literatura brasileira iii -...

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Governo Federal Dilma Vana Rousseff Presidente Ministério da Educação Aluísio Mercadante Ministro CAPES Jorge Almeida Guimarães Presidente Diretor de Educação a Distância João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governo do Estado Ricardo Vieira Coutinho Governador UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Antonio Guedes Rangel Junior Reitor José Ethan Vice-Reitor Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEAD Eliane de Moura Silva Assessora de EAD Coord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB Cecília Queiroz

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Governo FederalDilma Vana Rousseff

Presidente

Ministério da EducaçãoAluísio Mercadante

Ministro

CAPESJorge Almeida Guimarães

Presidente

Diretor de Educação a DistânciaJoão Carlos Teatini de Souza Clímaco

Governo do EstadoRicardo Vieira Coutinho

Governador

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBAAntonio Guedes Rangel Junior

Reitor

José EthanVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação

Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPESecretaria de Educação a Distância – SEAD

Eliane de Moura Silva

Assessora de EADCoord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB

Cecília Queiroz

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBARua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500

Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected]

Editora da Universidade Estadual da Paraíba

DiretorCidoval Morais de Sousa

Coordenação de EditoraçãoArão de Azevedo Souza

Conselho EditorialCélia Marques Teles - UFBADilma Maria Brito Melo Trovão - UEPBDjane de Fátima Oliveira - UEPBGesinaldo Ataíde Cândido - UFCGJoviana Quintes Avanci - FIOCRUZRosilda Alves Bezerra - UEPBWaleska Silveira Lira - UEPB

Universidade Estadual da ParaíbaAntonio Guedes Rangel JuniorReitor

José EthanVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEADEliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

Coordenador de TecnologiaÍtalo Brito Vilarim

Projeto GráficoArão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EADRossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão LinguísticaMaria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação Arão de Azevêdo SouzaGabriel Granja

B869 F866l Freire, Antonio de Brito.

Literatura brasileira III. / Antonio de Brito Freire – Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Coordenadoria Institucional de Programas Especiais (CIPE), Secretaria de Educação à Distância (SEAD). Campina Grande: EDUEPB, 2013. 148 p.: Il. Color.

Licenciatura em Letras/Português 1. Literatura brasileira. 2. Modernismo. 3. Concretismo. I. Título. II. EDUEPB/ Coordenadoria Institucional de Programas Especiais (CIPE).

21. ed.CDD

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Literatura Brasileira III

Antonio de Brito Freire

Campina Grande-PB2013

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Sumário

I UnidadeModernismo e tendências contemporâneas em foco............................7

II UnidadeRevista em revistas e manifestos........................................................27

III UnidadeUma fresta literária (um festival de brasilidade)..................................43

IV UnidadeOswald encena as cenas modernistas...............................................61

V UnidadeAs tantas bandeiras de Bandeira.......................................................79

VI UnidadeModernismo: tendências da segunda geração de prosa em prosa................................................95

VII UnidadeTendências contemporâneas: Concretismo e poesia-praxis...........................................................113

VIII UnidadeTendências contemporâneas..........................................................129

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 7

I UNIDADE

Modernismo e tendências contemporâneas em foco

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8 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Apresentação Apesar de o Modernismo ser considerado como uma produção ím-

par na revolução artística do Brasil, continua algo extremamente difí-cil rotulá-lo como simplesmente importado da Europa. É verdade que grandes nomes da literatura e da arte brasileira estiveram estritamente ligados à produção européia da época, mas, isto não quer dizer que suas produções sejam cópias do sentimento de fora. Mesmo assim, este olhar sobre a influência européia ainda é comum entre estudiosos de nossa literatura que consideram este intercâmbio essencial para o avanço da arte brasileira.

Os pesquisadores da teoria da literatura apresentam provas lite-rárias comparativas que colocam, muitas vezes, França, Portugal, Es-panha entre outras nações como pioneiras em determinados estilos, posteriormente, levados adiante pelos autores brasileiros. Para estes críticos a literatura brasileira surgiu a esmo a partir do século XVII com o poema Prosopopéia de Bento Teixeira sob a influência do épico por-tuguês Os Lusíadas de Camões.

Deste modo, convidamos você, para mergulhar neste estudo lite-rário com a finalidade de fazer uma leitura crítica de nossas literaturas modernista e contemporânea. Nesta aula, passearemos por uma breve história do início dos pontos de vistas artísticos e políticos destas gera-ções.

Portanto, não esqueça, é preciso estabelecer uma ponte do que foi produzido nestes tempos com a produção contemporânea para melhor refletir os termos modernismo e contemporâneo uma vez que ambos se bifurcam: o moderno sempre foi contemporâneo e o contemporâneo, moderno.

É importante que você perceba que estas produções refletiam e refletem as idéias da época de suas criações, por isso, é necessário contemplá-las como “realidades” vinculadas, sobretudo, à vida social e cultural do Brasil.

Almejamos, com esta aula, apresentar um roteiro crítico que lhe reaproxime de nossas literaturas modernistas e contemporâneas. Por isso, é necessário o estudo apurado deste material para você dirimir as dúvidas através de um diálogo permanente com seus colegas, tutor e professor.

Bons estudos!

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 9

Objetivos

Ao final desta unidade, esperamos que você:

• Conheça a história do modernismo e das tendências contempo-râneas na literatura brasileira;

• Compreenda os fatores preponderantes que deram início às ge-rações desta época literária;

• Aborde as características e as ideias que fomentaram os ma-nifestos, a poesia, a prosa, as revistas literárias, as músicas, as pinturas e o teatro.

Antropofagia, de Tarsila do Amaral

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10 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Primeiros passos históricosModerno é um vocábulo ambíguo, para não dizer polissêmico. Designa o contemporâneo de quem fala ou escreve (MOISÉS, 1989, p.198).

Este movimento artístico-literário, o Modernismo, se iniciou após incontáveis discussões políticas em torno do vocábulo moderno, o que acabou por sugerir uma nova roupagem à produção literária brasileira, cujo objetivo era colocar em pauta todo o sentimento crítico de artistas e intelectuais da época impulsionando aquilo que mais tarde seria con-siderado como o momento de maior efervescência artística brasileira.

A formatação e consequente oficialização desta literatura se ini-ciaram quando alguns escritores e artistas do eixo São Paulo - Rio de Janeiro principiaram um processo de conquistas políticas e artísticas que culminou na expansão de suas principais idéias para além dos seus próprios territórios:

O ano de 21 presencia a completa maturação do processo revolucionário: faltava apenas um acon-tecimento que deflagrasse o estopim. Com, efeito, anunciada em 20 de janeiro de 1922, a Semana de arte moderna (MOISÉS, 1989, p.357).

Disponível em: http://www.brasilfront.com.br/wp-content/uploads/teatro-municipal-sp-90-anos-arte-moderna.jpg

O Modernismo, propriamente dito, surgiu com a Semana de arte moderna, mais precisamente no Teatro Municipal de São Paulo, no mês de fevereiro do ano de 1922, e, teve como seus precursores alguns autores, pintores e músicos (os quais abordaremos nas próximas aulas) que almejavam esta “Semana” como uma manifestação que colocasse a cultura brasileira em consonância com as principais correntes de van-guardas do pensamento europeu sugerindo, portanto, uma consciência mais crítica da realidade brasileira.

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Leitor: está fundado o desvairismo. (Mário de Andrade)

Estes autores e artistas expandiram seus domínios críticos e deixaram transparecer em suas obras, as duas faces da mesma moeda do pensa-mento cultural brasileiro. Ou seja, de um Brasil dividido entre o olhar ru-ral e o olhar urbano. Evidentemente, no início, o consumo das expressões modernistas, ficou restrito aos grandes centros urbanos,

Mas o bloco urbano não era homogêneo, pelo con-trário, o operariado urbano de origem européia trazia a experiência da luta de classes. Eram trabalhadores, em sua maioria, anarquistas, que se organizavam e publicavam jornais (NICOLA, 2002, p.108).

Portanto, durante o Modernismo a busca de um sentimento mais na-cionalista acabou por se tornar uma marca das mentes pensantes domi-nadas, sobretudo, pela vontade de mudar os planos artísticos e políticos neste novo tempo. Em compensação, esta forma cética e crítica dos mo-dernistas vislumbrarem e abordarem a realidade levou o governo brasi-leiro a ver neles não só uma afronta, mas uma ameaça.

Este projeto tornou-se o movimento artístico que constituiu uma espécie de proposta que, com o passar do tempo, acentuou suas diferenças com os movimentos anteriores que refletiam superficialmente as coisas. Destarte, estabeleceu-se uma linha tênue entre a reflexão e a sugestão de uma moda-lidade literária pautada numa crítica objetiva extremamente necessária para a transformação do comportamento artístico e político da época.

Veja os fragmentos de um poema modernista:

Festa familiarEm outubro de 1930

Nós fizemos – que animação! –Um pic-nic com carabinas.

Murilo Mendes apud (NICOLA, 2002, p.177)

Pode-se dizer que de todos os movimentos este foi, e, ainda é enca-rado como o momento de deflagração de uma literatura comprometida que, a princípio, surgiu como uma expressão crítica que além de clamar por um sentimento menos europeu transformou-se na vertente literária que combateu as influências européias por entender que a literatura constitui os fatos sociais de uma nação.

Nesse quadro se inscreve o nosso modernismo: seus antecedentes gerais se encontram na Europa do tem-po, constituído, assim, o subsolo em que se nutre, o que desde logo previne o equívoco de considerá-lo autóctone, independente (MOISÉS,1989, p.17).

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12 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Desta forma, os modernistas centrados em São Paulo, levaram para outras regiões brasileiras, seus diversos olhares e propuseram uma nova forma de encarar a realidade social brasileira, questionado-a.

Assim poderíamos encontrar pela cidade de São Paulo, andando na mesma calçada, um ”barão do café”, um operário anarquista, um padre, um bur-guês, um nordestino, um professor, um negro, um comerciante, um advogado, um militar (NICOLA, 2002, p.108).

A citação de NICOLA nos dá uma visão do que significou “a pau-licéia desvairada”, aquela que intelectuais da época definiram como o grande palco de idéias avançadas e, portanto, o lugar ideal para manifestações que reunissem as melhores expressões em suas artes rompendo, politicamente, com as velhas estruturas tão combatidas e confrontadas por este movimento.

Deste modo, neste palco de diversidades atualizadas “o mundo” conheceu a expressão literária brasileira portando um dos mais avan-çados discursos de ataques à inércia da burguesia. É importante ressal-tar que a literatura brasileira, neste momento, buscava sua autonomia literária desejando, sobretudo, a construção de uma literatura moderna centrada, fundamentalmente, no sentimento brasileiro.

Assim, com este espírito revolucionário e nacionalista de negação às influências de fora do seu tempo, Mário desferiu um grande ataque ao que ele denominou de “mestres do passado”:

Malditos para sempre os Mestres do passado! Que a simples recordação de um de vós escravize os espíritos no amor incondicional pela forma! Que o Brasil seja infeliz porque vos criou! Que o universo se desmantele porque vos comportou! E que não fique nada! nada! Nada! (MÁRIO DE ANDRADE apud NICOLA, 2002, p.113).

Entretanto, não se pode desprezar ou negar a influência destes “mestres do passado” tão fundamentais na forma de ver e interpretar as coisas. Afinal, não devemos nos referir à produção modernista como desolada e original até porque o caráter revolucionário deste movi-mento, a nível internacional, viabilizou transformações e diversificações culturais que fundamentaram tanto a poesia quanto a prosa brasileira.

Estes fatores explicitaram a diferença deste movimento em relação aos anteriores: se alastrou pelo Brasil o espírito destruidor do modernis-ta. Isto é, o seu sentido verdadeiramente específico, mas esta destruição não apenas continha todos os germes da atualidade, como era uma convulsão profundíssima da realidade brasileira1.1 Mário de Andrade apud (NICOLA, 2002,

p. 131).

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Parentesco literárioSe você retomar os anos modernistas, de 1922 a 1945, e em con-

fronto com a produção literária contemporânea procurar algo próximo é claro que este parentesco é visível e palpável. É impossível desvincular estas produções uma vez que as idéias modernistas persistem em nossa literatura contemporânea. É difícil não estabelecer um laço de paren-tesco literário entre estas gerações que sugeriram que o público, além de pensar para interpretar, deveria participar da obra, então, aberta às visitações e transformações.

Este momento foi o ponto chave para desencadear uma série de Manifestos: Poesia Pau-Brasil, Antropófago, Verde-amarelismo ou da Anta que em seus bojos também sinalizavam para a semente de uma política nacionalista fascista.

Como se percebe já no final da década de 20, a postura nacionalista apresenta duas vertentes dis-tintas: de um lado, o nacionalismo crítico, cons-ciente de denúncias da realidade brasileira, politi-camente identificado com as esquerdas; de outro, um nacionalismo ufanista, utópico, exagerado, identificado com as correntes políticas de extrema direita (NICOLA, 2002, p.131).

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14 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Atividade I

Vamos pesquisar?

As propostas modernistas, sobretudo, em relação à sua migração para outros Estados brasileiros foram fundamentais para a criação de uma série de revistas e manifestos que preferiram eleger como protagonista o índio brasileiro que isolado em sua aldeia se opôs e resistiu aos colonizadores. Assim, este índio reapareceu como símbolo de resistência abolindo-se a imagem de caricatas criaturas. O Modernismo fez alusões a episódios mais brasileiros com participação massiva de personagens brasileiros

1 - Observe o que a tela “FLAGELAÇÃO” de Tarsila do Amaral sugere em relação às propostas modernistas apresentadas nesta unidade

a - Pesquise telas, capas de livros e de revistas modernistas e verifique que elementos sugerem a idéia central do movimento em pró da brasilidade?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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2 - Leia atentamente este texto:

“Evasivo, indeterminado, múltiplo, geralmente implau-sível, infinitamente vário e essencialmente irredutível”, o Modernismo rejeita uma síntese que concentrasse os opostos de toda espécie, mas, se uma fórmula pode iden-tificá-lo, “nem é totalmente a noção de ‘ambos/ e’ nem totalmente a noção de ‘ou/ou’, senão (por assim dizer) ambas e nenhum. Imprevistamente, portanto, a fórmula modernista se torna ‘ambos/e e/ou ou/ou’. De onde, “no Modernismo, o centro exerce não uma força centrífuga mas centrípeta; e a conseqüência não é a desintegração, mas (por assim dizer) a superintegração”.2 Não estranha que a modernidade, além de assinalar uma idade apoca-líptica vertiginosamente correndo para o Nada (por mo-mentos, inclusive, tornada matéria de filosofia e reflexão, como se sabe, no existencialismo), possa ser considerada uma grande cisão histórica, superior às demais da cultura ocidental (MOISÉS, 1989, p.17).

1 - Estabeleça uma analogia entre o que diz o texto de MOISÉS com uma das propostas literárias do modernismo brasileiro. Identifique esta proposta para suas considerações.

2 - Explique por que o modernismo é uma expressão literária proveniente de um sentimento mais brasileiro, portanto, menos europeu, se parte de seus integrantes, a exemplo de Ronald de Carvalho, Tarsila, Oswald de Andrade, entre outros, estiveram na Europa vivenciando os avanços deste movimento.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

2 Esta expressão remonta com objetividade a proposta do movimento que dizia respeito a uma superintegração com todas as artes e todos os artistas (MOISÉS, 1989, p.17).

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16 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Uma breve história de gerações

A primeira geração: 1922-1930

Os modernistas não foram aclamados logo de início, chegaram aos centros urbanos, a exemplo de São Paulo, a partir dos anos 1910, como pré-modernistas, mas somente como modernistas encontraram espaço para afirmar suas propostas, principalmente a partir do ano de 1922, e mesmo assim, à luz de vaias, gritarias e muitas críticas.

Veja o fragmento do ataque intitulado “A teratologia futurista” publi-cado na Folha da Noite, jornal da época:

Não é só um problema de estética, mas deve ser estudado como fenômeno de patologia mental. To-das as extravagâncias do Futurismo originam-se de um verdadeiro estado de espírito mórbido. O desejo incontido de ‘chamar a atenção’ e a ingenuidade de certos espíritos desprovidos de qualquer preparo, o desequilíbrio de alguns cérebros e o verdor da mo-cidade são os principais motivos e o que caracteriza os adeptos desta escola (NICOLA, 2002, p.117).

Podemos definir a primeira fase modernista como um período con-turbado que demarcou a maturidade de escritores e artistas brasileiros que passaram a constituir seus grupos na procura de definições3 políti-cas e artísticas de modo que incorporaram idéias que deram margem para as transformações caracterizadas pela preocupação de ampliar suas posições em âmbito nacional.

Nesse instante, porém, já existiam focos de uma consciência polí-tica que soterraria a república velha. Toda esta produção cultural es-teve contaminada pelas características que demarcaram o campo das produções desta geração: primitivismo, antropofagia, revisão histórica do Brasil e da literatura, humor, poema-paródia, sátira e elegeu como prioridade a valorização da língua brasileira falada pelo povo.

O poema vícios na fala é a pedra de toque desta proposta:

Vicio na fala

Para dizerem milho dizem mioPara melhor dizem mio

Para pior pioPara telha dizem teia...

Oswald de Andrade apud (NICOLA, 2002, p.149).

Disponível em: http://1.bp.blogspot.com/-8zK9106eg0M/TzK2zmCmu9I/AAAAAAAABJE/dGq_BkabbcE/s1600/semana-de-arte-moderna-de-1922.jpg

3 A busca de definições caracteriza-se pela presença de constantes manifestos e cria-ções de revistas de vida efêmera (NICOLA, 2002, p.129).

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 17

Observe que as principais bandeiras de lutas, dentre elas a va-lorização da língua falada pelo povo sem a influência européia, es-tavam fundamentadas num compromisso que revisou toda a postura de pensadores brasileiros e revolucionou a padronização do português europeu presente nas produções que não concebiam a criação literária dissociada do vernáculo padrão, ou seja, sem a consulta prévia de uma gramática ou de um dicionário.

Pronominais

Dê-me um cigarroDiz a gramática

Do professor e do aluno(...)

Deixa disso camaradaMe dá um cigarro

(NICOLA, 2002, p.148).

Segunda geração: 1930 a 1945

Passado o primeiro instante, em 1930, surgiu a nova vertente deno-minada de segunda geração que pôs em questionamento as primeiras manifestações artístico-literárias. Este momento pode ser deflagrado como um dos mais ricos do ponto de vista da poesia e da prosa uma vez que alargou o ambiente temático a partir de inquietações pertinen-tes ao rumo do homem no mundo.

Esta geração se ergueu em meio à revolução de trinta e amargou o seu fim em confronto com a segunda guerra mundial. Todas as transfor-mações sugeridas propuseram uma espécie de reflexão sobre a criação poética e prosaica, ou seja, no que implicava a criação nestes gêneros, e passaram a prezar, sobretudo, por uma poesia e uma prosa de cunho mais social e de combate à acomodação política dos brasileiros.

Nosso tempo

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.As leis não bastam. Os lírios não nascemda lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se

na pedra.(...)

Carlos Drummond de Andrade apud (NICOLA, 2002, p.177).

Disponível em: http://bimg1.mlstatic.com/s_MLB_v_F_f_202389001_6074.jpg

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18 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Assim, esta geração deu continuidade a alguns questionamentos impetrados pelos modernistas da primeira geração, principalmente, no tocante à reação do eu com o mundo, e acabou sugerindo, em uma de suas vertentes, que a poesia e a prosa fossem, também, espiritualistas e intimistas.

Outra qualidade da geração em foco consistiu na preocupação da descentralização da produção literária do eixo sul-sudeste e a valoriza-ção do romance regionalista, mais precisamente, o nordestino. Pode-se dizer que este foi o momento da literatura regionalista que revelou no-mes significativos que prezaram por uma literatura caracterizada pela denúncia social.

Reflita os fragmentos da Conferência: Tendências do Romance bra-sileiro do paraibano José Lins do Rego apud (NICOLA, 2002, p. 211):

Nós, no Brasil, queremos, acima de tudo, nos en-contrar com o povo, que andava perdido. E po-demos dizer que encontramos este povo fabuloso, espalhado nos mais distantes recantos de nossa terra. O romance de nossos dias está todo batido nesta massa, está todo composto com a carne e o sangue de nossa gente

Esta nova atitude literária demarcou o palco das maiores transfor-mações que ocorreram em nosso país. A poesia e a prosa desta gera-ção representaram a continuidade dos avanços iniciados pela geração de 1922, mas demonstraram nitidamente que havia rupturas mesmo que com uma retomada de alguns ideais da primeira geração onde era possível perceber as influências que nomes do porte de Mário de Andrade imprimiram naqueles que começaram suas literaturas depois do advento da “semana”.

Do ponto de vista da forma, poetas e prosadores reutilizaram a proposta estética desenvolvida pelos autores da década anterior em relação ao verso livre, a poesia sintética e a prosa regionalista com co-notação mais brasileira, e com a presença de personagens, ambientes e fala do povo.

Entretanto, é na temática que se percebe uma nova postura artística: passa-se a questionar a realidade com mais rigor e, fato extremamente importante, o artista passa a se questionar como indivíduo em sua “tentativa de explorar e interpretar o estar--no-mundo” e em seu papel de artista (NICOLA, 2002, p.178).

Detentores de uma respeitável e revolucionária cultura, os moder-nistas, desta geração, passaram a ser detratores dos velhos padrões literários que não sugeriram uma reflexão do eu em relação ao mundo.

Veja o poema de Drummond, Poesia: parece sugerir a morte da idéia da inspiração e mostra a criação poética dentro de uma “banali-dade” que irritou os poetas mais tradicionais.

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 19

Poesia

Gastei uma hora pensando um versoQue a pena não quer escrever.No entanto ele está cá dentro

Inquieto, vivo.

Carlos Drummond de Andrade apud (NICOLA, 2002, p.179).

Assim, a segunda geração modernista saiu de cena para dar lugar à expressão contemporânea que se iniciou em 1945 e se estende até os dias atuais.

Literatura contemporânea: a ode de uma ruptura

O Modernismo envolveu duas gerações que vão, conforme já foi esclarecido, de 1922 a 1945 e abriu espaço para as tendências con-temporâneas, também denominadas de pós-modernistas ou neo- mo-dernistas.

Deste modo, a partir de 1945, se iniciou o movimento artístico--literário contemporâneo que propôs o diálogo entre as várias lingua-gens que envolviam e envolvem os diversos saberes: verbais, visuais ou sonoros.

As tendências contemporâneas envolvem as diversas linhagens da criação literária que vão desde o romance que elucida a importância da retomada de características que remontam a Balzac, Eça de Queiroz e romancistas russos que romperam com fôrmas literárias praticadas até 1945, a crônica que alcança nível mais avançado no cerne dos interes-ses sociais do cotidiano acrescentando um olhar politizado que revela

Várias tendências podem ser apontadas, alguns “is-mos” assinalados, denotando a permanência da tra-dição ou a irrupção do novo, mas e suas fronteiras se apresentam bem marcadas, nem seus cultores se caracterizam pela ortodoxia (MOISÈS, 1988, p.473).

Sem exageros, podemos definir este instante como ímpar na literatura brasileira desde quando se iniciaram, entre nós, as primeiras manifes-tações literárias. É praxe a crítica contemporânea reconhecer que, nos momentos anteriores, o olhar de nossos inventores era mais europeu do que brasileiro o que, a nosso ver, não é muito diferente do contempo-râneo que traz para o cerne de sua invenção nomes do porte do poeta francês, Mallarmé.

As tendências artísticas contemporâneas surgiram em plena era atô-mica e amargaram a guerra fria e a hostilidade entre nações que dispu-tavam poder.

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20 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Na literatura brasileira, várias transformações mexeram com a maneira dos autores comporem suas obras cujas alterações encenaram com avan-ços e retrocessos. A prosa, por sua vez, sustentou a proposta dos autores da geração de 1930, no tocante a uma literatura intimista com sondagem mais psicológica e introspectiva. Clarisse Lispector foi o expoente desta proposta. O regionalismo adquiriu nova maquiagem na obra de Guimarães Rosa que popularizou costumes e falas sertanejas do povo de Minas Gerais.

Esta nova geração de poetas e prosadores resolveu confrontar as conquistas inovadoras dos modernistas de 1922. A nova proposta foi defendida através da revista Orpheu que em 1947 afirma:

Uma geração só começa a existir no dia em que não acredita nos que a precederam, e só existe realmen-te no dia em que deixam de acreditar nela (NICOLA, 2002, p.244).

Negar as propostas das gerações anteriores ainda é a máxima das tendências contemporâneas que, com poesia e prosa mais “sérias”, mais “equilibradas”, propõem superar a liberdade formal, as ironias, as sátiras entre outras “brincadeiras” modernistas.

Este momento é interessante para que você entenda que as principais propostas convergiram para uma produção mais próxima da civilização tecnológica movimentada pela rapidez das transformações que optaram por uma comunicação mais objetiva e criativa.

Mais da literatura brasileira contemporâneaDentre as vanguardas desse período, a primeira a surgir, e a mais importante de todas, pelo alarido levantado e pelos desdobramentos de sua ação proselitista, gerando polêmicas, debates, etc., é a poesia concreta ou concretista, ou o concretismo (MOISÉS, 1988, p.438-439).

Disponível em: http://www.fotothing.com/photos/ded/ded4a40bbc8fe0925991bcbeb2c9360e.jpg

A poesia concreta surge oficialmente no ano de 1956 com a Expo-sição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, (MASP) com os poetas e críticos literários: Décio, Augusto, e

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Haroldo de Campos. Estes poetas retomaram alguns nomes das gera-ções anteriores, mas questionaram a genialidade destas gerações com críticas severas onde assumiram que este “novo” movimento era o mais singular de todos porque apresentava a poesia concreta como o

(...) o primeiro movimento internacional que teve, na sua criação, a participação direta, original, de poetas brasileiros. Como no caso do anterior mo-vimento de renovação que houve neste século na literatura brasileira – o movimento modernista de 22 (NICOLA, 2002, p. 274).

Os concretistas defenderam o banimento do verso tradicional e vi-ram no “poema-objeto” os recursos: acústico, visual, carga semântica, espaço tipográfico e deram mais ênfase à “crise do verso” aproveitan-do, sobretudo, a era da revolução industrial.

Devido a uma dissidência no grupo concretista, emerge uma nova tendência de vanguarda, a poesia-praxis, que em 1961 lançou seu manifesto com o seguinte conteúdo:

a) a literatura-praxis recoloca a palavra no centro de uma tríplice e virtual função semiótica – semân-tica, sintática e pragmática; b) a arte como objeto e argumento de uso; c)a práxis só se concebe em termos de obra e nunca de experiência de com-provação; d) a práxis é dado -feito presente e adi-te a teoria como ponte de passagem para outros dados-feitos; e) cada dado-feito, enquanto práxis, projeta princípios originais de semântica, pragmá-tica e sintaxe (MOISÉS, 1988, p.446).

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22 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Atividade II1 - Leia os poemas que seguem:

Nosso tempo

Este tempo de partido,Tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,Viajamos e nos colorimos.

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.As leis não bastam. Os lírios não nascemda lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se

na pedra.(...)

Carlos Drummond de Andrade apud (NICOLA, 2002, p.177)

Festa familiar

Em outubro de 1930Nós fizemos – que animação! –

Um pic-nic com carabinas.

Murilo Mendes apud (NICOLA, 2002, p.177)

A propósito:

1 - Explique os versos de Drummond “Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos” e sua relação com a proposta política dos modernistas.

2 - Tanto Drummond como Murilo Mendes trouxeram para a poesia brasileira versos que delataram a alma do homem modernista “meu nome é tumulto” e “Em outubro de 1930” e fazem referência às coisas da vida, do cotidiano. Justifique a importância da poesia modernista para a literatura brasileira a partir desta proposta.

Disponível em: http://f.i.uol.com.br/folha/ilustrada/images/0832817.jpg

Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/murilomendes.jpg

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3 - Drummond e Murilo Mendes, nos poemas "nosso tempo" e "festa familiar", defendem algumas características do movimento modernista. Identifique e escreva sobre estas características.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Esperamos que esta visita à literatura brasileira traga bons proveitos para que você compreenda os propósitos destes primeiros movimentos em relação ao que pensamos sobre as literaturas modernistas e con-temporâneas.

Na aula seguinte, iniciaremos nosso debate partindo do contexto da produção literária da primeira geração modernista até os dias atuais.

Aproveite os diálogos!

Leituras recomendadas

Para navegar As informações que, a nosso ver, acrescentam à formatação de

uma visão crítica sobre nossa literatura modernista em seus momentos mais singulares podem ser verificados nos seguintes sites:

http://www.atica.Literatura contemporânea.com.br

Site com boas leituras sobre a nossa literatura. Traz textos que discu-tem a literatura modernista e as principais diferenças que fundamenta-ram cada geração. Este site apresenta um estudo bem detalhado sobre a literatura contemporânea.

http://www.geocites.com.br/especial

Este site é dedicado a uma amostragem que apresenta a poesia concreta como peça-chave nas produções contemporâneas. Há tex-

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24 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

tos informativos sobre os diferentes poemas produzidos neste período, também apresenta discussões pertinentes sobre as divergências internas entre os próprios concretistas.

http://www.acd.ufrj.br/pacc/literatura/

Site que debate a literatura marginal numa perspectiva crítica e que defende esta literatura no centro por não ser centralizadora. Este site pensa, sobretudo, as produções deste período.

Para assistir Farenheit, 451 (EUA, 1967)

Direção de François Trouffaut

Em um futuro indefinido um governo totalitário proíbe a existência de todo e qualquer documento escrito, considerado uma ameaça à segurança pública, e providencia a queima de livros porventura en-contrados em esconderijos de dissidentes do regime, que lutam, à sua maneira, para preservar a cultura. Uma declaração de amor a inteli-gência, à liberdade de expressão e aos livros.

ResumoO Modernismo pode ser considerado uma expressão inovadora

que sugeriu uma revolução na relação entre língua e literatura já que seus autores desejavam uma literatura mais brasileira possível. Estes autores foram à Europa e beberam diretamente nas fontes, mas, con-traditoriamente, a causa maior do Modernismo, era o ataque frontal a tudo que não fosse brasileiro. Em contato com as literaturas dos mais diversos países entenderam que este era um momento ímpar para fazer brotar um sentimento mais nacionalista. A literatura modernista passa por vários momentos envolvendo aquilo que é denominado de primeira geração modernista que vai de 1922 a 1930, a segunda geração que se estende de 1930 a 1945 e, as literaturas pós-modernistas ou neo--modernistas em suas tendências contemporâneas que datam de 1945 até os dias atuais. Durante estes momentos, a busca de um sentimento mais nacionalista se tornou uma marca das mentes pensantes brasilei-ras dominadas pela vontade de mudar os planos artísticos e políticos.

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AutoavaliaçãoSua reflexão é imprescindível para verificarmos sua aprendizagem, e, juntos avaliarmos pontos positivos e negativos desta primeira aula. Dessa forma, avalie seu desempenho como aluno desta primeira aula.

01 - Após uma leitura atenciosa reflita as afirmações abaixo:

“A história da literatura modernista brasileira está ligada à história da modernidade”.

02 - Por surgir na efervescência do pensamento moderno, a literatura modernista brasileira, em suas tendências contemporâneas, acaba por engendrar uma forma de pensar que propõe mudanças tanto no âmbito artístico quanto no plano político. Explique por quê.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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26 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Referências

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, 1996.

LUCAS, Fábio. Literatura e comunicação na era da eletrônica. São Paulo, Cortez, 2001.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. V.5: Modernismo. 5ª. Ed. São Paulo, Cultrix, 2000.

NICOLA, José de. Língua, Literatura & Redação. São Paulo, Scipione, 1998.

PAZ, Otávio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

PETERSON, Michel (org.) As Armas do texto: a literatura e a resistência da literatura. Porto Alegre, RS, Sagra Luzzatto, 2000.

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 27

II UNIDADE

Revista em revistas e manifestos

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28 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

ApresentaçãoComo foi discutido na primeira unidade é preciso que você entenda

o Modernismo como um movimento que trouxe sérias transformações para a forma de pensar e dizer as coisas. Para tanto, nesta segunda unidade, levaremos ao seu conhecimento as primeiras produções deste momento atentando, sobretudo, em primeiro momento, para a revista Klaxon e fragmentos de alguns manifestos que como gêneros arrebata-dores de idéias influíram em toda a produção modernista.

Para a crítica literária, a idéia da “semana” surgiu na exposição do pintor Di Cavalcante, na livraria “O livro” onde se encontrou com Gra-ça Aranha recém-chegado da Europa e inflamado pelos toques mais avançados do Modernismo de “lá”. Esta influência interferiu na forma dos modernistas “daqui” encararem o “novo” momento e deflagrarem uma postura mais crítica com uma tonalidade que refletiu o desconten-tamento, não somente com a arte, mas também com a política da qual o povo brasileiro era refém.

A partir deste momento, a mentalidade sobre as artes poética, pro-saica, plástica, musical, dramática passou a respirar um ar de mudança e sua mínima exigência foi acompanhar o novo tempo, uma vez que es-tas artes desejavam desnudar a alma do homem dando-lhe uma nova roupagem colocando-o no centro da cena artística e literária.

Nesta unidade lançaremos nosso olhar na direção de revistas e manifestos como obras que ilustraram as consciências política e artísti-ca desta primeira geração que trouxe para o centro da literatura outro olhar sobre a realidade brasileira. Por isto, é impossível falarmos da primeira geração sem uma ancoragem no porto-literário klaxon: revista da época que difundiu os principais ideais modernistas.

As produções que abordaremos nesta unidade trarão informações relevantes para o seu crescimento rumo a uma crítica que lhe faça com-preender os aspectos que fundamentaram a lógica dos modernistas na literatura e na arte brasileira.

Pois bem, para uma melhor aproximação entre você e o Moder-nismo de revistas e manifestos, lhe convido a um diálogo minucioso tanto com a escrita quanto com a linguagem visual que se destacaram e melhor representaram os ideais artísticos e políticos desta primeira geração.

Aqui, cabe um parêntese para as várias linguagens que se manifes-taram nesta primeira fase através das conferências, das declamações, das récitas musicais, das mostras de artes plásticas e de teatro.

Como você pode verificar o Modernismo não foi uma particularida-de exclusiva da literatura, embora, aqui, o nosso interesse seja o veio literário, o que não impede de estabelecermos um diálogo com as lin-

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guagens que contribuíram e fortaleceram este movimento. Para isto, vez por outra, recorreremos a estas linguagens para ilustrar e aprofundar o nosso diálogo ao longo desta unidade.

Apesar da forte reação do público, o novo ideário vingou, fixou-se numa série de revistas e difundiu--se pelo resto do país. Ao longo de seu percur-so, o modernismo atravessou as seguintes fases: de destruição, entre 1922 e 1928 caracterizadas pela irreverência iconoclasta (poema-piada), o na-cionalismo desenfreado, o primitivismo, o repúdio total de nosso passado histórico (MOISÉS, 1988, p.357).

Esta abertura para uma crítica contundente deu vazão a uma von-tade coletiva destes artistas de mudarem, com suas artes, a realidade do povo brasileiro. Assim, neste cenário cultural, surgiram revistas que expandiram os questionamentos dos modernistas que vislumbraram, através destes meios de comunicação, uma brecha para que suas pro-duções refletissem as idéias revolucionárias e fossem disseminadas en-tre o maior número possível de leitores.

Aqui você se encontrará com o conteúdo e o propósito de revistas e manifestos que trouxeram, no cerne de sua produção, uma preocupa-ção contundente com a proposta do novo tempo.

Boa empreitada!

Objetivos

Ao final desta unidade você deverá:

• Conhecer revistas e manifestos que iniciaram a literatura mo-dernista desde sua origem, na primeira geração;

• Compreender estas produções dentro do contexto histórico bem como as influências recebidas ao longo de suas histórias.

• Conhecer os propósitos da literatura modernista, em seu início, a partir de manifestos e revistas.

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Inícios e indícios literários

“A semana de 1922”, foi como sinalizamos, na primeira unidade, o marco de uma revolução artística e política que refletiu a maneira do homem moderno pensar a sociedade brasileira. Para MOISÉS (1988, p. 24), este é o ano-chave tanto na história do Modernismo como de nossas instituições culturais, políticas. Deste modo, a história do Moder-nismo reflete os avanços pelos quais passaram a formação artística e política de nossa sociedade nos idos do século XX cuja marca mais forte foi o vislumbre pela revolução cultural como uma maneira de encarar o novo tempo.

É a luz de célebres frases como a de Mário de Andrade: LEITOR: ESTÁ FUNDADO O DESVAIRISMO que se ergue o Modernismo para delimitar a criação fundamentada, sobretudo, na experiência de vida dos cidadãos brasileiros.

O direito permanente à pesquisa estética; atua-lização da inteligência artística brasileira; e a es-tabilização de uma consciência criadora nacional (MOISÈS, 1988, p.32).

Entenda que o Modernismo não foi um movimento cujo eixo pre-dominante tenha sido o literário, contém outras expressões que é im-portante ressaltá-las tais como a música, a pintura, a escultura, o teatro entre outras linguagens que integraram e fortaleceram o movimento.

Estas expressões conduziram a imaginação dos jovens da época a uma visão mais contundente sobre os seus fazeres artísticos perante a modernidade. Portanto, é comum encontrarmos dentro da história des-te movimento uma versão que privilegia uma ou outra linguagem em detrimento da supressão de outras, mas é importante ressaltar que esta nova vertente contou com a contribuição de todas as artes em momen-tos considerados fundamentais para uma transformação na forma de interpretar a realidade de modo mais criativo e crítico cuja finalidade era propiciar um novo olhar sobre a política das relações da sociedade brasileira com sua própria realidade.

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Atividade I

Exercício de pesquisa

1 - A realidade brasileira para os modernistas da primeira geração representou aquilo que chamamos de “prato cheio” para a “inspiração” em torno do conteúdo que envolvia a política da época. Desta forma, discuta e escreva sobre o processo da criação literária a partir de um tópico (de sua escolha) que justifique a empreitada modernista.

2 - Identifique os “clichês” modernistas comuns a todos os manifestos e escolha um desses “clichês” para sua abordagem escrita.

3 - Que elementos modernistas são predominantes nas capas de revistas apresentadas? Aborde estes elementos atentando para as propostas modernistas.

4 - Retome em manifestos e revistas, características que fundamentaram os ideais dos modernistas da primeira geração a partir de ataques aos que produziram arte e literatura antes deles. Disserte sobre estas características

Revista em revistase manifestos

Para uma melhor compreensão do processo modernista é preciso encarar, primeiramente, as revistas e os manifestos como marcas fortes de difusão do pensamento dos homens da arte neste instante

(...) era uma espécie de porta-voz do movimento renovador paulista, surgida três meses após a se-mana de arte moderna (MOISÈS, 1988, p.41).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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32 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Perceba que esta influência propiciou um diálogo que sinalizou para as inquietações que acabaram chamando a atenção para as diferenças entre as produções advindas da periferia do Brasil e as produções loca-lizadas e centralizadas no eixo sul-sudeste.

Klaxon, a revista-chave do mo-vimento declarava que não “é futurista” (MOISÉS, 1988, p.32).

Todas as revistas literárias tiveram como porta-vozes os principais integrantes desta geração que viam nestes periódicos uma forma de chegar ao público de maneira mais massiva. Por isto, a definição dada a Klaxon – mensário de arte moderna, esboçou um olhar sobre a vida urbana, sobretudo, designando o barulho de buzinas de automóveis pedindo passagem ou atropelando pedestres. Esta revista trouxe reno-vações de várias maneiras, a começar pelo projeto gráfico que envol-veu a aliança necessária entre a palavra e a imagem que juntas diriam mais do que havia dito cada uma delas isoladamente. As palavras se tornaram imagens e as imagens sugeriram palavras que cobraram do leitor mais competência na interpretação tão fundamental para fomen-tação de uma visão que refletisse mais inteligência.

Klaxon foi inovadora em todos os sentidos: desde o projeto gráfico (tanto da capa como das páginas internas) até a publicidade das contracapas e da quarta capa. Na oposição entre o velho e o novo, na proposta de uma concepção estética diferente. O século XX buzinando (NICOLA, 2002, p.132-133).

A criação de Klaxon foi sem dúvida, uma invenção que definiu o primeiro momento modernista como mais interessado na renovação literária, artística e política do que em outros assuntos dissociados da li-nha de suas propostas. Esta revista foi tão importante para a expressão artística deste momento que após o seu fim, o movimento modernista,

Disponível em: http://www.ieb.usp.br/publicacoes/img/lightbox/terra_roxa_001_1285984549.jpg

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 33

do ponto de vista da literatura, teve uma espécie de pausa para uma reflexão o que acabou sugerindo uma nova vertente. Esta pausa de 1923 até 1926 suscitou a criação da revista Terra roxa e outras terras de Minas Gerais.

Leia os trechos do manifesto que abriu o número um da revista klaxon:

Klaxon sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente. Klaxon não se preocupará de ser novo, mas de ser atual. Essa é a grande lei da novidade. Klaxon não é exclusivista. Apesar disso jamais publicará inéditos de maus de bons escritores já mortos (NICOLA, 2002, p.133).

Constata-se que a proposta do Modernismo aparece nitidamente nesta edição da revista considerada o canal de comunicação entre ar-tistas e o público da época.

Para observar esta propositura sugiro que você observe a próxima passagem:

Klaxon cogita principalmente de arte. Mas quer re-presentar a época de 1920 em diante. Por isso, é polimorfo, onipresente, inquieto, cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz (NICOLA, 2002, p.133).

A partir de 1924, o manifesto da poesia, pau- Brasil, veio à tona pelo viés de uma proposta que remetia a produção de uma literatura intrínseca à realidade brasileira.

Observe os trechos do manifesto pau-brasil:

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. (...)

A poesia pau-brasil. Ágil e cândida. Como uma criança

(...)

A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contri-buição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos

(NICOLA, 2002, p.134).

Assim, percebe-se uma grande adesão dos homens das letras aos manifestos na tentativa de fazer valer suas idéias na defesa da criação fundamentada num sentimento mais brasileiro.

Oswald de Andrade declarou-se pela “língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”, num tom que parece re-percutir o pensamento da geração. O libelo não dissimula seu objetivo: refutar o purismo gramati-cal, de recorte lusitanizante, dos parnasianos e dos prosadores vernaculistas (MOISÉS, 1988, p.34).

Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/_A2VA-1QfamY/SoTrjThbj1I/AAAAAAAAAd8/bEwtwfWAWe0/s320/Pau%2BBrasil.png

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34 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

A influência de manifestos e revistas paulistas levou um grupo de Minas Gerais, a circular também com a Revista que em seu primeiro número afirmava:

(...) somos finalmente um órgão público. Esse qua-lificativo foi corrompido pela interpretação vicio-sa a que nos abrigou o exercício desenfreado da politicagem. Entretanto, não sabemos de palavra mais nobre que esta: política. Será preciso dizer que temos um ideal? Ele se apóia no mais franco e decidido nacionalismo. A confissão desse naciona-lismo constitui o maior orgulho de nossa geração, que não pratica a xenofobia nem o chauvinismo, e que, longe de repudiar as correntes civilizadoras da Europa, intenta submeter o Brasil cada vez mais a influxo, sem quebra de nossa originalidade nacio-nal (NICOLA, 2002, p.135).

Agora observe os fragmentos do Manifesto verde-amarelista

Este manifesto trouxe em sua essência uma marca muito forte dos propósitos modernistas, sobretudo, em relação ao grupo que integrava a Revista a uma vertente que criticava piamente o “nacionalismo afran-cesado” encampado, principalmente, por Oswald de Andrade. Este grupo verde-amarelista, ufanista e primitivista preferiu eleger o tupi e a imagem da anta como símbolos da nação brasileira.

O grupo “verdeamarelo”, cuja regra é a liberda-de plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder cuja condição é cada um interpretar o seu país e o seu povo através de si mesmo, da própria determinação instintiva; - o grupo “verdemarelo”, à tirania das sistematizações ideológicas, responde com a sua alforria e a amplitude sem obstáculos de sua ação brasileira (...)Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que faremos a inevitável renovação do Brasil, como fez, através de quatro séculos a alma da nossa gente, através de todas as expressões históricas.Nosso nacionalismo é “verdamarelo” e tupi. (...)

Manifesto regionalista:

Desta forma, surgiu dentro do Modernismo uma nova maneira de abordar o Brasil pela via do interior e a defesa desta abordagem foi fei-ta a partir do Manifesto regionalista em 1926. Esta nova vertente visava encarar a modernidade brasileira com a proposta de descentralizar a produção artística do eixo sul-sudeste fazendo emergir o regionalismo localizado em Recife-PE de onde surgiu a preocupação de fazer valer o sentimento da unificação do nordeste como sinônimo de novos valores

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modernistas. Esta nova vertente se aliou aos diversos interesses políticos e sugeriu o desenvolvimento da região nordeste o que desencadeou a partir dos anos 30, o surgimento de grandes nomes na literatura regio-nalista.

Outra revista que merece atenção é a Revista de Antropofagia, que criou o movimento de mesmo nome: espécie de nova roupagem para o movimento pau-brasil oposição ao grupo verde-amarelista. Na primeira edição da Revista de antropofagia, a partir do manifesto assinado por Oswald, transpareceu o perfil de um “tabuleiro ideológico” em que o movimento se transformou por acomodar em seu cerne autores que migraram de movimentos considerados ultrapassados, a exemplo dos autores que outrora integraram a Escola da Anta.

A nosso ver, é impossível, um movimento ganhar a credibilidade imediata de um determinado público sem o respaldo de dissidentes de movimentos anteriores. Ou seja, sem a adesão de nomes que de-fenderam outras propostas literárias, mas que mudaram suas posições aderindo ao “novo”, ao contemporâneo.

Leia os fragmentos do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade:

Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões.

Todos os tratados de paz.

Tupy or not tupy, that is the questions. (...)

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções e velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continen-

tal. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil. (...)

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto felicidade. Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de

Catarina de Medicis e genro de D. Antonio de Mariz.

A alegria é a prova dos nove.

Observe que os manifestos questionaram política e artisticamente a situação do Brasil diante de alguns países da Europa, a exemplo de Por-tugal, e abriram brechas para uma crítica que corroborou para uma visão que exigiu melhoras na produção artística brasileira.

Mais produções: Revista Verde de Cataguazes, de Minas Gerais, as Revistas Estéticas e Festa circularam no Rio de Janeiro, e, em São Paulo, também, Terra roxa e outras terras,

Disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/thumb/6/65/Revantrof.png/250px-Revantrof.png

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36 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Atividade II

Leia e reflita os fragmentos dos manifestos:

Fragmento 1 - Pau-brasil:

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. (...)

<>

A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica A contribui-ção milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. (NICOLA, 2002, p.134)

<>

Fragmento 2 - Verde-amarelo

O grupo “verdeamarelo”, cuja regra é a liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder cuja condição é cada um interpretar o seu país e o seu povo através de si mesmo, da própria determinação ins-tintiva; - o grupo “verdemarelo”, à tirania das sistematizações ideológicas, responde com a sua alforria e a amplitude sem obstáculos de sua ação brasileira (...)

<>

Nosso nacionalismo é “verdamarelo” e tupi. (...)

<>

Fragmento 3 - Antropofagia

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualis-mos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. Todos os tratados de paz.

Tupy or not tupy, that is the questions. (...)

<>

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descober-to felicidade. Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilha-do de Catarina de Medicis e genro de D. Antonio de Mariz.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 37

De acordo com os fragmentos dos manifestos acima

1 - Explique a afirmação seguinte:

Com efeito, o protagonista sintetiza na variação constante de temperamento, as diversas facetas do brasileiro-tipo, segundo a região em que vive o substrato étnico de que participa. (MOISÈS, 1987, p.367)

a - O manifesto verdeamarelo relata uma insatisfação frente ao grupo pau-brasil, pesquise o enredo desta insatisfação e faça as suas considerações críticas sobre as divergências.

b - O manifesto antropofagia traz uma marca que revela a crítica do movimento em relação às coisas impostas pelos europeus e afirmam: “Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto felicidade. Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Medicis e genro de D. Antonio de Mariz”. Dê a sua opinião sobre esta crítica dos brasileiros em relação aos europeus, em particular, a Portugal.

c - Além dos manifestos que fundamentavam todos os conceitos defendidos pelos modernistas também havia uma tentativa de outras linguagens expressarem suas opiniões. Para suas considerações pesquise estas linguagens e identifique uma com seu respectivo ponto de vista sobre o movimento modernista.

d - Sabe-se que o Modernismo foi deflagrado à luz de célebres frases que definiam muito bem o propósito do movimento. Uma destas frases, nas entrelinhas, é na verdade, um texto que amplia toda a visão que temos dos significantes que cercam a literatura brasileira: ”LEITOR ESTÁ FUNDADO O DESVAIRISMO”.

De acordo com a proposta do Modernismo, amplie esta frase para um texto escrito que reflita sua compreensão crítica sobre este estilo.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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38 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Leituras recomendadas

Para navegarMuitas informações são imprescindíveis para o seu crescimento e a

consulta incansável a muitos sites realmente fazem a diferença na for-mação de uma visão mais crítica. Dentre tantos sites, elencamos estes para suas visitações e entendemos que quanto mais ampla a pesquisa mais conhecimentos na formação.

http://www.passeiweb.com

Este site apresenta na íntegra os manifestos concentrando opiniões de diversos autores sobre o conteúdo destes documentos... Além dos manifestos completos, este site aponta em detalhes a história da forma-ção de revistas e manifestos e discute as divergências entre a língua do povo do Brasil e a língua da burguesia brasileira européia da época.

http://www.brasiliana.usp.br/

Portal que adentra o conteúdo dos manifestos e revistas, indican-do, inclusive, propagandas de vários produtos consumidos na época... Este site tem como principal analista o professor Jorge Schwartz titular da USP-SP e diretor do Museu de Lasar Segall. O professor Jorge faz sua crítica a estes documentos de forma bastante pertinente. Há textos de diversos autores que informam sobre as divergências dos manifes-tos, bem como discussões sobre estes projetos que envolviam diferentes pontos de vistas.

http://www. Sebodomessias.com

Site que elucida os interesses financeiros, políticos e artísticos dos editores das revistas modernistas que encaradas como produtos de con-sumo, eram as principais veiculadoras das idéias artísticas e política da época. Neste site os ideais destas revistas são dispostos através das ima-gens que constituem a inteligência visual das revistas da forma como refletiam a idéia da comunicação proposta pela linguagem visual.

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 39

Para assistirLÍNGUA, vidas em português, de Victor Lope. Paris filmes.

Uma viagem pelas histórias de língua portuguesa e sua sobrevivên-cia entre culturas variadas.

Filmado em Portugal, Moçambique, índia, Brasil, França e Japão, aborda as histórias da língua portuguesa e sua permanência entre cul-turas diferentes. Há exposições do cotidiano de protagonistas importan-tes e em cada um, a língua portuguesa faz emergir deuses, melodias, climas, ritmos.

Resumo

Todo percurso artístico-literário requer seu lado histórico. Assim, ob-servamos que a invenção do Modernismo e sua conseqüente formação estão intrínsecas à história das artes que iniciaram suas empreitadas em confronto direto com a politicagem e alastraram sua cultura na tentativa de impor uma língua com um timbre mais brasileiro possível. Antenados com as produções mais variadas dos mais diversos países o Modernismo foi se modificando dando origem aos manifestos e revistas (Klaxon, entre outras revistas deram o “tom da des-graça"). Em sua as-censão histórica, o Modernismo, movimento artístico-literário percorreu três gerações, conforme já tratamos na aula anterior. Estas gerações foram precursoras de manifestos, revistas, livros, telas, peças musicais e teatrais que colocaram o Brasil num patamar de valorização intelectual que envolveu os séculos, XX e XXI.

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40 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Autoavaliação1 - Seus comentários e reflexões escritas nos auxiliarão a apontar aspectos positivos e negativos de sua aprendizagem, bem como identificar o que você precisa rever para melhorar sua visão crítica (dos pontos de vistas da oralidade e da escrita). Deste modo, questione seu empenho nesta aula. Leve em consideração sua carga horária de leitura e o acesso ao material estudado nesta unidade.

2 - Após suas leituras e conseqüentes reflexões sobre o estudo em foco, (revistas e manifestos), retome o debate refletindo a citação abaixo:

“A história do Modernismo está profundamente ligada à história das conquistas políticas brasileiras”

3 - Influenciado ou inspirado por movimentos europeus ou obras medievais a exemplo da novela Amadis de Gaula, o Modernismo, através de revistas e manifestos, deixou transparecer certa liberdade na rejeição ferrenha às coisas de fora. Explique por quê.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 41

Referências

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, 1996.

CAMPOS, Inês e ASSUMPÇÃO. Tantas linguagens. São Paulo: Ática, 2007

LUCAS, Fábio. Literatura e comunicação na era da eletrônica. São Paulo, Cortez, 2001.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. V.5: Modernismo. 5ª. Ed. São Paulo, Cultrix, 2000.

____ A literatura brasileira através dos textos. São Paulo, Cultrix, 1987.

NICOLA, José de. Língua, Literatura & Redação. São Paulo, Scipione, 1998.

PAZ, Otávio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

PETERSON, Michel (org.) As Armas do texto: a literatura e a resistência da literatura. Porto Alegre, RS, Sagra Luzzatto, 2000.

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III UNIDADE

Uma fresta literária (um festival de brasilidade)

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ApresentaçãoNesta terceira unidade nos deteremos em um dos escritores que

mais se destacou na primeira geração do modernismo. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que este a quem chamamos poeta também é respeitado como um grande prosador: poesia e prosa estão para este escritor “como o amor está para a amizade”.

Este escritor, além de compor belos poemas, também produziu ma-nifestos, romances, contos e crônicas e suas obras foram demarcadoras da história de nossa literatura modernista.

Isto não quer dizer, que desmerecemos os demais escritores os quais trataremos nas próximas unidades, vez que nesta terceira unidade, nos-so objetivo é abordar o perfil literário deste escritor que fez da história do modernismo uma verdadeira avalanche de produções que fizeram a diferença em nossa criação literária. A obra deste escritor revolucionou a “estética literária” brasileira passando a ser o pivô de sérias críticas que ora consideramos pertinentes e contundentes, ora apenas obsole-tas, em relação à grandeza da produção e da proposta literária deste escritor paulista tão singular. De acordo com a historiografia literária este autor está caracterizado como integrante e militante da primeira geração modernista.

Dada a importância de suas obras e devido a sua contemporanei-dade, do ponto de vista das propostas, às vezes, é difícil estabelecer critérios para este “enquadramento”, o que pode causar algum espanto em você que poderia concluir: Modernismo e Contemporâneo se bifur-cam conforme nossa discussão na primeira unidade.

Deste modo, conforme alguns críticos, talvez a linha de pesquisa mais fascinante e esclarecedora, seja aquela que indica respostas me-nos confusas no tocante à idéia de que esta caracterização deve-se ao “processo de canonização literária”. Para compreender melhor o conceito de “cânone”, alguns professores dos cursos de Letras, são unânimes, ao indicarem a obra abaixo para melhores esclarecimentos:

REIS, Roberto. Canon. In: JOBIM, J. Luis (Org..). Palavras da crítica: Ten-dências e conceitos no estudo da literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992.

Por isto, muitas vezes, insistem em estabelecer uma espécie de crise que busca questionar, sobretudo, os critérios que classificam ou enqua-dram obras e autores em determinados movimentos ou estilos literários. Mesmo assim, aqui, o critério que utilizaremos para esta associação literária será o que rege o conceito centrado “no processo de canoni-zação literária”.

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Portanto, procuraremos observar na obra do escritor em foco, a for-ma como a linguagem modernista foi abordada e as principais temá-ticas trabalhadas em seus textos, tanto na poesia quanto na prosa. Es-colhemos para este olhar fragmentos de duas obras que consideramos essenciais para o nosso debate: Paulicéia desvairada e Macunaíma, obras que sintetizam o poder de criação do autor em estudo a ponto de transpassar o seu próprio tempo. Outra razão que justifica esta escolha é o fato destas obras terem sido produzidas entre 1922 e1928 nos anos de vida da primeira geração que termina em 1930.

Conforme expomos na segunda unidade, as revistas e os manifes-tos foram, sem dúvida alguma, a porta de entrada para uma revolução que aconteceria em nível de literatura. Ainda no centro da primeira geração nos deteremos especificamente em MÁRIO Raul de Morais ANDRADE, um dos únicos autores que, a nosso ver, representa o ponto máximo deste movimento, o ícone da vanguarda modernista, “o papa do modernismo” e que merece o empenho de uma unidade inteira para refleti-lo.

Boas reflexões!

Objetivos

Ao concluir esta unidade, você deverá:

• Conhecer “o papa do modernismo” da primeira geração da poesia e da prosa;

• Compreender suas produções, paulicéia desvairada e Macunaíma, em consonância com os ideais modernistas;

• Perceber a linguagem e a temática predominante nas obras em foco deste autor.

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A máquina de produzir prosas e versos

Após as breves considerações esboçadas na segunda unidade sobre revistas e manifestos, convido você a conhecer um dos mais im-portantes integrantes do primeiro momento modernista. Um integrante que além de ser o cabeça foi um corpo atuante que trouxe da Europa para o Brasil as influências que marcaram sua atuação como poeta e como crítico que vislumbrou um novo tempo superando e ameaçando os velhos padrões das produções literárias anteriores. Sua obra denota uma acirrada crítica social à burguesia e a aristocracia brasileira.

Mário de Andrade, (1893-1945) paulista, um dos idealizadores da “semana de arte”, autor das principais idéias que estruturaram a polí-tica dos artistas da época, deu seu toque literário com o propósito de fazer com que seus leitores refletissem a questão da arte em suas vidas e na vida de seus circundantes. É um dos autores que mais lutou por uma língua brasileira mais próxima possível do povo com suas caracte-rísticas mais específicas.

(...) ele que já se deslumbrara com as novidades materiais citadinas: máquinas, costumes, e o uso cotidiano de duas línguas: o brasileiro falado e o português escrito. Macunaíma logo perceberá o prestígio da língua escrita e o poder de quem a do-mina, adotando na escrita o português de lei, que mal assimila e estropia (FONSECA, 2002, p.131).

O poeta Mário de Andrade publicou num intervalo de uma déca-da, entre tantas, duas obras que são fundamentais para a literatura brasileira naquele momento modernista de buscas de uma arte que melhor traduzisse os sentimentos do povo da época. Uma, é a “Pauli-céia desvairada” que conforme já esclarecemos representa um marco na literatura brasileira e a outra, é Macunaíma que advém da mesma cadeia de criações que estabeleceu uma nova fase para a produção literária brasileira.

Dois signos estelares presidiram o universo poético de Mário de Andrade – o circunstancial e o perene, a polêmica e a comoção, o distanciamento e a soli-dariedade -, formando inicialmente pólos dialéticos em conflito, mas que aos poucos evoluíram no sen-tido de uma síntese ideal (MOISÉS, 1988, p.370).

É preciso que você compreenda: que entre a “Paulicéia” (1922) e, “Macunaíma” (1928) Mário deflagrou o momento ímpar, momento singular na criação literária brasileira desta década.

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Atividade I

1 - Pesquise: os significados das expressões Macunaíma e paulicéia desvairada. Faça uma ponte dos significados destes termos com uma das características do modernismo no tocante a questão da brasilidade.

2 - Há passagens no capítulo I, de Macunaíma, onde Mário expõe vocábulos indígenas, africanos e regionalistas. Liste essas terminologias vocabulares, e faça uma pesquisa desses respectivos significados.

Dois olhares: duas obras

(...) A contingência revolucionária e o afã de cantar o burgo desperto para a indústria e o progresso não empanam o sentimento efusivo: São Paulo! Comoção da minha vida (MOISÉS, 1988, p.370).

A paulicéia desvairada: (1922) Vinha repleta de inovações que logo transformaram o livro numa espécie de ponto de referência obrigatório para os modernistas. Além disso, trazia “o prefácio interessantíssimo”, escrito em versos no qual Mário de Andrade expôs sua teoria poética, denominada desvairismo.(Faraco & Moura, 1996, p.110).

Esta obra (1922) é bastante estudada pela crítica literária brasileira que costuma apontá-la como símbolo da arrogância política Andradi-na em relação ao perfil crítico da exigência que se estabeleceu após esta produção. È a partir desta produção que a poesia de Mário de Andrade, se revela com o propósito de romper com todas as tradições do passado. “A Paulicéia” apresenta São Paulo, como diversa, “uma colcha de retalhos, uma roupa de arlequim – uma cidade arlequinal” (NICOLA, 1998, p.300).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Publicando a “Paulicéia Desvairada” em 1922 e “Macunaíma” em 1928, balizava, simbolicamen-te, o primeiro momento modernista: dava-lhe o arranco inicial nos domínios da criação literária e anunciava-lhe o término, revelando, ao mesmo tempo, que se identificava com o movimento de 22 ao ponto de servir-lhe de guia e ser chamado o “papa do Modernismo” (MOISÉS, 1988, p.65).

“A paulicéia” tomou como musa inspiradora a cidade de são Paulo, talvez, por ser travestida de múltiplas máscaras. A proposta era en-frentar as sociedades paulista e paulistana, tão diversa, sem retirar as máscaras das faces, mas sempre pressupondo o que poderia haver por trás destas más-caras que explicitavam certa mistura de metrópole com província. Romper com todas as estruturas oriundas do passado era a máxima Andradina, embora se verifique, em algumas obras, a presen-ça de autores que foram fundamentais em sua formação poética...

Por certo, aquele momento de instabilidade impri-miu também à cidade uma feição inusitada, des-vairada, para dizer com Mário de Andrade que batizará seu livro de poemas (FONSECA, 2002, p.127).

Observe os versos que iniciam “A Paulicéia”:

Inspiração

São Paulo! Comoção de minha vida...Os meus amores são flores feitas de original...Arlequinal!Traje de losangos... Cinza e ouro...

Luz e bruma... Forno e inverno morno...Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...

(Mário de Andrade)

A partir destes versos percebe-se que a obra de Mário, considerado “o papa do modernismo”, traz uma preocupação que é latente e singu-lar em sua produção e:

Encerra todo um programa lírico, ou, ao menos, o leitmotiv do poeta: aqui o fulcro da poesia, para não dizer da poética, de Mário de Andrade. O fio da paulistanidade, rompido apenas quando outros temas lhe atraiam o olhar, perdura ao longo de seu itinerário, até desembocar na Lira paulistana, onde se define e atinge o apogeu, dando origem a mais alta expressão de sua inventiva lírica (MOI-SÉS, 1988, p.68).

Disponível em: http://gutocapucho.zip.net/images/pauliceia.jpg

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Segundo a crítica duas vertentes denominadas de “linhas de forças” guiam a poética de Mário, ou seja, de um lado “o poema-piada” com-pletamente conivente com o propósito demolidor de 1922 que pode ser explicitado a partir do fragmento abaixo e do outro lado, a vertente que determina um olhar mais condizente com os problemas do povo brasileiro

-“Escola, olhe essa palestra!”-Olhe o PaulistanoO trocadilho além de esfumaçada no tempo (re-fere-se a dois clubes de futebol, um dos quais ex-tintos, e o outro com o nome primitivo, não escon-dem sua pobreza em matéria de humor) (MOISÉS, 1988, p.66).

Verifique alguns fractais da “Paulicéia”:

Os quarenta - graus das riquezas! O vento gela...Abandonos! Idéias pálidas!

Perdidos os poetas, os moços, os loucos!Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!

A bruma neva... Arlequinal!Mas viva o Idea! God save the poetry!

(Mário de Andrade)

A essa poesia engajada contrapõe-se uma tendên-cia à emotividade, não raro no mesmo poema, até na mesma estrofe, lado a lado, como se obedien-tes a registros simultâneos da realidade. Generica-mente subjacente, amiúde explícita, a emotivida-de, que a irreverência modernista queria sufocar, desponta, sobretudo nas exclamações, por sinal, fartamente empregada (MOISÈS, 1988, p.67).

Muitas obras com diversas inclinações literárias compõem o perfil literário de Mário de Andrade na poesia e na prosa, mas a nosso ver, as duas obras em apreço, representam o marco da primeira geração e instituem uma espécie de capricho da criatividade nas obras de outros autores que publicaram posteriormente.

Paulicéia desvairada (1922), Losango Cáqui (1926), Clã do jabuti (1927), Remate de Males (1930), Lira Paulistana (1946), Contos: primeiro andar (1926), Belezarte ((1934). Contos novos (1946); “idílio”. Amar: verbo in transitivo (1927); “rapsódia”: Macunaíma (1928); ensaio: a escrava que não é Isaura (1925); O Aleijadinho e Álvares de Azevedo (1935), O movimento Modernista (1942); O baile das quatro artes (1943); Aspectos da literatura brasileira (1943); O empalhador de passarinho (1944); crônica: Os filhos da Candinha (1943); vária: compêndio de história da música (1929); Modinhas

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50 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

imperiais (1930); Música doce música (1933); A música e a canção popular no Brasil (1936); Namoros com a Medina (1939); A expressão musical nos Es-tados Unidos (1940); Música no Brasil (1941); Danças dramáticas do Brasil (três vols.1959); Música e feitiçaria no Brasil (1963); diário: O Turista aprendiz (1977) (MOISÈS, 1988, p.65).

Como você pode perceber Mário de Andrade não foi um poeta apenas dos versos, mas, também, de uma prosa intensa que vai da poesia, passando pelos contos, crônicas, romances ou pela sua visão historiográfica sobre o Brasil quando ousou re-escrever a nossa história em prosa e em versos.

Todas as suas obras da poesia à prosa procuraram colocar o Bra-sil em primeira mão, na linha de frente dos demais países latinos que sempre estiveram à margem de uma produção literária que estivesse na vitrine literária internacional.

Atividade II

1 - Já que você, após pesquisar, sabe o significado das palavras “paulicéia desvairada” como você explica esta apologia ao palco dos acontecimentos modernistas, e, principalmente, o palco do nascimento do poeta. Será que aí não há um exagero de paulista em relação ao centro dos acontecimentos da “semana”? Amplie a discussão retomando o início do poema que se inicia com uma comoção a São Paulo.

2 - Pesquise sobre esta fusão poesia e prosa na obra de Mário de Andrade, e se possível, identifique na “paulicéia” encontros e desencontro entre estes dois gêneros.

Macunaíma: (1928)A história tragicômica desse mito indígena, tratado

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 51

na obra de Mário de Andrade como “herói sem ne-nhum caráter” e “herói de nossa gente”, é contada por um rapsodo numa seqüência de 18 capítulos, compreendendo seu nascimento, aventuras da maioridade, façanhas urbanas, e subidas ao céu (FONSECA, 2002, p.130).

Resumo de Macunaíma:

Capítulo primeiro:

No fundo do mato virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gen-te. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que índia tapanhumas pariu criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.

Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava:

Aí! Que preguiça!

E não dizia mais nada. Ficava no canto da aloca, trepado no jirau de pixiúba, espiando o trabalho os outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho dando mergu-lho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiamus diz-que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunha-tã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunáima punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos e freqüentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.

Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras-feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar.

Nas conversas das mulheres o pino dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam muito simpatizadas, falando que “espinho que pinica, de pequeno já traz ponta”, e numa pajelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente.

(...)

Capítulo quinto:

(...)

Uma feita a sol cobrira os três manos duma escaminha de suor e

Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/_12whxBp1bE0/TTbRxpJd6gI/AAAAAAAAAt8/Cy-R3V1VRIM/s1600/5607_31.jpg

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52 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Macunaíma se lembrou de tomar banho. Porém no rio era impossível por causa das piranhas tão vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco de irmã espedaçada, pulavam aos cachos pra fora d’água metro e mais. Então Macunaíma enxergou numa lapa bem o meio do rio uma cova cheia d´água. E a cova era que-nem a marca dum pé-gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão de sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira.

Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azui-zinhos, água lavara o pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas.

Nem bem Jiguê percebeu milagre, se atirou na marca do pezão de Sumé.

Porém a água já estava muito suja da negrura do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água pra todos os lados só conseguiu ficar da cor do bronze novo. Macunaíma teve dó e consolou:

- Olhe, mano Jiguê, branco você ficou não, porém pretume foi-se antes fanhoso que se nariz.

Maanape então é que foi se lavar, mas jiguê esborrifara toda a água encantada pra fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro bem filho da tribo dos Tapanhumas. Só que as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água san-ta. Macunáima teve dó e consolou:

- Não se avexe, mano Maanape, não se avexe não, mais sofreu nosso tio Judas!

E estava lindíssimo na Sol da lapa os três manos um louro um ver-melho outro negro, de pé bem erguidos e nus. Todos os seres do mato espiavam assombrados. O Jacareuna o jacaretinga o jacaré-açu o ja-caré-ururau de papo amarelo, todos esses jacarés botaram os olhos de rochedos pra fora d´água. Nos ramos das ingazeiras das aningas das mamonas das embaúbas dos catauaris de beira-rio o macaco-prego o macaco-de-cheiro o guariba o bugio o cuatá o barrigudo o coxiú o cairara, todos os quarenta macacos do Brasil. Todos espiavam baban-do de inveja. Os sabiás, o sabiacica osábiapoca o sabiaúna o sabiapi-ranga o sabiagonga que quando come não me dá, o sábia-barranco o sabiá-tropeiro o sabiá-laranjeira o sabiá-gute todos esses ficaram pasmos e esqueceram de acabar o trinado, vozeando com eloqüência. Macunaíma teve ódio. Botou as mãos nas ancas e gritou pra natureza:

Nunca viu não!

Então os seres naturais debandavam vivendo e os três manos segui-ram caminho outra vez. (...)

Epílogo:

Acabou-se a história e morreu a vitória. (...)

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 53

A tribo se acabara, a família virara sobras, a maloca ruíra minada pelas saúvas e Macunaíma subira pro céu, porém ficara o aruaí do séquito daqueles tempos de dates em que o herói fora o grande Macu-naíma imperador. E só o papagaio no silêncio d Uraricoera preservava do esquecimento os casos e a fala desaparecida. Só o papagaio con-servava no silêncio as frases e os feitos do herói.

Tudo ele contou pro homem e depois abriu asa rumo de Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história . Por isso que vim aqui. Me acocorei em riba dessas folhas, catei meus carrapatos, ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo cantando na fala impura as frases e os casos de Macunaíma, herói de nossa gente.

Mário apud (MOISÉS, 1988, p.364-366)

Macunaíma, sem dúvida, lança no Brasil uma visão ímpar sobre o índio brasileiro em sua empreitada ao sair do mato, da floresta para a cidade. Percurso até então ocultado, porém, visitado e desvendado pelo poeta modernista.

Será em Macunaíma (na maturidade do movimen-to) que irá forjar de modo lancinante toda essa gama de aspectos contraditórios, amealhando ma-teriais das culturas formadoras, e dando vida às mesclas da linguagem cotidiana, entre outras coi-sas (FONSECA, 2002, p.127).

Mário de Andrade preconizava uma língua nacio-nal que congraçasse os hábitos e costumes esti-lísticos de todo o país, incluindo os empréstimos indígenas (MOISÉS, 1987, p.367).

Surpreso, diante de rotulações e enquadramentos à sua obra, Má-rio, batizou-a primeiro de “história”, e depois de “rapsódia”. A narrativa entrelaça no decorrer dos capítulos e um epílogo, as inúmeras aventu-ras vividas pelo herói brasileiro, o índio.

Pensar Macunaíma por esses meandros será en-tender toda a arte bem realizada como um olhar crítico sobre o mundo, em circunstâncias particu-lares, posto que dialoga com a língua, a cultura e a sociedade que lhe servem de base (FONSECA, 2002, p.128).

Para tanto, o poeta Mário de Andrade, aproveita com a máxima liberdade as lendas e as tradições do folclore brasileiro para fazer de Macunaíma um canal de divulgação do saber e da cultura do povo brasileiro. Como resultado, traz à tona, o lado mítico das gestas me-dievais demonstrando sua aproximação com a era medieval européia:

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No outro dia Macunaíma pulou cedo na ubá e deu uma chegada até a Foz do rio Negro pra deixar a consciência na ilha Marapatá. Deixou-a bem na ponta dum mandacurú de dez metros, pra não ser comida pelas saúvas. Voltou pro lugar onde os ma-nos esperavam e no pino do dia os três rumaram prá margem esquerda do Sol Mário apud (MOI-SÉS, 1987, p.364).

É ai que entra em cena, na poética de Mário, uma preocupação peculiar e singular dos modernistas desta primeira geração: sugerir a fi-gura do índio como principal protagonista nas obras brasileiras: “Preto retinto, filho do medo da noite”, nascido de uma índia tapanhumas no meio da selva, Macunaíma aprende tardiamente a falar, mas, quando o faz tem pronto o seu bordão: “ai que preguiça!”... Mulherengo, gosta de “brincar” com as cunhans, mesmo sendo de seus irmãos, Jiguê e Maanape. Um dia, juntos, partiram1.

Com o subtítulo de “O Herói sem caráter”, Ma-cunaíma se classifica, de acordo com o autor, de rapsódia. Repudiando, assim, as denominações propriamente literárias em favor de um vocábulo tomado de empréstimo à música, Mário de Andra-de pretendia assinalar, antes de tudo o caráter mis-celâneo da obra, ou sua indeterminação no painel dos gêneros literários (MOISÈS, 1988, p.76-77).

Perceba que esta obra traz para o centro do Modernismo a riqueza do nosso folclore tão bem explorado. É aquilo que MOISÉS denominou de “luso-afro-indígena”, ou seja, uma espécie de quebra-cabeça de nossa realidade étnico-cultural. É a criação centrada, sobretudo, na historiografia brasileira onde o herói passa a ser o protótipo do perfil do povo brasileiro.

Da epopéia, no sentido de canto exaltador do mito capital de um povo, Macunaíma se aproxima pelo maravilhoso, com a diferença de que se trata não do maravilhoso helênico ou cristão das epopéias tradicionais, mas do ameríndio e negro puxado ao absurdo surrealista: o maravilhoso ludicamen-te concebido, e praticado por mentes ingênuas... (MOISÈS, 1988, p.77)

Macunaíma, segundo o olhar da crítica, mirou-se e espelhou-se num anti-herói, que “sem nenhum caráter” passou a representar a des-construção do perfil que estávamos acostumados a admirar nos heróis de outrora:

Herói dionisíaco vive para o prazer dos sentidos, sem os desígnios que historicamente caracteri-zavam os heróis – por natureza semideuses – da tradição... Herói faunesco, pândego, malandrim,

1 Mário de Andrade, Macunaíma, São Paulo, Martins, 1955, p.24

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pícaro sem malícia, inocente na prática do bem e do mal, porque nietzschianamente acima deles, ex-perimenta todas as reações humanas, inclusive as de medo, ódio, desespero, inveja, raiva, foge dos perigos, chora e chega até a morrer, e sua conver-são na Ursa (MOISÉS, 1988, p.78).

Para MOISÉS, ANDRADE, dentro de sua possibilidade lúdica, seu “poema-piada”, construiu o perfil de “seu” herói pautado num senti-mento mais cômico a ponto de fazer emergir a idéia do enquadramen-to da obra no campo do humor. Como se sua narrativa constituísse anedotas sobre o homem brasileiro.

Menos “Moderno”, ou menos modernista que al-guns companheiros de geração, a julgar pela obra criada, Mario de Andrade é, por isso mesmo, a figura mais representativa do primeiro momento do modernismo: sem agarrar-se com rigidez às ousadias de 22, tributo ao “moderno” anárquico e necessariamente efêmero, e rejeitando do pas-sado tudo quanto pudesse acarretar imobilismo, pode alcançar o equilíbrio característico dos auto-res “clássicos” que sustentam e engrandecem uma literatura (MOISÈS, 1988, p.82).

Para alguns críticos literários, Mário de Andrade, a partir de Macu-naíma, deixa transparecer o seu saber em relação às outras formas de conhecimento de nossa gente.

Alinhando-se entre os que pregam moldes estéti-cos renovadores, torna-se praticamente o guia de sua geração, e, em consonância com esse papel orientador, exerce múltipla e ininterrupta atividade intelectual (MOISÉS, 1987, p.358)

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Atividade III1 - Após sua pesquisa sobre o termo “Macunaíma” estabeleça uma discussão crítica que, a seu ver, corrobore com o significado da obra. Retire do capítulo primeiro desta obra passagens que justifiquem o significado por você pesquisado estabelecendo coerência semântica.

Leia e reflita: Em sua obra prima, Macunaíma, Mário de Andra-de lança um olhar diferente na direção do índio brasileiro, bem como sua empreitada ao migrar do mato, da mata virgem, da floresta para a cidade grande. Percurso até então ocultado, porém, des-vendado pelo poeta.Mário de Andrade preconizava uma língua nacio-nal que congraçasse os hábitos e costumes esti-lísticos de todo o país, incluindo os empréstimos indígenas. Daí, que, por exemplo, ao lado de que “facilitou-lhes a “viagem” (colocação pronomi-nal que lembra o esforço consciente e artificial de Alencar no sentido de abrasileirar o código lingüís-tico de seus romances) (MOISÉS, 1987, p.367)

2 - Após a leitura do recorte acima dê sua opinião sobre a importância deste olhar diferenciado, deste brasileirismo tão trabalhado e exibido por Mário de Andrade em sua produção.

3 - O que significa “herói sem caráter”. Que tipo de crítica Mário queria estabelecer construindo um “herói sem caráter” em relação á política brasileira destes anos.

4 - Mário de Andrade foi um dos autores que mais lutou por uma língua brasileira: Identifique, em Macunaíma, passagens que demonstrem a presença desta brasilidade lingüística.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 57

Leituras recomendadas Para navegar

As informações mais pertinentes são aquelas que viabilizam um diá-logo mais produtivo e, sobretudo, auxiliam na pesquisa. Entre muitos si-tes, estes são importantes porque reúnem dados coerentes que motivarão você a outras consultas.

http://www.mnemocine.com.br

Este site apresenta artigos de diversos autores dentre eles a Sarah Yakhri que em seu artigo faz a leitura de Macunaíma abordando a questão do desenvolvimento da trajetória dos personagens e seus pri-meiros significados no confronto com tantos outros significados que fundamentavam as coisas da grande metrópole.

http://www.sibila.com.br

Neste portal há vários autores que pensam “Macunaíma”. Há de-poimentos inéditos que adentram determinadas particularidades da obra de Mário. Autores do porte de Moacir Sclair, Milton Hatoum, Glauco Mattoso fazem análises de algumas obras e fazem uma relação comparativa das principais personagens destas obras com o homem Mario de Andrade.

Também se encontra neste site um artigo que envolve reflexões so-bre a “Rapsódia” Macunaíma assinado pelo crítico Jorge Sanglard.

http://www. literalmeida.blogspot.com

Site que elucida através do artigo intitulado “retalhos do modernis-mo”, em minúcias, a criação do “papa do modernismo”. A principal proposta do site é adentrar em detalhes tudo que envolve o modernis-mo brasileiro com a produção de Mário. Estes “retalhos” aparecem como sinônimos de minúcias da obra do mais importante autor da primeira geração modernista.

http://www. pensador.info.com.br

Aqui se encontra desde a biografia do autor até as suas opiniões sobre o modernismo. Neste site se desconstrói a idéia do poeta como um lunático, e faz emergir, sobretudo, o Mário de Andrade como um pensador da sociedade brasileira tanto do ponto de vista político quan-to poético...

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58 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

http://www. releituras.com

Este site traz um artigo intitulado “lições de mestre” onde Mário de Andrade aparece como um verdadeiro crítico do seu tempo, da sua sociedade. Fernando Sabino assina o artigo “lições de mestre” e desvenda um poeta com uma inclinação puramente política. Neste site predomina o interesse de apontar o poeta como o pivô dos grandes avanços modernistas de sua geração.

http://www.unicamp.br

Neste site se constrói o perfil de Mário dentro de uma dinâmica crí-tica que acende toda uma inquietação que a crítica tem em relação à poesia de Mário como engajada ou não. Aqui se apresenta um Mário crítico e principal responsável pelo projeto e construção de uma cultura nacional brasileira. Há, também, análises de alguns contos dentre eles “o vulcão controlado” onde Mário aparece como um poeta-filósofo que faz uma revisita ao filósofo Platão da Grécia antiga.

Para assistir

Macunaíma, de Mário de Andrade, filme de 1969 com direção e montagem de Joaquim Pedro de Andrade.

Uma longa e bela viagem pela história de nos-so índio, principal protagonista, fugindo da mata virgem para a cidade grande, seu confronto e sua sobrevivência em meio às culturas diversificadas.

Filmado na Amazonas e em São Paulo, o filme aborda a história dos povos indígenas brasileiros

em suas lutas pela permanência de suas culturas entre as culturas di-ferentes. Há exposições da vida cotidiana dos protagonistas brasileiros em ambientações que fazem emergir de nosso folclore, mitologias, cli-mas, ritmos nacionais entre outras particularidades brasileiras.

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ResumoDa primeira geração, temos em Mário de Andrade, a prova concre-

ta da inteligência desta geração que preferiu, através de rupturas, criar outro percurso artístico e literário diferenciado dos movimentos anterio-res. Primeiro, no que tange a uma poesia mais comprometida com as causas sociais brasileiras outrora ocultadas por criações que privilegia-vam mais o olhar vindo de fora. Com Mário de Andrade esta realidade foi abordada sobre o prisma de um brasileiro que optou por olhar as coisas da própria casa. O Modernismo de Mario é brasileiro desde que Macunaíma saiu do ostracismo, das matas virgens para mostrar sua in-teligência e travestir-se da vontade de migrar de seu habitat, e, mesmo “herói sem caráter” invadir a cidade grande. Tema que até então não era recorrente na literatura brasileira. A paulicéia desvairada que acu-mula todas as raças e todos os credos e Macunaíma, o herói indígena “sem caráter”, são as frestas que escolhemos para olhar o Mário de poesia e prosa, “o papa do modernismo” brasileiro.

Autoavaliação1 - Sua auto-avaliação é fundamental para que entendamos às quantas anda sua aprendizagem e com quais pontos negativos e positivos devemos viabilizar diálogos com você para melhorar ou aprofundar sua compreensão. Por isso, sua avaliação escrita, nos auxiliará na compreensão de seu desempenho. Após sua reflexão sobre as obras de Mário de Andrade abordadas aqui, sua crítica sobre a “Paulicéia desvairada e Macunaíma” é imprescindível.

Avalie seu desempenho nesta aula e leve em consideração as informações que você detinha e agora detêm de ambas as obras.

2 - Após os estudos realizados nesta unidade retome o tema da brasilidade justificando este tema a partir dos significados dos termos “paulicéia e Macunaíma”. Escreva sobre a questão dos interesses dos modernistas, da primeira geração, em relação ao sentimento mais brasileiro com as presenças de personagens e ambientes brasileiros.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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3 - As influências modernistas, em sua grande parte, são provenientes do Modernismo europeu, em especial do futurismo italiano de Marinetti o qual teve seu talento associado a Mário de Andrade numa alusão de Oswald que indicava o poeta como o Marinetti brasileiro, o que muito o irritou a ponto dele retrucar a associação com mau humor literário. Em que momento é possível aproximar o autor brasileiro do europeu Marinetti? Pesquise esta aproximação.

Referências BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, 1996.

FARACO & MOURA. Língua e Literatura. São Paulo, 1996.

LUCAS, Fábio. Literatura e comunicação na era da eletrônica. São Paulo, Cortez, 2001.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. V.5: Modernismo. 5ª. Ed. São Paulo, Cultrix, 2000.

____ A literatura brasileira através dos textos. São Paulo, Cultrix, 1987.

NICOLA, José de. Língua, Literatura & Redação. São Paulo, Scipione, 1998.

____ Literatura brasileira. Das origens aos nossos dias. São Paulo, Scipione, 1998.

PAZ, Otávio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

PETERSON, Michel (org.) As Armas do texto: a literatura e a resistência da literatura. Porto Alegre, RS, Sagra Luzzatto, 2000.

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IV UNIDADE

Oswald encena as cenas modernistas

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Apresentação Aqui, na quarta unidade, peço sua atenção, em detalhes, para uma

observação mais apurada em torno daquele que ainda na primeira geração serviu de baluarte para se opor ou acatar as propostas impe-tradas por Mário de Andrade.

Eis mais um gigante que se avoluma nesta geração dando uma demonstração de que o modernismo na primeira geração fez mesmo a diferença a partir deste homem da modernidade que foi e veio a Eu-ropa a fim de impetrar aqui, entre brasileiros, as idéias que ele vislum-brara na Europa modernista. José Oswald de Sousa Andrade, também é paulista, e nasceu em janeiro de 1890 e se forma em 1908. “Abraça o jornalismo”.

Em sua primeira viagem à Europa, se encontra com as vanguardas européias, principalmente com aquela que mais o fascinou, o futurismo. Bacharelou-se em Direito pela USP. Conheceu Mário e Di Cavalcante com os quais fundou e fortaleceu os ideais modernistas brasileiros.

Oswald é um pensador que foi além da arte, e tornou-se um símbo-lo da vanguarda brasileira chegando a aderir ao comunismo até o mo-mento em que a revolução modernista chega “à sua fase recordatória”.

A crítica literária costuma sempre colocar lado a lado Mário e Oswald, que juntos se tornam uma referencia imprescindível para a percepção sobre o nível de inteligência da primeira geração.

É importante que você entenda que estes autores embora sempre lado a lado, acabam diferindo em alguns detalhes, por exemplo, no to-cante a questão da diversidade de gêneros, Oswald, deixa a desejar em relação à intensa produção de Mário, mas serviu de motor ao processo modernista: “espelho de uma inteligência vivaz, por isso mesmo infensa à reflexão e às longas congeminações mentais” (MOISÈS, 1989, p.84).

Conforme esclarecemos na terceira unidade, a primeira geração, do modernismo, é marcada por grandes nomes e é a partir desta gera-ção que os ideais modernistas são conhecidos em confronto com tudo o que propunha o movimento.

Nesta unidade nosso olhar será lançado na direção daquele que não passou despercebido em sua geração, primeiro porque foi uma espécie de crítico que propôs uma ruptura com sua própria geração, conforme esclareceremos no decorrer de nossa aula. Oswald, sem dúvida, repre-sentou a inteligência do movimento, e, ao lado de Mário, integrou a corrente mais avançada de sua geração. Ressalto aqui, que assim como Mário, Oswald como homem das letras, não se deteve em escrever ape-nas versos. Sua criação literária vai de poemas a contos, crônicas, ro-mances compondo um vasto campo de produções literárias.

Nosso gigante da modernidade é respeitado como um homem que contribuiu para uma visão mais avançada do fazer arte é a partir dele que os manifestos ganham um sentido analítico. Antes encarado ape-nas como sinônimo de desabafo.

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Nesta quarta unidade, objetivamos abordar desde o perfil literário de Oswald que fez a diferença no movimento modernista até sua pos-tura política perante os modernistas. Toda a produção de Oswald assim como a de Mário inovou a “estética literária” brasileira. Cada um, com suas características, trouxe avanços imprescindíveis para a visão que se tinha sobre a literatura brasileira. Oswald de Andrade passa a ser uma referência do modernismo. A historiografia literária indica que este autor integrou e militou na primeira geração ao lado de grandes nomes dos quais continuaremos a tratar nas próximas unidades.

Consideramos que a obra de Oswald traduziu este gosto pela no-vidade e esbanjou uma espécie de ânsia a fim de conseguir o efeito desejado no momento certo. É apontado como irreverente porque seus versos: “não raro antagonizam a poesia. Repassados de prosaísmo, provavelmente, deliberado, para chocar o leitor anestesiado pelo par-nasianismo” (MOISÈS, 1989, p.84).

Assim convido você para um passeio pela produção literária deste autor que fez do modernismo o principal canal para as explanações de suas idéias.

Desta forma, alguns críticos, indicam Oswald de Andrade como o nome mais importante de sua geração e, portanto, observaremos na obra deste escritor, a forma como “a língua brasileira” foi disposta em seus textos poéticos e prosaicos.

Privilegiamos para nossa abordagem literária as suas produções que consideramos imprescindíveis para nossa aula: Memórias senti-mentais de João Miramar (1924) e Pau-Brasil (1925), obras que carac-terizam esta proposta arquitetônica de Oswald que esteve além de seu tempo. Estas produções, assim como as de Mário, acontecem de 1925 a 1930 o que caracteriza uma abertura para se perceber que toda a genialidade destes poetas aflora nesta geração.

Bons estudos!

Objetivos

Ao concluir esta unidade você deverá:

• Compreender o propósito literário de Oswald de Andrade da poesia à prosa;

• Interpretar suas produções, Memórias sentimentais de João Mi-ramar, o manifesto e o livro poesia pau-Brasil em seus ideais modernistas;

• Perceber a língua do povo brasileiro e a temática predominante na obra oswaldiana.

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Oswald em prosa e verso

Passada a terceira unidade com as considerações sobre o papa do moder-nismo, Mário de Andrade, não é difícil abordar um autor do porte de Oswald, primeiro por sua postura crítica frente à política brasileira e depois por sua preo-cupação com a produção literária uma vez que Oswald andou por terras euro-péias vivendo e vivenciando os avanços das vanguardas. Oswald se aproximou do futurismo de Marinetti até chegar ao ponto de escrever sobre o Marinetti bra-sileiro, Mario de Andrade, que magoa-

do com a comparação retruca as aproximações comparativas de seu amigo e conterrâneo Oswald de Andrade.

Após as considerações esboçadas na terceira unidade sobre a pro-dução de Mário, convido você, a mergulhar nos labirintos literários de Oswald de Andrade que desde os manifestos se mostra um autor des-contente com o seu próprio tempo:

O estilo, de frases curtas, enunciativas, parece re-agir contra a ampulosidades dos Coelhos Netos da época; na verdade, porém acusa indetermina-ção. Narrando em vez de mostrar, como pede o bom romance, tudo flui monocordiamente, sem os momentos que assinalam o momento dramático (MOISÈS, 1989, p.86).

Oswald de Andrade, assim como Mário, integrou-se e se entregou ao modernismo trazendo da Europa influências que lhe marcaram na poesia e na prosa. A obra de Oswald se integra ao modernismo den-tro de uma vertente que lhe insere no grupo dos mais geniais de sua geração e “sequioso de irritar a Burguesia e as convenções com gestos ousados e rebeldes” se torna uma espécie de expoente do seu tempo e, também superou e ameaçou os velhos padrões das produções literárias anteriores.

Oswald de Andrade, “em que pese o brilho de sua obra, ganhou lugar proeminente nos quadros do modernismo pela permanente atitu-de em favor das idéias de vanguardas”. Toda aproximação de Oswald com as vanguardas se deu no plano da poesia de onde combateu os modelos já enraizados pelos movimentos anteriores. Evidentemente que as características de Oswald por mais singulares que sejam sempre tinham um toque de harmonia com os ideais do grupo de sua geração

A principal preocupação de Oswald principia quando os antolo-gistas descobrem que das facetas oswaldiana, há uma que melhor re-

Disponível em: http://www.museulinguaportuguesa.org.br/imagens/banco/565_gd.jpg

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flete “a combatividade polêmica e o vanguardismo de temperamento, a poesia” (MOISÉS, 1989, p.371) e através deste gênero se torna um baluarte das idéias mais polêmicas deste momento. Também encam-pou a responsabilidade de defender uma língua mais brasileira e, ao lado de grandes nomes, lutou por uma língua mais próxima do povo.

O poeta Oswald de Andrade produziu entre tantas, duas obras que consideramos imprescindíveis para um debate sobre o momento mo-dernista: Uma, é o romance “Memórias sentimentais de João Miramar” de um brasileiro enraizado na sua cultura e no seu lugar e que tra-duz o sentimento brasileiro e o livro “poesia pau-brasil” que canta os costumes e a cultura indígena. Neste momento, conforme já tratamos anteriormente, há uma busca dos sentimentos do povo da época para dispor em sua criação. Estas obras representam a singularidade oswal-diana.

Sua poesia diz bem desse gosto da novidade a todo o transe uma ânsia de aproveitar a passagem do tempo naquilo que mais pudesse brilhar, ainda, que à custa da profundidade, da coerência ou das relações pessoais (MOISÉS, 1989, p.84).

Perceba que Oswald reflete em sua produção o Brasil de sua época e juntamente com Mário de Andrade participou deste momento ímpar da literatura brasileira contribuindo com sua forma de ver e encarar o mundo.

Homem polêmico, irônico, gozador, teve vida atri-bulada não só no que diz respeito às artes, como também a política e aos sentimentos (NICOLA, 1998, p.306)

Atividade I1 - Leia o texto abaixo do crítico Antonio Candido apud (NICOLA, 1998, p.306) e a partir de pesquisas sobre o poeta Oswald de Andrade amplie a discussão:

“Mas esse Oswald lendário e anedótico tem razão de ser: a sua elaboração pelo público manifesta o que o mundo burguês de uma cidade provinciana enxergava de perigoso e negativo para os seus va-lores artísticos e sociais. Ele escandalizava pelo fato de existir, porque a sua personalidade excepcionalmente poderosa atulhava o meio com a simples presença. Conheci muito senhor bem posto que se irritava só de vê-lo – como se andando pela rua Barão de Itapetinga ele pusesse em risco a normalidade dos negócios ou o decoro do finado chás-das--cinco”.

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2 - Oswald demonstra, em suas obras, encampar as principais propostas do modernismo quais sejam: o nacionalismo, com uma visão critica da realidade brasileira, a paródia como uma característica que sugere uma nova forma de encarar a literatura, a valorização da fala do cotidiano.

Pesquise poemas deste autor e escreva sobre estas características indicando-as conforme o próprio texto.

Memórias sentimentais de João Miramar: (1924)

Narrativa-piada, que paródia serviu, e bem, aos interesses demolidores do Mo-dernismo, estando para a prosa de ficção modernista assim como o poema-piada para a poesia. (MOISÈS, 1989, p.88)

Esta obra traz inovações nunca dantes presenciadas nos romances com estruturas convencionais ou tradi-cionais onde a presença de capítulos curtos e breves sinaliza para inovações que rompem com estas estruturas que apresentavam capítulos sem esta semi--independência. Esta obra de Oswald apresenta poesia e prosa lado a lado num lance que acaba por entrelaçar

aquilo que intelectuais da época teimavam em separar.

A crítica acabou por indicar que esta obra teimou em colocar em confronto o sério e o jocoso numa alucinação que chegou a propor a construção de períodos curtos e sem pontuação, evidentemente que este modelo já havia aparecido em suas obras anteriores a exemplo de Os Condenados onde já transparece os anseios revolucionários de Oswald.

Veja os recortes abaixo das “memórias sentimentais”:

Mais que perfeito

Eu tinha sido do laboratório da Itacolomi Film onde Rolah tinha dado uma hora preguiçosa de pose para observações contratuais.

Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/-v3MLFyX8t_c/T77Ult-qdDI/AAAAAAAAH1o/36YoaVKnmFs/s1600/Mem%25C3%25B3rias%2BSentimentais%2Bde%2BJo%25C3%25A3o%2BMiramar.JPG

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 67

Ele me tinha confessado pela manhã seus amores anteriores com pastores não tinham passado de pequenos flertes de criança.

Agora quando tínhamos descido a escada longa eu tinha baixado até baixado até os orquestrais cabelos louros.

E tínhamos–nos juntado grande no grande doce e carnoso grude dum grande beijo mudo como um surdo.

Objeto diretoAo longo do longo viaduto bandos de bondes iam para as bandas

da Avenida.

O poente secava nuvens no céu ma lavado.

No triângulo começado de luz bulhenta antes da perdida ocasião de ir para casa entramos na casa de jóias...

Perceba que a qualidade de Oswald em supervalorizar as fontes brasileiras demonstra que há em sua poética um confronto que sustenta e amplia toda uma discussão sobre as inovações que esta geração do modernismo propunha: uma ruptura e um combate permanente aquilo que eles denominaram de a literatura “sorriso da sociedade” uma es-pécie de arma que servia para encobrir todas as mazelas da sociedade a partir de temas que relevavam ainda mais a maquiagem que a litera-tura tradicional impunha.

O ludismo, na Linha do poema-piada, transparece se algum intuito grave se dissimula por trás da pa-ródia, ludo verbal, ou irreverência juvenil, não che-ga a aflorar à superfície da linguagem (MOISÈS, 1989, p.89)

Conforme sinalizamos anteriormente, perceba que na escrita de Oswald há uma ruptura com todo o processo de pontuação. Uma es-pécie de mergulho de um fôlego só. Como se aos leitores de Oswald fosse roubado o direito a uma pausa já que o tempo voava nas asas das novas mídias.

Para completar o desenho da narrativa, os capítu-los primam pela brevidade: telegráficos, por vezes de duas linhas ou dispostos como poemas e versos livres (MOISÉS, 1989, p.88)

Muitos críticos insistem em associar ou aproximar as memórias sen-timentais de João Miramar tanto ao Serafim Ponte Grande de sua pró-pria autoria:

Na verdade, podemos falar em continuação, como se João Miramar resolvesse mudar de registro civil,

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passando a assinar como Joaquim Ponte Grande. O tom é o mesmo, com incidência maior nos as-pectos grotescos e frascários, “contra a moralidade e a decência (MOISÉS, 1989, p.89)

Como ao Macunaíma de Mário: “À semelhança de Macunaíma, mas com diferenças nítidas, parecem ter como objetivo a própria sem razão do ludismo”.

Atividade II

1 - Como você explica a ruptura com os padrões de produção convencionais na obra de Oswald de Andrade. Retome Memórias sentimentais e exponha estas rupturas a partir de exemplos deste romance.

2 - A seu ver, como você aborda as posições políticas e poéticas de Oswald de Andrade em relação à língua portuguesa, já que sua obra permeia este interesse como primordial.

3 - Faça uma discussão sobre a frase do fragmento “mais que perfeito”: “Ela me tinha confessado pela manhã que seus amores anteriores com pastores não tinham passado de pequenos flertes de criança” em relação com a proposta modernista

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Poesia Pau-brasil (1925)Um Manifesto Pau-Brasil

A partir de 1924, Oswald de Andrade trouxe à tona sua visão teóri-ca sobre a poesia e lança o manifesto da Poesia Pau-Brasil. Confrontou os projetos parnasianos e simbolistas e buscou a essência da poesia num refúgio inspirado, sobretudo, na pureza do indígena e da criança. Veja alguns fragmentos deste manifesto que serviu como mola propul-sora para uma crise com parnasianos e simbolistas que ainda sobrevi-viam na obra de alguns contemporâneos de Oswald.

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

O carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica, rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O

vatapá, o ouro e a dança.

***

Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente.

Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de Jóquei.

Odaliscasno Catumbi. Falar difícil.

***

O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não

podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O império foi assim. Eruditamos tudo.

Esquecemos o gavião de penacho.

***

A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária.

***

Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram como borrachas sopradas. Rebentaram.

A volta à especialização. Filósofos fazendo filosofia, críticos, crítica, donas de casa tratando de cozinha.

A poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.

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70 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

***

Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo: o teatro de tese e a luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e doirados como

corpus juris.

Ágil o teatro, rilho do saltimbanco. Ágil e ilógico. Ágil o romance nascido da invenção. Ágil a poesia.

A Poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança.

Uma sugestão de Blaise Cendrars: - Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino.

***

Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia da vida.

A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos

(COUTINHO. 1974, p.357).

Verifique que este manifesto parece deixar claro que o propósito oswaldiano era realizar uma abertura para uma poesia com sentimen-tos que esclarecessem a que veio a poesia modernista: realizar com objetividade o propósito poético de simplificar as coisas inspiradas nas figuras do índio e da criança.

Após Oswald trazer à tona seu revolucionário manifesto Pau-Brasil em 1924, publica em Paris no ano de 1925, a obra Pau-Brasil.

(...) no aspecto formal, Oswald inovou a poesia com seus pequenos poemas, em que sempre havia um forte apelo visual, criando o chamado poema--pílula (NICOLA, 1998, p.307).

Oswald de Andrade, através de sua poesia, procurou de todas as formas estabelecer um padrão de inteligência que refletisse sua forma de encarar a sociedade brasileira e com isto fez emergir uma nova maneira de encarar não só a política, mas, sobretudo a arte uma vez que sua convivência emocional foi ao lado de Pagú e de Anita Malfatti, mulheres que integraram a linha de frente das duas vertentes que co-

Disponível em: http://4.bp.blogspot.com/-I36iUr6YeL4/Thc5zmqOC9I/AAAAAAAAAuU/gd-ekAbS8rA/s1600/pau%2Bbrasil.png

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 71

locavam o povo frente ao Brasil que se desejava por esta vanguarda.

O livro poesia pau-brasil acrescentou à literatura brasileira algo pouco comum entre autores e leitores da primeira geração modernista.

Tudo bem ponderado, Oswald de Andrade nos dá a impressão duma esfuziante inventividade disper-siva, que não se concretizou em razão dos vários caminhos descortinados e das cintilantes intuições que a perpassavam (MOISÉS, 1989, p.92)

Pode-se indicar Oswald como um dos homens mais combativos e revolucionários do modernismo brasileiro. O principal motivador e líder dos militantes modernistas. Sua maneira de encarar a política brasileira frente ao que se produzia na arte européia abria uma brecha para que um terceiro olhar fosse mais exigente frente a tudo que se via na pro-dução universal.

As influências modernistas foram incorporadas por Oswald a partir de sua identificação em Paris com as teorias futuristas de Marinetti, e, sobretudo, com as propostas de desconstrução da métrica tradicional através daquele que era considerado o príncipe dos poetas franceses, Paul Fort. nos idos de 1912. A insatisfação de Oswald, como intelectual, diziam os críticos, vem da Europa, o que não incomodou seu olhar revo-lucionário. Segundo SOUZA (1977, p. 142) “Ele mesmo denomina sua poesia pau-brasil (a nossa primeira mercadoria de exportação)”.

Esta obra poesia pau-brasil denominada de revolucionária no senti-do de sua montagem propõe uma linguagem breve, simplificada, colo-quial e bem humorada o que, por sua vez, combatia os velhos modelos praticados por parnasianos e seus dissidentes. Mas mesmo assim, uma fama negativa permeia o perfil literário de Oswald de Andrade, por causa de suas idéias desconcertantes que desconstruíam tudo e todos.

Propagou-se a idéia de que Oswald seria um de-molidor inconseqüente, um panfletário, um piadis-ta a quem não se deveria dar muita atenção. Esta visão cultivada por muitos fez existir durante algum tempo o preconceito em relação à obra oswaldia-na (SOUZA, 1977, p.142).

No tocante a uma visão mais preliminar sobre a vida modernista Oswald optou por demarcar seu espaço como um homem da crítica e para isto teve que amargar a antipatia de seus contemporâneos que viam no poeta uma arrogância permanente com a arte que o circun-dava.

O livro “poesia pau-brasil” tomou como forma de oposição os mo-delos anteriores no tocante às formas adotadas para a montagem de poemas que atendiam aos interesses dos escritores mais conservadores da produção artística brasileira. Seu propósito de combater os tradicio-nalistas fez de sua expressão sempre um vômito repugnante que irritava àqueles que não imaginavam Oswald contra sua própria geração.

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72 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

A proposta era enfrentar todos os que produziam a arte literária para acomodar e não para incomodar. Torna-se um comunista a partir de 1931até 1945, quando a revolução modernista chegava à sua fase recordatória (MOISÈS, 1989, p.83).

No manifesto pau-brasil é latente uma pressa em esclarecer o papel da literatura, em particular, da poesia frente à sociedade e sua política perante o homem. Há certa arrogância que é intrínseca, inerente, aos autores deste período revolucionário que procuravam tocar, movimen-tar, sugerir, incomodar, acordar seu público que muitas vezes procurava separar a arte da política entendendo que uma coisa não poderia in-terferir na outra.

A poesia existe nos fatos:

Este fragmento sugere uma aproximação da poesia, não como uma coisa vinda dos deuses que possuíam alguns privilegiados para expor seus desejos, mas sim como oriunda da vida do dia a dia de homens de todas as classes desejosos de uma vida mais digna. Se a poesia existe nos fatos, conforme o manifesto, aí está tudo: conforme Guilherme de Almeida, em conceito de poesia: ai está a rosa, aí está o jarro, a vida.

A poesia, a partir destes fatos, desloca seu inventor para outro pla-no diferente daquele do ambiente fechado e bucólico. Agora, na mo-dernidade, à luz de Álvaro de Campos, o poeta compõe em meio às turbulências do dia a dia e vibra com a “vvvvvelocidade ddddoo nnn-noooovvvvvvvooo ttttemmmmpppoo” encharcado pelas tecnologias e as novas linguagens. O poeta modernista não precisava mais esperar ser tocado por uma coisa estranha chamada inspiração que exigia silêncio, isolamento para somente assim, a obra vir à tona, o poeta olhava para a vida em todos os seus detalhes e abortava suas obras aos olhos de todos.

Veja que a retomada do efeito do visual sobre a criação poética coloca em cena:

Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela,

sob o azul cabralino, são fatos estéticos

Ou seja, percebe-se a proposta de uma poesia calcada num olhar que trouxe o cotidiano do povo sofrido para as cenas da literatura brasileira. Veja que estes painéis: casebres, açafrão, favelas propõem o que ele chama de “fatos estéticos”. Era como colocar estas cenas diante de leitores do mundo inteiro, já que o próprio Oswald sugeriu que poesia pau-brasil seria o primeiro produto de exportação da lite-ratura brasileira. Evidente que estes “fatos estéticos” poderiam chocar os políticos brasileiros que estavam bem acomodados com estas cenas estéticas do Brasil para o próprio Brasil.

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 73

O carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça.

Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso.

A formação étnica, rica. Riqueza vegetal.

O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.

Verifique que, a questão das cenas brasileiras continua forte no ma-nifesto: o carnaval do Rio é um produto de exportação da cultura brasi-leira. Não era, nem é difícil reconhecer o Brasil como o país do carna-val. E o Rio é o palco deste acontecimento, Botafogo citado. Depois, o vatapá, da Bahia, o ouro de Minas e quem sabe, o samba no pé. São mosaicos desta composição que compõem o sentimento brasileiro

A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária.

Este manifesto cobra para o povo brasileiro uma poesia que pu-desse acontecer do povo brasileiro para o mundo numa tentativa de mostrar que o Brasil tinha problemas sérios. Destes problemas, segun-do Oswald, dizia respeito a sua versão sobre a ausência da poesia nos meios universitários que privilegiavam os cânones internacionais que eram indicados como principais influenciadores das criações literárias brasileiras. A teoria da comparação esmiuçou estas aproximações des-de “nosso” Bento Teixeira, em sua Prosopopéia, até os autores mais contemporâneos, que buscam aproximações com os cânones da lite-ratura universal.

Veja mais um recorte do manifesto em foco e verifique o quanto Oswald de Andrade desejaram desconstruir a inteligência padrão im-perante. Seus desejos parecem socráticos, ignorar o que o outro sabe, para, a partir daí, construir sua nova perspectiva. É este olhar oswal-diano que parece colocá-lo a frente de sua geração. Parecia com este manifesto desejar constituir uma espécie de novo homem pautado num novo saber, numa nova forma de ver a vida brasileira.

Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram como borrachas sopradas. Rebentaram.

Este estouro parece uma espécie de novo tempo que exigia um homem prestes a estourar a cada segundo e resistente como borracha que bolava Brasil a fora. Vários fragmentos importantes constituem o manifesto de Oswald que quer modificar a arte brasileira, em particular, a poesia, num instrumento de conscientização na relação do homem com o homem em seu cotidiano em sua nação em confronto com ou-tras nações.

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Poesia pau-brasil (1925), primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade (1927), Poesias reunidas (1945, além dos livros anteriores, enfeixa Cânticos dos Cânticos para flauta e violão e poemas menores); prosa de ficção: a trilogia do exílio, I- os condenados 1922); memórias sentimentais de João Miramar (1924); os romances do exílio, II – a escada vermelha (1934); os con-denados, I – alma; II - a estrela do absinto; III – a escada (1941; a reedição, num único volume, da trilogia do exílio ou romances do exílio); marco zero, I – a revolução melancólica (1943); marco zero, II – chão (1945); teatro: o homem e o cavalo (1934); a morta. O rei da vela (1937); ensaio: ponta de lança (1945); a crise da filosofia messiânica (1950); memórias: um homem sem profissão (1954).

Perceba que a produção de Oswald não pode ser comparada à produção de Mário em termos de quantidade, mas sem dúvida alguma, sua produção, mesmo não tão extensa acabou por provocar uma série de mudanças na forma de se conceber a literatura brasileira. Oswald, assim como Mário não foi apenas um homem dos versos, também escreveu nas mais diversas linhagens literárias, conforme pode ser con-firmado acima.

Atividade III1 - Revisite o manifesto pau-brasil e levante dados que apontem Oswald como um autor modernista. Identifique nas propostas do manifesto aquelas que, a seu ver, correspondem melhor aos ideais modernistas e escreva sobre elas.

2 - Como você explica esta apologia de Oswald à poesia como algo ligado aos “fatos estéticos”

3 - Pesquise sobre o manifesto pau-brasil e reflita o fragmento do manifesto abaixo no tocante à relação do autor com a política brasileira:

“Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de Jóquei. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil”.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 75

Leituras recomendadasPara navegar

A internet é peça fundamental no desenvolvimento intelectual do indivíduo crítico. Os sites abaixo indicam janelas para novos olhares.

http://www. espaçoacademico.com.br

Este site com artigos, ensaios e resenhas do professor doutor filóso-fo marxista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Leandro Konder ajuda ao leitor numa maior aproximação com o poeta a partir de seus múltiplos olhares poético, político e científico do poeta moder-nista que é indicado como intelectual marxista.

http://www.mundocultural.com.br

Aqui, há leituras que sugerem aproximações com os modernistas a partir do olhar oswaldiano. Referenda-se a obra de Oswald como uma das mais avançadas da primeira geração modernista brasileira.

ResumoDa primeira geração, Oswald é sem dúvida o nome mais singular da

oposição modernista desta geração. Oswald de Andrade rompeu com os padrões literários de sua própria geração que já eram avançados e criou uma perspectiva artística e literária que fez emergir uma literatura de ver-sos e prosas condensados e desnudos de verborragias. Neste percurso inovador seu perfil veio à tona como o de um artista da desconstrução da modernidade. É este seu diferencial. A obra Oswaldiana sinalizou para um olhar cujo brilho ofuscou a crítica confrontando-a. Assim como Mário, Oswald assumiu um compromisso com os problemas sociais bra-sileiros, mas não negou a força que a Europa exerceu sobre sua criação. Com Oswald esta força transpareceu de forma intercultural onde ele se aliou às produções européias para ampliar a sua produção dentro de uma troca cultural que ampliou os horizontes literários, mas seu veio bra-sileiro não o abandonou. Este Modernista assumiu seu olhar crítico desde a poesia pau-brasil onde lançou seu olhar fulminante sobre o mundo que o circundava e demonstrou sua habilidade de construir “um mapa da desleitura” da sociedade brasileira.

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Autoavaliação1 - A auto avaliação é imprescindível na construção da autocrítica em torno do conteúdo trabalhado e viabiliza o entendimento a partir de um diálogo permanente sobre a sua aprendizagem atentando para o positivo e o negativo no que tange à compreensão de cada unidade. Portanto, sua avaliação a partir do suporte da escrita nos orientará sobre seu desempenho na unidade em estudo. Após reflexões diversas sobre a “poesia-pau-brasil” de Oswald, faça uma crítica que valorize a obra deste autor. Avalie sua aprendizagem a partir desta aula e considere as informações que você detinha em relação as que você agora detém.

2 - A partir do brasileirismo impetrado pelos modernistas e dos estudos realizados nesta unidade retome o tema da brasilidade já trabalhado em Mário e aborde-o a partir de Oswald. .

3 - Confronte Mário e Oswald e indique, a seu ver, no que eles diferiram no tocante às propostas modernistas.

Pesquise e indique em que momento, do ponto de vista artístico e político, se aproximam e se distanciam estes poetas.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 77

Referências

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, 1996.

CHALMERS, Vera Maria. O outro é um: diagnóstico antropofágico da cultura brasileira apud Literatura e cultura no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

FARACO & MOURA. Língua e Literatura. São Paulo, 1996.

LUCAS, Fábio. Literatura e comunicação na era da eletrônica. São Paulo, Cortez, 2001.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. V.5: Modernismo. 5ª. Ed. São Paulo, Cultrix, 2000.

____ A literatura brasileira através dos textos. São Paulo, Cultrix, 1987.

NICOLA, José de. Língua, Literatura & Redação. São Paulo, Scipione, 1998.

____ Literatura brasileira. Das origens aos nossos dias. São Paulo, Scipione, 1998.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

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V UNIDADE

As tantas bandeiras de Bandeira

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ApresentaçãoNesta quinta unidade, lhe convido para uma reflexão crítica sobre a

primeira geração que vai instigar neste autor a marca de uma rebeldia que migra de uma época para outra. O autor em foco sugere uma crise permanente em torno daquilo que ele mesmo denominava de poesia do cotidiano. É através deste poeta e prosador que a literatura brasilei-ra ultrapassa as fronteiras estabelecidas entre o verso e a prosa e passa a praticar a poesia e a prosa em consonância. Em sua prática literária colocou o verso e a prosa num só caldeirão e passou a adotar das notícias de jornais, das coisas que aconteciam no dia-a-dia, à matéria prima de sua invenção.

Chamo sua atenção, em minúcias, em torno deste poeta pernam-bucano que ainda na primeira geração serviu como mola propulsora para divergências, e, afinidades com algumas propostas impetradas por Mário de Andrade, Oswald de Andrade entre outros da época.

Esse é mais um titã da literatura brasileira que se apresentou nesta geração dando uma demonstração de que o modernismo, da primeira geração, fez mesmo a diferença a partir deste homem-poeta da mo-dernidade que foi à Europa, a fim de impetrar aqui entre brasileiros, as idéias presentes no cenário brasileiro.

Manuel Bandeira, não é paulista é pernambucano e evoca Recife, num de seus poemas “Evocação do Recife” deslocando o olhar massi-ficador do eixo sul-sudeste para a região nordeste. Nasceu em abril de 1886 e faleceu em outubro de 1968.

Sua formação está toda pautada em suas viagens que vão do Rio de Janeiro a São Paulo, depois Suíça lugares onde aguça e fundamenta sua visão poética, política e cientifica frente ao verso e a prosa. Segundo alguns críticos literários, Bandeira não desejou se integrar ao movimento modernista da semana de 1922 por questões ainda especuladas, mas acabou por se render aos propósitos do movimento e participa “indireta-mente” da semana como autor declamado, constituindo-se como um dissidente do parnasianismo ao qual tece sérias críticas através do poe-ma “os sapos”.

Em sua produção literária Manuel Bandeira escreveu (Noções de his-tória das literaturas, literatura hispano-americana), vários ensaios, crôni-cas, memorialismo, além de compilar antologias, o que não constitui o poeta como um gênio exclusivo apenas do verso:

Contrariamente aos demais poetas modernistas que vieram da belle époque, Manuel Bandeira iniciou-se múltiplo e vário, ora abraçando a vaga simbolista, encarnada, sobretudo, em Antonio Nobre, ora o penumbrismo, ora os mitos helênicos, de extração parnasiana (MOISÉS, 1988, p.119).

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Bandeira é um poeta-pensador que busca no modernismo uma for-ma de romper com os parnasianos que insistiam nas formas arcaicas de compor versos à luz das formalidades que defendiam no uso do verná-culo. É a marca crítica de uma das mais avançadas adesões aos moder-nistas que já contaram, na semana, com o confronto direto aos modelos cultuados e cantados pelos mais tradicionais. Como Mário e Oswald, também, tornou-se o símbolo da vanguarda brasileira.

A crítica literária é unânime ao indicar o poeta Bandeira como um renegador do “seu passado literário e se entregar: ao culto do poema em tom prosaico, cronístico, ou do poema piada. Tudo a patentear, afinal de contas, a dessacralização do lirismo amoroso (MOISÉS, 1988, p.121). Isto tudo faz deste poeta, também conforme afirmamos na unidade ante-rior, em relação a Oswald e Mário, uma referência imprescindível para a observação sobre o nível de inteligência da primeira geração.

É importante ressaltar que para entendermos a adesão “discreta e epidérmica”, conforme Moisés, de Manuel Bandeira com “a doutrina modernista, é preciso levar em conta que o seu virtuosismo repele os excessos (MOISÉS, 1988, p.123).

Vale destacar mais uma vez, conforme esclarecemos nas terceira e quarta unidades, a primeira geração do modernismo foi marcada por grandes nomes da literatura brasileira e o pernambucano de Recife é um deles.

Nessa unidade nosso estudo se voltará para esse que constitui um dos principais nomes da primeira geração. Sua obra é marca fundamen-tal para a proposta modernista que buscava uma linguagem mais pró-xima possível do cotidiano brasileiro e sua obra sem dúvida alguma foi trabalhada neste sentido a fim de explorar o máximo o cenário brasileiro conforme esclareceremos no decorrer dessa unidade.

Manuel Bandeira, iniciado por uma “notação jornalística e terminado por versos que revelam o emotivo de raiz, o velho poeta das melancolias” conforme MOISÉS (1988, p.123) foi o nome que mais se emaranhou na “engenhosidade verbal” onde o versejar inteligente emergiu de todas as maneiras de seu perfil literário. Ressalto mais uma vez, assim como Má-rio e Oswald, Manuel integra a linha de frente do cânone da literatura brasileira.

Nesta quinta unidade, objetivamos uma abordagem que demonstre o perfil literário de Bandeira como múltiplo e sua contribuição ao Mo-dernismo fortaleceu o ideal revolucionário da poesia e da prosa neste instante. Tudo o que Bandeira produziu trouxe inovações fundamentais à literatura brasileira. Sua produção contribuiu de tal forma que passou a ser referência tanto na literatura modernista quanto na contemporânea.

Consideramos Manuel Bandeira um experimentalista uma vez que após migrar do parnasianismo para o modernismo confrontando-o, insi-nuou aproximações com o concretismo. Assim se pronuncia em relação à suposta adesão: não aderi à poesia concreta. O que houve é que de-pois de ler uns ensaios do grupo concretista escrevi um poema aplicando ao meu superado jeitão de poesia uns toques de concretismo (BANDEIRA apud MOISÉS, 1988, p.126).

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82 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Portanto, convido você para um passeio pela produção literária des-te autor que fez do modernismo o principal canal para as explanações de suas idéias. Bandeira é imprescindível em nosso curso vez que repre-senta uma voz das muitas vozes regionalistas de sua geração. Destarte, nossas observações circundarão a poética de Manuel Bandeira com o intuito de identificarmos a brasilidade desse autor ainda nesta unidade.

Para nossa configuração literária tomaremos alguns de seus poe-mas que ilustrarão a nossa aula, poemas que caracterizam a proposta de Manuel Bandeira em relação ao modernismo

Bons estudos!

Objetivos

Ao findar esta unidade você deverá:

• Identificar a proposta literária da poesia de Manuel Bandeira;

• Interpretar suas produções, a partir de poemas considerados fundamentais em sua trajetória literária;

• Perceber a forma jornalística (prosistica) com a qual as cenas do povo brasileiro vieram à tona na obra deste poeta.

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Manuel Bandeira: versos do cotidiano

Agora nesta unidade. Nosso propósito recai sobre um dos maiores nomes do modernismo, aquele que compreende nas propostas moder-nista uma aliança cabível com a modernização e o rompimento com os homens parnasianos aos quais faz uma crítica que demarca sua transi-ção do parnasianismo para o modernismo com o seu grande desabafo literário: os sapos, declamado e abortado nos liames da semana de arte moderna.

Os sapos tanoeiros,parnasianos aguados

dizem os meus versos é bem martelado...

Foi na adesão de nomes do porte de Bandeira que o movimento modernista ganhou notoriedade artística, uma adesão deste porte, só trouxe mais contribuições para o movimento que ora nascia desacre-ditado pelos mais tradicionalistas a exemplo dos parnasianos que ain-da entendiam a construção dos versos e do veio poético como algo advindo das formas e dos dicionários numa adaptação dos interesses vernaculares.

Após a quarta unidade onde abordamos um dos maiores expoentes da literatura modernista é chegado o momento de adentrarmos o uni-verso literário de Manuel Bandeira que trouxe no bojo de sua constru-ção literária a proposta mais veemente dos modernistas que era o olhar poético sobre o cotidiano brasileiro, ou seja, uma produção literária que enxertou a língua do povo na poética do novo tempo.

Passadas as unidades que introduziram os principais nomes desta primeira geração, sem dúvida, Bandeira é o melhor binóculo para mi-rarmos as principais propostas deste movimento, sobretudo como pro-tagonista de um grupo que prezava pelo uso das formas ainda impostas pela influência européia.

As atitudes literárias de Bandeira esclarecem seu potencial frente os problemas brasileiros que passam desde a tragédia brasileira que aborda a questão não só do homicídio e principalmente o crime contra a mulher que simboliza.

Pode dizer que Manuel Bandeira, mais do que de seus confrades modernos, que se transformou, ao longo de sua extensa carreira literária, para perma-necer idêntico. Suas antenas captavam sinais em toda parte, absorviam-nos e transfundiam-nos em mensagens de beleza (MOISÉS, 1988, p.393)

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É evidente que seu interesse na transfiguração das coisas era parte de sua proposta de alterar “a substancia” de tudo que o circundava para virar poesia aos olhos dos iludidos que acreditavam que o modelo parnasiano era mais interessante.

Não é a toa que a crítica literária brasileira acabou por apontar o poeta como um homem que tinha a capacidade de incorporar influên-cias de poetas portugueses, a exemplo de Antonio Nobre, com o qual mantinha uma relação estreita no tocante a questão da preferência por uma estética jovial bem como a predileção pelo gosto biográfico: a poesia de bandeira constitui uma espécie de diário íntimo. (MOISÈS, 1988, p.393).

Podemos verificar no poema os sinos o momento em que Bandeira adentra o universo religioso para acatar ou atacar a igreja católica. Nesse momento, o espírito de libertação estética invade sua poética quando propõe “som” nas páginas como representação sonora do co-tidiano:

Os sinos de Belém

Sino de BelémSino da paixão...

[...]Sino de Belém pelos que inda vêm!Sino de Belém bate bem-bem-bem.Sino da paixão pelos que lá vão!

Sino da paixão bate bão-bão-bão.[...]

Sino de Belém, que graça ele tem!

(MOISÈS, 1988, Pp.387-388)

Qual a cidade brasileira que não acordou ao som dos sinos que regiam suas vidas em idas e vinda? Bandeira aproveitou este instrumen-to tão comum na vida do povo brasileiro, o sino, para fazer sua crítica contundente utilizando e introduzindo recursos sonoros na construção de seu poema.

Abordar Manuel Bandeira não é tão simples, uma vez que sua po-esia perambula entre o parnasianismo e o modernismo cuja mistura projeta o perfil de um poeta nada convencional em relação aos seus contemporâneos. Bandeira não esteve presente no dia da declamação que Ronald de Carvalho fez de seu poema os sapos no qual desferiu duros golpes contra os parnasianos:

Os sapos tanoeiros parnasianos aguadosDizem meu cancioneiro é bem martelado...

É claro que esta adesão de Bandeira ao modernismo trouxe mais credibilidade ao movimento uma vez que sua poesia estava em conso-

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nância com o novo tempo literário. Esta opção de Bandeira se revelou mais claramente quando veio à tona seu poema: Poética que como um manifesto colocou claramente suas intenções artístico-literária (MOI-SÉS, 1988, p.389)

Estou farto do lirismo comedidoDo lirismo bem comportadoDo lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de ponto expe-[diente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no[dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo

Pelos versos acima é possível perceber que Manuel Bandeira não se prenderia nem mesmo aos seus próprios versos que outrora quando parnasianos ilustravam sua forma de ver a sociedade brasileira.

Sua ida a Pasárgada, ao lugar perfeito, denota sua habilidade em imaginar e desejar e, ao mesmo tempo, propor um lugar perfeito, claro que à luz de suas influências parnasianas e seus desejos imperiais: ser amigo do rei

Vou-me embora pra PasárgadaLá sou amiga do rei

Lá tenho a mulher que eu queroNa cama que escolherei

Vou-me embora pra PasárgadaAqui e não sou feliz

La a existência é uma aventuraDe tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de EspanhaRainha e falsa dementeVem a ser contraparenteDa nora que nunca tive...

(MOISÉS, 1988, p.389-390)

O poeta e prosador Manuel Bandeira é uma espécie de caleidoscópio onde a cada movimento nunca a mesma imagem construída anteriormen-te em seus poemas pode ser repetida. As imagens das diversas leituras que a obra de Bandeira sugere revelam que ele é destes poetas cuja visão ar-ranca da vida tudo que possa virar poesia, mesmo que seja de uma notícia de jornal onde as cenas tiradas dos becos podiam virar cenas poéticas. É aí que reside sua marca mais singular e, talvez, seu principal potencial lite-rário: o olhar que não deixa escapar quase nenhuma cena do cotidiano.

Se você voltar à quarta unidade verificará que os poetas paulis-tas são as logomarcas mais fortes do modernismo em São Paulo, mas Bandeira integra o movimento em nível nacional colocando Recife nas cenas nacionais numa descentralização do olhar dos eixos manipula-dores da cultura brasileira.

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Esse desvio sinaliza para o reconhecimento de um Brasil múltiplo onde o regionalismo passa a vingar dentre os escritores que abordare-mos nas próximas unidades.

Manuel Bandeira aliou-se ao modernismo trazendo da Europa in-fluências que lhe marcaram na poesia e na prosa, e, mesmo assim, sua obra deflagrou o veio da inovação. È importante ressaltar que a produção de Manuel Bandeira além de estar à frente do parnasianis-mo integrou-se, ao modernismo em todas as vertentes que compu-nham o movimento quais sejam: adesão a um olhar regionalista, a fala e a língua do brasileiro, além de um toque extremamente brasi-leiro nas amostragens de suas cenas, assim como Mário e Oswald foi um expoente do seu tempo.

A biografia de Manuel Bandeira, segundo o crítico Alfredo Bosi “é a história de seus livros. Viveu para as letras”. Em sua poesia contou com a língua do povo na construção de seus temas mais predominan-tes como a família, a morte, a infância, os mendigos, as prostitutas de cortiços, becos e sobrados, meninos carvoeiros pobres, as pretas e os carregadores de feiras, personagens que ilustram as cenas do olhar poético de Bandeira.

O poeta Bandeira produziu obras apontadas pela crítica como indispensáveis para a compreensão da função da poesia no movimen-to modernista. Digamos que Bandeira mudou a posição do poeta de mero alvo da crítica para também mirar a crítica agora como alvo.

Atividade I

1 - Pesquise sobre a produção do poeta Manuel Bandeira e amplie a discussão sobre sua transição do parnasianismo para o modernismo. Se possível confronte algumas características parnasianas e modernistas.

2 - Manuel Bandeira em suas criações literárias demonstrou intimidades com as propostas modernistas. Pesquise e escreva sobre estas intimidades indicando-as em alguns de seus poemas.

3 - Muitas fatalidades integram a obra de Manuel bandeira deixando cicatrizes profundas em sua criação. A temática da morte é uma dessas cicatrizes. Pesquise poemas que encampam esta temática indicando obras em que aparece esta temática.

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4 - Observe a poesia “o poema do beco” onde o poeta desabafa: Que importa a paisagem, a Glória, baía, a linha do horizonte?

- O que eu vejo é o beco.

No poema acima perceba que há a predominância de uma visão que enceta, de um lado, o ideal dos devaneios, dos sonhos presentes, do outro lado, a realidade vista e vivida. Para ampliar esta discussão pesquise o poema “Estrela da manhã” e indique a presença desses dois mundos: o do sonho e o da realidade.

Em memória das bandeiras: as influências

Contrariamente aos demais poetas modernistas que vieram da belle époque, Manuel bandeira iniciou-se múltiplo e vário, ora abraçando a vaga simbolista, encarnada, sobretudo em Antonio No-bre, ora o penumbrismo, ora os mitos helênicos, de extração parnasiana (MOISÉS, 1988, p.119)

Perceba que Manuel Bandeira, é um poeta que migra de um movi-mento para outro, do parnasianismo para o modernismo, o que lhe fa-culta um perfil diverso. Sua procura por outras bandeiras literárias quais sejam: habilidades versificatórias, indeterminação estética bem como a presença forte de uma proposta pós- modernista, o transformou numa espécie de singularidade entre os singulares de sua época.

Com Carnaval, a par da permanência do clima da obra inaugural, nota-se o repúdio à métrica parna-siana “os sapos” (MOISÉS, 1989, p.88)

Deste modo, é importante que você entenda o quão crítico se tor-nou o poeta diante das gerações, parnasianas e modernistas, a ponto de renegar e renunciar seu próprio passado literário para se aliar a uma proposta que ia além daquilo que propunha o campo da poesia e se entregou definitivamente à confecção de uma poesia cujas vozes trouxessem um tom bem humorado com estrutura prosística e cronística como diz Moisés (1988, p.121) “tudo a patentear, afinal de contas, a dessacralização do lirismo amoroso”

O avultar da tendência erótica, e a presença de versos heterométricos, ou livres, aprendidos nos poetas europeus do simbolismo (MOISÉS, 1988, p.121)

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Como você pode perceber este poeta trouxe inovações nunca dan-tes presenciadas em poetas que mesmo revolucionando traziam resquí-cios de estruturas convencionais, tradicionais onde o verso e as temá-ticas pouco sinalizavam para inovações. Manuel Bandeira com poesia e prosa, lado a lado, torna uno aquilo que críticos da época teimavam em separar. Bandeira foi apontado como um poeta que unindo poesia e prosa acabou por apontar uma nova saída para olhar o conteúdo e as coisas do Brasil vindas da região nordeste que faziam refletir, sobre-tudo as coisas do Recife em Pernambuco.

Estou fato do lirismo comedidoDo lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de pontoExpediente protocolo e manifestação de apreço

Ao Sr. DiretorEstou farto do lirismo que pára e vai averiguar no

dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo

(MOISÉS, 1988, p.121)

Veja que a temática acima só demonstra a aversão e o combate do poeta pernambucano aos recursos utilizados pelos parnasianos para comporem suas obras. Parece-nos que neste ponto Bandeira consegue tecer críticas diretas ao maior oponente dos modernistas do ponto de vista da proposta estética, Olavo Bilac, maior expoente do movimento parnasiano.

Para bem compreender a aproximação discreta e epidérmica do poeta com os modernistas, é preci-so levar em conta que o seu virtuosismo repele os excessos (MOISÉS, 1988, p.123)

É importante notar que a singularidade de Manuel ressalta os prin-cipais interesses da poética da modernidade, quais sejam colocar as cenas e a língua dos brasileiros diante dos próprios brasileiros e do mundo. Relembramos a quarta unidade onde colocamos que os poetas modernistas ampliaram toda “uma discussão sobre as inovações que esta geração do modernismo propunha: uma ruptura e um combate permanente á literatura "sorriso da sociedade".

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Atividade II

1 - Leia e reflita a citação abaixo, refletindo a questão da influencia em Manuel Bandeira.

Contrariamente aos demais poetas modernistas que vieram da belle époque, Manuel bandeira iniciou-se múltiplo e vário, ora abraçando a vaga simbolista, encarnada, sobretudo em Antonio No-bre, ora o penumbrismo, ora os mitos helênicos, de extração parnasiana (MOISÉS, 1988, p.119)

2 - Em sua opinião é possível perceber marcas parnasianas na obra modernista de Manuel bandeira? Pesquise e identifique estas marcas abordando versos e indicando obras.

3 - Para Massaud Moisés (1988, p.122) o ingresso de Manuel no Modernismo decorreu de uma série de fatores dentre eles, “a coincidência entre sua versatilidade formal e o libertarismo anárquico de 22”. Pesquise e amplie o debate, corroborando com o que diz Moisés.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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A lira dos Cinquent'anos (1948)

A partir desta publicação o poeta passa a encarar a sua maturida-de como uma fase necessária para suas observações sobre a sua veia lírica que o revela, de certa forma, como um poeta já distante das pro-postas modernistas, quando se expressa como um poeta que rompia paulatinamente com o movimento: “Pouco me deve o movimento; o que eu devo a ele é enorme”. Assim aos poucos o poeta vai demons-trando sua independência em relação ao movimento. Manuel Bandeira adere a uma liberdade agora em forma de sonetos, se alia às traduções de poetas simbolistas do porte do francês Verlaine além de retomar o veio medieval através das cantigas de amor do movimento trovadores-co. Passa a abordar o erotismo no instante em que a crítica deflagrou como seu momento mais lírico em “Água-forte”. Sobre este instante escreve Massaud (1988, p.124): Uma multiplicidade de assuntos, não raro colhidos ao acaso, simétrica de variedade poemática.

Deste modo, no vigor de sua vida o poeta vai aos poucos definindo sua trajetória quando começa a escrever versos de circunstâncias numa alusão de que a matéria de sua inspiração estaria pulsante em sua forma de encarar a invenção poética como advinda do “encorajamento exterior”.

Verifique nos fragmentos da poesia “nova poética” (do livro belo belo) de que forma o poeta lança sua teoria:

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.Poeta sórdido:

Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida................................................................................

O poema deve ser como a nódoa do brim:Fazer o leitor satisfeito de si da o desespero

(MOISÉS, 1988, p.124)

Veja que este poema esclarece a singularidade de Manuel Bandeira no tocante a uma proposta que estava além da proposta modernista.

(...) evidentemente, não chegou a ser um “poe-ta sórdido”; pelo contrário, além de a tristeza de seus poemas não provocar desespero, a vida era--lhe tudo menos suja, haja vista os poemas de cir-cunstancias dedicados a amigos e, efeméride, etc. (MOISÉS, 1988, p.125)

A criação literária de Bandeira revela que suas invenções são mar-cas muito fortes de suas observações diárias. Sua obra em versos e

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prosas revela um olhar aguçado cuja crítica revela uma preocupação de revelar para o mundo e o próprio Brasil a realidade brasileira como principal matéria prima de sua inspiração.

Poesia: A Cinza das Horas (1917), Carnaval (1919), Poesias (1924), O rit-mo dissoluto e libertinagem (1930), Estrela da Manhã (1936), Poesias Esco-lhidas (1937), Poesias Completas (1940) Lira dos Cinqüent´anos e Belo Belo (1948), Mafuá do Malungo (1948). Obra poética, Opus 10 (1956), Estrela da tarde (1963), Estrela da vida inteira e Poemas Traduzidos (1966). Prosa: Crô-nicas da Província do Brasil (1937), Guia de Ouro Preto (1938), Noções de His-tória das literaturas (1940), Literatura Hispano-Americana (1949), Gonçalves Dias (1952), Itinerário de Pasárgada (1954), De poetas e de Poesias (1954), Flauta de Papel (1957), Poesia e vida de Gonçalves Dias (1962), Andorinha, Andorinha (1966), Colóquio Unilateralmente Sentimental (1968), Poesia e Prosa (1958)

Toda a criação literária de Manuel Bandeira eleva as qualidades dos modernistas desta primeira geração, embora a postura estética deste poeta reclame uma poesia com marcas do cotidiano. A voz e a ação do povo na construção literária de Bandeira revelam até que ponto o poeta está atento ao movimento dos populares desde os becos às ruas e avenidas.

Atividade III

1 - Reveja alguns poemas de Bandeira e manifeste sua opinião sobre a presença das características modernistas nos poemas que você escolher. Situe a obra e o tempo do poema.

2 - Apresente seis características modernistas predominantes na obra de Bandeira a partir dos poemas “Evocação do Recife e Tragédia brasileira”. Para suas considerações use os versos dos referidos poemas para sua justificativa.

3 - Pesquise o “poema tirado de uma notícia de jornal” e discuta se ele é um texto típico dos modernistas? Justifique sua resposta usando o poema para suas observações.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

Para navegarInformar e auxiliar na pesquisa são os principais objetivos dos sites

abaixo. Por isto recomendamos a consulta a estes sítios não por defini--los como única fonte de pesquisa, mas para estabelecer um diálogo a partir dos diversos recursos que disponibilizamos. Lembre-se que os sites abaixo são apenas recomendações o que evidentemente não im-pede que você busque outras fontes para o seu aprofundamento no conteúdo que ora estudamos. Cada site tem sua particularidade que é montada a partir dos recursos de cada equipe envolvendo habilidades competentes. Alguns são repetidos em cada unidade o que justifica nossa afinidade com as propostas metodológicas impetradas por seus elaboradores.

http://www.mnemocine.com.br

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http://www. pensador.info.com.br

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Resumo

Ainda da primeira geração, Manuel Bandeira incorpora aquilo que denominamos como principais linhas dos modernistas. É sem dúvida o nome mais singular da oposição modernista desta geração. Bandeira rompeu com os parnasianos e suas tradições. Assim como Oswald e Mário, Bandeira revelou uma perspectiva literária de versos e prosas condensados pelas coisas de seu dia a dia numa revelação das coisas de Pernambuco para o Brasil. A poesia de Manuel Bandeira sintetiza este olhar crítico que coloca nas passarelas da arte literária as cenas do nordeste brasileiro. Manuel se compromete em abordar as questões

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sociais que envolviam os brasileiros de Pernambuco. Com este poeta, a realidade brasileira é descoberta nos becos, em notícias de páginas policiais de onde emergia dores e odores de um povo que não era mostrado ao seu próprio país. O Modernismo de Mario, Oswald e Ban-deira revela quão grandioso e imprescindível o movimento foi para a história cultural do nosso país. As novidades apresentadas foram funda-mentais para a construção de uma sociedade mais crítica e consciente de seus problemas. O modernismo de Bandeira desvenda para o Brasil do eixo sul-sudeste o Brasil do nordeste até então sufocado e abafado em sua realidade política e cultural. Desde que Manuel Bandeira reve-lou o Recife em sua evocação, mostrou com sua inteligência as coisas dos pernambucanos até então pouco recorrentes na produção literária brasileira.

Autoavaliação1 - Para uma avaliação de sua aprendizagem, entendemos que a auto-avaliação põe você olhando para você e para nós: tutores, professores e elaboradores na identificação de prováveis falhas e avanços diante do conteúdo que desejamos passar da forma mais clara possível. Por isto, são fundamentais suas observações em torno de pontos negativos e positivos para que possamos melhorar cada vez mais sua compreensão. Portanto, a avaliação escrita, nos servirá de guia para melhorarmos o seu desempenho.

Depois de refletir a produção de Bandeira, retire um poema para suas considerações sobre o modernismo como um movimento de grandes avanços literários.

Avalie seu desempenho nesta unidade tomando como base a primeira geração modernista representada por Manuel Bandeira de Pernambuco.

2 - Conforme estudamos na quarta unidade, retome o tema da brasilidade e do regionalismo agora em Manuel Bandeira e justifique como este poeta abordou este tema. Os modernistas, da primeira geração, foram unânimes em relação a um sentimento mais brasileiro. Escreva sobre os temas: brasilidade e regionalismo na obra do poeta em foco.

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3 - Pesquise e escreva sobre as influências literárias que o modernista Manuel Bandeira recebeu ao longo de sua produção e confronte com as influências dos modernistas Mário e Oswald a fim de esclarecer se os três poetas pertenceram à mesma rede de influências. Em que sentido pode-se afirmar que Mário, Oswald e Bandeira defendem as mesmas bandeiras modernistas? E a seu ver no que eles diferem em relação ao humor literário? Aborde aproximações e distancias entre estes autores.

Referências

BANDEIRA, Manuel. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, 1996.

FARACO & MOURA. Língua e Literatura. São Paulo, 1996.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. V.5: Modernismo. 5ª. Ed. São Paulo, Cultrix, 2000.

____ A literatura brasileira através dos textos. São Paulo, Cultrix, 1987.

NICOLA, José de. Língua, Literatura & Redação. São Paulo, Scipione, 1998.

____ Literatura brasileira. Das origens aos nossos dias. São Paulo, Scipione, 1998.

PAZ, Otávio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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VI UNIDADE

Modernismo: tendências da segunda geração de prosa em prosa

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Apresentação

Apesar de a primeira geração ser encarada como uma avalanche de idéias que poderia soterrar as produções anteriores e, porque não dizer, as posteriores, a segunda geração que se inicia a partir de 1930 e se estende até 1945, traz uma proposta curiosa em relação aos anos anteriores. Em primeiro lugar porque é um período extremamente rico na produção da prosa que está em conexão com o momento histórico conturbado tanto no plano nacional com a ditadura de Getúlio no Estado Novo, quanto no plano internacional com a segunda guerra mundial e a depressão econômica.

Segundo os historiadores este período talvez tenha sido o palco das maiores transformações ocorridas no mundo, no Brasil. Isto porque as propostas tidas como revolucionárias desta época integraram plena-mente as produções literárias.

Desta unidade, em diante, nosso interesse recairá sobre a prosa no sentido de acentuar a presença de dois autores que são fundamentais para uma visão de cunho mais regionalista.

Conforme você verificou nas unidades anteriores nosso interesse pela poesia fez com que a presença deste gênero encontrasse uma par-ticipação muito forte de poetas do porte de Mário, Oswald e Manuel Bandeira entre outros que não chegamos a explorar.

Nesta unidade você dialogará com a prosa através de um viés que esclarece a marca de uma preocupação fundamentada naquilo que a crítica delegou o nome de regionalismo cuja proposta era trazer para o centro do Brasil a realidade outrora calada diante dos eventos do eixo sul-sudeste que, de certa forma, sempre ofuscaram as produções de outros centros.

Portanto, neste instante, nosso interesse será duplo, isto é, aborda-remos dois autores para ilustrar o debate que travaremos no decorrer desta sexta unidade.

Para nossa fundamentação em torno desta segunda geração elen-camos Rachel de Queiroz, cearense, mulher que descentraliza a pro-dução masculina do eixo sul-sudeste e desloca as atenções restritas aos escritores deste eixo e o romancista Graciliano Ramos, alagoano, considerado pela crítica contemporânea como aquele que

Levou ao limite o clima de tensão presente nas re-lações homem/meio social, tensão geradora de um relacionamento violento, capaz de moldar per-sonalidades e de transfigurar o que os homens têm de bom (NICOLA, 2002, p. 222).

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Da cearense Rachel de Queiroz escolhemos para nosso diálogo fragmentos de seu romance O Quinze publicado em 1930. Esta obra é marcada pela presença do ambiente nordestino e identifica as persona-gens como sua gente do ceará onde o enredo da seca é uma espécie de constância em sua produção considerada como uma narrativa ex-tremamente dinâmica. Neste romance, o “aspecto social e psicológico coexiste”.

Já de Graciliano Ramos o romance para instituir nossa conversa será Vidas Secas que explicita a luta pela sobrevivência, ponto comum às personagens que elegem a lei da selva. Talvez, por isto, as expres-sões “bicho e vivente” sejam termos tão marcantes em sua obra.

Consideramos estes dois autores imprescindíveis para a compreen-são dos avanços pelos quais passaram a arte literária do modernismo deste segundo momento onde o centro do Brasil e seus problemas não seriam mais prioridades para os olhares artísticos.

É importante que você correlacione estes autores com os autores da primeira geração a fim de indicar aproximações e diferenças em suas redes de influências, e, fundamentalmente, para que você tenha clareza sobre as diferenças artísticas e políticas que envolveram os ideais das gerações que compuseram nosso quadro cultural do século xx.

Nesta sexta unidade nosso estudo elegerá estes dois autores para que possamos colocá-los frente às contribuições artísticas e políticas dadas à cultura brasileira.

Bons estudos!

Objetivos

Esperamos que a partir desta unidade você:

• Conheça o regionalismo e sua desenvoltura perante o movi-mento artístico-brasileiro;

• Compreenda os reais motivos da criação deste movimento den-tro do modernismo;

• Aborde o regionalismo sobre o prisma dos autores vindos das regiões mais sofridas do interior brasileiro.

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Regionalismo e nacionalidades

Moderno é um vocábulo ambíguo, para não dizer polissêmico. Designa o contemporâneo de quem fala ou escreve (MOISÉS, 1989, 198).

Este período foi muito rico no que diz respeito ao surgimento de grandes nomes da prosa que reivindicavam em suas produções uma preocupação mais latente com as coisas que assolavam o interior do Brasil tão pouco explorado nas cenas literárias montadas até então. Tanto é que os autores desta época abordaram questões que entraram em sintonia com os poetas dos anos 30. Passam a produzir obras de caráter mais construtivo e maduro embora não tenham descartado as propostas inovadoras dos poetas avançados das gerações anteriores que também estavam em harmonia com

As transformações vividas pelo país com a revolu-ção de 30 e o conseqüente questionamento das tradicionais oligarquias, os efeitos da crise econô-mica mundial e os choques ideológicos (NICOLA, 2002, p.210).

É esta busca do homem brasileiro mais simples escondido nos lu-gares nunca dantes visitados que passa a ser a característica mais mar-cante dos autores que integraram esta proposta.

O regionalismo ganha uma importância até então não alcançada na literatura brasileira levando ao extremo a relação dos personagens com o meio natural e social (NICOLA, 2002, p.210).

Como você pode perceber o regionalismo teve como propósito transformar as cenas do nordeste medieval para um nordeste de uma realidade mais capitalista e imperialista. Verifique que estes autores es-creveram romances que formaram uma espécie de bloco que desloca os assuntos antes localizados nos centros do Brasil para as regiões mais pobres e esquecidas, a exemplo da região nordeste. Agora, a denúncia social atua como uma espécie de documento da realidade brasileira tomando como espelho a região nordeste.

O regionalismo tem início quando os autores modernistas resolvem deslocar seu foco de atenção para temas que “apontam o deslocamen-to do fogo sagrado modernista para fora de São Paulo”.

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De um lado, punha-se o ensaio sociológico ou só-cio-histórico, procurando ganhar rigor de ciência, ou, ao menos, oferecer uma imagem menos subje-tiva de nossas condições de povo tropical, embora sem abdicar de certas prerrogativas literárias (MOI-SÉS, 1988, p.169).

Assim, nasceu o romance de cunho mais social onde as personagens estão inseridas dentro da crise que deflagra a desigualdade social.

A partir daqui você dialogará com a escritora que fez a diferença den-tro do cenário literário brasileiro, Rachel de Queiroz, nascida no ceará, mas que migrou para o eixo sul-sudeste. Escreveu sua obra O Quinze aos 19 anos de idade quando a maioria das mulheres mal se iniciava nos con-tos e não arriscava escrever as denominadas narrativas extensas, restritas aos homens, mas que ela surge, jovem inquietante, mas com um nome e um talento que marcariam a história da literatura regionalista brasileira.

Na verdade a escritora principiava sua trajetória com uma segurança e uma certeza que somente os longos anos de tirocínio e a experiência vital ensinam (MOI-SÉS, 1988, p. 188-189).

O cenário do romance é a seca de 1915

E nela um caso de amor entre Conceição e Vicente, ela uma professorinha fugida do sertão levando uma nostalgia que a lembrança do primo, vaqueiro rude e forte, mais agrava (MOISÉS, 1988, p.189).

A trama se desenrola numa perspectiva tal que chega a destacar a questão da economia interna do relato e tudo flui dentro de uma naturali-dade que mesmo sabendo o quanto o tema do flagelo era doloroso, mas ela consegue dar

Um toque de lirismo pervaga os episódios reiteradas vezes lembradas pela ficção e para enfatizar o senso de proporção e de realidade que norteava a prosa-dora (MOISÉS, 1988, p. 190).

Mesmo assim, a crítica não se furta de indicar Rachel como uma escri-tora “crivada de defeitos e de tantas e tão irremediáveis puerilidades”, mas indica que mesmo com estes pequenos defeitos e infantilidades quando se compara sua obra com obras de outros autores que, também tinham a seca como temática predominante, é possível perceber sua singularidade em relação aos escritores de sua época.

Percorridas as primeiras páginas, logo salta a impres-são de estarmos diante de algo particularmente viço-so com um invulgar poder de concentração: em dois breves capítulos, uma romancista ainda adolescente desenha toda a situação dramática que nucleia o en-redo (MOISÉS, 1988, p.189).

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Toda a produção de Rachel de Queiroz permeia, sem dúvida, uma preocupação, eleger sua gente como protagonista de características antes desconhecidas, “o caráter fortemente regionalista”

Sua gente, sua terra, as secas são notas constantes em seus romances, escritos numa linguagem fluen-te e de diálogos fáceis, o que resulta em uma nar-rativa dinâmica (NICOLA, 1998, p.214).

Deste modo, tanto O Quinze quanto João Miguel são romances de Rachel que encampam a responsabilidade de trazerem à tona uma nova forma de expor os problemas de cunho “social e psicológico” embora ambos se diferenciem em alguns aspectos, exemplo, o aspecto social sempre sobrepõe o aspecto psicológico. O que implica numa su-pervalorização dos problemas que afetam, politicamente, a sociedade da região nordeste.

Embora, para a crítica literária brasileira, seja com a obra Cami-nhos de Pedras que Rachel atinge sua autoridade máxima no tocante a uma literatura produzida sob a égide do engajamento político e, sobre-tudo, esquerdizante.

Vejamos um fractal do romance O Quinze onde Chico Bento e sua família no terceiro dia de migração para Fortaleza, capital do Ceará começam a se deparar com as amarguras da fome. Portanto,

O romance mais popular de Rachel, é sem dúvi-da O Quinze, cujo título refere-se a grande seca de 1915, vivida pela escritora em sua infância. Na narrativa destacam-se duas situações: primeiro a seca e as conseqüências acarretadas tanto para o vaqueiro Chico Beto e sua família, como para Vicente grande proprietário e criador de gado (NI-COLA, 1998, p.215).

Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/_JAj9QeSNwA8/R4Z_MBnJDzI/AAAAAAAAAkk/vVtBLqyx2d8/s1600/Retirantes.jpg

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Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgin-do no fundo sujo dos sacos vazios, na descarnada nudez das latas raspadas.- Mãezinha cadê a janta?- Cala a boca, menino! Já vem!- Vem lá o quê!...Angustiado, Chico Bento apalpava os bolsos... Nem um triste vin-tém azinhavrado... lembrou-se da rede nova, grande e de listas que comprara em Quixadá por conta do vale de Vicente.Tinha sido para a viagem. Mas antes dormir no chão do que ver os meninos chorando, com a barriga roncando de fome. Estavam já na estrada do Castro. E se arrancharam debaixo dum ve-lho pau-branco seco, nu e retorcido, a bem dizer ao tempo, porque aqueles cepos apontados para o céu não tinham nada de abrigo.O vaqueiro saiu com a rede, resoluto:- Vou ali naquela bodega, ver se dou um jeito...Voltou mais tarde, sem a rede, trazendo uma rapadura e um litro de farinha:- Tá aqui. O homem disse que a rede estava velha, só deu isso, e anda por cima se fazendo de compadecido.Faminta, a meninada avanço: e até Mocinha, sempre mais ou me-nos calada e indiferente, estendeu a mão com avidez.Contudo, que representava aquilo para tanta gente?Horas depois, os meninos gemiam:- Mãe to com fome de novo...- Vai dormir, dianho! Parece que ta espritado! Soca um quarto de rapadura no bucho e ainda fala em fome! Vai dormir!E Gordulina deu o exemplo, deitando-se com o Duquinha na tipóia muito velha e remendada.A redinha estalou, gemendo.Gordulina se ajeitou, macia, e ficou quieta as pernas de fora, dando ao menino o peito rechupado.Chico Bento estirou-se no chão. Logo, porém, uma pedra aguda lhe machucou as costelas.Ele ergueu-se limpou uma cama na terra, deitou-se de novo.- Ah! Minha rede! Ô chão duro dos diabos! E que fome!Levantou-se e bebeu um gole na cabaça. A água fria, batendo no estomaga limpo, deu-lhe uma pancada dolorosa. E novamente es-tendido de ilharga, inutilmente procurou dormir.A rede de Gordulina que tentava um balanço, para enganar o me-nino – pobrezinho! O peito estava seco como uma sola velha! – ge-mia, estalando mais, nos rasgões.E o intestino vazio se enroscava como uma cobra faminta, e em roncos surdos resfolegava furioso: rum, rum, rum...De manhã cedo, Mocinha foi ao Castro, ver se arranjava algum

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serviço, uma lavagem de roupa, qualquer coisa que lhe desse para ganhar uns vinténs.Chico Bento também já não estava no rancho. Vagueia à toa, diante das bodegas, à frente das casas, enganando a fome e enganando a lembrança que lhe vinha, constante e impertinente, da meninada chorando, do Duquinha gemendo:- Tô Tum fome! Dá tumê!...Parou. Num quintalejo, um homem tirava o leite a uma vaquinha magra.Chico Bento estendeu o olhar faminto para a lata onde o leite subia, branco e fofo como um capucho...E a mão servil, acostumada à sujeição do trabalho, estendeu-se ma-quinalmente num pedido... mas a língua ainda orgulhosa endureceu na boca e não articulou a palavra humilhante.A vergonha da atitude nova o cobriu todo; o gesto esboçado se retraiu, passadas nervosas o afastaram.Sentiu a cara ardendo e um engasgo angustioso na garganta.Mas dentro da turbação lhe zunia ainda os ouvidos:- Mãe, dá tumê!...E o homenzinho ficou, espichando os peitos secos de sua vaca, sem ter a menor idéia daquela miséria que passara tão perto, e fugira, quase correndo.

Raquel de Queiroz apud (NICOLA, 1998, p. 216).

É importante que você observe nos fractais acima que a autora procura de todas as formas demonstrar que não são apenas os temas da fome e da seca que imperam em sua obra. Algumas expressões sugerem uma maior aproximação do leitor com temas antes ofuscados, mas, que também explicitam sua preocupação em trazer à tona, em sua linguagem, a reprodução dos sons da fala das crianças, antes si-lenciadas e sem direito a voz nem espaço na literatura brasileira: “Mãe, dá tumê!”. É uma tentativa de dar voz a uma faixa-etária antes silencia-da, mas que em sua obra representa a tomada de uma preocupação antes pouco trabalhada. É como se Rachel desejasse fazer com que o Brasil ouvisse a voz outrora ofuscada pelos problemas dos adultos do eixo sul-sudeste.

Também, cabe uma discussão em relação ao momento em que Rachel tenta reproduzir o som do estomago roncando para demonstrar que a fome também tem voz, mesmo que um tanto surda: “rum, rum, rum...” para os ouvidos voltados apenas para os problemas que não diziam respeito à fome como algo concreto e palpável e, porque não dizer, com voz.

Outro momento singular que chamamos a sua atenção para uma reflexão em relação às propostas literárias encampadas desde os mo-dernistas das gerações anteriores, a nosso ver, é quando Chico vencido pela fome observa o leite espumando na lata e rende-se à mendicância estendendo suas mãos antes estendidas ao trabalho e agora estendi-

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das “maquinalmente num pedido” humilhante. Aqui, nesta passagem, a autora reflete a fragilidade de Chico Bento mediante o nada ter para alimentar a si e sua família.

Para situar Rachel de Queiroz em relação ao cha-mado grupo de escritores do nordeste é preciso no-tar que, mais tarde, o próprio Gilberto Freire teria reconhecido que a sua caracterização do nordeste se restringia ao nordeste açucareiro, cujo território abarcava a faixa litorânea do norte da Bahia ao Maranhão, aludindo ao “um outro nordeste” pas-toril (CHIAPPINI, 2002, p. 160).

Neste sentido corroboramos com Ligia Chiappini, pois entendemos que não era possível definir a região nordeste a partir das produções dos denominados autores regionais. Entende-se que cada olhar pode designar sua versão sobre o povo de cada Estado nesta região.

Não é possível que se queira denominar o alagoano, o pernam-bucano, o paraibano, o maranhense ou o cearense, com seus ditos e feitos, como representantes de toda uma região que comporta muitos Estados com suas culturas e suas maneiras de encarar a sobrevivência. Por isso, a pesquisadora Chiappini retoma que não seria viável indicar e definir o olhar de Rachel, de Euclides, de Graciliano, entre outros, com suas personagens, como representantes máximos da região nordeste. Para ela sempre houve um, ou mais nordestes a serem destrinchados.

Rachel de Queiroz tem consciência da existência de dois nordestes da riqueza maior, encarada cri-ticamente, por ela, do nordeste rico e da forma como os fazendeiros tratam seus escravos, ideali-zando as relações amenas entre escravos domésti-cos e fazendeiros do nordeste pobre, sem, contudo escamotear as contradições e a dominação (CHIA-PPINI, 2002, p. 161).

Sugerimos que você observe a obra de Rachel, principalmente, no tocante à questão da relação que ela estabelece

Entre o nordeste e o centro do país e entre os po-bres e os ricos confrontados com a seca ou entre os ricos, confrontados entre eles mesmos e com seus subordinados na disputa por terra, ouro e poder (CHIAPPINI, 2002, p. 163).

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Rachel e RamosSe você observar as principais características do período regiona-

lista de Rachel a Graciliano há de fato algo em comum em suas pro-duções, principalmente, no que tange à questão do conflito do homem com a fome ocasionada pela seca.

O mesmo cuidado que abordamos na obra de Rachel em rela-ção ao homem de um determinado Estado representar toda a região nordeste deve ser uma constante, também, em nossa passagem pelas personagens de Ramos.

O professor Antonio Candido, situa Vidas Secas como

Um romance narrado em terceira pessoa, no qual se enfocam os modos de ser e as condições de existência, segundo uma visão distanciada da rea-lidade (NICOLA, 1998, p. 223).

Graciliano atua como um autor que se preocupa, sobretudo, em discernir seus personagens que aparecem como seres oprimidos, como produtos do meio em vidas secas

Fabiano curou no rasto a bicheira da novilha raposa. Levava no aio um frasco de creolina, e se houvesse achado o animal, teria feito o curativo ordinário. Não o encontrou, mas supôs distinguir as pisadas dele na areia, baixou-se, cruzou dois gravetos no chão e rezou. Se o bicho não estivesse morto, voltaria para o curral, que a oração é forte...

(...) Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou o aio um pedaço de fumo, picou--o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o à binga, pôs-se a fumar regalado.

- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era ho-mem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os azuis, a barba e os cabelos ruivos, mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, des-cobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.

Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:

- Você é um bicho, Fabiano.

Isto para ele era motivo orgulho. Sim, senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades.

Chegara naquela situação medonha – e ai estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha.

Disponível em: http://4.bp.blogspot.com/-L3oQQBjDnMw/UCKM8DqoRHI/AAAAAAAAG0k/ge7nMkJA0e0/s1600/Ilustra%25C3%25A7%25C3%25A3o%2Bde%2BAldemir%2BMartins.JPG

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- Um bicho, Fabiano.

Era. Apossara da casa porque não tinha onde cair morto, passara uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã. Viera a tro-voada. E, com ela, o fazendeiro que o expulsara. Fabiano fizera-se desentendido e oferecera os seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O jeito que tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregar-lhe as marcas de ferro.

Graciliano apud (NICOLA, 1998, p. 224-225).

Conforme a amostragem acima é fácil perceber em que situação o autor coloca o Fabiano. È importante ressaltar que este personagem não pode representar todos os sertanejos, conforme vimos discutindo anteriormente. Evidente que ele deve representar o sertão de Alagoas.

Vidas Secas foi escrito em 1938, num tempo em que se buscavam novas configurações para a arte e para a nação brasileira (IVETE, 2002, p. 274).

A autoridade literária de Graciliano é singular no tocante à meti-culosidade e eloqüência ao construir a desenvoltura e a personalidade de suas personagens e focaliza a hostilidade da natureza e os vários níveis de opressão do sistema arcaico rural em consonância com a realidade do nordeste brasileiro. Em Vidas Secas vem à tona o poder e o autoritarismo do choque entre as categorias que integram a obra, a exemplo do soldado amarelo, cobrador de impostos e do patrão cujas ações impiedosas recaem sobre a personagem Fabiano o que esclare-ce que Ramos parece desejar submetê-lo a certa inferioridade cultural e social na relação de poder que se estabelece entre as personagens da obra. Fabiano, sem duvida, é a personagem mais atacada pelo autor. Fabiano, em muitos momentos, tem que assumir que seu lado humano é sucumbido pelo lado animal que o autor faz questão de elevar.

Uma característica muito forte na obra de Graciliano, em particular em Vidas Secas, que na maior parte da obra é narrada com o verbo no pretérito e com o discurso indireto livre parece sugerir certa vera-cidade à narrativa o que proporciona ao leitor maior intimidade com a temática. A crítica indica que esta obra é um romance cuja primeira parte aborda dados biográficos e assume um perfil de crônica social por refletir de certa forma a sociedade desta época (Cf. GOLDMANN).

Entrava dia e saia dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, que-brada apenas pelas vermelhidões do poente. Miu-dinhos perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se somaram as suas desgraças e seus pavores (RAMOS, 1999, p.13).

Assim esta obra pode ser considerada o ponto mais crucial do re-gionalismo que desencadeou outra maneira de olhar para o Brasil, sua gente e seus problemas.

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O Quinze e Vidas Secas, são obras fundamentais para uma elucida-ção dos fatos que permeavam determinados Estados da região nordeste.

Ressaltamos que você não pode perder de vista a questão que abordamos anteriormente, ou seja, não generalizar a forma de Chico Bento ou Fabiano olhar a vida como se fosse igual em todos os Estados da região nordeste. Isto é um engodo. É evidente que a seca e a fome que são comuns a ambos podem sinalizar para esta aproximação, mas não devemos generalizar vez que o olhar das personagens é sempre pertinente à cultura de seus Estados. Chico Bento é cearense, Fabiano é Alagoano e ambos são afetados por uma política agrária precária capaz de fazer transparecer o lado desumano de agricultores e latifun-diários que se depreciam perante o Brasil das outras regiões

A solução do equívoco da seca não passa por comportas, mas pelo comportamento. A imigração é cara desnecessária e perigosa; barata que fosse desperdiçaria a verdadeira vocação do semi-árido irregular, que é a vocação xerófila, única no Brasil e que pode oferecer produtos nobres e exclusivos do saqueiro – as terras altas, impróprias à irrigação (PINTO, 2002, p. 338).

Atividade I

Atividade de pesquisa

Como você pode perceber as propostas da arte literária regionalista vão além da demonstração dos problemas de ordem geográfica que envolve a seca e, consequentemente, a fome.

A proposta era viabilizar um olhar que descentralizasse o olhar até então imperante do eixo sul-sudeste em relação aos problemas que afetavam o Brasil da época e houve uma espécie de desnudamento dos problemas sociais e psicológicos das personagens que integravam esta proposta. Foi assim com Chico Bento, com Fabiano e com tantas outras personagens inseridas nas produções regionalistas desta época.

Deste modo, este homem rude, sofrido, animalizado se firma como uma amostragem do exemplo de resistência e mesmo sendo “antes de tudo um forte” sua fragilidade é a marca maior destas obras. O regionalismo faz menção às cenas outrora obscuras, mas que descerra a cortina de um Brasil até então desconhecido.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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1 - Observe a tela de Portinari e escreva sobre este homem que aparece fazendo alusão à crítica que suscitamos anteriormente sobre as personagens representarem seus Estados e não uma região como um todo. A partir do tema geral nas duas obras abordadas discuta a proposta regionalista.

a - Pesquise os temas mais predominantes nos autores regionalistas e indique aquele que a seu ver representa melhor a proposta desta tendência literária regionalista.

Reflita o texto de Graciliano abaixo:

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Ala-goas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, mo-lham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas depen-duram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.

1 - Analise o que diz o texto de GRACILIANO e veja onde paira certa crítica aos modernistas de outros centros das gerações anteriores. Confronte as pro-postas literárias dos autores do eixo sul-sudeste com as propostas dos regio-nalistas.

2 - Escreva uma crítica que justifique o olhar regionalista como uma proposta literária que acrescentou algo ao sentimento brasileiro de outro Brasil mais brasileiro e menos europeu.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Uma geração de brasileiros Regionalistas: 1930-1945

Os regionalistas aclamados deste modo por preferirem dar voz às per-sonagens mais simples logo entenderam que teriam que chegar a uma produção que traduzisse ao máximo a língua e a cultura dos diversos Esta-dos brasileiros no viés mais rural em confronto com os centros urbanos, a exemplo de São Paulo e Rio que ditavam na arte a maneira sulista de olhar o país. Os regionalistas integram a ala dos modernistas que optaram por levar adiante a temática da seca que envolvia os Estados que dependiam da agricultura para suas sobrevivências.

Em outro momento, estes autores se tornam intérpretes dos sentimentos de um povo que não escrevia e não teria como informar seus problemas políticos e sociais às outras regiões do Brasil.

Observe nos fractais abaixo de Vidas Secas e O quinze:

Fabiano estava silencioso. A multidão o amedrontava e o apertava mais que a roupa. Agora não poderia virar-se; mãos e braços roçavam-lhe o corpo. Lem-brou-se da surra que levara e da noite na cadeia. Era como se a multidão fosse agarrá-lo, subjulgá-lo, espremê-lo num canto da parede. Comparando-se aos tipos da cidade. Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele (GRACILIANO, 1998, p. 75) .

Chico Bento também já não estava no rancho. Va-gueia à toa, diante das bodegas, à frente das casas, enganando a fome e enganando a lembrança que lhe vinha, constante e impertinente, da meninada chorando, do Duquinha gemendo:- Tô Tum fome! Dá tumê!...(NICOLA, 1998, p. 216).

Você pode definir esta fase como o momento mais brasileiro, mas tam-bém seria generalizar, pois literatura é um conjunto de produções literárias que encetam sentimentos diversos a partir da cultura que envolve todos os Estados de uma nação quer seja desenvolvida ou subdesenvolvida em seus diversos saberes.

O regionalismo pode ser definido como uma expressão que reuniu aquilo que denominamos como romances caracterizados pela denúncia social que envolvia fundamentalmente as relações das personagens com o mundo, deflagrando assim a integração entre o eu/mundo.

É o que afirma José Lins do Rego apud (NICOLA, 1998, p. 211) em uma conferência sobre As tendências do Romance Brasileiro. Entenda José Américo de Almeida e José Lins do Rego como autores de fundamental

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importância para o regionalismo, embora não sejam nossos focos nesta unidade,

Nós, no Brasil, queremos acima de tudo, nos encon-trar com o povo, que andava perdido. E podemos dizer que encontramos este povo fabuloso espalhado nos mais distantes recantos da nossa terra. O roman-ce de nossos dias está todo batido nesta massa, está composto com a carne e o sangue de nossa gente. Hoje, podemos dizer, já podemos afirmar: o povo é em nossos dias herói de nossos livros. Isto equivale a dizer que temos uma literatura.

Atividade IIA propósito:

1 - Tanto Rachel de Queiroz como Graciliano Ramos trouxeram, para a literatura brasileira, propostas que foram consideradas avançadas e que desnudaram a alma cultural do homem nordestino. Escreva sobre a importância da proposta regionalista para a elucidação do sentimento deste homem.

2 - Rachel e Ramos são imprescindíveis para o regionalismo porque defendem uma escrita que tenha a carne e o sangue do povo brasileiro e defendem a tese que é a partir deste estilo regionalista que o Brasil passa a ter uma literatura de verdade. Justifique negando ou afirmando esta opinião.

Desejamos que esta visita aos recantos mais simples do povo brasileiro a partir dos regionalismos lhe acrescente um olhar mais crítico sobre nos-sas produções regionais.

Bom proveito!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadasPara continuar a navegar

As informações contidas nos sites indicados nas unidades anteriores são pertinentes e, alguns destes sites devem continuar como fonte de pes-quisa, também nesta unidade. Cada vez que indicamos um site não quer dizer que outros sejam descartáveis, pelo contrário, a nosso ver, uma boa pesquisa resulta do esmiuçar de vários sítios que tratam do assunto pes-quisado.

Por isso, para evitar o congestionamento e acréscimos indevidos de sites, sugerimos que você revisite os já indicados nas unidades anteriores e caso não correspondam às suas curiosidades referentes a esta unidade que entre em cena outros sites para subsidiar a fomentação de sua visão crítica sobre nossa literatura brasileira regionalista, também, no âmbito di-gital.

Resumo

O regionalismo é encarado como uma tendência voltada para as coi-sas mais interioranas e surgiu com uma proposta de trazer à baila o povo nordestino dos mais variados e distantes lugares de nosso país. Do regio-nalismo, tira-se todo proveito possível porque é a partir deste momento que os Chico Bento e os Fabianos do sertão começam a dar sinal de vida através dos romances que encampam uma revolução na relação entre lín-gua e literatura já que seus autores, em consonância com os modernistas das gerações anteriores, também, desejavam uma literatura mais brasileira possível. Os autores que integram o regionalismo têm suas terras como espaços geográficos para a montagem dos cenários de seus romances e as idéias dos povos destes lugares surgem para contar sobre Brasil que o Brasil do sul-sudeste ainda não conhecia. Neste movimento, os ideais dos autores se harmonizam com os ideais da proposta modernista: o ataque frontal a tudo que não fosse demasiadamente brasileiro.

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AutoavaliaçãoComo você sabe, a reflexão é a marca de nossas discussões e é a

partir da auto-avaliação que entendemos até que ponto conseguimos dialogar em pé de igualdade com suas dúvidas. Deste modo, sugeri-mos que você reflita sobre o conteúdo desta unidade e considere os pontos mais importantes para seu crescimento como leitor crítico.

01 - Leia atentamente e questione os fractais abaixo:

Fractal 1

“O romance de nossos dias está todo batido nesta massa, está composto com a carne e o sangue de nossa gente. Hoje, podemos di-zer, já podemos afirmar: o povo é em nossos dias herói de nossos livros. Isto equivale a dizer que temos uma literatura.”.

Fractal 2

“Rachel de Queiroz tem consciência da existência de dois nordestes da riqueza maior, encarada criticamente, por ela, do nordeste rico e da forma como os fazendeiros tratam seus escravos, idealizando as relações amenas entre escravos domésticos e fazendeiros do nordes-te pobre, sem, contudo escamotear as contradições e a dominação (CHIAPPINI, 2002, p. 161).

02 - Os regionalistas aclamados por preferirem dar voz às personagens mais simples logo entenderam que teriam que traduzir ao máximo a língua e a cultura dos diversos Estados brasileiros, o rural em confronto com o centro urbano que supervalorizava a maneira sulista de olhar e falar do país. Os regionalistas integram a ala dos modernistas que optaram por levar adiante as temáticas da seca e da fome. Após ler os fragmentos acima d O Quinze e Vidas Secas amplie esta discussão.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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112 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira III

Referências

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, 1996.

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. Estudos de teoria e história da literária. São Paulo, Queiroz editor, 2002.

GOLDMANN, Lucien. A Sociologia do Romance. Rio do Janeiro, Paz e Terra, 1988.

LUCAS, Fábio. Literatura e comunicação na era da eletrônica. São Paulo, Cortez, 2001.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. V.5: Modernismo. 5ª. Ed. São Paulo, Cultrix, 2000.

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VII UNIDADE

Tendências contemporâneas: Concretismo e poesia-praxis

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Apresentação

Depois de uma “over dose” de grandeza literária onde dialogamos, em dose dupla, com você sobre os regionalistas e suas obras, mais pre-cisamente, Raquel e Graciliano como baluartes da prosa do cotidiano da região Nordeste, cuja produção se alastrou de 45 em diante, agora é a vez de apresentarmos os poetas concretistas e o poeta da poesia--praxis que apresentam uma propositura mais avançada, onde ambos os movimentos se situam numa crítica pertinente como “vanguardas velhas” e “vanguardas novas”.

Ao longo das unidades anteriores foi demarcado o modernismo a partir dos ideais estéticos da primeira e segunda geração. Agora nesta sétima unidade, nosso diálogo terá uma marca muito forte em relação às vanguardas que pensaram a literatura em sintonia com a história da política brasileira dando uma nova verve à leitura e a interpretação de poesia.

Podemos definir este momento como extremamente delicado pelo fato de termos, neste instante, uma geração que se identifica estetica-mente com as gerações anteriores, mas, que opta por engendrar uma prática que volta a centralizar o olhar literário no eixo sul-sudeste.

É importante que você perceba esta geração como uma geração que gerou bons frutos literários, a partir do projeto que seus autores en-campavam na movimentação do leitor rumo a um discernimento mais crítico sobre sua posição perante os versos.

Todas as gerações deram bons frutos, em relação às manifestações artísticas, e, cada uma, ao encampar seus ideais acrescentou uma vi-são inovadora à sociedade. A semana de arte fez o seu papel e deu o ponta-pé inicial no sentido de fortalecer as chamas de uma vontade acesa desde os primórdios desta primeira geração que promoveu atitu-des artísticas na forma de olhar e dizer as coisas.

A partir de 1945, várias mudanças ocorreram afetando a vida da sociedade: “as explosões de Hiroshima e Nagasaqui”, acidentes agen-ciadores de várias crises culminaram na popularização dos direitos do homem com um perfil mais atuante e mais digno.

Foi neste cenário que estes movimentos de produções contempo-râneas começaram a ganhar espaço no sentido de fazer emergir uma proposta que corresse em consonância com as novidades e rompesse com os ideais das gerações anteriores.

As vanguardas poéticas entraram em sintonia com os avanços tec-nológicos e migraram no sentido de uma sociedade mais exigente e mais rápida no tocante às transformações de uma comunicação mais objetiva. É à luz desta objetividade comunicativa, nos anos 1950-1960, que emergem estas correntes poéticas com características singulares e

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Literatura Brasileira III I SEAD/UEPB 115

inovadoras que abriram mão de versos convencionais e proclamaram “o poema-produto: objeto-útil” (Cf. NICOLA, 2002)

Como você poder perceber, este período é muito rico em inovações pertinentes com os ideais estéticos que sugeriram uma vertente deno-minada de poesia concreta surgida, a partir de 1956 com a exposição Nacional de Arte Concreta no Museu de Arte Moderna em São Paulo de onde lançou olhares outros, vindos, também, da Europa.

Para entender este momento tão rico em inovações na arte literária brasileira é importante perceber que alguns nomes são imprescindíveis neste instante demarcado, por muitos, como pós-modernismo. A sa-ber: Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos que encampam a poesia concreta e Mário Chamie que é o grande defensor da poesia-praxis.

Outros autores da prosa e da poesia se dedicam a uma produção voltada para o que já havia sido produzida pelos autores de 30, que na época, também buscavam uma literatura intimista, de sondagem psi-cológica e introspectiva. Dois nomes são fundamentais neste momento: Guimarães Rosa e Clarice Lispector, através dos quais “o regionalismo adquire uma nova dimensão com a produção fantástica” da recriação dos costumes e das falas sertanejas, mas aqui, nesta sétima unidade nos dedicaremos, mais precisamente, aos autores da poesia concreta e da poesia-praxis.

É deste modo que se inscreve o novo momento denominado de pro-duções contemporâneas. Para isto, pedimos sua atenção em relação a este instante quando os irmãos Campos defendem a seguinte tese:

A poesia concreta é o primeiro movimento interna-cional que teve, na sua criação, a participação di-reta, original, de poetas brasileiros. Como no caso do anterior movimento de renovação que houve neste século na literatura brasileira – o Movimento Modernista de 22- também a poesia concreta se constitui em São Paulo (NICOLA, 2002, p.273-274).

É importante que você perceba que a produção literária volta ao eixo sul-sudeste e encontra nestes baluartes da arte, de dizer palavras em diálogos midiáticos, em sons tecnológicos e em imagens, uma ver-tente semiótica.

Portanto, nesta unidade, nosso diálogo remontará a saga intelectu-al e criativa destes autores tão importantes para o movimento artístico--cultural brasileiro e, são imprescindíveis para uma compreensão das diferenças que permeiam a poesia, sonoro-visual dos séculos XX ao XXI.

Bons estudos!

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Objetivos

Esperamos que nesta unidade você:

• Conheça o concretismo em suas adesões e rupturas com os movimentos artísticos brasileiros;

• Construa uma crítica em relação aos movimentos anteriores, do ponto de vista da estética, a ponto de saber discernir poesia concreta de poesia-praxis;

• Diferencie as propostas modernistas dos pós-modernistas, a partir da poesia concretista e da poesia-praxis.

Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/-xy6ziztdBtE/ThpWutBIO5I/AAAAAAAAAXg/N_O62vFWhXk/s1600/maiochamie1.jpeg

Disponível em: http://www.fotothing.com/photos/ded/ded4a40bbc8fe0925991bcbeb2c9360e.jpg

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O concreto concretismo

Aqui, cabe uma abertura para sinalizações de que os concretistas, de certa forma, não lançaram um movimento original, tipicamente bra-sileiro. Primeiro, porque na geração de 22, poetas como Oswald já lançavam a proposta no momento em que esta poesia radical rompeu com a eloqüência herdada do século XIX, segundo, porque o poeta francês Mallarmé já sinalizava sua preocupação estética. Conforme os próprios concretistas, Oswald escrevia (Cf. NICOLA, 2002) “em com-primidos, minutos de poesia”.

O que podemos perceber é que a produção literária, sem dúvida alguma, é um vaivém sem fim, ora numa ruptura radical, ora numa retomada de qualidades e defeitos de produções anteriores, corrobo-rando ou rompendo com os propósitos literários de cada momento.

No momento em que se instaura a radicalização de uma cultura que buscava romper com os versos tradicionais encerrando seu ciclo históri-co, a poesia concreta com o poema-objeto em suas várias roupagens “acústica, visual, carga semântica, espaço tipográfico e disposição geométrica dos vocábulos na página”, ocupa um papel fundamental quando repensa o fazer poesia em consonância com os movimentos tecnológicos em seus múltiplos suportes.

Como você pode perceber, vários recursos complementaram e tor-naram a comunicação mais inteligente no tocante a uma abertura para dizer as coisas brasileiras a partir do olhar da “Europa brasileira”, a saber, São Paulo e Rio de Janeiro que haviam perdido a mira por causa dos desvios provocados por Graciliano, Euclides e Raquel de Queirós que, neste momento literário, ganharam espaço colocando os senti-mentos, os “causos” e a forma de ver o mundo pelo viés regional e que, posteriormente, passa, outra vez, para o eixo central desta “Europa brasileira”.

Assim, os concretistas foram os primeiros a perceberem a crise em relação aos versos e às produções artesanais que foram sendo engoli-das pela revolução industrial. Deste modo, passam a defender

(...) a abolição da tirania do verso e proposta de uma sintaxe estrutural, na qual o branco da pági-na, os caracteres tipográficos e sua disposição no papel assumam relevo, embora se mantenha ainda o discurso e mesmo o verso, apenas dispersado (NICOLA, 2002, p. 274).

A proposta mais fascinante deste movimento é quando se propõe mexer com o leitor no sentido de torná-lo o menos apático possível a ponto de fazê-lo ativo em sua participação na leitura múltipla que o poema concreto sugere tornando-o uma espécie de co-autor.

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Assim se posicionam os irmãos Campos:

(...) uma ordenação não-linear do poema, com valorização integral do branco da página e uma possibilidade aberta de leitura múltipla, dando im-portância tanto aos elementos visuais como aos sonoros (NICOLA, 2002, p.274).

É de se notar que esta proposta presente no livro, lances de dados, do poeta Frances Mallarmé faz uma espécie de abertura para a página em branco como que num convite à intervenção vinda dos seus leito-res que ele acreditava capazes de interferirem na obra aberta às suas intervenções.

Destarte, em 1958, faz-se a publicação da proposta da poesia con-creta denominada como “documento-programa” conforme os próprios concretistas:

•Poesiaconcreta:(Cf.NICOLA,2002)produtodeuma evolução crítica de formas dando por encer-rado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-for-mal), a poesia concreta começa por tomar conhe-cimento do espaço gráfico como agente estrutural.

• Poesia concreta: tensão de palavras-coisas noespaço-tempo.

•Estruturadinâmica:multiplicidadedemovimen-tos concomitantes.

•Opoemaconcretocomunicaasuaprópriaes-trutura: estrutura-conteúdo. O poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou me-nos subjetivas. Seu material: a palavra (som, forma visual, carga semântica)

Como você pode ver, são muitas as propostas concretistas frente às produções anteriores. Percebe-se que este movimento não veio apenas para deflagrar sua crise em relação aos poetas de outrora, mas para suge-rir uma proposta em contato com as produções européias que já haviam aderido a esta forma de dizer as coisas conforme Mallarmé poeta simbo-lista do XIX que através de sua poesia resolveu defender a tese de que era mais importante sugerir do que dizer as coisas como elas são, pois, para ele quando dizemos as coisas como elas são, mata-se o prazer do leitor.

A partir de 1952, Haroldo, Augusto e Décio, em São Paulo, se encon-traram para fundar o grupo noigandres, termo, que segundo a tradução de Augusto significa antídoto do tédio. Em 1955, o grupo ventila pela pri-meira vez a expressão “poesia concreta” e faz contato com poetas de porte internacional a exemplo do suíço (Cf. MOISÉS) Eugen Gomringer autor de um manifesto que tinha a mesma sugestão de pesquisa poética do grupo daqui “do verso à constelação: função e forma de uma nova poesia”.

Internacional pelas ressonâncias em razão de suas

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propostas coincidirem com as de outros poetas ex-perimentais, o concretismo era internacional nos seus objetivos (visava a uma espécie de poesia sem fronteiras, por cima de línguas e gramáticas) e nos seus fundamentos (MOISÈS, 1988, p.440).

Outro autor que merece nossa atenção é o poeta Ferreira Gullar que em sua luta pela busca de uma produção poética mais indepen-dente possível conquistou seu espaço de destaque na literatura nacio-nal, embora não seja foco de nosso interesse nesta unidade. Assim afirmam ABDALA e YUSSEF a seu respeito:

Alta consciência estética, preocupação com um co-tidiano abrutalhado e uma busca da essência da realidade, comparecem na obra, em poemas que oscilam do verso livre à prosa poética (ABDALA, YUSSEF,1991, p.249).

A partir da assertiva acima é fácil perceber que os propósitos de Ferreira Gullar se coadunam com este jeito novo de fazer poesia, fazer este que se torna defensor de uma modificação na forma de dispor os versos em sintonia com aquilo que poderíamos definir como coisas extraídas do cotidiano. É assim que esta nova geração vai encarar a poesia como algo intrínseco às coisas da vida no momento da feitura poética.

Atividade I

Atividade de pesquisa Para seu deleite, o concretismo, entra com uma avalanche de idéias

para a poesia brasileira e está além da preocupação com as letras puras e restritas para a construção dos sentidos das coisas e, está à frente das subjetividades poéticas sobre os fatos. A sugestão poética era mobilizar o leitor no sentido da sugestão e movimentá-lo na direção de múltiplas interpretações no tocante aos problemas universais.

Assim, a poesia deste projeto literário encampa outras preocupa-ções com a questão do uso e da disposição dos versos nas páginas até então encharcadas de termos e mais termos. O concretismo é um mo-vimento que vai fazer sérias críticas ao verso tradicional e se alia a uma

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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nova perspectiva da poesia brasileira em versos e imagens que vão di-zer muito mais do que as palavras que não passavam de verborragias.

1 - Eleja um poema deste movimento e escreva sobre o propósito concretista perante os problemas da sociedade e faça uma crítica ao utilitarismo dos versos em poetas anteriores. Assim, discuta a proposta concretista em relação a este utilitarismo a partir do poema concretista que você escolher.

2 - Aborde a recorrência de temas mais presentes nestes poetas concretistas e dê sua opinião ressaltando a questão visual tão presente nestes autores.

3 - Reflita o poema abaixo:

Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/_vsVXJhAtvc8/STxeT_pN4xI/AAAAAAAACKQ/

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Aborde este poema do ponto de vista do texto e da imagem, qual a relação entre estas duas formas de dizer as coisas no poema em foco.

4 - Produza uma crítica que corrobore com a proposta dos concretistas, se possível, discorrendo sobre o que esta proposta, a seu ver, acrescentou ao sentimento do leitor brasileiro.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Uma geração das imagens Concretistas: 1950-1960

Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/-7ZmmdOQEuCU/TsvBwemgtoI/

AAAAAAAAAjA/Ykw9VYaPJO0/s1600/LIXO.PNG

É importante ressaltar que os concretistas diferentemente dos poetas anteriores, estabeleceram uma relação extremamente visceral entre pa-lavra e imagem numa tentativa de dizer muito mais do que a letra por si só dizia. Era o esforço de reforçar o dizer poesia de modo mais criativo e mais inteligente para sair da mesmice vocabular que encarcerava o poema. É importante destacar que esta forma de utilizar os versos já havia sido inaugurada anteriormente por outros poetas que reconhece-ram que o dizer através da poesia deveria refletir a vida com recursos outros que não apenas os versos.

Os concretistas, deste modo, reivindicam esta maneira de dispor os versos utilizando recursos sonoros e visuais numa parceria com a modernidade em tecnologias que pudessem esclarecer os sentidos do que queriam expressar.

Devemos perceber que uma das características mais marcantes dos concretistas dizia respeito à questão de mexer com os leitores, no sen-tido de torná-los mais participativos e ativos diante daquilo que era a marca maior desta proposta, a leitura múltipla.

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Poesia de vanguarda, revolucionária, explora o espaço de uma página mais preocupada com o aspecto visual do texto do que com o próprio verso. Nesse caso, a frase desaparece: fica a palavra, de-composta em seus elementos (ABDALA e YUSSEF, 1991, p.253).

É evidente, conforme, já lhe esclarecemos que Oswald de Andrade, entre os modernistas, poderia ser citado como um dos precursores desta idéia em solo brasileiro, primeiro, conforme já esclarecemos anterior-mente, os próprios concretistas, reconheciam que este poeta escrevia “em comprimidos” o que esclarece que a proposta concretista possuía antecedentes que viram nesta forma de escrever outra possibilidade para os versos. Daí a necessidade de entendermos que na realidade o verso tradicional entra em decadência muito antes dos concretistas darem seu “grito de alerta”.

Uma dissidência entre dissidentes: o foco do foco na poesia-praxis

Vale salientar, aqui, que nem tudo foram flores, entre os concretis-tas, que entram em crise no final dos anos 50 abrindo espaço, no início dos anos 60, para aquilo que foi denominado como poesia-praxis, ou melhor, uma “nova vanguarda” que somente em 1961 lançaria seu “pré-manifesto didático”, ou seja, “termos didáticos para a considera-ção do poema” idealizado por seu principal poeta: Mário Chamie. Veja um fragmento do manifesto abaixo:

O poema se objetiva (...); se associa partes e lança a unidade: palavra-corpo-espaço-forma; se vê e mantém a atitude espiritual do olho; se doma o ob-jeto em seu volume (linha, cor, ângulo, referência); se manuseia o objeto e aceita a sua autonomia; se movimenta os cinco sentidos e diz: “o poema atua e oferece a sua área”; se situa o poema entre os seres mulher, bicho, flor; se concebe o poema como forma de conhecimento; se atomiza e não dispersa, etc (MASSAUD, 1988, p.446).

Partindo da assertiva de que “a palavra é uma célula do discurso”, o texto-praxis valorizava a palavra dentro de um contexto extralingüís-tico, caracterizando-se pela “periodicidade e repetição das palavras, cujo sentido e dicção mudam” conforme sua posição no texto, o que de certa forma não podemos dissociar dos propósitos concretistas que levavam o poema para este veio literário.

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Crime 3

Fuma fuma tabaque bate: que pança? Dançacurtido corpo de charquecharco em corrutobeiço tensão charuto eseu sangue soca seu peito soca e eis que ao lado o outro caboclo bate: disputa um ataque à bronca (ou em bloco) de ronco e lata. E na mão do primeiro o punhal se empunha se ergue chispando e em X pando desce: se crava cavo, na caixa de som (colchão murcho coração).

Assim, apesar da crise entre os concretistas, dar para perceber que a proposta não é descartada pelos novos idealizadores do verso, a ima-gem continua sendo uma marca muito forte nos novos poetas.

A partir dos anos 60, toma posse esta nova atitude literária que leva adiante uma designação, conforme seu fundador, que a denomina de “instauração” práxis (Cf. MASSAUD).

Em 1962, Chamie, publica Lavra lavra que traz em seu posfácio o que ele denominou como “manifesto didático”:

a) A literatura-praxis recoloca a palavra no centro de uma tríplice e virtual função semiótica – semân-tica, sintática e pragmática; b) a arte como objeto e argumento de uso; c) a práxis só se concebe em termos de obra e nunca de experiências de com-provação; d) a práxis é dado-feito presente e ad-mite a teoria como ponte de passagem para outros dados-feitos – La fétichisatio a pour resultar de réa-liser des fetiches (Sartre); e) a literatura-praxis não é empírica, irracional ou indiscriminada; é conscien-te e, por via da consciência, será praticada (MAS-SAUD 1988, p. 446-447)

Deste modo, conforme o manifesto acima, é possível perceber que a proposta é ousada, e, sobretudo, inovadora e esta inovação é refor-çada quando da publicação de dois artigos que tratam do propósito estético: “manifesto, práxis e ideologia” e “literatura práxis”:

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A criatividade práxis (...) introduz um sentido novo de produção em que a dialética entre outro autor e leitor não comporta nem um exclusivismo subjetivo, nem uma neutra reificação objetiva. Comporta e realiza, apenas, formas-conteúdos vivos (MOISÈS, 1988, p. 447).

Atividade II

A propósito:

1. Tanto o concretismo como a poesia-praxis acabam por encetar no campo da literatura brasileira outra forma de fazer poesia e a propositura deste fazer poesia vai desencadear uma relação mais ativa com o leitor que passa da posição de estático vislumbrador para o patamar dos movimentos que o situa com uma importância compatível com estas produções que trouxeram outra maneira de encarar as coisas brasileiras.

Pesquise e indique no que a poesia-praxis difere do concretismo e aponte uma diferença fundamental para suas considerações.

2. A poesia concreta e a poesia-praxis são extremamente necessárias para o perfil de um leitor mais crítico e mais atuante, são fatores imprescindíveis para um olhar antenado com os problemas que assolam a sociedade brasileira a partir de uma escrita com imagens e palavras. Justifique ou negue esta opinião.

Com a fusão destes dois movimentos dos anos 60, esperamos que você perceba os diferentes movimentos dos versos desde a primeira geração até estes momentos considerados pela crítica como expressões que colocam o leitor da poesia brasileira em movimentos tantos.

Bom proveito!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas Para ampliar a discussão

Conforme já salientamos, em unidades anteriores, algumas infor-mações contidas nos sites que indicamos são pertinentes e, devem con-tinuar como fonte de pesquisa, também nesta unidade, o que implica que você deve buscar outros sítios para suas pesquisas.

ResumoO movimento concretista é singular no sentido da sugestão de uma

mobilidade de seu leitor pautado na modernidade e é uma proposta voltada para os meios mais criativos do modernismo brasileiro da ter-ceira geração que vê na palavra e na imagem uma aliança artística imprescindível para a construção de um leitor menos passivo e menos apático aos versos. É uma tendência que se volta para o urbano e aparece para trazer à tona um olhar mais universal em sua propos-ta inovadora de fundir som-imagem-palavra numa mensagem. Deste modo, a poesia concreta e a poesia-praxis são unânimes em estabe-lecer relações menos assistencialistas com o leitor por não desejá-lo estático diante do poema que eleva a leitura de versos a outros versos na interpretação. Do concretismo e da poesia-praxis retira-se tudo que é imprescindível para um comportamento mais avançado em termos de modernidade. Os autores que integraram estes movimentos são raros, mas elencamos para este estudo, do lado do concretismo, Décio Pigna-tari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos e do lado da poesia--praxis optamos por Mário Chamie. Estes autores são representantes da linha de frente das propostas que estes movimentos encampavam.

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Autoavaliação

Conforme você pode perceber, a sugestão marca definitivamente a nova era destes novos autores e leitores e interfere na prática de leitura na forma como é sugerida nestes movimentos exigindo-se um perfil crítico para a prática da leitura da poesia. Portanto, é a partir da autoavaliação que perceberemos o seu entendimento no tocante aos respectivos movimentos tratados nesta sétima unidade. Deste modo, é de nosso interesse, saber se de fato os conteúdos trabalhados aqui foram apreendidos de forma crítica conforme as propostas dos próprios autores do concretismo e da poesia-praxis. Para isto, sugerimos sua reflexão no entorno do material exposto nesta unidade com relação às características mais relevantes no tocante às reações com leitores críticos e menos passivos.

01 - Leia e reflita os fractais abaixo e coloque-os em confronto. Os dois primeiros fractais “a e b” referem-se ao concretismo e os fractais “c e d” referem-se ao poesia-praxis. Observe-os e aborde as diferenças fundamentais entre os olhares em foco.

Fractais: 1-A) Poesia concreta: tensão de palavras-coisas no espaço-tempo, estrutura dinâmica: multiplicidade de movimentos concomitantes. Também na música - por definição, uma arte do tempo – intervém o espaço (Webern e seus seguidores: Boulez e Sto-ckhausen; música concreta e eletrônica); nas ar-tes visuais – espaciais, por definição – intervém o tempo (mondrian e a série boogie-wogie; Max Bill; Albers e a ambivalência perceptiva; arte concreta, em geral).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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B) Ideograma: apelo à comunicação não-verbal. o poema concreto comunica a sua própria estrutura: estrutura conteúdo. o poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou menos subje-tivas. Seu material: a palavra (som, forma visual, carga semântica) seu problema. um problema de funções-relações desse material, fatores de proxi-midades e semelhanças, psicologia da gestalt. rit-mo: força relacional. o poema concreto, usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma área lingüística específica - “verbivoco-visual” – que participa das vantagens da comuni-cação não-verbal sem abdicar das virtualidades da palavra (MASSAUD, 1988, p.441).

Fractais 2-

C) Os autores da poesia-praxis não consideram “ a(s) palavra (s) que integra um vocabulário como mero objeto inerte de composição e sim energia, matéria-prima transformável; b) a sintaxe que ele obtém não decorre de nenhum código gramatical estatuído, mas é resultado original da transforma-ção a que ele submete as palavras...c) a semântica que articula exterioriza os problemas da área em relação ao contexto em que ela se situa...”

D) O texto praxis é um produto que produz; in-corpora o projeto de superação dos conflitos do contexto (no caso brasileiro a tensão maior entre subdesenvolvimento e desenvolvimento); sintoniza--se com uma consciência de produção industrial que vai da matéria-prima ao produto e deste ao uso coletivo (MASSAUD, 1988, p.447).

2 - Após ler os fragmentos supracitados daqueles que se consideravam “vanguarda nova” amplie a discussão colocando os contra-pontos em relação à “vanguarda velha”, conforme eles se alfinetavam.

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Referências

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VIII UNIDADE

Tendências contemporâneas

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ApresentaçãoFinalmente, após um longo diálogo com você sobre nossa literatura

brasileira onde debatemos desde o conceito de modernismo, em suas gerações, até os poetas concretistas e os poetas da poesia-praxis, che-gamos à oitava unidade onde abordaremos dois autores que conside-ramos imprescindíveis para uma melhor compreensão sobre a prosa de nossa literatura do ponto de vista das propostas inovadoras que advém de um projeto que visava colocar o leitor brasileiro numa situação outra que não de mero espectador.

Você pode estranhar o fato de termos colocado os poetas concretis-tas e da poesia-praxis à frente destes autores da prosa contemporânea, calma, lhe explicaremos o disparate, em primeiro lugar, é essencial en-tendermos que tanto Guimarães quanto Clarice representam o que de mais avançado há em relação à prosa de nossa literatura e tanto eles quanto os autores da poesia verbo-visual são imprescindíveis para uma compreensão das tendências contemporâneas, primeiro, porque se pe-garmos, poetas do porte de João Cabral de Melo Neto, entre outros, verificaremos que seus projetos se aproximam em vários sentidos, a contar da arquitetura de seus escritos que são muito mais voltados para aquilo que denominamos de literatura pós-moderna encetando um diálogo mais criativo com as personagens que permeiam suas criações, e, como vínhamos trabalhando o gênero poético resolvemos colocar estes dois autores na oitava unidade para reforçar nosso propósito de encerrar com estes que consideramos, acima de tudo, integrantes da-quilo que podemos classificar como tendências contemporâneas.

Assim, nosso propósito, é ressaltar estes dois autores numa quebra cronológica para fazer jus ao propósito de suas obras que podemos classificar como atemporais.

Para isto, elencamos dentre tantos prosadores fantásticos que re-presentam o bom nível de nossa literatura, Guimarães Rosa e Clarice Lispector, um por representar as vozes dos grandes sertões e a outra por levantar vozes mais introspectivas, e, ambos, sacodem o leitor na perspectiva de se encontrar consigo mesmo, ora nas veredas de seus próprios caminhos, ora por representar um diálogo mais psicológico que mobiliza o leitor num questionamento sobre sua existência e sobre o seu papel na terra como ser humano.

Para tanto, ao contrário da maioria das unidades onde nos dedi-camos à linguagem poética, com exceção da unidade seis, em que es-tudamos Graciliano Ramos e Raquel de Queirós como representantes do regionalismo e baluartes da descentralização da produção literária concentrada, até então, em São Paulo e Rio de Janeiro. Agora é a vez de retomarmos o romance como um gênero bastante influente em nossa literatura isto com a força destes autores que serão motivos de nossas discussões nesta última unidade.

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O fato de privilegiarmos estes autores como representantes máxi-mos da atualidade, esclarece que suas produções assumem um papel preponderante diante daquilo que denominamos de literatura contem-porânea, o que quer dizer que suas obras, principalmente, aquelas que abordaremos para nossos estudos, Grande sertão: Veredas e outros fragmentos das produções de Clarice contemplam os projetos mais avançados da atualidade, e são integrantes de uma produção que re-monta novidades insuperáveis que podem fundamentar nossas obser-vações. Assim, podemos dizer que estas obras tramitam entre aquilo que se denomina de “vanguardas velhas e vanguardas novas”

Escolhemos estes autores porque foram algozes em seus projetos de mexerem com o leitor no sentido de trazê-lo para os múltiplos sentidos que encerram suas obras.

Conforme esclarecemos, na sétima unidade, abordamos o moder-nismo, a pós-modernidade e as tendências contemporâneas à luz dos ideais estéticos e elegemos a poesia como um gênero imprescindível para abordar a posição do leitor perante a literatura, que em seu bojo, encontrou certa justificativa para mobilizar o projeto literário como um todo em sua relação com o público brasileiro.

Portanto, faz-se necessário que percebamos que para estes autores, o eu lírico é essencialmente poético, vez que para eles a poesia está para a prosa como “o amor está para a amizade”.

Se cá entre nós, sempre houve uma centralização do pensar lite-rário entre São Paulo e Rio, agora há outra descentralização entre as veredas das minas gerais e no olhar distante de uma autora, que não nasce brasileira, mas que se faz brasileira em sua forma de olhar a vida preferindo um olhar que não mirasse lugar nenhum, mas as pessoas.

Bons estudos

Objetivos

Nossos objetivos tramitam em torno das seguintes preocupações:

• Esclarecer as propostas literárias dos representantes das tendên-cias contemporâneas à luz das inovações trazidas por Clarice e Guimarães;

• Constituir uma crítica mais pertinente sobre as diferenças de linguagem que estes autores encetam em suas produções;

• Abordar com clareza as obras em foco, levando em considera-ção o projeto literário destes autores.

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O contemporâneo em tendências modernistas

A partir daqui, iniciaremos nossa abordagem à luz de Grande ser-tão: Veredas, obra escrita por Guimarães Rosa nos idos dos anos 56, que de certa forma, remonta e reconta as muitas viagens do autor pelas terras mineiras, mas sem esquecer que antes de Guimarães escrever esta obra, havia feito uma viagem pelo sul do país, o que esclarece que suas personagens criadas, trazem muito destas experiências por terras outras, que não exclusivamente, as mineiras. Por isto, a crítica insiste em colocá-lo como atemporal e como singular no sentido de que ele teria sobrevivido a tudo e a todos.

Ainda é cedo para se avaliar devidamente a figura de Guimarães Rosa e o sentido revolucionário de sua produção literária. Apesar de estarmos a mais de quarenta anos de sua produção inicial, não te-mos distância suficiente para julgar-lhe o relevo e o papel que representa, nos quadros da modernida-de e da literatura brasileira como um todo (MAS-SAUD, 1988, p.463).

Deste modo, na verdade, Guimarães é encarado pela maioria dos críticos como uma espécie de divisor das letras brasileiras, vez que sua proposta fugia completamente aos padrões literários anteriores e pode--se dizer que, foi sem dúvida, um autor “da mais relevante criação ficcional dos nossos dias que punha em crise o modernismo de 1922 e seus desdobramentos” (Cf. MASSAUD).

É assim, que se inscreve Guimarães no cenário da literatura brasi-leira, como um autor que inova e que traz à tona uma forma outra de encarar o fazer literário num projeto diferenciador “de nossas letras”

A trajetória de Guimarães Rosa percorre uma curva senóide cujo ápice é assinalado por Grande sertão: veredas: ascendente até essa narrativa-estuário, descendente nas obras posteriores, constituindo dois segmentos diferenciados, de ritmos contras-tivos, para não dizer opostos (MOISÉS,1988, p.464).

Guimarães Rosa é o tipo do autor que dilacera os modos anteriores de escrever dos regionalistas porque seu regionalismo difere no sentido de ser dado ao folclórico em “causos” ora fantasiados de real ora da-dos às fantasias do fictício e toda sua criação se assemelha à produção de um “pintor impressionista” que busca de todos os modos demonstrar seu olhar refinado em fragmentos do sertão mineiro.

Rosa, em sua inventiva literária, sabe como nenhum autor, mesclar prosa e poesia numa perspectiva que encaminha sua produção ora

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para o gênero novela pelo conjunto de “estórias”, ora para o gêne-ro poético pela presença do subjetivismo na acentuação dos conflitos. “Talvez o prosador tencionasse compor poemas em prosa regionalista” (Cf. MASSAUD).

Como você pode perceber este é o tipo do autor que se nega a dar continuidade aos projetos regionalistas de autores anteriores, mas que se rendeu, embora que em menor proporção, ao monótono veio folclórico tão predominante nas narrativas.

Por isto que Grande sertão: veredas aparece como uma obra que rompe com os parâmetros anteriores surpreendendo os leitores e críti-cos fadados aos novelos literários anteriores a ponto de causar espan-tos pela forma diferenciadora e nova de narrar, sobretudo, do próprio Guimarães em suas produções anteriores, bem como de várias produ-ções dos anos 50.

É unânime o olhar que aponta este autor, como um inventor da língua brasileira, vez que sua intenção maior era trazer à baila o sen-timento dos sertanejos, a partir de uma língua que sugerisse toda uma atenção em relação às sensações e sentimentos partindo de um voca-bulário inédito em nossa literatura, a ponto de ser necessária a produ-ção de dicionários voltados para o entendimento desta língua outra, não européia, presente na obra deste autor tão importante para a va-lorização de nossa língua. Para entender sua obra é imprescindível a recorrência deste dicionário para uma interpretação da fala das perso-nagens que ilustram sua literatura.

O modelo de escrita, não resta dúvida, era o diferencial de sua produção, a pontuação, a participação das personagens no enredo (Cf. MOISÈS) “decorria, não só de sua linguagem, inusitada e vivaz, mas também do seu conteúdo, reverberante como um imenso calei-doscópio“

Um extenso monólogo do ex-jagunço Riobaldo, aparentemente em diálogo com o autor implícito, constitui Grande sertão: veredas. Puxando pela prodigiosa memória, o narrador desfila ao interlo-cutor o seu passado de fora-da-lei, numa enfiada de episódios, aventuras e peripécias, em que os combates armados dividem o terreno com situa-ções idílicas (MOISÉS, 1988, p.465-466).

O ex-jagunço, Riobaldo, é uma típica demonstração das inovações propostas por Guimarães Rosa que expõe na trajetória desta perso-nagem e que remonta seu itinerário na infindável viagem quando da “travessia do rio da vida” onde faz questão de resgatar determinadas simbologias que deveriam dizer mais do que as letras em excesso po-deriam dizer. Os sinais gráficos que aparecem vez por outra, em suas obras, sugerem coisas outras que as letras por si só, jamais diriam.

Percebemos que a estrutura de Grande sertão: Veredas é dado ao gênero novelístico, conforme demonstramos anteriormente, e a influên-cia mais palpável do ponto de vista da organização formal remonta às

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novelas dA demanda do Santo Graal ou de D. Quixote, onde percebemos que não era o propósito literário do autor, andar sozinho sem a marca de uma influência forte a exemplo destes baluartes da novelística universal.

A saga de Riobaldo consiste numa novela de cavala-ria aclimada nos gerais. A peregrinação compulsó-ria do cavaleiro andante se transfigura na travessia do jagunço, e se o motivo dela não é mais a busca do graal ou o amor tresloucado por Dulcinea Del Toboso, senão a vingança, o resultado é idêntico, - sair no encalço de algo que dê razão à existência (MOISÉS, 1988, p. 466).

É assim, que percebemos o peso desta obra do ponto de vista das influências buscadas em outras obras inovadoras que causaram espanto não só nos críticos literários, mas nos leitores acomodados aos modelos anteriores, principalmente no ambiente medieval de onde Guimarães vai buscar fôlego para sua personagem Riobaldo que esbanja um perfil nos moldes cavaleirescos em seus relatos.

O ex-jagunço encampa certa liberdade no tocante à questão cro-nológica no que denomina de “fluxo da consciência” ou “linguagem automática” na remontagem da história da sua vida conforme o projeto surrealista.

“O sertão está em toda parte”, “o sertão é do tama-nho do mundo”, - diz ele em forma de estribilho à sua narrativa de encantar, em que o cru documentá-rio do cangaço sanguinolento e bárbaro se mescla ao maravilhoso das histórias de faz de conta, - ou mais precisamente, das novelas de cavalarias (MAS-SAUD, 1988, p. 465).

É deste modo, que o romance Grande sertão: Veredas esclarece o veio da ousadia mórfica que além de deslocar a palavra para outra ver-ve da sintaxe, acaba por encabeçar um vocabulário arcaizante e, ao mesmo tempo, neológico, em sua ousadia literária. No que tange à sua linguagem, sua preocupação maior é recriá-la com a finalidade de de-monstrar em sua produção que linguagem e vida não se dissociam e que desta aliança imprescindível vem à superfície a reinvenção do universo sertanejo, pois, para ele, “o sertão é o mundo” e é este propósito literário que conduz Guimarães para além do regionalismo o que esclarece sua ruptura com os lugares comuns da maioria dos autores regionalistas que conduziam suas obras às características mais comuns: “elementos fol-clórico pitorescos e meramente documentais” características que fazem Guimarães se preocupar com o dualismo fantasia-realidade o que des-perta a crítica dos críticos em apontá-lo como aquele autor que quebrou as pernas dos regionalistas que andavam a mercê do “pitoresco e do realismo”.

Questionando a linguagem de ficção e reunindo elementos lingüísticos na própria realidade serta-neja, reinventa o sertão. Acerca dessa reinvenção,

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que o Autor nega como tal, declarou: “Escrevo e creio que esse é o meu aparelho e controle, o idio-ma português, tal como usamos no Brasil; entre-tanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, extraio de muitos outros idiomas (JUNIOR, CAMPEDELLI, 1991, p. 275).

Por fim, com Grande sertão: Veredas, Guimarães Rosa deixa um dos maiores legados à literatura brasileira. Não é a toa que maior parte de nossa crítica literária insiste em indicar esta obra como um dos romances mais “extraordinários deste século” ressaltando sua característica mais im-portante “sob a forma de monólogo” onde

“Riobaldo: conta a sua experiência no sertão. Ques-tionando todo o tempo a existência de Deus e do Dia-bo, sob o tópico geral do sertão, desenrola narrativas, subnarrativas, episódios, acontecimentos narrados sob uma forma caótica e fragmentária. Como tudo flui da memória de Riobaldo, a narrativa é feita em zi-guezague, sem freqüência cronológica recomeçando várias vezes – fato justificado pela personagem-nar-radora: Ah, mas falo falso. O senhor sente? Desmen-te? Eu desminto. Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certa coisas passadas – de fazer balance, de se remexerem dos lugares (JUNIOR, CAMPEDELLI, 1991, p. 277).

É mister, na obra deste fascinante autor, uma tendência literária a apontá-la como inovadora, mas, mesmo assim, deixa escapar “o caráter mistificador” dos jagunços em relação aos seus chefes, o que podemos observar abaixo dentre os diversos fragmentos que há na obra:

(...) Chefe nosso, Medeiro Vaz, nunca perdia guerrei-ro. Medeiro Vaz era homem sobre o sisudo, nos usos formados, não gastava as palavras. Nunca relatava antes o projeto que tivesse, que marchas se ia ama-nhecer para dar. Também, tudo nele decidia a con-fiança de obediência Ossoso, com a nuca enorme, cabeçona meia baixa, ele era dono do dia e da noite. – quase não dormia mais: sempre se levantava no meio das estrelas, percorria o arredor, vagaroso, em passos, calçado com suas boas botas de caititu, tão antigas. Se ele, em honrado juízo achasse que estava certo, Medeiro Vaz era solene de guardar o rosário na algibeira, se traçar o sinal-da-cruz e dar firme ordem para se matar uma a uma as mil pessoas. Desde o começo, eu apreciei aquela fortaleza de outro ho-mem. O segredo dele era de pedra... (GUIMARÃES, apud JUNIOR e CAMPEDELLI, 1991, p. 278).

Como é de se notar, Guimarães não rompe definitivamente com os modelos anteriores onde a figura do “senhor chefe” exerce um poder

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fascinante sobre as personagens das narrativas regionalistas. É certo que há um tempero diferente nas personagens que constituem a obra deste autor em relação aos seus chefes. Veja outra passagem onde a figura do “chefe” aparece com poder admirável dentro da narrativa:

(...) Quando conheceu Joca Ramiro, então achou ou-tra esperança maior: para ele, Joca Ramiro era único homem, par-de-frança, capaz de tomar conta deste sertão nosso, mandando por lei, de sobregoverno. Fato que Joca Ramiro também igualmente saia por justiça e alta política, mas só em favor de amigos perseguidos; e sempre conservava seus bens haveres. Mas Medeiro Vaz era duma raça de homem que o senhor mais não vê; eu ainda vi (JUNIOR e CAMPE-DELLI, 1991, p. 278) .

Assim, é importante que você visite este autor e sua obra do ponto de vista de uma leitura mais aprofundada para perceber até que ponto há de fato uma ruptura com os romances regionalistas ditos convencio-nais que recorriam aos velhos recursos e que nada acrescentavam ao leitor que apenas se deparava com o lugar-comum dos regionalistas que não abdicavam de recursos “pitorescos e regionalistas”. Destarte, fica um convite para você aprofundar seus estudos no regionalismo, principalmente, à luz deste autor que não regionalizou o sertão por en-tender que “o sertão está em toda parte” que o “sertão é do tamanho do mundo”:

Em que o cru documentário do cangaço sangui-nolento e bárbaro se mescla ao maravilhoso das histórias de faz de conta - ou mais precisamente, das novelas de cavalarias. Símbolo a personagem, símbolo a história e dentro dela seus componentes, a principiar do horizonte geográfico: onde se de-senrola tal história de magia, de lenda, semelhante àquelas que se transmitem de geração a geração de modo a tornar Riobaldo o narrador-protótipo, espécie de Pagé do cangaço? (MASSAUD, 1988, p.467).

Disponível em: http://1.bp.blogspot.com/-BHwxbnhfB8E/TyfWOR5C_2I/AAAAAAAABeQ/yML-XBWIPjY/s1600/cangaceiros-do-sert%C3%A3o.jpg

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Atividade IAtividade de pesquisa

O regionalismo de Guimarães Rosa propôs uma quebra com os padrões dos romances de tradicionais regionalistas que preferiram a utilização exacerbada de determinados recursos utilizados de forma que o romance regionalista parecia sair de uma fôrma pronta para o consumo deste lugar comum.

A proposta de Guimarães diz respeito a uma verve inovadora que procura romper com estes padrões constituindo uma prosa que não regionaliza o sertão por entender que “o sertão está em toda parte” e que “o sertão é do tamanho do mundo”.

Desta feita, o projeto regionalista deste autor diz muito mais do que o regionalismo dos outros disseram.

1 - Escolha um fragmento de Grande sertão: Veredas e escreva sobre o projeto de Guimarães no tocante às diferenças de estrutura que ele apresenta em seu romance e contraste com os recursos convencionais utilizados por outros autores do regionalismo brasileiro, que conforme nossos estudos, podem ser verificados em Graciliano e Raquel de Queiroz.

2 - Escreva sobre a estrutura que Guimarães opta em sua produção destacando a característica da “trama entrecortada”, como o são também as personagens: somente uma reconstituição posterior pode nos dar a dimensão de Diadorim, Medeiro Vaz, Joca Ramiro, Hermógenes, José Rebelo etc. Verifique a forma como estas personagens aparecem na obra atentando para a questão do que seria esta “trama entrecortada”.

Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/_L-oqRYhk4gE/TRIIOcht2JI/AAAAAAAAAio/9wgKGxXT98A/s1600/sertao.jpg

Disponível em: http://static.tvtropes.org/pmwiki/pub/images/21_MHG_tonybrunca_7552.jpg

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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3 - Construa uma discussão a partir do fragmento abaixo:

Questionando a linguagem da ficção e reunindo elementos lingüísticos na própria realidade serta-neja, reinventa o sertão. Acerca dessa reinvenção, que o Autor nega como tal, declarou: “Escrevo e creio que este é o meu aparelho de controle, o idioma português, tal como usamos no Brasil; en-tretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, ex-traio de muitos outros idiomas (JUNIOR, CAMPE-DELLI, 1991, p. 275).

4 - Apresente uma crítica que aponte os avanços na língua do Brasil a partir da obra de Guimarães, Grande sertão: Veredas e o que esta língua de Guimarães muda em relação aos regionalismos produzido por Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos em seus regionalismos de fato.

Um olhar sobre a clareza de Clarice Lispector: rara sensibilidade

Sensível produção: 1926-1977É importante destacar que esta escritora se apresenta ao Brasil, a

partir do olhar de uma crítica machista, como uma autora singular na forma de encarar a realidade universal e, por conseguinte, a realidade do Brasil em suas diversas culturas. Não chega a ser uma autora regio-nalista, mas, curva-se ao espaço cronológico dos regionalistas que se dedicam a olhar o sertão para trazer à tona as personagens esquecidas e distantes das cenas da literatura brasileira.

É com o romance Perto do coração selvagem, escrito em 1944, que ela se apresenta com uma rara sensibilidade para tratar das coisas até então percebidas por seus contemporâneos, mas, ditas de formas extremamente comuns, sem que o leitor percebesse mudanças alguma, quer na estrutura da obra ou no diálogo sugerido para com ele. É sua aguda sensibilidade que desperta a crítica para um olhar mais aguçado e perplexo para sua obra:

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Disponível em: http://blog.opovo.com.br/sincronicidade/files/2012/04/Clarice-Lispector.jpg

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Perplexidade que, aliás, persiste: sua ficção é por vezes, tão inclassificável, que a própria Autora, em algumas de suas obras, se incumbiu de colocar subtítulos explicativos como em Um sopro de vida a autora chamou de “pulsações” (JUNIOR e CAM-PEDELLI, 1991, p.271).

A escritora preferiu comprar uma briga com a crítica se autodeno-minando de “sentidora”, “intuitiva” ao se posicionar em relação a seus livros que mais do que encetarem uma preocupação com os aconte-cimentos no cotidiano tomam partido para corroborar com a idéia de que seus livros não são precisamente livros de histórias, mas, como ela mesma preferia, livros de “impressões”, porque para seu eu lírico seus livros não se preocupavam exclusivamente com “os fatos em si” porque era fundamental a “repercussão do fato no indivíduo” trocadilho que a diferenciava dos autores que se preocupavam mais com os fatos do cotidiano do que com os indivíduos.

As personagens de Clarice são em demasia, seres que se locuple-tam em crises representativas “da situação alienada dos indivíduos das grandes cidades” e seus narradores são indivíduos aptos a contestarem “a linguagem literária padronizada”. Veja o exemplo do “Autor” de Um sopro de vida, personagem sem nomeação alguma.

Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as pa-lavras? Esgotaram-se os significados. Como surdos e mudos comunicamo-nos com as mãos. Eu queria que me dessem licença para eu escrever ao som harpejado e agreste a sucata da palavra (JUNIOR e CAMPEDELLI, 1991, p. 271-272).

É desta forma, que Clarice inova na literatura brasileira, primeiro porque sua preocupação é fundir narrador e personagem com o intuito de ressaltar uma mesma prática a partir da imaginação numa tentativa de romper com o poder da “barreira da palavra” e da ditadura do mundo da lógica para se aliar, exclusivamente, às coisas observáveis. Seu desejo maior como escritora é retomar o “selvagem coração da vida, perdido quando o homem historicamente perdeu sua liberdade intuitiva” (Cf. JUNIOR e CAMPEDELLI).

Seu projeto literário remonta a autores do porte de Marcel Proust, James Joyce entre outros que a influenciaram no tocante às “coorde-nadas estilísticas”. É deste modo que Clarice rompe com os padrões tradicionais de romance em suas técnicas que faziam deste gênero uma espécie de espelho que apenas refletia a época em situações econômi-cas e sociais. A marca maior de sua produção é a ambiguidade no que diz respeito à mente consciente que torna indefinível a “fronteira entre a voz do narrador e a das personagens”.

Rompe-se, assim, a narrativa referencial, ligada a acontecimentos. Em lugar dela, emerge uma nar-rativa interiorizada, centrada num momento de vi-vencia interior da personagem (ou do narrador). É

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possível, até mesmo, que um acontecimento exte-rior provoque o desencadear do fluxo da consci-ência: um acontecimento pode liberar idéias que vão até o inconsciente da personagem (JUNIOR e CAMPEDELLI, 1991, p.272).

Neste sentido, a literatura que Clarice produz é uma literatura in-tegrada à realidade concreta e objetiva uma consciência técnica que abranja, sobretudo, forma e conteúdo:

Por exemplo, dissocia as unidades narrativas para mostrar a falta de ligações mais profundas na so-ciedade. Organiza a narrativa em ritmo lento, para contrastar com o movimento da vida nas grades ci-dades. Filtra todos os fatos através de uma consci-ência que se isola do conjunto – eis aí a solidão do homem moderno (JUNIOR e CAMPEDELLI, 1991, p.273).

Deste modo, entendemos que Clarice se envolve com a prática de uma literatura, sobretudo, engajada em oposição a uma literatura alie-nada. Sua literatura compromete-se com o ser humano em sua realida-de quer seja interna ou externa.

Inscrita em círculos concêntricos, sua obra é um eterno recomeço na direção do centro, ocupado pelo “eu”. Na busca dele e seus mistérios anda fic-cionista, e suas personagens por ela: o seu graal é o seu ego. Quem sou eu? Como sou? O que ser? Quem sou realmente? E eu sou?”– é a indagação fundamental, de que promanam as outras, e tudo o mais de sua ficção (MASSAUD, 1988, p.455).

Assim, Clarice ocupa o espaço necessário para a sua produção literária num mundo permeado de seres que se debatem entre o interno e o externo, talvez por isso, há quem reconheça que em suas obras estão suas marcas mais pessoais denominando-as de autobiográfica, o que ela contesta embora reconheça depois: “fico depois sabendo por quem os lê que eu me delatei”.

Ai o tema e variações em que Clarice Lispector se nutre: o “eu” ou a vida – o horizonte coletivo ou abstrato visado pela escritora, - entendida, no en-tanto, como expansão do “eu” , a busca do “outro” (homem ou bicho), portador também de um “eu” cercado de análogo mistério (MASSAUD, 1988, p. 456).

Tanto Clarice quanto Guimarães vão produzir uma literatura que se aproxima em vários aspectos, a contar pela supervalorização da exis-tência num elogio permanente ou numa alusão constante a apologia

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do viver esclarecendo que “viver é coisa muito séria”, ou “viver é luxo” determinações que se aliam a Riobaldo quando ele afirma que “viver é perigoso” é claro que há diferenças que são radicais entre ambos, mas uma coisa eles tem em comum, o interesse pelo ser humano em seus mínimos detalhes internos ou externos.

Atividade II

Leia os trechos abaixo de MOISÉS (1988, p. 464) e após pesquisar sobre Clarice construa uma crítica voltada para sua produção literária. Tome como referência, para seu texto, as citações abaixo:

1 - Três maneiras, pois, podem ser entrevistas na carreira de Clarice Lispector: 1ª.) a instintiva, pura sensibilidade que se plasma em narrativas em tor-no da perplexidade existencial; 2ª.) a consciente, ou elaborada, em que a matriz sofre o caldeamen-to do trabalho artesanal; 3ª.) o retorno à instinti-vidade, já agora numa clave madura, trabalhada pelas experiências dolorosas que a vida lhe foi in-fligindo. Tudo se passa como se as suspeitas vagas, obscuras da adolescente hipersensível e imagina-tiva, se confirmassem na idade adulta, não sem experimentar uma fase “literária” ou intelectualiza-da, contemporânea do empenho em organizar o tumulto interior ou dar-lhe aparência mais nítida.2 - Participando do realismo mágico, a ficção de Clarice Lispector guarda uma cosmovisão desa-lentada, para a qual não há escapatória possível num horizonte sem mitos, salvo, precariamente, no interior da Arte: sua ficção denuncia, com vee-mência a verossimilhança do espaço encantatório que constrói, a perplexidade de uma civilização no ocaso, onde a Vida parece vazia de significado, assediada, sem trégua, por uma alienação vizinha da cegueira apocalíptica.

Pesquise e indique no que a prosa destes dois gigantes da literatura, Guimarães e Clarice, se aproxima e se distancia. Conforme o exercício da unidade anterior, destaque diferenças fundamentais para suas considerações críticas.

Boa produção! dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Resumo

Tanto Clarice quanto Guimarães encampam a modernidade numa perspectiva extremamente ímpar, porque apresentam outra maneira de abordar o leitor para iniciá-lo a partir de uma literatura regionalista ou intimista onde ambos têm como protagonista o ser humano em seu cotidiano na sua relação com a vida em suas reflexões internas e exter-nas e ambos são revolucionários no sentido de sua produção literária. Guimarães é apontado como o divisor de uma nova era para a produ-ção de nossa literatura, vez que apresenta a mais relevante invenção “ficcional” e põe em crise o Modernismo de 1922 porque foge aos moldes do estreito olhar dos regionalistas tradicionais, porque deixa de ser regional para ser mais nacional, mais universal, uma vez que não recorre ao lugar comum dos regionalistas em seus regionalismos “plásticos”. Já Clarice, é uma autora que trata de vários assuntos ao buscar palavras e mirar temáticas advindas de coisas do cotidiano e, surpreende, o “outro”, ser humano ou bicho, com panoramas criando motivos para encontrar seu leitor numa conversa instigante e intimista.

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AutoavaliaçãoPerceba, em primeira mão, que tanto Clarice quanto Guimarães

são autores que de certa forma rompem com os ditames do fazer lite-rário e encampam esta nova maneira de escrever buscando seus temas como algo intrínseco ao cotidiano, à vida dos leitores brasileiros e não diferem dos autores concretistas e da poesia-praxis que interferiram na prática de leitura exigindo um perfil crítico, inquieto e inteligente de seu público.

Deste modo, sua autoavaliação nos dará noção do seu entendi-mento em relação à nossa abordagem. Sua autoavaliação, no tocante a estes autores, nos esclarecerá de que modo e em que nível se deu a aplicabilidade do presente conteúdo nesta unidade e de que modo, após a leitura desta unidade, as propostas destes autores foram com-preendidas por você.

Assim, propomos que você reveja todo o material desta unidade para que, juntos, possamos medir seu grau de apreensão neste presen-te estudo. Produza considerações sobre esta unidade atentando, sobre-tudo, para as características mais singulares das produções literárias de Clarice Lispector e Guimarães Rosa.

01 - Escreva sobre as citações abaixo estudando o perfil literário dos autores em foco. Os fragmentos a e b referem-se à Clarice Lispector, os c e d a Guimarães Rosa.

a) “Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raí-zes submersas e profundidades do mar (...)”

b) “Escrever” existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem sa-ber como e por quê – é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação. É assim:? (JUNIOR e CAMPEDELLI, 1991, p.272).

c) Questionando a linguagem da ficção e reunindo elementos lingüísticos na própria realidade serta-

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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neja, reinventa o sertão. Acerca dessa reinvenção, que o Autor nega como tal declarou: “Escrevo e creio que esse é o meu aparelho de controle, o idioma português, tal como usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros.

d) A leitura de qualquer trecho de do Grande ser-tão: Veredas acusa “o culto da linguagem” – não um mero virtuosismo, como sinônimo de barro-quismo. Não: a preocupação do Autor é a de re-criar a linguagem. “A linguagem e a vida são uma coisa só” e portanto, nessa exaustiva recriação da linguagem emerge também a recriação do mundo sertanejo – pois “o sertão é o mundo” (CAMPE-DELLI e JUNIOR, 1991, p.275).

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