Mota, como contador de histórias, que está

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ganhando espaços e, também, a implantação da “Edições Calango” de

iniciativa de Fabiano dos Santos.

Quando questionados sobre as dificuldades de se escrever livros

para crianças em tempos de internet, os escritores responderam que toda essa

tecnologia pode vir em auxílio à Literatura, quando adequadamente trabalhada.

Os hipertextos e outras tecnologias, atualmente utilizadas por muitos, podem e

devem ser empregadas como meio capaz de despertar na criança o interesse

pela leitura, pela Literatura, através da divulgação de textos, bastando, para

tanto, que sejam devidamente orientados.

De fato, o uso constante das novas tecnologias faz parte do mundo

contemporâneo e não podemos deixar as crianças fora disso. De forma dosada

o computador é uma ferramenta que pode ajudar as crianças a entenderem as

múltiplas possibilidades de comunicação, interação e lazer. Ele não substitui as

brincadeiras e a leitura, nem tira a capacidade de Imaginar. Ao contrário, abre

novas possibilidades de criação. O mundo funciona de forma dinâmica e a

tecnologia auxilia a criança a criar um pensamento que responda a esse meio.

É oportuno salientar que a produção editorial infantil, no Ceará,

vem crescendo muito nestes últimos anos. Contudo, o que impede uma

projeção maior, segundo depoimento de Almir Mota, são as tiragens bastante

reduzidas, em torno de mil exemplares, porque o mercado distribuidor,

infelizmente, não funciona de forma proporcional, ou seja, se produz pouco, por

que a procura é mínima. Sob esse prisma, foi possível detectar uma enorme

falha no que diz respeito à divulgação.

Em síntese, pensamos que, se fosse desenvolvido um trabalho

efetivo de divulgação indistintamente junto ao público infantil, seja nas escolas,

nas bibliotecas, nas livrarias, utilizando em grande escala a mídia, certamente

teríamos um público leitor consciente da existência de produções cearenses,

desmistificando a figura do escritor como ser inatingível, que só pode habitar o

distante eixo sul-sudeste do País.

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É preciso que se realize um trabalho eficaz e efetivo junto ao

público em geral, é importante que se divulgue as produções dos autores

locais, é fundamental que se propague às boas produções literárias do Ceará a

fim de que elas possam ganhar asas e invadir o imaginário infantil da criança

cearense.

Não quero, com isso, defender o bairrismo e o apego ao Nordeste

e, de forma particular, ao Ceará. Pensamos, sim, que o livro deve estar ao

alcance de toda e qualquer criança, bastando, para tal, ser de boa qualidade,

independentemente de quem seja seu autor, se cearense, ou não. Em nossa

concepção e nossa ótica, a Literatura é universal e não localizada. Contudo, é

pertinente afirmar que há uma ampla facilidade de penetração da produção

nacional nas escolas, livrarias e feiras culturais, onde produções regionais são

relegadas a plano secundário, traduzindo a velha cultura de valorização do que

vem de fora, esquecendo os valores aqui existentes.

O que se percebe, ainda, no âmbito dos órgãos ligados à cultura, é

uma total ausência de uma política governamental e privada, que ofereça reais

condições para que os valores regionais possam ser revelados ao público

leitor, possam vir à tona, conferindo-lhes legítimas condições de competir com

os valores nacionais.

Nas visitas realizadas às bibliotecas públicas e escolares

constatamos que, em seus acervos, inexistem quase que por completo títulos

de autores locais, e, até mesmo alguns dos profissionais que estão à frente

desses setores, desconhecem a vasta listagem dos autores que integram o

cenário literário cearense.

Dentre as escolas visitadas, uma adquiriu recentemente, na 6ª

Bienal Internacional do Livro, todos os títulos infantis editados pela Fundação

Demócrito Rocha. Contudo, nenhum trabalho pedagógico foi desenvolvido em

relação a estas produções, que passaram a se constituir apenas como mais

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alguns volumes postos nas prateleiras de sua biblioteca, aumentando o

quantitativo de obras existentes, apenas isso.

Outra escola visitada incorporou ao seu acervo todos os títulos de

um só autor e, com eles, desenvolveu um excelente trabalho junto ao seu

alunado, através de atividades de leitura, pesquisa e reflexão, as quais

culminaram com a participação do autor em um evento cultural, quando o

mesmo deu depoimentos e assinou autógrafos para as crianças e adultos.

É válido assinalar que, apesar da inexpressiva existência de obras

literárias infantis genuinamente cearenses, no setor infantil da maior biblioteca

do Estado do Ceará, um bom trabalho de contação de histórias vem sendo

desenvolvido, por iniciativa de um escritor local, no sentido de divulgar suas

produções e, ao mesmo tempo, formar um público leitor. O Projeto intitula-se

“Casa do Conto”, teve início em 2002, atende a professores e alunos das

redes de ensino, pública e particular. Segundo depoimento de seu fundador, o

Projeto surgiu como um incentivo à leitura, atualmente recebe escolas e grupos

de leitores para sessões de contação de histórias com músicas, leitura e mini-

oficinas de produção de texto, desenho, pintura e outras atividades.

Por fim, pode-se concluir que a Literatura Infantil cearense vem

cavalgando em pequenos galopes, aos poucos e a duras penas galgando

espaço, numa conquista que merece registro, muito mais pelo denodado

esforço dos escritores conterrâneos. Prossegue, entretanto, como um trabalho

quase que solitário, carente de apoio material e financeiro e de uma política de

divulgação eficiente e eficaz, que venha contribuir para que as produções

locais conquistem seu lugar ao sol, nessa nossa terra tão bem servida de

talentos nas diversas expressões literárias. É preciso que esse sol, tão forte e

acolhedor, projete seus raios em direção a todos, indistintamente.

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